o tutor como street-level bureaucrat (slb) na educação à distância

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o tutor como street-level bureaucrat (slb) na educação à distância
O TUTOR COMO STREET-LEVEL BUREAUCRAT (SLB) NA EDUCAÇÃO À
DISTÂNCIA: UMA ANÁLISE A PARTIR DO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
Breynner Ricardo de Oliveira
Programa de Pós Graduação em Educação – Universidade Federal de Minas Gerais
Professor do Centro de Educação Aberta e à Distância – Universidade Federal de Ouro Preto
Eixo 3: Pesquisa em Pós-Graduação em Educação e Políticas Públicas
Comunicação
RESUMO
Este artigo analisa o papel dos tutores no curso de Administração Pública da UFOP. Os papéis
assumidos pelos atores no processo educativo ganham outros contornos nessa modalidade, em
especial para os “professores a distância”, tutores que são responsáveis por funções pedagógicas
e administrativas na interface com o aluno. A posição que ocupam na estrutura que dá suporte
ao processo educativo identifica-os com a teoria dos street level bureaucrats (LIPSKY, 1980),
agentes públicos que interagem discricionariamente com o cidadão no processo de
disponibilização de políticas. Realizadas as análises e traçado o perfil dos pólos onde o curso é
ofertado, quatro pólos foram selecionados a partir das seguintes categorias: (i)permanência dos
tutores, (ii)taxas de evasão dos alunos, (iii)pólos com mais de uma Instituição (IES) e (iv)perfil
sócio-econômico. Dos quatro pólos selecionados, dois estão no estado de MG e dois no Estado
de SP. As entrevistas revelam a adoção de estratégias discricionárias, fundamentais no processo
de implementação, incrementando os resultados alcançados em função de aspectos valorativos.
Os coordenadores locais são importantes em função da interface com as IES que ofertam cursos
naqueles municípios. Como esses cargos são de confiança do gestor municipal, o alinhamento
político parece ter influência nos pólos analisados. Se os grupos políticos locais apóiam a UAB,
há aspectos progressistas nos pólos. Caso contrário, identifica-se dificuldades na gestão.
PALAVRAS-CHAVE: Políticas públicas, educação à distância, street-level bureaucracy.
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INTRODUÇÃO
A educação à distância (EaD) tem ocupado, ao longo das últimas décadas, importante
lugar no processo de formação e qualificação profissional em todo o mundo e também no
Brasil. Isso pode ser observado na atenção que essa modalidade de ensino tem recebido do
governo brasileiro, principalmente no que tange à formulação de políticas públicas com o
intuito de promover expansão e democratização do acesso ao ensino superior, em especial no
processo de formação de professores de educação básica em localidades mais remotas, distantes
dos grandes centros urbanos.
Nesse sentido, os papéis assumidos pelos atores da educação ganham outros “olhares”,
uma vez que surgem os chamados “professores a distância”. Isso se dá devido à participação de
outros “professores” na mediação pedagógica, os chamados “tutores presenciais e à distância”.
Esses tutores desempenham um conjunto de funções pedagógicas e administrativas no processo
de ensino-aprendizagem à distância, além de serem eles os maiores responsáveis pela interface
com o aluno. É em função da posição que ocupam na estrutura operacional que dá suporte ao
processo educativo que esses agentes podem ser chamados, segundo Lipsky (1980), de street
level bureaucrats (SLB). Os SLB são agentes públicos que interagem diretamente com o
cidadão no processo de implementação e disponibilização das políticas, tendo papel
inexpressivo no modelo top-down (de cima para baixo) de implementação de políticas, mas
grande importância no processo de implementação quando o modelo bottom-up (de baixo para
cima) é considerado. Nessa visão, professores e profissionais da educação, bem como
assistentes sociais, policiais, agentes de trânsito e de saúde, médicos e enfermeiros podem ser
considerados alguns exemplos típicos de SLB.
Observa-se, portanto, o papel decisivo dos SLB nas políticas regulatórias que se
materializam através do mapeamento de suas estratégias comportamentais e valorativas,
impactando diretamente na implementação de programas ou políticas públicas. Este trabalho
pretende, portanto, investigar como são desempenhados os papéis discricionários dos SLB na
mediação pedagógica no curso de Administração Pública ofertado à distância pelo Centro de
Educação Aberta e à Distância da Universidade Federal de Ouro Preto (CEAD/UFOP) em
parceria com a Universidade Aberta do Brasil. Diante do exposto, a seguinte questão-geradora
emerge desta discussão: em que medida os SLB envolvidos no programa UAB/UFOP atuam no
processo de disponibilização de políticas públicas e quais seriam as possíveis estratégias e
valores desenvolvidos por eles, uma vez que podem potencialmente influenciar na
implementação de políticas de EaD?
2
Partindo do pressuposto de que a gestão da aprendizagem em EaD é integrada e não está
concentrada em um único indivíduo, os principais questionamentos a serem analisados aqui
serão sobre o papel dos SLB envolvidos no processo de formulação e implementação de
políticas públicas em EaD para, em um segundo momento, identificar estratégias e valores que
norteiam a ação desses atores no cotidiano da implementação do projeto de educação à distância
no curso de Administração Pública nos pólos presenciais da instituição. Analisar-se-á em que
medida essas
estratégias e valores podem potencialmente alterar o processo de
operacionalização do programa. Finalmente atenção será dada para o nível local, uma vez que a
influência política nos municípios parece desempenhar papel significativo no que se refere à
permanência e comprometimento dos atores e desenvolvimento dos pólos vinculados ao
CEAD/UFOP via UAB.
Para que os objetivos dessa pesquisa fossem alcançados, levantamento estatístico dos
dados referentes ao curso foi realizado para delimitar e selecionar pólos que “representassem” o
universo em questão. Realizadas as análises e traçado o perfil dos pólos onde são ministrados
cursos de Administração Pública na UFOP, quatro pólos emergiram como representativos desse
universo em função da alta correlação apresentada em função das categorias de análise definidas
na pesquisa: (i) permanência dos tutores, (ii) taxas de evasão dos alunos, (iii) pólos com mais de
uma Instituição Federal de Ensino Superior (IFES) e (iv) dados sócio-econômicos dos
municípios a partir dos indicadores oficiais disponibilizados pelo IBGE. Dos quatro
pólos/municípios selecionados, dois estão no estado de Minas Gerais e dois no Estado de São
Paulo.
Realizada a seleção, aplicou-se um questionário semi-estruturado para tutores
presenciais, tutores a distância e coordenadores de pólo elaborado a partir das seguintes
categorias: (i) percepções sobre o programa e sobre os valores que envolvem os atores do
processo, (ii) estratégias adotadas em EaD, (iii) percepções sobre a autonomia dos agentes na
gestão da aprendizagem, (iv) percepção sobre a hierarquia entre os envolvidos e (v) percepções
sobre a política no nível. Essas entrevistas foram realizadas on line, por meio de web/vídeoconferência ao longo do segundo semestre de 2010. Os dados foram tabulados e analisados e os
resultados obtidos serão apresentados e discutidos neste artigo.
1. Considerações sobre a Educação à Distância no Brasil
A educação à distância (EaD) é a modalidade de ensino que permite a ausência física do
aluno em um ambiente formal de ensino-aprendizagem, de maneira que o mesmo faça seu autoestudo em tempo distinto, o que torna possível uma separação temporal ou espacial entre o
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docente e o discente através das mais diversas tecnologias, principalmente as telemáticas, como
a internet.
De acordo com Belloni (2001), algumas características podem ser observadas e
destacadas nas diversas iniciativas em EaD em curso no Brasil desde os anos 1940: (i) todos os
projetos são fruto de profundas transformações nos campos econômico, político, social e
tecnológico; (ii) as experiências realizadas, em maior ou menor grau, têm contribuído para a
transformação dos métodos de ensino e da organização do trabalho nos sistemas
“convencionais” de ensino; (iii) o processo de ensino-aprendizagem é centrado no aluno, que
emerge como um sujeito autônomo, responsável pelo seu processo de formação através da
interação com o professor, (iv) o professor passa a gerenciar o processo de ensino-aprendizagem
a partir de recursos específicos, além de assumir diferentes papéis institucionalizados que eram
desempenhados informalmente na educação presencial e (v) a emergência desta modalidade de
educação está relacionada diretamente com a crescente necessidade de expansão do
ensino/qualificação profissional em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil.
Estatísticas revelam que a “janela de oportunidades” criada pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional proporcionou um aumento significativo no número de alunos,
cursos e instituições na modalidade à distância desde o final dos anos 1990, sobretudo no setor
privado. Tal fato demonstra com nitidez a motivação econômica associada a essa expansão, uma
vez que a obtenção de retornos marginais dos investimentos em educação à distância pode ser
bem maior do que os advindos da educação presencial. Em grande medida, isso se dá em função
das economias de escala que a primeira modalidade garante ao ofertante. Em outras palavras, as
iniciativas do setor privado têm objetivos mercadológicos, uma vez que a instalação de seus
pólos privilegiará, preferencialmente, locais onde os ganhos de escala e o retorno econômico
são maiores, o que por vezes excluiria as localidades mais remotas, com baixo retorno
econômico-financeiro.
Para o caso do setor público, entretanto, pode-se afirmar que os retornos esperados
dessa modalidade de ensino não se concentram apenas nos “ganhos” tangíveis e quantificáveis,
isto é, aqueles traduzidos em compensações monetárias. Exatamente por serem instituições
públicas, devem também estar comprometidas com o chamado “retorno social”, um dos
principais elementos que justificam a oferta de bens e serviços por parte do governo. Para o caso
específico da EaD, o acesso à formação superior alcança localidades que, provavelmente, não
seriam contempladas com cursos presenciais em função do baixo retorno, vis-à-vis, elevado
custo de implantação. Daí a importância estratégica da criação de uma rede de universidades
públicas que ofertem cursos à distância nas diversas regiões do país.
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Dessa forma, pode-se observar que, no Brasil, a implementação de políticas públicas
que deram dimensão espacial para os programas voltados à EaD ganhou um novo status com a
criação da UAB. De acordo com o Ministério da Educação, a UAB objetiva articular e integrar
um sistema nacional de educação superior à distância, em caráter experimental, visando
sistematizar as ações, programas, projetos e atividades pertencentes às políticas públicas
voltadas para a ampliação e interiorização da oferta do ensino superior gratuito e de qualidade
no Brasil, reduzindo as históricas assimetrias de acesso nesse nível.
1.1 A Universidade Aberta do Brasil
Criado pelo Ministério da Educação no ano de 2005 em parceria com a Associação
Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior e Empresas Estatais, no
âmbito do Fórum das Estatais pela Educação com foco nas Políticas e a Gestão da Educação
Superior, o sistema UAB promove uma política pública de articulação entre a Secretaria de
Educação a Distância e a Diretoria de Educação a Distância com vistas à expansão da educação
superior, no âmbito do Plano de Desenvolvimento da Educação.
De acordo com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, esse
sistema funciona como articulador entre as instituições de ensino superior e os governos
estaduais e municipais, com vistas a atender às demandas locais por educação superior. Essa
articulação estabelece qual instituição de ensino deve ser responsável por ministrar determinado
curso em certo município ou certa microrregião por meio dos pólos de apoio presencial. Feita tal
articulação, o sistema UAB assegura o fomento de determinadas ações de modo a assegurar o
bom funcionamento dos cursos, a partir de cinco pilares estratégicos: (i) expansão pública da
educação superior, considerando os processos de democratização e acesso; (ii) aperfeiçoamento
dos processos de gestão das instituições de ensino superior, possibilitando sua expansão em
consonância com as propostas educacionais dos estados e municípios; (iii) avaliação da
educação superior à distância tendo por base os processos de flexibilização e regulação
implantados pelo MEC; (iv) estímulo à investigação em educação superior à distância no País e
(v) financiamento dos processos de implantação, execução e formação de recursos humanos em
educação superior à distância.
Segundo a Capes, a UAB oferece, por meio das instituições públicas de ensino
superior integrantes do sistema, cursos dentro das áreas de especializações do programa Mídias
na Educação, licenciatura em Pedagogia, licenciatura em matemática, especializações para
professores, em parceria com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
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Diversidade (SECAD/MEC) e o Programa Nacional de Formação em Administração Pública –
PNAP.
Para melhor funcionamento do sistema UAB, foram criados os pólos de apoio
presencial, que são as unidades operacionais para o desenvolvimento descentralizado de
atividades pedagógicas e organizacionais relativas aos cursos e programas ofertados à distância
pelas instituições públicas de ensino superior. Mantidos por Municípios ou Governos de Estado,
os pólos oferecem a infra-estrutura física, tecnológica e pedagógica para que os alunos possam
acompanhar os cursos à distância através de ambientes virtuais de aprendizagem - AVA. Os
pólos são, portanto, “portas” de saída das políticas de EaD, uma vez que, além de concentrarem
vários processos administrativos institucionais, constituem espaço privilegiado de interação
política no nível local e também atmosfera de “tensão” entre os atores envolvidos na mediação
em EaD (coordenação/alunos/professores/tutores).
2. A Universidade Federal de Ouro Preto e o curso de Administração Pública no Contexto
da UAB
Na perspectiva de implementação de políticas públicas que visam maior democratização
do ensino superior, a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) passou a integrar essa rede de
instituições atendendo, via UAB, diversos pólos em Minas Gerais, Bahia e São Paulo através
dos cursos de Pedagogia, Matemática e Administração Pública.
A UFOP iniciou suas ações nessa modalidade com curso de Licenciatura plena
destinado à formação de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental. A
viabilização do curso levou à criação do NEAD – Núcleo de Educação Aberta e a Distância,
aprovada pelo Conselho de Ensino e Pesquisa da UFOP em 12 de abril de 2000, quando houve
também a aprovação do curso. Imediatamente, foram implantados três pólos em Minas Gerais.
Sucederam-se a constituição de outros dez pólos, numa abrangência de 88 municípios, 3.750
alunos, em regiões diversas do estado de Minas Gerais. Em dezembro de 2003, o Conselho
Universitário aprovou a criação do CEAD – Centro de Educação Aberta e a Distância, como
unidade acadêmica universitária, responsável pela oferta de cursos de graduação e pósgraduação lato sensu, de Educação Básica e de Educação Infantil.
Atualmente, a UFOP oferta cursos de graduação em Administração Pública,
Matemática, Pedagogia, Pedagogia (Educação Infantil); cursos de especialização em Práticas
Pedagógicas, Gestão Pública, Mídias na Educação; cursos de aperfeiçoamento em Gestão, em
Produção e Organização de Conteúdo; cursos de Capacitação de Tutores em EaD, Escolas
Sustentáveis, Complementação Pedagógica em Geografia e Extensão em Mídias na Educação.
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Dentre os cursos citados encontra-se o de Administração Pública, que foi incluído devido a sua
característica peculiar de formar gestores que utilizem uma linguagem comum e que
compreendam as especificidades de cada uma das esferas públicas: municipal, estadual e
federal, além do fato de não ser muito comum a existência desse curso em localidades fora dos
grandes centros urbanos. Assim como os outros cursos à distância ofertados, o curso teve início
no segundo semestre do ano de 2007, com uma oferta de 600 vagas. Há ao todo 11 (onze) pólos
ofertantes do curso, sendo quatro no estado de São Paulo e sete em Minas Gerais.
No caso da UFOP, são estes os atores e suas respectivas funções nessa modalidade de
ensino:

Coordenador UAB na IES e Coordenador suplente: desenvolvem atividades
administrativas, coordenam os cursos ofertados pelas instituições de ensino e gerenciam
contatos entre o MEC e os pólos associados;

Tutores a distância: estabelecem contato com alunos para apoio aos estudos através
dos recursos tecnológicos disponíveis;

Professores: realizam aulas, disponibilizam em espaço virtual e ministram aulas. Fazem
visitas aos pólos em períodos de aulas presenciais, quando necessário;

Coordenadores de pólo: coordenam a oferta do curso em seu pólo, a manutenção das
instalações para atender seus alunos e estabelecem contato entre coordenadores UAB
nas instituições de ensino e junto ao MEC;

Alunos: recebem os cursos à distância por meio de tecnologias informatizadas e
utilizam o pólo de apoio presencial para realizarem seus estudos, pesquisas e assistirem
as aulas presenciais previstas no currículo;

Tutores presenciais: estabelecem contato com alunos para apoio aos estudos in-loco.
No que se refere à interação entre professores, tutores e alunos, o esquema a seguir
ilustra o fluxo entre esses atores na UFOP:
PROFESSOR
TUTOR PRESENCIAL
TUTOR A DISTÂNCIA
ALUNO
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Para melhor entender o objeto de estudo, levantamentos estatísticos foram realizados
para se traçar um perfil do curso de Administração Pública à Distância da UFOP. Assim, foram
feitas análises envolvendo: (i) o número de alunos ingressantes por período; (ii) as taxas de
evasão por ano/semestre de ingresso; (iii) a evolução na contratação/desligamento de tutores e
(iv) o perfil sócio-econômico dos pólos atendidos. Para isso, adotou-se como referência os
dados das turmas ingressantes em 2007 e 2008, as mais “antigas” e que, por isso, apresentam
séries estatísticas mais extensas1. Dessa maneira, conforme se observa na tabela 1, a primeira
turma (ingresso em 2007) apresenta uma percentagem de 30% de evasão dos alunos
matriculados no curso2 ao passo que a segunda turma (ingresso em 2008) apresentou um
percentual de 26,18% de evasão3 .
TABELA 1
Evolução do Curso de Administração Pública: Bacharelado
Pólo
Vagas
Ofertadas
600
1ª
2º/2007
1º/2008
2º/2008
1º/2009
2º/2009
1º/2010
I
T
I
T
I
T
I
I
I
600
597 596
591
591
476
476 455
455 427
420 x
549
545
485 465
465 419
406 x
1140
1021
961 920
920 846
826 x
T
T
T
Oferta
550
2ª
Oferta
TOTAL
1150
600
597 596
591
Fonte: Elaboração Própria a partir dos dados disponibilizados pelo CEAD (UFOP). 2010/1.
As entrevistas realizadas com os coordenadores dos quatro pólos selecionados e seus
respectivos tutores presenciais e à distância sobre a evasão dos alunos permitem apontar uma
hierarquia de elementos que poderiam, ainda que superficialmente, explicar tais percentuais: (1)
desconhecimento da modalidade à distância; (2) estranhamento acerca da modalidade de ensino;
1
Em função do limite de páginas alguns dados foram condensados e os cruzamentos realizados foram
omitidos nesse artigo, destacando-se apenas seus resultados intuitivamente.
2
Cálculo realizado tomando como base o primeiro semestre de 2010.
3
Cálculo realizado tomando como base o primeiro semestre de 2010.
8
(3) falta de tempo, disciplina, hábito de estudo e recursos tecnológicos; (4) conflito entre as
representações dos alunos acerca do ensino presencial com as novas vivências do ensino à
distância; (5) falsa crença no processo de avaliação, construído a partir da expectativa de “ser
mais fácil”; (6) pouca ou nenhuma identificação com o curso4.
Percebe-se, então, que, de alguma forma, os motivos expostos pelos entrevistados
apontam para as dificuldades em se mediar o processo de aprendizagem quando vários atores
estão a ele vinculados. Todos os elementos apontados têm relação direta ou indireta com a
atuação do tutor, um dos elos específicos nesse processo.
3. Os tutores e a “burocracia no nível da rua”
Se a evolução do número de tutores no curso de Administração Pública for considerada,
perceber-se-á que a quantidade de tutores tende a se alterar a cada semestre, quer seja pela
contratação de novos quadros para suprir a demanda crescente, quer seja para equacionar a
elevada rotatividade desses profissionais. Esse processo de contratação/reposição/desligamento
não é linear e simples, uma vez que, em função das dificuldades locais da seleção, não
necessariamente os tutores contratados têm formação e/ou experiência na área em que atuam.
Soma-se a isso o fato de a grande maioria dos tutores não ter experiência docente; para os que
têm, as trajetórias são construídas no ensino presencial, muito diferente da modalidade à
distância.
Em outras palavras, o tutor não exerce um papel passivo. O próprio modelo de EaD faz
com que esse ator desenvolva um grande conjunto de estratégias e comportamentos que o
coloca na linha de frente dessa mediação, razão pela qual seu papel não pode ser negligenciado.
Tudo isso demonstra que cada nova oferta do curso implica necessariamente em uma demanda
maior de tutores, principalmente os tutores presenciais, reforçando seu papel como um dos SLB
mais característicos em função do papel estratégico que desempenham.
Esses atores podem ser considerados, portanto, agentes públicos que interagem
diretamente com o aluno/cidadão no processo de implementação e disponibilização das
políticas, conforme descrito por Lipsky (1980). A grande maioria desses atores exerce, segundo
ele, suas funções remotamente, isto é, longe dos gabinetes e níveis hierárquicos estratégicos da
Administração Pública. Como estão “na ponta” ou na base da pirâmide hierárquica de
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Uma questão interessante chama a atenção: os entrevistados deixam claro que muitos alunos não sabiam
que o curso era de Administração Pública. Em outras palavras, muitos alunos imaginaram estar cursando
um curso de Administração de Empresas. Isto sugere que, no que concerne à Universidade e às
Prefeituras envolvidas, as estratégias de divulgação e seleção nos pólos foram precárias e insuficientes.
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gerenciamento das políticas, sua atuação tem se mostrado fundamental para se compreender o
que de fato acontece no cotidiano dessas ações.
Nessa vertente teórica, entende-se que uma política só será, efetivamente, uma política
quando for disponibilizada para o cidadão, o que na maioria das vezes acontece através da
mediação dos SLB. Esses agentes são, portanto, atores que detém algum poder discricionário
porque são eles que mantêm contato direto com o cidadão. É exatamente esse contato direto
com os usuários que permite que esses agentes incorporem às políticas um conjunto de valores
ou representações que podem, em última instância, alterar o curso dessas mesmas políticas.
Do ponto de vista comportamental, muito do que se sabe sobre as estratégias de
interação entre os burocratas no nível da rua e os cidadãos deve-se às pesquisas empíricas
desenvolvidas por Lipsky (1980). No trabalho, o autor afirma que esses agentes desenvolvem
um conjunto de estratégias que serão postas em ação de acordo com o tipo de demanda
existente: os SLB podem “calcular” a quantidade de esforço dispêndio em função do nível de
trabalho ali executado; podem alterar procedimentos rotineiros ou regras operacionais em
função do aprendizado cotidiano acumulado por eles ao longo do tempo de serviço ou em
função da quantidade de especialização em executar determinadas tarefas ou rotinas.
Ao atentar para questões de âmbito político no nível local, observou-se que três dos
quatro pólos pesquisados têm estratégias próprias de gerenciamento e custeio do programa.
Nesse sentido, contam com coordenadores locais “empoderados”, com grande autonomia
decisória e capacidade de liderança, além de complementar a bolsa paga aos tutores presenciais
pelo governo federal através de emenda orçamentária específica. Isso permite, por exemplo, que
um dos municípios remunere seus tutores em até R$ 2500,00 (a bolsa paga pelo governo é de
R$ 765,00). O impacto disso para o processo em si é relevante por que: (1) os tutores
presenciais desses pólos demonstram, nas entrevistas, maior comprometimento e interesse; (2) a
carga horária desses tutores no pólo é superior à jornada exigida pela UAB; (3) os tutores
presenciais possuem pelo menos uma formação superior, sendo que muitos deles são
professores que atuam na rede pública e/ou privada5 e (4) a complementação na remuneração
permite que a coordenação local exija maior comprometimento dos tutores, além de acrescentar
novas rotinas e atividades que devem ser cumpridas pelos tutores.
As entrevistas com esses atores revelam a adoção de estratégias pedagógicas exitosas:
(1) criação de grupos de estudo, pesquisa e discussão no pólo e/ou no AVA; (2) pesquisa e
indicação de referências bibliográficas complementares e/ou substitutivas; (3) “plantões” de
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Dos 13 entrevistados (tutores presenciais e coordenadores de pólo) nove possuem especialização em
suas áreas de formação ou mestrado, três têm pelo menos uma segunda graduação e 1 possui apenas
graduação e cursos de aperfeiçoamento em EaD.
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atendimento aos sábados, semelhantes às atividades de monitoria e (4) aulas com grupos de
alunos, apresentando/reforçando os conteúdos propostos pelos professores responsáveis pelas
disciplinas.
A atuação dos tutores pode ser, portanto, positiva para o processo de implementação,
reforçando ou incrementando os resultados alcançados pelas políticas em andamento em função
de aspectos ideológicos ou valorativos, impossíveis de serem neutralizados nos agentes
públicos. Esse tipo de (re)significação é fruto das relações sociais que permeiam as instituições
ou os espaços públicos, sendo muito difícil que o Estado e os gestores envolvidos exerçam
controle total sobre estes programas. É inevitável que esses espaços de atuação dos SLB sejam
afetados por uma rede de novos e reais significados, traduções e atitudes em relação às
propostas oficiais. Esse processo é tão informal e se encontra tão sutilmente integrado à cultura
organizacional dessas instituições que é difícil distingui-lo nas relações cotidianas que
caracterizam esses espaços. Por outro lado, é perfeitamente possível dizer que essas “tramas
culturais” sejam incorporadas às decisões, posicionamentos e atitudes dos tutores/SLB em sua
rotina diária e que, por isso mesmo, devem ser consideradas pelos formuladores de política.
Considerações Finais
Entender a implementação como um jogo seqüencial significa atribuir a essa etapa um
caráter decisório muito mais complexo do que aquele descrito inicialmente. Em outras palavras,
o processo de implementação é marcado por um conjunto de decisões políticas e operacionais
que são fundamentais para explicar como a política será efetivamente posta em ação. Mais do
que categorizá-la em termos de sucesso/fracasso, há um conjunto de valores que devem ser
analisados no processo decisório, razão pelas quais muitas políticas públicas se situam entre
aqueles dois espectros. Parte-se, portanto, da seguinte premissa conceitual: a implementação
“cria” políticas quando, ela mesma, se constitui em fonte de informações e de aprendizagem
tanto do ponto de vista organizacional quanto político. Dessa forma, deve-se observar também
que a discricionariedade emerge novamente, uma vez que é o tutor/SLB quem realmente decide
que tipo de ação será – ou não – executada quando demandas cotidianas e/ou pontuais emergem
por parte dos alunos. Ressalte-se que a tomada de decisão dos tutores não necessariamente leva
em conta as instruções dos professores, “gestores oficiais” das disciplinas. Pelo contrário, suas
atitudes são pautadas pela experiência adquirida nesse processo e na função docente exercida
em outras instituições, além de questões valorativas e/ou ideológicas que emergem naturalmente
nessa relação.
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Segundo Souza (2006), o estudo do papel dos SLB reforça a tese de que o processo de
implementação de políticas é um jogo de rodadas sucessivas, marcado por conflitos de interesse,
estratégias de barganha e negociação, problemas de coordenação entre níveis e esferas de
governo, assimetria de informação e recursos limitados. Há, ainda, problemas de natureza
política e resistência/boicotes realizados por grupos ou setores afetados pela política.
Nesse caso observa-se claramente o que está explicitado na teoria dos SLB, uma vez
que sua relação com o público-alvo (alunos, nesse caso) pode influenciar decisivamente o
comportamento dos beneficiários em função dos níveis de empatia presentes nessas interações.
Assim, é possível que professores, tutores e coordenadores de pólo atuem positiva ou
negativamente motivados em relação aos beneficiários, isto é, com aversão ou resistência;
tolerância e empatia; passividade e pró-atividade. É possível, portanto, inferir que tutores
“defendem” alunos em risco de reprovação, intervindo junto aos professores no sentido de
justificar eventuais dificuldades dos discentes em relação à disciplina cursada, além de apontar
elementos que indiquem dedicação e comprometimento por parte dos alunos. Por outro lado, é
também possível identificar comportamentos contrários, quando tutores desenvolvem algum
tipo de rejeição ao aluno, muito provavelmente em função da baixa participação no AVA ou,
ainda, quando o aluno apresenta poucas demandas.6
Como já apresentado anteriormente o conjunto desses sentimentos produz resultados
diferentes. Segundo Winter, aversão/resistência pode ser definida como um conjunto de atitudes
negativas que os SLB têm (ou desenvolvem) em relação à população-alvo dos programas
sociais (nesse caso, a EaD). A tolerância, por sua vez, é entendida como os sentimentos de
aceitação e compensação que os agentes têm (ou desenvolvem) em relação aos beneficiários dos
programas. Empatia é definida como o sentimento que os agentes têm (ou desenvolvem) no
sentido de colaborar ativamente para que os usuários dos programas sejam favorecidos ou
beneficiados. Tudo isso pode ser claramente observado no processo de educação à distância,
uma vez que os tutores possuem maior contato com os alunos, o que os torna capaz de absorver
informações cruciais, que aumentarão o poder discricionário desses atores ao longo do processo
decisório que se estabelecerá no dia-a-dia de suas ações.
No que se refere aos coordenadores dos pólos de apoio presencial, percebe-se sua
importância na “gestão local” em função da interface com as instituições que ofertam cursos
6
Várias são as possibilidades de interação e tipos de decisões. A relação tutor-aluno é intensa e cheia de
contradições, sobretudo a que se estabelece entre o presencial e o aluno, no pólo de apoio. Essa é uma
outra frente dessa pesquisa, que será investigada oportunamente.
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naqueles municípios7. As entrevistas apontam que a influência política desses atores é decisiva
para o bom funcionamento dos pólos. Em outras palavras, como esses cargos geralmente são de
confiança do gestor municipal, livres de concurso público, o alinhamento político parece ter
grande influência nos municípios pesquisados. Quando os grupos políticos locais são favoráveis
às políticas de EaD via UAB, há aspectos progressistas no processo de desenvolvimento dos
pólos. Quando o contrário acontece, identifica-se que há dificuldades no que se refere à
disponibilização “na ponta” dessa política. 8 Uma questão que poderia ainda ser investigada está
associada aos arranjos políticas locais vis-à-vis a taxa de evasão de tutores, o que parece
impactar também na taxa de evasão dos alunos do curso, sabendo que estas são variáveis
dependentes nesse modelo causal.
7
Conforme apresentado anteriormente, os quatro municípios analisados contam com mais de uma
Instituição de Ensino Superior ofertando cursos de graduação/especialização pela UAB.
8
Dos quatro pólos analisados, três têm coordenadores indicados pelos prefeitos ou aliados políticos
locais, ocupando cargos em comissão. Nenhum desses é servidor municipal efetivo. Por outro lado, a
coordenadora do quarto pólo é servidora efetiva de um município que não é governado por partidos da
base aliada do governo federal, razão pela qual, segundo ela, “tem sido mais difícil fazer as coisas
acontecerem por aqui”.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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