O futuro do cérebro A oitava conferência do Fronteiras do
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O futuro do cérebro A oitava conferência do Fronteiras do
O futuro do cérebro Por Sonia Montaño A oitava conferência do Fronteiras do Pensamento 2012 teve em sua saudação musical o pianista Tiago Meirelles, que preparou o público presente para receber a cientista britânica Susan Greenfield, que versou sobre o tema “O futuro do cérebro, o cérebro do futuro”. Explorando uma questão que todos, não apenas cientistas, estão debatendo, pois todos vivemos no século 21 e este é um tempo de mudanças nunca vistas em séculos anteriores, a conferencista iniciou sua fala abordando como as novas tecnologias irão mudar nossas vidas e a forma como pensamos e sentimos, e como nossos filhos pensarão e sentirão. Como neurocientista, sua história começa com o cérebro humano. Greenfield contou que sempre teve grande curiosidade de saber e compreender as diferentes partes do cérebro, e, nas oportunidades em que fazia dissecção do cérebro humano, pensava sobre que tipo de memória, emoção, pensamento estaria impresso em cada parte do cérebro. Para efeito de melhor entendimento da plateia, apresentou as conclusões em primeiro lugar, para depois examinar as evidências. Sua primeira conclusão: o meio ambiente é fundamental para tornar a pessoa o que ela é. Lembrou um jornal inglês que apresentou a história de um menino nascido com dano cerebral grave, mas que com dois anos de idade estava normal, porque o cérebro se reconectou e conseguiu compensar aquilo que havia sido destruído. Pessoas que sofreram dano cerebral conseguem alcançar algum nível de recuperação após certo tempo, pois o cérebro tem a habilidade de se reconectar. Isso acontece com o cérebro o tempo todo, e são essas mudanças e adaptações que acontecem no cérebro que fazem com que você seja a pessoa que é. O cérebro humano, à medida que evoluímos, consegue se libertar da tirania dos genes, o que quer dizer que os seres humanos conseguem fazer uma coisa particularmente bem, melhor que qualquer outro animal: nós aprendemos, nos adaptamos ao ambiente. Por esta razão ocupamos nichos ecológicos em maior número que qualquer outra espécie no planeta. A isso chamamos plasticidade, que vem do grego plastikos, que quer dizer “ser moldado”. Por cem mil anos, tempo em que o homem tem estado no planeta, nenhum outro ser desenvolveu um cérebro como o seu. Algumas pessoas podem ter um fígado como o seu, um coração como o seu, mas ninguém terá um cérebro igual ao seu. Cada cérebro é único, e, mesmo no caso de gêmeos idênticos, cada cérebro é único. Isso acontece porque o crescimento do cérebro após o nascimento não se dá pelo número de células no cérebro, mas pelo crescimento nas conexões entre estas células. “O que é maravilhoso sobre ser você é que você terá experiências únicas, e isso se refletirá em conexões de células cerebrais que serão moldadas, alteradas, atualizadas e fortalecidas por aquilo que acontece com você enquanto você interage com o mundo”, explicou. Uma prova da importância destas conexões foi o experimento realizado com motoristas de táxi londrinos, que precisaram desenvolver uma coisa chamada memória de trabalho, para passar num teste em que têm que memorizar os nomes de todas as ruas de Londres. Esta memória de trabalho está relacionada com uma parte do cérebro denominada hipocampo. No estudo sobre os motoristas de táxi de Londres, o hipocampo dos participantes, esta área que se relaciona com a memória, estava maior nos motoristas de táxi do que em pessoas da mesma idade. Outro exemplo é o estudo feito com três grupos de pessoas que não sabiam tocar piano. O grupo de controle apenas ficou olhando para o piano por cinco dias. O segundo grupo fez alguns exercícios básicos com cinco dedos, e o terceiro grupo, cujos resultados foram mais impressionantes, apenas imaginou que estava tocando o piano. No primeiro grupo, as células cerebrais permaneceram inalteradas, no segundo grupo, houve diferença marcante no território cerebral relacionado. No terceiro grupo, os scanners cerebrais são iguais aos do grupo que fez exercícios de cinco dedos ao piano. Isso nos diz algo muito interessante: não podemos falar em mental versus físico, mente versus cérebro, como se fossem coisas separadas. Não importa quão abstrato ou exótico você pensa que o seu pensamento é, ele está lá no cérebro, de alguma forma, mudando a estrutura do seu cérebro. O que importa para o cérebro aqui não é a contração do músculo, é o pensamento que o precedeu. Um brilhante médico da década de 60, que desenvolveu a terapia que ainda está em uso no combate ao Mal de Parkinson, cunhou esta frase maravilhosa: “O pensamento é movimento confinado ao cérebro”. A pessoa está pensando em tocar o piano, ela não está tocando piano, e ainda assim seu cérebro mudou. Para descobrir o que está acontecendo no cérebro, Greenfield, em seu laboratório, usa ratos para efetuar análises. Os ratos são colocados em dois ambientes diferenciados, um sem estímulo, bastante entediante, e outro rico em possibilidades, como subir e descer, entrar em canos, explorar etc. Se você olha para uma célula cerebral de um rato confinado a um ambiente comum, em uma cela de laboratório, e compara com a célula cerebral de um rato colocado em um ambiente mais rico, você pode observar que as terminações que saem da parte principal da célula cerebral dos ratos mantidos no ambiente mais rico são maiores. Por que isso é importante, e por que acontece? Da mesma forma de quando você está exercitando seus músculos, as células cerebrais dos ratos que exercitaram mais o cérebro formaram mais terminações. E por que essas terminações são importantes? Porque quanto mais terminações são criadas, maior se torna a área da célula cerebral, o que leva a maiores possibilidades de conexões. Resumindo: um ambiente interativo e estimulante faz com que as células cerebrais trabalhem mais, o que faz com que desenvolvam mais terminações, e isso torna mais fácil a conexão com outras células cerebrais. Essas conexões são tão importantes porque nos dão condições de compreender o mundo, dão sentido ao nosso universo pessoal. As conexões nos ajudam a personalizar objetos e pessoas, a compreender além dos sentidos o que está acontecendo e, finalmente, a ver o mundo metaforicamente. Inteligência fluida x inteligência cristalizada Conhecemos hoje dois tipos de inteligência, a inteligência fluida e a inteligência cristalizada. A inteligência fluida, que caracteriza as crianças pequenas, processa informação rapidamente e dá respostas rápidas, mas é somente quando a pessoa fica mais velha, e faz conexões, que consegue dar contexto ao mundo. Assim o mundo passa a ter sentido e significação. Esta é a diferença entre processar informação e compreender, ter conhecimento, e esta a conferencista considera uma maneira apropriada de pensar sobre nossa forma de aprender. Ambiente sem precedentes A segunda conclusão trazida por Susan Greenfield é que o meio ambiente do século 21 é sem precedentes. Há muitas evidências disso, e vários livros foram escritos sobre as novas tecnologias e como elas estimulam o cérebro. É fato que nas últimas décadas houve uma alta nos índices de QI, mas, como observam alguns autores, o fato de alguém obter um bom resultado neste teste não quer dizer que a pessoa tenha boa compreensão dos problemas econômicos do mundo ou de outros aspectos mais complexos. Não devemos confundir informação com conhecimento. Por muitas décadas, até chegar aos nossos dias, a tecnologia foi um meio para atingir um fim, como o aparelho de televisão na sala, que permitia à família unir-se e falar sobre os fatos, o carro que levava você de um ponto a outro, mas hoje ela é um fim em si mesma. Há uma grande preocupação hoje com o uso excessivo da internet pelas crianças. “Eu mesma assinei um documento, com outros 200 experts no Reino Unido, demonstrando preocupação com o fato de que as crianças estão crescendo muito rápido e perdendo a infância, e um dos fatores responsáveis é o uso excessivo da internet.” De fato, um estudo feito na China com adolescentes de 19 anos demonstrou que os que passam dez horas por dia na internet tiveram alterações no cérebro. E quanto mais tempo eles passam na internet, maior a alteração. As mudanças do cérebro e seus efeitos A conclusão número três é que o cérebro também está mudando. O primeiro ponto que Susan Greenfield apresentou foi que as pessoas hoje estão preferindo se comunicar através de torpedos ou internet do que pessoalmente. Muitos aspectos que fazem parte da interação pessoal são totalmente perdidos na comunicação via tecnologia de telefone ou internet, e estes são muito importantes na formação de uma pessoa capaz de expressar empatia, ter insights, compreender contextos. Pessoas mais jovens, que não tiveram esta experiência pessoal, podem se sentir incapacitadas para o convívio com outras pessoas, e assim restringirse cada vez mais à vida virtual. “Sabemos que pessoas autistas, que têm dificuldade de interpretar linguagem, expressões corporais, ficam muito confortáveis no mundo virtual. Assim, acredito que quanto mais nos envolvemos no mundo virtual, menor se torna nossa condição de empatia. Para provar que isto é verdade, é preciso pesquisas epidêmicas. De fato, já existem pesquisas que indicam que quanto mais conectada a pessoa está, maior sofrimento existe no eu real, que não está sendo exercitado no mundo real com pessoas reais”, disse a conferencista. Os sites de pesquisa também reduzem a capacidade das pessoas de compreender conceitos complexos e abstratos, como honra, pois apenas colocam informação, sem a oportunidade de gerar conhecimento, em função da experiência limitada à tela do computador. Dopamina No Brasil, como no Reino Unido, o medicamento metilfenidato (Ritalina) está sendo cada vez mais prescrito pelos médicos para tratar o déficit de atenção (DDA). Um dos motivos que pode estar levando a esta situação é o estímulo exercido nos cérebros mais jovens pelos videogames, criando um ambiente bidimensional, de respostas rápidas, excitante e interativo, de forma que, quando demandados a sentarem-se quietos em uma sala de aula, muitos jovens não conseguem fazê-lo. Já sabemos que jogar videogames está relacionado a problemas de déficit de atenção, mas é possível que ao jogar videogames o jovem esteja tentando automedicar-se: ao tomar Ritalina, é lançada no cérebro uma substância chamada dopamina, que é também produzida pelo cérebro quando se joga videogames. Também foi indicado em pesquisas que o cérebro de crianças que jogam videogames é semelhante ao cérebro de apostadores compulsivos. Novamente, a dopamina está presente (está relacionada a todos os tipos de vícios), além da sensação de gratificação. A dopamina também inibe o córtex pré-frontal, que permite à pessoa entrar em um “modo” diferente, o modo sensorial. Colocando em contraposição o modo sensorial ao modo cognitivo – sendo o primeiro o modo das sensações, do imediatismo, da redução de sentido e de si mesmo, e o segundo o domínio do pensamento, das percepções internas, do sentido e do senso de si mesmo –, “observamos que no primeiro caso há maior presença de dopamina no cérebro, e no segundo, menor. A preocupação aqui é que o ‘ambiente da tela de computador’ pode estar criando um cenário atual e futuro em que as pessoas estarão vivendo cada vez mais no primeiro modo”, afirmou. Como é possível minimizar os efeitos destes potenciais problemas? A mente do futuro terá, no lado positivo, um QI mais alto, memória de curta duração maior, menor aversão ao risco (o que pode ser bom ou ruim) e também aspectos menos bons, como menor período de atenção, relacionamento com ícones em vez de ideias, ênfase no aspecto sensorial, menor empatia, menor nível de leitura, menor senso de identidade. A criatividade, segundo Susan Greenfield, é a apoteose da mente humana, capaz de desenvolver um senso de individualidade, respeito pelos outros, dar sentido e direção à sua vida e, possivelmente, servir à humanidade. Através da criatividade, poderemos usar a tecnologia para ajudar as pessoas a viverem vidas mais ricas. “Minhas recomendações pessoais são: realizar mais pesquisas e estudos sobre os efeitos do uso das tecnologias comentados; fazer estudos epidêmicos, interagir com as pessoas envolvidas, pais, professores, cientistas; desenvolver softwares inovadores e, finalmente, oferecer aos jovens um ambiente rico e criativo, para que eles possam ter a oportunidade de viver uma vida igualmente mais rica e criativa”, concluiu a cientista.