DAVI WESLEY DO NASCIMENTO A HISTÓRIA COMEÇA AQUI
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DAVI WESLEY DO NASCIMENTO A HISTÓRIA COMEÇA AQUI
DAVI WESLEY DO NASCIMENTO Por Maria Beatriz Alves de Araujo, em 19.11.2012 ARTEVOLUCIONANDO - V PRÊMIO CRIANDO ASAS 2011-2012 DAVI WESLEY DO NASCIMENTO é de uma lucidez que impressiona. Paixões e crenças fluem desse menino como se disparasse um flash. Dona Marta, a mãe, faz a melhor comida do mundo. Vitor, o sobrinho, será o melhor jogador de futebol do mundo. Davi tem uma visão de mundo diferenciada por suas lentes e filtros. Confira seus cliques. Davi ao lado de sua foto vencedora no concurso “As Cores da Rua”. BurtiHD, SP. A HISTÓRIA COMEÇA AQUI DAVI WESLEY DO NASCIMENTO nasceu em 06.04.1992, no Jardim Colonial, uma pequena vila do distrito de São Mateus, zona leste de São Paulo, onde mora até hoje, com a mãe, duas irmãs, um irmão e um sobrinho. Filho de pais separados, Davi tem mais um irmão, por parte de pai. O pai trabalha com mecânica de automóveis desde sempre. Dona Marta, a mãe, trabalha como faxineira em uma empresa, mas seu grande sonho é ter um restaurante. Para Davi, a mãe é exemplo, objeto de amor e devoção, além de fazer a melhor comida do mundo! Também é dela a primeira referência de Davi na área social. “Quando a gente era criança, ela cozinhava sopa de madrugada, pra levar pros mendigos na Sé e eu ia junto com ela. São lembranças que eu nunca vou esquecer. Sem a minha mãe eu não teria nenhum exemplo de vida. Ela é uma baita guerreira e sempre fez tudo pela gente. Exemplo de dignidade, perseverança e de não desistir do que quer, tudo isso eu peguei da minha mãe.” Dona Marta não se casou de novo. O sobrinho Vitor, de cinco anos, filho da irmã mais velha, é o xodó de Davi. “Eu chamo ele de ‘meu moleque’ porque eu cuidei dele desde a gravidez da minha irmã. Ela separou e aí eu meio que agarrei, junto com a minha mãe, que é a segunda mãe dele.” O tio coruja ensinou o moleque a andar e a falar, e percebeu que ele gostava de futebol desde pequeno. Recentemente, tio Davi colocou Vitor na escolinha de futebol. Da infância passada em São Mateus, tem memória fotográfica. O próprio bairro bastava como brinquedo, fosse para brincar de esconde-esconde ou fazer campeonatos de futebol de uma rua contra a outra, tudo muito organizado. “Não é um bairro pequeno, mas todo mundo se conhece.” Davi sempre gostou de estudar e, na mesma medida, sempre foi muito curioso. “Já tive uma fase nerd, hoje em dia sou mais porra louca. Sempre quis saber de tudo. Eu aprendi a ler e a escrever dos cinco pros seis anos. Eu entrei na escola já sabendo ler, escrever, fazer conta. Mas tudo na curiosidade. Até hoje tudo que aparece, eu fuço até aprender.” A primeira vez que Davi foi ao cinema tinha 13 anos. O menino que já quis ser cirurgião, piloto de avião, superherói e bombeiro, gostava mesmo era de desenhar e escrever as próprias histórias. Além disso, escrevia música, pintava, sempre muito ligado à arte. A fotografia é uma descoberta recente, que arrebatou Davi há dois anos e hoje define seu caminho e seu caminhar. Instituto Criar Aos 15 anos, Davi ia para o ensino médio e tinha que fazer algo do tipo FATEC, SENAI, “porque todo mundo faz.” Reprovado por duas vezes seguidas na prova do SENAI, ouviu falar da ONG Ação Comunitária Paroquial do Jardim Colonial, conhecida como CPA Padre Bello - Centro de Profissionalização de Adolescentes. Na terceira tentativa do SENAI, Davi desviou seu destino e pegou um ônibus para o CPA. Último dia de inscrição, ele meio descrente, arriscou e passou para o curso de web design. Davi se surpreendeu com as inúmeras possibilidades mais do que as técnicas. “Era uma escola de desenvolvimento social - tinha discussões, projetos sociais, grupos de roda.” O menino curioso se envolveu com tudo e por fim entrou no Juventude em Ação, uma incubadora de projetos. No núcleo, projetos diversos como de hip hop, de dança, de ação social com criança moradora de rua. O inquieto Davi adorava criar respostas para o grande questionamento “O que um projeto pode ajudar no outro em prol da comunidade de São Mateus, do Iguatemi, enfim, da zona leste?”. Ele se envolveu em três projetos e, como trabalho de conclusão, a realização de um documentário sobre os dois anos de Juventude em Ação. Faltava liderança para conduzir o documentário, pois o pessoal de cinema começou a trabalhar em outras atividades. Davi agarrou o tempo vago e se apresentou para dar uma força. “Acabei virando diretor do documentário, sem nunca ter mexido com audiovisual! Quando vi, o vídeo tava pronto! 27 minutos que eu que dirigi, editei e ajudei a galera.” No YouTube tem só o trailer (http://youtu.be/rLoCQfnlsMQ) e na biblioteca do Criar o DVD está disponível. “Foi uma super experiência que me fez pensar ‘que tesão trabalhar com isso! É isso que eu quero.’ Eu sabia que o Criar era parceiro do CPA. Eu fui indicado pelo CPA depois desse filme.” Instituto Criar Davi fez a 7ª Oficina de Animação do Instituto Criar. “Eu vim de um lugar que era uma incubadora e entrei na maternidade. No CPA, eu era de uma, no Criar, tinham muitas.” Davi se envolveu com muitas coisas no instituto, mas no meio do curso, percebeu que a animação não era “muito a sua praia”. Foi quando surgiu o “As Cores da Rua”, um concurso de fotografia organizado pela BurtiHD e pelo Criar. O concurso premiava as 12 melhores fotos de baixa resolução com uma refação da foto, com uma câmera de alta definição. “Eu peguei o celular do Criar pra tirar a foto num domingo e na rua tinha uns caras jogando bola. Na época eu tava fotografando muito com o celular. Quando tirei a foto, achei demais, mas nem eu acreditava no meu potencial de fotografia. E a minha acabou sendo a escolhida e hoje tá na parede da Burti!” Chegada a fase de inserção, que acontece após a graduação do aluno do Criar, Davi, mesmo sabendo da dificuldade, pediu para entrar na BurtiHD. As chances eram remotas, ele havia feito animação e a produtora é iluminação e fotografia. Depois de quase dois meses desempregado, surgiu a oportunidade de fazer uma entrevista em julho de 2011. Começou em agosto, como estagiário. Um ano depois, foi efetivado. O PRÊMIO CRIANDO ASAS ACONTECE V PRÊMIO CRIANDO ASAS 2011-2012 Projeto ARTEVOLUCIONANDO Participantes: Davi Wesley do Nascimento, Fernanda Araújo Rocha, Michel Mendes e Tiago Souza Silva. Inspiração “Esse projeto se inspirou no movimento humano que era necessário existir na comunidade. Na união e no coletivismo/coletividade de uma galera que sempre se uniu pra fazer as coisas, mas nunca percebeu que a força que tinha podia fazer com que as escolas, os postos de saúde, as coisas da região tivessem uma carga um pouco menos pesada, no que diz respeito ao nosso olhar com relação a essas coisas. O Artevolucionando não é só arte. Ele retrata a identidade e a essência de todos os projetos que a gente passou. A gente constatou que os projetos, meio ambiente, saúde, sempre eram formados por artistas. Porque arte também é transformação, não é só eu pegar o barro e transformar numa estátua. Arte é entender que tipo de barro usar e o porquÊ eu vou fazer essa estátua aqui e o que ela vai trazer pra quem ver. Arte é essa conversa, é a junção de todos os conhecimentos que eu adquiri, que você adquiriu e a criatividade de como se comportar em meio à sociedade. A gente acreditava nisso fielmente. Então a gente pensou ‘vamos pegar, vamos registrar.’ Eu acho até que o Artevolucionando, na conclusão dele, acabou não sendo o que a gente queria. Eu considero o Artevolucionando como o segundo passo. Porque o primeiro foi a nossa coletividade. Não são só os quatro participantes, mas todas as pessoas que estão no vídeo. Todas!” Ideia A ideia surgiu de uma observação feita pelo grupo que, após uma ação de mapeamento feita em São Mateus, a quantidade de iniciativas e projetos culturais cresceu rapidamente. Expectativas cumpridas “Eu senti que era hora de dar o segundo passo. O primeiro foi em 2009/2010, com o envolvimento com os grupos e a realização do documentário Juventude em Ação, que lembra muito o Artevolucionando. No Juventude em Ação, por causa da técnica e dos recursos que a gente tinha, não dava pra fazer o que foi o Artevolucionando. O Artevolucionando foi a solidificação da ideia, o ‘agora sim, vamos falar’. Porque antes tinha sido o ‘levantar o dedo’.” “O Dolores Boca Aberta é um grupo de arte que surgiu de um anseio da galera de se unir pra discutir as coisas e eles acabaram percebendo que a melhor forma era com intervenções artísticas na comunidade. Eles são conhecidos como um grupo de teatro, mas eles fazem bem mais do que isso. Fazem trabalhos sociais de todos os tipos e se concentram no Jardim Triana, que fica no Patriarca, zona leste. Ele é um dos projetos do Artevolucionando. Quando a ideia surgiu, a gente ia fazer a história dele, só que aí a gente percebeu que seria uma injustiça com todos os outros projetos. A gente tem que mostrar vários exemplos de vida, de ação. Não deu pra colocar todos os projetos da zona leste, nem todos que a gente pensou. Ia ficar muito grande e também repetitivo. A gente teve que filtrar, infelizmente. A duração dele é 23 minutos. Mas o material bruto tem quase 10 horas.” Participações Diretamente, 15 pessoas, incluindo os quatro participantes e, indiretamente, cerca de 300 pessoas se envolveram com o vídeo. “No Dolores, na Casa de Cultura do Itaim Paulista, no Celso Mateus. A galera já sabia e se envolveu porque apareceu no vídeo e deu ideias.” Organizações Envolvidas Dolores de Boca Aberta, Arteiros Espetaculosos, Teatro CPA do Pe. Bello, Soul Break Power, Toroká, CCCP (Centro Cultural Consolação), CineMateus, Casa de Cultura de São Mateus, Casa de Cultura do Itaim Paulista, Bar Boa Boca. Dificuldades Encontradas “Tempo, porque os tempos não batiam, os nossos com as pessoas entrevistadas e com os equipamentos do Criar. A gente teve que quebrar a cabeça.” Impacto social O vídeo foi exibido em um bar, para 47 pessoas, além de rodas de discussões entre amigos e para quem contribuiu com seus depoimentos. As exibições previstas no projeto para o público da zona leste ainda não aconteceram. “Não conseguimos porque os quatro participantes começaram a trabalhar. Então, atrapalhou a questão do horário. Às vezes todo mundo tinha folga, mas só sabia em cima da hora. A gente queria fazer a exibição nas Casas de Cultura, quando tivesse um evento geral. Temos o material, mas não tem a exibição, que é a parte primordial que a gente queria. Está acessível no YouTube e no site do Criar. http://www.youtube.com/watch?v=ifCgWY-deok Sobre o papel da arte “É possível viver sem abandonar a arte e viver com arte. Sem ela nos tornamos seres humanos automáticos, previsíveis, indiferentes e esse é o maior pecado, ser indiferente ao que está acontecendo ao seu redor. A gente se torna cidadãos passivos, porque a arte não é o que a gente aprende na escola. A gente tem que fazer a nossa própria história da arte. É pegar o Brasil e transformar em outro Brasil, a partir de ações criativas, a partir de jovens que vão e façam, um olhar que perceba coisas que nós, adultos (e eu me incluo nisso), no dia a dia, não percebemos.” “A nossa vida em São Paulo, nessas cidades automáticas, acaba se tornando um metrô que a gente empurra as pessoas pra ter nosso espaço, quando todo mundo podia ter o mesmo espaço, viver da mesma forma, com o mesmo sorriso, com a mesma alegria... um ajudando o outro. Isso eu acho que a arte influencia pra caramba e, a partir do momento que você tem um olhar artístico de resolver o seu problema, de forma diferente, sem medo, dando a cara pra bater, eu já considero essa pessoa um artista.” Histórias dos artistas “O primeiro dia de gravação foi com um artista que eu conheci durante o projeto, o Arati, um ator do grupo ‘Arteiros Espetaculosos’, do Itaim Paulista. Pra mim, foi o depoimento mais marcante. O cara chorou, ele falou ‘eu larguei tudo na minha vida pela arte. A arte é tudo pra mim. Só a minha família eu amo mais do que a arte’. Os filhos o enxergam como um herói, porque ele os criou desde pequenos, passou fome, mas nunca largou a arte. O resultado da arte dele se via, porque ele tinha vários projetos na comunidade. A arte dava tranquilidade pra ele pensar e liderar as rodas de discussão. A história de vida dele é incrível!” Histórias de transformação “O Artevolucionando me modificou, modificou essas quatro pessoas, modificou muitas das pessoas entrevistadas. O processo teve mais riqueza do que o resultado. Eu ouvi, durante o processo, depoimentos de pessoas que vieram falar que não sabiam que tinha esses projetos na comunidade. Na Casa de Cultura do Itaim Paulista, o sarau acontece dentro de uma garagem e a porta fica aberta. Quem passa na rua, vê o que tá acontecendo. Um dia, um rapaz veio e me falou ‘nem sabia que tinha sarau lá, pensava que era uma igreja. Mas eu vi o pessoal falando e você com a câmera. Eu tive curiosidade e fui lá nesses dias de sarau e é legal’. Esse tipo de coisa acontece na nossa esquina e a gente prefere gastar a grana que a gente ganha ralando, indo pro Centro, enriquecer quem não precisa. Na esquina de casa tem uma sessão com um filme legal, com um teatro legal e a gente não percebe. Esse é um dos grandes lados do Artevolucionando. Quando eu ouvi aquilo, eu pensei ‘caramba, eu não tô perdendo meu tempo. Tá fazendo sentido.’” Ser empreendedor social Para Davi ser empreendedor social “é levantar a bunda da cadeira. E só.” Dica para os próximos vencedores “Se você quer se envolver no Criando Asas, pense bastante, não vá por impulso. Se fosse hoje, eu não me inscreveria. Deixaria para uma próxima edição, quando eu tivesse mais sólido pra fazer. Eu achei que estava, mas não estava. Eu fui porque a gente queria muito fazer esse projeto e acabou que a gente tá pela metade.” “Sempre acredite, por mais que venham e falem que você não vai conseguir ou que ponham vírgulas nos seus pensamentos, você pode! Se você tiver vontade, você consegue. Eu não sou o melhor em fotografia, nunca fui o melhor em desenho ou animação. Eu não acho que eu sou o melhor em quase nada, mas uma coisa que eu bato no peito pra falar, que eu tenho orgulho, que minha mãe sempre me ensinou e que eu vou levar isso pra vida inteira é que eu tenho muita vontade. E quando eu tô com vontade de fazer alguma coisa, sai da frente, porque eu não vou desistir, eu não desisto.” O Prêmio Criando Asas sob o olhar do vencedor “O Criando Asas, pra mim, foi o impulso que eu precisava pra ir além da janela que eu tinha na minha frente e achava que aquilo era o mundo. O Criando Asas me deu esse impulso pra sair dessa janela e perceber que além desse crop, além desse corte, tem muito mais a conhecer, muito mais a ver e muito mais a viver também. Eu indico o Criando Asas a qualquer pessoa que queira se envolver com esse tipo de ação.” A HISTÓRIA CONTINUA Davi é assistente de fotografia da BurtiHD e, nas horas vagas, continua clicando. “Tudo que eu aprendi de fotografia, eu vim aprender aqui (BurtiHD), mas graças também a minha curiosidade de, às vezes, fugir da aula de animação do Criar e entrar sorrateiro, pra ficar vendo de longe como era a aula de iluminação, de câmera.” “Meu sonho profissional é ser fotógrafo, ou melhor, essa é a minha meta. Porque eu não gosto muito de usar a expressão sonho. Eu acho uma coisa que me lembra muito conto de fada e eu gosto mais da coisa pancadaria. Eu gosto da mistura da ficção com a realidade. Eu gosto mais de usar meta, que tem muita possibilidade de acontecer. Eu não gosto de sonhar, eu gosto de viver o presente, claro pensando no futuro, mas aproveitar o presente. Não gosto de pensar ‘quero daqui a 30 anos estar com a minha casa’. Eu gosto de todo dia chegar em casa, dar mais de 30 beijos na minha mãe, pegar meu sobrinho no colo, que eu criei que nem meu filho e garantir que ele sempre sorria. Se eu morrer hoje, quero morrer feliz.” “Tudo na minha vida, eu devo a Deus. Eu já fui evangélico, mas não tenho religião. Deus é tudo acima da minha mãe. Se tem alguém maior que a minha mãe, é só Deus. Minha mãe é tudo pra mim.” “Como desde pequeno a minha mãe tinha que trabalhar e meus irmãos tinham que estudar, boa parte da minha infância eu tive a responsabilidade de cuidar de casa sozinho. E depois, ter ficado com a minha irmãzinha, com o meu sobrinho, às vezes eu acabo esquecendo de mim. Eu acho que, resumidamente, tenho que fugir um pouco do estigma do cara que tem que cuidar de todo mundo e cuidar um pouco de mim. Quando eu começar a cuidar um pouco mais do Davi, quando eu parar de ser curioso com o mundo que tá lá fora e ser um pouco mais curioso com o mundo que tá aqui dentro, aí eu vou saber que tipo de história de vida eu tô construindo. Por enquanto, eu tô fazendo esses capítulos da história.”