Papéis de Parede do seculo XIX

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Papéis de Parede do seculo XIX
Casa da Ínsua – Hotel de Charme
Papéis de Parede do século XIX na Casa da Ínsua
Se as paredes da Casa da Ínsua falassem, certamente teriam muitas histórias para nos contar. No entanto, alguns
dos seus segredos estão mesmo à vista dos nossos olhos, através dos papéis de parede que revestem algumas das
salas emblemáticas da casa, como os papéis de parede pintados à mão com vistas panorâmicas, do princípio do
século XIX, oriundos de França, que marcam a Sala dos Azulejos e a Salinha Zuber, ou ainda nos vários painéis em
papel de arroz oriental, pintado à mão, que decoram a Sala Chinesa.
Neste Roteiro vamos cingir-nos a uma breve abordagem aos papéis de Zuber.
1. Sala dos Azulejos (Recepção)
"A Dama do Lago" (Les Vues d'Écosse, ou La Dame du Lac)
Os papéis de parede existentes na Sala dos Azulejos, foram realizados pela Casa Zuber et Cie, de Rixheim, em
Mulhouse e datam de 1827. Os papéis de Parede Panorâmicos da Casa Zuber são considerados Património
Nacional em França. A autoria destes papéis é atribuída Julien-Michel Gué, ou Jean-Michel Gué, (1789-1843), e
foram inspirados no poema narrativo de Sir Walter Scott “The Lady oh The Lake” (A Dama do Lago), editado em
1810, e nas gravuras executadas para este poema numa edição posterior. Ficaram também conhecidos por “Les
Vues d’Ecosse” (paisagens da Escócia), pois eram assim referidos nos catálogos da casa Zuber. A colecção
existente na Casa da Ínsua aparece sempre como referência em todas as publicações sobre este tema, apesar de
não estar completa, faltando pequenas bandas do meio e do final deste papel de parede panorâmico. O interesse
histórico por este tipo de papéis de parede mereceu já vários estudos internacionais, nomeadamente um
doutoramento na Alemanha, em 2004, onde a Casa da Ínsua aparece referida como um dos 5 lugares no mundo
(Itália, Suécia, Suíça e Alemanha) onde ainda existem estes painéis com as cenas de “La Dame du Lac”.
O primeiro prospecto publicitário destes papéis surgiu em 1825, mas a primeira edição só aconteceu em 1827.
A panorâmica é composta por 32 bandas de papel, organizadas da direita para a esquerda e numeradas. Impressa
em Cameo, em termos cromáticos é designada por Grisaille, pois a sua cor principal é o cinzento. A pintura manual
deste papel, realizada pela técnica de blocos de madeira, reúne uma mistura com as seguintes cores: caxemira,
vicunha, verde oliva, cinza, preto de carbono e branco.
Com a morte do seu principal criador, Pierre Antoine Mongin, em 1825, a fábrica Zuber perdeu a sua alma artística
de quase duas décadas, e recorreu ao cenógrafo, Julian-Michel Gué (1789-1843), de que infelizmente não existe
nenhum vestígio nos arquivos do Museu do Papel de Parede de Rixheim.
No entanto, o que se sabe deste pintor explica a escolha fácil de Jean Zuber. Gué já tinha realizado trabalhos
reconhecidos, como o "Panorama Dramatique" (1821-23), um dos panoramas que então florescia em Paris, e
também fez cenários para o melodrama do Teatro de Gaîté: como o "Meurtrier" ("assassino"), 1822, que recupera
uma litografia de Engelmann, onde mostra uma ruína gótica, de uma forma muito ao estilo "Troubadour", quase que
inspirado no pórtico Norte da catedral de Chartres: através das aberturas em arco, o artista multiplica o fundo em
planos sucessivos sobre as montanhas íngremes em fundo.
Gué produziu apenas um papel panorâmico para Zuber: "A Dama do Lago", ou "Paisagens da Escócia", a partir da
obra de Sir Walter Scott, um tema que estaria perfeitamente adaptado ao seu talento. Mas a violência romântica que
manifesta, muito longe do classicismo de Mongin, talvez tenha sido a razão porque rapidamente foi substituído pelo
pintor Jean Julien Deltil (1791-1863), com um romantismo menos agressivo que melhor se enquadrava na arte de
Mongin.
Descrição: (Catálogo de Zuber et Cie (1825/26), com base nos versos de Sir Walter Scott, “La Dame du Lac”)
Bandas 1, 2, 3 e 4 - Roderick reúne os seus guerreiros. Juramento do fogo cruzado. O velho eremita Brian, num
frenesim puritano, após ter sacrificado um bode branco, excita a fúria dos montanhistas com as mais terríveis
maldições e brandindo uma cruz, ou uma tocha, feita com dois ramos de pinheiro. Roderick está ao seu lado,
apoiado na sua espada. Os guerreiros apressam-se a prometer lutar. Velhos, mulheres e crianças partilham do seu
entusiasmo. A cena tem lugar entre as ruínas de uma abadia gótica, (o pintor escolheu as do Priorado de
Lancaster). No fundo podem ver-se altas montanhas e um castelo (Keep of Warkworth), construído sobre rochedos.
A violenta tempestade que se forma, aumenta o interesse da cena, através de efeitos de iluminação, completamente
inovadores neste tipo de papel de parede pintado.
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Bandas 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 - Grande caça aos veados (Bandas 5, 6 e 7, vistas de um caminho nas
montanhas do condado de Perth). O Rei da Escócia, Jacob V, entre os senhores e cortesãos, que compõem o
séquito, montado um cavalo branco, persegue dois veados à sua frente, que está prestes a alcançar.
Bandas 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24 – Vista geral sobre o lago Taye, ilha de Staffa e o lago Katherine, com as
belas montanhas e colinas (Ben Lomond, Ben Local) que os cercam. Em segundo plano, estão os barcos de
transporte de passageiros, que visitam as grutas e as rochas de basalto, que são vistas no meio do lago. Em
primeiro plano, a bela Helena, na sua aparência frágil, aparece ao rei Jacob V, formando um episódio interessante e
harmonioso, com todos os efeitos da paisagem e da magia criada pelas cores do Sol, que se põe por trás do enorme
rochedo Ben Lomond.
Bandas 25 e 26 - O velho bardo Allan, companheiro inseparável da família de Douglas, canta a glória desta ilustre
casa, fazendo-se acompanhar da sua harpa; uma jovem rapariga e um jovem alpinista ouvem-no com emoção. O
som de uma queda de água, que fica próximo dele, mistura-se com os trinados da sua voz, e um riacho que corre ao
lado deles, dá a este lugar um aspecto romântico. O cume da montanha é coroado por uma floresta de pinheiros.
Bandas 27, 28, 29 e 30 - Episódio de Blanche Devan. Num local selvagem, entre rochas, Blanche apercebe-se da
presença do Rei Jacob. Revela-lhe a perfídia do seu guia, com palavras proféticas. O seu ar perdido, os seus
cabelos desgrenhados fazem gelar o Rei Jacob V, com uma espécie de terror que o fez levar a mão à sua espada.
Ele tenta perceber, através da cara do seu guia, o que pensar. (A paisagem das bandas 24 até 28 são retiradas das
margens do Lac Lomond).
Bandas 31 e 32 - Em primeiro plano, um pastor indica a um montanhista armado, o local onde o Clan d’Alpine está
reunido. Para além do seu rebanho, ergue-se uma fonte gótica e o horizonte é coroado pelo castelo de Bamborough.
Um lambril e um friso ao estilo gótico adicionais, foram executados para servir como enquadramento para a
paisagem, formando assim uma decoração adequada à paisagem e que pode ser adaptado aos apartamentos [com
parede] mais elevados.
Sinopse: La Dame du Lac
(La Dame du Lac baseou-se no verso narrativo “The Lady of The Lke” de Sir Walter Scott)
A Dama do Lago é um verso narrativo composto em seis cantos, cada um representando os acontecimentos de um
dia. A narrativa do poema refere-se à luta entre o rei Jacob V e o poderoso clã Douglas. O rei baniu toda a família do
seu reino, incluindo James de Douglas, o Conde de Bothwell, que tinha sido seu protector durante a sua juventude.
O Conde e sua filha Ellen refugiaram-se com Roderick Dhu no seu castelo, numa ilha em Loch Katrine. No início do
poema um misterioso cavaleiro chamado James Fitz-James chega ao castelo e é-lhe concedida hospitalidade.
Durante sua breve estadia, ele apaixona-se por Ellen, mas encontra rivais para as suas afeições. No próprio
Roderick e em Malcolm Graeme, um jovem cavaleiro leal ao rei, mas movido por simpatia com a situação da família
Douglas mantém-se com eles. É a Malcolm que Ellen prefere. Na eminência de um ataque das forças reais, por ter
dado abrigo aos Douglas, Roderick reúne o seu clã. Douglas, porém, não está disposto a impor o desastre sobre o
seu anfitrião, e parte para a corte real em Stirling, decidido a render-se. Fitz-James regressa e oferece-se para levar
Ellen para um local seguro, mas é informado de que ela ama outro. Mesmo assim, ele oferece-lhe um anel que,
segundo ele, lhe permitirá obter qualquer favor do rei. Durante a viajem para a Stirling, Fitz-James encontra Roderick
e envolve-se numa luta com ele. Nessa luta, Roderick é mortalmente ferido e levado para Stirling como prisioneiro.
Ellen apresenta-se em tribunal e, mostrando o anel, implora o perdão de seu pai. Ela descobre então que Fitz-James
não é outro senão o próprio rei. O Rei e Douglas reconciliam-se através de sua intervenção, e Ellen e Malcolm
(in http://www.walterscott.lib.ed.ac.uk/index.html)
casam-se no fim.
2. Salinha Zuber
“O Vale do Ródano” ou “cenas de caça e do porto” (“Le Vallée du Rhône” ou “Scènes de Chasse et du Port”)
Os papéis de parede existentes na chamada Salinha Zuber, que deverão ser da mesma altura dos da Sala dos
Azulejos, são conhecidos por “La Vallée du Rhône” ou “Cenas de Caça e do Porto”, embora sejam títulos
provisórios, pois ainda se desconhece a sua autoria e fabricante. Um dos painéis correspondente a esta cena foi
colocado na Sala dos Azulejos (na parede por trás da mesa da recepção), não se sabe se por engano ou
deliberadamente, por já não terem espaço nas paredes da Salinha Zuber. O que dificultou a leitura da sequência
destes painéis que, ainda por cima, foram colocados fora de ordem na Salinha Zuber. Trata-se de um papel de
parede panorâmico muito raro. Actualmente conhece-se um único exemplar completo, perto de Kumla, na Suécia.
Só a data de 1833, inscrita num dos fardos do porto de Marselha é uma certeza. Tecnicamente, está muito próximo
da panorâmica "Paisagens Napoleónicas", datada de 1827. Encontra-se associada a outros papéis de parede
grisaille existentes em Sancey (França): “Les Plaisirs de la Ville et de la Campagne” e, na Casa da Ínsua: “Vistas da
Escócia” de Zuber. Este papel de parede panorâmico é ainda pouco conhecido e surge apenas citado na lista
complementar da segunda edição (1998) do livro de referência sobre os papéis de parede panorâmicos, editado por
Odile Nouvel (“Les Papier Peint Panoramique”).
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Aqui aparece sob o nome de "Cenas de Caça e do Porto” mas, nessa altura, ainda não se conhecia o fim da cena
panorâmica, com o rio a correr nas montanhas (da Suíça?) e a criança a pescar. Após esta descoberta, os estudos
passaram a ver o todo como uma representação do curso do rio Ródano, da sua nascente na Suíça para o porto de
Marselha. Uma hipótese ainda por confirmar, enquanto não se encontrarem informações sobre o seu verdadeiro
nome e origem.
O conjunto dos painéis existentes na Casa da Ínsua está quase completo, só não incluindo as quatro bandas iniciais
do Porto de Marselha, tornando-o um dos mais completos conhecidos.
Além disso, o facto de um painel estar em combinação na outra sala com vistas da Escócia de Zuber (também uma
rara panorâmica) confirma a hipótese da data de 1833, que está inscrita num dos fardos na cena do porto de
Marselha, na banda n º 6, e faz estimar a data de instalação na Casa da Ínsua entre 1830-1840. A Identificação das
paisagens em fundo (cidades e montanhas) permitirá fazer evoluir esta notícia e validar ou não a hipótese de uma
representação do Vale do Ródano.
Descrição:
Bandas 1-8: Vista do porto de Marselha. O desenhador incorpora muito do quadro de Claude-Joseph Vernet (1714 1789), “L'Intérieur du port de Marseille, vu du pavillon de l'Horloge du Parc, effet du matin” (“O interior do Porto
de Marselha, visto do pavilhão do Relógio do Parque, efeito da manhã”), datado de 1754, actualizando os trajes dos
personagens, excepto dos "comerciantes do Levante", utilizados em variados domínios das artes decorativas.
Bandas 9-12: Cena de caça nos pântanos (Camargue?);
Bandas 13-15: Cena de caça a decorrer;
Bandas 16-20: Carruagem e caçador a cavalo, uma cidade ao fundo;
Bandas 21-26: Cena de Caça a decorrer e paragem dos caçadores, uma cidade ao fundo;
Bandas 27-32: Cena de Campo e de pesca ao longo de um rio, montanha ao fundo, talvez a nascente do Ródano,
na Suíça.
Exemplares deste papel de parede subsistem ainda actualmente nos seguintes locais: Estados Unidos, França,
Suécia e em Portugal - Casa da Ínsua.
Durante a presidência de John F. Kennedy, a primeira-dama, Jacqueline Kennedy, por recomendação do historiador
Henry Francis du Pont, comprou uma cópia antiga do papel de parede panorâmico “Vue de l'Amérique du Nord”,
(feito em 1834) que colocou na Sala de Recepção dos Diplomatas, na Casa Branca, onde ainda hoje pode ser
admirado. Este papel de parede estivera nas paredes de um salão de beleza, no período Federal de Jones House,
até 1961, altura em que a casa foi demolida para se transformar numa mercearia. Antes da demolição o papel de
parede foi salvo e vendido para a Casa Branca.
(http://www.mulhouseum.uha.fr)
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(pormenores)
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Catálogo Z. Zuber (excerto – bandas 31 a 7)
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Apêndice
Zuber e os papéis de parede panorâmicos
O papel de parede panorâmico fazia parte da decoração das casas do século XIX: apareceu no final do século XVIII,
e parece que a França foi o único país, pelo menos até o final do século XIX, que produziu papéis de parede
panorâmicos. Estima-se que chegaram aos cem, o número de papéis de parede panorâmicos publicados durante
esse século, e este número deve ter em conta as diversas variantes. Dois fabricantes dominavam a produção e
comercialização, especialmente durante o Segundo Império, Dufour e Zuber et Cie, instalada Rixheim, perto do
centro industrial de Mulhouse desde 1797.
Para identificar estas panorâmicas, os fabricantes do século XIX, falavam de "paisagem", o que era mais adequado
à sua realidade, uma vez que estes vastos papéis impressos em preto e branco ou a cores, em bandas de papel até
um total de 32, de modo que cada uma se unisse com a parte anterior, formando uma paisagem que poderia atingir
até 16 metros de comprimento.
Estas paisagens eram destinadas à decoração de quartos mas sobretudo das salas de estar. Eram coladas
directamente nas paredes ou, com mais frequência, através de um pano grosso. As duas extremidades deveriam
unir-se de forma a completarem-se, excepto no caso das “Vistas da Suíça”, o primeiro papel de parede panorâmico
criado por Zuber.
Em relação Zuber, o mais antigo registo sobre os papéis panorâmicos surge numa carta, datada de 28 de Setembro
de 1802, quando Jean Zuber escreveu ao pintor Pierre Antoine Mongin: "Nós temos, há vários anos, a intenção de
executar uma paisagem colorida, da mesma forma que você descreve e queríamos seleccionar vistas da Suíça, a
fim de dar à paisagem um interesse mais geral.”
A escolha de Zuber insere-se quase sobre o desconhecido, mas considerando os resultados, esta escolha revelouse sábia.
Em Setembro de 1802, Pierre Antoine Mongin fez várias ofertas a Jean Zuber. Não se sabem os detalhes, mas a
resposta citada anteriormente revela que ambos estavam em sintonia, e Jean Zuber pede ao pintor, uma banda de
papel de teste. Assim, começou uma longa colaboração, juntamente com uma grande amizade entre os dois
homens. A última panorâmica que Mongin produziu para Zuber foi em 1825, antes de morrer, em Versalhes, em
1827.
Ao contrário de Dufour, mais orientado pelo neo-classicismo do tempo, Zuber produziu uma arte de evasão, com
base em extensas paisagens idílicas, de um classicismo sereno, que muito contribuiu para o sucesso da pintura de
“paisagens históricas”, que se afirmavam nos Salões do Império, chegando a obter um prémio em Roma, em 1816.
Depois de Mongin e Gué, foi a vez do pintor Julien Deltil (1791-1863) trabalhar para Zuber e, até 1839, projectou
cinco papéis de parede cénicos, um deles famoso até hoje: “Vues d’Amerique du Nord”. Mongin, Gué, Deltil eram
provenientes de Paris. Contrariamente, a última geração de desenhistas que trabalharam para Zuber, como Georges
Zipellus (1808-1890), Eugène Ehrmann (1804-1896) e Joseph Fuchs (1814-1888) vinham da Alsácia.
Embora os dois primeiros tivessem tido aprendizagem nas Beaux-Arts, em Paris, eram principalmente profissionais
de desenho industrial, que trabalharam para diversas empresas têxteis e de papel de parede. Eles pertenciam à
mesma geração e a sua formação centrava-se na flor. As panorâmicas de então eliminaram completamente as
personagens, para se dedicar exclusivamente à representação de uma natureza exuberante, muitas vezes exótica.
O período final foi definido em 1861, pelo pintor e decorador Victor Potterlet, colaborador de várias fábricas de papel
de parede: o "Jardim" em épocas diferentes, chamados de "chinês" ou "japonês" (mais chinês do que japonês)
reflecte um renascimento do gosto para o Extremo Oriente, durante o Segundo Império.
Os valores pagos aos artistas não são fáceis de identificar: Mongin chegou a receber 400 francos por um mês de
trabalho, mas a partir das “Paisagens da Itália”, passou a reivindicar a venda por uma percentagem desconhecida.
Deltil pediu 5 000 francos pelas “Paisagens do Brasil” e uma percentagem sobre as primeiras mil colecções vendidas
e pediu 4 000 francos pelas “Paisagens da América do Norte”. Um projecto de contrato com ele, datado de 1835 e
preservado em Rixheim, estabelece que Deltil receberia 2 000 francos por ano para 4 meses de trabalho. Sabe-se
também que os desenhos das “Zones Terrestres” terão custado cerca de 5 000 francos.
Através dos artistas, que sucessivamente trabalharam para Zuber, com estilos diferentes, podemos classificar a
produção da fábrica em três fases principais: a paisagem clássica, com Mongin, a sua variante com menos
personagens convencionais, em Deltil, e finalmente o esplendor da natureza com os artistas alsacianos. E os temas
escolhidos reflectem com maior precisão estas fases.
Estes temas foram sempre objecto de longas discussões entre a fábrica e os artistas, cujos interesses teriam que
coincidir. A correspondência abundante confirma isto mesmo. O artista tentava impor temas de acordo com seu
génio, como por exemplo no caso da “L’Arcadia”, de Mongin.
A fábrica, por sua vez, tinha que ter em conta tanto os requisitos técnicos da execução mas também os imperativos
comerciais, de modo a enfrentar a concorrência. Em contrapartida e em resposta à procura de materiais mais
actuais, Zuber fez, sobre o fundo de paisagens já publicadas, cenas mais ao gosto do momento e pintados à mão.
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Como por exemplo, em 1853, publicou sobre o fundo das “Paisagens da América do Norte”, “A guerra de
independência dos Estados Unidos”, que só foi impresso em 1927. Panorâmica que ainda hoje é publicada.
Para esconder o que poderia parecer incongruente, a poeira subia em nuvens sob as patas dos cavalos tal como o
fumo que saía da boca dar armas de fogo. Essas variantes pintadas à mão, foram feitas por Lemaire, em Metz, e por
Beauchat.
Para lidar com temas tão diversos como “L’Hindustan” e “L’Arcadia”, os criadores das panorâmicas tinham que se
documentar e usar as orientações que a fábrica lhes impunha.
De facto, parece que lhes foi solicitado controlo sobre a inspiração, da composição desses grandes conjuntos,
porque a fábrica se encarregaria de lhes fornecer imagens que deveriam combinar habilmente, o que só poderia ser
feito por um paisagista experiente.
Imprimir em blocos de madeira exigia necessariamente um trabalho de nivelamento, que apresentava mais
dificuldades quando se tratava de apresentar uma superfície onde os tons evoluíam gradualmente, quando existia
um jogo de sombras.
Além disso, os elementos demasiado finos resultavam mal nas gravuras, o que obrigava a imprimir alguma força no
desenho. E o problema de um certo tipo de cores e opções cromáticas também era objecto de muita
correspondência entra a fábrica e os desenhadores. Estes, para dar brilho às suas composições, eram tentados a
usar um número de cores mais elevado, ao contrário, a fábrica, por razões de economia, da gravura e da impressão,
sugere uma gama limitada de cores. Entre estes dois extremos, o acordo é feito e Deltil pode escrever: "Eu vou usar
na execução da paisagem toda a economia que a minha experiência me puder indicar... Eu prometo-vos que não
haverá uma única cor desnecessária” (29 de Maio de 1829, sobre “Paisagens do Brasil).
A partir da maqueta de cada panorama era feita a colocação sobre a madeira: esta etapa permitia fazer o corte dos
blocos com o desenho a imprimir um em cada um. Era um processo lento, difícil, que poderia trair a ideia do criador.
Em seguida, vinha o longo processo das gravuras. Exemplos reunidos nos “livros de gravuras”, conservados desde
1824, dão uma pequena ideia: gravar os 1 693 blocos das “Paisagens do Brasil”, demorou 7 meses a cerca de vinte
entalhadores. Acontecia muitas vezes este trabalho ser superior a um ano, tanto que muitas vezes se imprimiam as
primeiras cenas, embora os blocos das cenas seguintes ainda nem estivessem feitos.
O bloco de madeira servia para imprimir a cor no papel e era um colorista que tinha a pesada tarefa de preparar a
gama de cores e conseguir a sua harmonia. Ele trabalhava a têmpera: uma "base” feita de branco de Champagne e
cola animal que era colorida com pigmentos variados, vegetais, animais ou minerais. O Branco Champagne dava à
impressão uma espessura significativa que a tornava mais viva. A fábrica de Zuber sempre foi conhecida pela
perfeição das cores: uma intensa pesquisa, a procura dos químicos mais experientes da época, ajudaram a criar a
cor de alta qualidade que aguentasse bem a luz.
É de admirar o estado de conservação das paisagens criadas por Zuber ainda nos dias de hoje. Parametrizar um
grande número de cores não era para qualquer um. J. Zuber contava que durante a realização de “L’Hindustan”, o
seu colorista, Dollfus ficava de tal forma "perturbado e excitado que enlouqueceu em poucos dias". A necessidade
de um fornecimento constante de papel de qualidade, rapidamente se tornou imperativo para Jean Zuber, que com
este propósito comprou o moinho em Roppentzwiller, em 1804.
É ali que realiza, em 1829, o desenvolvimento de um processo de produção de papel contínuo. A partir dessa data,
as panorâmicas passaram a ser impressas sobre este novo tipo de papel - processo que depois foi seguido pelos
outros fabricantes.
Anteriormente, as cenas eram formadas por bandas coladas entre si e que se uniam nos dois extremos. Antes de
imprimir em papel, era necessário cobrir o papel com uma camada de cor para criar o fundo.
Para as impressões cénicas, com excepção das cenas "chinesas" e do "Jardim Japonês", o fundo era um céu azul.
A operação foi bem descrita por Zuber: "O rolo de papel é estendido sobre uma mesa comprida (...) Dois
trabalhadores e um assistente realizam a manobra que exige grande agilidade. O primeiro, barra a cor sobre o
papel, o aprendiz munido de duas escovas quadradas, estende a cor o melhor que conseguir e, por trás dele, o
segundo trabalhador, com duas escovas redondas grandes com cerdas longas, alisa a massa, que se reforça
gradualmente durante este trabalho”.
Em Rixheim, a operação era mais complexa, porque o céu era feito em degradé, bege, por baixo da impressão do
céu azul. Aplicava-se aqui o método do arco-íris, descoberto em 1819, por Michel Spoerlin, cunhado de J. Zuber, em
1819. A cor aplicada com um pincel sobre o papel vinha de um tanque, onde, através de um sistema de godés, era
pintado em degradadé. Os céus desenhados de Zuber são de uma beleza mágica. E era sobre este fundo que ele
imprimia os motivos. O impressor pegava em cada bloco passava-o na bandeja com a cor e depois colocava-o no
papel, cuidadosamente e de acordo com a indicação dos pinos de alinhamento, colocados no papel para o efeito.
Ele então baixava a alavanca para pressionar o bloco e transferir a cor para o papel.
No século XIX, os jovens aprendizes, muitas vezes filhos do impressor, colocavam a cor no tanque e depois
saltavam sobre a alavanca. Era um trabalho moroso. Para colecções de 150 cópias (a regra no século XIX para a
impressão), utilizavam-se 1 500 blocos, o que implicava um total de 225 000 movimentos! Certamente, era
necessário um atelier inteiro para realizar o trabalho.
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Desde a primeira ideia sobre um papel de parede panorâmico, decorriam entre 18 meses e 2 anos até ao momento
da conclusão da sua impressão.
Através de uma nota manuscrita, destinada a calcular o preço de retoma do papel “Les Zones”, conhece-se hoje
qual o custo destas operações sucessivas.
A referida nota tem registadas as seguintes verbas relativas às principais operações: Desenho e litografia - 5 000
francos / Colocação sobre a madeira - 2 400 francos / Gravura de 2 050 blocos - 5 300 francos / Madeira - 1 230
francos / Valor do imobilizado até ao momento da venda 670 francos / Soma Total - 14 600 francos.
Por sua vez, a impressão das colecções de 150 cópias, equivalia a 54 francos por Colecção.
Infelizmente, não se sabe o preço de venda destes papéis panorâmicos, em 1855, mas em comparação com outros
preços de retoma, que figuram em inventários próximos do ano de fabrico, e através dos preços de venda de
origem, pode-se, sem muito risco de erro, avançar com um preço de venda da ordem dos 100 francos.
Neste caso, seria preciso vender um mínimo de 318 colecções para amortizar o investimento, ou seja, pouco mais
de duas tiragens.
Para o primeiro papel panorâmico “Paisagens da Suíça”, Jean Zuber lançou uma subscrição para cobrir o nível de
investimento, que considerou exagerado, de 24 000 francos. As primeiras 160 colecções foram vendidas antes
mesmo de serem concluídas, mas a fórmula não foi mais repetida.
Geralmente, estes papéis panorâmicos chegavam às lojas ao dobro do preço de fábrica, mas a quem estavam eles
destinados? Ainda se conhece mal este mercado, apesar da existência de arquivos importantes. C. Lynn tem
estudado o mercado dos Estados Unidos, grande fã deste tipo de produto, se julgarmos pelos exemplares que foram
preservados para até hoje. Segundo os seus estudos, a comercialização para os Estados Unidos era mais rápida
que para a Europa.
Estes papéis de parede panorâmicos aparecem logo desde os anos 20 do século XIX, nos concessionários
especializados, em todas as grandes cidades, em seguida, do Norte ao sul da costa leste, e representam uma
parcela significativa de artigos importados, pois os fabricantes locais conseguiam produzir padrões de qualidade,
mas não tão elaborados como estes.
Os números, embora muito parciais, são impressionantes: eram centenas de colecções que todos os anos
atravessavam o Atlântico! O mercado germânico e o da Europa Central parece ter sido os veículos de comunicação.
O museu de papel de parede de Kassel (Kassel Tapetenmuseum), na Alemanha, conserva ainda um grande número
de exemplares.
As investigações ainda por publicar de Ingmar Tunander, na Suécia, revelam a presença de mais de cem papéis
panorâmicos antigos neste país, todos colocados durante a primeira metade do século XIX, e Zuber é amplamente
representado. A sua loja em Hamburgo abastecia o mercado escandinavo.
Em França, a moda é mais sensível do que noutros lugares e muitos foram arrancados das paredes. Balzac
considerava-as "invenções grotescas”.
O mercado do Mediterrâneo, por sua vez, parece ter sido mais resistente a este produto. Não cobriam as paredes,
antes pintavam-nas por necessidade de fresco. Mas estas são apenas algumas impressões rápidas que um estudo
global deve esclarecer ou rever.
E onde está actualmente esta arte? No caso de Zuber, uma parte das paisagens antigas ainda são hoje impressas
usando as placas originais.
(http://www.mulhouseum.uha.fr)
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