a ameaça das armas nucleares de baixa potência com penetração

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a ameaça das armas nucleares de baixa potência com penetração
A AMEAÇA DAS ARMAS NUCLEARES DE BAIXA POTÊNCIA COM
PENETRAÇÃO NO SOLO SOBRE AS POPULAÇÕES CIVIS:
OS “QUEBRA BUNKERS” E SUAS IMPLICAÇÕES MÉDICAS
Victor W. Sidel, MD; Jack Geiger, MD, MSHyg; Herbert L. Abrams, MD;
Robert W. Nelson, PhD; e John Loretz
Os autores agradecem a Adam Hughes, Analista de Programação, da organização Physicians for Social
Responsibility, pelo seu contributo com dados actuais sobre as armas nucleares dos EUA.
Concepção do relatório, arranjo gráfico e revisão literária Lynn Martin, Director de Comunicações,
IPPNW.
Sobre o IPPNW
A organização International Physicians for the Prevention of Nuclear War (IPPNW) foi fundada em
1980 em resposta à crescente ameaça de guerra nuclear. A IPPNW é uma federação internacional não
partidária de organizações médicas dedicadas à pesquisa, educação e apoio à causa da prevenção da
guerra nuclear. Para tal, a IPPNW procura prevenir todas as guerras, promover a resolução não violenta
dos conflitos e minimizar os efeitos da guerra e do esforço de guerra, investindo na saúde, no
desenvolvimento e no meio ambiente.
Há grupos filiados na IPPNW distribuídos por 58 países, intregrando médicos e outros profissionais de
saúde, estudantes de medicina e cidadãos empenhados de todo o mundo.
Pelos seus esforços no sentido de esclarecer o público e os politicos sobre as consequências médicas da
guerra nuclear, a IPPNW recebeu em 1985 o Prémio Nobel da Paz.
Resumo
Os proponentes de uma nova geração de armas nucleares de baixa potência e penetração no
solo (EPW), tais como as versões modificadas do B61–11 actualmente existentes no arsenal dos EUA,
proclamam que tais armas poderiam ser utilizadas contra bunkers subterrâneos profundamente
enterrados e resistentes, com “danos colaterais mínimos”. Mesmo uma EPW nuclear de muito baixa
potência detonada numa zona urbana ou na sua vizinhança dará origem a poluição radioactiva,
fragmentos e outros materiais radioactivos que abrangerão vários quilómetros quadrados. Uma EPW
nuclear com potência inferior a um décimo da arma nuclear utilizada em Hiroshima ou Nagasaki
poderia resultar em doses fatais de radiação para dezenas de milhares de vítimas. Os agents biológicos
e químicos armazenados nos bunkers alvejados podem dispersar-se na atmosfera sem serem destruídos
por uma EPW nuclear, potencialmente ferindo ou matando civis indefesos. O número de vítimas de um
ataque com uma EPW nuclear dependeria da localização do alvo, da densidade da população na área
envolvente, da extensão dos fragmentos dispersos e da possibilidade de escape ou de evacuação. Para
além das consequências médicas a curto e longo prazo, o recurso às armas nucleares minimizaria as
restrições existentes à proliferação ou utilização de armas nucleares e venceria um limiar que se tem
mantido desde 1945, quando os Estados Unidos fizeram explodir as primeiras armas nucleares sobre
Hiroshima e Nagasaki.
Introdução
A iminência da guerra “preventiva” contra o Iraque suscitou preocupação acerca das armas
que podem ser utilizadas para destruir centros de comando subterrâneos e supostos locais subterrâneos
de armazenagem para armas químicas e biológicas.1 Tais locais podem achar-se profundamente
enterrados e “reforçados”, protegidos por grades massas de betão armado previsto para suportar os
efeitos do bombardeamento aéreo com armas convencionais. As armas de penetração terrestre — EPW
ou “quebra bunkers” — são concebidas para impactar a terra com grande velocidade e penetrar no solo
antes de explodir. A penetração na terra acresce os danos causados aos alvos subterrâneos,
“potenciando” a energia da explosão à superfície.
Os Estados Unidos dispõem actualmente de EPW convencionais e nucleares. Os sistemas
convencionais, mais desenvolvidos e mais eficazes (o GBU-28 e o GBU-37), são concebidos para
serem lançados de um avião, contêm cerca de 315 quilos de potente explosivo, e durante os testes
revelaram-se capazes de penetrar mais de 6 metros de cimento ou 30 metros de terra. As EPW
compostas de explosivos convencionais são capazes de destruir estruturas pouco profundas, a menos de
dez metros abaixo do nível do solo, mas revelam-se ineficazes na destruição de locais mais
profundamente enterrados ou mais resistentes.
Os Estados Unidos também dispõem de cerca de 50 EPW com ogivas nucleares (a “B61
modification 11”), destinadas a serem lançadas de aviões. Os testes indicam que o engenho típico
penetra 2 a 3 metros em solo gelado. A carga destas ogivas ocilará entre 0,3 quilotoneladas e 340
quilotoneladas. Foi proposta e está em estudo a produção de uma nova geração de armas nucleares do
tipo EPW. Uma lei de 1994 proíbe actualmente o desenvolvimento de armas com carga inferior a 5
quilotoneladas (correntemente conhecidas como “mini nukes”), mas a Câmara dos Representantes,
durante a actual sessão do Congresso, recomendou que essa restrição fosse eliminada.2,3
Em Janeiro de 2002 o Departamento de Defesa e o Departamento de Energia tornaram público
um novo Nuclear Posture Review (NPR). Estes relatórios periódicos, exigidos pelo Congresso,
descrevem as forças nucleares que o Departemento da Defesa estima necessárias. O NPR de 2002
acrescentava cinco novos países como alvos potenciais para as armas nucleares dos Estados Unidos.
Além da China e da Rússia, a República Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte), o Iraque, o
Irão, a Síria e a Líbia são especificamente mencionados como potenciais ameaças. O NRP atesta
claramente que o arsenal nuclear dos Estados Unidos poderia também ser utilizado para desencorajar e
ripostar a qualquer utilização de armas nucleares, químicas ou biológicas por essas nações. O novo
objectivo consiste em grande parte no ataque a “alvos profundamente enterrados” com EPW nucleares.
O orçamento DOE para 2003 reclama especificamente apoio financeiro para um “Robusto Penetrador
Terrestre Nuclear” que poderia ser mais eficaz que o modelo modificado do B61. O debate em torno
do RNEP centrou-se num certo número de modificações para melhorar o B61 e novas modificações do
B83, a maior ogiva nuclear do arsenal dos EUA. As modificações incluiriam: desenvolvimento de
novos contentores para as ogivas, por forma a aumentar a velocidade de impacto, o que permitiria à
arma penetrar mais profundamente sem riscos; aperfeiçoamento dos sistemas de telecomando, para
maior precisão; melhor controle da incidência no impacto, para assegurar a penetração segundo o
ângulo ideal; e fusíveis mais eficazes para controlar a detonação no momento exacto.
Alguns funcionários governamentais e do exército sustentaram que estas armas nucleares de
baixa potência e penetração no solopodiam ser utilizadas com um “mínimo de danos colaterais”. Uma
simples análise baseada nas previsões físicas e em dados dos testes nucleares subterrâneos indica, pelo
contrário, que mesmo uma arma nuclear de muito baixa potência utilizada numa área urbana implica o
risco de causar dezenas de milhares de vítimas civis das radiações. Um tal montante de vítimas
ultrapassaria a capacidade do mais avançado sistema de cuidados médicos.
Foram abundantemente analisadas as consequências médicas da utilização de armas nucleares
na ordem das quilotoneladas (tais como as bombas com força explosiva aproximadamente equivalente
a 15 milhares de toneladas de TNT utilizadas em Hiroshima e Nagasaki em 1945) e na ordem das
megatoneladas (tais como armas com força explosiva equivalente a 20 milhões de toneladas de TNT,
testadas pelos Estados Unidos e pela União Soviética).
Características das Explosões de Armas Nucleares
As análises dos efeitos da utilização de armas nucleares de grande potência distinguem entre
os efeitos da sua detonação na atmosfera e à superfície do solo. A detonação duma arma nuclear na
atmosfera, a muitas centenas de metros do solo — como se deu com as bombas utilizadas em
Hiroshima e Nagasaki — resulta numa enorme área danificada pela explosão e pelo calor, muito maior
que a área danificada por uma arma detonada ao nível do solo. O sopro da explosão também expõe a
população no solo ao efeito da radiação proveniente do fluxo inicial de neutrões e raios gama
produzidos pela reacção nuclear e também pela subsequente nuvem de partículas radioactivas dispersas
na atmosfera peloa explosão.
Uma explosão à superfície ou subterrânea, pelo contrário, implica uma área mais reduzida de
danos causados pela explosão e pelo calor e menor incidência da inerente radiação gama. Todavia, é
quase certo formar-se uma larga cratera a céu aberto, devido à explosão. Para uma arma de uma
quilotonelada, cerca de um milhão de toneladas de terra e estilhaços escavados pela explosão
subterrânea espalhar-se-iam por uma larga área em torno do epicentro da explosão. Para além dos
produtos da fissão da própria bomba, este material removido torna-se radioactivo devido ao surto
inicial de neutrões resultante da explosão nuclear e será depositado sob a forma de chuva radioactiva.
Características das EPW
Porque as EPW são feitas para serem detonadas em profundidade e têm substancialmente
menor potência do que outras ogivas do arsenal dos Estados Unidos, os promotores do
desenvolvimento e utilização de tais armas sugeriram que as EPW nucleares poderiam ser utilizadas
mesmo junto de áreas densamente povoadas, com “danos colaterais mínimos”.
Como disse um
funcionário do Pentágono ao Washington Post em Junho de 2000, “Do que precisamos agora é de algo
que possa abalar um bunker abrigado sob 300 metros de granito sem matar a população civil das
imediações”.9
Uma análise efectuada por um de nós (RWN) demonstrou que os EPW simplesmente não
podem penetrar bastante profundamente para conter, subterraneamente, a explosão nuclear e a radiação
que ela produz. 4 Tal como o provaram os testes efectuados no deserto de Nevada, uma explosão de 1
quilotonelada deve ser subterrânea e cuidadosamente cofrada a mais de 100 metros de profundidade
para conter integralmente os produtos radioactivos. Todavia um míssil feito do aço mais resistente não
consegue aguentar o impacto do solo a velocidades superiores a 900 metros por segundo sem se
autodestruir. Isto limita a máxima penetração possível do míssil no cimento armado a cerca de quatro
vezes o comprimento do míssil — aproximadamente 12 metros para um míssil de três metros de
comprimento. Mesmo para os materiais mais resistentes, velocidades de impacto muito superiores a um
quilómetro por segundo amolgarão e destruirão o penetrador e a sua ogiva. A esta relativamente
pequena profundidade a explosão abrirá inevitavelmente uma cratera e disseminará a terra e os
estilhaços pelo solo. A chuva radioactiva resultante estender-se-á por uma área de various quilómetro
quadrados. Seja quem for que permaneça nessa area umas poucas de horas receberá uma dose fatal de
radiação e uma exposição menos prolongada causará sérios problemas de saúde, como se observará
mais adiante.
Disseminação de Agentes Químicos e Biológicos
Para além do risco de exposição a radiações, a análise dos efeitos das EPW usadas nos locais
de armazenagem subterrâneos indica que que todos os materiais perigosos armazenados têm poucas
probabilidades de serem reduzidos a cinzas por uma EPW. Pelo contrário, alguns podem disseminar-se
à superfície e na atmosfera.10 Os bunkers actuais, em que tais materiais são armazenados, costumam
conter longos e complexos sistemas de túneis com múltiplos compartimentos de armazenagem. Essa
configuração atenuaria o impacto e e a energia térmica da explosão subterrânea. O mais provável é que
alguns tanques de armazenagem fossem arrombados pelo impacto, mas que os agentes propriamente
ditos não fossem destruídos.
Os facto observados na Guerra do Golfo de 1991 e outros exemplos de destruição de locais de
armazenagem dão indicações sobre
11
explosivos.
o potencial de disseminação dos agents por detonação de
Num memorando dirigido aos senadores americanos em Setembro de 2002, Mello,
Nelson e von Hippel afirmavam: “Um ataque nuclear muito provavelmente libertaria, em vez de
destruir, quaisquer agents biológicos ou químicos presentes. Assim, o resultado mais provável (…)
seria a dispersão de agents letais na atmosfera, potencialmente aniquilando populações civis não
protegidas numa extensa área abrangida pelos ventos dominantes. As forças militares teriam maior
probabilidade de se protegerem.”12
Efeito da Radiação Ionizante
Em análises anteriores das consequências médicas do uso de armas nucleares, a consideração
de danos causados pela radiação ionizante incluia: 1) os efeitos do surto inicial de radiação da
detonação nuclear sobre pessoas que sobreviveram à explosão e ao calor; e 2) os efeitos nefastos da
radiações decorrentes da núvem de radionuclidos produzidos pela detonação nuclear. Um exemplo do
primeiro tipo de danos é uma pessoa que se achava num abrigo subterrâneo em Hiroshima na altura da
detonação e assim escapou aos efeitos da explosão e do calor, mas morreu de doença causada pela
radiação. Outros sobreviventes da explosão de Hiroshima e Nagasaki sofreram danos causados pelos
neutrões e raios gama no fluxo inicial de radiação. Os neutrões e os raios gama são capazes de penetrar
escudos anti-radiação e assim causar danos radioactivos a consideráveis distâncias da sua origem. As
doses de radiação superiores a alguns sieverts (cem rems) podem causar afecções caracterizadas por
doença grave, incapacidade, ou mesmo a morte. Em doses mais reduzidas, os neutrões e os raios gama
podem induzir cancros, como documentam a Atomic Bomb Casualty Commission e a sua sucessora, a
Radiation Effects Research Foundation, em estudos a longo prazo efectuados sobre os sobreviventes do
bombardeamento nuclear de Hisroshima e Nagasaki.13,14
Além da exposição directa aos raios gama e neutrões produzidos pela detonação, as pessoas
podem ingerir ou inalar radionuclidos da nuvem radioactiva, seja localmente, seja a grande distância do
epicentro da detonação. Os radionuclidos inalados ou ingeridos que emitem radiação alfa ou beta
podem afectar seriamente os tecidos vizinhos do corpo da vítima. O National Cancer Institute publicou
informações que faziam uma estimativa dos cancros da tiróide que nos Estados Unidos foram causados
pela absorção de iodina–131 de curta duração resultante dos testes nucleares atmosféricos levados a
cabo pelos Estados Unidos e pela União Soviética.15 A precipitação de radionuclidos foi uma das
razões por que foram banidos em 1963 os testes nucleares na atmosfera, através do Limited Nuclear
Test Ban Treaty.
A radioactividade no solo após a explosão de 1 quilotonelada enterrada a baixa profundidade
seria distribuída por alguns quilómetros quadrados em elevada concentração. Cerca de 60% da
radioactividade é depositada localmente em elevadas doses, e mais de metade da radioactividade
decairá nas primeiras 24 horas. Entretanto, os ventos determinarão a distância até onde a núvem
chegará, cujas partículas se distribuírão provavelmente por uma larga área.
A Figura 1 mostra os contornos aproximados da radiação isodose resultante da núvem
radioactiva devida a um teste nuclear subterrãneo de 0,43 KT. 16 A profundidade de 34 metros reduziu o
total de radioactividade libertada, mas as pessoas dentro do primeiro círculo terão mesmo assim
recebido uma dose de radiação de 1.000 rads por hora ou mais, e os que se achavam no segundo círculo
terão recebido uma radiação de 100 rads por hora. Uma dose de 1.000 rads por hora teria afectado a
maioria das vítimas em 10 minutos e causado lesões mortais em cerca de 45 minutos. Uma dose de 100
rads por hora teria afectado as pessoas dentro de uma a duas horas e causado lesões mortais dentro de
quarto a cinco horas. Os que tivessem sido expostos teriam de abandonar a área da exposição — ou
dela serem evacuados — o mais rapidamente possível. Obviamente, as vítimas podem ficar feridas ou
manietadas pelos estilhaços produzidos pelo calor e pela explosão, ou permanecer no local tentando
salvar outras pessoas. Dado que a radiação é invisível e a sua detecção requer braçadeiras sensíveis à
radiação ou outros monitores, tais vítimas podem permanecer totalmente alheias à sua exposição a
radiações e à magnitude destas. Dado que tais pessoas abandonam a área, as suas vestimentas e outros
repositórios de material radioactive teriam de ser removidos e levados para local seguro por forma a
evitar adicional exposição à radiação das vítimas ou de outras pessoas. As vítimas precisariam também
de ter acesso a banhos de chuveiro — com drenagem protegida — para poderem assim remover o
material radioactivo da pele e do cabelo. (Um mapa dos contornos isodose como o que acima se
mostra, sobreposto ao mapa metropolitano de Bagdad, Pyonggyang, Damasco, Teerão, ou qualquer
outra área urbana que constitua um alvo potencial, dar-nos-ia uma estimativa grosseira do grande
número de vítimas civis que resultariam do uso das EPW nucleares.)
Consequências Médicas da Exposição à Radiação
As lesões causadas pela radiação afectam múltipos sistemas de órgãos; o âmbito, intensidade,
progressão e duração dos sintomas são função da dose de exposição e do tipo de exposição — raios
gama ou neutrões, ou radionuclidos que afectam tecidos específicos em que eles se concentram, tais
como o estrôncio–90, nos ossos, e o I–131, na glândula tiróide. Estas exposições podem resultar em
cancros, que só se tornarão aparentes anos após a exposição.
No que respeita às doenças induzidas por radiação aguda, as células em mitose e as que
possuem maior grau de metabolismo são mais radiosensíveis do que as outras. Daí, que as células de
proliferação rápida, como os linfócitos, eritroblastos, e células da cripta intestinal sejam mais afectadas
do que os altamente diferenciados músculos e células nervosas. Visto as células epiteliais serem
particularmente vulneráveis, os primeiros sintomas refletem frequentemente danos no tracto gastrointestinal, com vómitos protacted, diarreia, e perda de fluidos e electrólitos. A medula óssea (glóbulos
brancos) e outras defesas imunológicas são também vulneráveis, e são fenómenos comuns a anemia
profunda, as hemorragias e as infecções secundárias. Para quem se expuser a doses letais, a morte
poderá ocorrer dentro de dias, uma semana, ou pouco mais.
São os danos causados nos tecidos onde se forma o sangue e no tracto gastro-intestinal que
determinam em grande parte a sorte dos indivíduos expostos a doses moderadas de radiação. Quando a
dose é superior a 2 sieverts (200 rems), as náuseas e os vómitos são sintomas virtualmente imediatos,
acompanhados por perda de apetite e diarreia em cerca de um terço dos expostos.
Após os primeiros sintomas — os chamados “sintomas prodromais” — a resposta letal é
caracterizada por três modos de morte. Com doses de 20 a 150 sieverts, o termo é uma questão de horas
ou dias, de colapso neurológico e cardiovascular. A níveis de 5–12 sieverts, o sindroma gastrointestinal produz deterioração progressiva num período que pode ir de alguns dias até várias semanas.
Mesmo com doses mais pequenas, na ordem dos 2–4 sieverts, a morte pode ocorrer várias semanas
após a exposição, em resultado da deterioração da medula óssea.17
Nos primeiros dias a reacção imediata não se traduz por diminuição na contagem dos glóbulos
brancos. Com a destruição das células percursoras ou indiferenciadas, dá-se uma diminuição da
quantidade de glóbulos vermelhos, de glóbulos brancos e de plaquetas. Mas a prova real da doença
causada pela radiação torna-se aparente quando as células em circulação se tornam reduzidas e as suas
substitutas já não manam da medula inactiva. É então, algumas semanas após a exposição, que surgem
a febre, as tremuras, as úlceras orofaríngeas e a anemia, como consequência da infecção e da depressão
da medula.18
Os recém-nascidos, as crianças, os velhos, os doentes crónicos e as mulheres com capacidade
reprodutiva são os mais vulneráveis. Estas populações podem também ser vulneráveis devido a doença
ou subnutrição. No Iraque, a infecção e a subnutrição podem ser uma consequência dos efeitos sobre a
água e os alimentos e da destruição da infraestrutura médica e sanitária devidos aos bombardeamentos
de 1991, e também consequência da carência alimentar devida às sanções das Nações Unidas e à
resposta do governo iraquiano. As lesões devidas a radiação acomapanhadas por exposição a explosões
ou queimaduras têm um efeito sinergético. Outros efeitos sinergéticos podem ser causados pela
deletéria combinação da supressão da resposta imunitária devida á radiação com a disseminação de
agentes infecciosos.
Não há terapias específicas para lesões causadas por radiação aguda; o tratamento de
manutenção (fluidos intravenosos, transfusões de sangue, antibióticos) é tudo quanto se pode
proporcionar. Mesmo dispondo da moderna terapia antibiótica — e os medicamentos apropriados nem
sempre estão disponíveis — a infecção é uma das principais causa da morte. Para aqueles que foram
expostos sub-letalmente tais medidas podem ser decisivas, ao permitir sobreviver à fase aguda, e levar
a uma eventual recuperação. Mesmo em tais casos, os efeitos a longo prazo podem ocorrer
susequentemente. Na maior parte dos casos, não haverá meio de os médicos determinarem o nível e o
tipo de exposição à radiação em cada paciente. Uma triagem eficaz, separando aqueles que estão
condenados a morrer daqueles para os quais existe uma possibilidade de recuperação, será portanto
impossível. A menos que hospitais, clínicas e outras unidades de cuidados médicos disponham de
meios de descontaminação, os médicos, as enfermeiras e restantes profissionais de saúde achar-se-ão,
também eles, expostos ao risco da radiação emitida pelas roupas dos pacientes contaminados.
Tendo em conta a evolução temporal da lesão por radiação e da doença, os efeitos, mesmo que
duma simples exposição do tipo mais ocorrente após a explosão duma EPW nuclear tal como atrás foi
descrito, transcorrerão por várias semanas, e não sob a forma de um surto agudo e isolado. Se os
recursos para o tratamento estiverem disponíveis, os problemas capitais da infecção e da hemorragia
poderão ser enfrentados com sucesso num número significativo de pacientes.
Efeitos Sinergéticos e Resposta Médica
Convém notar que a utilização de EPW, tendo por alvo bunkers subterrâneos em áreas urbanas
ou próximos destas, é geralmente acompanhada por outras acções militares — ataques aéreos
convencionais simultâneos, assaltos de helicópteros de combate, ou combates de infantaria.
Estas combinações são susceptíveis de incrementar o pânico, obviar a qualquer tipo de
evacuação metódica, e aumentar enormemente as baixas civis.19 Em consequência disso, as lesões
traumáticas — acrescendo os efeitos da exposição às radiações — tornarão crucial a necessidade de
cuidados médicos. A disponibilidade de serviços médicos, de pessoal, de material e de equipamento, e
o estatuto functional do sistema de cuidados médicos também serão provavelmente afectados. O
provimento de componentes sanguíneos e de fluidos, incluindo o sangue propriamente dito, glóbulos
vermelhos, plaquetas, plasma, albumina e lactato de Ringer, assim como de ligaduras, soluções
intravenosas e material para injecções, antibióticos e produtos anestesiantes será também muito
provavelmente necessário. Os hospitais poderão tornar-se inoperacionais pela falta de água e de
drenagem dos esgotos, corte de linhas telefónicas e de outros sistemas de comunicação, destruição de
redes de fornecimento de energia e de vias de comunicação, tal como sucedeu em 1991, na Guerra do
Golfo.
Fuga e Evacuação
A análise da possibilidade e rapidez da fuga e da evacuação depende de vários factores: 1)
mobilidade das vítimas; 2) disponibilidade de transporte; e 3) barreiras opostas aos voos ou à
evacuação causadas pelos danos físicos das vítimas ou dos sistemas de transporte, ou pelo pânico. A
maior parte da dose total de radiação recebida aquando da chuva radioactiva ocorre nas primeiras horas
após a detonação. Em Nova York, por exemplo, uma EPW nuclear detonada no extremo sul do Central
Park durante um dia útil exigiria a evacuação imediata de milhões de pessoas. Em Bagdad, que tem
uma densidade demográfica maior que a de Nova York, ainda mais habitants teriam de ser evacuados
de qualquer área afectada.
Nas décadas de 50 e de 60 foram realizados estudos aprofundados dos problemas da fuga e da
evacuação, pois então se sustentava que a “defesa civil” poderia ser uma resposta eficaz à utilização de
armas nucleares.20 Entre outras conclusões desses estudos conta-se a previsão de que a “evacuação”
seria espontânea e incontrolada. A evacuação incontrolada do local da explosão produzida por uma
EPW nuclear poderia não só levar a confusão, congestionamento e longas interrupções, como, nos
casos em que os “quebra bunkers” fossem utilizados contra depósitos subterrâneos de armas biológicas,
poderia levar à exposição de ainda mais pessoas a agentes biológicos potencialmente transmissíveis.
Fragilização das Restrições contra a Utilização de Armas Nucleares e de outras Armas de
Destruição Maciça Indiscriminada
Os esforços por parte dos que advogam a introdução de novas armas nucleares de baixa
potência no arsenal dos EUA fazem parte duma tendência crescente para baixar o limiar das armas
atómicas e recorrer a armas nucleares mais aceitáveis. Os seus proponentes argumentam que as
pequenas armas nucleares poderiam ser utilizadas em conflitos convencionais, por minimizarem os
danos colaterais. A nossa análise mostra que tal não é verdade.
Para além disso, a utilização de armas nucleares de baixa potência poderá levar à fragilização
das restrições contra a utlização de armas nucleares de maior potência, e noutros contextos, tais como a
atmosfera, o meio subaquático e o espaço sideral. A implementação pelos EUA de novas armas
nucleares, tais como as EPW, poderá exigir a reactivação dos testes nucleares subterrâneos, à revelia da
actual moratória mundial, comprometendo a perspectiva de uma eventual consecução do
Comprehensive Test Ban Treaty (CTBT). Essa atitude despoletará quase com certeza um novo ciclo de
proliferação global de armas nucleares, na medida em que outras nações responderão com as suas
próprias novas armas.
Os EUA dispõem actualmente de uma impressionante superioridade militar, e constituem-se
indiscutivelmente como o superpoder mundial. As armas nucleares ainda constituem uma ameaça para
grande parte da população americana. O CTBT e outros tratados que pretendem limitar a proliferação
da armas nucleares a outros estados acrescem grandemente a segurança dos EUA. O desenvolvimento
de novas armas nucleares, cujos novos recursos teriam de ser testados, levaria ao fim e ao cabo a pôr
em causa não só a segurança nacional dos EUA, como também a segurança global.
Acerca dos Autores
Victor W. Sidel é Distinguished University Professor of Social Medecine, Montefiore Medical
Center, Albert Einstein College of Medecine. Foi Co-Presidente do IPPNW e membro fundador e
Presidente do seu ramo nos EUA, Physicians for Social Responsibility (PSR) .
H. Jack Geiger é Arthur Logan Professor Emeritus of Community Medecine, City University
of New York Medical School. É membro fundador e foi Presidente do PSR.
Herbert L. Abrams é Professor de Radiologia, Emeritus, Stanford University e Membro
Residente no Stanford Center for International Security and Cooperation.
Robert W. Nelson é físico teórico no Program on Science and Global Security, Woodrow
Wilson School of Public and International Affairs, Princeton University.
John Lorenz é Director de Prograrmas, International Physicians for the Prevention of Nuclear
War.
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