Chiado Editora, 2014.
Transcrição
Chiado Editora, 2014.
COLECÇÃO compendium Chiado Editora www.chiadoeditora.com Um livro vai para além de um objeto. É um encontro entre duas pessoas através da palavra escrita. É esse encontro entre autores e leitores que a Chiado Editora procura todos os dias, trabalhando cada livro com a dedicação de uma obra única e derradeira, seguindo a máxima pessoana “põe tudo quanto és no mínimo que fazes”. Queremos que este livro seja um desafio para si. O nosso desafio é merecer que este livro faça parte da sua vida. www.chiadoeditora.com Portugal | Brasil | Angola | Cabo Verde Avenida da Liberdade N.º 166, 1.º Andar 1250-166 Lisboa Portugal Chiado Editorial Espanha Calle Serrano, 93, 3.ª planta 28006 Madrid Passeig de Gràcia, 12, 1.ª planta 08007 Barcelona Chiado Éditeur França | Bélgica | Luxemburgo Porte de Paris 50 Avenue du President Wilson Bâtiment 112 La Plaine St Denis 93214 Paris Chiado Publishing Chiado Verlag U.K | U.S.A | Irlanda Kemp House 152 City Road London EC1CV 2NX Alemanha Kurfürstendamm 21 10719 Berlin © 2014, Fellipe de Andrade Abreu e Lima, Pedro Luís Alves Veloso e Chiado Editora E-mail: [email protected] Título: Nós da Arquitetura Editor: Rita Costa Composição gráfica: Ricardo Heleno – Departamento Gráfico Capa: Ana Curro Imagem de capa: Pedro Veloso Revisão: Fellipe de Andrade Abreu e Lima e Pedro Luís Alves Veloso Impressão e acabamento: Chiado Print 1.ª edição: Agosto, 2014 ISBN: 978-989-51-1730-7 Depósito Legal n.º 376832/14 Fellipe de Andrade Abreu e Lima Pedro Luís Alves Veloso da Nós Arquitetura Chiado Editora Portugal | Brasil | Angola | Cabo Verde A todos os alunos com os quais tive a satisfação de compartilhar as aulas. Ao Professor e Arquiteto José Tadeu de Azevedo Maia. Ao Professor e Arquiteto Sylvio Barros Sawaya. Para Lara Yasmim e Rafaella Sofia, minhas filhas, que sempre me encontrarão nos meus textos. Fellipe de Andrade Abreu e Lima Aos meus avós: Leandro, Vera e Conceição. Pedro Luís Alves Veloso Prefácio: Quatro temas sobre o pecado do conhecimento De um instante de prazer, de uma explosão, princípio de tudo, ele, o ser, percorre um espaço e mergulha no paraíso. Ao crescer, estabelece a primeira relação com o meio em que vive, o seu paraíso, e busca conhecer. Conhecimento que nele constrói o diálogo. Não um monólogo com o seu existir e, sim, um diálogo com o ao redor. Tendo consciência de sua dimensão, ele sai do seu paraíso. O sentido dessa perda o persegue por toda a existência. O diálogo com outro meio acende nele a vontade de conhecer outra vez o conhecer que o expulsou daquele paraíso em que antes vivia. E novo diálogo tem início entre aquele ser e o seu novo redor. O pecado do conhecimento se instala. Penso, logo existo será sua derrota. Melhor seria não penso, e existo em meu paraíso perdido, pelo menos na memória dele. E se constrói nele o sentido da relação. O diálogo com esse novo paraíso, onde ele tem de pensar, vai dar vida à sua nova existência. Ele de princípio se deixa envolver com o que mais lhe parece com aquele interior cheio de prazer. A inconstância e a vontade de conhecer o afastarão daquele espaço natural e, diferentemente de tantos outros seres que o cercam, ele quer construir um novo espaço, no qual possa reproduzir aquele perdido. Medir. Ele vai materializar o ato no instante em que não é somente um espaço, um vazio a ser edificado, mas muitos outros para seus semelhantes. A primeira maneira de medir é construída com seu próprio corpo. Será seu andar, sua mão, o polegar e seus braços, abertos em cruz. A medida está nele, como aquela primeira, 7 Nós da Arquitetura na qual a consciência de ser desperta na dimensão do lugar. Ele construirá espaços e, cada vez mais, este se distancia da natureza que o envolve. Cria, nesse instante, outro diálogo entre a razão e a emoção. Uma razão que busca codificar a natureza envolvente em matemática. Matemática, princípio da razão criada e não da emoção sentida. E ela rege tudo. O voo dos pássaros que, por natural, se busca incluir no processo do conhecimento. Medir, medir e medir, tudo é medida. A razão é medida e vista, não à luz da emoção, e sim do número. A construção daquele espaço se faz com medidas e a escala se materializa no diálogo da representação com a realidade. De princípio, a medida é encontrada nele mesmo, o ser. Depois ela será referenciada até mesmo em uma relação contida no próprio estojo edificado com paredes, aberturas, colunas e traves. Mas no ser estão presentes, em seu mais recôndito lugar, as duas formas o ele e o outro. Ele, na medida das coisas, e o outro, na medida da coisa edificada com ela mesma. O primeiro texto, de autor que tem se dedicado à medida da razão, discorre sobre o antropomorfismo contido do Renascimento, que, de maneira contraditória, se diz inspirar não no experiencial de um Da Vinci e, sim, no platônico da medida de um templo Grego. Um diálogo que esse momento histórico despertou e colocou em evidência. O texto, por sua natureza, se explica ele mesmo e não por meu intermédio. O autor comete, assim, o pecado do conhecimento. Mas vale a pena! No segundo texto, o ser, consciente de sua situação enquanto construtor de estojos de espaços, dialoga com os demais sobre os caminhos dos conceitos dessa construção no seu hoje. Sobre o imaginário reflete diante do individualismo do ato criador. Ele, mais uma vez, comete o desejo de saber até onde ele se encontra em meio à sua atividade e à sua 8 Nós da Arquitetura condição, então definida como de criador daqueles estojos e, como tal, diferenciado. Na oportunidade, joga com História e com os referenciais da criação, em tempo de construção da cronologia do ato criador, tendo a consciência de que ele é indivíduo e não um ser medido pela coletividade da criação, isto naquele ato da edificação do espaço de viver, de seus princípios da razão e emoção e da não natureza, que busca restabelecer a relação com o meio em que viveu e deseja reviver. A liberdade do criar é o centro nervoso daquele ato de conceber o não criado e no qual o criador deseja se aproximar daquele momento primeiro, daquele prazer e se descobrir no ato do conhecimento de tudo. Um ato de criação, e ele tem presente, não para ele ou seu prazer, mas para um coletivo perseguido e ignorado tanto. O individual e o coletivo, em um diálogo que não tem aproximação, mas, sim, linhas em paralelo, em um encontro no infinito. Um infinito não construível na esfera do existir. Um individual no criar, descoberto no Renascimento e parte integrante daquele ser, que a necessidade de explicação do existir faz coletivo. No terceiro escrito, o autor procura dialogar com outro pensador. Ele e Vilém Flusser. Entre o seu modo de ver e o de alguém que vive em seus pensamentos. Uma série de considerações sobre a construção coletiva do conhecimento científico. Uma análise, nas próprias palavras desse autor, das nuances e contradições do pensamento do filósofo a partir de uma revisão temática, organizando a sua multifacetada teoria dos jogos em uma simples sequência de tópicos. E acrescenta, entretanto, esse esforço de revisão e reorganização não tem por finalidade a reconstituição cronológica do jogo no pensamento flusseriano, mas a compreensão das possibilidades de ação no mundo contemporâneo, em meio às suas radicais transformações técnicas. Isto é, interessa-nos estabelecer, nessa leitura, um debate 9 Nós da Arquitetura sobre o papel do jogo como uma forma ampliada de diálogo que parece ser cada vez mais possível e necessária nos dias de hoje – e daí a justificativa do presente histórico como tempo verbal adotado. Embora não tratando da arquitetura e do ato criador, o tema se torna instigante, uma vez que busca no jogo a explicação da existência e isto tem, indiretamente, relação com o todo do livro. Um quarto texto vai além do refletir do ser com ele mesmo. Ele se utiliza da cibernética, entendida por meio do estudo da retroalimentação, da comunicação e do controle na teoria da comunicação, que seria a base capaz de lidar com os fenômenos, entre outros, biológicos, psicológicos e sociais. Ele, o ser, talvez procure a explicação com o uso das ciências por ele criadas, além da simples observação de sua natureza. E talvez daí possa ele criar uma explicação do existir com os meios das novas ciências que, no final, se encontram, na verdade, no âmago dele mesmo. É a cibernética e a arte cibernética o interesse do autor do texto. Seria uma leitura transversal dos fenômenos a partir de suas interações e de seus comportamentos, caracterizando-os de modo abstrato como sistemas. Uma visão cibernética do ato criador que, ao se aproximar da arquitetura, pretende estabelecer um espaço para ininterruptas atividades de lazer e aprendizagem, fomentando a cooperação dos usuários em prol do engajamento em uma subjetividade livre e criativa. O autor então trata do que, em determinado tempo, foi o implantar um sistema cibernético capaz de assimilar os interesses dos usuários e os padrões de uso na configuração dos espaços. Um diálogo que ele mesmo, o autor, declara: infelizmente, esse diálogo se restringiu aos diagramas de Pask, uma vez que (o objeto desejado) o Fun Palace nunca foi construído. 10 Nós da Arquitetura Quatro textos e uma soma de ideias, todas elas carregadas do pecado do conhecimento e explicando, fundamentalmente, aquele ser inicial e suas dúvidas existenciais, se redescobrindo a todo instante. Março de 2014. José Luiz Mota Menezes 11 Prefácio dos autores Nós da Arquitetura, assim denominamos nossa contribuição às questões que permeiam essa disciplina, que trata da produção e interpretação do espaço. Em muitos níveis, o termo ‘nós’ se mostrou apropriado para conceber o livro que você tem agora em mãos. Nós somos arquitetos, professores e pesquisadores, mas nossos temas de interesse parecem, à primeira vista, muito distintos. Grosso modo, cada um investe e estuda campos específicos do conhecimento, mas entrelaçados entre si. Os interesses compreendem os tratados renascentistas e barrocos, a investigação da linguagem clássica e a formulação de uma crítica social à prática profissional. Em outro extremo, também abarca a teorização e produção da arquitetura contemporânea, a questão do gesto humano, a interação, e o uso de processos computacionais na prática de projeto. Mas o que ganhamos com essa aparente amplitude, frente a um mundo dominado pela especialização? Convém lembrar que o conhecimento não se desenvolve apenas pela transmissão e aperfeiçoamento de ideias restritas e bem definidas – embora essa também seja uma condição sine qua non. Sem o fator da diversidade ou sem o que poderíamos definir em um sentido amplo como diálogo, não haveria saltos criativos ou mudanças de paradigma, e acabaríamos consumidos pela entropia ou pelo dogmatismo. Se, nesse primeiro olhar, o livro pode soar como uma compilação de retalhos de pensamentos sobre arquitetura, uma exploração mais atenta logo revela os fios que costuram os territórios de reflexão por nós propostos. 13 Nós da Arquitetura Não apresentaremos aqui os diversos temas que unem dois pesquisadores tão distintos em uma abordagem comum, pois pressupomos que a busca que fazemos já fala por si. Apenas para fomentar o diálogo com nossos leitores, podemos formular algumas perguntas iniciais que pautam nossos esforços daqui para frente. Qual o papel da individualidade na cultura? Quais as implicações do indivíduo-autor como figura central na produção artística e arquitetônica? Em meio a esses processos de produção, qual o papel do corpo e da técnica? Entre textos que se ancoram no humanismo de Alberti e outros que abordam a possibilidade de simbiose criativa com as novas tecnologias ou mesmo na criação baseada na cognição distribuída, a resposta não poderia ser unívoca. Ao problematizar a figura do indivíduo criador, amarramos um ‘nó’ que nos obrigou a extrapolar temas cotidianos e nos estimulou a desenvolver diversas frentes, lidando com disciplinas e campos de conhecimento usualmente separados da arquitetura, como a sociologia ou a cibernética. Nesse sentido, frente aos diversos ‘nós’ que propusemos, poderíamos compreender esse livro como uma tessitura – cada capítulo estabelece conexões em torno de temas comuns, estabelecendo um espaço para a reflexão crítica. E, para finalizar essa breve apresentação, um último aviso: apesar de haver uma insinuação cronológica entre os capítulos, eles podem ser lidos em qualquer ordem. Com essa configuração esperamos nos afastar brevemente da estrutura linear da escrita, além de unir leitores de diferentes áreas em torno dos ‘nós’ que apresentamos. Aproveitemos esse diálogo. Fellipe de Andrade Abreu e Lima e Pedro Luís Alves Veloso 14 SUMÁRIO Prefácio: Quatro temas sobre o pecado do conhecimento....7 Prefácio dos autores............................................................13 A Ideia de Antropometria na Tratadística do Renascimento Italiano...............................................................................17 1. A Tratadística do Renascimento Italiano.....................17 2. A Ideia de antropometria............................................32 3. Individualismo e genialidade.....................................40 4. Conclusões.................................................................52 Bibliografia..................................................................55 Os conceitos de imaginário e individualismo na teoria social da arquitetura.....................................................................67 1. Introdução: Imaginário arquitetônico........................67 2. Uma Compreensão Individualista..............................72 3. Individualismo na arquitetura...................................87 4. Imaginário da arquitetura..........................................92 5. Conclusões: O Individualismo como Genialidade na Arquitetura.........................................................................98 Bibliografia.................................................................101 Vilém Flusser e a aposta no jogo......................................113 1. O jogo como modo de vida......................................116 2. A língua como jogo...................................................119 3. O jogo como conceito.............................................122 4. O jogo brasileiro......................................................126 5. O jogo pós-histórico.................................................128 6. Jogando com a pós-história.....................................134 7. O xadrez como modelo de jogo complexo...............137 8. Notas sobre a teoria dos jogos..................................141 Referências bibliográficas...........................................144 AArte da Conversação......................................................147 1. Breve origem da cibernética....................................148 2. Gordon Pask e a construção de uma arte-cibernética..151 3. Cybernetic Serendipity.............................................157 4. Estética informacional e arte permutacional...........159 5. Colloquy of mobiles e o desenvolvimento da Teoria da conversação...................................................................164 6. Um diagrama para a conversação...........................171 7. Uma comparação e alguns desdobramentos............174 Referências bibliográficas...........................................178 A Ideia de Antropometria na Tratadística do Renascimento Italiano Fellipe de Andrade Abreu E Lima 1. A tratadística do Renascimento italiano O desenvolvimento científico e artístico do Renascimento marcou toda a Idade Moderna que a sucedeu. Dentre as mais importantes contribuições da teoria da arquitetura estão o uso da perspectiva1 como modelo de desenho espacial e a teorização do estudo da cidade por Alberti, dando início à cultura de se escrever tratados de arquitetura e urbanismo2. Leon Battista Alberti (1404-1472), considerado o primeiro tratadista do Renascimento italiano, publicou seu tratado de arquitetura, o “De Re Aedificatoria”, em 1452, fundando um método de abordagem sistemática e abstrata em que arquitetura e a cidade estavam contidas dentro de um processo de pensamento único e inseparável. Neste volume escrito por Alberti, a “metodologia de projeto”3, que abrange o estudo da cidade, faz dele, o primeiro 1 Segundo consagrados autores, o modelo linear de perspectiva foi “redescoberto” por Filippo Brunelleschi, em meados de 1413. KEMP, Martin. The Science of Art.New Haven ed Londres: Yale University Press, 1990. cap. 1, p.9-11. 2 O termo “Urbanismo” surge de 1890 em diante entre os especialistas. Town Plannin” em inglês, Urbanizacíon em espanhol e Urbanisme em francês. A palavra francesa atinge maior aceitação. 3 Apesar de este termo ser contemporâneo, Alberti inaugurou os conceitos de lineamenti – (lineamenta – em Latim), numerus,finitio,collocatio e concinnitas, reforçando a ideia do estabelecimento de um método próprio de pensar a arquitetura, ou seja, o primeiro momento em que se aborda a cidade de modo abstrato. Usaremos neste estudo o termo em italiano: Lineamenti. 17 Nós da Arquitetura teórico da arquitetura a ressaltar a importância da relação entre a obra construída e o espaço que a encerra. Alberti não via distinção entre arquitetura, engenharia ou urbanismo. Todas estas ciências estavam contidas dentro de uma única: a arquitetura. Ao longo dos dez livros que compõem seu tratado, Alberti menciona ideias sobre uma cidade ideal, principalmente no Livro 4, em que estão contidas as maneiras pelas quais devem ser projetadas as cidades: iniciando com a escolha das regiões propícias, a descrição das mais adequadas maneiras de construí-las, a forma das suas muralhas, a escolha dos materiais e a disposição dos edifícios, pontes e praças. Contudo, as descrições métricas não foram alvo das atenções de Alberti, salvo em alguns casos nos quais menciona medidas aproximadas a serem respeitadas. Baseando-se em duas premissas, primeiro que a sociedade é produto das condições naturais e segundo que forma urbana é produto da sociedade, ele conclui que as condições geográficas influenciam na morfologia da cidade. Um dos objetos de estudo do tratado de Alberti é um grupo de conceitos intitulado “lineamenti”. Os lineamenti e a tríade numerus, finitio e collocatio são as partes que compõem o objeto arquitetônico e os “princípios de projeto”, respectivamente, que devem reger o pensamento de um arquiteto quando na elaboração de um projeto. O que ele chamou de lineamenti está descrito no Livro 1 como as partes componentes da arquitetura material: regio (local), area (terreno), compartitio (divisão), parties (partes), tectum (coberturas) e apertio (aberturas). Estes seis conceitos são complementares dentro da visão abstrata de Alberti, na medida em que qualquer projeto pode ser construído a partir da derivação de seus arranjos. 18 Nós da Arquitetura Apesar de classificar as ruas e ter sido influenciado pelo livro de Vitrúvio, Alberti não concorda, enfaticamente, com os cardus e decumanus. Segundo ele, havia mais de duas grandes vias principais que cortam uma cidade. O ornamento (elementos decorativos como fontes, obeliscos ou esculturas) e a conveniência (posições estratégicas de defesa, principais ruas em linhas retas e aproveitamento do declive do terreno) são considerados importantes para a sua cidade ideal, até nas grandes vias que ligam cidades, fazemse necessários monumentos que as embelezem. A forma circular seria a mais perfeita, apesar dele considerar que devem se adequar às condições do terreno e também à ideia de Aristóteles para as defesas militares, segundo a qual, é necessário que as cidades se unam ao sítio, na maioria das vezes, com formas irregulares. Talvez o grande número de variáveis estabelecido por Alberti seja a própria resposta à pergunta do por que não haver ilustrações no seu tratado, fato que nos faz imaginar que Alberti já previa a impossibilidade de se criar uma “Cidade Ideal”4. Junto a Alberti, no rol de autores que consideravam a arquitetura e cidade como entes a serem pensados juntos, baseados sempre na ideia de corpo humano, estão Antonio di 4 No primeiro momento, no qual Alberti explicita a ideia de antropometria no seu tratado ele afirma que: “Antes de tudo, consideramos que o edifício é um corpo, e, como todos os outros corpos, consiste em desenho e matéria: o primeiro elemento é neste caso obra do engenho – mental –, o outro é produto da natureza; o primeiro precisa de uma mente racional, para o outro, coloca-se o problema da procura e da escolha justa.” ALBERTI. L’Architettura. Prólogo. Volume 1. p.14. Tradução Nossa. Texto original: “Nam aedificium quidem corpus quoddam esse anima dvertimus, quodlineamentis veluti alia corpora constaret et materia, quorum alterum istic ab ingenio produceretur, alterum a natura susciperetur: huic mentem cogotationemque, huic alteri parationem selectionemque adhibendam; sed ultrorumque per se neutrum satis ad rem valere intelleximus, ni et periti artificis manus, quae lineamentis materiam conformaret, acesserit”. ALBERTI.De Re Aedificatori.Prólogo.Volume 1.p.15. 19 Nós da Arquitetura Pietro Averlino (1400-1465), cognome Filarete, e Francesco Giorgio di Martini (1439-1501), os quais escreveram e ilustraram seus tratados seguindo algumas diretrizes estabelecidas pelo seu antecessor. Estas diretrizes defendiam a aplicação dos conceitos enunciados de numerus, finitio e collocatio, como as bases epistemológicas do projeto arquitetônico, ou seja, os “princípios de projeto”. Filarete publicou o Tratato di Architettura5 em 1464 e Francesco Giorgio di Martini escreveu Trattati di Architetura, Igegneria e Arte Militare6 entre 1470-1490. Ao contrário de Alberti, Filarete não se apoia na visão vitruviana de que a cidade deve manifestar a tríade utilitas, firmitas e venustas. Seu tratado é composto por vinte e cinco livros; sendo que os quatro últimos não tratam da arquitetura ou da cidade. Dos vinte e um livros, que dissertam sobre arquitetura, pode-se dividir em três partes. Nos Livros 1 e 2 é discutida a teoria da arquitetura em si. Nos Livros 3 a 11 é discutida a construção da sua cidade ideal, chamada “Sforzinda”, dedicada ao Duque Sforza de Milão, financiador de suas obras. Finalmente, do Livro 12 ao 21 são descritos os edifícios que devem fazer parte de sua cidade ideal, bem como uma justa relação entre a cidade e os edifícios, manifestada através do uso de um mesmo módulo para elaboração das colunas, edifícios, praças e demais espaços urbanos. O plano das quadras centrais da cidade segue uma malha ortogonal, porém, as ruas principais que se projetam até 5 FILARETE.Filarete’s Treatise on Architecture. New Haven e Londres: Yale University Press, 1965. Trattato di Architettura. A Cura di Anna Finoli e Liliana Grassi. Milão: Edizioni il Polifilo, 1972. 6 MARTINI, Francesco di Giorgio. Trattati di Architettura, Ingegneria e Arte Militare. A Cura di Corrado Maltese, Trascrizione di Livia Maltese. Milão: Edizioni Il Polifilo, 1967. 20 Nós da Arquitetura a muralha estrelada seguem um formato heliocêntrico, cortando a cidade no ponto central da circunferência que tangencia as pontas da muralha. No centro desta cidade circular e, também, da mais importante praça está o monumento principal. A intenção de usar um mesmo módulo para as praças, ruas, palácios e outros edifícios que compõem a cidade de “Sforzinda”, é de acordo com este grupo de tratadistas, uma das maneiras de se relacionar arquitetura e cidade. Esta prática defendida por Filarete já tinha sido anunciada por Alberti como uma das condições para se atingir a qualidade espacial de uma cidade. Segundo Filarete, os edifícios mais importantes da cidade devem estar localizados ao redor das praças e as residências populares na periferia ou junto à muralha. Formando uma circunferência interna à muralha e, também, seccionada pelas ruas principais, estão os 16 templos desta cidade. Suas plantas e fachadas também devem, segundo Filarete, seguir o mesmo módulo do plano urbano, para demonstrar uma maior relação entre cidade e arquitetura. 21 Nós da Arquitetura Imagens no Tratado de Filarete relacionando o Módulo com o Edifício e a cidade7. De acordo com Filarete, desde a coluna que compõe um edifício até o plano urbano de uma cidade deve seguir um mesmo Módulo, baseado nas relações métricas do corpo humano. O terceiro tratadista, que seguiu as ideias iniciadas por Alberti, foi Francesco di Giorgio Martini (1439-1501). Seu tratado surge quase meio século depois dos seus dois antecessores. Martini é um arquiteto-engenheiro, especializou-se na construção de fortalezas para os duques de Urbino, Montefeltro e trabalhou na canalização e construção de pontes em várias cidades italianas. A partir do século XVII, o tratado de Martini foi esquecido, tendo em vista que seus estudos abordam sobre técnicas construtivas da engenharia civil e militar, pertencente ao século anterior, tornando-se obsoletas. Seu tratado impõe à arquitetura o domínio de muitas ciências, da mesma forma como os de Alberti e Filarete. Ao longo dos sete livros são aprofundados os estudos da arquitetura em vários aspectos. O Livro 1 trata dos materiais de construção. No Livro 2 as casas, os palácios e o sistema de abastecimento de água. No Livro 3 são descritas as formas das cidades e o “urbanismo” como uma ciência que coordena a relação dos edifícios com o espaço urbano. No Livro 4 os templos. No Livro 5 as fortalezas. No Livro 6 os portos em rios e em mar. No Livro 7 as máquinas. Ao 7 FILARETE. Volume 1, Cap. Ilustrações. 22 Nós da Arquitetura contrário de Alberti, Martini faz uso intenso de ilustrações ao longo destes sete livros. Estreitamente relacionados entre si, textos e imagens apresentam a cidade como um grande corpo humano que deve funcionar harmonicamente: o uso de um módulo baseado nas proporções do corpo humano; as máquinas usadas para mover água e objetos pesados; soluções de plantas de casas adaptadas à sua contemporaneidade e até as fortalezas com suas variações morfológicas. Nos Livros 5 e 6, Martini explica a importância do “disegno” para o bom entendimento da arquitetura. Para ele, o desenho é a maior ferramenta que os arquitetos possuem para se expressar: “Sem o desenho, – diz Martini –, o arquiteto não pode exprimir suficientemente seus conceitos.” Não há, contudo, em seu tratado, uma única cidade ideal como a “Sforzinda” de Filarete. O importante para Martini é o estabelecimento e o uso de proporções harmônicas provenientes das relações antropométricas. Esta é a maior relação possível que, segundo ele, pode haver entre o “Homem” e a cidade. 23 Nós da Arquitetura Imagens no Tratado de Giorgio Martini. 1. A cidade como um corpo humano, onde todas as partes devem estar harmonizadas entre si. 2. O módulo proveniente das relações métricas do corpo relacionado com os edifícios e a cidade. 3. As máquinas8. Durante o século XV, estes três tratadistas do Renascimento italiano pensaram a arquitetura e a cidade sempre juntas. Cada um dentre estes três tratadistas contribuiu de forma pessoal para a teoria da arquitetura. O mais importante é que cada um deles estabeleceu suas diretrizes para se pensar toda uma cidade, desde uma colunata até uma praça, seguindo um mesmo módulo, baseando-se em relações antropométricas. 8 MARTINI, Francesco di Giorgio. Imagem 1: Folio 3, Imagem 2: Folio 42 e Imagem 3: Folio 60. 24 Nós da Arquitetura Imagens no Tratado de Giorgio Martini. 1. Algumas plantas descritas no seu tratado que seguem o mesmo módulo. 2. Um, dentre muitos, exemplos de fortaleza9. Ao longo do século XVI, a ideia de corporalidade transformou-se. Dentre os que rompem com a tradição deste conceito citamos Sebastiano Serlio (1475-1554) que publicou o Tratato di Architettura; Giacomo Barozzi da Vignola (15071573), que publicou o Li Cinque Ordini Di Architettura; e Andrea Palladio (1508-1580) que publicou seu tratado em 1570, intitulado I Quattro Libri della Architettura. São os mais conhecidos por terem atingido maior repercussão como teóricos e como arquitetos. Serlio, Palladio e Vignola, dentre outros, não pensaram mais na “Cidade Ideal” como um corpo vivo, mas iniciam um intenso estudo sobre “tipos arquitetônicos” ou fórmulas estandardizadas, unificando as ideias antropométricas com os diversos elementos arquitetônicos de um edifício. 9 Idem. Imagem 1: Folio 18 e Imagem 2: Folio 60. 25 Nós da Arquitetura Durante os séculos XV, XVI e XVII, a atenção dos teóricos da arquitetura sai da cidade como um ente único e volta-se para a planta e a volumetria das edificações. Apesar de seus tratados estarem plenos de imagens, apresentando plantas, fachadas ou módulos que devem reger os desenhos, não há relação ou menção ao espaço exterior ou urbano onde estes edifícios estariam, ou deveriam ser implantados. Obviamente, estes autores continuaram defendendo a ideia de que se deve construir em locais adequados, mas não ultrapassam estas linhas gerais. Sebastiano Serlio escreveu, ao todo, nove livros sobre a arquitetura ou construção. Estes livros não foram pensados como um conjunto que compõe um tratado, pois foram publicados em tempos e locais diferentes. O título “tratado” se dá ao conjunto de sua obra, que foi escrita entre 1510 e 1540. Serlio não se limitou a divulgar apenas os seus projetos, colocando nos seus livros observações e imagens de alguns projetos de Bramante, Rafael, Peruzzi e até de obras romanas e medievais consideradas importantes por ele. 26 Nós da Arquitetura Imagens retiradas do Tratado de Sebastiano Serlio, onde se observa que são ressaltados apenas os edifícios isolados, sem nenhuma menção ou relação com o espaço urbano nem com a ideia de se pensar toda a cidade como um corpo10 Nos Livros 1 e 2, Serlio trata da perspectiva, da geometria e do desenho, dando muita ênfase à geometria como ferramenta de desenho do arquiteto. Este fato demonstra a mudança que o caminho da teoria da arquitetura estava percorrendo. A relação com a cidade não estava mais sendo o objetivo dos tratados, que caminhavam cada vez mais para os métodos de desenhos variados das regras e postulados da matemática e da geometria. O Livro 3 é amplamente ilustrado de obras de arquitetura antigas, compondo-se de mais de 150 páginas de desenho e dando-lhes uma importância nunca antes tida. Nos Livros 4, 5 e 6, Serlio trata das cinco ordens arquitetônicas 10 SERLIO, Sebastiano. The Five Books on Architecture. Nova York: Dover Publications, 1986. SERLIO, Sebastiano. On Architecture: Books I-V and VIVII of Tutte L’Opere d’Architettura et prospective. New Haven: Yale University Press, 1996. 27 Nós da Arquitetura (Toscana, Dórica, Jônica, Coríntia e Compósita) e da arquitetura civil residencial. O Livro 7 trata das vilas, palácios e outros edifícios importantes. O Livro 8 não foi publicado e trata de construções antigas. O último de seus escritos, o Livro 9, é denominado “Libro Extraordinario” e trata dos diversos tipos de janelas, portais e arcos. Os nove livros de Serlio abordam os métodos de desenho, as regras da perspectiva, os fundamentos matemáticos e geométricos, que devem ser seguidos para a execução destes desenhos e também várias plantas de tipos arquitetônicos isolados do espaço urbano que os encerra. O módulo continua sendo um importante princípio para construção de colunas, capitéis e edifícios, mas não há mais menção à relação entre o edifício e o espaço urbano, como faziam os seus três antecessores. Um dos últimos tratadistas do Renascimento italiano, Giacomo Barozzi da Vignola, publicou o Li Cinque Ordini Di Architettura em 1562, tornando-se um dos mais difundidos manuais desde então. Sua influência principal está no fato de ter sido proposto como um léxico sobre medidas para a construção. Originalmente composto por uma série de 32 pranchas comentadas de maneira sistemática, as imagens já se sobressaem fortemente ao texto. O conjunto deste tratado pretende canonizar as cinco ordens clássicas em partes separadas: o entrecolúnio, os arcos, os pedestais simples, os pedestais particulares e os embasamentos. Apesar de não se limitar, unicamente, às ordens arquitetônicas isoladas do contexto urbano, Vignola estabelece um cânone de proporções antropométricas de fácil aplicabilidade. Considerado o último tratadista do Renascimento, Andrea Palladio e seu tratado tiveram tanta repercussão que fizeram surgir um estilo próprio que atravessou fronteiras: o palladianismo. Palladio aprendera a profissão de pedreiro 28 Nós da Arquitetura ainda jovem, fato que o fez dedicar o primeiro dos quatro livros do seu tratado aos materiais de construção. Ter dedicado todo um livro aos materiais de construção enuncia quais eram as novas preocupações da teoria da arquitetura. A difusão de informações sobre estes materiais levou os tratadistas a se preocuparem mais com a sua justa aplicação e até com as questões estéticas como: cor, textura e durabilidade. Apesar de se ater a questões menos exploradas nos tratados do século XV, Palladio absorveu importantes contribuições de seus antecessores. O tratado de Alberti, por exemplo, já era encontrado em língua italiana e ilustrado desde a sua reedição em 1565. Além de Alberti e de Vitrúvio, Palladio foi influenciado pelos seus contemporâneos Serlio, que publicou seu Livro 3 antes da edição dos I quattro libri della arquitettura, em 1570, e Vignola. Palladio foi, com o passar do tempo, tornando-se o mais renomado e requisitado arquiteto da Itália. A simetria e o módulo, importantes na maioria de seus projetos, estão presentes nos inúmeros desenhos que compõem seu tratado. A maior parte de sua obra foi incluída e comentada ao longo do Livro 2. O Livro 3 trata das basílicas, igrejas, edifícios públicos e pontes; e o Livro 4 dos templos, incluindo projetos gregos e romanos. As imagens que compõem seus quatro livros são desenhadas de uma maneira particular. Não há cotas ou diferença nas linhas de planta, fachada ou corte. A intenção de Palladio de descrever os módulos dos desenhos demonstra aos seus leitores, a valorização dada às relações proporcionais em uma obra de arquitetura. O módulo e sua respectiva ideia de antropometria estão presentes em todos os tratados que são objetos deste estudo, mesmo tendo cada um deles, características que os tornam particulares. 29 Nós da Arquitetura Imagens do Tratado de Andrea Palladio, onde apenas o edifício isolado, com suas plantas, fachadas e cortes, é observado. Não há diferença entre as espessuras das linhas vistas ou cortadas; característica única de Palladio.11 11 PALLADIO, Andrea. I Quattro Libri della Architettura. Milão: Ulrico Holephi, 2000. (Edição Fac-Simili 1570.) 30 Nós da Arquitetura Durante mais de um século (1452-1570), entre a publicação do primeiro e do último tratado do Renascimento italiano, a dinâmica social e econômica transformou o modelo de pensamento arquitetônico. A especialização das profissões, o desenvolvimento das engenharias e artes militares, a revalorização da cultura greco-romana, e consequentemente, do texto vitruviano, fizeram a atenção dos tratadistas se distanciar da cidade e focalizar nos tipos arquitetônicos, nos métodos de desenho e nos materiais de construção, rompendo uma relação de equilíbrio entre cidade e arquitetura. A sofisticação das ciências e métodos construtivos, surgidos por motivos militares e pela constante difusão de livros, conduziu à enunciada especialização das profissões. Alberti, Martini e Filarete escreveram seus respectivos tratados considerando a arquitetura como ente inseparável da cidade. Já Serlio, Vignola e Palladio desenvolveram tipos arquitetônicos ou entablamentos e entrecolúnios, ou seja, edifícios ou partes de edifícios sem relação com o ambiente urbano, dando maior ênfase aos materiais e às técnicas construtivas. Estes seis tratados são os mais significativos para se entender a ideia de antropometrismo, que surgiu antes mesmo da publicação do De Re Aedificatria de Alberti, em 1452, e a paralela fragmentação entre arquitetura e cidade na teoria da arquitetura do Renascimento italiano. Apesar desta mencionada fragmentação, o ideal antropométrico não desapareceu, apenas deixou de ser abordado nas questões urbanas, especificamente no campo da teoria da arquitetura, sendo enfaticamente aplicado no âmbito projetual da arquitetura dos edifícios. 31 Nós da Arquitetura 2. A Ideia de antropometria A ênfase dos autores gregos, a exemplo de Aristóteles, e romanos, a exemplo de Vitrúvio, ressaltam a importância do estabelecimento de um módulo (métron), como uma espécie de responsabilidade social que os artistas têm para com a sociedade. Esta concepção deve-se ao ideal de que estas “belas medidas” transformam a percepção estética do homem e conduzem ao engrandecimento do “espírito”. Como mencionou Aristóteles, o estabelecimento de um módulo (métron) tem “o poder de afetar o nosso caráter”12. Da mesma forma, Vitrúvio reforçou esta ideia dizendo que a “arquitetura depende da ordem, que em grego se diz τάξις, simetria, que em grego se diz διάθεσιν, propriedade, economia e ritmo, que em grego se diz οἰκονομία”13. É no Renascimento que se percebe pela primeira vez o florescer desta “teoria artística”, que viveu adormecida na Idade Média. A pintura dos séculos XIV e XV já demonstra o renascer deste ideal estético que, ao modo de ver do filósofo alemão Georg Hegel, é fruto de um processo dialético que envolve o devir do saber do homem. Como observou Hegel, as transformações sociais são, ao mesmo tempo, causa e consequência das mudanças deste juízo estético. O processo dialético do conhecimento dentro do campo da teoria da arquitetura produziu unidade e fragmentação a partir da própria consciência social14. 12 ARISTÓTELES. Política, 1340 a. Madrid: Alianza, 1986. Apud: D’AGOSTINO, Mário Simão. Geometrias Simbólicas da Arquitetura. São Paulo: Hucitec, 2006, p.23. 13 VITRÚVIO. Texto Original: “Architectura autem constat ex ordinatione, quae graece τάξις dicitur, et ex dispositione, hanc autem Graeci διάθεσιν vocitant, et eurythmia et symmetria et decore et distributione, quae graece οἰκονομία dicitur”. Livro 1, Capítulo 2. (Tradução Nossa.) 14 HEGEL, Georg W.F. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Vozes, 2000. 32 Nós da Arquitetura É difícil compreendermos a transformação de um ideal estético no seio social. Neste sentido, deve-se considerar que as transformações sociais emergem gradual e lentamente, fruto de forças sociais complexas, mas atuantes. Assim, para compreensão da transformação deste ideal estético entre o fim da Idade Média e início do Renascimento devem-se levar em consideração as contribuições da sociologia do conhecimento, a qual procura compreender o pensamento dentro da moldura concreta de uma situação histórico-social. Destarte, podemos adotar a visão de Karl Mannheim quando afirma que: “Não há a menor dúvida de que só o indivíduo é capaz de pensar. Não existe esta entidade metafísica denominada espírito grupal, que pensa acima das cabeças dos indivíduos, ou cujas ideias estes se limitam a produzir. Mas nem por isso se deve concluir que todas as ideias e sentimentos que motivam a conduta de um indivíduo tenham exclusivamente nele suas origens e possam ser adequadamente explicadas apenas à luz da sua própria.”15 A base epistemológica para a compreensão deste novo ideal estético surge com muita ênfase após a edição do tratado de Alberti, que se inspirando no texto de Vitrúvio e sendo um indivíduo a pensar isoladamente dentro do seu contexto, defende que “mente et animo aliquas aedificationes, corpus quaddam veluti alia corpora”16, ou seja: mente e corpo formam juntos a beleza da edificação, e o corpo é o reflexo desta perfeição. A primeira passagem do tratado de Vitrúvio, que se refere à analogia com o corpo humano, está no 15 MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. Porto Alegre: Globo, 1952. p.2. 16 ALBERTI. L’Architettura. Traduzione di Giovanni Orlandi. Introduzione e note di Paolo Portoguesi. Milão: Edizioni Il Polifilo. 1989.p.15. Texto original. (Tradução Nossa.) 33 Nós da Arquitetura segundo capítulo do primeiro livro, quando escreve que: “Simetria é a concordância correta entre as partes da obra e a relação entre partes diferentes com o esquema todo da obra. Assim, existe um tipo de simetria no corpo humano entre o braço, o pé, o dedo, a mão e outras partes pequenas. Isso deve ser a mesma coisa com um edifício perfeito”.17 Nestes mesmos termos antropométricos pode-se entender a harmonia e a beleza (concinnitas) pretendidas por Alberti: entre o tecido urbano e os edifícios que compõem sua cidade ideal. A ars aedificandi não pode ser vista, dentro da sua teoria, separada da ars urbs18. Do mesmo modo, é importante relembrar a ideia de que a arquitetura precede o desenho, ou seja, de que a verdadeira arquitetura está na mente do arquiteto (perscriptio). Há uma visão quase fenomênica dentro desta teoria. Pode-se verificar esta idealização nos painéis de cidades ideais, que incluem o de Urbino. 17 VITRÚVIO. Texto original: “Item symmetria est ex ipsius operis membris conveniens consensus ex partibusque separatis ad universae figurae speciem ratae partis responsus. Uti in hominis corpore e cubito, pede, palmo, digito ceterisque particulis symmetros est eurythmiae qualitas, sic est in operum perfectionibus”. Livro 1, Capítulo 2. (Tradução Nossa.) 18 Mesmo que tenha sido de forma superficial, a visão de que a cidade é muito mais que uma simples construção e aglomeração de pessoas já tinha sido afirmada por Vitrúvio no século I (Civitas est fabrica et ratiocitanatio) e no século VII por Isidoro de Sevilha (Civitas est metaria et ratio). 34 Nós da Arquitetura Imagem da “Città Ideale” no Painel de Urbino. Composição feita entre 1470 e 1480, segundo os conceitos de Leon Battista Alberti. Na composição percebe-se o Palazzo Rucellai (segundo edifício à esquerda) e fachada de Santa Maria Novella (fundo à direita). Galleria Nazionale delle Marche, Urbino. Alberti entende que a relação íntima entre as escalas do ambiente construído, ou a ideia de que cidade e edifício são um mesmo ente em escalas diferentes, é resumida quando ele afirma que “Se a cidade, como disseram os filósofos, é uma grande casa e a casa não é nada mais que uma pequena cidade, por que não dizer que também as pequenas partes de uma casa são as mesmas coisas que as pequenas partes de uma cidade? Deste modo, também o átrio, o jardim ou a sala de jantar ou a entrada são também partes menores de uma cidade?”19 A ideia de antropometrismo arquitetônico e urbanístico permeia o imaginário intelectual de Alberti e dos tratadistas que o seguem, cada um deles de um modo específico. A métrica de Palamedes20 agrega valor semiótico à ideia de antropometrismo, da mesma forma como dá margem à interpretação de uma valoração associada a um determinado tempo e espaço. A inclusão destas duas variáveis no processo de compreensão do ideal de antropometrismo arquitetônico e urbanístico ao longo da história nos remete à concepção estética Hegeliana. Em Vorlesungen über die Ästhetik 21 Hegel demonstra a relação entre matéria e espírito, ou seja, entre corporalidade e ideal. A estética, para Hegel, é 19 ALBERTI. L’Architettura. Livro 1, Capítulo 9. p. 22. (Tradução Nossa.) 20 Palamedes: Notório criador da métrica e de sua constante relação com números. Nos alfabetos grego e hebraico, por exemplo, as letras possuem valores numéricos que expressam sua base de valor e importância. O nome de Deus em hebraico, por exemplo, possui valor numérico 10 e se escreve .()הוהי 21 HEGEL. G.W.F. Cursos de Estética. v. II. São Paulo:EDUSP, 2000. O texto “Vorlesungen über die Ästhetik” foi escrito na década de 1920 do século XVIII. De forma unívoca, o entendimento de körper – pensado essencialmente como corpo humano – toma na filosofia de Hegel o papel fundamental para explicação da relação entre matéria e espírito. 35 Nós da Arquitetura a porta de entrada para a perfeita compreensão da realidade material, para o real significado e entendimento da arte (a arquitetura está neste campo). Hegel também menciona que a arte possui duas dimensões: uma corpórea e outra espiritual. A primeira está relacionada com telas, tintas, tijolos e qualquer outro material que venha a ser usado pelo artista. A segunda está relacionada com o conteúdo intrínseco: com o espírito do autor-artista. É exatamente na relação entre estes dois momentos em que se encontra a αισυησις: a percepção harmônica. A beleza perfeita é a adequada percepção deste momento. Neste momento, a espiritualidade é materializada, transformando o infinito em finito. É fato que esta relação matéria-espírito não é sempre perfeita, de modo que o artista não percebe sempre o espírito de modo completo, nem consegue materializá-lo perfeitamente em sua obra de arte. Há, ao longo da história, exemplos de predomínio de uma sobre a outra e vice-versa. Há momentos, ao longo da história, nos quais a materialidade predomina sobre a espiritualidade e outros onde o espírito reina sobre a matéria. Neste percurso, o ser humano busca a si mesmo através da arte. No período grego, segundo o próprio Hegel, já se podia observar o uso da perspectiva22 para demonstrar a capacidade de compreensão do ser humano de si mesmo, ou seja, o reconhecimento de si mesmo enquanto ser pensante. Antes do Renascimento, ao longo da Idade Média, o corpo humano foi reduzido às deformidades, demonstrando a imperfeição da apreensão humana de si mesmo. Durante a formação do Renascimento o ser humano tornou-se referência para si mesmo, inclusive na arte. Esta relação dialética entre matéria 22 Um dos exemplos mencionados por Hegel é o desenho de Exekias, feito em meados de 540 a.C.. 36 Nós da Arquitetura e espírito atingiu seu equilíbrio máximo nos séculos XV e XVI. Para Hegel, a única forma de se atingir o Divino, ou Deus, é através da arte perfeita, que surgiu no Renascimento. Hegel defende que: “A antropomorfização da divindade – um processo que só pode ser plenamente compreendido através do simples, mas definitivo, fato de que o Deus possui – ao menos em suas representações estéticas (e elas são de fato a única e verdadeira fonte de acesso ao Divino) – um corpo humano (körpe)”.23 Enfim, a arte perfeita, para Hegel, é a arte realista, que representa da forma mais similar possível a realidade e o ser humano. Apenas neste contexto podemos atingir a máxima compreensão de nós mesmos e, consequentemente da divindade que nos encerra. É no Renascimento que podemos perceber a arte com um momento de transformação do espírito do homem. É onde percebemos que a matéria é encarada de forma divina, onde surge a verdadeira poesia da arte na materialidade da vida24. Além do tempo histórico do Renascimento, podemos mencionar outros momentos históricos nos quais o ideal antropométrico reinou sobre as concepções arquiteônicas e urbanísticas, mesmo que não de forma generalizada. O século XVII recebeu as contribuições de Claude Perrault; o século XVIII as ideias de François Blondel e de Robert Morris; o século XIX as ideias de modulação de Jean-Nicholas-Louis Durant e de Étienne-Louis Boullée; e o longo século XX viu por vários momentos o renascer de estilos neoclassicistas, 23 HEGEL. G.W.F. Ibidem. p.214. 24 Neste momento do estudo, abrimos parêntesis para o fato de que a unidade entre arquitetura e cidade, presente nos tratados do início do Renascimento, é a materialização de uma ideologia social, concretizada muito mais pela apreensão que a sociedade tem de si mesma do que pela injustificada criação de uma nova teoria da arquitetura. 37 Nós da Arquitetura desde o seu início, passando pelos governos centralizadores da Alemanha, Itália e Rússia até as concepções arquitetônicas e urbanísticas de Le Corbusier. Nestes contextos de complexidade de apreensão espacial ao longo do tempo, a teoria da arquitetura diferencia-se da prática num ponto fundamental: a noção de espaço. Após as concepções hegeliana, outra difundida veia de apreensão social foi feita por Immanuel Kant, defendendo que a noção de espaço é uma ideia, a priori, apreendida em nossa capacidade como sendo passível de medida. A concepção kantiana de que o espaço matemático é uma apriorística, mesmo que podendo apenas ser pensada dentro do próprio espaço25, reforça a ideia de Mannheim de que e a concepção de tempo e espaço é parte do sistema dialético do conhecimento, observando que o saber segue aspirações e variações ao longo do tempo e do espaço. O processo de apreensão da realidade pode ser alterado, tanto por indivíduos quanto por forças sociais mais complexas, levando em conta que “não são os homens em geral que pensam, nem mesmo os indivíduos isolados, mas os homens dentro de certos grupos que elaboram um estilo peculiar de pensamento, graças a uma série interminável de reações a certas situações típicas, características de sua posição comum”26. A apreensão e a realidade, a sensibilidade e o entendimento, categorias que dominam nossa concepção espacial e temporal, manifestada através de uma ideia de antropometrismo desde Vitrúvio até os dias atuais, em algumas épocas com muita força, em outros momentos sem muita convicção. 25 KANT. Crítica da Razão Pura. In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1997. p.41-43. 26 Ibidem. MANNHEIM, Karl. p.3. 38 Nós da Arquitetura A visão estética social baseia-se em princípios matemáticos, mesmo que estes sejam guiados por ideias apriorísticas. 39 Nós da Arquitetura 3. Individualismo e genialidade É necessário ressaltarmos que o conceito de “liberdade de criação” não deve ser confundido com o de gênio, estudado pela corrente da fenomenologia ou pelos psicólogos sociais. Embora conhecendo a opinião de Massimo Canevacci, segundo a qual “a história do indivíduo ainda não foi escrita”27, constatamos que o tema do individualismo tem explícita autonomia no âmbito das ciências sociais, como podemos constatar pelo exame da relação bibliográfica apresentada no final deste trabalho. O vocábulo latino individuum deriva do grego atomom, ambos denominando aquilo que não pode ser dividido; este conceito de “originária indivisibilidade e singularidade” atravessa todo o pensamento ocidental e chega até Leibniz, que, com seu conceito de mônada, “fornece a especificidade definitiva ao indivíduo da era burguesa”28. Acerca da inserção do conceito de individualismo na teorização sociológica, cabe destacar inicialmente que a noção de individualismo, na teoria social, designa não a doutrina moral que traz o mesmo nome, mas a propriedade que alguns sociólogos reconhecem como “característica de certas sociedades e particularmente das sociedades industriais modernas: nessas sociedades, o indivíduo é considerado uma unidade de referência fundamental, tanto para si mesmo como para a sociedade. É o indivíduo que decide sobre sua profissão, que escolhe seu cônjuge. Sua autonomia é maior do que nas sociedades tradicionais”29. Na realidade, o gênero de individualismo a que se pode referir o substrato ideológico dos praticantes da profissão da arquitetura não é 27 CANEVACCI, Massimo. Dialética do indivíduo. São Paulo: Brasiliense, 1981. p.41. 28 Idem. Dialética do indivíduo. p.8. 29 BOUDON, Philippe et BOURRICAUD, François. Dicionário crítico de sociologia. São Paulo: Ática, 1993. p.285. 40 Nós da Arquitetura apenas o das sociedades industriais modernas, mas, como desenvolvo no último item, igualmente aquele tipo de individualismo que caracteriza a emancipação dos artistas no advento da Renascença. Em princípio, a análise sociológica repele a perspectiva individualista. Louis Dumont expõe a principal dificuldade desta análise: “A apercepção sociológica atua contra a visão individualista do homem. Consequência imediata: a ideia do indivíduo constitui-se num problema para a sociologia.”30 Podemos verificar em Émile Durkheim referências ao fenômeno do individualismo, porém sob o nome de egoísmo; “por egoísmo, palavra que não se deve (ou antes, que nem sempre se deve) entender no sentido moral, Durkheim designa a importância da autonomia concedida ao ego, isto é, ao indivíduo, na ‹escolha› de seus atos e crenças”.31 Segundo a concepção durkheimiana, algumas culturas impõem aos indivíduos normas, regras e valores transcendentes; nessas sociedades, o egoísmo enfrentará mais obstáculos que aqueles encontrados nas coletividades que outorgam à liberdade de escolha ao indivíduo, subentendida a submissão deste a normas, regras e valores de conteúdo mais geral, que não lhe retirem inteiramente a capacidade de operar algumas escolhas. Todavia, o desenvolvimento do egoísmo não depende somente de variáveis culturais, mas é, geralmente, uma função do grau de integração dos grupos sociais de que o indivíduo faz parte. Apesar destas concepções acerca do individualismo, mesmo sob a roupagem de um processo criativo, há o 30 DUMONT, Louis. Homo hierarquicus. O sistema de castas e suas implicações. São Paulo: EDUSP, 1992. p.56.. 31 Idem. Dicionário crítico de sociologia. p.285. 41 Nós da Arquitetura envolvimento de um sentido de dominação, uma inclinação para a preponderância, o triunfo num conflito de vontades. A ideia de que exista um egoísmo da criação pode conflitar com certas concepções ideológicas do fenômeno artístico. É neste aspecto que recorremos à interpretação de Friedrich Nietzsche e seu Übermensch (super-homem). Vontade e poder, vontade de poder: Wille zur Macht. Fora do quadro da coexistência civil, no plano específico do imaginário do artista, a vontade de poder de Nietzsche torna-se a ideologia do criador. Assim, a autossuficiência do artista moderno, instaurada na época do Renascimento, converte-se, na sua visão, numa forma própria de heroísmo. Há um nexo entre os conceitos de “individualismo”, “egoísmo-do-criador” e “vontade-de-poder”, como pode ser demonstrado. Comecemos pelo último conceito. Dependendo da ótica da abordagem, o estudo do fenômeno “poder” pode ter um cunho sociológico ou metafísico. Falamos aqui de uma metafísica do poder e de sua incorporação à arquitetura. Os conteúdos metafísicos não são estranhos à arquitetura erudita, e esta observação vale para todas as épocas. Mesmo de modo não-intencional, o arquiteto muitas vezes incorpora à matéria inanimada certos significados que transcendem ao mero registro da pauta programática. Por outro lado, também a sintaxe construtiva se presta, às vezes, ao papel de comunicar significados que escapam ao âmbito dos requisitos de racionalidade mecânica. A história da arquitetura erudita de todas as épocas está repleta de exemplos que ilustram essa percepção. Pode acontecer que, sem que seja intenção do construtor, a forma arquitetônica suscite associações de imagens e de temas abstratos vinculados à filosofia, aos costumes predominantes, à hierarquia social e, enfim, à estrutura política vigente. 42 Nós da Arquitetura De acordo com Herbert Read, quando discorrendo sobre as diferenças entre a arquitetura erudita e a arquitetura primitiva, observa que “o ponto em que o intelecto deve animá-la e inspirá-la – aí temos a introdução de um fator que já não é materialista e cuja influência é imperativa. A arquitetura, para fugir ao primitivo, ao infantil, ao arcaico, deve ser inspirada pelas condições intelectuais, abstratas, espirituais – considerações que modificam as exigências rigorosas da utilidade”32. Não é estranho, portanto, que estudiosos da arquitetura procurem discernir, nos edifícios mais representativos de cada ciclo histórico, o conteúdo temático abstrato que veiculam – ou deveriam veicular –, mesmo que este conteúdo seja uma criação do próprio estudioso. Erwin Panofsky, por exemplo, pretendia que a construção da catedral gótica fosse uma transcrição, sobre a pedra, do sistema escolástico e da doutrina da Summa Theologica, de São Tomás de Aquino. Para Panofsky“...foi na arquitetura onde o hábito da clarificação logrou seus maiores triunfos. Assim como o princípio da manifestatio regia a alta escolástica, o que se pode chamar ‘princípio da transparência’, regeu a arquitetura do alto gótico”33. No início de seu estudo, o autor faz um paralelismo temporal entre a arte medieval e a filosofia escolástica; a seguir, observa que tanto a arquitetura gótica e o pensamento escolástico surgiram numa região que forma um círculo de cento e cinquenta quilômetros que tem Paris como centro. No segundo capítulo do livro, Panofsky estabelece uma 32 READ, Herbert. As origens da forma na arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p.105. 33 PANOFSKY, Erwin. Arquitetura gótica e escolástica. São Paulo: Martins Fontes, 1991. p.35. 43 Nós da Arquitetura conexão entre filosofia e arte que transcende ao simples paralelismo temporal, a saber, uma relação de causa e efeito. Partindo da concepção de que a escolástica teria monopolizado a “formação intelectual”, nosso autor enuncia a tese de que esta circunstância teria produzido um «hábito mental» que influenciava o ensino e as letras, e que tinha um alcance abrangente, que atingia, inclusive, os mestres-de-obras medievais, que seriam dotados de significativa formação intelectual. Na realidade, segundo a teoria de Panofsky, os mestres-de-obras medievais eram os precursores da escolástica. O que Panofsky tem em mente é o pensamento consciente dos escolastas, bem como dos mestres-de-obras medievais, que, segundo ele, brota de um mesmo modus essendi. Como Panofsky não exibe evidências da conexão que alega existir entre arquitetura gótica e escolástica, busca demonstrar tal conexão de uma tertium comparationes. Por meio desta argumentação, nosso autor refere-se à preocupação como uma característica do pensamento escolástico, isto é, à “explicação” (manifestatio) da coerência dos conteúdos da fé e da razão, e defende a ideia segundo a qual tal princípio comparece também na arquitetura das catedrais, materializando-se por intermédio de uma “lógica visual”. A metafísica do poder se expressa na arquitetura erudita quando esta reflete certos aspectos da estrutura política e social. O papel comunicativo da arquitetura é um fenômeno demasiado estudado e permite o estabelecimento de um vínculo temático com a questão do poder. Há uma identidade teleológica entre a manifestação visível do poder instituído e determinados conteúdos temáticos da arquitetura hierática de todos os tempos. A socialização de suas finalidades estabelece um vínculo entre política e arquitetura erudita; como observa Thomas Ransom Giles: 44 Nós da Arquitetura “A manifestações do fenômeno do poder são incalculáveis, mas todas elas assumem caráter político em função da socialização da sua finalidade. O poder é um instrumento que só encontra sua razão de ser no objetivo ou nos objetivos em função dos quais a sociedade é constituída.”34 Considero que, neste mesmo sentido, Geoffrey Scott afirmou que “o ideal do Renascimento foi o poder: uma ampliação da consciência do poder e um alargamento de seu âmbito; e Grécia e Roma se converteram quase por necessidade em sua imagem e símbolo”35. Scott pensava na Grécia e em Roma como protótipos de uma expressão mais refinada do poder, que se materializa no conceito de autoridade; por que poucos sistemas arquitetônicos espelham tão bem o conceito de autoridade como o Classicismo. Já Max Weber ensina-nos que “toda dominação se manifesta e funciona em forma de governo”36. Mas o conceito de autoridade não exaure a ideia do poder, principalmente quando falamos nas diversas formas de autoridade despótica que se inscrevem no quadro das instituições políticas. No caso do poder despótico, penso que o sistema barroco produziu a arquitetura mais adequada a lhe servir de cenário. Eugenio D’Ors, desenvolvendo a tese segundo a qual “...as formas arquitetônicas de um período histórico dado constituem uma nova manifestação política do mesmo”37, afirmava que as duas grandes criações do primeiro Renascimento seriam a 34 GILES, Thomas Ranson. Estado, poder, ideologia. São Paulo: EPU, 1985. p.1. 35 SCOTT, Geoffrey. Arquitectura del Humanismo. Barcelona: Barral, 1970. p.159.(Tradução Nossa.) 36 WEBER, Max. Economia y sociedad. Buenos Aires: Fondo de Cultura Econômica, 1992. p.701. (Tradução Nossa.) 37 D’ORS, Eugenio. Las ideas y las formas. Madrid: Aguilar, 1966. p.19. (Tradução Nossa.) 45 Nós da Arquitetura cúpula e a monarquia. A tese é atraente, mas não se sustenta sob pilares sólidos. Nem o Renascimento inventou a cúpula, nem a monarquia foi inventada nesta época. As cúpulas dos séculos XV e XVI cobriam igrejas, não palácios. Nem as intrigantes cúpulas das vilas de Palladio cobriam tronos, mas as cadeiras de cidadãos abonados. No Renascimento, a arquitetura reflete um gênero de busca do poder, aquele aspirado pelo estamento burguês: “O humanismo representa neste caso uma ideologia que realiza uma função muito determinada na luta pela emancipação e a conquista do poder pela camada social burguesa em progressão ascendente.”38 O despotismo monárquico, forma por excelência do poder, é um fenômeno que se manifesta na sua plenitude nos séculos XVI e XVII. E a arquitetura palaciana desta época refletia essa realidade. De fato, como já resumiu David Jacobs, “a arquitetura da Renascença e do Barroco transformou-se na arquitetura da autoexaltação; ela foi construída por príncipes, papas, reis e aristocratas para seu próprio conforto”39. Principalmente, no sistema barroco a arquitetura é marcada pelo sentido teatral e cenográfico, concebida para servir de palco para uma perpétua representação, que é a ostentação do poder. A temática das relações entre arquitetura e poder – poder do cliente e poder do arquiteto – encontra uma ramificação na concepção da arquitetura como “cenário” para o exercício da autoridade, vista como a representação de papéis. Isto é bem visível no uso exemplar que a monarquia e a aristocracia francesa dos 38 VON MARTIN, A. Sociología del Renacimiento. México: Fondo de Cultura Econômica, 1992. p.46. 39 JACOBS, David. Architecture. Nova York: Newsweek Books, 1974. p.130. (Tradução Nossa.) 46 Nós da Arquitetura séculos XVII e XVIII fizeram da arquitetura barroca; E. H. Gombrich refere-se a esta disposição da seguinte forma: “Usar os prestígios da arte para manifestar seu próprio poderio não era monopólio da Igreja Romana. Os príncipes soberanos da Europa do século XVII estavam igualmente desejosos de apregoar seu poder para afirmar sua ascendência sobre os seus povos. Eles desejam parecer, em sua glória, criatura de espécie superior, elevados por direito divino bem acima do comum dos mortais. Isto se aplica particularmente ao mais poderoso monarca dessa época, o rei Luís XIV. Magnificência e pompa real eram para ele a própria essência do poder.”40 Neste contexto, não se pode negligenciar o fato de a sociedade e o indivíduo – genial ou não – terem a mesma matéria-prima, diferindo apenas no que diz respeito à quantidade e à combinação, ou seja, “as duas coordenadas cultura e sociedade se encontram no mesmo ponto zero: o indivíduo. O lugar que ocupa o indivíduo, no tipo de mundo que descrevem os antropólogos, é, evidentemente, de importância teórica fundamental”41. Temos, igualmente, a conhecida concepção de Weber que afirmou que: “... se finalmente me tornei sociólogo, o motivo principal é pôr fim a esses exercícios com bases em conceitos coletivos cujo espectro está sempre rondando. Em outras palavras: a sociologia também só pode ter origem nas ações de um, de alguns, 40 GOMBRICH, Eric. L’art et son histoire. Paris: René Juliard, 1967. p.156. (Tradução Nossa.) 41 NADEL, S.F. Fundamentos de antropología social. México: Fondo de Cultura Econômica, 1985. p.106. (Tradução Nossa.) 47 Nós da Arquitetura ou de numerosos indivíduos distintos. É por isso que ela é obrigada a adotar métodos estritamente individualistas.”42 Assim, a partir das contribuições de Weber, constitui uma observação interessante aquela feita por Wright, ao referirse à plausibilidade de um “individualismo metodológico marxista”, como desenvolvimento da ideia segundo a qual “o que vale a pena ser levado a sério no pensamento marxista possa ser reconstruído segundo o modelo do individualismo metodológico”43. Dentro de uma perspectiva individualista, entretanto, pode-se considerar que “a própria sociedade existe apenas na medida em que é evidenciada e compreendida pelos indivíduos. O que determina o comportamento do indivíduo não são tanto influências sociais que o moldam diretamente e o manipulam como se fosse um fantoche, e sim sua interpretação e percepção dessas influências”44. Desenvolvendo esta ideia, constatamos, na pesquisa exploratória antes aludida, que o imaginário da profissão na arquitetura tem um componente essencial: a noção de que essa é uma atividade de criação. Procurando sintetizar a manifestação dessa autoimagem, Eugene Raskin explica que: “No que diz respeito ao arquiteto, arquitetura é acima de tudo um processo criativo. Ele tem uma ideia em sua mente, um efeito, uma emoção, podemos dizer, 42 Ibidem. WEBER, Max. p.1. (Tradução Nossa.) 43 WRIGHT, Erik O., LEVINE, Andrew et SOBER, Elliot. Reconstruindo o marxismo: Ensaios sobre a explicação e teoria da história. Petrópolis: Vozes, 1993. p.190. 44 BERRY, David. Ideias centrais em sociologia – Uma introdução. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. p.29. 48 Nós da Arquitetura que ele quer expressar em termos de estrutura. Sua intenção de avançar além da mera utilidade para expressar algo com um maior significado humano é arquitetura, para ele, a despeito do êxito ou malogro de sua consumação. Para o arquiteto, em síntese, arquitetura é um assunto subjetivo, que depende de seu propósito. O elemento propósito, assim sendo, deve encontrar seu lugar em nossa definição de arquitetura.”45 É fácil verificar que a profissão do arquiteto, ao implicar a transformação intencional da matéria e do ambiente, exige criatividade. E a criatividade é uma qualidade valorizada na cultura ocidental moderna. A atividade de criação aqui referida – que combina espontaneidade com expressão da personalidade – é a conceituada na cultura ocidental a partir do século XV, como resultado do processo de emancipação do artista: “a espontaneidade do indivíduo é a grande experiência, o conceito de genialidade e o ideal da obra de arte como expressão da personalidade genial, a grande descoberta do Renascimento”46. É interessante observar que, de modo mais manifesto, o individualismo se integra à personalidade do profissional da arquitetura justamente no Renascimento, quando o incipiente capitalismo italiano começa a configurar a cultura da época, com ênfase na cultura artística. Como sintetiza Elias Cornell, “já na época de Brunelleschi se dão feitos que rapidamente transformam hábitos de construção no seu oposto. A arte de construir é atribuída a indivíduos individualistas”47. Podemos identificar, no pensamento 45 RASKIN, Eugene. Architecturally speaking. Nova York: Reinhold, 1954. p.89. (Tradução Nossa.) 46 HAUSER, Arnold. A arte e a sociedade. Lisboa: Presença, 1984. p.50. 47 CORNELL, Elias. A expressão arquitetônica da contradição entre a cidade e o campo no capitalismo pré-industrial. In: Arquitetura e conhecimento. Brasília: Alva, n.3, 1996. p.93. 49 Nós da Arquitetura humanista dos séculos XV e XVI, o embrião daquilo que hoje denominamos pensamento moderno, por oposição ao pensamento medieval e arcaico. Efetivamente, Alberti, no prólogo de seu De Re Aedificatoria, texto instaurador da literatura temática da arquitetura, estabeleceu um sintético “perfil” do profissional a que designa como arquiteto: “Mas antes de prosseguir, entretanto, devo explicar exatamente a quem me refiro como arquiteto: pois não será um carpinteiro que eu equipararei aos mais capacitados mestres em outras ciências; o carpinteiro nada mais é que um instrumento nas mãos do arquiteto. Chamarei de arquiteto aquele que, através de acurados e maravilhosos razão e método, é capaz, com o pensamento e a invenção, de conceber e, com execução, de realizar todas estas obras as quais, por intermédio do movimento de grandes massas, e da conjunção e reunião dos corpos, podem, com a maior beleza, se adaptar ao uso do gênero humano; e, para estar apto a fazê-lo, ele deverá ter um pleno conhecimento das mais nobres e mais curiosas ciências. Assim deve ser o arquiteto.”48 Seu texto não requer exegese, pois expressa claramente o que nosso autor pretende dizer. Um profissional dotado dos atributos que Alberti visualiza no seu arquiteto seria, na sua capacidade criativa, para todos os efeitos, infalível, e digno de inveja e êmulo para os colegas. E, como enfatiza Alberti, em nada comparável a pedreiros ou carpinteiros. Como enunciei acima, encontramos também no discurso dos humanistas uma primeira ideia do pensamento moderno, a separação entre dois reinos ontológicos: o mundo natural, objeto de contemplação e transformação pelo homem, e o 48 ALBERTI, Leon Battista. Texto Original de 1485. p. 3.(Tradução Nossa.) 50 Nós da Arquitetura mundo humano, que consiste em um conjunto de liberdades individuais, destinadas a construir, com sua ação, seu próprio mundo. Como resume Luis Villoro, “essa ideia entranha a ideia do homem como indivíduo inamovível. Um dos rasgos do pensamento moderno será, desde então, esse individualismo”49. 49 VILLORO, Luis. El pensamiento moderno. Filosofía del Renacimiento. México: Fondo de Cultura Econômica, 1992. p.34. (Tradução Nossa.) 51 Nós da Arquitetura 4. Conclusões Para o indivíduo que cria a diferença, ou que se vê como capaz de fazê-lo, ou que espera ser reconhecido como alguém apto a fazê-lo, marcar sua própria individualidade, ainda que romanticamente, é um recurso de sobrevivência. Sem exagero, podemos afirmar que na arquitetura, como em outros campos que exigem criatividade, o modelo por excelência do arquiteto é o gênio. O gênio é sempre uma individualidade. O uso deste conceito na caracterização de artistas provém, como nota Erwin Panofsky da revolução cultural ocorrida nos séculos XV e XVI: “A teoria da arte do Renascimento, vinculando a produção da Ideia à visão da natureza, e situando-a doravante numa região que, sem ser ainda a da psicologia individualista, já não era a da metafísica, dava o primeiro passo em direção ao reconhecimento daquilo que nos habituamos a chamar de ‘Gênio’. Aliás, os pensadores do Pré-Renascimento desde o início havia pressuposto, em face da realidade do objeto de arte, a realidade subjetiva do artista...”.50 O conceito de gênio é útil para fins de explicarmos o caráter normativo dos grupos de referência. A essa circunstância se aplica, mutatis mutandi, a observação de Merton sobre a abordagem teórica do papel do gênio no campo da ciência, enfatizando que: “Ao conceber o gênio científico como um indivíduo que representa por si só o equivalente funcional a uma quantidade e uma variedade de talento frequentemente 50 PANOFSKY, Erwin. Idea: A evolução do conceito do belo. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p.67. 52 Nós da Arquitetura menor, a teoria sustenta que o gênio desempenha um papel destacado no avanço da ciência e às vezes também, pela excessiva autoridade que lhes atribui, trava seu ulterior desenvolvimento.”51 Concluindo o presente estudo, podemos dizer que a incorporação à sociedade através do individualismo é a mesma modalidade de incorporação de que nos fala Agnes Heller: “Com efeito, a individualidade humana não é simplesmente uma ‘singularidade’. Todo homem é singular, individualmente, e, ao mesmo tempo, ente humano-genérico. Sua atividade é, sempre e simultaneamente, individual-particular e humano-genérica. Em outras palavras: o ente singular humano sempre atua segundo seus instintos e necessidades, socialmente formados, mas referidos ao seu Eu, e, a partir dessa perspectiva, percebe, interroga e dá respostas à realidade; mas, ao mesmo tempo, atua como membro do gênero humano e seus sentimentos e necessidades possuem caráter humano-genérico.”52 O percurso feito pela teoria da arquitetura no Renascimento pode ser tomado como referência e parâmetro para uma plena compreensão da relação entre o homem e a sociedade na atualidade. As concepções arquitetônicas e urbanísticas dos tratadistas dos séculos XV em diante sofreram influência das concepções de tempo e espaço desde então. Os princípios arquitetônicos do Renascimento foram inspirados em conceitos que pretendiam darunidade à arquitetura 51 MERTON, Robert King. Sociología de la ciencia. Madri: Alianza Universidad, 1977. p.476. (Tradução Nossa.) 52 HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p.80. 53 Nós da Arquitetura e relacioná-la com a cidade e a natureza ao seu redor. Isto só foi possível graças à mudança do juízo estético, ocorrida ao longo dos séculos XV e XVI. A ideia de tornar o homem o centro do universo refletiu um novo ideal, no qual a unidade entre este e a natureza incorporou também a cidade e a arquitetura. Neste mesmo grupo de pensadores estão Alberti, Filarete e Giorgio Martini. Nos tratados de Serlio, Palladio e Vignola, não se encontra mais a ideia de a unidade entre arquitetura e cidade que havia nos tratados de Alberti, Filarete e Martini, contudo, mantém-se a ideia de antropometrismo arquitetônico e urbanístico. A constante relação entre edifício e espaço urbano e entre arquitetura e cidade deve fazer parte do entendimento e da apreensão social. A cidade é a expressão máxima da capacidade humana. A questão posta neste estudo pretende reacender a ideia de que há uma qualidade na arquitetura e na cidade que está além dos estilos e linguagens arquitetônicas; algo que variam com o tempo e o espaço, que é a sine qua non da qualidade urbana: a relação arquitetura e cidade, pensada como um corpo único, indivisível e completo. 54 Bibliografia ABERCROMBIE, Nicholas; HILL, Stephen; TURNER, Bryan S. La Tesis de la Ideología Dominante. México: Siglo Veintiuno, 1987. ABREU E LIMA, Fellipe de Andrade. A Obra e o Tratado de Arquitetura de Giacomo Barozzi da Vignola. Recife: Bagaço, 2005. ________. Arquitetura e Cidade na Tratadística do Renascimento Italiano. Dissertação (Mestrado) – MDU/ UFPE. Recife, 2007. ________. A Tratadística do Renascimento Italiano – 1452. São Paulo: Editora FAUUSP, 2009. Ackerman, James. Distance Points: Essays in Theory and Renaissance Art and Architecture. CambridgeMassachussets e Londres-Inglaterra: MIT Press, 1991. ALBERTI, Leon Battista. On the Art of Building in Ten Books.(Trad.Joseph Rykwert; Neil Leach e Robert Tavenor.).Cambridge-Massachussets e Londres-Inglaterra: MIT Press,1988. ________. L’Architettura. (Trad. Giovanni Orlandi. Introd. e notas Paolo Portoguesi.) Milão: Edizioni Il Polifilo. 1989. ________. Da Pintura. São Paulo: Ed. da UNICAMP, 1999. ARGAN, Giulio Carlo. Clássico Anticlássico. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. ________. Imagem e Persuasão. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. ARISTÓTELES. Os Pensadores.São Paulo: Nova Cultural. 1997. ARUNDEL, Honor. La Libertad en el Arte. México: Grijalbo, 1967. BANHAM, Reyner. Guía de la Arquitectura Moderna. Barcelona: Blume, 1979. BARBARO, Daniele. I Dieci Libri della Architettura. 1567. Cremona: Edizioni Il Polifilo, 1997. (Ed. Fac-Simili.) BENEVOLO, Leonardo. Storia dell’Architettura del Rinascimento. Bari: Laterza, 2002. ________. Historia de la Arquitectura del Renacimiento. Barcelona: Gustavo Gili, 1984. ________. A Cidade e o Arquiteto. São Paulo: Perspectiva, 1984. ________. História da Cidade. São Paulo: Perspectiva, 2003. BERRY, David. Ideias Centrais em Sociologia. Uma Introdução. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. BLUNT, Anthony. François Mansart and the Origins of French Classical Architecture.Londres: Penguin Books, 1941. BOADA, Luis. O Espaço Recriado. São Paulo: Nobel, 1991. BONNEL, Carmen. La Divina Proporción. Las Formas Geométricas. Barcelona: Edicions de la Universitat Politècnica de Catalunya, 1999. BORSI, Franco. Leon Battista Alberti: The complete works. Oxford: Phaidon, 1977. BOTTOMORE, Tom. A Dictionary of Marxist Thought. Cambridge: Harvard University Press, 1983. BOUDON, Philippe et BOURRICAUD, François. Dicionário Crítico de Sociologia. São Paulo: Ática, 1993. BROWN, P. Fortini. The Perfect House:Palladio’s Domestic Architecture. In: New York Times, 22/set./2002. BURKE, Peter. Uma História Social do Conhecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. ________. O Renascimento Italiano. Cultura e Sociedade na Itália. São Paulo: Nova Alexandria, 1999. ________. Sociologia e História. Lisboa: Afrontamento, 1970. CANEVACCI, Massimo. Dialética do Indivíduo. São Paulo: Brasiliense, 1981. CARPO, Mario. Alberti, Rafaelli, Serlio and Camillo: Metodo ed ordini della teoria architettonica dei primi moderni. Geneve: Librarie Dioz, 1993. ________. Teoria ed Evangelismo nello Straordinario Libro di Sebastiano Serlio. Milão: Jaca Book, 2004. ________. The Architectural Principles of Temperate Classicism.Merchant dwellings in Sebastiano Serlio’s Sixth Book.In: Res 22, 1992. ________. Architettura nell’Età della Stampa. Milão: Jaca Book, 2000. CASSIRER, Ernst. Individuo y Cosmos en la Filosofía del Renacimiento. Buenos Aires: Emecé, 1951. ________. Renaissance Philosoph of Man. Chicago: University Press, 1948. CASTORIADIS, Cornelius. As Encruzilhadas do Labirinto III: O mundo fragmentado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. ________. A Instituição Imaginária da Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1962. CHOAY, Françoise. A Regra e o Modelo.São Paulo: Perspectiva, 1985. ________. Alberti: The Invention of Monumentality and Memory. In: Harvard Architecture Magazine, p.99-105. COLONNA, Francesco. Hypnerotomachia Poliphili. Milão: Adelphi Edizioni, 2004. COLQUHOUM, Alan. Modernidade e Tradição Clássica. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. CORNELL, Elias. A expressão arquitetônica da contradição entre a cidade e o campo no capitalismo pré-industrial. In: Arquitetura e Conhecimento, n. 3. Brasília: Alva, 1996. CUFF, Dana. Architecture: The story of practice. Cambridge: The MIT Press, 1993. CURTI, Mario. La proporzione. Storia di un’idea da Pitagora a Le Corbusier.Luca:L’Accademia Nazionale di San Luca, 2007. D’AGOSTINO, Mário H. Geometrias Simbólicas da Arquitetura. São Paulo: Hucitec, 2006. DAHRENDORF, Ralf. Ensaios de Teoria da Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento. Lisboa: Imprensa Universitária/ Editorial Estampa, 1984. DI TEODORO, Francesco Paolo. La Lettera di Raffaello e Baldassar Castiglione ai Papa Leone X sulle Rovine di Roma. Bolonha: NuovaAIfa, 1996. DOCZI, Gyorgy. O Poder dos Limites. Harmonias e Proporções na Natureza, Arte & Arquitetura. São Paulo: Mercuryo, 2003. D’ORS, Eugenio. Las Ideas y las Formas. Madri: Aguilar, 1966. DUMONT, Louis. O Individualismo. Uma Perspectiva Antropológica da Ideologia Moderna. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. ________. Homo Hierarquicus. O Sistema de Castas e suas Implicações. São Paulo: Edusp, 1992. DURANT, Will. A Renascença. História da Civilização na Itália. São Paulo/Rio de Janeiro: Record, 2002. ________. A Reforma. São Paulo/Rio de Janeiro: Record, 2002. DURKHEIM, Émile. A Divisão do Trabalho Social. Lisboa: Presença, 1984. EHRENZEIG, Anton. A Ordem Oculta da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1969. FILARETE.Filarete’s Treatise on Architecture. New Haven e Londres: Yale University Press, 1965. ________. Trattato di Architettura. A Cura di Anna Finoli e Liliana Grassi. Milão: Edizioni il Polifilo, 1972. FOSTER, Kurt W. The Palazzo Rucellai and Questions of Typology in the Development of Renaissance Buildings. In: Art Bulletin, v. 63,1976, p. 109-113. GARCIA MORENTE, Manuel. Fundamentos de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1980. GILES, Thomas Ranson. Estado, Poder, Ideologia. São Paulo: EPU, 1985. GIDDENS, Anthony. A Constituição da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1989. ________. Consequências da Modernidade. São Paulo: Unesp, 1991. GLOAG, John. Guide to Western Architecture. Londres: Spring Books, 1969. GOMBRICH, Eric. L’Art et son Histoire. Paris: René Juliard, 1967. GRAFTON, Anthony. Defenders of the Text. The Traditions of Scholarship in an Age of Science, 14501800. Cambridge-Massachussets e Londres-Inglaterra: Harvard University Press, 1991. ________. Leon Battista Alberti. Master Builder of the Renaissance. Cambridge-Massachussets e LondresInglaterra: Harvard University Press, 2000. GRAYSON, Cecil. The Humanism of Alberti. In: Italian Studies, XII (1957), p.37-56. ________. The Composition of Alberti’s Decem libri De re Aedificatoria. In: Munchen Jahrburch der Bildender Kunst, v.11 1960, v.12, p.152-161. GRASSI, Giorgio. La Arquitectura como Ofício y Otros Escritos. Barcelona: Gustavo Gili, 1980. HALE, John. La Civilisation de L’Europe à la Renaissance. Sarthe-France: Éditions Perrin, 2003. HART, Vaughan. Paper Paleces.The Rise of the Renaissance Architectural Treatise. New Haven e Londres: Yale University Press. 1998. ________. Decorum and the Five Orders of Architecture. Sebastiano Serlio’s Military City. In: Res34, 1998. HAUSER, Arnold. A Arte e a Sociedade. Lisboa: Presença, 1984. HEGEL. G.W.F. Cursos de Estética. São Paulo: Edusp, 2000. HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. HEYDENREICH, Ludwig. Arquitetura na Itália 14001500. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. HIBBERT, Christopher. Ascensão e Queda da Casa dos Medici. O Renascimento em Florença. São Paulo: Companhia das Letras, 1974. JACOBS, David. Architecture. Nova York: Newsweek Books, 1974. JOHNSON, Paul. O Renascimento. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. JOLIVET, Regis. Vocabulário de Filosofia. Rio de Janeiro: Agir, 1975. KANT, Immanuel. Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1997. ________. Crítica da Faculdade do Juízo. São Paulo: Forense, 1993. KEMP, Martin. The Science of Art. New Haven e Londres: Yale University Press. 1990. Koyre, Alexandre. Estudos Galilaicos. Lisboa: Dom Quixote, 1986. ________. Do Mundo Fechado ao Universo Infinito. Rio de Janeiro: Forense, 1979. KOPP, A. Quando o Moderno não era um Estilo e sim uma Causa. São Paulo: Nobel-Edusp, 1990. KRAUTHEIMER, R. Alberti and Vitruvius. In: Studies in Early Christian, Medieval and Renaissance Art. Nova York: 1969. KRUFT, Hanno Walter. A History of Architectural Theory: From Vitruvius to the Present. NovaYork: Princeton Architectural Press, 1994. KULTERMANN, Udo. Alberti’s S. Andrea in Mantua. Pantheon, v. 42, n. 2, p. 107-113. LEHMANN, Phyllis Williams. Alberti and Antiquity. Additional Observations. In: Art Bulletin, v. 70, n. 3, Set./ 1988, p. 388-400. LAMAS, José M. R. Garcia. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian/ Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1990. LANG, S.The Ideal City.From Plato to Howard. In: The Architectural Review, Ago./ 1952. ________. Sforzinda, Filarete and Filelfo. In: Journal of the Warburg and Courtald Institues, 35, 1972. LINTON, Ralph. Cultura e Personalidade. São Paulo: Mestre Jou, 1973. LOEWEN, Andrea Buchidid. A Concepção de Cidade em Leon Battista Alberti. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Campinas, 1999. ________. Lux pulchritudinis: Sobre a beleza e ornamento em Leon Battista Alberti. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – FAUUSP. São Paulo, 2007. LOTZ, Wolfgang. Studies in Italian Renaissance Architecture. Cambridge: MIT Press, 1977. ________. Arquitetura na Itália, 1500-1600. New Haven: Yale University Press. LONDI, Emillio. Leone Battista Alberti: Architetto. Firenze: Alfani e Venturi, 1906. LOWIC, Lawrence. The Meaning and Significance of the Human Analogy in the Francesco di Giorgio’s Trattato. In: Journal of the Society of Architectural Historians, XLII, 4, 1983. MANCINI, Girolamo. Vita di Leon Battista Alberti. Berlim: Elibron Classics, 1999. MANNHEIM, Karl.Ideologia e Utopia. Porto Alegre: Globo, 1952. MARCH, Lionel. Architectonics of Humanism. Londres: Academy Editions, 1998. MARTINI, Francesco di G. Trattati di Architettura, Ingegneria e Arte Militare. Milão: Ed. Il Polifilo, 1967. MERTON, Robert King. Sociología de la Ciencia. Madri: Alianza Universidad, 1977. MUMFORD, Lewis. A Cidade na História. São Paulo: Martins Fontes, 1998. MURRAY, Peter. L’Architettura del Rinascimento Italiano. Roma: Laterza, 2002. ________. Renaissance Architecture. Nova York: Harry Abrams, 1971. NADEL, S.F. Fundamentos de Antropología Social. México: Fondo de Cultura Econômica, 1985. NIEMEYER, Oscar. A Forma na Arquitetura. Rio de Janeiro: Avenir, 1978. ONIANS, John. Alberti and ΦΙΛΑΡΕΤΗ.A Study in Their Sources. In: Journal of the Warburg and Courtald Institues, 34, 1971. PANOFSKY, Erwin. Idea: A Evolução do Conceito do Belo. São Paulo: Martins Fontes, 1994. ________. Arquitetura Gótica e Escolástica. São Paulo: Martins Fontes, 1991. PALLADIO, Andrea. I Quattro Libri della Arquitettura. Veneza: Marco Antonio Broggiolo, 1570. ________. Delli Cinque Ordini di Architettura di Andrea Palladio Vicentino. Veneza: Appresso Angiolo Pasinelli, 1746. ________. Atlante delle Architetture. Veneza: Centro Internalionale di Studi di Architettura Andrea Palladio, 2002. (Libro e CD.) PAYNE, A.The Architectural Treatise in the Italian Renaissance.Cambridge: Cambridge University Press, 1999. PEVSNER, Nikolaus. Panorama da Arquitetura Ocidental. São Paulo: Martins Fontes, 2002. ________. Dicionário Enciclopédico de Arquitetura. Rio de Janeiro: Artenova, 1976. ________ et alii. Dizionario di Architettura. Torino: Giulio Einaudi Editori, 1992. PLATÃO. A República. Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1997. POPPER, Karl. A Lógica da Pesquisa Científica.São Paulo: Pensamento-Cultrix, 2001. PULS, Maurício Mattos. Arquitetura e Filosofia. São Paulo: Annablume, 2006. QUEIROZ, Teresa Aline Pereira. O Renascimento. São Paulo: Edusp, 1995. RASKIN, Eugene. Architecture and People. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1974. ________. Architecturally Speaking. Nova York: Reinhold, 1954. READ, Herbert. As Origens da Forma na Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. ROCHA-PEIXOTO. Reflexos das Luzes na Terra do Sol. Sobre a Teoria da Arquitetura no Brasil da Independência 1808-1831. São Paulo: Pro Editores, 2000. ROMERO, José Luis. Estudio de la Mentalidad Burguesa. Madri: Alianza Editorial, 1987. ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995. ROSSI, Paolo. O Nascimento da Ciência Moderna na Europa. Bauru: Ed. Sagrado Coração,2001. RUSSEL, Bertrand. Autoridad y Individuo. México: Fondo de Cultura Econômica, 1992. RUTHERFORD, Ward. Pitágoras. São Paulo: Mercuryo 1991. RYKWERT, Joseph. The Dancing Column: On Order in Architecture. Cambridge-Massachussets e LondresInglaterra: MIT Press, 2005. ________. A Sedução do Lugar. São Paulo: Martins Fontes, 2005. SAALMAN, Howard. Early Renaissance Architectural Theory and Practice in Antonio Filarete’s Trattato di Architettura. In: The Art Bulletin, 41, p.89-106. SANTANIELLO, A. E. Sebastiano Serlio and the Book of Architecture.Nova York, 1970. SCOTT, Geoffrey. Arquitectura del Humanismo. Barcelona: Barral, 1970. p.159. SERLIO, Sebastiano. On Architecture: Books I-V and VI-VII of Tutte L’Opere d’Architettura et prospective. (Trand.Vaughan Hart and Peter Hick.) New Haven: Yale University Press, 1996. ________. The Five Books on Architecture. Nova York: Dover Publications, 1986. ________. Architettura Civile. Milão: Il Polifilo, 1976. SICHEL, Edith. O Renascimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977. Silva, Elvan. A Forma e a Fórmula.Porto Alegre: Sagra, 1991. ________. Matrizes do Discurso Doutrinário na Arquitetura. Uma Revisão Concisa. Curitiba: Ed. Universitária Champagnat, 2005. SOUZA, Maria Luiza Zanatta de. Carta de Rafael Sanzio – Castiglione ao Papa Leão X e sua importância para o estudo da arquitetura e do urbanismo do período do Renascimento. Dissertação (Mestrado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – FAUUSP. São Paulo: 2006. SUMMERSON, John. A Linguagem Clássica da Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2002. SUTTON, Ian. Western Architecture.A Survey. Londres: Thames and Hudson, 1999. SPAGNESI, G. Progetto e Architetture del Linguaggio Clássico – XV-XVI Secolo. Milão: Jaca Book, 1999. SPENCER, John. Filarete and Central Plan Architecture. In: Journal of the Society of Architectural Historians, XVII, 3, 1958. TAFURI, Manfredo. Teorias e História da Arquitetura. Lisboa: Martins Fontes/Editorial Presença, 1979. TARVERNOR, Robert. On Alberti in the Art of Building.New Haven; Yale University Press, 1998. ________. On the Art of Urban Design.In: Revista Desígnio, n.1. São Paulo: Annablume Editora, 2004. THOENES, Christof. Teoria da Arquitetura. Do Renascimento aos Nossos Dias. Itália: Taschen, 2003. TIBALDI, Pellegrino. L’Architettura di Leon Battista Alberti nel Commento di Pellegrino Tibaldi. Roma: De Luca Edizioni d’Arte, 1988. TURNER, Jane. The Dictionary of Art. Ohio: RR Donnelley & Sons Company, Willard, 1996. Tzonis, A. e Liane, Lefaivre. Classical Architecture: The Poetics of Order. Cambridge-Massachussets e LondresInglaterra: MIT Press, 1999. VENTURI, Robert. Complexidade e Contradição em Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1995. VIGNOLA, Giacomo Barozzi da. Li Cinque Ordini Di Architettura. Milão: Bietti & Reggiani Edotori, 1924. VILLORO, Luis. El Pensamiento Moderno. Filosofía del Renacimiento. México: Fondo de Cultura Econômica, 1992. VINCI, Leonardo da.Complete Works. The Notebooks of da Vinci. USA: Konecky & Konecky, 2003. VITRUVIO. Da Arquitetura (Vitruvii de Architectura Libri Decem). São Paulo: Hucitec, 1998. VON MARTIN, A. Sociología del Renacimiento. México: Fondo de Cultura Econômica, 1992. WATKINS, J. W. M. Ciência e Cepticismo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990. WEBER, Max. Economia y Sociedad. Buenos Aires: Fondo de Cultura Econômica, 1992. WITTKOWER, Rudolph. Architectural Principles in the Age of Humanism. NovaYork: W.W. Norton, 1971. WRIGHT, Erik O.; LEVINE, Andrew; SOBER, Elliot. Reconstruindo o Marxismo: Ensaios sobre a explicação e teoria da história. Petrópolis: Vozes, 1993. Wundrum e marton. Andrea Palladio.Alemanha: Taschen, 1994. ZEVI, Bruno. Saber Ver a Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1995. ________. Storia e Controstoria della’Architettura in Italia. Roma: Newton & Campton, 2005. Os conceitos de imaginário e individualismo na teoria social da arquitetura Fellipe de Andrade Abreu E Lima 1. Introdução: Imaginário arquitetônico Este estudo pretende examinar os significados dos conceitos de “imaginário” e de “individualismo” no contexto do movimento moderno na arquitetura, iniciado nos primórdios do século XX, isto é, na acepção que exibem quando relacionadas com o substrato ideológico da profissão do arquiteto. Para tal escopo, recapitularei alguns conceitos pertinentes à caracterização daquela profissão, tendo em vista seus componentes inventivo e pragmático originários desde o Renascimento, quando o arquiteto passa a exercer sua profissão com um grau de superioridade em relação ao antigo operis medieval. Também farei alusão à associação do conceito de “liberdade de criação”, como entendido no discurso estético, com o conceito de individualidade e individualismo, identificando este binômio com a base do que se denomina “imaginário da profissão na arquitetura”. Este estudo pretende esclarecer que, mesmo no campo da produção arquitetônica, onde a obra concebida e realizada tem um compromisso com certas exigências socialmente objetivas, o conceito de liberdade de criação subjaz à ideia de validade e relevância. Prosseguindo, tratarei do conceito de imaginário, complementado o exame feito nos itens precedentes, enfatizando a importância desta categoria no processo de identificação recíproca dos membros de um grupo caracterizado pelo exercício da mesma profissão. A seguir, 67 Nós da Arquitetura faço a análise sociológica do fenômeno do individualismo, examinando suas variantes de exteriorização e destacando o teor de perturbação que o estudo deste tema contém, quando se trata de enquadrá-lo na perspectiva sociológica. Concluindo, tratarei de associar o conceito de individualismo como parte do complexo constituído pelo imaginário da profissão na arquitetura, especificamente aquele que diz respeito à personalidade artística do arquiteto ideal, também nascido das concepções renascentistas iniciadas pelos tratadistas do século XV na Itália. Como sabemos, a profissão do arquiteto é caracterizada pelos conteúdos técnico, especulativo e criativo do projeto, isto é, do processo de concepção das edificações que formam o patrimônio arquitetônico da civilização. A constatação da existência destes conteúdos técnico, especulativo e criativo, não envolve qualquer juízo de valor. Devo registrar que – como expressão de fundo ideológico – arquitetos gostam de referir-se à sua atividade como “ofício”, recuperando uma designação usual na cultura medieval53. Também esclarecerei que o vocábulo “ofício” deriva do substantivo latino officium, traduzível por “trabalho, execução de uma tarefa ou tarefa a executar”; por sua vez, officina, em latim, traduz-se como “oficina, fábrica, laboratório”, isto é, local de trabalho, de execução de tarefas. A arquitetura implica um inventar e um fazer. Na origem grega do termo, arquitetura é a técnica (o fazer) do arquiteto, – αρχιτεκτονικε τεχνη. Neste contexto epistemológico, deverei considerar a arte ou ofício de projetação como uma arte social que não refuta o papel do indivíduo ou dos métodos individuais. Efetivamente, todo processo coletivo na arquitetura é feito de indivíduos representando os arquitetos, clientes, consultores, conselhos regulamentadores e, às vezes, os 53 Conceito de “ofício”, na arquitetura, foi inicialmente desenvolvido por: GRASSI, Giorgio. La arquitectura como ofício y otros escritos. Barcelona: Gustavo Gili, 1980. (Tradução Nossa.) 68 Nós da Arquitetura usuários. Em cada projeto o peso de cada um dos vários papéis difere, mas arquiteto e cliente permanecem centrais no processo, conforme nos esclareceu Dana Cuff54. O culto ao individualismo, patente desde o Renascimento italiano e início do profissionalismo arquitetônico, não existe apenas no campo da ficção: encontramo-lo no plano real, e bem próximo de nós, inclusive nos dias de hoje. Oscar Niemeyer, por exemplo, refere-se a um elogio recebido de Le Corbusier (1887-1965), que se notabilizou pelo empenho na difusão da doutrina modernista da arquitetura, sendo inspirador de duas gerações de arquitetos do século XX. Segundo o testemunho de Niemeyer, Le Corbusier, aludindo à obra de Niemeyer em Brasília, teria dito que “cada uma de suas decisões é válida, porque é um ato de vontade e liberdade total” 55. Ora, com este comentário, Le Corbusier está associando o atributo validade com a vontade e com a liberdade total. Não há referência a aspectos objetivos da realização sob exame, às suas características, mas apenas às circunstâncias de sua proposição: se foi produzido num contexto de liberdade total, é válido. Le Corbusier faz uma paráfrase do juízo de Émile Durkheim, segundo o qual a arte “... é absolutamente refratária a tudo que o que se assemelhe a uma obrigação, pois ela é o domínio da liberdade”56. Segundo o raciocínio de Le Corbusier e Niemeyer, o artista só tem compromisso consigo mesmo. A vontade e a liberdade total seriam, destarte, o fundamento de legitimação de qualquer proposta criadora. O critério de excelência arquitetônica, neste caso, seria a irrestrita liberdade de 54 CUFF, Dana. Architecture: The story of practice. Cambridge: The MIT Press, 1993. p.195. (Tradução Nossa.) 55 NIEMEYER, Oscar. A forma na arquitetura. Rio de Janeiro: Avenir, 1978. p. 45. 56 DURKHEIM, Émile. A divisão do trabalho social. Lisboa: Presença, 1984. p. 66. 69 Nós da Arquitetura proposição e a autonomia em relação às circunstâncias externas ao ímpeto expressivo do projetista. Ou seja, sem que se empregue explicitamente o conceito, há aí uma defesa do individualismo, “... uma ideologia que valoriza o indivíduo e negligencia ou subordina a totalidade social”57. Aquela fortuita concepção do mestre suíço é um paradoxo, pois, como se explica abaixo, contradiz frontalmente os principais pontos da doutrina do funcionalismo arquitetônico, base reconhecida da modernidade arquitetônica delineada pelo próprio Le Corbusier}. E também contraria as concepções marxistas da teoria da arte, que repelem o individualismo radical e a ideia da irrestrita liberdade de criação: como resume a estudiosa marxista inglesa Honor Arundel: “A liberdade que o artista requer não é a liberdade da voluntariedade individualista, mas a liberdade de desafiar a dificuldade. [...] A liberdade absoluta de que falam os idealistas não pode existir para nenhum membro da sociedade, seja ou não artista. Sua liberdade se vê limitada pelos circundantes tempo ou lugar, por seu temperamento e talento e, sobretudo, por seus ineludíveis compromissos com seus congêneres.”58 Este comentário prende-se ao fato de ser Niemeyer um comunista declarado que, em princípio, deveria compartilhar do pensamento estético marxista, mesmo que isto representasse uma contradição relativa à sua prática profissional exercida predominantemente no mundo capitalista. Segundo os mais insignes próceres da vanguarda arquitetônica do século XX – aos quais faremos referência nos próximos itens –, 57 DUMONT, Louis. O individualismo. Uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. p.279. 58 ARUNDEL, Honor. La libertad en el arte. México: Grijalbo, 1967. p.134. (Tradução Nossa.) 70 Nós da Arquitetura a arquitetura é importante por seu potencial de interferência positiva no âmbito da vida social, que implica engajamento dos arquitetos em causas identificadas com a promoção social – ainda que não seja claro o significado desta última expressão. Falando sobre o ideário dos arquitetos da vanguarda modernista, Anatole Kopp, participante do movimento e propagador convicto da doutrina modernista da arquitetura, enaltece “a crença nas virtudes pedagógicas do ambiente construído considerado como instrumento de transformação social – como um ‘condensador social’, dirão os arquitetos da vanguarda soviética – mas, sobretudo, fé na iminência das transformações sociais”59. Tal crença supunha um espírito de engajamento com um sentido de socialização, que é antitético ao individualismo egocêntrico defendido por Le Corbusier e Niemeyer. Como já fiz referência em item anterior, Walter Gropius, líder do movimento de modernização da arquitetura representado pela experiência da Bauhaus, afirmava que, no século XX, o principal objetivo da profissão construtiva, tanto âmbito técnico quanto no social, consistiria em estruturar um serviço adequado para prover a coletividade de suficiente quantidade de habitações decorosas e modernas. Outros documentos reiteram este compromisso dos arquitetos modernistas com este conteúdo social da arquitetura, às vezes com algum exagero, tanto no plano do discurso como no plano da práxis. 59 KOPP, A. Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. São Paulo: Nobel-Edusp, 1990. p.17. 71 Nós da Arquitetura 2. Uma Compreensão Individualista Tratarei agora do componente individualista no imaginário da profissão da arquitetura, retomando o tema da “liberdade de criação” como, nos termos do discurso que emerge deste imaginário, condição sine qua non da validade do trabalho do arquiteto e do artista de modo geral. Ressalta-se que o conceito de “liberdade de criação” não deve ser confundido com o de gênio, estudado pela corrente da fenomenologia ou pelos psicólogos sociais. Embora conhecendo a opinião de Massimo Canevacci, segundo a qual “a história do indivíduo ainda não foi escrita”60, constatamos que o tema do individualismo tem explícita autonomia no âmbito das ciências sociais, como podemos constatar pelo exame da relação bibliográfica apresentada no final deste trabalho. O vocábulo latino individuum deriva do grego atomom, ambos denominando aquilo que não pode ser dividido; este conceito de “originária indivisibilidade e singularidade” atravessa todo o pensamento ocidental e chega até Leibniz, que, com seu conceito de mônada, “fornece a especificidade definitiva ao indivíduo da era burguesa”61. Acerca da inserção do conceito de individualismo na teorização sociológica, cabe destacar inicialmente que a noção de individualismo, na teoria social, designa não a doutrina moral que traz o mesmo nome, mas a propriedade que alguns sociólogos reconhecem como “característica de certas sociedades e particularmente das sociedades industriais modernas: nessas sociedades, o indivíduo é considerado uma unidade de referência fundamental, tanto para si mesmo como para a sociedade. É o indivíduo que decide sobre sua profissão, que escolhe seu cônjuge. Sua autonomia 60 CANEVACCI, Massimo. Dialética do indivíduo. São Paulo: Brasiliense, 1981. p.41. 61 Idem. Dialética do indivíduo. p.8. 72 Nós da Arquitetura é maior do que nas sociedades tradicionais”62. Na realidade, o gênero de individualismo a que se pode referir o substrato ideológico dos praticantes da profissão da arquitetura não é apenas o das sociedades industriais modernas, mas, como desenvolvo no último item, igualmente aquele tipo de individualismo que caracteriza a emancipação dos artistas no advento da Renascença. Em princípio, a análise sociológica repele a perspectiva individualista. Louis Dumont expõe a principal dificuldade desta análise: “A apercepção sociológica atua contra a visão individualista do homem. Consequência imediata: a ideia do indivíduo constitui-se num problema para a sociologia.”63 Podemos verificar em Émile Durkheim referências ao fenômeno do individualismo, porém sob o nome de egoísmo; “por egoísmo, palavra que não se deve (ou antes, que nem sempre se deve) entender no sentido moral, Durkheim designa a importância da autonomia concedida ao ego, isto é, ao indivíduo, na ‹escolha› de seus atos e crenças”64. Segundo a concepção durkheimiana, algumas culturas impõem aos indivíduos normas, regras e valores transcendentes; nessas sociedades, o egoísmo enfrentará mais obstáculos que aqueles encontrados nas coletividades que outorgam à liberdade de escolha ao indivíduo, subentendida a submissão deste a normas, regras e valores de conteúdo mais geral, que não lhe retirem inteiramente a capacidade de operar algumas escolhas. Todavia, o desenvolvimento do egoísmo não depende somente de variáveis culturais, mas é, geralmente, uma função do grau de integração dos grupos sociais de que o indivíduo faz parte. 62 BOUDON, Philippe ; BOURRICAUD, François. Dicionário crítico de sociologia. São Paulo: Ática, 1993. p.285. 63 DUMONT, Louis. Homo hierarquicus. O sistema de castas e suas implicações. São Paulo: Edusp, 1992. p.56. 64 Idem. Dicionário crítico de sociologia. p.285. 73 Nós da Arquitetura Apesar destas concepções acerca do individualismo, mesmo sob a roupagem de um processo criativo, há o envolvimento de um sentido de dominação, uma inclinação para a preponderância, o triunfo num conflito de vontades. A ideia de que exista um egoísmo da criação pode conflitar com certas concepções ideológicas do fenômeno artístico. É neste aspecto que recorremos à interpretação de Friedrich Nietzsche e seu Übermensch (super-homem). Vontade e poder, vontade de poder: Wille zur Macht. Fora do quadro da coexistência civil, no plano específico do imaginário do artista, a vontade de poder de Nietzsche torna-se a ideologia do criador. Assim, a autossuficiência do artista moderno, instaurada na época do Renascimento, converte-se, na sua visão, numa forma própria de heroísmo. Há um nexo entre os conceitos de “individualismo”, “egoísmo-do-criador” e “vontade-de-poder”, como pode ser demonstrado. Comecemos pelo último conceito. Dependendo da ótica da abordagem, o estudo do fenômeno “poder” pode ter um cunho sociológico ou metafísico. Falamos aqui de uma metafísica do poder e de sua incorporação à arquitetura. Os conteúdos metafísicos não são estranhos à arquitetura erudita, e esta observação vale para todas as épocas. Mesmo de modo não-intencional, o arquiteto muitas vezes incorpora à matéria inanimada certos significados que transcendem ao mero registro da pauta programática. Por outro lado, também a sintaxe construtiva se presta, às vezes, ao papel de comunicar significados que escapam ao âmbito dos requisitos de racionalidade mecânica. A história da arquitetura erudita de todas as épocas está repleta de exemplos que ilustram essa percepção. Pode acontecer que, sem que seja intenção do construtor, a forma arquitetônica suscite associações de imagens e de temas abstratos vinculados à filosofia, aos costumes predominantes, à hierarquia social e, enfim, à estrutura política vigente. 74 Nós da Arquitetura De acordo com Herbert Read, quando discorrendo sobre as diferenças entre a arquitetura erudita e a arquitetura primitiva, observa que “o ponto em que o intelecto deve animá-la e inspirá-la – aí temos a introdução de um fator que já não é materialista e cuja influência é imperativa. A arquitetura, para fugir ao primitivo, ao infantil, ao arcaico, deve ser inspirada pelas condições intelectuais, abstratas, espirituais – considerações que modificam as exigências rigorosas da utilidade”65. Não é estranho, portanto, que estudiosos da arquitetura procurem discernir, nos edifícios mais representativos de cada ciclo histórico, o conteúdo temático abstrato que veiculam – ou deveriam veicular –, mesmo que este conteúdo seja uma criação do próprio estudioso. Erwin Panofsky, por exemplo, pretendia que a construção da catedral gótica fosse uma transcrição, sobre a pedra, do sistema escolástico e da doutrina da Summa Theologica de São Tomás de Aquino. Para Panofsky“... foi na arquitetura onde o hábito da clarificação logrou seus maiores triunfos. Assim como o princípio da manifestatio regia a alta escolástica, o que pode chamar-se ‘princípio da transparência’ regeu a arquitetura do alto gótico”66. No início de seu estudo, o autor faz um paralelismo temporal entre a arte medieval e a filosofia escolástica; a seguir, observa que tanto a arquitetura gótica e o pensamento escolástico surgiram numa região que forma um círculo de cento e cinquenta quilômetros que tem Paris como centro. No segundo capítulo do livro, Panofsky estabelece uma conexão entre filosofia e arte que transcende ao simples paralelismo temporal, a saber, uma relação de causa e efeito. Partindo da concepção de que a escolástica 65 READ, Herbert. As origens da forma na arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p.105. 66 PANOFSKY, Erwin. Arquitetura gótica e escolástica. São Paulo: Martins Fontes, 1991. p.35. 75 Nós da Arquitetura teria monopolizado a «formação intelectual», nosso autor enuncia a tese de que esta circunstância teria produzido um «hábito mental» que influenciava o ensino e as letras, e que tinha um alcance abrangente, que atingia, inclusive, os mestres-de-obras medievais, que seriam dotados de significativa formação intelectual. Na realidade, segundo a teoria de Panofsky, os mestres-de-obras medievais eram os precursores da escolástica. O que Panofsky tem em mente é o pensamento consciente dos escolastas, bem como dos mestres-de-obras medievais, que, segundo ele, brota de um mesmo modus essendi. Como Panofsky não exibe evidências da conexão que alega existir entre arquitetura gótica e escolástica, busca demonstrar tal conexão de uma tertium comparationes. Por meio desta argumentação, nosso autor refere-se à preocupação que caracteriza o pensamento escolástico, isto é, à “explicação” (manifestatio) da coerência dos conteúdos da fé e da razão, e defende a ideia segundo a qual tal princípio comparece também na arquitetura das catedrais, materializando-se por intermédio de uma “lógica visual”. A metafísica do poder se expressa na arquitetura erudita quando esta reflete certos aspectos da estrutura política e social. O papel comunicativo da arquitetura é um fenômeno demasiado estudado, e permite o estabelecimento de um vínculo temático com a questão do poder. Há uma identidade teleológica entre a manifestação visível do poder instituído e determinados conteúdos temáticos da arquitetura hierática de todos os tempos. A socialização de suas finalidades estabelece um vínculo entre política e arquitetura erudita; como observa Thomas Ransom Giles: “A manifestações do fenômeno do poder são incalculáveis, mas todas elas assumem caráter político 76 Nós da Arquitetura em função da socialização da sua finalidade. O poder é um instrumento que só encontra sua razão de ser no objetivo ou nos objetivos em função dos quais a sociedade é constituída.”67 Considero que, neste mesmo sentido, Geoffrey Scott afirmou que “o ideal do Renascimento foi o poder: uma ampliação da consciência do poder e um alargamento de seu âmbito; e Grécia e Roma se converteram quase por necessidade em sua imagem e símbolo”68. Scott pensava na Grécia e em Roma como protótipos uma expressão mais refinada do poder, que se materializa no conceito de autoridade; por que poucos sistemas arquitetônicos espelham tão bem o conceito de autoridade como o Classicismo. Já Max Weber, ensinanos que “toda dominação se manifesta e funciona em forma de governo”69. Mas o conceito de autoridade não exaure a ideia do poder, principalmente quando falamos nas diversas formas de autoridade despótica, que se inscrevem no quadro das instituições políticas. No caso do poder despótico, penso que o sistema barroco produziu a arquitetura mais adequada a lhe servir de cenário. Eugenio D’Ors, desenvolvendo a tese segundo a qual“...as formas arquitetônicas de um período histórico dado constituem uma nova manifestação política do mesmo”70, afirmava que as duas grandes criações do primeiro Renascimento seriam a cúpula e a monarquia. A tese é atraente, mas não se sustenta sob pilares sólidos. Nem o Renascimento inventou a cúpula, nem a monarquia 67 GILES, Thomas Ranson. Estado, poder, ideologia. São Paulo: EPU, 1985. p.1. 68 SCOTT, Geoffrey. Arquitectura del Humanismo. Barcelona: Barral, 1970. p.159. (Tradução Nossa.) 69 WEBER, Max. Economia y sociedad. Buenos Aires: Fondo de Cultura Econômica, 1992. p.701. (Tradução Nossa.) 70 D’ORS, Eugenio. Las ideas y las formas. Madri: Aguilar, 1966. p.19. (Tradução Nossa.) 77 Nós da Arquitetura foi inventada nesta época. As cúpulas dos séculos XV e XVI cobriam igrejas, não palácios. Nem as intrigantes cúpulas das vilas de Palladio cobriam tronos, mas as cadeiras de cidadãos abonados. No Renascimento, a arquitetura reflete um gênero de busca do poder, aquele aspirado pelo estamento burguês: “O humanismo representa neste caso uma ideologia que realiza uma função muito determinada na luta pela emancipação e a conquista do poder pela camada social burguesa em progressão ascendente.”71 O despotismo monárquico, forma por excelência do poder, é um fenômeno que se manifesta na sua plenitude nos séculos XVI e XVII. E a arquitetura palaciana desta época refletia essa realidade. De fato, como já resumiu David Jacobs, “a arquitetura da Renascença e do Barroco transformou-se na arquitetura da autoexaltação; ela foi construída por príncipes, papas, reis e aristocratas para seu próprio conforto”72. Principalmente no sistema barroco a arquitetura é marcada pelo sentido teatral e cenográfico, concebida para servir de palco para uma perpétua representação, que é a ostentação do poder. A temática das relações entre arquitetura e poder – poder do cliente e poder do arquiteto – encontra uma ramificação na concepção da arquitetura como «cenário» para o exercício da autoridade, vista como a representação de papéis. Isto é bem visível no uso exemplar que a monarquia e a aristocracia francesa dos séculos XVII e XVIII fizeram da arquitetura barroca; E. H. Gombrich refere-se a esta disposição da seguinte forma: 71 VON MARTIN, A. Sociología del Renacimiento. México: Fondo de Cultura Econômica, 1992. p.46. 72 JACOBS, David. Architecture. Nova York: Newsweek Books, 1974. p.130. (Tradução Nossa.) 78 Nós da Arquitetura “Usar os prestígios da arte para manifestar seu próprio poderio não era monopólio da Igreja Romana. Os príncipes soberanos da Europa do século XVII estavam igualmente desejosos de apregoar seu poder para afirmar sua ascendência sobre os seus povos. Eles desejam parecer, em sua glória, criatura de espécie superior, elevados por direito divino bem acima do comum dos mortais. Isto se aplica particularmente ao mais poderoso monarca dessa época, o rei Luís XIV. Magnificência e pompa real eram para ele a própria essência do poder.”73 Exemplificando essa condição com a menção do arquiteto como protótipo do artista individualista que se coloca a serviço do poder constituído, citemos o arquiteto francês François Mansart (1598-1666). Leonardo Benevolo referese a Mansart como “o mais genial artista deste momento – século XVII”74. Costumam compará-lo com seu predecessor Jacques Lemercier, criador da arquitetura clássica francesa. De acordo com Anthony Blunt: “François Mansart era em quase todos os aspectos, um completo contraste em relação a Lemercier. Lemercier nada mais era que um competente projetista, cuja importância residia em sua introdução de um novo idioma estrangeiro. Mansart era um arquiteto de uma sutileza e gênio sem paralelo, que pouco aprendeu de seus contemporâneos, mas que trouxe a tradição genuinamente francesa a um alto nível de perfeição.”75 73 GOMBRICH, Eric. L’art et son histoire. Paris: René Juliard, 1967. p.156. (Tradução Nossa.) 74 BENEVOLO, Leonardo. Historia de la arquitectura del Renacimiento. Barcelona: Gustavo Gili, 1984. p.924. (Tradução Nossa.) 75 BLUNT, Anthony. François Mansart and the origins of French classical Architecture. Londres: Penguin Books, 1941. p.142. (Tradução Nossa.) 79 Nós da Arquitetura Mansart é o modelo de artista individualista. Segundo Pevsner, “se bem que tivesse uma consciência artística escrupulosa, infelizmente não era só arrogante, como pouco firme em suas relações de negócio, e a inabilidade em fazer e manter um plano final naturalmente enraivecia seus clientes. Devido a isso, perdeu muitas encomendas, e nos últimos anos de vida esteve virtualmente sem trabalho”76. Tais características são corroboradas por John Gloag: “ele podia exibir levianamente as excentricidades de seu gênio, embora seus clientes devessem pagar por elas; nunca se preocupou com o custo de suas obras, era indiferente às considerações econômicas de qualquer ordem, preocupando-se apenas com a busca da perfeição nos projetos”77. Tratando do individualismo, encarado dentro da perspectiva da teoria sociológica, os amplos conceitos de “sociedade”, “sistema social”, “classes sociais” – até por conterem o étimo “socius” que designa a disciplina –, surgem imediatamente como o objeto por excelência da sociologia. Os teóricos sociais, incluindo alguns da classe dos arquitetos, naturalmente, têm consciência da necessidade de impregnar seu trabalho com temas marcados pela relevância requerida à ciência. É sugestivo confrontar esta assertiva com a concepção de Cornelius Castoriadis, segundo a qual: “Para começar e dizer o essencial, o indivíduo nada mais é do que a sociedade. A oposição indivíduo/ sociedade, tomada rigorosamente, é uma falácia. A oposição, a polaridade irredutível e inquebrável é a da psique e da sociedade. Ora a psique não é o indivíduo; a psique torna-se indivíduo unicamente na medida em 76 PEVSNER, Nikolaus. Dicionário Enciclopédico de Arquitetura. Rio de Janeiro: Artenova, 1976. p.172. (Tradução Nossa.) 77 GLOAG, John. Guide to Western Architecture. Londres: Spring Books, 1969. p.224. Tradução nossa. 80 Nós da Arquitetura que ela sofre um processo de socialização (sem o qual, aliás, nem ela nem o corpo que ela anima poderiam sobreviver sequer por um instante).”78 Também constatamos que, de forma grosseira, pode-se dizer que, embora manipulando a mesma matéria-prima – o comportamento humano –, sociologia e história diferem pela importância que concedem ao papel da individualidade no campo das ações humanas. A história se concentraria no indivíduo – Alexandre Magno, Átila, Napoleão – os capitalistas de origem calvinista, os burgueses, os suicidas. Discorrendo sobre as diferenças entre as duas disciplinas, Peter Burke chama atenção para o fato de que“... muitos historiadores rejeitavam a sociologia por ser demasiado científica, no sentido que era abstrata e reducionista e não levava em conta a singularidade dos indivíduos e dos fatos”79. Há também a conotação negativa atribuída ao individualismo em algumas concepções sociológicas, como certa interpretação do marxismo, na sua antítese à cosmovisão burguesa: ao individualismo burguês o marxismo antepõe o holismo. Neste sentido cito Wright, mencionando que: “A visão que o marxismo deve, sem embaraço, sujeitar-se aos padrões convencionais da ciência social e da filosofia analítica implica uma rejeição da tese de que o marxismo, como ciência social, possui uma metodologia distinta, que a diferencia radicalmente da ‘ciência social burguesa’.Tais pressupostos metodológicos implicam uma lista conhecida de contrastes: o marxismo é dialético, histórico, materialista, antipositivista e holista, enquanto que a teoria social burguesa 78 CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1962. p.57. 79 BURKE, Peter. Sociologia e história. Lisboa: Afrontamento, 1970. p.14. 81 Nós da Arquitetura é não-dialética, a-histórica, idealista, positivista e individualista.”80 Sobre uma interpretação marxista do fenômeno do individualismo, Bottomore apontou para alguns aspectos dignos de menção. Segundo Bottomore, Marx tem relativamente pouco a dizer sobre o micronível da interação humana, sobre a natureza do psiquismo humano, sobre as relações interpessoais, sobre as relações entre Estado e indivíduo e entre o público e o privado: “Como filosofia da história, então, o marxismo propõe uma teoria do desenvolvimento do indivíduo. Como ciência social, rejeita as explicações elaboradas em termos dos propósitos, atitudes e crenças individuais, preferindo considerá-las, elas próprias, como matéria a ser explicada. Por outro lado, como toda macroteoria, ela precisa de uma microteoria para trabalhar; mas não focaliza a atenção sobre detalhes dessa teoria.”81 Ainda na ótica de Bottomore, o marxismo, como visão da boa sociedade e da realização humana, postula – revelando ligações com o romantismo alemão – uma noção de individualidade polifacética e plenamente desenvolvida, que não pode ser medida por nenhum padrão predeterminado (embora só seja realizável sob condições de unidade social e de controle coletivo sobre a natureza). Deste modo, posso já mencionar a pluralidade dentro da própria visão do individualismo, ou seja, há várias compreensões acerca do que é individualismo. Citando alguns: O individualismo uti80 WRIGHT, Erik O.; LEVINE, Andrew; SOBER, Elliot.Reconstruindo o marxismo: ensaios sobre a explicação e teoria da história. Petrópolis: Vozes, 1993. p.22. 81 BOTTOMORE, Tom. A dictionary of Marxist thought. Cambridge: Harvard University Press, 1983. p.228. (Tradução Nossa.) 82 Nós da Arquitetura litarista (que propõe a visão de uma sociedade de átomos equivalentes movidos pela busca de seus interesses); O individualismo romântico (aquele dos indivíduos incomensuráveis, no qual cada um é insubstituível); O individualismo de mercado (que evoca o homem liberado de suas paixões e entrando numa nova comunidade moral formada pelo ‹doce comércio›, e deste modo um meio – o da ciência econômica – para melhor analisar seu comportamento); O individualismo ético (a consciência coletiva deve ser o tribunal supremo da validade das normas morais, e a avaliação das sociedades deve ser fundada exclusivamente sobre a felicidade e autonomia dos indivíduos ou sobre valores que não são objeto de cálculo deles); O individualismo sociológico denota a multiplicação e a diferenciação dos papéis sociais e a emancipação – ou tomada de distância – do ‹eu› em relação aos papéis que ‹detém› e, também, a tendência para o retiro para a ‹vida privada› em detrimento do ‹engajamento público›); O individualismo epistemológico faz do indivíduo um sujeito conhecedor separado de seu objeto – que ele tem que construir –, duvidando daquilo que a realidade lhe propõe, e procurando fundar as condições de um conhecimento verdadeiro. De modo geral e em sentido doutrinário, o individualismo é um sistema de convicções e preceitos para a ação, segundo o qual o indivíduo não está sempre e necessariamente subordinado aos interesses coletivos e, frequentemente, justifica a atitude oposta. Este sistema é identificado com a cosmovisão burguesa, a que já aludimos. Com efeito, mesmo antes do século XIX, “... o individualismo tinha tido uma longa história no pensamento burguês, tanto secular como religioso. Um dos efeitos da Ilustração sobre a cultura secular foi o desenvolvimento de um conceito de homem 83 Nós da Arquitetura como indivíduo racional ‹escravizado por algumas instituições e costumes que violavam os princípios estabelecidos pela razão›. A ignorância e o governo autoritário estavam unidos e ambos podiam ser der-. rubados mediante a difusão do conhecimento e da educação; uma vez superada a ignorância, o homem seria capaz de construir uma sociedade livre e igualitária baseada na razão.”82 É justamente como doutrina que o individualismo assume seu aspecto pejorativo já mencionado. O individualismo burguês é associado ao egoísmo e à falta de solidariedade: Régis Jolivet conceitua o individualismo como a “doutrina segundo a qual o indivíduo é a unidade social e não tem como múltiplos senão pluralidades de indivíduos justapostos por sua livre vontade. Doutrina segundo a qual o indivíduo não tem mais que direitos”83. No sentido metodológico, o vocábulo individualismo designa uma forma de abordagem dos fenômenos sociais, que procura explicá-los através do estudo dos indivíduos que constituem uma coletividade. Conforme Wright, “o individualismo metodológico é uma reivindicação sobre o caráter da explicação”84. Podemos arrolar uma série de argumentos favoráveis à adoção dessa abordagem. Boudon & Bourricauld, por exemplo, afirmam que “é verdade que explicar um fenômeno social consiste, em todos os casos, em remontar às ações 82 ABERCROMBIE, Nicholas; HILL, Stephen; TURNER, Bryan S. La tesis de la ideología dominante. México: Siglo Veintiuno, 1987. p.118. (Tradução Nossa.) 83 JOLIVET, Regis. Vocabulário de Filosofia. Rio de Janeiro: Agir, 1975. p.123. 84 Ibidem.WRIGHT, Erik O. ; LEVINE, Andrew ; SOBER, Elliot. p.190. (Tradução Nossa.) 84 Nós da Arquitetura individuais elementares que o compõem, tome esse fenômeno a forma, por exemplo, de um acontecimento, de um dado singular, de uma distribuição ou de uma regularidade estatística, ou em qualquer outra”85. Linton é outro cientista que destaca a dificuldade de abstrair o estudo do indivíduo do estudo da sociedade, “embora qualquer indivíduo particular seja raramente de grande importância para a sobrevivência e funcionamento da sociedade a que pertence ou da cultura que participa, o indivíduo, com suas necessidades e potencialidades, jaz na base de todos os fenômenos sociais e culturais”86. Deste modo, não se pode negligenciar o fato de sociedade e indivíduo terem a mesma matéria-prima, diferindo apenas no que diz respeito à quantidade e à combinação, ou seja, “as duas coordenadas cultura e sociedade se encontram no mesmo ponto zero: o indivíduo. O lugar que ocupa o indivíduo no tipo de mundo que descrevem os antropólogos é, evidentemente, de importância teórica fundamental”87. Temos, igualmente, a conhecida concepção de Max Weber que afirmou que: “... se finalmente me tornei sociólogo, o motivo principal é pôr fim a esses exercícios com bases em conceitos coletivos cujo espectro está sempre rondando. Em outras palavras: a sociologia também só pode ter origem nas ações de um, de alguns, ou de numerosos indivíduos distintos. É por isso 85 Ibidem. BOUDON, Philippe ; BOURRICAUD, François. p.1. (Tradução Nossa.) 86 LINTON, Ralph. Cultura e personalidade. São Paulo: Mestre Jou, 1973. p.19. 87 NADEL, S.F. Fundamentos de antropología social. México: Fondo de Cultura Econômica, 1985. p.106. (Tradução Nossa.) 85 Nós da Arquitetura que ela é obrigada a adotar métodos estritamente individualistas.”88 Assim, a partir das contribuições de Weber, constitui uma observação interessante aquela feita por Wright, ao referirse à plausibilidade de um “individualismo metodológico marxista”, como desenvolvimento da ideia segundo a qual “o que vale a pena ser levado a sério no pensamento marxista possa ser reconstruído segundo o modelo do individualismo metodológico”89. 88 Ibidem. WEBER, Max. p.1. (Tradução Nossa.) 89 Ibidem.WRIGHT, Erik O; LEVINE, Andrew; SOBER, Elliot.p.190. 86 Nós da Arquitetura 3. Individualismo na Arquitetura Dentro de uma perspectiva individualista, entretanto, pode-se considerar que “a própria sociedade existe apenas na medida em que é evidenciada e compreendida pelos indivíduos. O que determina o comportamento do indivíduo não são tanto influências sociais que o moldam diretamente e o manipulam como se fosse um fantoche, e sim sua interpretação e percepção dessas influências”90. A concepção que adotamos para este estudo é a que trata da coletividade de arquitetos como grupo de referência simultaneamente comparativo e normativo. Além da maioria formada por arquitetos anônimos, integram essa coletividade profissional arquitetos de êxito e renome, e estes podem ser considerados como modelo para aqueles que aspiram conquistar semelhante condição. Assim, no âmbito de uma teorização sociológica, cabe estudar as circunstâncias nas quais as atitudes peculiares aos arquitetos de renome servem de referência para os demais integrantes do grupo. Desenvolvendo esta ideia constatamos, na pesquisa exploratória antes aludida, que o imaginário da profissão na arquitetura tem um componente essencial: a noção de que essa é uma atividade de criação. Procurando sintetizar a manifestação dessa autoimagem, Eugene Raskin explica que: “No que diz respeito ao arquiteto, arquitetura é acima de tudo um processo criativo. Ele tem uma ideia em sua mente, um efeito, uma emoção, podemos dizer, que ele quer expressar em termos de estrutura. Sua intenção de avançar além da mera utilidade para expressar algo com um maior significado humano é 90 BERRY, David. Ideias centrais em sociologia. Uma introdução. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. p.29. 87 Nós da Arquitetura arquitetura, para ele, a despeito do êxito ou malogro de sua consumação. Para o arquiteto, em síntese, arquitetura é um assunto subjetivo, que depende de seu propósito. O elemento propósito, assim sendo, deve encontrar seu lugar em nossa definição de arquitetura.”91 É fácil verificar que a profissão do arquiteto, ao implicar a transformação intencional da matéria e do ambiente, exige criatividade. E a criatividade é uma qualidade valorizada na cultura ocidental moderna. A atividade de criação aqui referida – que combina espontaneidade com expressão da personalidade – é a conceituada na cultura ocidental a partir do século XV, como resultado do processo de emancipação do artista: “a espontaneidade do indivíduo é a grande experiência, o conceito de genialidade e o ideal da obra de arte como expressão da personalidade genial, a grande descoberta do Renascimento”92. É interessante observar que, de modo mais manifesto, o individualismo se integra à personalidade do profissional da arquitetura justamente no Renascimento, quando o incipiente capitalismo italiano começa a configurar a cultura da época, com ênfase na cultura artística. Como sintetiza Elias Cornell, “já na época de Brunelleschi se dão feitos que rapidamente transformam hábitos de construção no seu oposto. A arte de construir é atribuída a indivíduos individualistas”93. Podemos identificar, no pensamento humanista dos séculos XV e XVI, o embrião daquilo que hoje denominamos pensamento 91 RASKIN, Eugene. Architecturally speaking. Nova York: Reinhold, 1954. p.89. (Tradução Nossa.) 92 HAUSER, Arnold. A arte e a sociedade. Lisboa: Presença, 1984. p.50. 93 CORNELL, Elias. A expressão arquitetônica da contradição entre a cidade e o campo no capitalismo pré-industrial. In: Arquitetura e conhecimento, n 3. Brasília: Alva, 1996. p.93. 88 Nós da Arquitetura moderno, por oposição ao pensamento medieval e arcaico. E, no que concerne ao tema destas notas, é sugestivo informar que igualmente encontramos no século XV, nos termos enunciados por Leone Battista Alberti, o conceito ideal-típico do arquiteto criador por excelência. Efetivamente, Alberti, no prólogo de seu De Re Aedificatoria, texto instaurador da literatura temática da arquitetura, estabeleceu um sintético “perfil” do profissional a que designa como arquiteto: “Mas antes de prosseguir, entretanto, devo explicar exatamente a quem me refiro como arquiteto: pois não será um carpinteiro que eu equipararei aos mais capacitados mestres em outras ciências; o carpinteiro nada mais é que um instrumento nas mãos do arquiteto. Chamarei de arquiteto aquele que, através de acurados e maravilhosos razão e método, é capaz, com o pensamento e a invenção, de conceber e, com execução, de realizar todas estas obras as quais, por intermédio do movimento de grandes massas, e da conjunção e reunião dos corpos, podem, com a maior beleza, se adaptar ao uso do gênero humano; e, para estar apto a fazê-lo, ele deverá ter um pleno conhecimento das mais nobres e mais curiosas ciências. Assim deve ser o arquiteto.”94 Este texto não requer exegese, pois expressa claramente o que nosso autor pretende dizer. Um profissional dotado dos atributos que Alberti visualiza no seu arquiteto seria, na sua capacidade criativa, para todos os efeitos, infalível, e digno de inveja e êmulo para os colegas. E, como enfatiza Alberti, em nada comparável a pedreiros ou carpinteiros. Como enunciei acima, encontramos também no discurso dos 94 ALBERTI, Leon Battista. L’Architettura. Edited by Giovanni Orlandi: Il Polifilo, 1966. p.3. (Tradução Nossa.) 89 Nós da Arquitetura humanistas uma primeira ideia do pensamento moderno, a separação entre dois reinos ontológicos: o mundo natural, objeto de contemplação e transformação pelo homem, e o mundo humano, que consiste em um conjunto de liberdades individuais, destinadas a construir, com sua ação, seu próprio mundo. Como resume Luis Villoro, “essa ideia entranha a ideia do homem como indivíduo inamovível. Um dos rasgos do pensamento moderno será, desde então, esse individualismo”95. Assim, é moeda corrente nas teorias estéticas ocidentais a noção de que o ato de criação – seja da obra de arte, seja de um aperfeiçoamento na cultura material – é um ato individual. Daí decorre a problemática de encontrar o vínculo entre o indivíduo criador e o meio social onde se insere; Arnold Hauser reconhece-o quando observa que “o indivíduo e a coletividade interpenetram-se de tantas maneiras e tão confusamente na produção artística, que as suas relações são impossíveis de exprimir sob a forma de um dualismo simples”96. Mas encontrar esse vínculo é uma necessidade da teoria sociológica, mormente em se tratando da sociologia do conhecimento: Karl Mannheim desenvolvendo o tema, diz-nos que: “Não há a menor dúvida de que só o indivíduo é capaz de pensar. Não existe esta entidade metafísica denominada espírito grupal, que pensa acima das cabeças dos indivíduos, ou cujas ideias estes se limitam a produzir. Mas nem por isso se deve concluir que todas as ideias e sentimentos que motivam a conduta de um indivíduo tenham exclusivamente nele 95 VILLORO, Luis. El pensamiento moderno. Filosofía del Renacimiento. México: Fondo de Cultura Econômica, 1992. p.34. (Tradução Nossa.) 96 Ibidem. HAUSER, Arnold. p.45. 90 Nós da Arquitetura suas origens e possam ser adequadamente explicadas apenas à luz da sua própria.”97 Uma ampla discussão do assunto encontra também um obstáculo nos conceitos e hábitos individualistas imperantes nos meios de arquitetos e artistas em geral. Em muitos de nós existe o conceito de que a arquitetura é uma questão de talento individual exclusivamente. Persegue-se a originalidade a todo custo, a criação de formas novas passa a ser um objetivo em si. Ser diferente dos demais e, se fosse possível, inventar uma nova arquitetura. Este estado de espírito que, voltando as costas a toda história, vê na arquitetura uma arte individual, traduz-se em teorias mais ou menos coerentes, baseadas na noção da arte pela arte. Não faltam os que defendem a tese de que a arquitetura e as outras artes, na sua essência, naquilo que as diferencia das outras atividades, independem dos fatores sociais, históricos e ideológicos. Essa posição estética conduz na prática muitos artistas, arquitetos inclusive, a desprezarem o estudo da realidade social e cultural do meio. 97 Ibidem. MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. Porto Alegre: Globo, 1952. p.2. 91 Nós da Arquitetura 4. Imaginário na Arquitetura O comportamento humano visado pela sociologia é, por definição, o comportamento peculiar aos grupos, mais que o comportamento peculiar ao indivíduo. Contudo, é fácil verificar que a perspectiva holista da sociologia não é suficiente para explicar todos os fenômenos relativos aos comportamentos sociais, e isto não deve ser interpretado sinal de inutilidade. Há situações que requerem uma abordagem dentro da perspectiva individualista, e o tema do imaginário de algumas profissões, como é o caso da profissão do arquiteto, recomendam este gênero de análise. Uma hipotética análise sociológica da produção da arquitetura erudita, por exemplo, será incompleta se descartarmos o ponto de vista conhecido como individualismo metodológico – nos termos definidos por Wright –, já que atitudes de indivíduos isolados nesse contexto exercem um papel normativo no âmbito do grupo de referência formado pelos que exercem a atividade. Os arquitetos constituem um grupo com características que o diferenciam de outros grupos, e essas características têm uma visível universalidade dentro do grupo. Uma dessas características é a consciência, manifesta na literatura temática, de que há um papel do arquiteto na sociedade. A consciência desse papel, como acontece em tantos outros contextos, condiciona a conduta do arquiteto e as expectativas que os outros têm sobre seu trabalho: assim, na síntese de Ralf Dahrendorf, “o que reaviva a estrutura das posições sociais é o comportamento ligado aos papéis. Em virtude de ser alguém, fazemos certas coisas; mais precisamente, nossa posição social não só nos situa num campo com outras posições, mas também concedem aos outros indivíduos expectativas mais ou menos específicas a nosso 92 Nós da Arquitetura respeito”98. Ao mesmo tempo, a consciência do papel social o insere no mundo social, que assim se torna objetivo. O papel social do arquiteto é algo que diz respeito à competência que ele alega e quase sempre demonstra possuir, e diz respeito à concordância da sociedade quanto à consistência da pretensão. Numa sociedade desenvolvida, essa concordância é uma decorrência da inevitabilidade da divisão do trabalho. Giddens resume essa relação ao referir-se, como já vimos em item anterior, na confiança que tanto o arquiteto quanto o construtor recebem do cliente que lhes contrata os serviços, mercê da competência que é atribuída àqueles que têm o conhecimento perito99. Ora, para o arquiteto – como para qualquer profissional de um campo disciplinar complexo e incomum –, é importante ter certeza de que o julgarão detentor de um conhecimento que o qualifica como um especialista, e dessa forma está exercendo com qualidade e unicidade o seu papel social. Aquela autonomia concedida a Mansart não se configuraria se esse arquiteto não tivesse sua competência reconhecida; o “conhecimento perito” referido por Giddens é a base da autoridade de quem reivindica liberdade de ação. Assim sendo, podemos dizer que, como desenvolvemos até então, o papel social do arquiteto é o elemento-chave para a explicação da persistência do individualismo no imaginário da profissão; aliás, como afirma Dahrendorf descobrir os papéis sociais é o objeto da sociologia: “No ponto de intersecção entre indivíduo e sociedade encontra-se o ‘homo sociologicus’, o homem enquanto portador de papéis sociais pré-formados. O indivíduo 98 DAHRENDORF, Ralf. Ensaios de teoria da sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. p.109. 99 GIDDENS, Anthony. Consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991. p.35. 93 Nós da Arquitetura é constituído por seus papéis sociais, mas estes são por sua vez o fato ‹irritante› da sociedade. Para a solução de seus problemas, a sociologia necessita sempre da referência aos papéis sociais como elementos de análise; seu objeto consiste no descobrimento dos papéis sociais.”100 O tema da importância social do indivíduo devolve à cena a questão da mentalidade burguesa, já discutida. Romero observa que: “Se supõe que o indivíduo tem um destino distinto que servir à sociedade. Em uma sociedade coerente, em que as estruturas oferecem ao indivíduo uma série de caminhos que este reconhece como legítimos, o serviço da sociedade aparecia sempre, na mentalidade burguesa, justificação suficiente para a existência. O serviço implicava transcedência na medida em que se fazia para alguém considerado mais valioso que o indivíduo.”101 O individualismo romântico, que subjaz no imaginário da profissão da arquitetura, vincula-se ao papel social atribuído ao arquiteto modernista. Por outro lado, aqueles “fatores sociológicos que introduzem complicações”, mencionados por Ehrenzeig, são indicadores do compromisso do arquiteto com a relevância social102. Os edifícios são elementos da cultura material que transcendem ao plano utilitário de sua ocupação: eles carregam, em maior ou menor intensidade, conteúdos expressivos com os quais a coletividade pode 100 Ibidem. DAHRENDORF, Ralf. p.41-42. 101 ROMERO, José Luis. Estudio de la mentalidad burguesa. Madri: Alianza Editorial, 1987. p.153. (Tradução Nossa.) 102 EHRENZEIG, Anton. A ordem oculta da arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1969. 94 Nós da Arquitetura se identificar. Num momento inspirado, Eugene Raskin escreveu que “quando o arquiteto coloca seu lápis sobre o papel, ele está fazendo mais que projetar um edifício. Ele está descrevendo sua sociedade para si mesmo e para o futuro”103. Com efeito, há mais que uma mera descrição nesse processo: há, igualmente, uma operação hermenêutica, há uma interpretação da sociedade, do sistema de valores e símbolos, e do contexto onde a mesma está inserida. Tais descrições e interpretações, naturalmente, serão marcadas pela ótica de quem as elabora, que não será, necessariamente, a mesma adotada pelos demais componentes do grupo; mas, também, não será, necessariamente, um ponto de vista que não possa ser compartilhado. Estas alternativas constituem o território para análises sociológicas interessantes quando se trata de certas profissões, como a do arquiteto. Ao falarmos nesse aspecto hermenêutico do projeto – que poderíamos estender outras modalidades de criações artísticas – aludimos à concepção de Berry, segundo a qual “a interpretação é produzida pelo indivíduo e não pela sociedade, embora coações sociais ainda estejam operando sobre o mesmo. Todavia, na perspectiva individualista, não se trata apenas de que o indivíduo age de acordo com a sua definição da situação. Em suas ações, ele procura influir no modo pelo qual outras pessoas interpretam e definem os acontecimentos”104. Este papel hermenêutico é explicitamente reivindicado nos manifestos pela universalização da concepção modernista na arquitetura do século XX. A tarefa de criador, que se confere aos artistas e arquitetos, implica reconhecer a 103 RASKIN, Eugene. Architecture and People. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1974. p.5. (Tradução Nossa.) 104 BERRY, David. Ideias centrais em sociologia. Uma introdução. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. p.30. 95 Nós da Arquitetura importância da individualidade no processo de invenção: Acerca deste tema, Linton nos esclarece que: “Como simples unidade no organismo social, o indivíduo perpetua o status quo. Como indivíduo, ajuda a mudar o status quo, quando a necessidade surge. Uma vez que nenhum ambiente social é jamais completamente estático, nenhuma sociedade pode sobreviver sem o inventor ocasional e sua habilidade de encontrar soluções para novos problemas”.105 Do indivíduo criador, ou da coletividade de indivíduos criadores, se esperam atos que impliquem o acréscimo, a realização da diferença, “a ação depende da capacidade do indivíduo de criar uma diferença em relação do estado de coisas ou curso de eventos preexistente. Um agente deixa de o ser se perde essa capacidade para criar uma diferença, isto é, para exercer alguma espécie de poder”106. Há outras maneiras de enunciar este elemento de diferenciação do indivíduo que se sobressai no grupo. Bertrand Russel, por exemplo, nota que “são muitas as maneiras pelas quais o indivíduo chega a diferir da generalidade dos membros de sua comunidade. Pode ser excepcionalmente anárquico ou criminal, pode estar dotado de raro talento artístico, pode ter o que, com o tempo, chegue a ser reconhecido como uma nova concepção religiosa ou moral, e pode ser sido favorecido com uma capacidade intelectual extraordinária”107. Cabe antes de tudo, registrar uma consideração pertinente 105 LINTON, Ralph. Cultura e personalidade. São Paulo: Mestre Jou, 1973. p.34. 106 GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p.11. 107 RUSSEL, Bertrand. Autoridad y individuo. México: Fondo de Cultura Econômica, 1992. p.45. 96 Nós da Arquitetura na questão do individualismo feita por Castoriadis, quando coloca que: “Um individualismo metodológico seria, por oposição a um individualismo substancialista ou ontológico, um procedimento que – como faz o faz explicitamente Weber – se recusa a fazer perguntas do tipo: O que vem ‘primeiro’, o indivíduo ou a sociedade? A sociedade produz os indivíduos ou então os indivíduos produzem a sociedade? E afirma que a estas questões ‘ontológicas’ não somos obrigados a responder, pois a única coisa que nos é eventualmente compreensível é o comportamento do indivíduo efetivo ou ideal-típico – sendo esse comportamento tanto mais compreensível quanto é racional pelo menos instrumentalmente racional. Mas o que é um indivíduo efetivo – e o que é racionalidade efetiva.”108 108 CASTORIADIS, Cornelius. As encruzilhadas do labirinto III: O mundo fragmentado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p.57. 97 Nós da Arquitetura 5. Conclusões: O Individualismo como Genialidade na Arquitetura A racionalidade de que trata o presente texto é aquela que, salvo indicação em contrário, figura no âmbito discursivo da profissão do arquiteto, e que serve de suporte para enunciados que, mesmo não o reconhecendo, são derivações do substrato ideológico da atividade. Para o indivíduo que cria a diferença, ou que se vê como capaz de fazê-lo, ou que espera ser reconhecido como alguém apto a fazê-lo, marcar sua própria individualidade, ainda que romanticamente, é um recurso de sobrevivência. Sem exagero, podemos afirmar que na arquitetura, como em outros campos que exigem criatividade, o modelo por excelência do arquiteto é o gênio. O gênio é sempre uma individualidade. O uso deste conceito na caracterização de artistas provém, como nota Erwin Panofsky da revolução cultural ocorrida nos séculos XV e XVI: “A teoria da arte do Renascimento, vinculando a produção da Ideia à visão da natureza, e situando-a doravante numa região que, sem ser ainda a da psicologia individualista, já não era a da metafísica, dava o primeiro passo em direção ao reconhecimento daquilo que nos habituamos a chamar de ‘Gênio’. Aliás, os pensadores do Pré-Renascimento desde o início havia pressuposto, em face da realidade do objeto de arte, a realidade subjetiva do artista...”109 O conceito de gênio é útil para fins de explicarmos o caráter normativo dos grupos de referência. A essa circunstância se aplica, mutatis mutandi, a observação de Merton sobre a 109 PANOFSKY, Erwin. Idea: a evolução do conceito do belo. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p.67. 98 Nós da Arquitetura abordagem teórica do papel do gênio no campo da ciência, enfatizando que: “Ao conceber o gênio científico como um indivíduo que representa por si só o equivalente funcional a uma quantidade e uma variedade de talento frequentemente menor, a teoria sustenta que o gênio desempenha um papel destacado no avanço da ciência e às vezes também, pela excessiva autoridade que lhes atribui, trava seu ulterior desenvolvimento.”110 Isto pode ser confirmado no emotivo depoimento de Reyner Banham, autor de diversas obras sobre a arquitetura do século XX, quando mencionou que: “.. into-me comprometido para sempre com os mestres do movimento moderno. Tive a grande felicidade de entrar em contato com quase todos eles – Le Corbusier, Frank Lloyd Wright, Walter Gropius, Richard Neutra, Mies van der Rohe – e para mim, assim como para três gerações de arquitetos, se converteram em uma espécie de pais que infundiam temor e suspicácia, afeto, respeito e o sofrimento lógico derivado das diferenças entre gerações. Agora, quando todos eles já morreram, se experimentam quase inevitavelmente alguns sentimentos de liberação e de perda a um mesmo tempo. Enquanto estavam vivos vinham a ser os tiranos do movimento moderno que monopolizavam para si toda a atenção e impediam o reconhecimento de outros talentos – nem sempre de inferior qualidade.”111 110 MERTON, Robert King. Sociología de la ciencia. Madri: Alianza Universidad, 1977. p.476. (Tradução Nossa.) 111 BANHAM, Reyner Guía de la arquitectura moderna. Barcelona: Blume, 1979. p.1. Tradução nossa. 99 Nós da Arquitetura Os arquitetos que se arvoram na condição porta-vozes de uma nova doutrina e, nesta condição, de membros de grupos de referência, podem não estar conscientes do papel que representam no cenário da cultura da profissão? Este papel não pode ser exercido fora do quadro do individualismo. No modo de verem a si próprios, os arquitetos não entendem esse individualismo como forma de alienação, mas como modalidade de incorporação com a sociedade; na verdade, essa incorporação é a conceituada por Durkheim quando nos fala da solidariedade orgânica, no seu estudo acerca da “divisão do trabalho social”. Neste contexto, Boudon e Bourricaud observaram que, para Durkheim, “o individualismo não contradiz o acordo e a cooperação: chega a ser uma condição para que ocorram”112. Concluindo o presente estudo, podemos dizer que a incorporação à sociedade através do individualismo é a mesma modalidade de incorporação de que nos fala Agnes Heller: “Com efeito, a individualidade humana não é simplesmente uma ‘singularidade’. Todo homem é singular, individualmente, e, ao mesmo tempo, ente humano-genérico. Sua atividade é, sempre e simultaneamente, individual-particular e humano-genérica. Em outras palavras: o ente singular humano sempre atua segundo seus instintos e necessidades, socialmente formados, mas referidos ao seu Eu, e, a partir dessa perspectiva, percebe, interroga e dá respostas à realidade; mas, ao mesmo tempo, atua como membro do gênero humano e seus sentimentos e necessidades possuem caráter humano-genérico.”113 112 113 Ibidem. BOUDON, Philippe et BOURRICAUD, François. p.83. HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p.80. 100 Bibliografia ABERCROMBIE, Nicholas; HILL, Stephen; TURNER, Bryan S. La Tesis de la Ideología Dominante. México: Siglo Veintiuno, 1987. ABREU E LIMA, Fellipe de Andrade. A Obra e o Tratado de Arquitetura de Giacomo Barozzi da Vignola. Recife: Bagaço, 2005. ________. Arquitetura e Cidade na Tratadística do Renascimento Italiano. Dissertação (Mestrado) – MDU/ UFPE. Recife, 2007. ________. A Tratadística do Renascimento Italiano – 1452. São Paulo: Editora FAUUSP, 2009. Ackerman, James. Distance Points: Essays in Theory and Renaissance Art and Architecture. CambridgeMassachussets e Londres-Inglaterra: MIT Press, 1991. ALBERTI, Leon Battista. On the Art of Building in Ten Books.(Trad.Joseph Rykwert; Neil Leach e Robert Tavenor.).Cambridge-Massachussets e Londres-Inglaterra: MIT Press,1988. ________. L’Architettura. (Trad. Giovanni Orlandi. Introd. e notas Paolo Portoguesi.) Milão: Edizioni Il Polifilo. 1989. ________. Da Pintura. São Paulo: Ed. da UNICAMP, 1999. ARGAN, Giulio Carlo. Clássico Anticlássico. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. ________. Imagem e Persuasão. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. ARISTÓTELES. Os Pensadores.São Paulo: Nova Cultural. 1997. ARUNDEL, Honor. La Libertad en el Arte. México: Grijalbo, 1967. BANHAM, Reyner. Guía de la Arquitectura Moderna. Barcelona: Blume, 1979. BARBARO, Daniele. I Dieci Libri della Architettura. 1567. Cremona: Edizioni Il Polifilo, 1997. (Ed. Fac-Simili.) BENEVOLO, Leonardo. Storia dell’Architettura del Rinascimento. Bari: Laterza, 2002. ________. Historia de la Arquitectura del Renacimiento. Barcelona: Gustavo Gili, 1984. ________. A Cidade e o Arquiteto. São Paulo: Perspectiva, 1984. ________. História da Cidade. São Paulo: Perspectiva, 2003. BERRY, David. Ideias Centrais em Sociologia. Uma Introdução. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. BLUNT, Anthony. François Mansart and the Origins of French Classical Architecture.Londres: Penguin Books, 1941. BOADA, Luis. O Espaço Recriado. São Paulo: Nobel, 1991. BONNEL, Carmen. La Divina Proporción. Las Formas Geométricas. Barcelona: Edicions de la Universitat Politècnica de Catalunya, 1999. BORSI, Franco. Leon Battista Alberti: The complete works. Oxford: Phaidon, 1977. BOTTOMORE, Tom. A Dictionary of Marxist Thought. Cambridge: Harvard University Press, 1983. BOUDON, Philippe et BOURRICAUD, François. Dicionário Crítico de Sociologia. São Paulo: Ática, 1993. BROWN, P. Fortini. The Perfect House:Palladio’s Domestic Architecture. In: New York Times, 22/set./2002. BURKE, Peter. Uma História Social do Conhecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. ________. O Renascimento Italiano. Cultura e Sociedade na Itália. São Paulo: Nova Alexandria, 1999. ________. Sociologia e História. Lisboa: Afrontamento, 1970. CANEVACCI, Massimo. Dialética do Indivíduo. São Paulo: Brasiliense, 1981. CARPO, Mario. Alberti, Rafaelli, Serlio and Camillo: Metodo ed ordini della teoria architettonica dei primi moderni. Geneve: Librarie Dioz, 1993. ________. Teoria ed Evangelismo nello Straordinario Libro di Sebastiano Serlio. Milão: Jaca Book, 2004. ________. The Architectural Principles of Temperate Classicism.Merchant dwellings in Sebastiano Serlio’s Sixth Book.In: Res 22, 1992. ________. Architettura nell’Età della Stampa. Milão: Jaca Book, 2000. CASSIRER, Ernst. Individuo y Cosmos en la Filosofía del Renacimiento. Buenos Aires: Emecé, 1951. ________. Renaissance Philosoph of Man. Chicago: University Press, 1948. CASTORIADIS, Cornelius. As Encruzilhadas do Labirinto III: O mundo fragmentado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. ________. A Instituição Imaginária da Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1962. CHOAY, Françoise. A Regra e o Modelo.São Paulo: Perspectiva, 1985. ________. Alberti: The Invention of Monumentality and Memory. In: Harvard Architecture Magazine, p.99-105. COLONNA, Francesco. Hypnerotomachia Poliphili. Milão: Adelphi Edizioni, 2004. COLQUHOUM, Alan. Modernidade e Tradição Clássica. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. CORNELL, Elias. A expressão arquitetônica da contradição entre a cidade e o campo no capitalismo préindustrial. In: Arquitetura e Conhecimento, n. 3. Brasília: Alva, 1996. CUFF, Dana. Architecture: The story of practice. Cambridge: The MIT Press, 1993. CURTI, Mario. La proporzione. Storia di un’idea da Pitagora a Le Corbusier.Luca:L’Accademia Nazionale di San Luca, 2007. D’AGOSTINO, Mário H. Geometrias Simbólicas da Arquitetura. São Paulo: Hucitec, 2006. DAHRENDORF, Ralf. Ensaios de Teoria da Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento. Lisboa: Imprensa Universitária/ Editorial Estampa, 1984. DI TEODORO, Francesco Paolo. La Lettera di Raffaello e Baldassar Castiglione ai Papa Leone X sulle Rovine di Roma. Bolonha: NuovaAIfa, 1996. DOCZI, Gyorgy. O Poder dos Limites. Harmonias e Proporções na Natureza, Arte & Arquitetura. São Paulo: Mercuryo, 2003. D’ORS, Eugenio. Las Ideas y las Formas. Madri: Aguilar, 1966. DUMONT, Louis. O Individualismo. Uma Perspectiva Antropológica da Ideologia Moderna. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. ________. Homo Hierarquicus. O Sistema de Castas e suas Implicações. São Paulo: Edusp, 1992. DURANT, Will. A Renascença. História da Civilização na Itália. São Paulo/Rio de Janeiro: Record, 2002. ________. A Reforma. São Paulo/Rio de Janeiro: Record, 2002. DURKHEIM, Émile. A Divisão do Trabalho Social. Lisboa: Presença, 1984. EHRENZEIG, Anton. A Ordem Oculta da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1969. FILARETE.Filarete’s Treatise on Architecture. New Haven e Londres: Yale University Press, 1965. ________. Trattato di Architettura. A Cura di Anna Finoli e Liliana Grassi. Milão: Edizioni il Polifilo, 1972. FOSTER, Kurt W. The Palazzo Rucellai and Questions of Typology in the Development of Renaissance Buildings. In: Art Bulletin, v. 63,1976, p. 109-113. GARCIA MORENTE, Manuel. Fundamentos de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1980. GILES, Thomas Ranson. Estado, Poder, Ideologia. São Paulo: EPU, 1985. GIDDENS, Anthony. A Constituição da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1989. ________. Consequências da Modernidade. São Paulo: Unesp, 1991. GLOAG, John. Guide to Western Architecture. Londres: Spring Books, 1969. GOMBRICH, Eric. L’Art et son Histoire. Paris: René Juliard, 1967. GRAFTON, Anthony. Defenders of the Text. The Traditions of Scholarship in an Age of Science, 14501800. Cambridge-Massachussets e Londres-Inglaterra: Harvard University Press, 1991. ________. Leon Battista Alberti. Master Builder of the Renaissance. Cambridge-Massachussets e LondresInglaterra: Harvard University Press, 2000. GRAYSON, Cecil. The Humanism of Alberti. In: Italian Studies, XII (1957), p.37-56. ________. The Composition of Alberti’s Decem libri De re Aedificatoria. In: Munchen Jahrburch der Bildender Kunst, v.11 1960, v.12, p.152-161. GRASSI, Giorgio. La Arquitectura como Ofício y Otros Escritos. Barcelona: Gustavo Gili, 1980. HALE, John. La Civilisation de L’Europe à la Renaissance. Sarthe-France: Éditions Perrin, 2003. HART, Vaughan. Paper Paleces.The Rise of the Renaissance Architectural Treatise. New Haven e Londres: Yale University Press. 1998. ________. Decorum and the Five Orders of Architecture. Sebastiano Serlio’s Military City. In: Res34, 1998. HAUSER, Arnold. A Arte e a Sociedade. Lisboa: Presença, 1984. HEGEL. G.W.F. Cursos de Estética. São Paulo: Edusp, 2000. HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. HEYDENREICH, Ludwig. Arquitetura na Itália 14001500. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. HIBBERT, Christopher. Ascensão e Queda da Casa dos Medici. O Renascimento em Florença. São Paulo: Companhia das Letras, 1974. JACOBS, David. Architecture. Nova York: Newsweek Books, 1974. JOHNSON, Paul. O Renascimento. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. JOLIVET, Regis. Vocabulário de Filosofia. Rio de Janeiro: Agir, 1975. KANT, Immanuel. Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1997. ________. Crítica da Faculdade do Juízo. São Paulo: Forense, 1993. KEMP, Martin. The Science of Art. New Haven e Londres: Yale University Press. 1990. Koyre, Alexandre. Estudos Galilaicos. Lisboa: Dom Quixote, 1986. ________. Do Mundo Fechado ao Universo Infinito. Rio de Janeiro: Forense, 1979. KOPP, A. Quando o Moderno não era um Estilo e sim uma Causa. São Paulo: Nobel-Edusp, 1990. KRAUTHEIMER, R. Alberti and Vitruvius. In: Studies in Early Christian, Medieval and Renaissance Art. Nova York: 1969. KRUFT, Hanno Walter. A History of Architectural Theory: From Vitruvius to the Present. NovaYork: Princeton Architectural Press, 1994. KULTERMANN, Udo. Alberti’s S. Andrea in Mantua. Pantheon, v. 42, n. 2, p. 107-113. LEHMANN, Phyllis Williams. Alberti and Antiquity. Additional Observations. In: Art Bulletin, v. 70, n. 3, Set./ 1988, p. 388-400. LAMAS, José M. R. Garcia. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian/ Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1990. LANG, S.The Ideal City.From Plato to Howard. In: The Architectural Review, Ago./ 1952. ________. Sforzinda, Filarete and Filelfo. In: Journal of the Warburg and Courtald Institues, 35, 1972. LINTON, Ralph. Cultura e Personalidade. São Paulo: Mestre Jou, 1973. LOEWEN, Andrea Buchidid. A Concepção de Cidade em Leon Battista Alberti. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Campinas, 1999. ________. Lux pulchritudinis: Sobre a beleza e ornamento em Leon Battista Alberti. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – FAUUSP. São Paulo, 2007. LOTZ, Wolfgang. Studies in Italian Renaissance Architecture. Cambridge: MIT Press, 1977. ________. Arquitetura na Itália, 1500-1600. New Haven: Yale University Press. LONDI, Emillio. Leone Battista Alberti: Architetto. Firenze: Alfani e Venturi, 1906. LOWIC, Lawrence. The Meaning and Significance of the Human Analogy in the Francesco di Giorgio’s Trattato. In: Journal of the Society of Architectural Historians, XLII, 4, 1983. MANCINI, Girolamo. Vita di Leon Battista Alberti. Berlim: Elibron Classics, 1999. MANNHEIM, Karl.Ideologia e Utopia. Porto Alegre: Globo, 1952. MARCH, Lionel. Architectonics of Humanism. Londres: Academy Editions, 1998. MARTINI, Francesco di G. Trattati di Architettura, Ingegneria e Arte Militare. Milão: Ed. Il Polifilo, 1967. MERTON, Robert King. Sociología de la Ciencia. Madri: Alianza Universidad, 1977. MUMFORD, Lewis. A Cidade na História. São Paulo: Martins Fontes, 1998. MURRAY, Peter. L’Architettura del Rinascimento Italiano. Roma: Laterza, 2002. ________. Renaissance Architecture. Nova York: Harry Abrams, 1971. NADEL, S.F. Fundamentos de Antropología Social. México: Fondo de Cultura Econômica, 1985. NIEMEYER, Oscar. A Forma na Arquitetura. Rio de Janeiro: Avenir, 1978. ONIANS, John. Alberti and ΦΙΛΑΡΕΤΗ.A Study in Their Sources. In: Journal of the Warburg and Courtald Institues, 34, 1971. PANOFSKY, Erwin. Idea: A Evolução do Conceito do Belo. São Paulo: Martins Fontes, 1994. ________. Arquitetura Gótica e Escolástica. São Paulo: Martins Fontes, 1991. PALLADIO, Andrea. I Quattro Libri della Arquitettura. Veneza: Marco Antonio Broggiolo, 1570. ________. Delli Cinque Ordini di Architettura di Andrea Palladio Vicentino. Veneza: Appresso Angiolo Pasinelli, 1746. ________. Atlante delle Architetture. Veneza: Centro Internalionale di Studi di Architettura Andrea Palladio, 2002. (Libro e CD.) PAYNE, A.The Architectural Treatise in the Italian Renaissance.Cambridge: Cambridge University Press, 1999. PEVSNER, Nikolaus. Panorama da Arquitetura Ocidental. São Paulo: Martins Fontes, 2002. ________. Dicionário Enciclopédico de Arquitetura. Rio de Janeiro: Artenova, 1976. ________ et alii. Dizionario di Architettura. Torino: Giulio Einaudi Editori, 1992. PLATÃO. A República. Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1997. POPPER, Karl. A Lógica da Pesquisa Científica.São Paulo: Pensamento-Cultrix, 2001. PULS, Maurício Mattos. Arquitetura e Filosofia. São Paulo: Annablume, 2006. QUEIROZ, Teresa Aline Pereira. O Renascimento. São Paulo: Edusp, 1995. RASKIN, Eugene. Architecture and People. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1974. ________. Architecturally Speaking. Nova York: Reinhold, 1954. READ, Herbert. As Origens da Forma na Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. ROCHA-PEIXOTO. Reflexos das Luzes na Terra do Sol. Sobre a Teoria da Arquitetura no Brasil da Independência 1808-1831. São Paulo: Pro Editores, 2000. ROMERO, José Luis. Estudio de la Mentalidad Burguesa. Madri: Alianza Editorial, 1987. ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995. ROSSI, Paolo. O Nascimento da Ciência Moderna na Europa. Bauru: Ed. Sagrado Coração,2001. RUSSEL, Bertrand. Autoridad y Individuo. México: Fondo de Cultura Econômica, 1992. RUTHERFORD, Ward. Pitágoras. São Paulo: Mercuryo 1991. RYKWERT, Joseph. The Dancing Column: On Order in Architecture. Cambridge-Massachussets e LondresInglaterra: MIT Press, 2005. ________. A Sedução do Lugar. São Paulo: Martins Fontes, 2005. SAALMAN, Howard. Early Renaissance Architectural Theory and Practice in Antonio Filarete’s Trattato di Architettura. In: The Art Bulletin, 41, p.89-106. SANTANIELLO, A. E. Sebastiano Serlio and the Book of Architecture.Nova York, 1970. SCOTT, Geoffrey. Arquitectura del Humanismo. Barcelona: Barral, 1970. p.159. SERLIO, Sebastiano. On Architecture: Books I-V and VI-VII of Tutte L’Opere d’Architettura et prospective. (Trand.Vaughan Hart and Peter Hick.) New Haven: Yale University Press, 1996. ________. The Five Books on Architecture. Nova York: Dover Publications, 1986. ________. Architettura Civile. Milão: Il Polifilo, 1976. SICHEL, Edith. O Renascimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977. Silva, Elvan. A Forma e a Fórmula.Porto Alegre: Sagra, 1991. ________. Matrizes do Discurso Doutrinário na Arquitetura. Uma Revisão Concisa. Curitiba: Ed. Universitária Champagnat, 2005. SOUZA, Maria Luiza Zanatta de. Carta de Rafael Sanzio – Castiglione ao Papa Leão X e sua importância para o estudo da arquitetura e do urbanismo do período do Renascimento. Dissertação (Mestrado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – FAUUSP. São Paulo: 2006. SUMMERSON, John. A Linguagem Clássica da Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2002. SUTTON, Ian. Western Architecture.A Survey. Londres: Thames and Hudson, 1999. SPAGNESI, G. Progetto e Architetture del Linguaggio Clássico – XV-XVI Secolo. Milão: Jaca Book, 1999. SPENCER, John. Filarete and Central Plan Architecture. In: Journal of the Society of Architectural Historians, XVII, 3, 1958. TAFURI, Manfredo. Teorias e História da Arquitetura. Lisboa: Martins Fontes/Editorial Presença, 1979. TARVERNOR, Robert. On Alberti in the Art of Building.New Haven; Yale University Press, 1998. ________. On the Art of Urban Design.In: Revista Desígnio, n.1. São Paulo: Annablume Editora, 2004. THOENES, Christof. Teoria da Arquitetura. Do Renascimento aos Nossos Dias. Itália: Taschen, 2003. TIBALDI, Pellegrino. L’Architettura di Leon Battista Alberti nel Commento di Pellegrino Tibaldi. Roma: De Luca Edizioni d’Arte, 1988. TURNER, Jane. The Dictionary of Art. Ohio: RR Donnelley & Sons Company, Willard, 1996. Tzonis, A. e Liane, Lefaivre. Classical Architecture: The Poetics of Order. Cambridge-Massachussets e LondresInglaterra: MIT Press, 1999. VENTURI, Robert. Complexidade e Contradição em Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1995. VIGNOLA, Giacomo Barozzi da. Li Cinque Ordini Di Architettura. Milão: Bietti & Reggiani Edotori, 1924. VILLORO, Luis. El Pensamiento Moderno. Filosofía del Renacimiento. México: Fondo de Cultura Econômica, 1992. VINCI, Leonardo da.Complete Works. The Notebooks of da Vinci. USA: Konecky & Konecky, 2003. VITRUVIO. Da Arquitetura (Vitruvii de Architectura Libri Decem). São Paulo: Hucitec, 1998. VON MARTIN, A. Sociología del Renacimiento. México: Fondo de Cultura Econômica, 1992. WATKINS, J. W. M. Ciência e Cepticismo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990. WEBER, Max. Economia y Sociedad. Buenos Aires: Fondo de Cultura Econômica, 1992. WITTKOWER, Rudolph. Architectural Principles in the Age of Humanism. NovaYork: W.W. Norton, 1971. WRIGHT, Erik O.; LEVINE, Andrew; SOBER, Elliot. Reconstruindo o Marxismo: Ensaios sobre a explicação e teoria da história. Petrópolis: Vozes, 1993. Wundrum e marton. Andrea Palladio.Alemanha: Taschen, 1994. ZEVI, Bruno. Saber Ver a Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1995. ________. Storia e Controstoria della’Architettura in Italia. Roma: Newton & Campton, 2005. Vilém Flusser e a aposta no jogo Pedro Luís Alves Veloso Ainda que o filósofo Vilém Flusser (1920-1991) não esteja mais entre nós, não há dúvidas que ele permaneça como um dos nós fundamentais do pensamento contemporâneo. Se pretendemos neste texto estabelecer um diálogo com Flusser, não o fazemos com nenhuma pretensão mediúnica, mas apenas levando adiante a possibilidade de nos realizarmos nos outros – proposta não apenas defendida pelo filósofo, como também comprovada pela construção coletiva do conhecimento humano. Se, por um lado, estamos limitados pela estrutura linear e discursiva que a tessitura de um texto impõe, por outro, acreditamos que a conexão de nossas ideias com as propostas de Flusser e de nossos leitores possa estimular novos diálogos. Em termos práticos, nos dedicaremos a analisar as nuances e contradições do pensamento do filósofo a partir de uma revisão temática, organizando a sua multifacetada teoria dos jogos em uma simples sequência de tópicos. Entretanto, esse esforço de revisão e reorganização não tem por finalidade a reconstituição cronológica do jogo no pensamento flusseriano, mas a compreensão das possibilidades de ação no mundo contemporâneo, em meio às suas radicais transformações técnicas. Isto é, interessa-nos estabelecer, nessa leitura, um debate sobre o papel do jogo como uma forma ampliada de diálogo que parece ser cada vez mais possível e necessária nos dias de hoje – e daí a justificativa do presente histórico como tempo verbal adotado. 113 Nós da Arquitetura Vilém Flusser é um filósofo tcheco-alemão que se torna um migrante após sua cultura “de nascimento” ter sido despedaçada pelo nazismo. Pensador polemista e instigante, Flusser trabalha em uma agenda intelectual por toda a vida: a construção de uma síntese filosófica que confronte a fenomenologia e o existencialismo a modos de pensamento “calculantes”114. Ao diagnosticar a crise de uma realidade fundamentada na objetivação do homem e no desprezo do mundo concreto, Flusser se dispõe a “existenciar” os diversos campos do conhecimento como atividade de resistência. Nessa tensão constante entre um pensamento poético e um calculante115, Flusser estabelece um modus operandi que recorre aos diversos campos disciplinares disponíveis, apropriando-se e reconstruindo diversos conceitos alheios. Migrante situado em um mundo “sem chão”, Flusser se apropria do conceito de jogo em duas frentes: como estratégia para lidar tanto com sua (a) própria condição existencial, quanto com a (b) condição existencial do homem contemporâneo ou, nas palavras de Flusser, o homem “pós-histórico”. Nota-se que ambas as apropriações são interdependentes e Flusser revela em sua autobiografia que sua formação intelectual em Praga o estimula a “absorver todas as tendências disponíveis dialeticamente, em especial as tendências aparentemente não dialéticas, ‘fenomenologia e existencialismo’, de um lado, e ‘lingüística e neo-positivismo’” (2007a, p.28). Afirmações como “existenciar o neopositivismo” (p.96), “unificar existencialmente Wittgenstein e Husserl” (p.137), e “a possibilidade de uma síntese entre fenomenologia, lógica formal e marxismo como método filosófico do futuro” (p.155) revelam o esforço de sintetizar um pensamento capaz de lidar com uma condição existencial emergente. Seus ensaios transitam entre temas como a linguagem, a comunicação e as novas mídias, adotando, como componente calculante, a semiótica, a teoria da informação e a cibernética. Uma vez que a fenomenologia defende a irredutibilidade do ser à ciência e à tecnologia, a adoção desses componentes situa sua filosofia em um campo de tensão constante. Ao longo desse capítulo, alguns aspectos dessas transições serão debatidos. Para explorar a relação específica entre Flusser e a cibernética, ver artigo “Pensamento Poético e Pensamento Calculante”, de Erick Felinto (2013). 115 Termos utilizados por Erick Felinto (2013). 114 114 Nós da Arquitetura tratam o jogo como território sobre o qual (a) Flusser ou (b) o homem pós-histórico podem negociar sua liberdade ou se deparar com limites para sua existência. Essas duas frentes indicam também a posição ambígua do jogo: é tanto (a) método de seu pensamento116 quanto (b) conceito constituinte de sua análise do mundo contemporâneo. Em ambos os casos, evidencia-se o jogo como um sistema de determinação e de emancipação em um mundo dominado pela técnica. Em uma síntese apropriadamente ambígua: o jogo é o domínio no qual se deve buscar a liberdade. 116 No âmbito do pensamento de Flusser como jogo, vale destacar o trabalho da pesquisadora Eva Batlicková, em particular seu artigo “A insustentável leveza de pensar” (2006). A atualidade do tema jogo se revela também no recente artigo “O filósofo que gostava de jogar”, de César Baio (2013). 115 Nós da Arquitetura 1 O jogo como modo de vida Não é incidental que Vilém Flusser tenha intitulado sua autobiografia filosófica de “Bodenlos” (2007a [1973]117), que significa sem chão ou sem fundamento. Após ter a vida marcada pelo desmanche da cultura tcheca e pelo holocausto, ele se contamina por um sentimento de perda de sentido das coisas, da razão humana e da própria história (FLUSSER, 2007a, p.58). Desvinculado de sua pátria, família, posição social, estudo da filosofia, vocação de escritor e fé no marxismo, Flusser atesta uma ruptura do solo que o sustentava. Essa perda aproximou Flusser de uma visão sistêmica radicalmente esvaziada de significados e valores. Como descreve o filósofo, (...) quando isto se dá, é preciso que se esconda o novo entusiasmo que isto cria. O entusiasmo da observação distanciada. Não a desvalorização dos valores, nem muito menos a transvaloração dos valores, mas a indiferença dos valores. Tudo é indiferente, portanto tudo tem o mesmo valor para ser observado. Isso entusiasma. Os nazistas são tão interessantes quanto as formigas, a física nuclear tanto quanto a Idade Média inglesa, o próprio futuro tanto quanto o futuro da parapsicologia. Isto lembrava Schopenhauer. Mas lembrava também a atitude científica e o inferno. Abria os horizontes. Abria, por exemplo, a cultura inglesa e americana, até então ignoradas. Mas abria mais radicalmente a convicção de que todo provincianismo é resultado não de situação geográfica, mas de enquadramento. Não importa se praguense ou londrina, a 117 Embora o livro tenha sido publicado em 1992 e, provavelmente tenha sido escrito ao longo da vida de Flusser, enquanto narrador autobiográfico, ele se situa explicitamente na França, em 1973 (p.55), olhando para sua trajetória brasileira (1941-1972) 116 Nós da Arquitetura gente é provinciana se tem fundamento. Mas quem foi arrancado da ordem vê o mundo todo. O que vê não é ordem, mas caos sobre o qual se imprimem, ridiculamente, várias ordens. É um prazer observar como tais ordens, quais amebas em solução líquida, se devoram mutuamente, se dividem, e como cada qual se toma por centro (FLUSSER, 2007a, p.37). Ao diagnosticar o desmantelamento dos “modelos de vivência, do conhecimento, e dos valores de Praga” e “da estrutura que ordena tais modelos” (a estrutura do Ocidente), Flusser (2007a, p.50) atesta a ascensão de uma realidade caótica que se move automaticamente. Nota-se que esse esmagamento de sentido da realidade parece promover uma visão a tal ponto distanciada e indiferente, que possibilita a compreensão dos eventos circundantes, a exemplo da própria guerra, como um jogo arbitrário ou como “amebas em solução líquida”. Ao situar os acontecimentos enquanto possibilidades inerentes a esse jogo arbitrário e às suas regras de funcionamento, o filósofo aponta para sua autonomia em relação a causas externas e aos propósitos humanos. Em “Bodenlos”, o jogo não apenas é utilizado para descrever os acontecimentos que circundam o filósofo em sua trajetória de migrante (da guerra à cultura brasileira), mas também se torna uma estratégia explícita para construir seu pensamento. Afinal, para Flusser, se a realidade opera sistemicamente e ludicamente, caberia à filosofia compreender também o jogo como seu princípio de funcionamento. Citaremos brevemente a proposta de uma Filosofia-Jogo, que Flusser empreende no Brasil. Basicamente, ele busca um posicionamento filosófico acima dos diversos pensamentos, extraindo e articulando seus diversos trechos para o próprio proveito, de maneira distanciada, passiva e 117 Nós da Arquitetura irresponsável. Portanto, esse filosofar “de cima” pretende situar os diversos modos de pensamento como peças da Filosofia-Jogo. Segundo Flusser (2007a, p.46), Não se duvida de nada, mas as dúvidas dos outros são objetos de jogo. Os problemas filosóficos são como problemas enxadrísticos, apenas mais divertidos, porque escondem melhor o caráter lúdico que o caracteriza. É desta maneira que se filosofava em São Paulo. Os filósofos não passavam de pedras no tabuleiro da filosofia. Em experimentos filosóficos, Flusser se apropria obsessivamente de argumentos divergentes de modo experimental, seja sequencial ou simultaneamente, para promover a dissolução de suas ideologias e valores118. Mas esses experimentos de deslocamento logo são abandonados devido ao excessivo teor reducionista que adquirem em relação à cultura (FLUSSER, 2007a, p. 69). Entretanto, essa relação entre filosofia e jogo (em particular, o xadrez) será um tema recorrente da produção teórica do filósofo. 118 Por exemplo, ao compreender, a partir de Ludwig Wittgenstein e de Franz Kafka, que a razão pura é um sistema fechado e autorreferente, incapaz de acessar a vida, Flusser se propõe a “separar o pensar do próprio viver, e assumir distância perante o próprio pensamento” (2007a, p. 48). Nesse projeto inicial, ele utiliza o pensamento oriental como método de “transformação do pensamento em objeto do não-pensamento” (2007a, p. 52). 118 Nós da Arquitetura 2 A língua como jogo Em seguida, Flusser decide se engajar na cultura brasileira. Ao reconhecer a língua brasileira como produto e produtora da própria cultura brasileira, Flusser decide articular seu pensamento em um jogo com a língua. Segundo ele, A decisão em prol de um engajamento na cultura brasileira era, fundamentalmente, decisão em prol do engajamento na língua brasileira. Isto significava que a gente absorvia tal língua não para usá-la nos contatos diários com os brasileiros, mas para usá-la como instrumento para articular-se. Em outros termos: o português brasileiro não era vivenciado como língua falada no Brasil, mas como matéria prima que a gente ia trabalhar para realizar a vida. Estabelecia-se, destarte, desde o início, aquela dialética característica para a relação entre o sujeito que visa informar a matéria e a matéria a ser trabalhada (FLUSSER, 2007a, p.71). Nesse sentido, seu pensamento passa a operar em uma via de mão dupla, modificando a língua ao mesmo tempo em que é modificado por ela. Essa reciprocidade aponta para um tema fundamental do pensamento flusseriano: a estruturação do pensamento e da própria realidade a partir da língua119. Explorando essa dialética, Flusser (2007a, p.75-78) passa a caracterizar e diferenciar o português de outras línguas, como o inglês e o alemão. Esse processo aponta para estratégias filosóficas específicas que devem ser utilizadas 119 A relação entre língua e pensamento/realidade acompanha duas obras essenciais de Flusser. Em seu livro “Língua e realidade” (2007b [1963]), Flusser tensiona a teoria linguística de Ludwig Wittgenstein com a fenomenologia de Edmund Husserl, estabelecendo um método de análise linguístico próprio. Na obra “A Fenomenologia do brasileiro” (1998[1972]), essa dialética entre língua e realidade é apresentada em um estudo da cultura brasileira. 119 Nós da Arquitetura frente aos seus aspectos sintáticos, semânticos, ortográficos, fonéticos e frente à estabilidade de suas regras constituintes. A descrição da língua portuguesa é, nesse momento, sinônimo do próprio campo de ação da filosofia flusseriana, da estrutura aberta sobre a qual deve atuar. Prosseguindo com essa descrição de seu campo de ação, Flusser (2007a, p.83) define o ensaio como forma adequada de escrita, reconhecendo-o como possibilidade de manipular a língua e a cultura de modo pleno. Em seguida, investe no estabelecimento específico das regras rítmicas, semânticas, silábicas e das mensagens dos textos que pretende escrever. Não é necessário aqui detalhar tais ritmos, mas apenas constatar a formulação de um território para um jogo filosófico adequado à realidade identificada pelo filósofo. Segundo ele: Isto ia ser, doravante, o “estilo” da gente: três níveis rítmicos, com jogo praticamente ilimitado de simpatias e antipatias entre os níveis [silábico, semântico e da mensagem]. Destarte, a língua portuguesa passou a ser instrumento apaixonante para jogo infinito, instrumento este que mudava, ele próprio, ao longo do jogo. E com isto a própria gente mudava. Em outros termos: a gente se transformava, disciplinada e entusiasticamente, em ensaísta brasileiro. (...) Recapitulando: a escolha dos ritmos foi imposta pela dialética entre a língua portuguesa e a estrutura linguística que informava a gente, e os temas dos ensaios que resultavam de tal escolha foram impostos pelo ritmo. Mas dado o ritmo, todos os temas têm sido e continuarão a ser variações de um único: o problema do engajamento a partir de uma situação sem fundamento. Isto é assim porque a própria vida 120 Nós da Arquitetura da gente (vida-ensaio) é variação desse único tema, o qual pode aforisticamaente ser formulado como: “busca da fé na desgraça” (FLUSSER, 2007a, p.82-83). 121 Nós da Arquitetura 3 O jogo como conceito Na década de 1960, o “Suplemento Literário” do “Estado de São Paulo” se torna um laboratório privilegiado para o desenvolvimento dos ensaios de Flusser120. O filósofo justifica tal fato tanto pela importância do suplemento no contexto brasileiro, quanto pela sua estrutura, que era adequada ao seu jogo linguístico. Mais do que levantar detalhes históricos dessa relação, pretende-se, aqui, apontar que, nesse laboratório, Flusser desenvolve o jogo não apenas como método de pensamento/escrita, mas também como objeto de suas especulações. Nesse sentido, marca um processo de ampliação do jogo como tópico de suas investigações. Em clara referência ao elogio ao jogo proposto pelo historiador Johan Huizinga (1949 [1938]), Flusser publica o ensaio “Jogos” (1967)121. Enquanto Huizinga resgata, na sua obra “Homo Ludens”, a importância cultural da atividade lúdica na formação do homem pré-industrial, como atividade que se contrapõe ao trabalho, Flusser se situa em uma posição prospectiva, utilizando o homo ludens e o jogo para definir um modo de vida “pós-histórico”. Como é recorrente em toda a sua filosofia, Flusser se apropria de categorias objetivas de análise em função de uma perspectiva fenomenológica. Flusser se aproxima dos movimentos de objetivação da arte, tomando como marco a 120 Ver, por exemplo, a coletânea de ensaios “Ficções Filosóficas” (1998). 121 O ensaio “Jogos” não é o primeiro a lidar com o tema do jogo ou do jogador, mas é apresentado por tratar explícita e detalhadamente o tema. Como exemplo anterior, ver o ensaio “Do Empate”, de 1963, ou o ensaio“5...C x B?“ de 1964 (in FLUSSER, 1998). 122 Nós da Arquitetura teoria da informação122. Em sua origem, a teoria da informação se baseia na definição de um modelo matemático para compreender e analisar a transmissão de uma mensagem em um canal de comunicação. Ela adquiriu grande importância no campo da estética, como instrumento para propor estratégias de subversão às estruturas convencionais da linguagem, para debater o comportamento e alienação dos indivíduos na sociedade de massa, ou mesmo, para medir as probabilidades comunicativas dos processos artísticos. Flusser (1967, p.6) também se apropria e subverte a teoria da informação, associando-a à compreensão do potencial existencial do jogo. O aspecto analítico da compreensão dos jogos se evidencia na sua decomposição em categorias advindas da teoria da informação. Como afirma Flusser (1967, p.2): Definirei termos. Que “jogo” seja todo sistema composto de elementos combináveis de acordo com regras. Que a soma dos elementos seja o “repertório do jogo”. Que a soma das regras seja a “estrutura do jogo”. Que a totalidade das combinações possíveis do repertório na estrutura seja a “competência do jogo”. E que a totalidade das combinações realizadas seja o “universo do jogo”. Nota-se que os quatro atributos principais dos jogos – elemento/repertório, regra/estrutura, competência e universo – são apropriações explícitas ou desdobramentos da teoria da informação. A abrangência de tais categorias é notada nos 122 Destaca-se aqui a estética informacional desenvolvida por Max Bense e Abraham Moles nas décadas de 50 e 60. Flusser não apenas conhece a obra de Moles, mas também é seu amigo (ver VILÉM FLUSSER, 2010). Vale ressaltar que a teoria da informação aproxima-se da arte também por meio de pesquisadores da semiótica, como é o caso das pesquisas do semioticista Umberto Eco ou de Décio Pignatari. 123 Nós da Arquitetura próprios exemplos de jogos utilizados no texto: o xadrez, o pensamento brasileiro e a ciência natural. Seguindo a análise, Flusser caracteriza os jogos a partir de sua mutabilidade e limites. Por definição, um jogo tem que ser limitado, o que garante a “especificidade da sua competência”, afinal, o jogo ilimitado é injogável. Aproximando-se da leitura de Umberto Eco (1991 [1962]) da teoria da informação e de seu conceito de obra aberta, Flusser classifica os jogos como fechados ou abertos123. Em jogos fechados, a imutabilidade do conjunto de elementos e de regras (repertório e estrutura), faz com que a competência tenda a coincidir com seu universo – isto é: o jogo se torna facilmente esgotável. A definição de Flusser de jogo aberto apresenta uma clara afinidade com o debate de Eco sobre a poética da abertura proposta pela arte contemporânea124. Para Flusser, a ideia de jogo aberto aponta justamente para a possibilidade de superar modificar os elementos e a própria estrutura do jogo, com o intuito de subverter sua competência – isto é: ampliar as possibilidades de jogadas possíveis. Portanto, a ambiguidade do jogo aberto é que ele passa a se caracterizar como um agir limitado por regras que são alteradas pela própria ação. Essa ampliação de um jogo envolve dois processos: o meta-jogo e a modificação do jogo. Uma vez que cada jogo ocorre dentro de outro jogo (o meta-jogo), ele pode apontar para a ampliação da competência do próprio metajogo, contaminando-o com suas possibilidades. Ao mesmo 123 Vale destacar novamente um processo de ampliação. Enquanto a teoria de Umberto Eco opera no campo poético das artes e da literatura, Flusser compreende a existência humana em suas diversas manifestações. 124 Além de reconhecer o caráter de abertura inerente à obra de arte e à sua interpretação (abertura de 1º grau), Umberto Eco se dedica a analisar o ímpeto da arte contemporânea de subverter os sistemas linguísticos convencionais em prol de mensagens estéticas ambíguas que permitam estimular a participação do fruidor (abertura de 2º grau). 124 Nós da Arquitetura tempo em que o xadrez ocorre no âmbito do pensamento, ele se coloca como possibilidade de ampliação do próprio pensamento. Desse modo, a transformação se coloca como um processo bottom up que transita entre os diversos níveis de hierarquia (jogo, meta-jogo, meta-meta jogo etc.). O segundo processo remete a uma transformação informativa que ocorre de fora para dentro do jogo. Por meio da incorporação de elementos externos (ruído) ou por meio da crítica aos elementos correntes, o jogador modifica a fronteira do próprio jogo. Nesse sentido, se coloca a interação e contaminação horizontal entre jogos distintos como procedimento para a modificação de suas estruturas. Em suas diferentes formas, a abertura do jogo é um processo que se vincula necessariamente aos demais jogos e aos próprios jogadores, tornando-se uma plataforma para uma ação coletiva livre. Essa oscilação de um jogo que tanto pode dominar como libertar o jogador aponta para “uma nova visão sobre os problemas da liberdade e do engajamento” (FLUSSER, 1967, p.5). Portanto, a aposta de Flusser parte da compreensão da existência como um jogo e da definição de estratégias que reivindiquem a liberdade. Mais especificamente, essas estratégias se associam à disposição para participar de vários jogos, à interação com outros sujeitos por meio desses jogos e, principalmente, à abertura de tais jogos. A liberdade se coloca como conquista humana intersubjetiva (lida com outros sujeitos) que ocorre no território sistêmico dos jogos (lida com suas regras e determinações). 125 Nós da Arquitetura 4 O jogo brasileiro Na conclusão de seu livro “Fenomenologia do brasileiro” (1998 [1972]), Flusser retoma o tema da crise na cultura ocidental, associando-o à sua eminente teoria dos jogos. Vale lembrar que, em sua biografia, Flusser associa a guerra a uma a ampla crise que estaria despedaçando a ordem ou a racionalidade subjacente à sua realidade. Por sua vez, na “Fenomenologia do brasileiro”, ocorre uma inversão e essa razão se torna a essência da crise. Ele se proxima dos diagnósticos da fenomenologia e da filosofia da linguagem, caracterizando um “erro fatídico” da racionalidade ocidental que, embora escondido por milênios (desde Platão e desde o advento da teoria), teria vindo à tona e se propagado no mundo contemporâneo. Afinal, segundo o autor, o mundo estaria dominado por uma estrutura de objetivação do homem e de encobrimento da realidade concreta, levando a humanidade a um abismo. Embora o pensamento formal/calculante seja parte da ideologia progressista do ocidente, Flusser reconhece que modos específicos de apropriação do mesmo apontam para a possibilidade de superação dessa crise. Nesse sentido, ao estabelecer uma relação superficial e subversora com a ideologia progressista, a cultura brasileira disponibilizaria elementos do pensamento de resistência. Entre esses elementos, se destaca o jogo como fundamento tácito da cultura brasileira, e o brasileiro como protótipo de um novo tipo humano: o jogador ou o homo ludens. Para compreender as peculiaridades desse homo ludens, Flusser (1972, p.169-170) descreve três possíveis estratégias do jogador: (1) jogar para ganhar, arriscando-se a perder (2) jogar para não perder, diminuindo seus riscos, ou (3) jogar para mudar o jogo. As duas primeiras apontam para uma integração ao universo do jogo, situando-o como campo de 126 Nós da Arquitetura determinação. O homo ludens se emancipa do pensamento linear pela estratégia três, que reafirma a possibilidade de modificar a estrutura do jogo por meio de sua abertura. Essa abertura só se torna possível quando o jogador se coloca acima do jogo, compreendendo-o como um elemento constituinte de seu próprio universo e não mais como o próprio universo. Portanto, essa teoria existencial dos jogos já adquire aqui um caráter de síntese das diversas propostas já elaboradas. Podemos delinear, preliminarmente, os elementos básicos que definem sua estrutura: a existência de uma crise, a definição do jogo como campo de dominação, a possibilidade de posicionamento acima desse jogo e, por fim, o modelo existencial do jogador, capaz de subverter o jogo em prol da liberdade. 127 Nós da Arquitetura 5 O jogo pós-histórico Após seu retorno à Europa em 1972, Flusser passa por um período de reconstrução de sua filosofia. Até então, grande parte de seus esforços intelectuais se voltavam à filosofia da linguagem e à questão da tradução. A ascensão de uma economia pós-industrial em paralelo à difusão das tecnologias da informação e comunicação nos diversos campos do conhecimento humano lhe apresenta um cenário com novas questões. Flusser extrapola suas inquietações com a linguagem, tensionando sua abordagem existencialista com as teorias da comunicação e a cibernética. A dimensão fenomenológica continua sendo o motor de suas análises, de modo que, quando trata da propagação das novas mídias e do computador, o faz tendo em vista a formação de um tecido artificial que modifica a existência do homem. Na década de 80, ele lança a trilogia composta pela “Póshistória” (2011 [1983]), pela “Filosofia da Caixa-preta” ([1983]) e pelo “O universo das imagens técnicas” ([1985]), que sintetiza as ideias do filósofo nessa nova etapa125. Voltemos aqui a um dos elementos básicos propostos por Flusser em suas teorias dos jogos: a crise. Se na “Fenomenologia do brasileiro”, Flusser define a crise a partir de uma razão objetiva que desemboca no pensamento linear e histórico, com o livro “Pós-história”, ele incorpora as questões da sociedade pós-industrial. Ao atualizar sua filosofia, Flusser desloca o limite dessa crise para um pensamento que teria se desdobrado do modelo linear e histórico: o pensamento sistêmico (ou pós-histórico). Ele inicia essa redefinição da crise, buscando estabelecer um esquema teórico capaz de abranger tanto o holocausto quanto os recentes processos de massificação telemática. 125 Tais obras sintetizam diversos temas desenvolvidos ao longo da década de 70, como sua teoria da comunicação e teoria dos gestos. 128 Nós da Arquitetura Segundo Flusser (2011, p.25), os processos de manipulação técnica do homem São todos, tal qual Auschwitz, caixas pretas que funcionam com engrenagens complexas para realizarem um programa. Funcionam, todos, segundo a inércia que lhes é inerente, e tal funcionamento escapa, a partir de um dado momento, ao controle dos seus programadores iniciais. Em última análise tais aparelhos funcionam, todos, no sentido de aniquilarem seus funcionários, inclusive seus programadores. Necessariamente, porque objetivam, deshumanizam o homem. Esse novo esquema teórico de uma crise e sua relação com a técnica se torna ainda mais evidente no “Universo das imagens técnicas”. Nesta obra, Flusser propõe um esquema simplificado, em que associa as revoluções técnicas a estruturas específicas de pensamento e de organização do mundo. Ele chama esse esquema de escalada de abstração. Podemos estabelecer aqui um breve resumo: Para Flusser, o homem é originalmente um ser solitário, imerso nas diversas dimensões do mundo natural (4d). Mas ele possui um ímpeto de se afastar dessa natureza solitária por meio de gestos que artificializam sua existência. O homem artificializa-se ao manipular objetos, transformando o mundo circundante em circunstância (3d). Ele estabelece o gesto da manipulação que o estimula a criar instrumentos e modificar o seu ambiente. Em seguida, a relação entre os olhos e as mãos distancia o homem de tais objetos, por meio da produção de imagens (2d) desses objetos ou circunstâncias. Tais representações em superfícies se tornam mediações entre o homem e o mundo a partir da abstração da profundidade e asseguram a possibilidade de projetar alguma ação futura. 129 Nós da Arquitetura O próximo passo consiste na explicação dessas imagens (2d) por meio de registros unidimensionais (1d), abstraindo a superfície em linha. O homem passa a ordenar sua existência por meio de um fio que articula conceitos, como no caso da escrita, da história e da ciência. Em essência, tal redução de dimensões refere-se, para Flusser, ao ato de interpretar o mundo como um processo, isto é, como uma estrutura causal e progressiva. Por meio de uma nova revolução técnica, os conceitos soltam-se do fio (da ciência e da história), configurando um mundo regido por um código sem dimensões (0d): o cálculo e a computação. Com o predomínio do pensamento formal e sistêmico, aparelhos operam o jogo de mosaico do cálculo, produzindo um mundo nulidimensional construído por imagens artificiais ou imagens técnicas (0d). Fig. 01. a escalada de abstração Nota-se que essa última etapa da escalada de abstração evidencia os aspectos fundamentais da crise da pós-história. No livro “Pós-história”, essa crise é associada a uma cultura ocidental programadora, que se instancia na reconfiguração sistêmica do modo de existência do homem. Por sua vez, no “Universo das imagens técnicas”, essa cultura ocidental é representada dentro de uma sequência de gestos de abstração pelo mundo linear da história e da ciência que, em um dado momento, reorganiza-se e adquire autonomia em relação ao 130 Nós da Arquitetura próprio homem, através de aparelhos. Reforça-se, portanto, a concepção de um mundo automático que manipula o comportamento do indivíduo e da sociedade, por meio de aparelhos, tal qual um programa sem propósito nem causa. Mas qual a relação de tudo isso com o jogo? Uma chave para compreender melhor essa relação são dois termos específicos da pós-história: aparelho e programa. Flusser (1985, p.9 e 77; 2011, p.40) define os programas como jogos que operam ao acaso de forma precisa e os aparelhos são caixas-pretas que instanciam esses jogos. Uma vez que o programa (jogo) ocorre de modo oculto no aparelho (caixapreta), estabelece-se uma relação de interdependência. Nota-se que essa interdependência entre os conceitos se reforça pelo fato deles funcionarem em diversas escalas, delimitando, como a “armação” de Martin Heidegger (2007), um modo técnico específico de existência. Ora a definição de pós-história se amplia para caracterizar, por exemplo, a cultura ocidental (programa) e o holocausto (aparelho), ora se torna mais específica para tratar dos instrumentos inteligentes, como máquinas fotográficas e computadores (aparelho) e de seu modo de funcionamento (programa). Mas, além de denotar um amplo território semântico (significam várias coisas), o funcionamento em diversas escalas indica também uma sintaxe específica entre os elementos. Tal relação pode ser compreendida a partir do modelo da autossimilaridade dos fractais. Trata-se de uma organização que, a partir de uma função recursiva, se realiza com a mesma forma nas mais diversas escalas. Essa relação retoma uma proposição já esboçada no ensaio “Jogos”: um programa (um jogo) existe dentro de um meta-programa (um meta-jogo), que opera dentro de um meta-meta-programa (um meta-meta-jogo) etc. Nota-se que esse funcionamento transversal sugere uma estrutura de dominação em que o aparato técnico se liberta 131 Nós da Arquitetura do homem e de seus desígnios e adquire uma existência autônoma – isto é: em prol de uma funcionalidade automática e deshumanizadora -, adquirindo o status de uma quase natureza. E tal estrutura autossimilar aponta para a impossibilidade do homem se deparar com os limites do programa e, portanto, para a impossibilidade de atuar totalmente fora do programa. Nesse “totalitarismo aparelhístico”, Flusser (2011, p.53) define a sociedade como um “sistema cibernético composto de funcionários e aparelhos” e caracteriza os homens como “cifras a serem inseridas em vários jogos formais”. Uma vez que o jogo (programa) se instaura nas diferentes escalas da experiência humana, o filósofo prontamente o define como “terreno ontológico”, de modo que “toda futura ontologia é necessariamente teoria dos jogos” (FLUSSER, 2011, p.128). Ao compreender esse modo de existência lúdica, a filosofia flusseriana reconhece que o poder e a capacidade de escolha estão associados ao programa. E somente sobre tal território do programa que podem se estabelecer as condições da liberdade. Ao situar o jogo como território de ação do homem com os aparelhos, Flusser retoma o arcabouço teórico elaborado no ensaio “Jogos”. Segundo ele, Em suma: o que devemos aprender é assumir o absurdo, se quisermos emancipar-nos do funcionamento. A liberdade é concebível apenas enquanto jogo absurdo com os aparelhos. Enquanto jogo com programas. É concebível apenas depois de termos assumido a política, e a existência humana em geral, enquanto jogo absurdo. Depende se aprenderemos em tempo de sermos tais jogadores, se continuaremos a sermos 132 Nós da Arquitetura “homens”, ou se passaremos a ser robôs: se seremos jogadores ou peças de jogo (FLUSSER, 2011, p.44 e 45). 133 Nós da Arquitetura 6 Jogando com a pós-história Para compreender com mais detalhes essa possibilidade de liberdade, faz-se necessário recorrer à “Filosofia da caixa -preta” e ao “Universo das imagens-técnicas”. Nestas obras, Flusser discorre exaustivamente sobre a relação entre o homem e os aparelhos que o emancipam do trabalho e simulam seu pensamento (a máquina fotográfica e o computador), liberando-o para o jogo. Fig. 02 .a relação entre homem e aparelho Nessa concepção literal, aparelhos são caixas-pretas que, funcionando a partir de conceitos científicos (cálculo e computação), computam virtualidades, concretizando situações absurdas – as imagens técnicas. Uma vez que seu modo de funcionamento é fenomenologicamente inacessível ao homem, este se torna receptor de seus outputs (as imagens-técnicas), modificando seus inputs com as pontas de seus dedos. Essa estrutura evidencia o risco da liberdade se programar por escolhas e acasos embutidos no aparelho. Utilizando como pretexto a fotografia, Flusser discorre sobre essa relação de liberdade programada, afirmando que: 134 Nós da Arquitetura (...) o aparelho funciona em função da intenção do fotógrafo. Mas sua escolha é limitada pelo número de categorias inscritas no aparelho: escolha programada. O fotógrafo não pode inventar novas categorias, a não ser que deixe de fotografar e passe a funcionar na fábrica que programa aparelhos. Nesse sentido, a própria escolha do fotógrafo funciona em função do programa do aparelho (FLUSSER, 1985, p.34). O argumento de Flusser não se restringe ao tema comum da derrota do homem frente à capacidade do aparelho – tal qual Garry Kasparov derrotado pelo Deep Blue –, mas à constatação de uma programação da liberdade que ocorre no próprio jogar com o aparelho. Ilustrando esse cenário de submissão humana, Flusser apresenta a figura do nazista, do funcionário, do fotógrafo, do operador do aparelho, da peça de jogo, do robô, do receptor, do músico de orquestra, da marionete, do fantoche, ou do chimpanzé que aperta teclas. Ainda mais radical é a figura da minhoca que, segundo Flusser, serve como modelo para caracterizar a redução da estrutura corporal do homem ao mínimo necessário na sociedade de consumo e na cultura de massa. Nesse modelo, o homem seria composto de boca para consumir as imagens-técnicas e de ânus, que completaria o feedback com os aparelhos ao devolver os excrementos indigestos dessas imagens (FLUSSER, 2008, p.68 e 69). Frente à autonomia dos aparelhos, tais papéis assumem a constatação de que “nenhum homem pode mais controlar o jogo. E quem dele participar, longe de controlá-lo, será por ele controlado” (FLUSSER, 1985, p.75). Como contraponto, Vilém Flusser retoma a figura do homo ludens desenvolvida em seus trabalhos anteriores. Anteriormente, o homo ludens ainda era um rascunho, seja na descrição genérica do homem pós-histórico ou no modelo 135 Nós da Arquitetura de comportamento do brasileiro. Agora o filósofo estabelece precisões, definindo-o como agente libertário que adquire consciência do jogo para enfrentar o determinismo aleatório dos aparelhos e subvertê-lo. No papel de programador, de músico de câmara, do poeta ou, propriamente de jogador, esse homem deve politizar o funcionamento do aparelho, desviando o programa em prol da humanidade. Uma vez que o aparelho é uma caixa-preta inacessível e lhe impõe um jogo absurdo, tal homem deve ser capaz de pilotar sistemas complexos, de desocultar seu programa, lutar contra sua automaticidade, subverter seu programa, injetar valores e improvisar. Na condição de um corpo atrofiado pela emancipação do trabalho (realizado pelos aparelhos), tais estratégias de subversão reconhecem a possibilidade de superar o domínio dos aparelhos rumo a uma existência livre das determinações do mundo objetivo. Nesse cenário, a arte e a criatividade se tornam fundamentos – a vida se torna um jogo criativo. 136 Nós da Arquitetura 7 O xadrez como modelo de jogo complexo Fig. 03. Kasparov contra Deep Blue: o risco do xadrez como jogo de soma zero. (Foto: Chess Player Garry Kasparov in Match. Créditos: Najlah Feanny / Corbis / Latinstock). Como exemplo dessa dimensão intersubjetiva do jogo, há o modelo do xadrez apresentado por Flusser. O xadrez, como definido no artigo “Jogos”, é um jogo simples, com restrito repertório de elementos (peças e tabuleiro) e limitada estrutura de regras. Flusser sugere, até mesmo, que o xadrez seja um jogo facilmente esgotável, em que todas as partidas jogadas (seu universo) tendam a se aproximar de todas as partidas jogáveis (sua competência). Apesar da definição do xadrez como um jogo fechado, Flusser esboça uma possibilidade de ampliação no próprio modo de se jogar. Uma vez que o xadrez é jogo inserido dentro do meta-jogo do pensamento, mesmo que seja um sistema fechado, ele possibilita a inovação no âmbito do pensamento 137 Nós da Arquitetura – inovação bottom up que se realiza a partir de um modo de uso específico. A sugestão de ampliação ganha ainda mais relevância no “Universo das imagens técnicas”, caracterizando um modelo de criatividade adequado ao universo dos aparelhos. Primeiramente, Flusser propõe a superação do xadrez tal qual um jogo de soma zero, em que o ganho de um jogador é inversamente proporcional ao quanto o outro jogador perde. Ao utilizar a Teoria dos jogos para questionar a própria atividade do enxadrista, enquanto um jogar que visa ganhar do outro, Flusser sugere que os termos da liberdade não devam se limitar à questão do enfrentamento direto de outro sujeito. Ao subverter o objetivo do jogo (a vitória), o modelo flusseriano se ancora na possibilidade de utilizar o xadrez como plataforma para a produção de jogadas inovadoras, como um jogar para mudar o jogo. O desafio é tirar das situações (dos “problemas enxadrísticos”) o máximo de suas virtualidades. Aproveitar-se do “acaso” (da situação imprevista pelas duas estratégias em luta) para dela tirar um máximo de informação nova. O xadrez se transforma de zero sum game em zero plus game, já que no final da partida nova informação terá sido produzida (FLUSSER, 2008, p.105). Mas vale notar que essa ampliação do repertório do jogo e o aumento de produção de informação nova não é condição suficiente para o jogo criativo. O componente intersubjetivo torna-se elemento fundamental, demandando não apenas que se jogue, mas que se jogue com e em função do outro. Afinal, nesse modelo, a possibilidade de situações imprevistas aumenta com a quantidade de participantes. Um jogador pode simular dois adversários, realizando uma disputa imaginária 138 Nós da Arquitetura que promova situações inovadoras. Mas se esse jogo for realizado por dois jogadores, as possibilidades de estratégias criadoras duplicam, no caso de três jogadores, triplicam, e assim por diante. Portanto, Flusser insinua que, na condição do zero plus game, a competência do jogo é diretamente proporcional ao número de partícipes. Nesse modelo, o xadrez possibilita a superação do gênio criador e da criação introspectiva, indicando um “método explícito, disciplinado e fundado sobre teoria” para a produção de informações. Ao situar a estratégia como “arte de distribuir ‘dados’ em jogo com parceiros”, Flusser (2008, p.106) expõe a possibilidade do jogo se tornar uma aventura, uma conversação lúdica. Ao externalizar e compartilhar sua criatividade, o homo ludens se torna um jogador que supera a figura do gênio individual, constituindo uma coletividade, como os “nós” de uma rede, como “nós”. Inovação se torna sinônimo de diálogo livre e significativo. Aqui se faz pertinente apresentar o contraponto entre o aparelho e o xadrez. Segundo Flusser, os dois acompanham duas categorias de complexidade distintas: complexidade estrutural, na qual os elementos do sistema apresentam relações muito complexas entre si; complexidade funcional, em que o sistema propicia uma utilização complexa126. Segundo Flusser, o aparelho (exemplos: máquina fotográfica, televisão etc.) é um jogo cuja estrutura apresenta uma complexidade impenetrável, mas seu uso é muito simples. Em sua leitura, essa pobreza funcional se manifesta nos diversos sintomas de dominação que já foram apresentados: cultura de massa, sociedade de consumo, propagação de funcionários, diminuição do nível moral, ético e estético 126 Flusser apresenta a definição da complexidade funcional na “Filosofia da Caixa-Preta”(1985, p.59) e na entrevista “On writing complexity and the technical revolutions” de 1988, publicada no dvd “We shall Survive in the memory of others” (2010). 139 Nós da Arquitetura etc. Em contraponto, o xadrez é um jogo estruturalmente simples, mas funcionalmente complexo, “é fácil aprender suas regras, mas difícil jogá-lo bem” (FLUSSER, 1985, p.59). Nesse caso, o jogo possibilita o desenvolvimento de uma complexidade que decorre de seu uso e apropriação – complexidade funcional. Em defesa da complexidade funcional, Flusser sugere que o jogo se torne aberto no momento em que suas regras sejam colocadas em função do consenso, da cooperação e do diálogo em rede, isto é: no momento em que sua complexidade seja resultado de articulação intersubjetiva. Portanto, a aposta de Flusser na liberdade se realiza pela subversão da técnica em política, que se dá tanto pela reconfiguração do homem em homo ludens, como pela reconfiguração sociopolítica dos aparelhos em infraestrutura para jogos criativos e intersubjetivos. imagem 04. o jogo do totalistarismo apalherístico e o jogo do diálogo criativo. 140 Nós da Arquitetura 8 Notas sobre a teoria dos jogos Em parte, a utilização do jogo como possibilidade de uma utopia pode ser compreendida como um argumento ingênuo127. Como alguns de seus contemporâneos, Flusser supõe que uma infraestrutura técnica configurada para usufruto de muitos participantes propiciaria uma ampliação da arena pública e, mesmo, um modo de vida livre, baseado na arte coletiva128. Em oposição a essa previsão, o advento e a apropriação dos diversos aparatos de comunicação (internet, jogo em rede, redes sociais etc.) e de produção (máquinas de controle numérico e modelos paramétricos) não parecem ter alterado significativamente a existência do homem, nem tampouco superado os sintomas do totalitarismo diagnosticado por Flusser. Como demonstra a revisão do jogo, a pertinência do filósofo no contexto contemporâneo não pode ser compreendida por uma leitura parcial, que elimine a ambiguidade de seus textos129. Como afirmamos na introdução, a compreensão de uma crise que despreza a existência concreta do homem e o consequente esforço de tensionamento existencial de teorias formais-calculantes são aspectos essenciais do pensamento de Flusser. Nesse sentido, ele utiliza, de fato, a teoria da informação, a teoria dos jogos e a cibernética como base 127 Ver, por exemplo, a crítica às insuficiências do diálogo, realizada por Ciro Marcondes Filho (2006), que se baseia em uma leitura quantitativa e estrutural das teorias flusserianas. 128 Por exemplo, ver a utopia proposta por Gordon Pask e S. Curran (1982). 129 A ambiguidade do jogo possibilita distintas aproximações. Comparar, por exemplo, nossa abordagem (2011a), que lidava com a crítica ao determinismo técnico no campo do projeto de fundamento computacional, com as abordagens de Marcela Almeida (2011) e de Rodrigo P. Santiago (2011), que retomam o jogo como possibilidade criativa. Trata-se aqui da riqueza do termo, que pode operar tanto como jogo de dominação quanto como jogo criativo e libertador. 141 Nós da Arquitetura para definir o jogo com os aparelhos. Mas é importante atentar-se tanto para o esforço de operar sobre tais teorias formais, como, principalmente, de subvertê-las em prol de uma agenda existencial: a definição de um jogo de liberdade-determinação. Consequentemente, a figura do homo ludens não se limita a um investimento na simples capacitação do homem (se tornar programador) ou na multiplicação de fluxos de comunicação. No caso do programador, embora o estrito domínio técnico seja condição sine qua non, ele não assegura a superação do jogo como horizonte de seu próprio universo. No segundo caso, o jogo criativo seria consequência direta do advento de uma estrutura participativa – a formação de uma rede. Restritas às infraestruturas técnicas, essas mudanças podem levar a um jogo populista e irresponsável que, baseando-se na multiplicação da “conversa fiada”, criaria obstáculos à liberdade – fato que pode ser verificado na massificação do comportamento dos indivíduos nas redes sociais. Quando Flusser aponta para a subversão do determinismo tecnológico em prol da liberdade e para a transformação dos aparelhos em prol do diálogo, ele sugere mais do que um processo de capacitação ou um incremento tecnológico, ou ainda, ele reivindica que a técnica se coloque como uma atitude que reposicione o próprio homem acima do jogo. E mais, configurada a partir de uma dimensão ética, a aposta no homo ludens evoca também a redefinição do próprio sujeito enquanto sujeito que se realiza nos outros, como os “nós” de uma rede. O jogador deve ser capaz de produzir, intersubjetivamente, situações inovadoras que transformem a sociedade. Feitas essas considerações, nos parece que a aposta de Flusser apresenta algumas indicações importantes para compreender o mundo contemporâneo e, mais precisamente, a 142 Nós da Arquitetura complexidade dos jogos dos quais participamos. Se por um lado nos limitamos a agir “de dentro” dos jogos e nos comportamos de modo restrito sobre a infraestrutura da rede, por outro, a relevância de temas, como o movimento open-source, a emergência de fenômenos sociais organizados em rede e os debates sobre gamificação e big data indicam possibilidades de mudança. Portanto, acreditamos ser bastante pertinente a recente retomada da teoria de jogos de Flusser tanto entre os estudiosos do filósofo, quanto entre pesquisadores e artistas130. Essa retomada aponta para o desafio iminente de se politizar os diversos aparelhos e, em seu horizonte, aponta para uma utopia em que conseguiremos nos redefinir enquanto homo ludens. 130 Na confecção do presente capítulo, utilizamos textos que compartilham o recorte temático dos jogos (como, por exemplo, BATLICKOVÁ, 2006). Entretanto, na reta final do processo, nos surpreendemos com o lançamento da revista Flusser Studies #15 (Maio de 2013), que conta com dois textos muito relevantes sobre o tema (ver BAIO, 2013 e FELINTO, 2013). No campo da arquitetura já produzimos um trabalho utilizando a crítica do jogo (VELOSO, 2011a e 2011b) e acreditamos que exista um interesse mais amplo no tema, como indicam os artigos de Marcela Almeida (2011) e Rodrigo P. Santiago (2011). É notório que esse interesse conceitual acompanhe também a retomada de uma discussão arquitetônica da década de 1960: a possibilidade de emancipação por meio da criação coletiva e da tecnologia. Esse aspecto é evidente em trabalhos recentes, como o de Theodora Vardouli (2011). 143 Referências Bibliográficas ALMEIDA, Marcela. A criação como liberdade praticada por meio do jogo: um diálogo entre arquitetura e a filosofia de Vilém Flusser. Cadernos de pós-graduação em arquitetura e urbanismo. FAUUniversidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, 2011, v.11, n.1, p.32-45, Jan. BAIO, César. O filósofo que gostava de jogar: o pensamento dialógico de Vilém Flusser e a sua busca pela liberdade. Flusser Studies. v.15, mai. 2013. BATLICKOVÁ, Eva. A insustentável leveza de pensar: jogos, joguinhos e jogaçoes de Vilém Flusser. Flusser Studies. v.3, nov. 2006. ECO, Umberto. Obra Aberta. São Paulo: Perspectiva, 1991. FELINTO, Erick. Pensamento Poético e Pensamento Calculante: o dilema da cibernética e do humanismo em Vilém Flusser. Flusser Studies. v.15, mai.2013. FLUSSER, Vilém. Do Empate. O Estado de São Paulo, São Paulo, 29 jun.1963. Suplemento Literário. Disponível em: <http://www.cisc.org.br/portal/index.php/pt/biblioteca/ finish/15-flusser-vilem/45-do-empate.html>. Acesso em: abr. 2014. _______. Jogos. O Estado de São Paulo, São Paulo, 09 dez.1967. Suplemento Literário. Disponível em: <http:// www.cisc.org.br/portal/index.php/pt/biblioteca/finish/15flusser-vilem/46-jogos.html>. Acesso em: abr. 2014. _______.Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo: Hucitec, 1985. _______. Fenomenologia do brasileiro: em busca de um novo homem. Rio de Janeiro: Eduerj, 1998. _______. Ficções filosóficas. São Paulo: Edusp, 1998. _______. Bodenlos: Uma Autobiografia Filosófica. São Paulo: Annablume, 2007a. _______. Língua e Realidade. São Paulo: Annablume, 2007b. _______. O Mundo Codificado: Por uma Filosofia do Design e da Comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007c. _______. O Universo das Imagens Técnicas: Elogio da superficialidade. São Paulo: Annablume, 2008. _______. Pós-história: vinte instantâneos e um modo de usar. São Paulo: Annablume, 2011. HEIDEGGER, Martin. A Questão da Técnica. Scientiaestudia. Revista Latino-Americana de Filosofia e História da Ciência. Revista do Departamento de Filosofia – FFLCH – USP. São Paulo, v. 5, n. 3, p. 375-98, Jul-Set. 2007. HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: a study of the play element in culture. London: Routledge & Kegan Paul, 1949. MARCONDES FILHO, Ciro J. R. A comunicação como uma caixa preta: Propostas e insuficiências de Vilém Flusser. Em Questão. UFRGS. Porto Alegre, 2006, v. 12, n.2 p.423456, Jun/Dez. MOLES, Abraham. Teoria da Informação e Percepção Estética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969. PASK, Gordon; CURRAN, Susan.The Best and Worst of Possible Worlds. In: _______. Micro man, Computers and the Evolution of Consciousness, New York: Macmillan Publishing Co., Inc, 1982. p.189-207. SANTIAGO, Rodrigo P. Jogos e Processos de Projeto: Diálogos Possíveis. In: CONGRESO DE LA SOCIEDAD IBEROAMERICANA DE GRÁFICA DIGITAL, 15, 2011, Santa Fe. Anais... Santa Fe: FADU-UNL, 2011, p. 502-505. VARDOULI, Theodora. Design-for-Empowerment-for-Design: Computational structures for design democratization. Dissertação de mestrado. Boston: MIT, 2012. VELOSO, Pedro. Gesto Técnico: interferências da modelagem digital na criação arquitetônica. Dissertação de mestrado. São Paulo: FAUUSP, 2011. _______. Cultura aumentada ou substituída? Distinções entre o arquiteto-ferramenta e o arquiteto-aparelho eletrônico. In: CONGRESO DE LA SOCIEDAD IBEROAMERICANA DE GRÁFICA DIGITAL, 15, 2011, Santa Fe. Anais... Santa Fe: FADU-UNL, 2011, p.51-54. WE SHALL SURVIVE IN THE MEMORY OF OTHERS: Flusser Lectures. Direção: Miklós Peternák. Budapest: C³ Center for Culture and Communication Foundation, 2010. 1 DVD (87 min). A Arte da Conversação Pedro Luís Alves Veloso Neste capítulo, discorreremos sobre o legado do ciberneticista Gordon Pask e seus possíveis desdobramentos no campo da produção artística contemporânea. Pretendemos resgatar um horizonte de atuação almejado em seus experimentos e escritos cibernéticos nas décadas de 1950 a 1970 – que também apresenta uma clara afinidade com a defesa do jogo, proposta por Flusser no capítulo anterior. Além de abordarmos algumas definições gerais sobre cibernética e sobre a trajetória de Pask, investigaremos, especificamente, a obra interativa Colloquy of Mobiles, apresentada na exposição Cybernetic Serendipity (1968) e sua relação com o desenvolvimento da Teoria da Conversação. Esse esforço se mostra necessário frente à incipiência da arte conversacional nas últimas décadas – fato surpreendente se considerarmos diversos fatores: a consolidada domesticação e ubiquidade da tecnologia da informação; a consolidação da infraestrutura de rede; o advento de movimentos sociais e de código livre na rede e o desenvolvimento do campo da arte interativa. 147 Nós da Arquitetura 1 Breve origem da cibernética131 Antes de tratarmos da produção de Gordon Pask, é necessário estabelecer uma compreensão do termo cibernética. A cibernética é uma ciência e sua origem situa-se em uma tensão entre (pelo menos) duas matrizes de pensamento: uma abstrato-bélica e outra psiquiátrica. A primeira está associada à impactante simbiose entre o homem e os novos equipamentos bélicos, experimentada na Primeira Guerra Mundial, que legou ao entreguerras e à Segunda guerra extensas demandas bélicas sobre a ciência e a tecnologia. Nos Estados Unidos, essas demandas culminaram na criação de um comitê e de um instituto de pesquisa e desenvolvimento de sistemas militares132, que uniram conhecimentos científicos e técnicos de várias áreas. O historiador da tecnologia David Mindell (2002) destaca, em meio a essas pesquisas, o papel das culturas de engenharia de comunicação e controle para o desenvolvimento de equipamentos e armamentos militares baseados em retroalimentação. Devido à natureza informacional desses novos artifícios bélicos, tais pesquisas lidavam com fluxos de informação entre homem, máquina e ambiente. Segundo Mindell (2002, p.4), o matemático americano Nobert Wiener (1894-1964) participou de pesquisas sobre os mecanismos de retroalimentação, buscando estabelecer, a partir da 131 O matemático Nobert Wiener apresenta uma história intelectual da cibernética, que se fundamenta na cibernética como receptáculo e síntese das ideias de grandes pensadores ocidentais (Leibniz, Pascal, Maxwell e Gibbs). Entretanto, neste estudo, adotamos a leitura proposta pelo historiador David Mindell (2002) e pelo sociólogo Andrew Pickering (2010) sobre as origens da cibernética, por entendermos que tais autores a inserem em um contexto social e histórico específico, vinculando-a às trajetórias técnicas e biográficas do período. 132 O National Defense Research Committee foi criado em 1940 e o Office of Scientific Research and Development, em 1941. 148 Nós da Arquitetura união entre controle e comunicação, princípios operacionais comuns entre homem e máquina. No pós-guerra, ele propôs uma ciência que ampliava o escopo de tais princípios rumo aos sistemas sociais e, mesmo, ao campo da cultura, cunhando, então, o termo cibernética. Em contraponto a essa matriz bélica, o sociólogo Andrew Pickering (2010) alerta que, entre os quatro pioneiros da cibernética, somente Wiener não desenvolveu suas pesquisas no meio psiquiátrico. Enquanto o matemático havia contribuído (sem sucesso) para o desenvolvimento de sistemas de controle para armamentos antiaéreos, os outros ciberneticistas formularam suas definições a partir de investigações em torno do cérebro humano. Na Inglaterra, o fisiologista Grey Walter (1910-1977) e o zoologista Ross Ashby (1903-1972) propunham, paralelamente, teorias sobre o cérebro como um sistema adaptativo e construíam modelos eletromecânicos que pretendiam simular esse comportamento, contribuindo para a matriz psiquiátrica da cibernética. Em meio a essas matrizes, a cibernética se consolidou como ciência a partir da década de 1940, nas publicações dos diversos pesquisadores interessados no tema e, principalmente, nos diálogos estabelecidos nas conferências Macy, organizadas, nos EUA, pelo neurofisiologista Warren McCulloch (1898-1969 – o quarto pioneiro). O esforço para sintetizar aspectos essenciais a partir dos diversos campos do conhecimento e estabelecer um corpo teórico comum à cibernética foi bem sucedido. E, nas décadas seguintes, ela se tornou uma ciência trans ou mesmo antidisciplinar, interferindo em diversos campos do conhecimento sem, no entanto, consolidar-se formal ou institucionalmente. O fato da cibernética se fundamentar no estudo da retroalimentação, da comunicação e do controle decorria de sua defesa da informação como base para lidar com todos os tipos de fenômenos – biológicos, psicológicos, sociais 149 Nós da Arquitetura ou artificiais. Os ciberneticistas compreendiam a informação como o conteúdo que um sistema trocaria com o mundo exterior e que possibilitaria o seu ajuste e adaptação às contingências (WIENER, 1968, p.17 e 18). Tal compreensão estabelecia uma leitura transversal dos fenômenos a partir de suas interações e de seus comportamentos, caracterizando-os de modo abstrato como sistemas. Nesse sentido é que Nobert Wiener afirmava que as pessoas – ou quaisquer outros sistemas – eram “padrões” informacionais, isto é, “remoinhos num rio de água sempre a correr” (1968, p.95). Andrew Pickering (2010, p. 18 e 19) caracteriza essa abordagem ontológica e instrumental da cibernética como uma visão performativa do mundo, que subvertia tanto a abordagem causal e preditiva da ciência moderna, quanto a cisão que essa instaurava entre o homem, as coisas que o cercam e os artefatos que inventa. 150 Nós da Arquitetura 2 Gordon Pask e a construção de uma arte-cibernética Andrew Gordon Speedie Pask (1928-1996) possuía uma formação incomum, que abarcava a engenharia de minas e a fisiologia, e manifestava precoce interesse em diversas áreas – entre elas, aprendizagem, teatro, música e artes visuais. Seu encontro com Norbert Wiener, na Universidade de Cambridge, no começo da década de 1950, revelou-lhe o campo da cibernética, no qual viria a desenvolver seus diversos interesses e se tornar um dos principais proponentes. Após esse encontro, seu engajamento com a cibernética inaugurou-se na “tradição” da matriz psiquiátrica da cibernética, isto é: por meio de experimentos eletromecânicos ligados à adaptação e aprendizagem. Ao longo de sua graduação em Cambridge, e junto com seu colega Robin McKinnon-Wood, Pask empreendeu a construção de diversos aparelhos interativos. Esses experimentos culminaram no Musicolour (1953-1957), que almejava processos de sinestesia entre música e luz (PASK, 1971). As diversas versões do Musicolour eram transdutores que lidavam com performances, predominantemente, musicais, captando, como inputs, as manifestações sonoras e respondendo por outputs, na maior parte das vezes, projeções luminosas. Nas suas variadas configurações, o Musicolour utilizava filtros sobre os atributos do som captado, dividindo-os em faixas de frequência ou mesmo em ritmos, com o intuito de medir os vários atributos da performance ao longo de sua execução. 151 Nós da Arquitetura Fig.1 a) Musicolour; b) apresentação do Musicolour em sincronia com marionetes c) um dos projetores ativados pelo Musicolour (Fonte: Gordon Pask Archive at the Dept of Contemporary History, University of Vienna/Austria). Extrapolando o aspecto instrumental da sinestesia entre música e luz, Pask incorporou no dispositivo uma capacidade de aprendizagem e adaptação, que viria a se tornar a essência de seu funcionamento. Caso algum aspecto da performance se tornasse repetitivo, o mecanismo de aprendizagem alteraria a relação entre as medidas dos filtros e, por conseguinte, reduziria seus dados de saída. Em outros termos, o Musicolour ficaria “entediado”, reduzindo sua sensibilidade aos estímulos sonoros e, consequentemente, a intensidade de sua reação luminosa. Seu comportamento e suas regras de funcionamento regulavam a interação com o músico, criando padrões, mas sem se mostrar totalmente previsível. O experimentador (o músico) se deparava com uma caixa-preta (o Musicolour), à qual tinha acesso apenas pelos terminais de entrada (microfone) e pelos terminais de saída (projeções luminosas). O desenrolar dessa relação não ocorria por meio da tentativa de abrir ou mapear o funcionamento do aparelho, seguindo o ímpeto fundamental das ciências modernas, mas de modo diverso, ou seja, pela experimentação com as entradas e saídas de dados. 152 Nós da Arquitetura Por um lado, o Musicolour apresentava afinidades com as investigações da primeira geração de ciberneticistas. Mas, em um olhar mais atento, podemos afirmar que Pask já reivindicava uma considerável expansão da teoria cibernética. Grosso modo, a primeira geração de ciberneticistas estabelecia uma relação de distanciamento com a caixa-preta, colocando-se como observadores externos que deveriam analisar de modo distanciado o comportamento do sistema, além de tentar compreender sua relação com algum propósito. Por sua vez, Pask fomentava um diálogo ativo entre observador e caixa-preta. O músico controlava o Musicolour ao mesmo tempo em que o aparelho controlava o músico, estabelecendo um processo de retroalimentação que estimulava o improviso e a inovação contra a mesmice da performance. Portanto, o Musicolour não se propunha a ampliar a capacidade musical do performer. Ele funcionava em diversos níveis de interação com o músico, estimulando-o a realizar performances distintas de suas apresentações individuais. Em um extremo, o sistema funcionaria por uma simbiose dos dois subsistemas – músico e Musicolour – que diluiria a fronteira do controle cibernético. Durante o desenvolvimento do Musicolour, Pask criou, junto com Elizabeth Pask e Robin McKinnon-Wood, a firma de pesquisa e consultoria System Research (1953). Na década que se seguiu, além de se envolver no desenvolvimento de máquinas de treinamento, Pask investiu em experimentos de diversas ordens, como computadores químicos e simulações numéricas, ampliando sua contribuição à cibernética. Particularmente interessante é sua aproximação da arquitetura, quando, no começo da década de 1960, foi convidado pela diretora teatral Joan Littlewood e pelo arquiteto Cedric Price para participar do projeto do Fun Palace, organizando seu comitê cibernético (PRICE, 2001; LOBSINGER, 2000; MATHEWS, 2007). O Fun Palace (1960-1976) era um 153 Nós da Arquitetura experimento arquitetônico e social lançado por Littlewood, que pretendia estabelecer um espaço para ininterruptas atividades de lazer e aprendizagem, fomentando a cooperação dos usuários em prol do engajamento em uma subjetividade livre e criativa. Nesse sentido, Price desenvolvia para Littlewood uma infraestrutura arquitetônica que deveria possibilitar reconfigurações espaciais decorrentes de diversos usos e interações, ao longo do tempo. Junto ao subcomitê, Pask se dedicava a implantar um sistema cibernético capaz de assimilar os interesses dos usuários e os padrões de uso na configuração dos espaços. Em 1965, Pask apresentou um diagrama do sistema de controle que, analisando as preferências dos usuários e o número de partícipes, se encarregaria de ajustar os parâmetros para adaptação da estrutura do Fun Palace, promovendo, novamente, um diálogo cibernético. Infelizmente, esse diálogo se restringiu aos diagramas de Pask, uma vez que o Fun Palace nunca foi construído. O experimento do Musicolour, assim como o sistema de controle do Fun Palace, evidenciava a possibilidade de uma transgressão dos comportamentos rotineiros e, mesmo, a valorização de uma subjetividade fundamentada na capacidade de promover jogadas e relacionamentos inesperados com outros “sistemas” – sejam os sistemas eletromecânicos ou outras pessoas. Além de contribuir para uma expansão significativa da cibernética, tais experimentos também apontavam para uma redefinição do próprio campo da Arte e Arquitetura. Em 1961, Pask lançou seu tratado sobre cibernética (An Approach to Cybernetics), no qual, novamente, seguia a tradição dos pioneiros, estabelecendo as definições gerais sobre a ciência, utilizando notações rigorosas e diagramas para representar a organização dos sistemas, além de apresentar seus experimentos como suporte empírico de seus argumentos. Interessa destacar nessa obra a transversalidade 154 Nós da Arquitetura da noção de sistema, que possibilitava a abstração dos mais diversos fenômenos e dos comportamentos do ambiente, tendo em vista a análise e o interesse do observador (1961, p.18-23). Pask retirava, portanto, a caracterização de um sistema do âmbito objetivo, fundamentando-o nas expectativas do observador e na sua interação com o sistema. Assim, um sistema poderia ser imprevisível ou auto-organizado para um observador, enquanto não o seria para outro. Além disso, já era explícita, em sua teorização, a importância da participação, como indica a sua compreensão do “observador participante” e de sua linguagem como partes integrantes dos diversos sistemas que ele pode observar ou experimentar (1961, p. 33-35). Na esteira de sua aproximação com a arquitetura, Pask publicou também o manifesto Architectural Relevance of Cybernetics (1969) na célebre revista Architectural Design. Nesta, ele considerava urgente desenvolver sistemas dinâmicos capazes de lidar com a performance dos homens e das organizações sociais emergentes. Ao defender a adoção da cibernética como teoria holística para a arquitetura, Pask aproximava o projeto arquitetônico do desenvolvimento de sistemas adaptativos. E, ao adotar uma compreensão abstrata de sistema, Pask sugeria abarcar o ambiente construído em suas diversas escalas (edifícios, estruturas urbanas ou cidades), além de envolver diversas modalidades de interações: entre o projetista e o sistema que ele está projetando; entre o projetista e o sistema que o auxilia no desenvolvimento do projeto; entre uma estrutura construída e o contexto dinâmico da cidade; entre os diferentes profissionais planejando a cidade como um sistema; entre os habitantes e o invólucro construído etc. Em suma, seu tratado cibernético e seu manifesto arquitetônico tornaram explícitos dois temas fundamentais de sua obra: os sistemas adaptativos e o observador ativo. O 155 Nós da Arquitetura primeiro possui clara filiação à definição clássica de cibernética, reivindicando a necessidade de compreender e desenvolver sistemas capazes de se ajustar às contingências do mundo exterior. O segundo expande o papel do observador no âmbito dos experimentos cibernéticos, reconhecendo a participação como elemento constituinte das trocas informacionais. 156 Nós da Arquitetura 3 Cybernetic Serendipity A exposição Cybernetic Serendipity: the computers and the arts foi exibida no Institute of Contemporary Arts (ICA) em Londres, em 1968. Ela foi organizada pela curadora Jasia Reichardt, tendo o artista Peter Schmidt como consultor musical, o designer de sistemas Mark Dowson (associado de Gordon Pask na System Research) como consultor tecnológico, e foi projetada pela cenógrafa Franciszka Themerson. Tinha por objetivo “apresentar formas criativas engendradas pela tecnologia” (REICHARDT, 1968, p.5) na intersecção entre ciência e arte. A exposição foi fundamental na difusão da cibernética e na definição de um horizonte para a arte, um horizonte que deveria se tornar palpável ao longo das décadas seguintes. Mas aqui cabe uma ressalva sobre o uso do termo cibernética como adjetivo no título da exposição, ao longo do catálogo, e nos textos e descrições das obras. A princípio, o termo abarcava propriamente a ciência cibernética, apresentando, como fundamento da exposição, uma síntese da definição da cibernética proposta por Norbert Wiener (falecido quatro anos antes), além da participação de importantes ciberneticistas da segunda geração, como Stafford Beer e Gordon Pask. Mas, por outro lado, Reichardt também utilizava o termo para tratar do que era (e ainda é) vulgarmente compreendido por cibernética: o uso de computadores e dispositivos eletrônicos. Nota-se que, no âmbito curatorial, essa ampliada definição cibernética era coerente com a proposta de apresentar formas “criativas” suportadas pelas novas tecnologias (REICHARDT, 1968 e 1971). Nesse sentido, a exposição funcionava como um grande guarda-chuva para sistemas cibernéticos, experimentações computacionais e eletrônicas (e mesmo mecânicas) no âmbito da música conceitual, da 157 Nós da Arquitetura instalação, da poesia e da arte visual, além da exibição de novos dispositivos tecnológicos. 158 Nós da Arquitetura 4 Estética informacional e arte permutacional Antes de apresentarmos a participação de Gordon Pask na Cybernetic Serendipity, investigaremos outro espectro de manifestações artísticas que se fundamentavam em premissas distintas. Em termos teóricos, Jasia Reichardt apontava o filósofo alemão Max Bense como importante influência intelectual por trás da idealização da exposição (1968, p.05). Max Bense possuía uma grande afinidade com abordagens estruturalistas da arte, como indica sua proximidade com a poesia concreta e com a semiótica. Ele assimilou, pioneiramente, a teoria da informação e da comunicação no campo da arte, com o intuito de construir uma teoria estética gerativa de base informacional. De modo geral, podemos afirmar que a estética informacional inseria a arte no campo da teoria da informação e da comunicação como um tipo específico de mensagem, portadora de um tipo específico de informação, a informação estética (BENSE, 1971; GIANNETTI, 2002, p.38-47). Ao submeter a arte a uma leitura informacional e mensurável, tal estética promovia o desmanche de qualquer fundamento metafísico, material ou autoral de autenticidade, situando o alto teor de originalidade das mensagens como objetivo dos processos artísticos. O desenvolvimento de uma estética informacional contou com o suporte de diversos teóricos, entre eles, o engenheiro francês Abraham Moles133. Este desenvolveu o caráter operacional da nova teoria estética, investigando a interferência dos computadores nos diversos processos inerentes à arte (criação, crítica e recepção) e classificando algumas possíveis atitudes artísticas. Em consonância com a 133 Para reforçar a proximidade ideológica da estética informacional com a Cybernetic Serendipity, vale notar que tanto Bense quanto Moles publicaram textos sobre a estética informacional no livro Cybernetic, art and ideas (1971), editado por Jasia Reichhardt após a exposição. 159 Nós da Arquitetura centralidade da informação e o uso dos computadores, Moles utilizou instigantes diagramas de fluxos para caracterizar essas atitudes estéticas. Vale destacar, aqui, a terceira atitude estética proposta por Moles, que trata de sistemas que utilizam um algoritmo combinatório para amplificar o campo de exploração artística e, consequentemente, a complexidade da obra. Nesse esquema permutacional, o artista seria responsável pela criação do algoritmo, ou seja, pela definição de instruções capazes de gerar uma obra. Por sua vez, Só a máquina será capaz de explorar sistematicamente a totalidade desse campo dos possíveis e fazer passar pelo crivo de um valor qualquer cada uma das milhões de obras realizadas, para delas conservar as melhores. É a arte permutacional. A máquina comportará um código simbólico, que fabrica um repertório, e um algoritmo dado pelo esteta, que é aqui um artista, porque cria seu algoritmo e é por ele responsável (MOLES, 1973, p.166). Fig.2 Atitude estética três: “sistema envolvendo amplificador de complexidade trabalhando sobre um algoritmo”. Diagrama desenvolvido pelo autor a partir do diagrama de Moles (1971, p.67). 160 Nós da Arquitetura Na Cybernetic Serendipity, havia trabalhos pioneiros de arte produzida por meio da programação e permutação e que estavam classificados como trabalhos de computação gráfica. Entre esses, são particularmente importantes as obras do engenheiro dos laboratórios de telefonia da Bell, Michael Noll, e dos matemáticos alemães (e alunos de Bense), Georg Nees e Frieder Nake. Tais trabalhos apresentavam clara afinidade com a visão objetiva da estética informacional, reiterando, explicitamente, o princípio da permutação e o uso da programação como partes integrantes do processo artístico. Para cada obra, instruções rigorosas eram criadas para a geração das formas, tais regras eram descritas na linguagem de programação e, em cada execução do programa, o computador gerava uma das possíveis variações estabelecidas pelas instruções, que seria impressa no tamanho desejado. Por exemplo: a obra 8-corner, de George Nees, definia aleatoriamente oito pontos no espaço de um quadrado e os conectava sequencialmente por linhas; a obra Rectangular hatching, de Frieder Nake, tinha como parâmetros o número de retângulos ortogonais, suas coordenadas de origem, o número de linhas para preencher cada retângulo, a direção das linhas de preenchimento (vertical ou horizontal) e o estilo das linhas de preenchimento (espessura e cor), gerando uma composição randômica de retângulos preenchidos por linhas ortogonais; Michael Noll, por sua vez, se apropriou dos princípios geométricos da obra Composition with lines (Piet Mondrian, 1917) para gerar variações automáticas, tomando como parâmetro uma quantidade determinada de linhas horizontais e verticais, que seriam distribuídas na área de um círculo. 161 Nós da Arquitetura Fig.3 Arte gerativa permutacional. Os exemplos acima são interpretação das obras 8-corner(George Nees); Rectangular hatching (Frieder Nake); variações computacionais de Michael Noll sobre Composition with lines (Piet Mondrian) – a partir das descrições em Reichardt (1968, p.74-79). Imagens geradas por algoritmos desenvolvidos pelo autor na linguagem Processing. Nessas obras, a programação se colocava como o domínio da liberdade e da originalidade. A complexidade da obra era decorrente do rigor de regras gerativas, que eram definidas pelo artista e inseridas como input no computador. Uma vez que o belo era definido na estética informacional como um fator estatisticamente controlável, o computador deveria acelerar o surgimento de obras significativas e improváveis 162 Nós da Arquitetura por meio do teste aleatório das variações possibilitadas pelo algoritmo. Embora Moles ainda estivesse preso ao valor do output como obra de arte (visível no complexo sistema de filtros para output e “consumo” estético do diagrama), nota-se que, nesse processo, a essência da obra é o próprio princípio de permutação, responsável pelo repositório virtual de variações paramétricas. Por um lado, era evidente uma afinidade instrumental entre a estética informacional e a cibernética, no que dizia respeito à centralidade do tema informação ou à produção de sistemas gerativos para criar novidade. Aliás, Moles recorria à cibernética e a seus termos com frequência, como fica explícito no texto em que apresenta as atitudes estéticas computacionais: Art and cybernetics in the supermarket (1971). Entretanto, tendo em vista o desenvolvimento da cibernética de Pask, nota-se que a predominância de fundamentos da teoria da informação tornava as divergências ainda mais notórias. 163 Nós da Arquitetura 5 Colloquy of mobiles e o desenvolvimento da Teoria da Conversação Como visto, na produção de Gordon Pask da década de 1950 e 1960, já se manifestava uma compreensão de arte muito peculiar, que orbitava em torno do tema da interação. Nos dois textos que acompanham sua participação na Cybernetic Serendipity (1968 e 1971), essa compreensão se desdobrava em esboços de uma teoria estética de base cibernética. Segundo essa teoria, o ser humano possuiria uma tendência rumo à novidade, isto é, uma tendência a investigar e aprender sobre sistemas que – independentemente de seu conteúdo – lhe parecessem ambíguos. Nos diversos papéis que o homem poderia assumir no campo da arte – como criador de uma obra tangível, como criador de prescrição para uma obra (ex: partituras), como intérprete da transcrição de uma obra, ou mesmo como observador de uma obra -, a arte deveria ser compreendida como um ambiente de potência estética (1971, p.76). E, por potência estética, Pask entendia o potencial da arte em se situar em um nível de discurso compatível com o homem, estimulando-o a interagir com os seus diversos patamares de abstração. Nesse sentido, a arte estimularia um tipo de controle cibernético mútuo que Gordon Pask denominava de conversação, além de promover um campo de ambiguidade entre os papéis de partícipe e observador (1971, p.77). Mas vale destacar que, embora Pask situasse as diversas modalidades artísticas como potencialmente interativas, ele estabelecia uma importante nuance. Em manifestações estáticas ou sequenciais, como a pintura, ou convencionalmente a música, a interação ocorreria interna ou psicologicamente. Isto é, o observador dialogaria com uma representação interna da obra, expandindo os limites da obra. Esse nível 164 Nós da Arquitetura de interação corresponderia, portanto, ao caráter de abertura inerente à produção da obra de arte e à sua interpretação – o que Umberto Eco define como abertura de 1º grau (1991). Para além dessa característica de abertura inerente à interpretação, os experimentos de Pask propunham uma interação que não se limitava ao âmbito psicológico. A modalidade de interação defendida por Pask reivindicava a plena participação do próprio observador. Ele considerava necessário que a obra se fundamentasse em uma interação explícita e tátil, não limitada pelo diálogo interno com a obra nem por processos comunicativos134. Isto é, tais experimentos promoviam um ambiente de potência estética que efetivamente reagia e se adaptava aos participantes – como o Musicolour ou o Fun Palace. Na exposição Cybernetic Serendipity, Gordon Pask apresentou a obra Colloquy of Mobiles, exposta sob a categoria máquinas e ambientes. A obra se compunha de cinco mobiles (esculturas móveis), que, por meio do movimento e de sinais sonoros e luminosos, deveriam ser capazes de promover a conversação, lembrando que o termo “colóquio” indica justamente conversações ou debates entre duas ou mais pessoas. Com o intuito de promover a conversação entre os mobiles, Pask definiu cinco pré-requisitos: 134 Vale destacar aqui algumas semelhanças e diferenças entre a proposta de obra aberta de Umberto Eco e a arte conversacional de Gordon Pask. Em termos gerais, a proposta de uma arte interativa de Pask possui uma clara afinidade com a noção de abertura de 2º grau proposta por Eco, na qual o artista intencionalmente produziria uma obra como um território aberto à participação. Entretanto, a ênfase semiológica de Umberto Eco o leva a compreender essa obra aberta como um processo artístico que subverte as convenções linguísticas e cria um campo de possibilidades para que o próprio fruidor finalize a obra. Para Pask, a participação do observador não remete a um jogo de fruição nem se atém a sistemas linguísticos, como descrevemos neste texto. 165 Nós da Arquitetura 1 Os objetivos dos diversos mobiles devem ser parcialmente incompatíveis, para que eles compitam entre sí. 2Alguns dos objetivos devem ser inalcançáveis por um só mobile. Com o intuito de alcançar tais objetivos, pelo menos um par de mobiles deve cooperar e, para cooperar, esse par deve se comunicar. 3 As metas principais de ummobile devem ser decompostas em sub-metas para que qualquer mobile contenha uma organização hierárquica. 4 Interação cooperativa deve envolver objetivos principais e sub-objetivos,de modo queexistam váriosníveis de comunicaçãono sistema. 5 A busca do menor nível sub-objetivos deve ser realizada por programas embebidos em cada mobile e agindo autonomamente. Enquanto a seleção desses programas depende de feedback mediado por comunicação, a sua execução não. Esta é uma maneira (incidentalmente, uma forma biologicamente significante) de dissociar os mobiles e manter suas integridades individuais (PASK, 1971, p.88 e 89). Nota-se que os cinco pontos defendiam que cada mobile tivesse objetivos próprios e acesso a uma quantidade limitada da informação do ambiente e dos demais mobiles. O funcionamento do conjunto seria tributário dos mobiles, competindo ou cooperando para alcançarem seus objetivos individuais. Assim, a inteligência desse conjunto se baseava na sua capacidade de comunicação e ação em meio a metas distintas. 166 Nós da Arquitetura Para desenvolver esse jogo de competição e cooperação, Pask estabeleceu uma distinção de gênero entre os mobiles. Fig.4 Colloquy of mobiles. a) mobile macho; b) mobile fêmea; c) diagrama de Pask sobre o funcionamento dos mobiles; d) mobiles em funcionamento; e) contato entre mobile macho e fêmea (Fonte dos itens a-e: Gordon Pask 167 Nós da Arquitetura Archive at the Dept of Contemporary History, University of Vienna/Austria); f) diagrama (vista superior e vista frontal) do funcionamento dos móbiles, feito pelo autor135. Os dois mobiles centrais eram denominados de machos. Eles eram suportados por um mastro pivotante comum que se bifurcava em dois mastros individuais. Cada mobile macho se configurava por vários elementos pendurados nesse mastro individual. Além de displays que mostravam o seu estado em relação às variáveis O(range) e P(uce), no corpo principal, havia três elementos: um projetor energético no meio (m) e dois receptores energéticos, um na parte superior (s) e outro na inferior (i). Em suma, o comportamento de cada macho se baseava nos níveis das variáveis O e P, que cresciam ao longo do tempo e demandavam recorrente redução. Ambas as variáveis se amenizariam caso o projetor central do mobile conseguisse emitir um sinal luminoso (B) para seu próprio receptor. No caso da variável O, uma luz laranja (orange) deveria ser recebida pelo receptor superior (s) e no caso da variável P, uma luz roxo-marrom (puce) deveria ser captada pelo receptor inferior (i). Esse processo caracterizaria uma espécie de dança, ativando sinais luminosos e sonoros e reiniciando a variável envolvida no processo. Mas, sozinho, o macho não conseguiria realizar esse processo, visto que o ângulo de seu projetor luminoso não alcançaria o seu próprio receptor. 135 O diagrama proposto por Pask (c) se estrutura a partir de um triângulo isóscele. Entretanto, após analisarmos diversas fotos da instalação, antevemos a possibilidade dele ser estruturado em um triângulo equilátero. Reparem, nas fotos, que o eixo central dos mobiles machos não está alinhado com nenhum par de mobiles fêmeas (como no diagrama de Pask). Provavelmente, o diagrama de Pask propunha essa distorção para tornar mais legível o corte esquemático que ele utilizou para descrever os componentes dos mobiles (ver PASK, 1971, p.90). O diagrama que desenvolvemos (f) demonstra como o triângulo equilátero propicia oportunidades iguais para os mobiles nas disputas e acordos mútuos. 168 Nós da Arquitetura Completando o conjunto, havia três mobiles fêmeas, que possuíam uma forma bulbosa. Cada fêmea estava suportada por um mastro pivotante próprio na periferia do ambiente e equidistante ao mastro central dos mobiles machos. Na faixa central de seu corpo, havia um refletor (r), que tinha a capacidade de girar em um eixo transversal, assegurando uma variedade de ângulos de reflexão. Sua forma e seu comportamento permitiam completar a dança do mobile macho, recebendo seu feixe de luz e refletindo em seu receptor. Evidentemente, essa dança se comprovou mais efetiva em um ambiente escuro com pouca interferência nos sinais luminosos. Cada mobile possuía um programa com as regras de seu gênero embutidas, estabelecendo, para si, uma hierarquia de objetivos. Não é incidental que, na descrição de Pask do Colloquy of Mobiles (PASK, 1971), a quantidade de diagramas de fluxos de decisão superava a de representações geométrica da obra (planta e corte esquemáticos) ou mesmo o número de fotos. Mas, apesar do caráter individual desses protocolos de decisão, o mobile deveria lidar com relações de cooperação, como na dança entre um mobile macho e fêmea, ou competição, como no caso dos dois mobiles machos disputando o movimento de rotação do mastro central em prol da atenção das fêmeas. Nesse sentido, cada programa individual continha protocolos para lidar com os demais mobiles, por meio de processos de comunicação e ações específicas. Ou seja, apesar de cada programa ser executado individualmente, seu funcionamento se suportava nas possíveis relações entre os mobiles. E, além da capacidade conversacional dos mobiles, com suas danças e divergências, o ambiente interativo era aberto à participação dos diversos observadores. Uma vez que Pask almejava uma potência estética fundamentada na 169 Nós da Arquitetura participação explícita, os meios de comunicação utilizados pelos mobiles deveriam ser acessíveis à intervenção humana. Assim, o observador poderia transgredir o nível de envolvimento psicológico e interagir fisicamente com o ambiente. Não apenas essa aposta estava presente na descrição do Colloquy (PASK, 1971, p.91), como também existem relatos de que diversas pessoas utilizavam espelhos de maquiagem para redirecionar os feixes luminosos dos mobiles e de que, em certos casos, alguns observadores se detinham horas perante o colóquio136. 136 Pickering (2010, p.360) se refere a esses relatos a partir de uma comunicação pessoal do arquiteto John Frazer e de um artigo de Zeidner, J., D. Scholarios e C. D. Johnson. 170 Nós da Arquitetura 6 Um diagrama para a conversação Ao longo da década de 1970, esse interesse em uma teoria sobre interação se desdobrou em uma contribuição fundamental para a cibernética e para a arte: a Teoria da Conversação. Por um lado, a Teoria da Conversação inseria-se em um amplo movimento de revisão realizado pela nova geração de ciberneticistas. Esse movimento se fundamentava em uma série de pressupostos teóricos que aqui não iremos explorar137. E, em termos cronológicos, vale citar que, em 1972, Pask apresentou a Teoria da Conversação no European Meetings on Cybernetics and Systems Research. Em 1975(b) e 1976, Pask consolidou a Teoria da Conversação, publicando dois livros fundamentais: Conversation, cognition and learning e Conversation Theory. Na virada da década, Pask apresentou algumas revisões e desdobramentos da Teoria da Conversação, como no artigo Developments in Conversation Theory-Part 1(1980). Em meio a essa série de publicações, Pask escreveu Artificial Intelligence que, elaborado em 1972, viria a ser publicado como introdução a um capítulo do livro Soft Architecture Machine (in NEGROPONTE, 1975). Esse artigo foi desenvolvido para contribuir para a idealização e 137 Vale apontar, por exemplo, a teoria da autopoiese – que tratava de sistemas autônomos, organizacionalmente fechados e estruturalmente ligados ao ambiente – desenvolvida pelos biólogos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana, ou ainda a importante contribuição de Heinz von Foerster para a construção de uma epistemologia circular que partia do domínio fenomenológico do observador e dos domínios de consenso estabelecidos em comunidades de observadores. Ao inserir o observador como fundamento do conhecimento, von Foerster definia uma cibernética dos sistemas observadores, que cunhou de cibernética de 2ª ordem, subordinando a cibernética convencional (1ª ordem), e sua observação e análise objetiva dos sistemas a um tipo específico de consenso. Para uma revisão sobre a cibernética de 2ª ordem e a contribuição de Pask, ver, por exemplo, Haque (2007), Scott (2004), Glanville (2004) e Lopes (2009). 171 Nós da Arquitetura desenvolvimento de computadores inteligentes que colaborariam com o projeto arquitetônico – as máquinas arquitetônicas que Nicholas Negroponte investigava no Architectural Machine Group do MIT. Mas, além desse suporte, ele foi a grande oportunidade de Pask unir os experimentos, máquinas e teorias até então desenvolvidos, sintetizando aspectos centrais da Teoria da Conversação (PANGARO, 2001). Em Artificial Intelligence, Pask formalizou diversos conceitos e relações da Teoria da Conversação com o intuito de propor um esquema geral da conversação capaz de abranger quaisquer sistemas. Ao longo do artigo, ele desenvolveu, com o suporte de uma série de diagramas, um modelo para caracterizar uma relação entre dois indivíduos (α e β), mediada por uma interface (linha vertical). Nesses diagramas, ele também estabeleceu uma linha horizontal para caracterizar dois níveis de procedimentos referentes ao próprio indivíduo: o superior, que abarcaria a aprendizagem e a posse de objetivos, e o inferior, que consistiria na operacionalização e realização dos objetivos (métodos). A importância do último diagrama de Pask consiste no fato de apresentar tais mecanismos de feedback em três categorias: (1) os loops verticais, que conectam os objetivos e os métodos próprios de um indivíduo; (2) os loops horizontais, que conectam os métodos e os objetivos de dois indivíduos; (3) os loops cruzados, que conectam os objetivos de um indivíduo com os métodos do outro. Gordon Pask associa esse terceiro loop à possibilidade de um indivíduo compreender o outro como um meio (1975a, p.30). Por sua vez, seu discípulo, Paul Pangaro (2001), relaciona essa ligação à metáfora paskiana da dança, na qual cada indivíduo induziria o outro a agir em prol de seus próprios objetivos. Nesse sentido, as ligações cruzadas ativariam um loop contínuo de controle que dissolve os limites de cada indivíduo (linha vertical da interface), estabelecendo uma simbiose. 172 Nós da Arquitetura Fig.5 Diagrama de conversação. Interpretação do autor a partir dos esquemas propostos por Pask (1975a) e da descrição realizada por Pangaro (2001). 173 Nós da Arquitetura 7 Uma comparação e alguns desdobramentos Como já vimos ao longo do texto, Gordon Pask investigava obsessivamente um dos tipos mais refinados de interação: a conversação (DUBBERLY, HAQUE e PANGARO, 2009). Para ele, a interação com os participantes e com o ambiente não apenas eram aspectos centrais de suas obras, como se tornaram fundamentos para muitas de suas definições, como a inteligência ou a potência estética. Essas definições reforçam o posicionamento teórico de Pask e sua divergência com abordagens causais e preditivas associadas à ciência moderna. Aqui, pretendemos apontar alguns contrastes dessas definições de Pask em relação a outros campos e abordagens, ressaltando as particularidades de uma possível arte conversacional. Por exemplo, para o nascente campo da inteligência artificial, tanto o computador quanto a mente humana eram vistos como sistemas de tratamento de símbolos. Nessa acepção, os processos cognitivos deveriam lidar com um repositório simbólico de representações do mundo e seriam, portanto, suscetíveis à reprodução e automatização por meio de operações lógicas (PESSIS-PASTERNAK, 1992, p.207-232; PICKERING, 2010, p. 5 e 6; HAYLES, 1999, p. 238). Em contraste, Pask não considerava a inteligência um atributo objetivo nem individual, mas um fenômeno observado na interação e no agenciamento entre diversos sistemas, capazes de dialogar e manifestar entendimento (PASK, 1975a, p.7-8; PANGARO, 1990). Quanto à definição de estética, vale lembrar que Abraham Moles adotava uma polêmica visão da arte, delimitando princípios probabilísticos para avaliar e produzir mensagens estéticas. Uma vez que a originalidade da mensagem estética poderia ser definida objetivamente tanto em termos de análise (medida de informação) quanto de produção 174 Nós da Arquitetura (funções com argumentos randômicos), seus desdobramentos se inseriam no espaço restrito da causalidade. Nesse sentido, tal teoria privilegiava uma estrutura de criação artística linear e distanciada, na qual o produtor se encarregava de desencadear a capacidade computacional para criar variações. Apesar de tais variações serem imprevisíveis, elas não estimulavam a interação entre o algoritmo e outros sistemas (o observador ou o ambiente), restringindo-se ao uso de iterações computacionais para investigar o espaço proposto por regras bem definidas de geração de uma forma. Nesse sentido, a arte permutacional não promovia espaços propícios a interações mais complexas do que entrada e saída de dados. Tanto o Colloquy quanto a Teoria da Conversação se contrapunham ao esquema permutacional proposto por Abraham Moles. Para Pask, a beleza não era um tipo de mensagem que poderia ser determinada nem produzida por métodos probabilísticos. Como afirmamos anteriormente, Pask defendia o potencial de a arte situar-se em um nível de discurso compatível com o homem, estimulando-o a interagir com os seus diversos patamares de abstração. Nota-se que Pask definia a beleza no território da interação, como uma ambiguidade que deveria ser investigada pelo observador, a partir da interpretação do que os sistemas circundantes expõem. Portanto, para Pask, a potência estética se realizaria entre diversos sistemas com definições e comportamentos distintos, de modo que significados seriam formulados internamente às entidades envolvidas, mas ativados pelas trocas da conversação. Ao contrário dos algoritmos da arte permutacional ou da inteligência artificial, os protocolos dos mobiles não pretendiam definir o escopo das ações, da beleza ou da inteligência do sistema. Eles deveriam assegurar suficiente variedade de comportamentos e hierarquias de objetivos para 175 Nós da Arquitetura subsidiar uma performance. Nesse caso, era garantido que as trocas da conversação perpassariam todos os elementos do sistema, não se limitando ao campo de exploração de um algoritmo. Assim como na teoria dos jogos de Flusser (ver capítulo anterior), quando Pask definiu uma Teoria da Conversação, ele extrapolou o campo da transformação técnica. Podemos induzir, inclusive, o reposicionamento do próprio homem, que se tornaria capaz de superar os limites epistemológicos da ciência, de uma natureza objetiva do conhecimento e de uma visão autônoma sobre o sujeito. O termo sujeito póshumano, proposto por N. Katherine Hayles, evidencia traços dessa superação. Segundo ela, Na visão pós-humana (...) o agenciamento consciente nunca esteve “em controle”. De fato, a própria ilusão de controle evidencia uma ignorância fundamental sobre a natureza dos processos emergentes pelos quais a consciência, o organismo, e o ambiente são constituídos. Controle pelo exercício da vontade autônoma é somente estória da consciência contada para si com o intuito de explicar resultados que surgem, na realidade, através de dinâmicas caóticas e estruturas emergentes. (1999, p. 288). Para Hayles, o sujeito pós-humano se dissolve em uma interação dinâmica com o ambiente, que inclui tanto agentes humanos quanto inumanos, substituindo o sujeito humanista e seu ímpeto de dominação por uma cognição distribuída. Partindo dessa formulação, podemos reconhecer na Teoria da Conversação esboços da definição de um sujeito que se realiza nos outros, como os nós de uma rede. Portanto, a complexidade da estrutura de interação almejada por Pask parece apresentar não apenas um desafio tecnológico – hoje 176 Nós da Arquitetura talvez superado –, mas, principalmente, o desvelamento de uma camada pouco perceptível da realidade e, portanto, um desafio para a arte e arquitetura. 177 Referências Bibliográficas BENSE, Max. The projects of generative aesthetics. In: Reichardt, J. (Ed.), Cybernetics, Art and Ideas. London: Studio Vista, 1971. p.57-60. DUBBERLY, Hugh; HAQUE, Usman; PANGARO, Paul. What is interaction? Are there different types? Interactions, v.16, n.1, 69-75, 2009. ECO, Umberto. Obra Aberta. São Paulo: Perspectiva, 1991. FRAZER, John. The Cybernetics of Architecture: A Tribute to the Contribution of Gordon Pask. Kybernetes, v.30, n.5/6, p.641-651, 2001. _______. Computing Without Computers, Architectural Design, v.75, n.2, p.34-43, 2005. GIANETTI, Claudia. Estética Digital: Sintopia da arte, a ciência e a tecnologia. Belo Horizonte: C/ Arte, 2006. GLANVILLE, Ranulph. The purpose of second-order cybernetics.Kybernetes, v.33, n.9/10, p.1379-1386, 2004. HAQUE, Usman. The Architectural Relevance of Gordon Pask, Architectural Design, v.77, n.4, p.54-61, 2007. HAYLES, N. Katherine. How We Became Posthuman: Virtual Bodies in Cybernetics, Literature, and Informatics. Chicago: University Of Chicago Press, 1999. LOBSINGER, Mary Louise. Cybernetic Theory and the Architecture of Performance: Cedric Price’s Fun Palace. In: GOLDHAGEN, Sarah W.; LEGAULT, Réjean. (Eds.), Anxious Modernisms: Experimentation in Postwar Architectural Culture. Cambridge, MA: The MIT Press, 2000. p. 119-139. LOPES, Gonçalo M. F. C. Gordon Pask: exchanges between cybernetics and architecture and the envisioning of the IE.Kybernetes, v.38, n.7/8, p.1317-1331, 2009. MATHEWS, Stanley. From Agit-Prop to Free Space: The Architecture of Cedric Price. London: Black Dog Publishing, 2007. MINDELL, David A. Between Human and Machine: Feedback, Control, and Computing before Cybernetics. London: The Johns Hopkins University Press, 2002. MOLES, Abraham. Art and Cybernetics in the Supermarket. In: REICHARDT, J. (Ed.), Cybernetics, Art and Ideas. London: Studio Vista, 1971. p.61-71. _______. Rumos de uma cultura tecnológica. São Paulo: Perspectiva, 1973. PANGARO, Paul. Artificial Intelligence and Cybernetics. 1990. Disponível em: <http://www.pangaro.com/ syllabi/AI-vs-Cyb-syllabus.html>. Acesso em: out. 2013. _______. Paskian Artifacts: Machines and Models of Gordon Pask .Produzido por Claudia L’Amoreaux, 2001. Disponível em: <http://vimeo.com/16379760> . Acesso em out. 2013. PASK, Gordon. An Approach to Cybernetics. London: Hutchinson, 1961. _______. The Architectural Relevance of Cybernetics, Architectural Design, v.39, n.9, p.494-496, 1969. _______. A Comment, a Case History and a Plan. In: REICHARDT, J. (Ed.), Cybernetics, Art and Ideas. London: Studio Vista, 1971. p.76-99. _______. Artificial Intelligence: A Preface and a Theory. In: NEGROPONTE, Nicholas (Ed.). 1975. Soft Architecture Machines. Cambridge, MA: MIT Press, 1975a. p. 6-30. _______. Conversation, Cognition and Learning: a cybernetic theory and methodology. Amsterdam: Elsevier, 1975b. _______. Conversation Theory: application in education and epistemology. Amsterdam: Elsevier, 1976. _______. Developments in Conversation Theory-Part 1.International Journal of Man-Machine Studies, v.13, n.4, p.357-4 11, 1980. PICKERING, Andrew. The Cybernetic Brain: Sketches of Another Future. Chicago: University Of Chicago Press, 2011. PRICE, Cedric. Gordon Pask. Kybernetes, v.30, n.5/6, p.819-820, 2001. REICHARDT, Jasia. (Ed.). Cybernetic Serendipity: the computer and the arts. London: Studio International, 1968. _______.Cybernetics, Art and Ideas. London: Studio Vista, 1971. SCOTT, Bernard. Second-order cybernetics: an historical introduction. Kybernetes, v.33, n.9/10, p.1365-1378, 2004. WIENER, Nobert. Cibernética e Sociedade: o uso humano de seres humanos. São Paulo: Cultrix, 1968. Impresso em Chiado Print, Lisboa, Portugal