Anexo 65 - NUPPs

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Anexo 65 - NUPPs
A DESCONFIANÇA POLÍTICA E OS SEUS IMPACTOS NA
QUALIDADE DA DEMOCRACIA – O CASO DO BRASIL
SUMÁRIO
Parte I: QUE FATORES AFETAM A ADESÃO À DEMOCRACIA?
Introdução: Efeitos da Desconfiança Política para a Legitimidade Democrática –
José Álvaro Moisés e Rachel Meneguello
I.
Cidadania, Confiança e Instituições democráticas – José Álvaro Moisés
II. O Significado da Democracia Segundo os Brasileiros – José Álvaro Moisés
III. As Bases do Apoio ao Regime Democrático no Brasil – Rachel Meneguello
IV. Desafios da Maioridade das Eleições Democráticas – José Álvaro Moisés
V. Mídia e Apoio Político à Democracia no Brasil – Nuno Coimbra Mesquita
VI. A educação brasileira e seus retornos políticos decrescentes – Rogério Schlegel
Parte II – QUE EFEITOS PRODUZEM A CORRUPÇÃO POLÍTICA E A DESCONFIANÇA DO
JUDICIÁRIO, DA POLÍCIA E DOS SERVIÇOS PÚBLICOS?
VII. A Corrupção Política no Brasil Contemporâneo – José Álvaro Moisés
VIII. Telejornal e Corrupção: Notícias Negativas, Percepção Negativa? – Nuno
Coimbra Mesquita
IX. Impacto da Corrupção sobre a Qualidade do Governo Democrático – Umberto
Guarnier Mignozzetti
X. A Avaliação do Judiciário e o Acesso à Cidadania na Visão dos Brasileiros Fabíola Brigante Del Porto
XI. Por que os Brasileiros Desconfiam da Polícia? Uma Análise das Causas da
Desconfiança na Instituição Policial – Cleber da silva Lopes
XII. Serviços Públicos: o Papel do Contato Direto e do Cidadão Crítico nas
Avaliações das Instituições – Robert Bonifácio e Rogério Schlegel
Considerações Finais: O Papel da Confiança para a Democracia e as suas
Perspectivas – Rachel Meneguello e José Álvaro Moisés
INTRODUÇÃO
EFEITOS DA DESCONFIANÇA POLÍTICA PARA A LEGITIMIDADE
DEMOCRÁTICA
JOSÉ ÁLVARO MOISÉS e RACHEL MENEGUELLO
Este livro apresenta os resultados de uma pesquisa inédita realizada no Brasil em
2006 sobre a desconfiança dos cidadãos brasileiros das instituições democráticas. Trata-se
da continuidade das análises apresentadas originalmente no livro Democracia e Confiança –
Por que os Cidadãos Desconfiam das Instituições Públicas?, organizado por José Álvaro
Moisés e publicado pela EDUSP em 2010. O novo livro discute aspectos não explorados no
volume anterior em torno dos significados e das conseqüências para a teoria empírica da
democracia do fenômeno contemporâneo de descontentamento e de descrença política.
Embora o pano de fundo da análise esteja fortemente apoiado na comparação com outros
casos de democratização recente, os estudos apresentados a seguir concentram-se,
sobretudo, no caso do Brasil, e pretendem constituir-se em uma contribuição para o
desenvolvimento da agenda internacional de pesquisa que, desde as três últimas décadas
do século passado, vêm examinando a natureza e a dinâmica das transformações políticas
pelas quais passaram os países que substituíram os seus regimes autoritários pelas
estruturas institucionais da democracia.
Nas duas ou três últimas décadas, mudanças políticas ocorridas em escala mundial
afetaram as novas e velhas democracias de diferentes modos. Por toda parte, as análises
comparativas de processos de democratização mostraram que a desconfiança política é
uma variável comum afetando o papel do Estado e a relação dos cidadãos com o regime
democrático. No entanto, enquanto o fenômeno de descontentamento e de descrença
política nas velhas democracias estimulou, em vários casos, os cidadãos a adotarem novas
atitudes políticas e formas de participação na vida pública e, em algumas oportunidades, a
defenderem a reforma das instituições democráticas, nos países recentemente
democratizados os cidadãos que protagonizam a síndrome da desconfiança institucional
tenderam, muitas vezes, a afastar-se da política ou a desinteressar-se de seus rumos. Em
vários casos de novas democracias, embora a maioria do público expresse cada vez mais a
sua adesão ao significado normativo do regime democrático, a frustração com o
desempenho das instituições democráticas produz desconfiança que, por sua vez, se
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mostra associada com sentimentos negativos dos cidadãos a respeito de sua eficácia
política, com baixos níveis de interesse político, pouca participação cívica e, algumas vezes,
até com a preferência por modelos de democracia que excluem os partidos políticos e os
parlamentos (MOISÉS e CARNEIRO, 2010).
O debate em torno dos significados das atitudes do público quanto aos governos e
às instituições democráticas ocupa os analistas políticos há muito tempo. Uma das
questões mais relevantes desse debate refere-se precisamente ao impacto que os
indicadores de confiança em instituições políticas têm sobre o regime político como um
todo. Expressariam esses indicadores uma reação pública saudável a respeito do
desempenho dos políticos, dos partidos e dos governos ou, ao contrário, sinalizam a perda
da crença dos cidadãos nas principais instituições da democracia representativa? Outra
importante questão que permanece analiticamente obscura, como alguns especialistas
chamaram a atenção recentemente, refere-se à distinção entre o apoio público aos
princípios da democracia e o apoio aos resultados práticos dos governos democráticos
(Norris, 2011). Tendo em vista que na época presente a adesão do público aos valores
democráticos se universalizou, como se observa na maioria dos regimes que se reivindicam
democráticos, seria razoável esperar que os valores e os princípios fundamentais da
democracia que se espalham e se consolidam por toda parte, ajudem a recuperar a
confiança
dos
cidadãos
nas
instituições
da
democracia
representativa?
Ou,
alternativamente, o fenômeno de desconfiança generalizada de políticos e de governos, e a
falta de crença pública nas instituições de representação estão minando ou corroendo, não
apenas as expectativas usuais, mas também a legitimidade do próprio regime democrático?
E em que medida os efeitos de práticas anti-republicanas como a corrupção e o nepotismo
sobre as avaliações públicas do regime agravam essa possibilidade, afetando a motivação
dos cidadãos de participar politicamente ou mesmo a sua percepção sobre a efetividade
dos direitos de cidadania?
A questão da legitimidade e, conseqüentemente, dos difíceis processos de
legitimação de novos regimes democráticos, diz respeito a fenômenos que estão no centro
das possibilidades referidas antes. Com efeito, quando os modelos analíticos que se
ocupam centralmente desses aspectos do desempenho de muitos dos regimes
democráticos contemporâneos são mobilizados, uma situação complexa e aparentemente
paradoxal se torna evidente, apontando para a necessidade de mais reflexão e mais
pesquisa: ao lado de sinais ocasionais de deslegitimação de velhas democracias, observados
em certas áreas do mundo, verifica-se a legitimação mais ou menos generalizada da
democracia em outras regiões, ainda que de formas precárias ou incompletas. Trata-se,
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neste caso, de um fenômeno devido principalmente ao fracasso de diferentes modelos
autoritários de regime político (a exemplo do que ocorreu recentemente na Tunísia, no
Egito, na Líbia e em outros países do norte da África e do Oriente Médio), cujo ocaso abre
uma nova era política, mas não assegura necessariamente que os novos regimes serão
democráticos em conseqüência da derrocada da alternativa anterior. O fenômeno, no
entanto, sugere que, a noção de legitimidade, a despeito das idas e vindas dos processos
envolvidos e das controvérsias teóricas em torno do conceito, quando referida a um
conjunto de atitudes dos cidadãos a respeito das instituições democráticas - essas tendo
sido consideradas como as mais apropriadas estruturas de governo por uma dada
sociedade em um dado tempo histórico -, constitui-se em um critério indispensável de
análise da esfera da política (MORLINO, 2010).
O PAPEL DA CONFIANÇA
Essa questão reatualiza a indagação da literatura especializada sobre o papel da
confiança política para o funcionamento do regime democrático. Confiança em linguagem
comum designa segurança de procedimentos em face de diferentes circunstâncias que
afetam a vida das pessoas. Ela se refere às expectativas que as pessoas alimentam a
respeito do comportamento dos outros com quem convivem e interagem; e diz respeito à
ação desses outros quanto aos seus interesses, aspirações ou preferências. Nas ciências
sociais, o interesse pelo conceito está associado com a preocupação com os processos
informais através dos quais as pessoas enfrentam as incertezas e as imprevisibilidades que
decorrem da crescente complexificação da vida no contexto de um mundo crescentemente
globalizado, interdependente e fortemente condicionado por avanços tecnológicos que
afetaram profundamente a comunicação social. Essa situação implica em conhecimento
limitado de parte das pessoas comuns quanto aos processos de tomada de decisões
próprios do regime democrático que afetam a sua vida.
Em face disso, autores tão diferentes como Luhmann (1979), Giddens (1990),
Sztompka (1999), Offe (1999), Warren, (1999), Hardin (1999), Levi (1998) e Tilly (2007),
entre outros, chamaram a atenção para o fato de que a velha demanda por coordenação
social, que está na origem do Estado moderno, se reatualizou na época contemporânea ao
se articular com as exigências de cooperação social requeridas pela ordem democrática.
Contudo, para se deixar coordenar e para cooperar com as instituições da democracia as
pessoas precisam ter alguma capacidade de previsão sobre o comportamento dos outros e,
em especial, sobre o funcionamento de regras, normas e estruturas institucionais que
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condicionam esse comportamento e cujos efeitos afetam a sua vida; daí a demanda por
confiança política. Ela é vista como uma espécie de atalho diante das adversidades e
imprevisibilidades que afetam as pessoas comuns face à complexidade do processo
democrático; nas últimas décadas, o conceito vem sendo usado para designar grande
variedade de fenômenos que, mesmo envolvendo riscos, refere-se à coesão necessária ao
funcionamento de sociedades complexas, desiguais e diferenciadas que escolheram a
alternativa democrática para se autogovernar.
A literatura tem tratado a questão tanto pela abordagem dos racionalistas como
Hardin (1999), como por aquelas adotadas pelos cultores dos modelos de “cultura cívica”
de Almond e Verba (1963), “capital cultural” de Bourdieu (1970), “capital social” de Putnam
(1993), “pós-materialismo” de Inglehart (1990), e “cidadãos críticos” de Norris (1999),
Klingemann e Fuchs (1998). Os racionalistas consideram que a confiança envolve a
expectativa racional da pessoa que confia sobre o curso de ações da pessoa que é objeto
de confiança. A imprevisibilidade humana e o fato de o comportamento alheio não poder
ser completamente controlado – a não ser em situações-limite -, implicaria, contudo, em
risco de dano ou de vulnerabilidade de quem confia diante do depositário da confiança. O
ato de confiar sendo insuficiente per se para determinar o resultado da interação levou
autores como Hardin (1999) a supor que só não haverá abuso da confiança se a relação
encapsular os interesses das partes. Ou seja, quando quem confia tem segurança prévia
sobre a motivação solidária do confiado e a expectativa de que seus interesses não serão
desconsiderados por ele. Nesse caso, a confiança interpessoal envolveria as situações em
que interesses mútuos, que geram benefícios comuns e eliminam os riscos de abuso da
confiança, podem ser mobilizados; mas, afora isso, a confiança não se justificaria, e Hardin
(1999) rechaça enfaticamente qualquer possibilidade de que a confiança interpessoal possa
ser estendida à esfera das instituições que, sendo objetos inanimados e impessoais,
controlados por burocratas distantes e desconhecidos das pessoas comuns, não poderiam
gerar reciprocidade ou lealdade mesmo nos regimes democráticos, cuja dinâmica envolve,
por definição, a disputa por interesses diferentes e por vezes contraditórios.
Tal diagnóstico, no entanto, está longe de ser consensual entre os autores que
rejeitam a abordagem estritamente racionalista da questão, pois a decisão das pessoas de
confiar não seria sempre racional, nem a confiança se determinaria exclusivamente, mesmo
no caso de uma decisão baseada estritamente no cálculo de custos e benefícios, pelo nível
de informação disponível a respeito do comportamento dos outros. Os indivíduos têm
capacidade cognitiva limitada para acessar as informações adequadas, na quantidade e na
qualidade necessárias, para avaliar a conduta alheia ou a utilidade das interações em que
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estão envolvidos, inclusive as que se referem às suas relações com as instituições públicas.
A necessidade de eficiência diante de desafios coletivos, a crescente pluralização de papéis
sociais e políticos e a mobilidade derivada da dinâmica das sociedades contemporâneas
ampliam as possibilidades de escolhas dos indivíduos, mas a complexidade dos processos
de tomada de decisões na democracia limita a sua capacidade de controlar a informação
necessária para que suas decisões atendam aos seus interesses, aspirações ou preferências.
Nessas circunstâncias, o recurso representado pela confiança em instituições representa
uma alternativa adequada para que as dificuldades que caracterizam a relação dos cidadãos
com as instituições do regime democrático sejam minimizadas.
Desenvolvimentos recentes da teoria empírica da democracia sobre o tema foram
sintetizados em torno de cinco pressupostos que se referem aos dilemas que envolvem a
confiança política e a relação dos cidadãos com o regime democrático:
1. Diferente de outros tipos de regime político, a democracia requer altos níveis de
confiança pública nos mecanismos institucionais de formação de governos em
conseqüência da delegação voluntária de soberania e de poder que os cidadãos
fazem aos seus representantes eleitos - assim como aos funcionários acreditados -,
em conseqüência de regras estabelecidas por constituições democráticas; mas a
confiança em instituições não se confunde ou se limita à confiança em governos ou
governantes ocasionais (WARREN, 1999; SZTOMPKA, 1999);
2. A promessa de alternância no poder, implícita nas regras democráticas, depende da
expectativa dos que foram derrotados na competição eleitoral de que a sua vez
chegará com base na regularidade e na probidade das eleições, e na confiança de
que os detentores do poder honrarão o compromisso e não usurparão o direito dos
recém eleitos (NORRIS, 1999);
3. O compromisso de cooperação dos cidadãos com o regime democrático, em
especial a sua submissão à lei em conexão com a estrutura de direitos de cidadania e à margem de mecanismos de coerção -, depende da existência de garantias de
que sua expectativa de que os demais cidadãos farão a sua parte não será fraudada
por “expedientes” extralegais como a evasão de pagamento de impostos, a recusa
de cumprir o serviço militar ou a impunidade diante de penalidades que visam coibir
práticas de corrupção, malversação de fundos públicos, etc (LEVI, 1998);
4. Da perspectiva dos atores, a democracia é um sistema político que envolve mais
riscos do que as suas alternativas, a exemplo das incertezas dos seus resultados;
mas, por isso mesmo, as redes de confiança que se estabelecem entre os cidadãos
concentram o foco de sua atenção nos mecanismos institucionais desenhados para
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tornar efetivas as promessas de liberdade e igualdade, justificando dessa forma a
colaboração voluntária dos cidadãos com o sistema (TILLY, 2007);
5. A confiança nas instituições democráticas não é, portanto, neutra, indeterminada
ou genérica, nem definida exclusivamente pela avaliação do desempenho de
governos do dia, mas diz respeito propriamente à missão atribuída às instituições
para a realização das promessas da democracia. Por isso, os conteúdos normativos
das instituições – a sua justificação relativa aos princípios de liberdade e igualdade e
as suas implicações para a estrutura de direitos de cidadania -, são o objeto central
da confiança. Ela será tanto maior e mais consistente quanto o desempenho das
instituições assegurarem a universalidade, a impessoalidade, a probidade e a
justeza de procedimentos no desempenho de sua missão (OFFE, 1999).
Nesse cenário, a desconfiança política decorreria do fracasso das possibilidades
antevistas acima ou das circunstâncias que ameaçam a sua realização. Seus sintomas
envolveriam o cinismo, a alienação e os sentimentos de indiferença dos cidadãos diante da
política e, especialmente, a sua descrença de que as instituições públicas asseguram de fato
os seus direitos. Nesse sentido, enquanto os indicadores usuais de satisfação com a
democracia existente variam de acordo com o desempenho de governos e com a sua
capacidade de resolver dilemas percebidos como prioritários, a desconfiança dependeria da
avaliação dos cidadãos de que as instituições não cumprem a missão para a qual foram
criadas, contrariando a sua justificação ética e normativa. A desconfiança resultaria, assim,
tanto da avaliação racional das pessoas quanto aos resultados práticos do desempenho das
instituições, como da percepção de que seus fundamentos normativos não estão se
realizando. As análises apresentadas nos próximos capítulos deste livro tratam dos
desdobramentos práticos dessas questões e dos seus efeitos para a qualidade da
democracia brasileira.
A ORGANIZAÇÃO DO LIVRO E DOS CAPÍTULOS
Além da introdução e da conclusão, o livro está organizado em doze capítulos
divididos em duas partes principais. A primeira parte apresenta um balanço de seis
capítulos, baseados em dados da pesquisa A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições
Democráticas (2006), sobre as atitudes e as orientações dos brasileiros a respeito do regime
democrático. Em três capítulos de sua autoria, José Álvaro Moisés discute, em primeiro
lugar, as relações entre os conceitos de cidadania e de confiança política na teoria empírica
da democracia. O argumento retoma as tradições democrática e republicana, segundo as
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quais o conceito remete ao compromisso dos membros da comunidade política de
compartilharem normas e práticas cívicas que, mais do que definirem um objetivo comum
único dos cidadãos, organizam os meios e os modos de a disputa por interesses ou
preferências conflitantes se realizar de forma democrática. Moisés apresenta, em outro
capítulo, as respostas dos brasileiros à pergunta aberta O que é democracia?, incluída em
pesquisas coordenadas por ele entre 1989 e 2006, ou seja, os significados atribuídos pelos
entrevistados ao conceito. A análise mostra que, em um período de quase 20 anos, a
definição do público se concentrou sobre os princípios de liberdade e os procedimentos
institucionais, como direito de voto, fiscalização e controle de quem governa, algo que
pode ser visto como uma base potencial de superação da desconfiança dos cidadãos das
instituições democráticas. Ainda nessa parte do livro, o autor discute em outro capítulo o
importante papel que a contínua realização de eleições livres e competitivas assumiu para a
consolidação da democracia brasileira nos últimos 20 anos, apontando para os desafios que
a conseqüente intensificação da participação popular coloca para o Congresso Nacional e
os partidos políticos.
Em seguida, em outro capítulo fortemente apoiado em dados empíricos, Rachel
Meneguello retoma de outra perspectiva a questão da adesão dos brasileiros à democracia.
Meneguello mostra como a consolidação de mecanismos e procedimentos de participação
eleitoral, em que pese a sua importância, não redimensionou a frágil relação dos cidadãos
brasileiros com as instituições representativas. A primeira parte do texto indaga se a adesão
do público ao regime democrático resulta da sua relação com as instituições
representativas, o que comporia um construto normativo articulado e capaz de embasar os
posicionamentos políticos sobre o desenvolvimento e a construção institucional do
sistema. A segunda parte identifica as referências com as quais os cidadãos avaliam o
desempenho da democracia e desenvolvem níveis de sua satisfação com regime. Em
conjunto, a análise desses aspectos sugere que, embora as instituições representativas
ocupem um terreno menos articulado ao apoio ao regime democrático, a avaliação pública
de partidos e do Congresso Nacional tem papel central para o entendimento do
desempenho do regime. As percepções de sua atuação, bem como da atuação do Estado
através da execução de serviços públicos, são as principais dimensões constitutivas da
satisfação das pessoas com o desempenho da democracia brasileira.
O capítulo seguinte dessa parte do livro foi escrito por Nuno Coimbra Mesquita. O
autor parte da indagação sobre o papel da mídia na formação das convicções do público
sobre o regime democrático. A mídia tem sido vista como responsável por fomentar o
cinismo e a desconfiança entre os cidadãos ou, alternativamente, como fonte de
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informações capaz de estimular o seu engajamento político. Diante da enorme importância
alcançada por seu segmento eletrônico no Brasil, a televisão em especial - presente em
mais de 90% dos domicílios brasileiros -, Mesquita se pergunta sobre a influência dos meios
de comunicação de massa para a qualidade da democracia no país. Seu capítulo analisa as
inter-relações entre diferentes dimensões do tema, partindo da hipótese de que os meios
de comunicação jogam papeis diferentes na formação de atitudes democráticas. A análise
se concentra, por uma parte, sobre a audiência à televisão em geral e, por outra, no telenotíciário em particular, e examina se essas duas variáveis estão associadas positiva ou
negativamente a fatores como a adesão democrática, o vínculo dos cidadãos com o EstadoNação e a aceitação dos partidos políticos como um componente indispensável da
democracia. Uma das principais conclusões da análise sugere que, além dos diferentes
papeis desempenhados pela mídia, fatores como a sofisticação política, a confiança nos
próprios meios de comunicação e o apoio a governos específicos interagem com as
mensagens produzindo resultados diferentes entre si, mas não necessàriamente negativos.
Finalmente, o último capítulo da primeira parte do livro, de autoria de Rogério Schlegel,
trata de um tema central da literatura da teoria empírica da democracia: a relação entre
educação e as convicções democráticas dos cidadãos. O conhecimento convencional parte
da premissa de que existe uma associação relevante entre educação e o comportamento
político próprio da democracia. Em conseqüência, se infere usualmente que os aumentos
nos níveis de escolaridade são acompanhados por ganhos em atitudes de apoio à
democracia, disposição de participar politicamente e confiança em instituições públicas. Em
seu capítulo, Schlegel testa essas hipóteses para o Brasil com base na análise de dados de
surveys nacionais realizados entre 1989 a 2006, sob a coordenação de José Álvaro Moisés
(este último em parceria com Rachel Meneguello). Os resultados de sua análise contrariam
a abordagem tradicional. A associação entre escolaridade e os comportamentos individuais
analisados não foi confirmada para um terço das dimensões observadas. E os ganhos
agregados pelo ensino médio e pelo superior, importantes nos anos iniciais pesquisados,
declinaram no intervalo de duas décadas, chegando a se anular em alguns casos. As
evidências colocam em xeque os ganhos esperados no nível agregado para o Brasil a partir
da elevação da escolaridade média, e esse resultado remete para o debate a respeito da
queda na qualidade do ensino. Educação de pior qualidade pode gerar menos habilidades e
afetar a cognição das pessoas, sendo plausível admitir que isso afeta negativamente as
percepções públicas sobre a política. Schlegel discute criticamente essas questões em sua
contribuição.
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CORRUPÇÃO E DESCONFIANÇA DA JUSTIÇA, POLÍCIA E SERVIÇOS PÚBLICOS
A segundo parte do livro é composta por outros seis capítulos, e se abre com três
análises sobre o impacto da corrupção sobre o fenômeno de desconfiança dos cidadãos de
instituições democráticas. Em seguida, três outros capítulos analisam os casos específicos
de desconfiança pública da justiça, da policia e de alguns serviços públicos com base nos
dados da pesquisa de 2006.
Nos três capítulos que tratam do tema, a corrupção política é vista como um dos
problemas mais severos e complexos enfrentados por novas e velhas democracias. Ela
envolve o abuso do poder público para qualquer tipo de benefício privado, inclusive
vantagens para os partidos de governo em detrimento da oposição; ela frauda, portanto, o
princípio de igualdade política inerente à democracia, pois os seus protagonistas podem
obter ou manter o poder e benefícios políticos desproporcionais aos que alcançariam
através de modos legítimos e legais de competir politicamente. Ao mesmo tempo, ela
distorce a dimensão republicana da democracia porque faz as políticas públicas resultarem,
não do debate e da disputa aberta entre projetos diferentes, mas de acordos de bastidores
que favorecem interesses espúrios. A partir dessas premissas, a análises do livro
procuraram explicar o impacto da percepção da corrupção para a legitimidade democrática.
O primeiro dos três capítulos, de autoria de José Álvaro Moisés, aborda o impacto
das percepções públicas da corrupção sobre o apoio a governos, instituições e o próprio
regime democrático. A análise testou, por um lado, o efeito de indicadores apontados
usualmente como determinantes da corrupção como o desenvolvimento econômico
(avaliação da economia, escolaridade e localização ecológica dos entrevistados) e o
desenho institucional; e, por outro, a influência de valores políticos. De modo geral, os
testes confirmaram a hipótese que atribui influência, além de fatores apontados
usualmente pela literatura internacional, também de aspectos da cultura política como a
aceitação social da corrupção para a percepção dos cidadãos sobre o impacto da corrupção
na democracia. O capítulo seguinte sobre o tema, escrito por Nuno Coimbra Mesquita,
discute o papel da mídia para a percepção do fenômeno da corrupção. A análise examinou
o impacto do tele-noticiário para a percepção do problema pelos indivíduos, e o efeito
dessa percepção para a avaliação dos cidadãos das principais instituições democráticas.
Mesquita parte do pressuposto de que a percepção da corrupção não é função somente da
experiência prática dos cidadãos com ela. Mesmo indivíduos que nunca tenham recebido
propostas de suborno podem ter a sua percepção afetada por informações dos meios de
comunicação de massa; nesse sentido, a indagação testada pelo autor foi se as abordagens
da mídia - da televisão, em especial - sobre o comportamento corrupto de agentes públicos
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afetam a relação das pessoas com a democracia. Os resultados mostraram que o principal
telejornal do país, o Jornal Nacional da Rede Globo, mais do que influenciar a visão crítica,
reflete os fatos ligados à corrupção, embora quanto maior seja a escolaridade dos
entrevistados, pior seja a sua avaliação. A interação entre a audiência do telejornal e a
escolaridade tem uma associação negativa para a avaliação dos partidos. O terceiro capítulo
que aborda o tema é de autoria de Umberto Mignozzetti. Ele analisou o impacto da
corrupção para a qualidade da democracia em diversos países desde uma perspectiva
comparativa. Seus dados revelam que a corrupção, medida pelo Índice de Percepções da
Democracia – IPC, da Transparência Internacional, de fato afeta a qualidade da democracia.
Para a mensuração, foram utilizados – como variável aproximada – os dados de painel de
154 países para o período entre 1996 e 2005 computados pela Freedom House, baseados no
nível de liberdades civis e políticos observados nos países analisados. A análise foi feita,
primeiramente, tomando em conta todos os regimes políticos e, em seguida, um modelo
controlado para os países democráticos. O resultado mostrou que quanto maior a
corrupção observada, menor o desempenho dos países no índice democrático. O trabalho
mostrou de forma consistente que a corrupção pesa na qualidade do governo, e que esse
efeito é especificamente mais consistente nos países de regime democrático.
O primeiro dos três capítulos seguintes da segunda parte do livro trata das percepções
dos brasileiros sobre o acesso aos direitos de cidadania e a mecanismos de sua efetivação
através do poder judiciário. Desde o advento do regime democrático no país, diversas
pesquisas mostraram haver pouco conhecimento dos direitos civis e ser baixa a procura dos
tribunais de justiça pela população brasileira para resolver conflitos envolvendo os seus
direitos. As pesquisas mostraram que usualmente as pessoas questionam a responsividade, a
imparcialidade, a igualdade de tratamento e a eficiência do judiciário. Isso pode implicar não
apenas no distanciamento da população das instituições de justiça, mas comprometer a sua
crença na legitimidade do poder judiciário como organismo encarregado de garantir o império
da lei. O acesso à justiça, simbolizando a efetividade do acesso a direitos fundamentais de
cidadania, pode ficar prejudicado se os meios de ação e de processo, como os recursos
materiais e o conhecimento necessário para colocá-los em prática são falhos. Para analisar a
relação dos cidadãos com o poder judiciário, Fabíola Brigante Del Porto analisou a associação
existente entre as percepções sobre o tema e a confiança política. Com base no survey
nacional de 2006, procurou explicar, por um lado, a origem e a natureza da desconfiança dos
cidadãos das instituições de justiça e, por outro, verificou se essa desconfiança impacta suas
percepções sobre a efetividade da cidadania. Os resultados da análise mostram que a
desconfiança do judiciário aparece associada, primeiro, às percepções sobre as leis do país e,
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depois, à avaliação da atuação do poder judiciário. Por isso jogam papel importante na
avaliação dos entrevistados os sentimentos de desigualdade perante a lei e de acesso à justiça
sobre a confiança dos cidadãos no poder judiciário. No exame da relação entre a confiança no
poder judiciário e a cidadania, a crença na igualdade da lei e no acesso à justiça não se
mostraram impactadas pela confiança nas instituições judiciárias. Nessa análise, o que se
destacou foi o aumento da razão de chance daqueles que confiam no poder judiciário
acreditarem que os brasileiros cumprem, em alguma medida, as leis.
O capítulo seguinte discute a desconfiança dos cidadãos da polícia. O autor, Cléber
Lopes da Silva, partiu da premissa de que a confiança é um aspecto importante da qualidade
do trabalho da instituição. Encarregada da função do Estado de monopolizar a força física, a
polícia é uma das principais responsáveis pela efetividade do primado da lei, uma das
dimensões centrais de uma democracia de qualidade. Mas, embora a confiança na polícia seja
importante para a qualidade do policiamento, o fenômeno tem sido insuficientemente
abordado e boa parte das análises empíricas sobre o tema trata do caso dos EUA, onde a
polícia, apoiada pela maioria da população, é vista com desconfiança pelas minorias étnicas,
sobretudo os negros. Mas no caso do Brasil por que a maioria dos brasileiros desconfia da
polícia? Que fatores explicam essa desconfiança? Para responder a essas perguntas, Lopes da
Silva analisou dados de duas pesquisas, A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições
Democráticas (2006) e a Pesquisa Social Brasileira (2002), para testar, por meio de regressão
logística, duas hipóteses: i) a desconfiança da policia se explica pela incapacidade da instituição
de sinalizar para os cidadãos seu comprometimento com valores e princípios que justificam a
sua existência; ii) a desconfiança se explica pela percepção pública de que a polícia trata os
cidadãos de maneira injusta. Os resultados confirmaram que os déficits institucionais
percebidos pela população, e não variáveis contextuais ou sócio-demográficas, explicam a
desconfiança da policia. A confiabilidade da polícia, quando existe, está relacionada com as
expectativas públicas sobre os resultados da instituição no combate à criminalidade e,
principalmente, ao modo como os policiais usam sua autoridade e tratam os cidadãos. Ou seja,
a desconfiança na polícia deriva principalmente da percepção de que a polícia utiliza a sua
autoridade de maneira ilegal ou injusta: desrespeita os direitos dos cidadãos, não trata as
pessoas de forma igual, recorre a subornos, utiliza a violência de maneira abusiva e causa mais
medo do que segurança em suas abordagens.
Finalmente, o último capítulo da segunda parte do livro trata do impacto da
avaliação dos serviços públicos para a confiança política. Essa avaliação corresponde a um
indicador relevante da responsividade (responsiveness) de governos por expressar o grau
de satisfação dos cidadãos com a forma como o Estado cumpre algumas de suas tarefas
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centrais, propiciando serviços como saúde e educação a partir de impostos pagos por eles;
por isso, é também um insumo decisivo da legitimidade democrática, segundo diferentes
abordagens teóricas. Os serviços públicos são, de fato, a face mais concreta do Estado e a
principal vitrine de desempenho governamental, a sua avaliação podendo impactar de
forma indireta a confiança em políticos e no poder executivo. Rogério Schlegel e Robert
Bonifácio, autores do capítulo, apontam para dois resultados importantes, com base em
suas análises empíricas, sobre a forma como o brasileiro percebe os serviços públicos: por
um lado, são os setores mais escolarizados e informados os que avaliam mais
negativamente os serviços prestados pelo Estado, endossando a hipótese do cidadão
crítico de Norris (1999); por outro, não se verificam sinais de associação consistente entre a
percepção pública dos serviços públicos e as informações obtidas via contato direto ou por
meio da mídia. As evidências foram constatadas a partir da análise de dados da pesquisa A
desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas, de 2006. Um índice geral de
avaliação dos serviços públicos foi desenvolvido pelos autores para permitir que os seus
determinantes fossem analisados com modelos de regressão multinomiais, e os resultados
obtidos sugerem que se a experiência das pessoas com as instituições é importante para a
percepção sobre elas, será preciso aprofundar a investigação sobre o que se entende por
experiência. Nos modelos estatísticos testados no capítulo, os usos da mídia, por exemplo,
não mostraram influência importante para a avaliação dos serviços públicos. A variável
relativa à mídia que teve impacto – a atenção prestada às notícias políticas na televisão – se
refere muito mais ao perfil do indivíduo do que à exposição ou aos conteúdos veiculados.
Variáveis sobre a audiência à televisão em geral e ao Jornal Nacional especificamente não
tiveram efeito independente sobre a percepção dos serviços públicos. Também o contato
direto com os serviços públicos se revelou pouco decisivo para a avaliação dos usuários dos
mesmos. Prevaleceu a percepção negativa em contraposição à positiva, mas ela não
mostrou ser um preditor da avaliação regular.
O livro se constitui em uma contribuição importante para o desenvolvimento das
pesquisas empíricas da democracia brasileira e, em especial, para a avaliação do papel
desempenhado pela confiança política para a legitimidade democrática. Sobressai, em
especial, a contribuição dos capítulos de análise empírica para a análise das relações entre o
fenômeno de desconfiança política e a qualidade da democracia brasileira. Uma das
dimensões mais importantes da abordagem da qualidade da democracia é a
responsividade, entendida como a capacidade de governos e de lideranças políticas de
responderem positivamente às expectativas dos eleitores; a análise do fenômeno da
desconfiança de instituições e de serviços públicos representa, nesse sentido, a agregação
12
de uma nova dimensão de conhecimento do tema, possibilitando, ao mesmo tempo, que o
caso brasileiro possa ser mais bem avaliado desde uma perspectiva comparativa.
13
I.
CIDADANIA, CONFIANÇA POLÍTICA E INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS1
JOSÉ ÁLVARO MOISÉS
INTRODUÇÃO
Até recentemente não era evidente na literatura política contemporânea que
existem questões relevantes de ordem teórica e empírica envolvidas nas relações entre
cidadania, confiança política e democracia. A teoria liberal clássica nasceu da desconfiança
diante de estruturas tradicionais de poder, e a liberdade dos modernos comparada à dos
antigos, como Benjamin Constant mostrou em sua célebre conferência de 1819, limitou a
soberania dos cidadãos ao instituir o sistema de representação baseado na idéia de que
quem escolhe um representante delega o seu poder de decidir. A tradição republicana, no
entanto, com Maquiavel e outros autores, contribuiu para a recuperação do lugar da
soberania dos cidadãos e, desde Montesquieu, a representação política é vista como uma
derivação do seu direito de participação política.
Mas foram as extraordinárias transformações políticas das três últimas décadas do
século XX - e as que estão começando a ocorrer nas primeiras do século XXI -, com o
impulso à democratização de vários países da Europa, da América Latina, da Ásia e, mais
recentemente, do norte da África e do Oriente Médio que provocaram a retomada das
abordagens que associam a democracia com a expansão dos direitos dos cidadãos,
recuperando e, ao mesmo tempo, indo além do que Marshall (1965) e Bendix (1977) haviam
proposto sobre o tema no século passado. De fato, embora o vínculo entre democracia e os
direitos dos cidadãos seja parte das tradições liberal, republicana e democrática, a novidade
das abordagens atuais, depois de décadas de desuso do conceito de cidadania, está na
importância atribuída à confiança dos cidadãos para o funcionamento das instituições
democráticas. O que está em questão agora não é apenas a adesão ou a exigência de
obediência cega às instituições públicas, mas a confiança derivada, por um lado, de sua
justificação ética e normativa e, por outro, da avaliação racional de seu desempenho pelos
cidadãos em sua condição de eleitores.
1
Este texto retoma argumentos apresentados na aula de erudição do autor no concurso para o cargo de professor
titular do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP realizado
em 24/6/2005.
1
No Brasil, vários autores trataram das relações entre os efeitos das transformações
decorrentes do fim do regime autoritário e a consolidação dos direitos de cidadania, e
alguns até reconheceram a centralidade da questão para o processo de democratização,
mas raramente o problema foi posto em termos das relações entre confiança política e
instituições públicas. O historiador José Murilo de Carvalho (2002) é uma das poucas
exceções; em seu livro Cidadania no Brasil – O longo caminho, e em textos recentes, ele
argumentou que o complexo processo de reconstrução das instituições democráticas no
país converteu o tema dos direitos de cidadania no foco das expectativas geradas pela
reforma das instituições que, em 1988, concluíram com a promulgação da Constituição
Cidadã. Mas não deixou de chamar a atenção para o fato de que a reconquista da liberdade
e a ampliação de direitos sociais e de participação política não impediram que os
fenômenos de desencanto e descrença políticos e de déficit de confiança dos cidadãos nas
instituições democráticas emergissem com força, em que pesem os avanços realizados por
diferentes governos democráticos no terreno econômico e social.
Outros autores como Elisa Reis (1998), embora partindo de premissas teóricas
distintas, também se perguntaram recentemente por que fomos levados a deslocar
gradualmente a discussão da democratização para o terreno da consolidação da cidadania.
Suas respostas sugerem que o renascimento do conceito está associado ao fato de a
cidadania constituir-se em uma espécie de princípio de articulação das demandas por
emancipação e por inclusão social que emergem no contexto do conflito de interesses
divergentes que caracterizam as sociedades complexas, desiguais e diferenciadas. Suas
abordagens retomam a análise de Marshall (1965) sobre a expansão tridimensional da
cidadania, relativa a direitos civis, políticos e sociais, e incorporam a importância da
formação das identidades dos atores e de seu impacto sobre as relações de raça, etnia,
gênero, entre outros, para o processo de consolidação da cidadania. Moisés (1990) e
Benevides (1988), em textos baseados em premissas teóricas diferentes, também se
referem ao papel da participação política para a educação do cidadão ativo, chamando a
atenção para a inovação representada por mecanismos semi-diretos da democracia como o
referendo, o plebiscito e a iniciativa popular de lei que foram introduzidos na Constituição
de 1988. Nessas diferentes análises, ao se superar uma leitura excessivamente evolucionista
e seqüencial da obra de Marshall, há uma evidente ampliação do conceito de cidadania, mas
a questão de saber se, por que e como os cidadãos confiam em instituições democráticas
não está suficientemente desenvolvida, justificando a necessidade de novos estudos e
pesquisas sobre o tema; este capítulo pretende contribuir para isso.
2
EVIDÊNCIAS DA EMERGÊNCIA DE UM NOVO FENÔMENO
Em âmbito mundial, as atitudes dos cidadãos diante das instituições públicas e, em
especial, das instituições democráticas, dando origem ou aprofundando o fenômeno de
desconfiança política em várias partes do mundo, foram documentadas por extensa
literatura desde os anos 80 e 90. Estudos comparativos editados por Klingemann e Fuchs
(1988), Norris (1999), Levi (1998), Nye et al. (1997) e Warren (1999) apontaram para a
complexidade e, principalmente, para a grande variação dos modos de expressão do
fenômeno. Assim, nas democracias que se consolidaram em meados do século XX, a
exemplo da Itália, do Japão e, em menor grau, da Alemanha, o cinismo e o desconforto
com o funcionamento de parte das instituições democráticas se generalizou a partir das
experiências de burocratização da vida pública, de engessamento do sistema de partidos
políticos, das práticas continuadas de corrupção, e de outros déficits de desempenho
institucional. Aonde existe uma tradição de melhor desempenho da missão dessas
instituições, no entanto, sinalizando um grau mais efetivo de sua auto-justificação, como na
Holanda, Noruega, Finlândia e Dinamarca, a confiança dos cidadãos também oscila, mas
dentro de patamares muito mais altos, sem que se possa falar, nesses casos, de uma crise
de confiança política.
A variação realmente dramática ocorreu, contudo, em algumas democracias mais
antigas, como os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, a Suécia e mesmo o Canadá, onde
os resultados de pesquisas realizadas por mais de quatro décadas seguidas mostraram que
a confiança em autoridades e em instituições públicas caiu sistematicamente, nos últimos
40 anos, invertendo a tendência verificada durante a prosperidade econômica e a
tranqüilidade política que se seguiram ao fim da II Guerra Mundial. Enquanto naquele
período, em especial entre meados dos anos 50 e 60, cerca de ¾ de cidadãos dos países
mencionados mostravam-se satisfeitos, deferentes e confiantes em seus governos,
instituições e burocracias públicas, a partir dos anos 80 e 90 apenas 25% dos entrevistados
expressaram essa atitude, revelando uma evidente disposição crítica diante das crises
políticas, escândalos e, principalmente, a deterioração do padrão republicano de
funcionamento das instituições. Em todos esses casos, ainda que de modo diferente, as
mudanças afetaram o comportamento dos cidadãos em relação aos mecanismos básicos da
democracia representativa como partidos e eleições. De um modo geral, caíram as taxas de
identificação com ou a mobilização dos eleitores por partidos, o comparecimento em
eleições e o interesse por política em países como os Estados Unidos, Inglaterra e boa parte
da Europa continental. Só recentemente surgiram sinais de mudança nesse panorama, a
3
exemplo do crescimento da participação por ocasião da eleição de Barack Obama, nos
Estados Unidos, ou da emergência de formas não-convencionais de participação política em
alguns países europeus; mas a tendência ainda não se reverteu e permanece como um
tema de interesse da literatura especializada.
A situação dos regimes nascidos da terceira onda de democratização, nos termos
definidos por Huntington (1991), é, no entanto, mais preocupante, embora guardando
especificidades próprias. Enquanto, por exemplo, em vários países do Leste Europeu a
avaliação do regime democrático implantado depois da queda do Muro de Berlim, em 1989,
não ultrapassava, em avaliações do início dos anos 90, os índices favoráveis ao regime
anterior, em boa parte dos países latino-americanos – onde a tradição democrática é
sabidamente frágil, descontínua e cheia de contradições -, apenas 1/5 do público declarava,
no início desse milênio, ter ‘muita’ ou ‘alguma’ confiança em parlamentos e partidos
políticos, e menos de 1/3 confiava em governos, funcionários públicos, policia ou judiciário.
Pesquisas relatadas no livro organizado por Moisés (2010), Democracia e Confiança –
Por que os Cidadãos Desconfiam das Instituições Públicas?, sobre vários países do continente,
também associaram os sentimentos de apatia ou de impotência política com ao fenômeno
de desconfiança dos cidadãos de instituições democráticas2. Não é diferente a situação da
Coréia do Sul, estudada por Shin (2005), ou a de alguns países do sudeste europeu
analisados por Torcal e Brusattin (2010). Em boa parte desses casos, as instituições
democráticas nasceram de estruturas autoritárias anteriores, herdaram distorções daquelas
experiências, nem sempre as tornaram coerentes com seus objetivos; e, mesmo
reformadas, não completaram o que se designa como o processo de rotinização das novas
estruturas institucionais que, no caso das democracias originárias, malgrado seu mal estar
recente, foi um aspecto importante da longa acomodação dos cidadãos às inovações da
ordem política democrática.
Em todos esses casos não há sinais de preferência por um regime antidemocrático,
mas a desconfiança dos cidadãos de instituições públicas aponta para um paradoxo cujos
efeitos para a continuidade da democracia em longo prazo precisam ser mais bem
conhecidos e avaliados. É razoável supor que a democracia pode conviver indefinidamente
com o descrédito dos cidadãos em normas, procedimentos e instituições que, por
definição, tem a função de mediar a competição de interesses divergentes e, ao mesmo
tempo, promover a coordenação e a cooperação sociais necessárias ao funcionamento das
sociedades complexas? A continuidade do regime no tempo é suficiente para dirimir os
2
Ver também Moisés (1995), Os Brasileiros e a Democracia – As bases sócio-políticas da legitimidade democrática,
Durand Ponte (2004), Ciudadanía y Cultura Política, sobre o México, e Huneeus (2003) Chile, un país dividido.
4
efeitos da desconfiança política? E como avaliar a qualidade de um regime cujos
mecanismos básicos de funcionamento suscitam tantas dúvidas entre os cidadãos, como no
caso das instituições democráticas?
Para responder a essas questões três argumentos são apresentados neste capítulo.
Em primeiro lugar, é preciso redefinir o conceito de cidadania a partir da controvérsia entre
a concepção liberal clássica, para a qual a cidadania é essencialmente um status jurídico e
administrativo formal, e a crítica comunitarista que pretende resgatar a noção cívicorepublicana da sua tradição. Em segundo lugar, é necessário enfrentar a premissa da
tradição liberal da democracia segundo a qual o risco de abuso do poder supõe
desconfiança e não confiança nas instituições. E, finalmente, estabelecida a relevância
teórica do conceito de confiança política, é preciso examinar, contra tendências usuais de
tomá-la como um fenômeno de face única, a sua natureza multidimensional, bem como as
implicações que isso tem para a teoria empírica da democracia.
A QUESTÃO DA CIDADANIA
O vocábulo cidadão provém do termo latino civitas, mas como observaram vários
autores, suas fontes intelectuais encontram-se nas religiões da Antiguidade e na civilização
greco-romana, cujo legado remete às noções de liberdade, igualdade e virtudes
republicanas. As referências à idéia abstrata de igualdade já estavam presentes em textos
religiosos antigos para os quais todo ser humano deveria ter status igual diante de Deus.
Mas foi na antiguidade grega que os conceitos de igualdade e liberdade adquiriram
relevância a partir da emergência da pólis, isto é, da cidade protegida da hostilidade de
vizinhos ou estrangeiros, cujos laços de lealdade e de identidade de seus cidadãos
formavam a base da comunidade voltada para o bem público; na polis os cidadãos
participavam, em graus diferentes e de modo desigual, das decisões que afetavam o seu
destino; reunidos na ágora, os homens (mas não as mulheres, nem os escravos ou
trabalhadores manuais) tomavam decisões que afetavam a vida das pessoas – como as
relativas às leis, à economia e a guerra -, e escolhiam ou eram escolhidos, por sorteio, para
assumir funções ligadas à administração e a justiça.
Mais tarde, do período medieval em diante, o burgo ocupou o lugar da pólis, dando
novas dimensões à idéia de liberdade, e o burguês converteu-se no protótipo do cidadão,
sendo a cidade o seu habitat natural. Na continuidade dessa tradição, nos séculos XVII e
XVIII, o contratualismo de J. Locke e de J. J. Rousseau forneceu as bases filosóficas do
conceito de cidadania do liberalismo, e as revoluções inglesa, americana e francesa
validaram o seu uso ao estabelecer um vínculo jurídico-legal entre as noções de liberdade,
5
igualdade, fraternidade e Estado-Nação. A adoção da premissa de que “os homens nascem
livres e iguais” ofereceu os fundamentos para a concepção segundo a qual o cidadão, ao se
associar politicamente para reverter “a guerra de todos contra todos”, tem de ser visto
como detentor de um status formal capaz de reconhecer o seu pertencimento à
comunidade política nacional e, ao mesmo tempo, de assegurar o seu direito de escolher
governos e seus representantes; e, inclusive, de ser escolhido para as funções
correspondentes.
A concepção liberal clássica deu origem a uma perspectiva protetora do cidadão
como membro da associação política. O objetivo principal era proteger o indivíduo de riscos
de arbitrariedade, opressão ou a violação de seus direitos por parte tanto de quem exerce o
poder, assim como dos outros indivíduos. Locke (1973) formulou essa concepção de
proteção em termos do direito natural à vida, à liberdade e à propriedade. Por isso, as
liberdades modernas foram entendidas como negativas, isto é, como mecanismos que
institucionalizam a ausência de coerção estatal ou privada para evitar que o indivíduo seja
impedido de realizar os seus interesses. Essa concepção negativa está na origem da
desconfiança que a tradição liberal alimentou contra os detentores de poder e as estruturas
do Estado Moderno.
Em linha com essa tradição, o modelo de democracia minimalista – cujos
desenvolvimentos mais recentes datam de meados do século passado - supõe uma
estrutura jurídico-legal que assegura a separação de poderes, o funcionamento do sistema
de representação, a obrigação de obediência às leis, o direito de participar da escolha da
elite governante, mas , ao mesmo tempo, a aceitação pelos cidadãos comuns de que essa
participação tem limites, as tarefas governativas devendo ser deixadas para os políticos e
para os especialistas - premissas que M. Weber e J. Schumpeter viram como o principal
objetivo da democracia. Operando, contudo, no terreno aberto por essa concepção, mas,
ao mesmo tempo, ampliando os seus marcos analíticos, alguns teóricos do pluralismo
democrático como Dahl (1966) e Bobbio (1984) deslocaram o foco da análise do indivíduo
para o papel de facções, grupos de pressão e de interesses na competição política,
mostrando que sem o reconhecimento da diversidade política não pode existir democracia.
O modelo protetor e minimalista da democracia, baseado no princípio normativo da
igualdade formal dos cidadãos, supõe que as diferenças de posses materiais, poder ou
status social não eliminam a igualdade de todos em face da lei, tomada como o fundamento
da igualdade de direitos e, em especial, do direito de voto. Mas essa igualdade não é vista
como um fim em si, destinado a fundar uma comunidade de interesses, mas sim como
instrumento de proteção do indivíduo contra a opressão e a injustiça.
6
Foi em oposição a essas premissas e às suas implicações práticas que se colocaram
as objeções de K. Marx e de seus seguidores, segundo as quais, a noção de cidadania
centrada nas formalidades jurídico-legais oculta a exclusão e a desigualdade real dos
indivíduos originadas pelas relações assimétricas que caracterizam o modo de produção
capitalista. Marshall (1965), em sua celebrada conferência sobre o tema, reconheceu isso
claramente ao designar como uma espécie de “guerra” o processo contínuo – e, em certo
sentido, seqüencial - de conquistas de direitos de cidadania verificadas desde o século XVIII
na Inglaterra. Mesmo autores como J. Rawls, cuja preocupação principal está centrada nas
exigências de justiça do sistema de cidadania, vêm os cidadãos como motivados a usar os
seus direitos essencialmente para alcançar os seus interesses próprios. Embora na
formulação de Rawls (1971) isto deva se dar no contexto de constrangimentos impostos
pela exigência de respeito aos direitos dos outros, a sua ênfase é a defesa do “direito dos
indivíduos de definir, revisar e buscar racionalmente seus interesses privados e sua
concepção particular de bem”, e não a participação dos cidadãos para a consecução do
bem público como suposto pela tradição clássica de cidadania, reivindicada mais tarde
pelos comunitaristas.
Com efeito, é precisamente sobre isso que incide a crítica comunitarista de autores
como Volin (1992) e Sandel (1982). Segundo eles, a tradição liberal teria relegado as
preocupações normativas da política ao campo da moralidade privada. A política teria sido
destituída do seu componente ético – associado na concepção cívico-republicana com o
desenvolvimento das virtudes requeridas pela participação na pólis e na república – para
assumir uma concepção essencialmente instrumental, voltada apenas para a realização de
interesses privados que seriam definidos longe ou independentemente do debate público –
tomado como expressão do debate de interesse de todos. Isso teria levado ao
esvaziamento da noção de cidadania baseada na propensão natural dos cidadãos de
associar-se com os seus iguais para definir a ação coletiva necessária à realização do bem
almejado pela comunidade política, e teria dando origem a uma noção descomprometida
do ser político, empobrecedora da cidadania como comunidade constitutiva, cujo processo
para definir objetivos comuns seria o fundamento da identidade política dos indivíduos.
Assim, segundo os comunitaristas, a concepção liberal apenas reconheceria o surgimento
de uma comunidade instrumental em que os indivíduos participariam com interesses e
identidades previamente constituídos, sem vínculo ou raiz social, o que minimizaria ou
reduziria a importância da esfera pública para o desenvolvimento das virtudes cívicas
necessárias ao funcionamento do bom governo.
7
Os comunitaristas advogaram, então, o retorno da visão cívico-republicana de bem
público como algo que antecede e é independente dos interesses individuais. Essa
concepção, raramente presente no debate político contemporâneo, inspira-se na tradição
greco-romana, na experiência das repúblicas italianas da Idade Média e no pensamento
republicano inglês do século XVII. O valor fundamental da atividade política para ela seria a
busca do bem comum concebido como uma dimensão que se sobrepõe aos interesses
privados - como também reivindicou Rousseau com a sua noção de vontade geral –, e,
supostamente, algo que só seria alcançável pela participação direta e ativa dos cidadãos no
processo de tomada de decisões coletivas, e não pela representação. Vista como fim em si,
a participação dos cidadãos seria a fábrica, por assim dizer, a partir da qual se pode
desenvolver a comunalidade necessária ao advento do governo virtuoso, e a liberdade,
mais do que efeito da limitação dos excessos do governo ou da avidez dos outros cidadãos
– como na tradição liberal -, seria a condição de seu compromisso com o bem público,
entendido então como expressão dos interesses de todos.
Contudo, essa visão, que implica, por certo, um modelo de cidadania mais ativa,
com vantagens para a educação de cidadãos ativos e responsáveis diante das exigências da
vida pública, padece de uma limitação importante, expressa pela retomada de uma noção
pré-moderna da política ao advogar uma concepção essencialista de bem comum que, por
definição, exclui a divergência de interesses e o conflito inerente à disputa em torno da boa
vida e do bom governo. A concepção da comunidade política organizada em torno de uma
idéia única de bem público é incompatível com a natureza conflitual da sociedade moderna
e com as conquistas das revoluções democráticas dos séculos XVII e XVIII que envolveram
as liberdades individuais, o reconhecimento do pluralismo e o direito de organização da
sociedade civil como expressões da diversidade de interesses que está na base da
competição política. O risco representado por essa idéia de um bem comum único está na
substantivação do processo político e na desqualificação da natureza conflitual da política
moderna.
A grande novidade da democracia moderna, como argumentou Lefort (1981), foi a
dissolução dos marcos de certeza que articulavam as crenças sobre o mando e a obediência
nas sociedades tradicionais, e a alocação da disputa pelo poder – este considerado como
um espaço vazio – em um terreno de indeterminação que é incompatível com a idéia de
garantia final de resultados ou uma noção substantiva do bem comum. A democracia supõe
necessàriamente incertezas quanto aos resultados do processo através do qual as
sociedades resolvem os seus dilemas coletivos, e essa condição não pode ser contraditada
por uma concepção que limita, por definição, a natureza do conflito que está na raiz da
8
política moderna; fosse o contrário, e a política não poderia ser definida pelo
reconhecimento da legitimidade desse conflito em torno de bens materiais e simbólicos
escassos.
Tendo em conta os limites tanto do modelo liberal, como da concepção
comunitarista - como resumidos antes – os filósofos políticos C. Mouffe e J. Leca
argumentaram, recentemente, que uma concepção de cidadania adequada às exigências
das sociedades complexas contemporâneas – por natureza, desiguais, diferenciadas e
fortemente marcadas por novos processos de produção e comunicação derivados da
globalização - tem de articular as conquistas da revolução democrática dos três últimos
séculos com aspectos da tradição cívico-republicana. Essa nova concepção deveria
incorporar, em um mesmo movimento constitutivo, a prioridade dos direitos individuais
sobre a noção de um bem comum substantivo e a importância da idéia de inserção dos
indivíduos na comunidade política em decorrência de seu interesse de associar-se para agir
e participar do processo de tomada de decisões públicas. A dimensão pública que
corresponde a essa concepção refere-se, não a um projeto essencialista que estipula
previamente os resultados da competição política, mas ao processo de construção da ação
política como resposta a dilemas coletivos reconhecidos como tal pela comunidade política.
O que os cidadãos compartilham não é a presunção de consenso prévio ou uma visão
homogênea quanto à solução dos conflitos em jogo, mas o compromisso político derivado
da decisão de reconhecer como legítimas as suas diferenças e de associar-se - malgrado elas
- em função de sua decisão de agir em comum para alcançar objetivos públicos. Esse
compromisso envolve a aceitação de princípios como a liberdade e a igualdade,
decorrentes das transformações democráticas e, ao mesmo tempo, estabelece as bases das
relações de lealdade entre atores que, por circunstância ou por escolha, estão associados
entre si. Essa lealdade os une e funda as bases da noção de direitos de cidadania que se
refere, não apenas às diferenças de status político ou social, mas à diversidade de
identidades políticas derivadas de relações de gênero, sexualidade, raça, etnia, religião ou
cultura.
A idéia – que Mouffe (1992) toma emprestada do filósofo inglês M. Oakeshott –
supõe que essa associação envolve uma prática comum através da qual seus membros
definem condições específicas para realizar o seu compromisso público. Essa prática cívica,
designada como res pública, mais do que definir fins últimos da ação dos cidadãos,
estabelece as regras e as práticas que eles aceitam subscrever para agir em comum. Como a
ação coletiva em tais condições envolve, por definição, a divisão e o antagonismo próprios
da política moderna, essas condições incluem um complexo de normas, procedimentos e
9
instituições cujo objetivo é regular o modo dos cidadãos reconhecerem e resolver as suas
diferenças e, ao mesmo tempo, oferecer as bases do julgamento político que fazem ao
participar da realização de objetivos coletivos. Trata-se de uma associação política de que
participam atores de diferentes orientações que, a despeito de também pertencerem a
associações definidas por interesses particulares, como partidos, grupos de pressão ou
corporações, não estão em conflito com sua decisão de integrar a comunidade política mais
abrangente. Ou seja, a sua identidade como cidadãos pertencentes à res publica decorre da
comunalidade expressa pela definição e pela adoção de regras de intercurso civil que
organizam suas relações políticas. Oakeshott (1975) enfatiza o caráter ético e moral - não
instrumental - da adesão dos cidadãos a essas regras, mas isso se refere menos a uma visão
abrangente da finalidade da sociedade, e mais às propriedades e à qualidade do código
ético-político que norteia a mediação e a regulação da disputa por interesses políticos
divergentes.
Nessa visão, diferente de concepções tradicionais sobre o papel do Estado, a
autoridade pública não é um instrumento neutro de conciliação de interesses, nem o
comitê executivo dedicado à promoção de interesses privados, mas a esfera que autoriza,
segundo regras bem específicas que esses interesses participem da disputa política,
normatizando o modo dessa disputa se dar. Diferente também da concepção usual de que
o império da lei é suficiente per se para legitimar a associação política necessária à garantia
da liberdade e da igualdade, importa muito a sua articulação com o conteúdo normativo de
regras e instituições escolhidas pelos atores políticos, e isso, em última análise, está no
centro da dinâmica das relações entre cidadãos e a esfera pública; está no centro e define a
natureza dessas relações e, por isso, atribui um papel especial para as instituições, vistas,
então, como os meios por excelência de mediação dos conflitos políticos modernos.
A QUESTÃO DA CONFIANÇA
A abordagem convencional do fenômeno de confiança dos cidadãos em instituições
democráticas costuma associar o tema à questão da legitimidade política. Contudo, o
conceito de legitimidade tem sido objeto de controvérsias nas ciências humanas,
particularmente, no que se refere ao exame da articulação de aspectos do sistema político
global, como é o caso de suas estruturas institucionais, com as orientações individuais dos
cidadãos sobre a política (MCDONOUGH et al., 1992). A sociologia política de Max Weber
ofereceu, nesse sentido, um ponto de partida amplamente reconhecido pela literatura
política ao distinguir entre as dimensões de poder e de autoridade, e ao advogar a
superioridade da última para tratar da natureza da coesão social da comunidade política.
10
Enquanto no caso da autoridade a relação dos cidadãos, assim como do pessoal burocrático
e administrativo do Estado, com os governantes e as autoridades públicas estaria motivada
por aquiescência voluntária, isto é, por adesão de natureza não-coercitiva, no caso do
poder a relação envolveria necessàriamente o uso da força, ainda que esse tenha de ser
regulado por lei para ser aceito como legitimo.
A questão, então, estaria em saber o que motiva a aquiescência voluntária dos
cidadãos e do pessoal administrativo e burocrático às autoridades públicas e às instituições
do sistema político. Weber (1974) respondeu a essa questão propondo a sua famosa
tipologia tripartite da legitimidade: o primeiro tipo refere-se à aceitação da autoridade
motivada pelo respeito à tradição, embora as sociedades que se modernizaram ou estão
em vias de concluir esse processo não possam ser incluídas aí; o segundo tipo alude às
qualidades carismáticas atribuídas a certas lideranças políticas ou a certas idéias expressas
por elas, mas, claramente, esse constitui um caso especial; para o terceiro tipo a
aquiescência depende de sua ordenação racional-legal, ou seja, os cidadãos se conformam
e manifestam respeito à autoridade definida por regras legais e racionais. Embora se
considere que nesse caso a situação corresponde à racionalidade própria da modernidade,
não fica inteiramente claro na teoria se os cidadãos e os funcionários do Estado aceitam
obedecer e submeter-se a ordens e regras simplesmente porque elas correspondem a
procedimentos considerados legalmente “corretos”; pois, dado que as leis e as normas não
são auto-executáveis ou auto-impositivas, a submissão a elas dependeria ainda de algum
outro fator que precisa ser explicado.
Offe (1999) sugeriu duas respostas a esta questão: a primeira, baseada nos escritos
políticos de Weber do período entre 1917 e 1919, aponta para a necessidade de uma
combinação de fatores racional-legais com os que se referem às qualidades morais e éticas
de autoridades e instituições, sem os quais os primeiros seriam insuficientes; esses fatores
selariam, por assim dizer, os motivos pelos quais os indivíduos aceitariam se submeter às
instituições, às leis e às autoridades. A segunda se refere ao conteúdo normativo de regras
e procedimentos racional-legais, particularmente, o relativo aos princípios de equidade,
justiça, impessoalidade e imparcialidade que seriam próprios das instituições democráticas;
o conhecimento dessas normas e princípios, pelos cidadãos, seguido de sua realização
prática pelos encarregados de seu funcionamento, geraria a confiança política necessária
para que o poder público seja capaz de realizar as tarefas de coordenação social e política
que se espera dele. Complacência, submissão e confiança em regras e normas de
funcionamento de instituições públicas dependeriam, nessa concepção, da sinalização e da
realização prática de valores como universalismo, reciprocidade e participação, sem os
11
quais os cidadãos tenderiam a perceber o jogo político como uma fraude ou como algo em
que a diversidade de interesses envolvida não estaria devidamente garantida, e em que os
eventuais infratores de regras universais não sofreriam quaisquer restrições ou punições de
parte do sistema político; daí o fenômeno da desconfiança política (OFFE, 1999; LEVI, 1998).
Confiança em linguagem comum designa segurança de procedimento ou crença em
outros com quem se interage e se convive. Nas ciências sociais, o interesse pelo conceito
está associado à preocupação com os processos informais através dos quais as pessoas
enfrentam as incertezas e as imprevisibilidades que decorrem da crescente complexificação
da vida no quadro de um mundo globalizado, interdependente e crescentemente
condicionado por avanços tecnológicos no campo da comunicação. Essa situação implica
em conhecimento limitado sobre os processos de tomada de decisões coletivas e as ações
de governos que afetam a vida das pessoas. Diante disso, autores como Luhmann (1979),
Giddens (1990) e Offe (1999) chamaram a atenção para o fato de que a velha demanda por
coordenação social que está na origem do Estado moderno se reatualizou, na época
contemporânea, ao se associar com as exigências de cooperação social; contudo, para se
deixar coordenar e cooperar as pessoas precisam ter alguma capacidade de previsão sobre
o comportamento dos outros e, em especial, sobre o funcionamento de regras, normas e
instituições que condicionam esse comportamento, cujos efeitos afetam a sua vida.
Esse é o ponto em que a demanda por confiança se atualiza. Autores de diferentes
orientações teóricas argumentaram que ela é a resposta adequada para essa situação de
adversidade e de imprevisibilidade e, nas últimas décadas, o conceito vem sendo usado
para designar grande variedade de fenômenos sociais e políticos que, malgrado colocar os
indivíduos envolvidos em situação de risco, refere-se à coesão social necessária ao
funcionamento das sociedades complexas, desiguais e diferenciadas. O tema envolve uma
controvérsia a respeito da relação entre os conceitos de confiança interpessoal e confiança
política, algo abordado na literatura especializada por enfoques tanto dos racionalistas,
como dos cultores dos modelos de “cultura cívica” de Almond e Verba, “capital cultural” de
Bourdieu, “capital social” de Putnam, “pós-materialismo” de Inglehart e “cidadãos críticos”
de Norris, Klingemann e Fuchs.
Para os racionalistas, a confiança interpessoal envolve a expectativa racional de A (o
confiante) sobre o curso de ações a ser adotado por B (o confiado). Diante da
imprevisibilidade humana, isto é, do fato de o comportamento alheio não poder ser
completamente controlado – a não ser em situações-limite -, a situação implicaria em risco
de dano ou de vulnerabilidade de A diante de B. Como o ato de confiar é insuficiente para
determinar o resultado da interação, autores como Hardin (1999) supõem que só não existe
12
abuso de confiança se a relação encapsular os interesses das partes. Ou seja, quando quem
confia tem segurança sobre a motivação solidária do confiado por saber por antecipação
que seus interesses serão levados em consideração por ele. A confiança interpessoal
abrangeria, assim, as situações em que interesses mútuos, que geram benefícios comuns e
eliminam os danos derivados de abuso da confiança, podem ser mobilizados; mas, afora
isso, a confiança seria injustificável do ponto de vista racional.
Os críticos dessa perspectiva sustentaram, no entanto, que essa situação está longe
de ser a mais comum, não sendo sempre racional a decisão de confiar, nem a atitude se
determinando exclusivamente – como no caso de uma decisão baseada no cálculo de
custos/benefícios – pelo nível de informação disponível a respeito do comportamento dos
outros, pois os indivíduos têm capacidade cognitiva limitada para acessar, na quantidade e
na qualidade necessárias, as informações adequadas para avaliar a conduta alheia ou a
utilidade da interação em que estão envolvidos. A eficiência, a pluralização de papeis e a
mobilidade social típicas das sociedades complexas ampliam as possibilidades de escolhas
dos indivíduos, mas a complexidade social e política inerente aos processos que envolvem a
tomada de decisões coletivas limita a sua capacidade de controlar a informação necessária
para que suas decisões sejam compatíveis com seus interesses, aspirações ou preferências.
A confiança preencheria, portanto, o vazio deixado pela impossibilidade de as
pessoas mobilizarem de modo completo os recursos cognitivos requeridos para avaliar as
suas habilidades e julgar as decisões políticas que afetam suas vidas. Com base em
premissas estabelecidas nas obras de Tocqueville (1969) e de Almond e Verba (1965),
autores como Putnam (1993) e Inglehart (1997) argumentaram, em anos recentes, que a
confiança interpessoal ou social se explica a partir do contexto sócio-cultural em que se
expressa. Sua ocorrência, baseada na experiência social e em valores compartilhados,
favoreceria a disposição das pessoas para agir em comum e a acumulação de capital social
daí resultante levaria à acumulação de capital político favorável ao funcionamento do
regime democrático. O fato de as pessoas confiarem umas nas outras estimularia a sua
cooperação e favoreceria o surgimento de virtudes cívicas, como a submissão às leis e
normas e a participação política, reforçando a capacidade dos grupos envolvidos de obter
benefícios comuns desejados e, ao mesmo tempo, estimulando os indivíduos a
pressionarem as instituições públicas a se desempenharem para cumprir os objetivos para
os quais foram criadas.
Contudo, a premissa de que a confiança social gera a confiança política tem de
enfrentar a objeção segundo a qual a política moderna nasceu da suposição de que quem
13
detém o poder não é confiável, e de que os procedimentos a que recorrem os seus
detentores para mantê-lo precisam ser socialmente controlados para que o seu abuso seja
evitado. Segundo essa premissa liberal, a vantagem da adoção de regras, normas e
instituições democráticas consiste precisamente no controle e na limitação do poder
propiciados por elas. A inovação democrática decorreria da existência de normas de
procedimento que permitem colocar em cheque os poderes discricionários implícitos nas
relações de poder. Em conseqüência, a democracia implicaria em supervisão e
monitoramento do exercício do poder pelos cidadãos. Ou seja, ela implicaria em
desconfiança e, para fazer valer isso, operaria com instituições desenhadas para que os
riscos de origem sejam antevistos e controlados. Nesse caso, como falar em confiança
política?
Os autores que contra-argumentaram em favor da confiança inverteram o sentido
das formulações anteriores. Para Warren (1999), Offe (1999) e Sztompka (1999), entre
outros, diante da impossibilidade de se ter garantia absoluta de que o conflito de interesses
se resolva pacificamente, a democracia moderna institucionalizou regras e normas de
procedimentos, geridas e ativadas pelas instituições democráticas, para assegurar um
padrão civilizado de competição política, algo também sugerido por autores como Mouffe
(1992) e Oakeshott (1975). Com efeito, mecanismos ou dispositivos como eleições,
representação política, liberdade de expressão e de associação, direito de julgamento justo
e imparcial, divisão de poderes e a obrigação de prestação de contas por governos
capacitam os cidadãos para desafiar as relações de poder de que justamente desconfiam,
mas, para fazer isso, a sua “desconfiança” precisa ser “institucionalizada”, ou seja, tornada
permanente através de mecanismos que, mobilizados, asseguram que eles podem
competir por seus interesses sem risco para a sua liberdade e para os seus direitos, a
começar pelo direito à vida.
A idéia é que direitos e prerrogativas democráticas sejam “naturalizados” pelas
instituições e “internalizados” na ordem institucional. Para isso, contudo, os cidadãos têm
de aceitar o caráter impositivo de regras que traduzem os princípios de liberdade e de
igualdade política, e o fato de elas garantirem, uma vez que funcionem a contento, o seu
direito de controlar as circunstâncias que geram “desconfiança”. Ou seja, a
institucionalização da “desconfiança” implica também na “internalização” pelos cidadãos
dos meios pelos quais podem enfrentá-la e, nessa medida, supõe a existência de uma
cultura de confiança nos instrumentos que tornam isso possível, ou seja, as instituições
democráticas. Nesse sentido, Sztompka (1999) fala de pelo menos cinco práticas
democráticas que requerem a confiança para operar com sucesso. A primeira é a
14
comunicação entre os cidadãos com vistas à definição de objetivos públicos comuns; a
segunda é a prática da tolerância e da aceitação do pluralismo político; a terceira é o
consenso mínimo sobre o funcionamento dos procedimentos democráticos; a quarta é a
civilidade requerida pela relação de atores que competem por objetivos diferentes; e, a
última, é a participação dos cidadãos seja em associações da sociedade civil, seja em
organizações de objetivos propriamente políticos, como os partidos. Todas são
consideradas indispensáveis à democracia, todas se retroalimentam e, por isso mesmo,
todas requerem graus razoáveis de confiança para funcionar a contento.
O argumento de Offe (1999), contudo, é ainda mais complexo. Para ele, com a
crescente interdependência dos sistemas complexos que constituem as sociedades
contemporâneas, o Estado assumiu funções de articulador, não mais e nem exclusivamente
de responsável único pela solução dos dilemas coletivos que, antes, se esperava que
pudessem ser solucionados pela sua intervenção. Em face das transformações provocadas
pela globalização e pelas pressões para diminuir o seu papel de ator direto nas esferas da
economia e da sociedade, o Estado se fragilizou e, para implementar políticas públicas
correspondentes, tem de se apoiar cada vez mais na cooperação social. A coordenação
necessária a essa implementação demanda o envolvimento dos cidadãos, quando menos,
como no caso dos serviços de arrecadação de impostos que alimentam o fundo público,
para apoiar as instituições no cumprimento da missão para a qual foram criadas; mas isso
não se realiza sem que as instituições tenham a confiança das pessoas. Contudo, confiar em
instituições não é a mesma coisa que confiar em pessoas, de quem se pode esperar
reciprocidade, indiferença ou hostilidade; em contraste com Hardin (1999), para quem a
inexistência de confiança em instituições é resultado da informação limitada de que
dispõem os indivíduos, Offe (1999) enfatiza os recursos éticos e normativos das
instituições, e a relação que isso enseja com a experiência política das pessoas. Confiar em
instituições supõe, então, conhecer, em alguma medida, a idéia básica ou a função
específica atribuída a elas, a exemplo da crença de que a policia existe para garantir a
segurança e a sobrevivência das pessoas. Isso se explicitaria tanto pela sua retórica de autojustificação como pelas regras constitutivas das instituições, as quais remetem a conteúdos
éticos e normativos que resultaram da disputa dos atores para atribuir sentido à política
democrática; por isso, essas regras constituem uma referência necessária tanto da ação dos
responsáveis pelas instituições, como do comportamento das pessoas comuns que, a partir
de sua experiência política, se orientam pelo que aprendem do funcionamento das
instituições.
15
Em vista disso, as instituições não podem ser vistas como neutras ou vazias, mas
como mecanismos de mediação política informados por valores derivados das escolhas que
a sociedade fez com vistas a enfrentar os seus desafios políticos. A confiança política dos
cidadãos não é, portanto, cega ou automática, mas depende de as instituições estarem
organizadas para permitir que eles conheçam, recorram ou interpelem os seus fins últimos
– fins aceitos, desejados e considerados legítimos pelos cidadãos. Nesse sentido, regras
institucionais democráticas como a imparcialidade em eleições, a probidade no uso de
recursos públicos ou a igualdade de acesso à justiça, ao “naturalizar” os direitos de
cidadania, gerariam expectativas sociais correspondente sobre o seu funcionamento, e é
isso, precisamente, que afetaria a relação dos cidadãos com elas. Dito de outro modo, a
confiança política dos cidadãos em instituições dependeria da coerência delas com a sua
auto-justificação normativa; o repertório de significações resultante do funcionamento das
instituições ajudaria a determinar a medida dessa confiança, a qual pode ou não se estender
aos seus responsáveis, dependendo de o quanto o seu comportamento seja compatível
com aqueles objetivos. A dinâmica envolveria, portanto, a experiência dos cidadãos com as
instituições e isso ajudaria a determinar a ocorrência do fenômeno de confiança.
UM CONCEITO MULTIDIMENSIONAL
A abordagem proposta retoma uma idéia original de Easton (1965) que, analisando
a natureza do apoio público aos sistemas políticos, meio século atrás, falou de apoio
específico e de apoio difuso como dimensões diferentes. Enquanto o primeiro se refere à
satisfação dos cidadãos com o desempenho de governos e de lideranças políticas, o apoio
difuso diria respeito à sua atitude em relação ao sistema político como um todo,
independentemente do desempenho de seus responsáveis.
Easton queria demonstrar como essa distinção tem implicações para o
conhecimento e para o comportamento político e argumentou que o apoio político está
relacionado com a experiência das pessoas. Os cidadãos se identificam com as instituições
porque aprendem a fazê-lo através de processos sucessivos de transmissão de seu
significado para as diferentes gerações mas, principalmente, porque as suas experiências
políticas, ao longo de sua vida adulta, qualifica-os para avaliar racionalmente o seu
desempenho. A participação em eleições e a vivência de processos institucionais que
ampliam ou restringem o seu acesso a direitos estabelecidos por lei fornece as bases do seu
julgamento. Essa avaliação inclui a percepção de resultados do desempenho das
instituições, a exemplo de avanços nas áreas sociais e econômicas, mas também do
cumprimento da missão normativa atribuída a elas pela sociedade. As pessoas aprendem a
16
distinguir entre as diferentes dimensões envolvidas no processo e, uma vez que isso se
torne parte de sua rotina, elas passam a diferenciar a ação de governos do desempenho
específico de instituições. Isso se refere a esferas de ação governamental, a serviços
públicos e a instituições específicas que, a exemplo do judiciário, simbolizam o acesso dos
cidadãos a direitos estabelecidos por lei.
Em conseqüência disso, o apoio público às instituições políticas não pode ser visto
como um fenômeno unidimensional, mas como algo de face múltipla que explicita para os
cidadãos as qualidades da ação institucional. Ademais, as diferentes dimensões
institucionais não podem ser confundidas sob pena de ocultamento da realidade; por essa
razão, partindo das observações originais de Easton, alguns autores refinaram o foco da
análise através da inclusão de novas dimensões no escopo das pesquisas empíricas do
tema. Identificaram cinco níveis de confiança política que, embora relacionados, tem de ser
pesquisados separadamente: a comunidade política per se, os princípios do regime
democrático, o desempenho específico do regime, as instituições democráticas e os atores
políticos.
O primeiro nível refere-se ao apoio difuso dos cidadãos à comunidade política,
através da qual se sentem pertencendo ao Estado-Nação, isto é, às fronteiras territoriais e
políticas que definem a sua identidade coletiva (LINZ E STEPAN, 1996). Orgulho, lealdade e
expectativas relativas às suas aspirações sociais, étnicas ou religiosas são alguns dos
sentimentos correspondentes; a ligação dos cidadãos com sua comunidade política seria
parte do capital social que favorece a confiança social e o engajamento cívico (NEWTON,
1999). O segundo nível alude à adesão dos cidadãos ao regime democrático como um ideal,
isto é, aos valores que, mesmo sem se constituir em um consenso absoluto, distinguem
esse regime dos demais; admitindo-se que a democracia tem significados diferentes para
pessoas diferentes de sociedades diferentes (THOMASSEN, 1995; SIMON, 1996; MILLER,
HESLI E REISINGER, 1997), alguns valores a definem, no entanto, em oposição a outros
regimes: as noções de liberdade, igualdade, império da lei, equidade, participação,
tolerância diante da diferença e respeito por direitos e deveres estabelecidos
constitucionalmente (BETHAM, 1994; SIMON, 1996). O terceiro nível permite verificar o
funcionamento prático da democracia, isto é, o desempenho objetivo do regime no dia-adia em contraste com o seu significado ideal. Para isso, importam as percepções dos
cidadãos, menos sobre os princípios do regime democrático, e mais sobre a sua capacidade
de solucionar problemas percebidos socialmente como prioritários (MCDONOUGH et al.,
1992; MOISÉS, 1995). Essa distinção permite captar, de modo mais adequado, as avaliações
individuais sobre o desempenho específico do sistema democrático, em dado momento e
17
lugar, em contraste com a percepção de suas vantagens em relação a outros regimes
(KLINGEMANN E FUCHS, 1998). O quarto nível refere-se às instituições democráticas per se
e abrange o universo de atitudes e percepções dos cidadãos a respeito de parlamentos,
partidos políticos, executivo, judiciário, sistema legal, serviços públicos como educação,
saúde e segurança pública, burocracia estatal e as forças armadas em contraposição ao
desempenho de seus ocupantes ou líderes ocasionais (LIPSET E SCHNEIDER, 1987;
LISTHAUG E WIBERG, 1995); a ênfase é posta na missão permanente das instituições e na
expectativa que isso implica, menos do que em seus resultados práticos (HIBBING E THEISSMORSE, 1995). O último nível analítico refere-se ao apoio dos cidadãos aos atores políticos,
isto é, aos líderes e membros do segmento que se convencionou chamar de classe política;
o objetivo é examinar a avaliação pública que emerge de seu desempenho específico e,
dessa forma, separar analiticamente essa dimensão da que se refere à confiança ou
desconfiança em governos ou em instituições políticas (ROSE, 1995).
Essa distinção de níveis empíricos permite explorar analìticamente o fato de as
pessoas experimentarem e confiarem de modo desigual em diferentes dimensões
institucionais, excluindo a hipótese simplista de que a confiança em um nível implica
necessariamente em confiança em outro. Isso permite explicar, por exemplo, porque
indivíduos que valorizam positivamente o regime democrático, avaliam negativamente o
funcionamento de instituições públicas, como ocorre em muitas das novas democracias, ou
porque apóiam algumas instituições, mas não os governos do dia.
Norris (1999) e colaboradores observaram ainda que os sentimentos gerados a
partir da experiência institucional dos cidadãos referem-se, fundamentalmente, ao jogo
proporcionado pelas regras constitucionais vigentes, escritas ou não, que resultam na
interação entre ganhadores e perdedores do processo político-institucional. Nesse sentido,
as experiências de derrotas e vitórias de partidos políticos, grupos de interesse ou
associações civis, ao longo do tempo, com o executivo, o legislativo e o judiciário
influenciam as atitudes políticas dos cidadãos. As pessoas tendem a apoiar as instituições se
as regras do jogo asseguram que o partido de sua preferência chegue ao poder, mas a
capacidade da ordem institucional de absorver e processar as suas demandas, mesmo se
não adotadas de imediato, também conta. Em sentido contrário, uma eventual sucessão de
derrotas do partido político de preferência dos cidadãos ou a impermeabilidade de
governos, legislativos ou tribunais de justiça às suas demandas por direitos indicam que seu
poder de influir sobre o processo decisório não existe, provocando frustração,
desconfiança e a crítica das instituições.
18
A idéia é que arranjos constitucionais que maximizam as oportunidades dos
ganhadores produzem níveis mais altos de confiança institucional e Norris, baseando-se em
resultados de pesquisas empíricas realizadas em 25 democracias, demonstra que existe
associação significativa entre a desconfiança em instituições democráticas e o mau
funcionamento de regras institucionais, liberdades civis e direitos políticos - cujo objetivo,
em última análise, é facilitar a inclusão política e ampliar o acesso dos cidadãos às
oportunidades do sistema democrático. O diagnóstico confirma também os resultados de
estudos de Della Porta (2000) e de Pharr (2000), segundo os quais a deterioração da
imagem das instituições democráticas em países como a Itália e o Japão, em décadas
recentes, está diretamente relacionada com práticas de corrupção, de malversação de
fundos públicos e com o déficit de funcionamento dos sistemas de partidos e de
representação política. Esse cenário oferece, aliás, um paralelo, embora em condições
distintas, com a experiência vivida, nas últimas décadas, por várias das novas democracias
latino-americanas.
Em conjunto, esses estudos confirmam a tese de que as experiências dos cidadãos
influem decisivamente sobre a confiança política e que elas estão associadas com a vivência
de regras, normas e procedimentos que decorrem do princípio de igualdade de todos
perante a lei. Mas elas também mostram que a avaliação dos cidadãos sobre as instituições
depende do aprendizado propiciado a eles pelo seu funcionamento prático. Uma vez que
sejam capazes de sinalizar, de modo inequívoco, o universalismo, a imparcialidade, a justeza
e a probidade de seus procedimentos, assegurando que os interesses dos cidadãos sejam
efetivamente levados em conta pelo sistema político, as instituições geram apoio,
solidariedade e ganham a confiança dos cidadãos. Em sentido contrário, quando prevalece
a ineficiência ou a indiferença institucional diante de demandas para fazer valer direitos
assegurados por lei ou generalizam-se práticas de corrupção, de fraude ou de desrespeito
ao interesse público, instala-se uma atmosfera de suspeição, de descrédito e de
desesperança, comprometendo a aquiescência dos cidadãos à lei e às estruturas que
regulam a vida social; floresce, então, a desconfiança e o distanciamento dos cidadãos da
política e das instituições democráticas, a exemplo da experiência recente de vários países
da América Latina e, inclusive, do Brasil.
A vantagem dessa perspectiva em relação às abordagens tradicionais do tema é que
a explicação da confiança política radica nas instituições e na sua significação cultural e
política. Longe de sugerir uma perspectiva desenraizada de seu contexto social, a ênfase
posta na experiência dos cidadãos com as instituições restabelece a conexão entre as
dimensões micro e macro da política, ou seja, reconhece que as atitudes individuais afetam
19
e são afetadas por fatores macro-políticos como o desempenho das estruturas
institucionais. Assim, ao colocar a sua ênfase na significação normativa das instituições,
tanto em seus objetivos éticos e políticos, como em seus modos concretos de mediar a
competição política, a abordagem proposta retoma o sentido de comunalidade associado
com o compromisso dos cidadãos de participar da vida pública e, nessa medida, recupera a
identificação racional dos interesses dos indivíduos com aqueles da cidadania através da
mediação institucional.
Não se trata, portanto, de que as instituições existem simplesmente para proteger
os cidadãos para que possam realizar os seus interesses privados, e, mais uma vez, separem
os indivíduos da sua comunidade; nas condições da mediação institucional adotada pelo
regime democrático para que a sociedade logre enfrentar os seus dilemas coletivos, tratase de colocar esses interesses em sintonia e cooperação com as exigências dos interesses
públicos. Essa abordagem retoma a conhecida formulação de Tocqueville (1969) sobre o
“interesse bem compreendido” e, nessa medida, enfatiza a dimensão cívico-republicana da
política sem excluir, no entanto, o fato de que o processo democrático implica, por
definição, a diversidade de perspectivas a respeito dos projetos de sociedade almejados
pelos membros da comunidade política. Nesse sentido, a confiança em instituições é um
modo através do qual os cidadãos asseguram que os seus direitos de cidadania são
respeitados e, ao mesmo tempo, um meio pelo qual confirmam o seu compromisso com as
exigências de seu pertencimento à comunidade política. A confiança é, assim, uma condição
necessária da cidadania, e o seu meio de realização são precisamente as instituições
democráticas. Nisso reside a conexão analítica desses três conceitos. E por isso a pesquisa
sobre a qualidade da democracia tem de considerá-los em sua interação.
20
II.
OS SIGNIFICADOS DA DEMOCRACIA SEGUNDO OS BRASILEIROS1
JOSÉ ÁLVARO MOISÉS
INTRODUÇÃO
Perto de completar um quarto de século depois de ter sido restabelecida no Brasil, a
democracia é o regime político preferido por mais de 2/3 dos cidadãos brasileiros (Tabela
2)2. O significado desse fato para a história política contemporânea do país não pode, no
entanto, ser bem compreendido se não se levar em conta que, em mais de um século de
regime republicano, os brasileiros experimentaram as virtudes do regime democrático
apenas em dois períodos de duas décadas cada, ou seja, entre 1946 e 1964 e, mais
recentemente, entre 1988 e o dia de hoje. Fora desses curtos períodos de tempo,
predominaram no país, durante a maior parte do século XX, sistemas políticos oligárquicos,
autoritários ou semi-liberais que, por definição, não asseguravam as liberdades
fundamentais, a competição política, a participação popular ou os direitos de cidadania. Em
uma perspectiva temporal longa, portanto, a democracia é um fenômeno político
relativamente novo no Brasil e, ao mesmo tempo, frágil e descontínuo na experiência
política dos brasileiros. Por si só, esta é uma razão importante para se tentar avançar o
conhecimento sobre o que os brasileiros pensam a respeito do regime democrático.
No presente, diferente de outros períodos de sua história, a atitude positiva a
respeito da democracia é majoritária no país e, mais importante que isso, a adesão dos
cidadãos ao regime democrático é validada pela rejeição de mais de 2/3 do público a
alternativas antidemocráticas como a volta dos militares ao poder ou o estabelecimento de
um sistema de partido único (Gráfico 1). A relevância do apoio estável dos cidadãos ao
regime democrático foi enfatizada por diversos autores da literatura comparada de
1
Versão revista do texto apresentado à mesa redonda “Os significados da democracia na América Latina e suas
medidas”, IV Congresso da Associação Latino-americana de Ciência Política – ALACIP, 5-7/8/08, Costa Rica e ao I
Seminário Internacional de Estudos sobre o Legislativo - 20 anos da Constituição, 9-11/9/08, Departamento de
Sociologia da Universidade de Brasília.
2
Segundo o World Values Survey, da Universidade de Michigan - que cobre atualmente mais de 80% da população
mundial - a democracia é hoje o regime político preferido pela maioria dos consultados (Inglehart, 2003). O
Latinobarometro, por sua vez, confirma os resultados para a América Latina: em que pesem casos específicos de
alguns países, a preferência pela democracia supera a marca dos 50% no continente ao longo de mais de dez anos
(Informe Latinobarometro 2007, www.latinobarometro.org).
democratização, mas, especialmente, por Shin (2005) e por Linz e Stepan (1996) que, ao
discutir os diferentes aspectos dos processos de consolidação democrática, consideraram
que a dimensão atitudinal é uma das mais importantes, uma vez que “um regime
democrático só está consolidado quando uma forte maioria da opinião pública acredita que
os procedimentos e as instituições democráticas constituem o modo mais apropriado de
governar a vida coletiva numa sociedade como a deles, e quando o apoio a alternativas antisistêmicas é pequeno ou isolado da atitude predominante entre as forças pródemocráticas” (LINZ E STEPAN, 1996, p. 6). Essa observação reatualiza a perspectiva
predominante em parte da literatura que tratou do tema e que, de modo geral, se apoiou
nas conhecidas formulações de Max Weber (1974), segundo as quais, a legitimidade
atribuída às instituições pelos cidadãos é um aspecto central do funcionamento da vida
política de qualquer regime político e, no caso da democracia, é particularmente mais
relevante porque a aquiescência dos cidadãos às decisões que afetam a sua vida – a
exemplo das políticas públicas - não depende da coerção política, mas é voluntária.
A despeito disso, pesquisas recentes do tema demonstraram que o crescimento da
adesão normativa do público de massas à democracia convive com um paradoxo
caracterizado por proporções muito altas de sua desconfiança das instituições
democráticas (MOISÉS, 1995; 2008A; 2008B), como, aliás, também ocorre na maior parte
dos países latino-americanos (a Tabela 1 mostra os dados para o Brasil). É como se as
pessoas comuns ouvidas pelas pesquisas de opinião estivessem dizendo, por uma parte,
que amam a democracia, mas, de outra que, se não odeiam, têm sentimentos
contraditórios ou ambíguos a respeito de normas, procedimentos e regras que
caracterizam as instituições democráticas, cuja função é assegurar a sua participação na
competição pelo poder e nos mecanismos pelos quais as decisões públicas são tomadas.
Com efeito, sem que os membros da comunidade política sejam motivados para recorrer às
instituições e referenciar a sua ação por elas, as principais promessas da democracia – como
a liberdade política, a igualdade dos cidadãos perante a lei, os seus direitos individuais e
coletivos, e a obrigação dos governos de prestarem contas à sociedade de suas ações –
ficam limitadas às formalidades da ordem constitucional. Criadas para assegurar a
distribuição do poder na sociedade e também a possibilidade de os cidadãos, em sua
condição de eleitores, avaliarem e julgarem o desempenho dos que governam em seu
nome, o descrédito ou a desvalorização pública das instituições podem provocar o seu
esvaziamento e a perda do seu significado (MOISÉS, 2007).
2
Os dados da Tabela 13 demonstram, com efeito, que a despeito de a adesão
normativa à democracia ser majoritária no Brasil, os brasileiros desconfiam das instituições
democráticas em geral e, em particular, dos partidos políticos, do Congresso Nacional e do
sistema judiciário. Os índices mais altos de confiança se referem a poucas instituições
públicas e privadas que são baseadas em estruturas hierárquicas, como a igreja e as forças
armadas; além disso, os brasileiros também se caracterizam por sua escassa confiança nas
pessoas - em especial, as que estão longe de sua intimidade ou da convivência caracterizada
por laços de sangue -, como colegas de trabalho e estranhos em geral. Os baixos índices de
confiança interpessoal entre os brasileiros oferecem, assim, uma alternativa para se
entender os também baixos níveis de participação política no país. Testes de associação
realizados pelo autor (mas não mostrados aqui) tendem a confirmar essa hipótese, ou seja,
que depositando pouca confiança uns nos outros, os brasileiros padecem de um estímulo
importante para vencer os obstáculos que dificultam a decisão de enfrentar os dilemas da
ação coletiva.
Como as atitudes contraditórias de adesão à democracia e de desconfiança das
instituições são vistas por vezes como se referindo a uma única e mesma dimensão do
fenômeno de apoio político, analistas céticos têm sido levados a questionar se as
expressões de apoio popular a muitas das novas democracias não são desprovidas de
3
A tabela apresenta freqüências simples e a confiança varia de 0 a 3; as médias foram calculadas com base neste
intervalo. As médias mais altas são para a confiança na família, nos bombeiros e na igreja, e as mais baixas para os
partidos, a maioria das pessoas, os empresários e o Congresso Nacional.
3
sentido. Com efeito, esses céticos argumentam, em primeiro lugar, que a despeito de
convalidarem o estabelecimento dos novos regimes democráticos através da sua
participação em eleições para formar governos, as populações dos países pobres ou em
desenvolvimento estão mais preocupadas com as suas necessidades econômicas e sociais
do que com as virtudes ou os valores da democracia. Além disso, os que sustentam essas
posições também consideram que os cidadãos desses países - em muitos casos dotados de
baixos níveis de escolaridade e de renda e, portanto, em tese, detentores de cognição
política insuficiente para compreender a complexidade do sistema democrático -, ao
expressar apoio à democracia podem estar simplesmente manifestando a sua simpatia a
uma noção cercada de conotação positiva – particularmente após o fracasso de suas
alternativas em escala mundial – que, ademais, teria apenas um sentido vago para eles. Os
céticos sugerem também que, devido à difusão internacional das imagens positivas do
regime democrático após os acontecimentos que culminaram com a queda do Muro de
Berlim, no final dos anos 80, a atual adesão do público de massas à democracia
representativa, sob crescente influência dos meios massivos de comunicação, pode estar
traduzindo, mais do que a aceitação de valores políticos, o desejo das pessoas comuns de
conquistarem os níveis de renda e de consumo usualmente associados com a realidade das
democracias ocidentais. Por outras palavras, mais do que expressar a escolha pelos
princípios de um regime político específico, a preferência majoritária pela democracia seria,
de fato, uma função de escolhas de outra natureza (SCHAFFER, 1998; BAVISKAR E
MALONE, 2004; SCHEDLER E SARSFIELD, 2004; DALTON, SHIN E JOU, 2007).
As implicações deste cenário, caso a realidade empírica viesse a confirmar essas
previsões, são bem conhecidas: elas apontariam para a possibilidade de formação de uma
democracia sem democratas que, a exemplo da República de Weimar, na Alemanha entre
1919 e 1933 (GAY, 1978), poderia colocar em risco os novos regimes na eventualidade deles
enfrentarem crises econômicas e sociais (déficits fiscais, quedas de investimento, inflação,
desemprego, migrações em massa, etc.), às quais os governos e as lideranças políticas do
dia não fossem capazes de responder com a eficiência e a agilidade necessárias. Assim,
mesmo tendo em conta que as experiências dos últimos trinta anos de mudanças de regime
político mostraram alguns países como Argentina, Brasil e Espanha avançando o processo
de sua democratização a despeito das crises econômicas e sociais enfrentadas na fase final
da transição, a hipótese anterior envolve um dilema político e uma exigência de
conhecimento: sem menosprezar o que já sabemos a respeito, é preciso avançar mais na
análise dos conteúdos atribuídos pelos cidadãos comuns ao conceito de democracia nos
novos sistemas políticos surgidos da terceira onda de democratização mundial. Como os
4
entrevistados de pesquisas de opinião definem o conceito de democracia? Essa definição
permite distinguir a democracia de outros regimes políticos? E no caso de países como o
Brasil, cujas estruturas econômicas e sociais são caracterizadas por profundas
desigualdades, os indivíduos consultados pelas pesquisas expressam preferência por
conteúdos relacionados com suas carências materiais em detrimento de definições relativas
aos valores e aos procedimentos típicos da democracia?
Este trabalho procura responder a algumas dessas indagações com base na análise
de dados de quatro pesquisas nacionais de opinião e atitudes dirigidas pelo autor entre
1989 e 20064. A análise é exploratória e o estudo examina o significado do conceito de
democracia para as pessoas comuns a partir da pergunta aberta "Para você, o que é
democracia?", incluída em quatro surveys realizados em um espaço de 17 anos. A
codificação das respostas foi feita com o objetivo de elucidar os significados mais
importantes do conceito, ou seja, se eles são relativos à dimensão de procedimentos, de
princípios e liberdades ou de conteúdos substantivos, de modo a permitir avançar o nosso
conhecimento sobre a crescente adesão dos brasileiros ao regime democrático. A análise
empírica mais extensa utilizou os dados do survey de 2006, começando pela descrição de
freqüências e, em seguida, pela análise fatorial de variáveis que, em tese, poderiam estar
associadas com as respostas à pergunta aberta mencionada. Por último são apresentados
os resultados de uma análise de regressão logística com a variável construída com base nas
respostas dos entrevistados que souberam definir o que é a democracia. O objetivo, neste
caso, era entender os determinantes das respostas.
Os resultados mostram que os brasileiros associam a democracia majoritariamente
com uma noção normativa fundamental, relativa às liberdades, mas, também, com os
procedimentos desse regime. Embora também citado nas entrevistas, o conteúdo relativo à
dimensão social ou à substantivação da democracia tem surpreendentemente pouco peso
no conjunto das amostras. Ou seja, desde que a democracia está vigente no país, a partir de
1988, os brasileiros confirmaram a sua adesão à democracia em termos que se referem, ao
mesmo tempo, às liberdades fundamentais e aos procedimentos institucionais,
4
As pesquisas “Democratização e Cultura Política”, realizadas em 1989 (setembro e dezembro), 1990 (março) e
1993 (março), foram elaboradas e dirigidas por José Álvaro Moisés, e realizadas com apoio da Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico –
CNPq e Fundação Ford, tendo contado, em alguns casos, com a parceria do Datafolha. Os bancos de dados
correspondentes podem ser obtidos por solicitação ao autor ou ao Centro de Estudos de Opinião Pública – CESOP,
onde estão depositados para uso público. A pesquisa “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas”,
realizada em 2006 (junho), é dirigida por José Álvaro Moisés e Rachel Meneguello (UNICAMP), com apoio da FAPESP
e do CNPq. Dados da pesquisa “Cultura Política e Cidadania”, da Fundação Perseu Abramo, realizada em 1997,
também são utilizados neste estudo, assim como dos surveys ESEB, de 2002 e 2006, coordenados por Rachel
Meneguello, do CESOP.
5
combinando, portanto, uma idéia normativa ligada aos princípios democráticos com outra
de natureza prática, relativa ao desempenho das instituições. As duas dimensões são
importantes e estão relacionadas com a qualidade da democracia que, precisamente, supõe
a integração desses fatores (DIAMOND E MORLINO, 2005).
SOBRE AS DEFINIÇÕES DE DEMOCRACIA
A experiência de pesquisas de opinião e de atitudes políticas mostra que ao serem
interrogadas sobre o que pensam do conceito de democracia as pessoas comuns podem
mostrar-se com freqüência hesitantes ou mesmo perplexas diante de um estimulo que não
é usual em sua vida cotidiana. Em tal situação, não é incomum os entrevistadores obterem
como primeira reação afirmações como “Eu não sei bem, preciso pensar mais...”, para
depois ouvirem um comentário complementar como “Eu acho que é uma coisa
importante...” ou “Acho que precisamos dela...”, recebendo respostas tópicas ou
incompletas. Em sentido semelhante, Dalton, Shin e Jou (2007) lembraram, recentemente,
em um texto dedicado ao exame do “entendimento da democracia em lugares
improváveis”, que em 1989 um estudante chinês que participava das famosas
manifestações anti-autoritárias na praça de Tiananmen portava um cartaz com a
mensagem: “Eu não sei o que significa democracia, mas sei que precisamos dela”.
Que implicações têm essas observações? Ambas apontam para duas questões
importantes para a pesquisa do tema. Em primeiro lugar, elas mostram as dificuldades que
uma parte das pessoas comuns enfrenta ao serem colocadas diante da solicitação de definir
um conceito complexo como o de democracia: afora as que se sentem à vontade para
responder por conta de sua instrução educacional e/ou de sua experiência, muitas hesitam,
mencionam aspectos parciais, respondem equivocadamente ou simplesmente não sabem
responder. O problema não diz respeito apenas aos cidadãos de nações pobres ou em
desenvolvimento, que estabeleceram o regime democrático nas últimas décadas, mas
também aos habitantes de nações ricas ou mais desenvolvidas, onde a experiência
democrática é longeva e está consolidada há décadas ou séculos. A literatura sobre a
sofisticação e o conhecimento político dos públicos de massa mostrou, já algum tempo,
que as pessoas comuns podem ser limitadas em sua compreensão do mundo da política por
fatores como o seu insuficiente interesse por ela, a pouca centralidade atribuída às
diferentes dimensões do sistema político e, principalmente, os seus níveis insuficientes de
escolarização ou de educação formal (NEUMAN, 1986). Mesmo em países como os Estados
Unidos, Inglaterra ou Alemanha verificou-se a existência de porções importantes do público
que, não obstante serem favoráveis ao regime democrático e terem idéias sobre ele, têm
6
dificuldades para defini-lo em termos precisos. Nada disso desqualifica as convicções e
percepções dos entrevistados, quaisquer que sejam elas, mas sugere que talvez não seja o
caso de esperar, por exemplo, que nos países latino-americanos, da mesma forma que na
Rússia, na Ucrânia, no Afeganistão ou na África do Sul - onde os níveis de desigualdades
econômicas e sociais afetam o acesso à educação de importantes contingentes de suas
populações e, em conseqüência, também a sua cognição política -, sejam encontradas uma
maioria de respostas com graus elevados de elaboração ou de complexidade para a
indagação “O que é democracia?”. Uma hipótese aparentemente mais realista, neste caso,
recomendaria esperar que contingentes minoritários dotados de níveis mais altos de
escolarização sejam capazes de responder à pergunta, mas não necessariamente a maioria
dos entrevistados; mas essa alternativa desconsidera tanto os efeitos negativos da
experiência autoritária para mudar as convicções das pessoas, como a influência de
mudanças culturais provocadas por processos de modernização econômica e social
(SOARES, 1973; MOISÉS, 1995; INGLEHART E WELZEL, 2005). Em conseqüência, uma das
questões relevantes de pesquisa consiste em saber como respondem os diferentes
segmentos do público que passaram por essas experiências, qual a variância das respostas
e qual a relação delas com o funcionamento do regime. Ou seja, além de fatores
contingenciais – como a difusão internacional da democracia ou sua associação com o êxito
econômico de governos do dia -, outras variáveis de efeito mais duradouro também
precisar ser levadas em conta na análise do tema. Seu exame precisa levar em conta a sua
multidimensionalidade.
Outra questão importante refere-se ao fato de a democracia ter diferentes
significados que podem ser expressos diferentemente pelos diferentes segmentos dos
públicos de massa. Em si mesmo, o conceito de democracia envolve diferentes conteúdos,
formulados e articulados no longo processo histórico de sua formação, os quais resultaram
na variedade de significações que ele tem hoje, mas, como é evidente, eles não se opõem
ou se anulam. Não é tão simples, então, mesmo para os segmentos mais escolarizados,
oferecer de pronto uma definição capaz de sintetizar as diversas significações que o
conceito adquiriu ao longo de séculos de desenvolvimento da tradição democrática.
Embora pesquisas anteriores tenham, às vezes, sugerido que existe um sentido comum na
compreensão geral do termo pelo público, estudos recentes envolvendo países que se
democratizaram nas últimas décadas mostraram que as compreensões do conceito de
democracia variam bastante entre as nações e entre os seus públicos, sem envolver um
padrão único ou completamente definido (BRATTON, MATTES E GYIMAH-BOADI, 2004;
CAMP, 2001). Isso também não desqualifica as respostas, mas significa que uma hipótese
7
realista levaria a esperar, ao invés de uma resposta sintética dos entrevistados, capaz de
integrar as diferentes dimensões do conceito, menções desagregadas com diferentes
significações, traduzindo visões distintas do público a respeito do regime democrático.
Além disso, qualquer que seja o percentual de entrevistados capazes de oferecer essas
visões, a segunda questão relevante do estudo consiste em saber que fatores estão
associados às suas respostas, e quais aspectos do desempenho do regime eles reforçam ou
fragilizam.
Na literatura acadêmica, o significado mais usual da democracia se refere aos
procedimentos e aos mecanismos competitivos de escolha de governos através de
eleições, mas existem outras perspectivas que ampliam a compreensão do conceito,
incluindo tanto as dimensões que se referem aos conteúdos da democracia, como também
os seus resultados práticos esperados no terreno da economia e da sociedade. Por uma
parte,
acompanhando
a
abordagem
minimalista
de
Schumpeter
(1950)
e
a
procedimentalista de Dahl (1971), vários autores definiram a democracia em termos de
competição, participação e contestação pacífica do poder. Assim, o estabelecimento de um
regime democrático implicaria basicamente em condições mínimas como: 1) direito dos
cidadãos escolherem governos por meio de eleições com a participação de todos os
membros adultos da comunidade política; 2) eleições regulares, livres, competitivas,
abertas e significativas; 3) garantia de direitos de expressão, reunião e organização, em
especial, de partidos políticos para competir pelo poder; e 4) acesso a fontes alternativas
de informação sobre a ação de governos e a política em geral. Essa definição deixa claro
que qualquer sistema político que não se baseie em processos competitivos de escolha de
autoridades públicas, capazes de torná-las dependentes do voto da massa de cidadãos, isto
é, do mecanismo por excelência de accountability vertical, não pode ser definido como uma
democracia.
Mas a ênfase minimalista de Schumpeter e de seus seguidores é vulnerável ao que
outros autores classificaram como uma “falácia eleitoralista”, isto é, a tendência de se
privilegiar as eleições sobre outras dimensões da democracia (KARL, 2000). De fato, ao
definir a democracia essencialmente como um método de escolha de governos dentre as
elites que competem pela posição, essa perspectiva desconsidera o fato de que mesmo
nações que adotam o mecanismo eleitoral podem conviver com a realização de eleições
que não são inteiramente livres, tornando discutíveis os seus resultados. Além disso, a
vertente minimalista dá pouca importância ao que acontece com as demais instituições
durante a democratização. Instituições como o parlamento, os partidos, o judiciário ou a
polícia podem funcionar de forma deficitária ou incompatível com a doutrina da separação
8
de poderes, mesmo convivendo com um regime de regras eleitorais. Exemplos recentes
são os casos da Rússia, do Paquistão e, no contexto latino-americano, do Peru sob Fujimori,
da Bolívia e do Equador na fase de decisão sobre as suas novas constituições, e da
Venezuela sob os governos de Chávez.
Em vista de limitações desse tipo, Dahl (1971) ampliou e completou a definição
da democracia com sua abordagem das poliarquias, mostrando que para que o princípio de
contestação do poder esteja assegurado é também indispensável que condições específicas
assegurem a participação dos cidadãos na escolha de governos e, inclusive, a possibilidade
de eles próprios serem escolhidos para formá-los; outra característica central da
democracia, segundo o autor, é a exigência de responsabilização de governos e lideranças
políticas diante dos cidadãos. Essas condições implicam em garantias relativas ao direito de
organização e representação da sociedade civil, em especial, em partidos políticos, por
intermédio do que a pluralidade de concepções e interesses que constituem a sociedade
pode se expressar e se realizar. Mas elas implicam também na tradição do que se designou
como constitucionalismo, isto é, a necessidade de que princípios internalizados em
instituições – como mecanismos de pesos e contrapesos – sejam garantidos por uma
constituição aceita como legítima pela sociedade, isto é, pela dimensão jurídico-legal que
envolve valores compartilhados pela maioria dos membros da comunidade política. Embora
essa visão faça referência a alguns conteúdos da democracia, é evidente que a sua ênfase
mais importante são os procedimentos democráticos, cujo funcionamento depende da
existência e do desempenho adequado de instituições específicas da democracia.
Uma perspectiva concorrente (e complementar) com as anteriores define a
democracia em termos da sua qualidade, tornando explícito o foco nos conteúdos do
regime democrático. Utilizando-se de uma analogia com o funcionamento do mercado, o
conceito refere-se à qualidade do produto ou serviço produzido segundo procedimentos,
conteúdos e resultados singulares. A qualidade envolve processos controlados por
métodos e timing precisos, capazes de atribuir características específicas ao produto ou
serviço, de modo a satisfazer as expectativas de seus consumidores potenciais. No caso da
democracia, espera-se que esse regime seja capaz de satisfazer as expectativas dos
cidadãos quanto à missão que eles atribuem aos governos (qualidade de resultados);
confia-se que ele assegurará aos cidadãos e às suas associações o gozo de amplas
liberdades e de igualdade políticas necessárias para que possam alcançar suas aspirações
ou interesses (qualidade de conteúdo); e conta-se que suas instituições permitirão, por
meio de eleições e de mecanismos de checks and balances, que os cidadãos avaliem e
julguem o desempenho de governos e de representantes (qualidade de procedimentos).
9
Instituições e procedimentos são vistos, neste caso, como meios de realização de
princípios, conteúdos e resultados esperados pela sociedade do processo político que
envolve a governança democrática.
Com base nos pressupostos anteriores, Diamond e Morlino (2004) identificaram
oito dimensões segundo as quais a qualidade da democracia pode variar. As cinco primeiras
correspondem a regras de procedimentos, embora também sejam relativas ao seu
conteúdo: o primado da lei, a participação e a competição políticas, e as modalidades de
accountability (vertical, social e horizontal); as duas seguintes são essencialmente
substantivas: de um lado, o respeito por liberdades civis e os direitos políticos e, de outro,
como conseqüência do anterior, a progressiva implementação da igualdade política e de
seus correlatos, como a igualdade social e econômica; por último, é mencionado um
atributo que integra procedimentos a conteúdos, ou seja, a responsividade de governos e
dos representantes, por meio do que os cidadãos podem avaliar e julgar se as políticas
públicas, assim como o funcionamento prático do regime (leis, instituições, procedimentos
e estrutura de gastos públicos) correspondem aos seus interesses e preferências. Embora
esta perspectiva defina a democracia fundamentalmente em termos dos seus princípios e
conteúdos mais importantes, fica claro que ela integra procedimentos institucionais e
conteúdos, sem deixar de se referir aos resultados práticos do regime por meio do
pressuposto de que a igualdade social e econômica pode ser alcançada se e quando a
igualdade política seja efetiva.
Não obstante essas definições que focalizam procedimentos, princípios e
conteúdos da democracia, uma terceira abordagem enfoca primordialmente a dimensão
social do regime democrático, enfatizando a contraposição entre a sua substância e a sua
formalidade, segundo a argumentação de autores que analisaram o processo de
democratização de países pobres ou em vias de desenvolvimento. Ou seja, em acréscimo às
noções que fazem referência aos direitos civis e políticos, as definições inspiradas nas
tradições social-democrata, socialista e comunista européias tendem a incluir direitos
sociais como serviços de saúde, educação, habitação, etc. na formulação do conceito;
baseada na crítica marxista da estrutura assimétrica da sociedade de classes, essa
perspectiva argumenta que, a menos que os membros da comunidade política tenham
condições suficientes para atender às suas necessidades básicas de sobrevivência e
expressão, os princípios de liberdade, igualdade e participação política são destituídos de
significação para eles (HUBER, RUESCHEMEYER AND STEPHENS, 1997). Por outro lado,
Dalton, Shin e Jou (2007) observaram que a dimensão substantiva da democracia é
enfatizada também pela perspectiva que tende a ver o apoio do público de massas ao
10
regime democrático como uma conseqüência da demanda por níveis de vida identificados
com aqueles vigentes nas sociedades industriais avançadas, cuja riqueza e afluência são
associadas com a experiência da democracia consolidada e estável. A idéia é que as
respostas positivas a respeito da democracia pressupõem que, junto com a instalação do
regime, vem o advento de níveis elevados de renda e de consumo. Neste caso, longe de
considerações sobre os procedimentos institucionais ou os princípios fundamentais do
sistema democrático, as percepções do público estariam conformadas por uma perspectiva
essencialmente instrumental da democracia.
É evidente que ao responder espontaneamente aos pesquisadores, os públicos
de massas podem dar outras respostas às perguntas sobre a democracia, mas as
perspectivas mencionadas acima, além de ser parte constitutiva do debate público
contemporâneo, referem-se a escolhas substantivas que aparecem nos resultados de
diferentes pesquisas internacionais sobre o assunto. Nesse sentido, as três abordagens
mencionadas oferecem um enquadramento analítico útil para o exame dos níveis de apoio
dos cidadãos ao regime democrático, mesmo a correspondência entre essas abordagens e
as respostas dos entrevistados não sendo mecânica. Cada alternativa tem, de fato,
implicações diferentes para a interpretação do apoio da opinião pública aos regimes
resultantes dos processos de democratização das últimas três décadas. Por isso, neste
estudo, considerou-se que elas oferecem uma base útil para a análise dos dados empíricos.
OPINIÕES E ATITUDES SOBRE A DEMOCRACIA
Na tradição brasileira de estudos de cultura política, as opiniões e as atitudes
quanto ao regime democrático têm sido medidas preferencialmente por estímulos
nominais diretos, isto é, por perguntas fechadas ou estruturadas que mencionam a palavra
democracia. A alternativa mais comum usada no país (MOISÉS, 1995; MENEGUELLO, 2007)
é a utilizada também na Europa e na América Latina (neste caso, pelo Consórcio
Latinobarometro), e leva em conta a memória do público dos regimes autoritário e
democrático com o objetivo de captar, ao mesmo tempo, a escolha por um deles ou a
indiferença dos entrevistados diante de alternativas que se referem a diferentes
experiências históricas e legados político-culturais. É um teste, portanto, de envolvimento
político e de preferência entre alternativas políticas antitéticas. A formulação usual da
pergunta é a seguinte:
11
“Com qual dessas três afirmações você concorda mais?
- A democracia é sempre melhor do que qualquer outra forma de governo;
- Em certas circunstâncias, é melhor uma ditadura do que um regime democrático;
- Tanto faz se o governo é uma democracia ou uma ditadura”.
Os dados da Tabela 2 abaixo apresentam os resultados para os anos em que a
pergunta foi incluída nas pesquisas relatadas. Dois aspectos mais importantes sobressaem
desses resultados desde logo: por um lado, fica claro que em um período de quase 20 anos
de experiência com o novo regime, independentemente de algumas oscilações, a
preferência pela democracia cresceu aproximadamente 28 pontos, ultrapassando a marca
de 2/3 do público, mesmo se se considerar que os resultados do survey de dezembro de
2006 foram provavelmente influenciados pela mobilização política das eleições
presidenciais; de fato, observando-se os resultados do survey de junho de 2006, quando a
campanha eleitoral ainda não havia mobilizado a opinião pública, a diferença a favor da
preferência pela democracia em relação à pesquisa de 1989 é de 21 pontos, totalizando
cerca de 2/3 dos entrevistados; em dezembro, no entanto, a diferença chegou perto de 30
pontos.
O segundo aspecto a se ter em conta é mais relevante: o crescimento da
preferência pela alternativa democrática ao longo do tempo se dá às expensas,
principalmente, da opção de indiferença quanto ao regime político e de diminuição do
contingente dos que não souberam ou preferiram não responder à pergunta: no primeiro
caso, a escolha da alternativa “Tanto faz a democracia ou a ditadura” diminui mais de três
vezes, enquanto no segundo, os que antes não tinham condições de responder caem pela
metade. Por outras palavras, embora o percentual dos que preferem o autoritarismo tenha
se mantido em torno de 15% por todo o período, na resposta ao estimulo nominal direto a
maioria absoluta dos brasileiros escolheu a democracia. A se levar em conta as teorias
originárias de cultura política (ALMOND E VERBA, 1965), este fato seria indicador de que no
Brasil as estruturas do regime democrático tornaram-se, no período considerado,
congruentes com os valores e as orientações majoritárias na sociedade. Mas pesquisas
anteriores do autor deste capítulo mostraram que a cultura política dos brasileiros começou
a se transformar mesmo antes da mudança do regime político, sob influência de fatores
econômicos, sociais, políticos e culturais: a modernização da sociedade, sob impulso do
crescimento econômico dos anos 60 e início dos 70, a experiência
12
Tabela 2. Preferência por Regime Político no Brasil 1989 – 2006 (%)
1989[1] 1990[2] 1993[3] 1997[4] 2006 [5]
Democracia
Ditadura
Indiferença
NS/NR
43,6
19,4
21,3
15,7
54,7
16,7
17,1
11,5
57,9
13,7
13,7
14,7
56,1
12,3
16,9
14,7
64,8
13,5
16,9
4,8
2006
[6]
71,4
14,2
6,9
7,6
Fonte: 1, 2 e 3: Pesquisas “Democratização e Cultura Política ”; 4: Pesquisa “Cultura Política e Cidadania”
(Fund. Perseu Abramo); 5: Pesquisa “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas”; 6:
Pesquisa “Estudo Eleitoral Brasileiro – ESEB” 2006.
generalizada de terror do Estado e a sobrevivência contraditória de um sistema eleitoral
semi-competitivo durante todo o regime autoritário (MOISÉS, 1995). Autores como
Inglehart e Welzel (2005) sustentam que a cultura política tem grande capacidade de
duração no tempo, mas admitem que ela se transforma sob o impacto dos efeitos da
modernização e do próprio processo político. Para eles, o fator determinante de mudança
das convicções políticas está associado com a emergência de valores pós-materialistas; no
entanto, os processos de democratização do Brasil e de outros países latino-americanos, do
mesmo modo que de africanos, apontam para uma direção diferente: mesmo nações que
não se modernizaram ou que conheceram processos incompletos de modernização – como
é o caso de vários países latino-americanos - passaram pela mudança dos valores políticos
de seus cidadãos antes e/ou durante os processos de transição e consolidação políticas. A
mobilização e a politização da sociedade civil jogaram papel importante para isso. Ou seja, a
cultura política foi um fator importante, mesmo que isso não tenha significado a
emergência generalizada de valores pós-materialistas, indicando assim que ela muda ao
longo do tempo sob efeito de condições que envolvem transformações econômicas e
sociais e mobilização da sociedade.
Alguns autores argumentam, no entanto, que pesquisas realizadas com perguntas
diretas sobre a democracia podem não revelar as efetivas opiniões e atitudes dos
entrevistados que, em face da crescente difusão mundial de valores democráticos que se
seguiu à queda do Muro de Berlim através da propaganda e dos meios de comunicação de
massa, tenderiam a responder positivamente à indagação sobre a preferência por regimes
políticos5. Por causa das implicações metodológicas desses argumentos, as pesquisas
5
Em sentido semelhante, Porto, em um artigo de 2000, argumentou que o uso da pergunta mencionada acima
produziria resultados espúrios, pois “pois as pessoas teriam que optar entre dois extremos: democracia ou
ditadura”, e a preferência pela primeira alternativa expressaria a adesão pelo lado “correto” da vida. Ele
13
mencionadas incluíram nos questionários, em ordem de apresentação destinada a evitar a
influência de uma questão sobre a outra, estímulos relativos a atitudes antidemocráticas
sem fazer menção direta ao termo democracia, de modo a permitir que convicções
diferentes da formulação nominal direta viessem à tona. Os resultados dessas perguntas
são comparados no gráfico 1 abaixo com os índices de adesão nominal à democracia. Todos
os indicadores crescem ao longo do tempo, mas a rejeição à volta dos militares ao poder,
assim como o apoio a um sistema de partido único são significativos. Apesar disso,
registrou-se um leve declínio de ambas as tendências em 1993, imediatamente após a grave
crise política que resultou no impeachment do ex-presidente Collor de Mello; isso poderia
indicar uma restrição quanto à efetividade da adesão à democracia ou mesmo uma
atenuação da memória crítica em relação ao período do autoritarismo, mas na pesquisa
daquele ano a preferência pelo regime democrático cresceu levemente, indicando que,
mesmo divididos em face de uma situação crítica para o novo regime, os brasileiros
confirmaram a sua escolha democrática anterior à crise.
Ainda com o objetivo de testar a efetividade da adesão à democracia, foram
incluídas nos surveys perguntas sobre a concordância dos entrevistados quanto a ações
que o Estado poderia adotar em face de conflitos sociais e políticos típicos das sociedades
desconsiderou, no entanto, o fato de a pergunta oferecer uma terceira alternativa, “Tanto faz se o governo é uma
democracia ou uma ditadura”, além de os entrevistados poderem dizer que não sabiam ou não queriam responder.
Por outro lado, em contradição com a sua crítica de 2000, o próprio Porto se baseou na mesma pergunta, em um
texto de 2004, para discutir o grau de apoio difuso à democracia em 17 países latino-americanos com base em
dados do Latinobarometro (Porto, 2000; 2004).
14
complexas e desiguais. As perguntas abordaram ações adotadas por governos militares ou
não envolvendo a quebra da legalidade democrática. A idéia foi oferecer um estímulo
antitético capaz de oferecer parâmetros para avaliação da consistência das convicções
reveladas pelas respostas aos estímulos nominais diretos. Os dados da Tabela 3 revelam
que para cinco alternativas apresentadas sem menção à palavra democracia, a maioria dos
entrevistados rejeitou a possibilidade de os governos adotarem ações antidemocráticas,
embora, no caso de conflito entre trabalhadores e empresários, a aceitação de proibição do
direito de greve tenha passado de 32 para 50% em 17 anos. Nos outros casos, apenas ¼ ou
menos dos entrevistados concordaram que o governo pode intervir em sindicatos, proibir a
existência de algum partido político, censurar os meios de comunicação ou fechar o
Congresso Nacional, confirmando a predominância das orientações democráticas sobre as
autoritárias. Ainda que os patamares sejam ligeiramente superiores aos índices de
indicadores diretos de preferência por um regime autoritário, a tendência geral segue o
sentido esperado. Duas observações, no entanto, são necessárias: quanto ao direito de
greve, é provável que a diminuição da rejeição dos democratas em autorizar os governos a
adotarem medidas que proíbam os movimentos grevistas, mais do que uma recusa do
direito em si, esteja ligada à percepção dos efeitos do aumento do número de greves semilegais que afetaram serviços públicos fundamentais ao longo das últimas décadas. De fato,
ainda que o direito de greve seja garantido pela Constituição de 1988, do mesmo modo
como ocorreu após a constituinte de 1946, o seu exercício não foi regulamentado pelo
Congresso Nacional, deixando em aberto a possibilidade de que profissionais dos serviços
públicos de saúde, educação, segurança e previdência social, para não falar de bancos e
outros serviços públicos, paralisem as suas atividades a qualquer tempo, mesmo
contrariando determinações da Justiça do Trabalho e, assim, prejudicando o atendimento à
população. Nessas circunstâncias, a aceitação da alternativa que autoriza em tese os
governos a agirem contra os movimentos grevistas pode expressar uma demanda por
regulação das condições de ocorrência do conflito no sistema democrático.
A segunda observação é sobre o fato de que, ao longo dos quase vinte anos
considerados, para quase todas as alternativas propostas a porcentagem dos que disseram
que não sabiam ou não queriam responder diminuiu, indicando outra vez que o
crescimento da rejeição de ações antidemocráticas se deu às expensas dessas categorias de
respostas. Ou seja, ao longo do tempo, um contingente importante de respondentes que
não sabia ou não queria se pronunciar sobre o papel do Estado quanto a importantes
questões que afetam os direitos dos cidadãos tornou-se capaz de definir a sua preferência.
15
TABELA 3. Ações que o Governo poderia tomar em Situações de Conflito Social e Político
1989/2002 (em %)
TIPOS DE AÇÕES
Set. 1989 (1) Dez. 1989 (2) 1990 (3) 1993 (4) 1997 (5)
Sim
32,5
33,3
26,5
28,3
28,6
Não
55,1
50,8
60,8
67,5
64,5
Proibir greves
NS/NR
12,5
15,9
12,7
4,1
6,9
Sim
28,2
27,0
25,5
26,0
Não
57,7
50,4
65,3
59,5
Intervir em sindicatos NS/NR
14,0
22,6
9,1
14,4
Sim
19,5
17,5
24,5
18,2
69,5
67,9
67,3
69,1
Proibir a existência de Não
algum partido
NS/NR
11,0
14,6
8,1
12,8
Sim
23,4
19,3
24,6
Não
64,8
64,9
68,3
Censurar os meios de
comunicação
NS/NR
11,8
15,8
7,0
Sim
15,5
11,6
21,9
17,3
Não
68,6
70,3
66,4
64,0
Fechar o Congresso
Nacional
NS/NR
15,9
18,0
11,6
18,8
Fonte: (1),(2), (3), (4): Cultura Política e Democratização; (5): Fund. Perseu Abramo; (6): Eseb
2002 (6)
49,7
47,3
2,9
24,6
67,3
8,0
-
A efetividade da adesão à democracia também transparece de outro tipo de dados:
dois dos surveys realizados no período considerado incluíram questões fechadas que
estimulavam os entrevistados a dizer a que princípios, direitos e valores eles associavam a
noção de democracia. A idéia, neste caso, foi testar com a menção de elementos
conceituais mais estruturados a percepção do público quanto a diferentes dimensões do
regime democrático. Os dados da Tabela 4 chamam a atenção para alguns aspectos
importantes: em primeiro lugar, nas duas pesquisas - separadas por um período de 13 anos
– todas as porcentagens de respostas “tem muito a ver” e “tem a ver” para os conteúdos
da democracia cresceram entre 7 e 32 pontos, com exceção daquele que associa a
democracia com a igualdade de direitos para as mulheres, que teve 1,5% a menos na
segunda pesquisa; por outro lado, nos dois anos os conteúdos mais associados com a
democracia foram o direito de escolher governos através de eleições, as liberdades de
organização e de expressão e a idéia de que cabe aos governos atender às necessidades de
emprego, saúde, educação, etc. Com efeito, entre 1993 e 2006, as alternativas que mais
cresceram na preferência estimulada dos respondentes foram as relativas às liberdades em
questões morais e sexuais (31,9% a mais), o combate à corrupção e ao tráfico de influência
nos governos (31,5% a mais), o princípio de igualdade social (26,1% a mais), a idéia de que os
governos devem ser fiscalizados pelo Congresso Nacional e pelo poder judiciário (24,5% a
16
mais) e o primado da lei (21,3%). Todas essas alternativas estão relacionadas com a
perspectiva da qualidade da democracia, referindo-se ao primado da lei, aos princípios de
liberdade e igualdade, e aos procedimentos destinados a tornar efetiva a responsabilização
dos governos. Ou seja, os indicadores mostram como os cidadãos conceituam o regime
democrático quando são estimulados a fazer isso. Nos treze anos entre uma pesquisa e
outra, os porcentuais dos que não sabiam ou não queriam responder às perguntas
diminuíram entre 6 e 11%, tendo caído mais para os que identificaram a democracia com o
combate à corrupção e ao tráfico de influência (10,8%). Mesmo admitindo-se que a crise do
mensalão, entre 2005 e 2006, tenha influenciado as respostas sobre esse aspecto, não se
pode desconsiderar o fato de que já em 1993 50% dos respondentes identificavam a
democracia com o combate a práticas políticas contra o patrimônio público; ou seja, esses
elementos formam as visões do público a respeito do regime. Controlar a corrupção é uma
função dos mecanismos de accountability que, por sua vez, são centrais para o conceito de
qualidade da democracia.
Tabela 4 . Conteúdos Associados com a Democracia (resposta estimulada): 1993 e 2006 (%)
Você acha que a
democracia tem a ver
com:
Direito de escolher o
governo através de
eleições
Liberdades políticas
de organização e
expressão (sind.,
movimentos, etc.)
Igualdade social
Igualdade perante a
lei
Fiscalização do
governo p/ Congresso
e Tribunais de Justiça
Menos corrupção e
tráfico de influência
Governo como
provedor de saúde,
emprego, educação,
etc
Igualdade de direitos
p/ as mulheres
Liberdade em
questões morais e
sexuais
1993 (1)
Muito
a ver
Tem
a ver
Pouco
a ver
Não
tem a
ver
NS/
NR
2006 (2)
Muito
Tem
a ver
a ver
Pouco
a ver
Não
tem a
ver
NS/
NR
57,1
21,3
8,1
5,2
8,3
57,6
31,9
3,7
4,9
1,9
44,8
20,5
15,4
6,7
12,5
48,2
35,1
7,3
5,9
3,5
36,7
41,9
18,7
18,4
19,1
16,1
12,8
12,2
12,6
11,4
50,8
51,9
30,7
29,7
8,4
8,6
7,0
6,8
3
2,9
35,6
16,9
21,2
11,4
14,9
45
32
10,6
7,8
4,6
35,3
14,5
15,9
19,3
15,0
40,3
31,2
10,5
13,8
4,2
49,1
20,1
13,4
7,5
9,9
55,6
32,3
5,3
4,4
2,3
47,6
20,4
14,7
7,3
10,1
54
32,5
6,2
4,8
2,5
33,9
15,9
17,5
18,3
14,5
44,3
33,4
9,4
8,5
4,4
Fonte: (1) Cultura Política e Democratização; (2) A Desconfiança das Instituições Democráticas
17
A DEMOCRACIA NAS PALAVRAS DOS BRASILEIROS
Em que pesem os resultados apresentados acima, a validade de pesquisas que se
referem diretamente ao conceito de democracia continua sendo objeto de controvérsia.
Em vista disso, com o objetivo de oferecer uma nova alternativa para o exame da questão,
o estudo voltou-se para os significados atribuídos pelos brasileiros à democracia em suas
próprias palavras, ou seja, analisou as respostas à pergunta aberta sobre o assunto incluída
nos questionários aplicados no período. A vantagem do uso de perguntas abertas em
pesquisas de opinião é conhecida: elas solicitam e garantem, ao mesmo tempo, que os
respondentes definam conceitos, categorias e situações de vida em seus próprios termos,
ou seja, mobilizando a sua familiaridade e o seu repertório verbal a respeito do assunto com
base em sua experiência e cognição políticas. Trata-se de um teste rigoroso de captação da
opinião dos entrevistados que é complementar e confirmatório da metodologia usual
baseada em perguntas fechadas ou estruturadas sobre termos como democracia e outros.
Ambos os procedimentos de mensuração foram utilizados neste estudo. No caso das
respostas à pergunta aberta sobre o significado da democracia, elas foram codificadas de
modo a contemplar as três perspectivas discutidas em seções anteriores, ou seja,
princípios/liberdades, procedimentos/instituições e dimensão social e, na prática, o
procedimento mostrou que elas incluíam a maior parte das respostas dadas, para alem das
inconsistentes. Princípios e liberdades incluem, neste caso, menções a liberdades políticas,
liberdade de organização e de expressão, liberdade de participação, direito de ir e vir e
outros correlatos; procedimentos e instituições incluem menções a governo do povo, direito
de voto, eleições livres, direito de escolher governo, regra de maioria, representação
política, acesso à justiça e fiscalização e controle de governos; dimensão social inclui
igualdade social, acesso a serviços de saúde, educação, habitação, emprego, salários justos
e desenvolvimento econômico; e, finalmente, as respostas inconsistentes envolveram
menções como “a democracia é boa”, “é governo honesto”, “é corrupção”, “é governo de
brigas” e semelhantes (vide Anexo 1 com a lista completa de menções). Os resultados da
codificação indicada são apresentados no Gráfico 2.
18
Os dados revelam que, entre 1989 e 2006, a maior parte dos brasileiros
consultados foi capaz de definir a democracia nos termos discutidos antes; de fato, 54%
fizeram isso em 1989, 65% quatro anos mais tarde, 47% em 1997 e quase 71% em 2006; ou
seja, entre o primeiro e o último survey a diferença é de quase 18 pontos para mais, em que
pese a tendência ter oscilado para baixo em 1997, quando nada menos que 53% dos
entrevistados
não
souberam
responder
à
pergunta
ou
ofereceram
respostas
inconsistentes. Em suas respostas espontâneas, mais de 32% definiu a democracia em
termos dos princípios de liberdade e direitos correlatos em 2006. O contingente dos que
definiram a democracia assim era superior a 40% no início do período, provavelmente
refletindo a percepção de falta de liberdade durante o regime militar, mas nos anos
seguintes a taxa se estabilizou em cerca de 1/3 do público pesquisado. Os dados também
mostram que um contingente de entrevistados quase igual ao anterior definiu a democracia
em termos de procedimentos e instituições na última pesquisa, chamando a atenção ainda
o fato de que, embora essa escolha oscile ao longo do período, ela cresce no último ano
considerado, totalizando cerca 30% do público que, a esta altura, tinha passado por vários
anos de experiência com o funcionamento relativamente estável das instituições
democráticas. Surpreendentemente, no entanto, levando-se em consideração o peso das
19
desigualdades sociais e econômicas para a maior parte da população brasileira, a alternativa
que recebeu a menor taxa de preferência dos entrevistados nas quatro pesquisas é a que se
refere à dimensão social; assim, ao final do período analisado, quando a taxa alcança o seu
patamar mais elevado, apenas 8 em cada 100 brasileiros definiram a democracia em termos
de objetivos substantivos, o que coloca em questão a hipótese segundo a qual as pessoas
comuns preferem a democracia porque identificam esse regime apenas com o
atendimentos de suas necessidades sociais; em realidade, as análises relatada a seguir
mostram que, sem descartar completamente esses objetivos, os indivíduos definem
preferencialmente a democracia em termos de princípios, conteúdos e procedimentos.
Outro achado importante desse exame preliminar dos dados é que, somadas as
respostas inconsistentes com as dos que não sabem ou não respondem à pergunta, o
volume de brasileiros incapazes de definir a democracia diminuiu ao longo do tempo: eles
eram cerca de 46% em 1989 e são menos de 30% em 2006. De fato, o número de
entrevistados que responde de modo inconsistente cai de 7 em cada 100, em 1989, para
menos de 3 em 2006, o que contraria uma observação de Dalton, Shin e Jou (2007) sobre o
Brasil em seu artigo sobre o tema6. Por outras palavras, no último ano do período
considerado, depois do regime democrático ter completado cerca de duas décadas de
existência no país, mais de 70% dos entrevistados brasileiros foi capaz de oferecer respostas
consistentes sobre o significado da democracia, uma proporção comparável à encontrada
em alguns países de democracia consolidada e em países do Leste Europeu, como o estudo
dos autores citados acima indica. Mas a grande novidade dos dados sobre o Brasil está no
fato de a maior parte dos indivíduos consultados definirem o regime em termos de dois dos
mais importantes componentes do processo democrático, isto é, as liberdades e os
procedimentos institucionais criados para defendê-las e para realizar os seus corolários.
Isso evidencia que, ao contrário das suposições dos céticos e de parte da literatura, para a
maioria dos brasileiros a democracia não é apenas “lip service”, ou seja, a suposta repetição
do lado “correto” da vida, mas algo que se refere a aspectos fundamentais da sua
experiência política recente.
Uma interpretação usual desses resultados baseia-se na premissa de teorias
institucionalistas segundo a qual a adesão dos cidadãos à democracia decorre precisamente
6
Dalton, Shin e Jou (2007, p. 7), depois de analisarem a série histórica de dados do Latinobarometro dos últimos
dez anos, observaram que a maioria dos brasileiros, em 2001, não foi capaz de dar uma resposta à pergunta sobre a
democracia e acrescentaram que, em vários outros países da América Latina, os entrevistados se caracterizam por
níveis baixos de consciência democrática. Os dados das minhas pesquisas desconfirmam esse diagnóstico para o
Brasil, e uma explicação possível refere-se ao fato de o Latinobarometro não ter usado amostras representativas em
todos os anos pesquisados, envolvendo amostras reduzidas ao público das capitais de Estados em algumas
pesquisas no Brasil.
20
da sua experiência com esse regime, ou seja, que a sua continuidade no tempo levaria as
pessoas comuns a se habituarem às suas vantagens e a aderirem a valores democráticos
como princípios, liberdades e seus procedimentos institucionais (RUSTOW, 1970). Outros
autores, no entanto, enfatizam o efeito dos valores sobre as instituições em decorrência da
modernização das estruturas econômicas e sociais, com implicações para o papel da
escolaridade e dos meios de comunicação de massa (INGLEHART E WEZEL, 2005); com
efeito, adotando uma perspectiva probabilística em contraposição às abordagens
deterministas, esses autores ressaltam a importância da cultura política para explicar o
crescimento da preferência pela democracia. Em vista de que o atendimento de ensino
fundamental no país ultrapassou a marca dos 95%, nos anos 90, e de que mais de 90% da
população brasileira tem acesso à televisão, esses aspectos foram incluídos na análise. A
premissa adotada neste trabalho, no entanto, não considera essas alternativas
contraditórias, mas complementares como o autor argumentou em outra ocasião (MOISÉS,
2008B). Além disso, pesquisas anteriores mostraram que a percepção da democracia pelo
público se desdobra em duas dimensões, uma baseada em valores e ideais, e outra apoiada
em sua expressão prática; no primeiro caso, a dimensão da cultura e dos valores políticos é
importante; no segundo, o papel das instituições e do seu desempenho é decisivo para
definir como os cidadãos percebem o regime (SHIN, 2005; MOISÉS, 2007). Na perspectiva
da qualidade da democracia, as duas dimensões são relevantes porque enquanto a primeira
se refere aos conteúdos e princípios fundamentais do regime, a segunda diz respeito aos
meios através dos quais aqueles conteúdos se tornam efetivos; mas essas dimensões têm
expressão e mensuração empíricas distintas. As respostas dos brasileiros às perguntas
estruturadas sobre a democracia, assim como à pergunta aberta sugerem que para eles
princípios como a liberdade ou os procedimentos democráticos tomados isoladamente são
insuficientes para definir o conceito: a democracia significa mais do que essas partes, e este
significado está relacionado tanto a aspectos que afetam a capacidade dos indivíduos de
controlar a sua própria vida - através do gozo da liberdade -, como os procedimentos
através dos quais isso se torna possível pelo desempenho das instituições. Em certo
sentido, é como se os brasileiros estivessem sugerindo, em suas próprias palavras, que
forma e conteúdo não podem ser separados na consideração sobre o significado da
democracia, pois ambos fazem parte do mesmo processo.
Os testes de associação relatados na Tabela 5 oferecem uma primeira
aproximação com a questão. As associações apresentadas entre a variável formada pelos
que souberam responder o que é a democracia - com base na soma dos que mencionaram
as dimensões de liberdades, procedimentos e fins sociais - com indicadores sócio-
21
demográficos, de cultura política, confiança interpessoal e institucional, memória política,
avaliação do funcionamento do regime e de suas instituições, são as que se mostraram
significantes ao nível de 0,01 e 0,05. As variáveis usadas no teste são binárias, a exemplo da
preferência pela democracia, cuja escolha é tomada aqui em contraposição a todos os que
preferiram outras opções (vide relação completa de variáveis testadas no Anexo 2).
Tabela 5 . ASSOCIAÇÃO ENTRE ´SABE O QUE É DEMOCRACIA´ E INDICADORES ATITUDINAIS
Variáveis
Coef.
de
contingência
Sociodemográficas
Renda mensal familiar (baixa - até R$780,00)
.086
Idade (acima de 39 anos)
.059
Regiões (Sul e Sudeste)
.059
Sexo masculino
.089
Escolaridade (baixa: analfabetos e até colegial incompleto)
.195
Democracia
Preferência por regime: democracia
.171
Democracia= direito de escolher governo
.185
Democracia= liberdades políticas
.150
Dem0cracia= igualdade social
.135
Democracia= igualdade perante a lei
.161
Democracia= fiscalização do governo pelo Congresso
.130
Democracia= controle da corrupção e do tráfico de influência
.069
Democracia= educação, saúde, emprego, etc.
.133
Democracia= fiscalização do governo pelo Ministério Público e Justiça
.141
Democracia= igualdade de direitos para as mulheres
.105
Democracia= liberdades em questões morais e sexuais
.131
Democracia= multipartidarismo
.114
Partidos são indispensáveis à democracia
.125
Presidente pode tomar decisões sem ouvir o Congresso
.075
O país funcionaria melhor se os militares voltassem ao poder
.-164
O Brasil seria melhor se existisse apenas um partido político
.-155
Só uma ditadura daria jeito no Brasil
.-130
Cidadania
Votaria mesmo que o voto não fosse obrigatório
.133
Existe igualdade perante a lei
.058
As leis trabalhistas protegem os cidadãos
.065
Entrevistados não compreendem a política
.069
Prestam atenção a notícias políticas na TV
.149
Têm interesse por política
.181
Confiança
Confiança interpessoal
.062
Avaliação / Satisfação
As eleições no Brasil são limpas e honestas
.083
Apesar de problemas, democracia é a melhor forma de governo
.081
Fonte: Pesquisa “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006).
NB – As variáveis consideradas são binárias, sendo o seu atributo = 1, e o contrário = 0.
22
Os dados indicam que, além da escolaridade, existe associação entre as
respostas de quem sabe o que é a democracia e diferentes indicadores atitudinais como
preferência pelo regime e aos conteúdos da democracia, valores políticos, interesse por
política, participação eleitoral, percepções da cidadania e atenção às informações políticas
através da televisão. Vários indicadores de avaliação de desempenho do regime ou de
governos incluídos na análise não se mostraram significantes, a exemplo da satisfação com
a democracia, avaliação da economia e outros (excluídos da Tabela 5). Os poucos
indicadores de avaliação do regime que são significantes apresentaram, no entanto,
coeficientes de associação muito baixos. Os resultados sugerem que a opinião dos que
sabem o que é a democracia se associa tanto com indicadores de cultura política e valores
políticos como de percepção sobre o papel reservado às instituições democráticas. Esses
resultados são parcialmente diferentes dos que foram encontrados por Meneguello (2007)
em um estudo sobre as bases da adesão democrática no Brasil entre 2002 e 2006, em que a
avaliação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e da situação econômica surgiram como
fatores explicativos daquela adesão. Alguns testes apresentados a seguir retomam a
questão a partir do ângulo adotado neste capítulo.
FATORES ASSOCIADOS À DEFINIÇÃO DE DEMOCRACIA
Uma análise fatorial da variável formada pelos que souberam responder a
pergunta sobre a democracia e de outros indicadores foi feita em seguida (vide Anexo 3
para a relação completa das variáveis incluídas no modelo). O teste serviu para a
averiguação do sentido de agregação de variáveis relativas a duas abordagens
concorrentes, a institucionalista e a culturalista, a respeito das percepções do público sobre
a democracia.
23
Tabela 6. FATORES FORMADORES DAS VISÕES DA DEMOCRACIA NO BRASIL- 2006
Significado de democracia
Atenção às notícias sobre
política na TV
Confia na maioria das pessoas
Confia no Poder Judiciário
Confia no Congresso Nacional
Confia nos Partidos Políticos
Confia no Governo
Partidos Políticos são
necessários ao país
Deputados e Senadores são
necessários ao país
Tribunais de Justiça são
necessários ao país
Orgulho de ser brasileiro
Igualdade perante a lei
Os brasileiros cumprem as leis
A lei deve ser obedecida
sempre
Sente-se protegido pelas leis
trabalhistas
Viveria em outro país
Satisfeito com a democracia
Democracia pode funcionar
sem partidos
Democracia pode funcionar
sem Congresso
Não importa que o governo
passe por cima de leis,
Congresso e instituições, em
situação de crise
Prefere a democracia a um
líder salvador que não seja
controlado pelas leis
Em crise, o presidente pode
deixar de lado o Congresso e
os Partidos Políticos
O país funcionaria melhor se os
militares voltassem ao poder
Só uma ditadura pode dar jeito
no Brasil
Avaliação positiva do governo
Lula
Avaliação positiva da situação
econômica do país
Interessado por política
Sente-se próximo aos partidos
políticos
Os partidos são indispensáveis
à democracia
Votaria se não fosse
Rotated Component Matrix(a)
Component
1
2
3
4
5
6
7
,406
,681
8
9
10
,304
,718
,794
,766
,661
,812
,808
,733
,746
,642
,713
,388
,453
-,700
,540
,833
,835
,782
,615
,779
,842
,842
,756
,715
,755
,532
,394
,359
24
obrigatório
Avaliação positiva do Poder
Judiciário
Avaliação positiva do
Congresso Nacional
Avaliação positiva dos Partidos
Políticos
Avaliação positiva do Governo
,633
,826
,779
,609
Extraction Method: Principal Component Analysis. Rotation Method: Varimax with Kaiser Normalization.
Fonte: “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas”, 2006.
O modelo incluiu variáveis binárias relativas a valores, conteúdos e instituições
da democracia - particularmente, relativas à participação eleitoral e os partidos - e variáveis
de avaliação da política, do governo Lula e da economia do país7. Com capacidade de
explicação da variância acima de 54%, a matriz resultante formou 10 fatores, o que sugere
certa dispersão das categorias analíticas: a) o primeiro fator ficou formado pelas variáveis
de confiança em instituições (com peso entre .60 e .70) e confiança interpessoal (neste
caso, com um peso bastante mais baixo, de .30); b) o segundo fator agrupou as variáveis de
avaliação de instituições como o governo, partidos, congresso e o judiciário (com peso
entre .60 e.80); c) o terceiro fator revelou a agregação de variáveis que se referem a
instituições consideradas necessárias para que o país siga em frente, como partidos, o
congresso e o poder judiciário (com peso variando entre .70 e .80); d) o quarto fator
agrupou duas variáveis de avaliação, uma do governo Lula, e outra da economia do país e,
além disso, uma variável sobre a submissão à lei e outra sobre a disposição de participação
no processo eleitoral (enquanto as duas primeiras tiveram pesos em torno de .70, as duas
últimas ficaram em torno de .30); e) o quinto fator foi formado pela variável relativa aos
que sabem o que é a democracia e mais as variáveis de exposição à informação política
através da televisão, o interesse pela política e proximidade com os partidos políticos
(estas, com peso variando entre .50 e .70, enquanto a primeira ficou abaixo de .50); f) o
sexto fator agregou duas variáveis sobre a necessidade de partidos e do Congresso para
que a democracia possa existir (com peso superior a .80); g) o sétimo fator ficou formado
por duas variáveis que expressam orientações autoritárias (com peso superior a .80); h) o
oitavo fator agregou outras variáveis relativas à escolha entre o autoritarismo e a
democracia (com peso entre .60 e .70); i) o nono fator mostrou que variáveis relativas à
satisfação com a democracia, a percepção sobre o princípio de igualdade perante a lei,
assim como de cumprimento da lei e proteção das leis trabalhistas estão juntas (com peso
7
As variáveis incluídas no modelo são binárias; aquelas cujos pesos é menor que .50 estão grafadas em itálico.
25
variando entre .50 e .70, mas a última não chegou a .50); j) finalmente, o último fator foi
formado por duas variáveis relativas ao sentimento de pertencimento à comunidade
política (com peso variando em torno de .70).
Algumas observações importantes derivam da análise apresentada. Prima
faciae, as respostas dos entrevistados sobre a democracia se agregam apenas com a sua
exposição às notícias sobre política na televisão, ao seu interesse geral por política e, de
forma notável, à sua proximidade dos partidos políticos; em princípio, isso pareceria dar
razão, por uma parte, às hipóteses que se referem ao efeito da difusão internacional da
democracia, mas também à identificação deste regime com uma das mais importantes
instituições de representação, isto é, o partido político. Chama a atenção ainda que fatores
como confiança política, avaliação de instituições, escolha de instituições necessárias para o
país seguir em frente e indicadores de pertencimento à comunidade política apareçam
distribuídos em fatores distintos. Isto confirma as hipóteses de Pippa Norris (1999),
baseadas na contribuição de David Easton (1963), de que o fenômeno de apoio político não
pode ser considerado em bloco, mas tem de ser visto a partir da distinção de diferentes
dimensões que funcionam com lógica própria, às vezes separando-as e outras indicando a
existência de pontos de conexão entre elas. Esse parece ser o caso das dimensões que se
referem à comunidade política, ao apoio a valores políticos e, finalmente, à avaliação do
desempenho de governos e de instituições. Note-se ainda que a participação em eleições e
o reconhecimento da importância de partidos, do parlamento e do judiciário estão
agregados em um mesmo fator, mas aparecem separados de indicadores atitudinais
semelhantes. Por outras palavras, enquanto há aparentemente mais coerência na
percepção em torno de variáveis que envolvem as liberdades, a perspectiva a respeito dos
procedimentos institucionais da democracia revela-se bastante mais dispersa. Meneguello
(2007) também relatou alguma dispersão dos fatores institucionais ao tratar da adesão
democrática no texto mencionado antes.
DETERMINANTES DOS SIGNIFICADOS ATRIBUIÍDOS À DEMOCRACIA
Os resultados relatados até aqui mostram que, ao contrário das expectativas
pessimistas, a maior parte dos entrevistados brasileiros tem idéias definidas sobre a
democracia como um ideal, mas os testes anteriores não permitiram identificar os
determinantes dessas convicções. Por essa razão, o passo seguinte do estudo consistiu na
realização de uma análise de regressão logística da variável dependente formada pelas
respostas dos que sabem o que é democracia e, como explicativas, um conjunto de
indicadores sócio-demográficos, de cultura cívica, de confiança interpessoal, de
26
participação política, de avaliação de instituições e de avaliação do desempenho do
governo do dia (vide Anexo 4 para a relação completa de variáveis testadas). O
procedimento teve por objetivo testar o efeito de indicadores associados com hipóteses
concorrentes, ou seja, tanto com as sustentadas por este trabalho, como as relativas ao
papel da difusão internacional em torno da democracia, o efeito da modernização
econômica e social, a influência do desempenho do governo – especialmente da economia , a influência das crenças religiosas, do capital social e de diferentes modos de participação
política. O modelo não é parcimonioso; o seu R quadrado ajustado está perto de .30. As
linhas em negrito indicam as variáveis que não são significantes e que, portanto,
descomprovam as hipóteses correspondentes discutidas pela literatura.
TABELA 7 . REGRESSÃO LOGÍSTICA DE “SABE O QUE É DEMOCRACIA” – 2006
VARIÁVEIS EXPLICATIVAS
Intercept
Homens
Escolaridade média ou mais
Renda familiar + de R$ 1.300
Integra a PEA
Cidades + 500 mi habitantes
Regiões Sudeste e Sul
Confiança interpessoal
Católicos
Brancos
Atenção às not. Políticas na TV
Tem interesse por política
Gov. tem de respeitar leis e instituições,
mesmo na crise
Rejeita retorno dos militares
Rejeita sist. De partido único
Votaria se voto ñ fosse obrigatório
Conversa sobre política
Assinaria abaixo-assinado
Participaria de boicotes
Participa de grupo religioso
Existe igualdade perante a lei
Partidos representam população e eleitores
Eleições são limpas no Brasil
Gov. deve intervir mais na economia
Funcionários ñ levam em conta o que os
cidadãos pensam
Órgãos públicos ñ prestam informações aos
cidadãos
Confia na policia
Confia no Congresso Nacional
27
B
-2,752
0,298
0,651
0,312
0,344
0,022
-0,539
0,322
0,109
0,410
0,423
0,620
Sig.
.000
,014
.000
,071
,006
,869
.000
,025
,372
,001
,003
,001
Exp(B)
0,315
0,688
0,507
0,264
0,534
0,359
0,302
-0,225
-0,273
0,271
0,321
0,319
,007
.000
.000
,027
,001
,005
,047
,093
,054
,040
,007
,015
1,371
1,990
1,661
1,302
1,706
1,432
1,353
0,798
0,761
1,311
1,378
1,376
0,283
,061
1,327
0,229
-0,205
0,248
,046
,130
,095
1,257
0,815
1,282
1,347
1,917
1,366
1,410
1,022
0,583
1,380
1,115
1,507
1,526
1,859
Prefeituras são necessárias
Avalia bem habitação
Avalia bem previdência social
Avalia bem transportes públicos
Corrupção é problema sério
Políticos usam caixa dois em campanhas
eleitorais
Brasileiros usariam caixa dois (no lugar de
políticos)
Brasileiros faturariam obras públicas (no
lugar de políticos)
Sit. econômica familiar é boa
Votou em Lula em 2004
Sit. econômica do país melhorou com Lula
-0,290
-0,259
-0,294
0,411
0,905
,126
,033
,023
,002
,011
0,748
0,772
0,745
1,508
2,473
0,511
,007
1,666
-0,534
,002
0,586
0,369
-0,105
-0,176
-0,108
,020
,372
,146
,382
1,446
0,900
0,839
0,898
Fonte: “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas”, 2006
Nagelkerke R Square: .286; as variáveis do modelo são binárias.
No modelo adotado, os determinantes mais importantes das respostas capazes
de definir a democracia em termos de liberdades, procedimentos institucionais e fins sociais
são – pela ordem derivada dos coeficientes de significância e das odds ratio das variáveis
explicativas – a percepção de que a corrupção é um problema sério (duas vezes e meia mais
de chance), a rejeição ao retorno dos militares ao poder (99% mais de chance), a
escolaridade de níveis médio e superior (91% a mais de chance), o interesse pela política
(85% a mais de chance), o hábito de conversar com amigos a respeito (70% mais chance), a
rejeição a um sistema de partido único (66% mais chance) e a percepção pública de que os
políticos brasileiros se utilizam do “caixa dois” em suas campanhas eleitorais (66% mais de
chance também). É notável, por outro lado, que diferente de suposições de parte da
literatura especializada, na interação produzida pelas variáveis incluídas no modelo
adotado, em comparação com os habitantes de cidades médias e pequenas, a variável
correspondente à resposta dos habitantes das cidades de mais de 500 mil não interfere nos
resultados, nem aquela relativa aos que têm renda familiar superior a R$ 1.300 ao mês
mostra-os como mais propensos a definir a democracia; ou seja, controlando-se pelas
demais variáveis, esses fatores não são definidores da capacidade das pessoas de
responder à pergunta, essa possibilidade está espalhada entre os entrevistados de renda
inferior e também entre os que vivem em cidades pequenas e médias, o que pode indicar
que mudanças na cultura política dos brasileiros não dependem diretamente desses
fatores. A percepção crítica de que os funcionários do governo não prestam a atenção ao
que pensam os cidadãos não é significante, mas de que os órgãos públicos não dão as
informações necessárias ao público sim (25% mais de chance). A confiança na polícia e no
28
Congresso Nacional, a convicção de que as prefeituras são importantes, da mesma forma
que as crenças religiosas não exercem influência para a definição da democracia; neste
caso, aliás, os dados desconfirmam uma das hipóteses de Inglehart, segundo a qual, o
Brasil como parte da América Latina faria parte do mapa cultural caracterizado pela
tradição ibérica e católica. Ser católico ou professar outra crença não influi nos resultados.
Os resultados mais surpreendentes, no entanto, se referem às hipóteses a
respeito da influência da avaliação positiva do desempenho do governo do dia, em especial,
da situação da economia do país e da situação econômica da família dos entrevistados:
nenhuma dessas variáveis se revelou significante no modelo rodado, nem mesmo aquela
relativa ao voto no presidente Lula em 2004. Ou seja, diferente de uma das conclusões de
Pippa Norris (1999), os vencedores do jogo político, no caso brasileiro, não são os mais
propensos a saber definir a democracia. São os cidadãos críticos quanto ao desempenho
das instituições no que se refere à corrupção e quanto a alguns serviços públicos os que
têm mais chance de saber o que é a democracia; diferente, nesse sentido, de achados de
Meneguello (2007), as variáveis de avaliação positiva dos resultados da ação do governo,
pelo menos, no que se refere à economia do país ou ao governo de modo geral, não ajudam
a explicar a variável dependente. Isso sugere que precisamos de mais pesquisa sobre a
relação entre o desempenho de governos e da economia com os indicadores de adesão ou
de preferência pela democracia.
Chama a atenção ainda que, com odds ratio mais próximas de 1, entre as
variáveis sócio-demográficas, estar integrado à população economicamente ativa (PEA)
(41% mais de chance) ou pertencer ao sexo masculino (34% a mais) são indicadores de
capacidade de responder à pergunta; entre as variáveis de cultura política, ser branco (50%
mais de chance), prestar a atenção às notícias políticas na TV (52% mais), confiar na maioria
das pessoas (38% mais) e acreditar que o governo não está autorizado a desrespeitar as leis
e as instituições do país, mesmo em situações de crise (37% mais), são fatores favoráveis à
capacidade de responder a pergunta. Um aspecto importante tem de ser destacado aqui: as
razões de chance da variável relativa ao papel da mídia (e, portanto, da difusão
internacional da democracia) não apresenta nenhum resultado espetacular, indicando que
embora ela conte quando considerada em conjunto com os outros fatores incluídos no
modelo, a sua capacidade de explicação não tem a força suposta por parte da literatura
discutida antes. Saber o que é democracia está ligado também a outros fatores como
indicado a seguir. Entre as variáveis de avaliação do funcionamento das instituições, a
crença de que os partidos representam a população e os eleitores (em contraposição à
noção de que eles representam basicamente os próprios políticos) e de que as eleições no
29
país não estão sujeitas a fraudes são fatores determinantes das respostas sobre a
democracia (nos dois casos, essa percepção aumenta em mais de 30% a chance das pessoas
saberem o que é a democracia). Mas a percepção de que os políticos brasileiros usam o
caixa dois (66% mais de chance) e de que superfaturariam as obras públicas, como a maioria
acredita que fazem os políticos (44% a mais), são fatores determinantes da capacidade de
responder o que é democracia, embora não a crença de que os brasileiros, no lugar dos
políticos, usariam o caixa dois. Há nisto uma clara conexão entre a democracia vista como
um ideal e as funções normativas atribuídas às instituições. No que se refere à avaliação dos
serviços públicos, são os que avaliam negativamente a habitação e a previdência social os
que têm mais chance de saber o que é a democracia, enquanto no caso dos transportes são
os que têm uma avaliação positiva dos serviços. Aparentemente, os resultados são
contraditórios, mas não é impossível que os mais críticos em relação a áreas de
atendimento consideradas mais deficitárias – habitação e previdência social – são os que
esperam mais do regime democrático, enquanto os que estão satisfeitos com os serviços
de transportes públicos – de mais fácil acesso, em que pesem déficits existentes – podem
manifestar-se assim porque acreditam que a situação relativamente positiva do setor deriva
do funcionamento da democracia.
Em conjunto, os fatores listados dizem respeito tanto à tradição das teorias de
cultura política, como às que enfatizam o desenho e o desempenho das instituições
democráticas. O modelo adotado neste trabalho mostra, ainda, que os preditores dos
significados escolhidos pelos entrevistados para definir a democracia supõem o
envolvimento das pessoas comuns com o mundo da política e com os mecanismos de
escolha de governos: os que conversam sobre política com os outros (70% mais chance) os
que assinariam abaixo-assinados de petições ou de protestos (43% mais de chance), os que
participariam de boicotes se necessário (35% mais de chance) e os que votariam mesmo se o
voto não fosse obrigatório (aproximadamente metade da amostra, com 30% a mais de
chance) têm mais chance de saber o que é democracia. Os resultados sugerem que a
memória do regime militar e a velha tradição brasileira de pouca participação na vida
pública podem estar perdendo força na atualidade. Ao mesmo tempo, confirmando
algumas hipóteses de Putnam (1998), a confiança interpessoal tem importância para os
resultados relatados. Nos termos das análises de Linz e Stepan (1996), esses resultados
sugerem que a adesão à democracia no Brasil - além da transformação das próprias
instituições políticas -, está baseada em atitudes favoráveis ao regime, expressas na rejeição
de alternativas que poderiam colocá-lo em risco, mas também em uma visão que reflete
uma demanda quanto à qualidade da democracia: a preocupação com a situação da
30
corrupção sugere ainda que existe na sociedade brasileira uma demanda por maior
eficiência dos mecanismos de accountability.
BREVES CONCLUSÕES
O estudo sugere algumas conclusões. Em primeiro lugar, os dados mostram
que, diferente do que pensam os céticos, a maior parte dos brasileiros é capaz de definir a
democracia em termos que envolvem duas das mais importantes dimensões do conceito,
isto é, por um lado, o princípio de liberdade e, por outro, os procedimentos e estruturas
institucionais. Essas definições da democracia distinguem, claramente, este regime de suas
alternativas concorrentes, ou seja, não são idéias vagas e imprecisas que, sob influência da
difusão internacional, apenas reproduzem a imagem positiva adquirida pela democracia. Os
testes mostram que as respostas majoritárias sobre a democracia, envolvendo as
liberdades e os procedimentos do regime, são influenciadas pela atenção dos entrevistados
às notícias políticas na TV, mas ao mesmo tempo, por valores políticos como a rejeição de
alternativas autoritárias, o reconhecimento do papel das instituições de representação, o
interesse pela vida pública e a participação política; neste sentido, os dados confirmam os
achados de Dalton, Shin e Jou (2007) sobre os entrevistados do Leste Europeu, da Ásia, da
África e de outros países da América Latina: pessoas comuns, mesmo em ambientes não
inteiramente favoráveis, sabem definir a democracia e essa definição está associada, por
uma parte, com o seu apoio normativo ao regime, isto é, aos ideais que ele envolve e, por
outra, com as expectativas que ele suscita a respeito do desempenho prático de suas
instituições como meio de realizar aqueles ideais.
As definições de democracia dos brasileiros são influenciadas por alguns valores
da cultura política e por sua percepção a respeito do desempenho das instituições, mas
chama a atenção que, incluídas nos modelos de análise, as variáveis de avaliação do
desempenho da economia e do governo do dia não se mostrem importantes para explicar
as respostas dos entrevistados. As definições envolvendo as duas dimensões mais
importantes do conceito de democracia - liberdades e procedimentos - são determinadas
basicamente por valores e outros fatores políticos, como a avaliação da situação da
corrupção e das instituições em geral, a escolaridade e a influência das informações
transmitidas pela mídia. Da perspectiva da abordagem da qualidade da democracia isso
significa que, no Brasil, a democracia é vista sim como expressão de procedimentos
institucionais - a exemplo da participação em eleições -, mas ao mesmo tempo como uma
construção referida também a princípios e valores do regime, como as liberdades, que
distinguem claramente o processo democrático das alternativas autoritárias. Como
31
chamaram a atenção Inglehart e Wezel (2005), essas dimensões são fundamentais para a
percepção do regime como causa e efeito do desenvolvimento humano, ou seja, como uma
perspectiva que concebe os indivíduos como capazes de definirem os rumos e o sentido de
suas vidas, o que implica que se reconheçam como livres e iguais para fazê-lo.
Uma nota final de cautela, no entanto, é necessária. Como observaram Dalton,
Shin e Jou (2007), saber definir o que é a democracia é muito importante, mas é insuficiente
per se para consolidar o regime porque o processo democrático exige mais do que a sua
simples definição. O funcionamento do sistema democrático, assim como a sua qualidade,
exige o envolvimento público com as instituições e o acompanhamento dos cidadãos –
através da mídia, de partidos e de associações da sociedade civil - do desempenho de
governos e do poder público. No caso brasileiro, o paradoxo representado por níveis
elevados de contínua desconfiança dos cidadãos das instituições políticas poderia se
constituir em um fator desfavorável para isso, uma vez que a desconfiança está associada
com os déficits de funcionamento das instituições democráticas (MOISÉS, 1995; 2008b).
Neste sentido, o fato das definições comuns de democracia envolverem, no período de
quase 20 anos de pesquisas, significados que se referem a valores humanos fundamentais
como as liberdades políticas e individuais, e os meios que permitem torná-los efetivos como
os procedimentos assegurados pelo funcionamento das instituições democráticas, sugerem
uma possibilidade de saída do paradoxo. Os resultados sugerem que pode estar emergindo
de um novo padrão da cultura política dos brasileiros: diferente dos sinais apontados por
estudos sobre países de tradição democrática frágil (ALMOND E VERBA, 1965), as visões da
democracia das pessoas comuns no Brasil mostram-se mais complexas do que no passado e
envolvem, ao mesmo tempo, valores humanos e os meios de sua realização, oferecendo
uma base potencial de apoio político para a superação das atuais distorções e déficits
institucionais. A percepção sobre a corrupção, por um lado, e sobre o papel dos partidos e
instituições de representação, de outro, são exemplares nesse sentido. Nos significados
atribuídos à democracia pelos brasileiros pode estar contida a base do que Pippa Norris
(1999), analisando casos de democracias consolidadas, chamou de cidadãos críticos. Com
efeito, ao mesmo tempo em que os partidos são reconhecidos como indispensáveis à
democracia, o seu desempenho concreto é severamente avaliado, como exemplifica a
atitude de desconfiança dos cidadãos dos mesmos; mas mais do que querer eliminá-los, a
maioria dos cidadãos parece estar dizendo que deseja que eles funcionem efetivamente
como mecanismos de representação. A percepção razoavelmente sofisticada dos cidadãos
brasileiros sobre a democracia pode servir de base para iniciativas de pressão sobre o
sistema político no sentido da reforma das instituições de representação. Por último, a
32
preocupação com a corrupção também mostra que existe uma demanda sobre o
desempenho das instituições encarregadas da responsabilização de políticos e governos.
Para um país cuja experiência democrática é relativamente recente, esses sinais não são de
pouca importância.
33
ANEXO 1. RECODIFICAÇÃO DAS RESPOSTAS À PERGUNTA ´O QUE É DEMOCRACIA´ - 1989 a 2006
Liberdades – menções a:
Liberdade de criticar o governo
Direito de ir e vir
Liberdade de expressar-se
Poder lutar por melhores salários
Todos podem exercer seus direitos
Liberdade para organizar-se
Liberdade sem repressão
Liberdade de informação
Governo garantir a segurança do povo
Direito de opinar
Consciência de direitos e deveres
País livre onde não se vive como escravos
Respeito ao cidadão
Direitos e deveres legislados e aplicados
Punir os políticos que roubam o povo
Fins Sociais – menções a:
Direito à saúde pública independente de raça,
sexo, cor
Direito a um transporte digno
Direito ao trabalho
Governo dar melhores condições de vida para
as pessoas
de baixa renda
Direito à educação
País com muito trabalho, onde não falte
emprego
Direitos iguais entre os povos
Igualdade entre os cidadãos
Igualdade entre homens e mulheres/direitos
iguais
Não ter discriminação de cor/raça
Procedimentos/Instituições – menções a:
Cidadão exercer seus direitos e deveres
Obrigação de votar
Necessidade de leis severas
Governo não ser corrupto
Partidos políticos c/ igual espaço nos meios
de comunicação
Governo com leis através de um parlamento
País governado pelo Congresso
Cumprimento da Constituição
Povo poder fiscalizar o governo
Organização do povo respeitando as leis
Governo cumprir com suas obrigações
Forma de governo
Governo com participação de todas as classes
sociais
Governo onde vence a maioria
É saber exigir seus direitos, cobrar seus direitos
País onde leis para ricos e pobres são as
mesmas
Direito dos cidadãos serem reconhecidos por lei
Mesma lei para ricos e pobres
Equilíbrio entre três poderes: judiciário,
legislativo
e executivo
Inconsistentes/NS/NR
É violência
Falta de respeito ao cidadão
É bom
Brigas entre políticos / Brigas na política
País com política honesta
Não cumprimento das leis
Presidente corrupto no governo / políticos
Diferença entre ricos e pobres / desigualdade
social
Discriminação entre raças
Falta de honestidade
Governantes impor leis não compatíveis com as
necessidades do povo
Regime dominado por políticos da elite
Sistema onde todo mundo manda
34
ANEXO 2 . Variáveis binárias utilizadas na análise bivariada, mas na tabela 5 foram incluídas apenas as
variáveis que significantes. Atributo=1; outros=0.
Renda mensal familiar (baixa - até R$780,00)
Os brasileiros são cumpridores das leis
Idade (acima de 39 anos)
A lei deve ser obedecida sempre
Regiões (Sul e Sudeste)
Os brasileiros fazem valer os seus direitos
Sexo masculino
Os brasileiros são conscientes de suas
Cidades com mais de 500 mil habitantes
obrigações
Escolaridade (baixa: analfabetos e até colegial
Os brasileiros são conscientes de seus direitos
incompleto)
Sente-se protegido pelas leis trabalhistas
Preferência por regime: democracia
Pessoas como eu não compreendem o que está
Democracia está associada com:
acontecendo na política
Direito de escolher governo
Eu não tenho como influenciar o governo
Liberdades políticas
O voto permite que pessoas como eu influam
Igualdade social
nos acontecimentos do país
Igualdade perante a lei
Orgulho de ser brasileiro
Fiscalização dos atos do governo pelo
Viveria em outro país
Congresso
Assiste até duas horas de TV por dia
Menos corrupção e controle do tráfico de
Prestou atenção nas notícias de política que
influência
deram na TV na última semana
Educação, saúde e emprego
Interesse por política
Fiscalização do governo pelo Ministério Público
Sente-se próximo de partidos políticos
e Tribunais de Justiça
brasileiros
Igualdade de direitos para as mulheres
Votou nas últimas eleições presidenciais (2002)
Liberdades em questões morais
Multipartidarismo
Confiança interpessoal
A democracia não pode funcionar sem partidos
Confiança no Poder Judiciário
A democracia não pode funcionar sem
Confiança no Congresso Nacional
Congresso Nacional
Confiança nos Partidos Políticos
Os partidos são indispensáveis à democracia
Confiança no Governo
O Presidente da República deve ser identificado
As eleições no Brasil são limpas e honestas
com um partido político
Nos últimos 5 anos a corrupção não aumentou
Partidos políticos são necessários para o
No último ano a corrupção não aumentou
progresso do país
Está satisfeito com a democracia
Deputados e Senadores são necessários para o
Avaliação positiva da situação política do país
progresso do país
Tribunais de Justiça são necessários para o
Apesar de problemas, democracia é melhor
progresso do país
forma de governo
Prefere a democracia a um líder salvador não
O governo pode passar por cima das leis e das
controlado por leis
instituições do país para resolver uma situação
Se o país enfrenta dificuldades, o presidente
difícil
pode
tomar
as
decisões
sozinho
A situação econômica melhorou durante o
independentemente do Congresso e das leis
governo Lula
O país funcionaria melhor se os militares
A situação econômica melhorou durante o
voltassem ao poder
governo FHC
Daria um cheque em branco a um líder salvador
A situação econômica melhorou durante a
que resolvesse os problemas do país
Ditadura Militar
O Brasil seria melhor se existisse apenas um
Os Direitos Humanos melhoraram durante o
partido político
governo FHC
Só uma ditadura daria jeito no Brasil
Os Direitos Humanos melhoraram durante o
Votaria mesmo que o voto não fosse
governo Lula
obrigatório
Os Direitos Humanos melhoraram durante a
Existe igualdade perante a lei
Ditadura Militar
35
ANEXO 3 . Variáveis utilizadas na análise fatorial (Tabela 4)
Interesse por política; Até 2 horas de TV por dia; Atenção em notícias políticas na TV; Baixa escolaridade;
Cidades + 500 mil habitantes; Democracia é melhor forma de governo; Preferência por regime
democrático; Democracia=direito de escolher governo; Democracia=liberdades políticas;
Democracia=igualdade social; Democracia=igualdade perante a lei; Democracia=fiscalização do governo
pelo Congresso; Democracia=controle da corrupção e tráfico de influência; Democracia=atendimento
necessidades saúde, emprego e educação; Democracia=fiscalização do governo p/ tribunais de justiça e
Ministério Público; Democracia=direitos das mulheres; Democracia=liberdades morais e sexuais;
Partidos são necessários p/ democracia; Congresso é necessário p/ democracia; Proximidade de partidos;
Partidos indispensáveis p/ democracia; Presidente deve ser identificado com partido; Partidos são
necessários ao país; Deputados e Senadores são necessários ao país; Tribunais são necessários ao país;
Votou nas últimas eleições; Votaria se o voto não fosse obrigatório; Sabe o que é democracia.
ANEXO 4.- Variáveis utilizadas na regressão logística (Tabela 7)
Sexo (homens), Escolaridade (média ou mais), Renda (+ de R$ 1.300), PEA (integra), Cidades (+ 500 mil
habitantes), Região (sul e sudeste), Confia na maioria das pessoas, Religião (católicos), Cor (brancos),
Presta atenção às notícias políticas na TV, Tem interesse por política, Acha q. Governo deve respeitar leis
e instituições em crises, Rejeita o retorno dos militares, Rejeita sistema de partido único, Votaria se voto
não fosse obrigatório, Conversa sobre política, Assinaria abaixo-assinados, Participaria de boicotes,
Participa de comunidades religiosas, Existe igualdade perante a lei, Partidos representam a população e
os eleitores, Eleições são limpas, Acha q. governo deve intervir + na economia, Funcionários não levam
em conta a opinião dos cidadãos, Órgãos públicos não prestam informações aos cidadãos, Confia na
policia, Confia no Congresso Nacional, Prefeituras são necessárias ao país, Avalia bem habitação, Avalia
bem previdência social, Avalia bem transportes, A maioria dos políticos usam caixa 2 em campanhas
eleitorais, Brasileiros, no lugar dos políticos, usariam caixa dois, Brasileiros, no lugar dos políticos,
superfaturariam obras públicas, Situação econômica familiar é boa, Votou em Lula, Situação econômica
do país melhorou com o governo Lula.
36
III.
AS BASES DO APOIO AO REGIME DEMOCRÁTICO NO BRASIL
RACHEL MENEGUELLO
INTRODUÇÃO
A literatura sobre as características e o funcionamento dos processos de
democratização é volumosa, muito tem sido produzido sobre as bases de apoio às democracias
da terceira onda, em específico sobre os processos políticos desencadeados na America Latina,
ou ainda, aqueles desenvolvidos no Leste Europeu, após a queda do Muro de Berlin, e somam um
conhecimento valioso para a reflexão comparada às experiências das democracias ocidentais
mais consolidadas no tempo.
Sabemos que para os cidadãos que vivenciam sistemas
democráticos consolidados, a aceitação do regime e as suas bases de funcionamento são
inquestionáveis e há uma compreensão básica sobre as instituições e os processos políticos que
sustentam o seu funcionamento. Mesmo que nestas democracias sejam observados níveis
consideráveis de insatisfação com o funcionamento regime, e de desconfiança nas instituições e
nos governos do momento, a adesão e a identificação dos cidadãos com o regime democrático
não sofrem abalos significativos, garantindo a estabilidade do sistema.
No caso das democracias mais recentes, a literatura é menos positiva, os estudos e
evidências mostram que mesmo em países em que regras básicas e procedimentos foram
implantados e têm funcionamento regular, como a realização de eleições livres e justas, isso não é
suficiente para a democratização, há deficits significativos no terreno do respeito às leis, direitos
e liberdades, pondo em risco permanente o apoio político que se estabelece no início do novo
regime (ZAKARIA, 1997; ROSE AND SHIN, 2001)
No caso das democracias latino-americanas, os dados de pesquisas realizadas ao final
da última década mostram que, na maioria dos países, e mesmo apesar do impacto da crise
econômica, o apoio ao regime democrático tem sido sustentado em bases significativas (Informe
Latinobarômetro, 2006; SELIGSON AND SMITH, 2010). As informações apontam que os cidadãos
da região têm acolhido em uma tendência crescente a democracia como a melhor forma de
governo, apesar de o apoio normativo “churchilliano” compartilhar um terreno denso de
constrangimentos que condicionam a satisfação com o funcionamento do sistema, os níveis de
confiança institucional e pessoal, o interesse e a participação na política.
1
Nesse terreno, destaca-se a dinâmica representativa. Por um lado, as eleições
sobressaem como marco de inclusão e intervenção políticas, e a percepção da eficiência e
validade dos processos eleitorais agem como garantia ao funcionamento do regime democrático.
Além disso, partidos e parlamentos são considerados _ao menos simbolicamente_ como eixos do
funcionamento do regime, e desfrutam de um apoio geral importante. Entretanto, são os
partidos políticos e o congresso as instituições que acolhem os menores graus de confiança
institucional em toda a região, apesar de variações significativas observadas entre países (BOIDI Y
QUEIROLO, 2010).
A experiência democrática brasileira reproduz esse cenário. Os dados de apoio ao
regime democrático são crescentemente positivos ao longo do período pós-1985. No registro das
pesquisas realizadas entre 1989 e 2006, a preferência pela democracia aumentou 21 pontos
percentuais entre a população, de 43,6 para 64,8% (Gráfico 1). Os avanços ao longo desse
processo também foram de ampliação do entendimento sobre o regime. No período entre 1989 e
2006, houve uma ampliação considerável da proporção de pessoas que adquiriram entendimento
sobre o significado de democracia, embora esse entendimento estivesse limitado e
predominantemente atrelado à idéia de realização de eleições e de constituição de governos que
dessem solução às necessidades econômicas e sociais, refletindo o cenário de crise que marcou o
inicio da democratização no país e na região nos anos 1980 (MENEGUELLO, 2010).
Igualmente aos os vários processos de democratização na região, os cidadãos
brasileiros envolveram-se em uma dinâmica eleitoral regular e intensa desde o início do novo
regime, tendo definido na eleição presidencial direta de 1989 o marco do alinhamento de forças
políticas e preferências. Os dados das pesquisas realizadas nesse período mostram, entretanto,
que a consolidação de mecanismos e procedimentos de participação eleitoral não redimensionou
a frágil relação com as instituições representativas. O país conta com vários dos mais baixos
índices de confiança e de avaliação positiva dos partidos, do Congresso e dos políticos observados
na região nas duas últimas décadas, e claramente reflete os constrangimentos próprios das
denominadas ‘democracias incompletas’ (SELIGSON AND SMITH, 2010; SHIN, 2007).
O objetivo deste artigo é contribuir para a resposta a algumas questões que norteiam
os estudos sobre o processo de democratização brasileira. A primeira delas diz respeito ao
entendimento do papel que as instituições representativas possuem no mapa de referências de
apoio ao regime democrático. A segunda questão diz respeito às bases da legitimidade do
sistema, entendida como resultante das percepções do desempenho e funcionamento da
democracia no país.
Assim, a primeira parte do trabalho procura identificar em que medida a crescente
preferência dos cidadãos pelo regime democrático observado ao longo das ultimas décadas
2
resulta da sua relação com as instituições representativas, a qual comporia um construto
normativo articulado que embasaria os posicionamentos políticos sobre o desenvolvimento e a
construção institucional do sistema. A segunda parte procura identificar as referências das quais
os cidadãos lançam mão para avaliar o desempenho da democracia e criar níveis de satisfação
com regime. O suposto básico é que o fenômeno da adesão à democracia resulta da congruência
entre o apoio normativo ao regime e a satisfação com o seu funcionamento.
Gráfico 1. Evolução da preferência por regime político
Brasil, 1989-2006 (%)
2006
59,1
2002
1993
13,7
54,7
19,4
Ditadura
4,8
15,2
13,7
9,9
14,7
17,1
16,7
43,6
Democracia
16,9
15,6
57,9
1990
1989
13,5
64,8
21,3
Tanto faz
11,4
15,7
ns/nr
Fontes: Banco de Dados do CESOP/Unicamp: Coleção Cultura Política, 1989 (DATAFOLHA/BRASIL89.SET00186), 1990(DATAFOLHA/BRASIL89.DEZ-00210) e 1993(DATAFOLHA/BRASIL93.MAR-00322); Estudo
Eleitoral Brasileiro_ESEB-CSES2002 (CESOP_FGV/BRASIL02.DEZ-01838); Pesquisa Desconfiança dos
Cidadãos nas Instituições Democráticas, 2006 (CESOP_NUPPES/BRASIL06.JUN-02330)
ALGUMAS DEFINIÇÕES
Tal como afirmam Collier and Levitsky (1996), a proliferação de tipos e subtipos de
processos de democratização nas várias regiões do mundo apresentou aos estudiosos o desafio
de dar conta das variações de casos nacionais sem que, ao mesmo tempo, fosse estirado o
conceito de democracia. Não é a intenção desse trabalho oferecer uma nova apropriação do
conceito de democratização, mas sim, organizar as noções que orientam a investigação sobre as
bases do apoio e legitimidade democráticas que encontramos a partir da pesquisa a Desconfiança
dos Cidadãos nas instituições Democráticas (“Pesquisa Desconfiança”). Algumas definições prévias
são, portanto, necessárias.
A idéia de adesão democrática está estabelecida neste trabalho sobre o construto do
sistema representativo. A teoria democrática define nas instituições representativas cânones da
legitimidade do regime, pois são essas instituições que, de forma indireta, investem o povo de
autoridade perante o sistema, além exercerem, com variações entre as distintas democracias,
3
algum grau de controle e responsabilidade sobre o poder executivo. Assim, apesar dos níveis
significativos de desconfiança nos partidos e nos políticos, e mesmo da avaliação
predominantemente negativa da atuação do parlamento e dos políticos em geral, a existência e
manutenção das instituições representativas são valores inabalados nas democracias
consolidadas.
Nos regimes que transitam de ditaduras para democracias, por sua vez, a questão
central não reside na confiança nos parlamentares ou na avaliação do desempenho legislativo
mas, sobretudo, na crença se o legislativo deveria estar funcionando, ou ainda, no apoio à
necessidade de sua existência para o funcionamento do novo regime (MISHLER AND ROSE, 1994)
. Igualmente, o papel exercido pelos partidos políticos figura como um dos elementos que
compõem esse quadro de apoio ao sistema representativo. A necessidade de um sistema
pluripartidário que sustente a competição e a representação de interesses e grupos variados e a
crença em sua utilidade para as vias de transmissão entre os cidadãos e o estado emergem como
elementos ao menos simbólicos do apoio ao regime.
No caso da transição brasileira, uma série de estudos sobre a cultura política
democrática apontam o papel central das eleições na constituição da noção de democracia para
o período pós-85 (LAMOUNIER, 1985; MOISES, 1990 E 1995; MUSCINSKY E MENDES, 1990;
LAVAREDA,1989). Esses trabalhos indicam que a idéia de democratização no final do período da
ditadura de 1964 e início do período democrático de 1985 esteve associada de forma
predominante aos mecanismos de participação eleitoral, em especifico, à realização de eleições
diretas para a presidência da república. Com efeito, essa dinâmica concentrou, em grande parte,
as ações da dimensão do que poderíamos chamar de engajamento cívico na transição.
Entretanto, esse engajamento não resultou em um apoio generalizado à ruptura com as bases do
regime militar e a ampliação da democracia representativa.
De fato, dados de survey realizado em capitais estaduais durante a última fase da
ditadura militar, no período das eleições pluripartidárias de 1982 mostram um cenário de
expectativas híbridas e conflitantes quanto à formação do novo regime. Por exemplo, em média,
80% dos eleitores apoiavam a realização de eleições diretas e mais de 61% afirmavam a disposição
em votar se o voto não fosse obrigatório; entretanto, esse mesmo survey apontava uma clara
divisão no eleitorado ao considerar a manutenção da presença dos militares no poder, assim
como na opinião sobre o aumento do poder do congresso nacional no novo período (ver Tabela 1,
Anexo 1). Esses dados coletados ainda antes da implantação do novo regime indicam, em alguma
medida, o perfil “incompleto” que marcaria o desenvolvimento da democratização iniciada em
1985.
4
A presença das referências ao regime anterior no conjunto de crenças dos cidadãos
sobre o sistema político, ou ainda, os altos níveis de desconfiança e as avaliações negativas das
instituições representativas e do funcionamento da política observados nas pesquisas realizadas
no início do período democrático (MOISES, 1990; 1995), assim como no período mais recente
(MENEGUELLO, 2006; MOISES E CARNEIRO, 2008), comprovam a natureza híbrida do
entendimento sobre as bases de funcionamento da democracia no país. Em estudo realizado
sobre as bases da preferência pela democracia no Brasil a partir de dados de pesquisa de 2002
(MENEGUELLO, 2006), encontrou-se que a adesão e a legitimidade do regime democrático
estavam significativamente associados à valorização das eleições como forma de intervenção na
política. Sabemos que à luz da teoria democrática representativa, a associação das eleições ao
funcionamento democrático é esperada; entretanto, a mesma valorização não ocorreu quanto às
instituições representativas. O mesmo descompasso foi encontrado na análise das bases da
satisfação com o funcionamento do regime democrático, quando as dimensões da satisfação com
a democracia e da avaliação das instituições emergiram dissociadas, sugerindo que no mapa de
valores dos cidadãos o entendimento do bom funcionamento democrático não está
imediatamente associado à percepção do desempenho das instituições públicas
-inclusive
representativas- e instituições privadas. Além disso, os dados indicavam que para o cidadão
comum, a ‘execução’ do cotidiano, o desempenho do governo, o funcionamento do sistema
democrático e a ação das instituições não compõem dimensões articuladas. Voltamos a explorar
esses pontos através dos dados da “Pesquisa Desconfiança”.
A noção de legitimidade democrática também é definida. A legitimidade deve ser
pensada como um tipo ideal relacionado às crenças dos cidadãos de que a política democrática e
as instituições sobre as quais se estabelece são a forma mais apropriada para estruturar-se o
sistema político. Esta noção está também baseada na ‘hipótese de Churchill’ (a democracia como
mal menor comparado aos regimes não-democráticos) compreendida na abordagem que possibilita
a comparação entre duas situações políticas distintas experimentadas no tempo (ROSE, 2001;
GUNTHER E MONTERO, 2003). A noção de concorrência entre regimes é adequada ao caso
brasileiro, dada a experiência democrática relativamente recente, e a presença de boa parte do
eleitorado tendo tido sua experiência política em dois tipos de regimes distintos, autoritário e
democrático.
Acompanhando a sugestão da maior eficácia das medidas realistas de apoio ao
regime nas democracias incompletas (MISHLER AND ROSE, 2001), a análise do desempenho do
regime foi constituída a partir da percepção da atuação das instituições e da gestão pública, e da
percepção sobre o funcionamento da democracia no país.
5
AS BASES DO APOIO À DEMOCRACIA
A literatura sobre democratização menciona os limites da utilização de medidas
idealistas de apoio ao regime democrático, uma vez que, nas novas democracias, e em função das
demandas que incidem sobre o funcionamento do sistema, a presença de um apoio normativo ao
regime não é suficiente para a sua sobrevivência (MISHLER AND ROSE, 2001). As limitações das
medidas idealistas são ainda conferidas, em parte, ao entendimento rudimentar dos cidadãos
comuns sobre o regime, seu significado e as bases de seu funcionamento, algo observado mesmo
entre os cidadãos das democracias estabelecidas. Entretanto, o apoio de massa ao regime
democrático não funda-se na cognição sofisticada sobre a política, mas sobretudo, na
compreensão e experiência da vida pública, nas ações e na percepção de que as ações e
procedimentos influenciam o sistema, aspectos que resultam tanto do legado do regime anterior,
quanto do desenvolvimento político do atual regime. A valorização das instituições
representativas e a compreensão de sua importância para o funcionamento da política
democrática revelam, no mínimo, a disposição para a vida democrática, o que é básico para
constituir a legitimidade do sistema.
Nessa direção, investigamos em que medida os aspectos valorativos sobre o sistema
representativo e sobre o regime em geral fariam parte do construto da adesão dos cidadãos
brasileiros à democracia. Elaboramos dois modelos para investigar a articulação entre valores e o
apoio ao regime. O primeiro deles compõe-se de aspectos normativos sobre a democracia e sobre
o regime democrático no país.
O segundo modelo adiciona àquele conjunto de variáveis
normativas uma dimensão comparativa entre períodos políticos para identificar as bases do apoio
ao regime.
As nove variáveis selecionadas para o primeiro modelo constituem um conjunto
normativo sobre a democracia em geral e aspectos de sua vertente representativa., notadamente
a importância do voto, dos partidos e do Congresso (Tabela 1). A distribuição simples dos dados
mostra uma maioria de mais de 60% de indivíduos que preferem a democracia comparada à
ditadura, afirmam a importância dos partidos para a democracia, a importância do Congresso
para a democracia e para o país e a importância do voto para a política em geral. A mesma ênfase
na preferência pela democracia frente à ditadura não ocorre com a afirmação mais enfática sobre
considerar o melhor regime em geral, quando apenas 32% dos indivíduos concordam muito com a
idéia da democracia como melhor regime. Os indivíduos dividem-se quase ao meio quando se
trata da disposição em votar sem obrigatoriedade e sobre a relação do presidente da republica
com um partido político. Finalmente, há uma relação ambígua com os partidos: embora 63%
afirmem que sem partidos não pode haver democracia, quase 60% consideram que partidos
6
servem apenas para dividir pessoas. As duas variáveis sobre a opinião a respeito dos partidos não
são excludentes, mas um cruzamento simples entre as duas questões revela um pequeno núcleo
incongruente de 6% do total de indivíduos da amostra que, ao mesmo tempo em que afirmam os
partidos indispensáveis à democracia, afirmam que o regime pode funcionar sem eles.
Tabela 1. Variáveis de apoio à democracia e a aspectos da democracia representativa
Variáveis
Influência do voto sobre o que acontece
Votaria na eleição para presidente se voto
não fosse obrigatório
Apoio à democracia 1
Apoio à democracia 2
Necessidade dos partidos para democracia 1
Necessidade dos partidos para democracia 2
Necessidade do Congresso para democracia
Necessidade do Congresso para o país
Relação entre o presidente e os partidos
A maneira como as pessoas votam pode fazer com que
as coisas mudem
Não importa como as pessoas votam, não fará com
que as coisas mudem
Sim
Não
Talvez/Depende
A democracia é sempre melhor que qualquer outra
forma de governo
Em certas circunstâncias é melhor uma ditadura
Tanto faz se o governo é uma democracia ou uma
ditadura
Concorda muito que a democracia pode ter
problemas, mas é a melhor forma de governo
Concorda pouco
Discorda muito/discorda pouco
Nem concorda, nem discorda
Sem partidos não pode haver democracia
A democracia pode funcionar sem partidos
São indispensáveis à democracia
Só servem para dividir as pessoas
Sem Congresso Nacional não pode haver democracia
A democracia pode funcionar sem Congresso Nacional
O país precisa da Câmara e do Senado
em %
62,3
36,2
48,7
49,1
2,1
64,8
13,5
16,9
57.2
32.2
8.1
2.5
63,0
31,5
36,3
59,4
66,1
28,7
66,2
Poderíamos passar bem sem a Câmara e o Senado
30,4
É melhor um presidente identificado com um partido
É melhor um presidente que não dê importância aos
partidos
53.9
41.8
N
2.004
Fonte: Pesquisa A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições Democráticas, 2006
(*)as diferenças dos totais para 100% referem-se a ns/nr
Para responder nossa indagação sobre como esses valores se articulam no construto do
apoio ao regime para os cidadãos brasileiros em 2006, utilizamos uma metodologia de análise
multidimensional que envolve elementos de duas técnicas de análise de componentes principais,
7
inicialmente a análise de componentes principais para variáveis categóricas e, em seguida, para as
variáveis resultantes, a análise fatorial. Os resultados estão na Tabela 2.
Tabela 2. Dimensões normativas que compõem o apoio ao regime
Variáveis
1
necessidade do Congresso Nacional para o Brasil
necessidade dos partidos para a democracia
necessidade do Congresso Nacional para a democracia
presidente deve ser identificado com partidos ou não
democracia como melhor forma de governo
preferência entre democracia e ditadura
importância do voto para mudar as coisas
disposição para votar no presidente mesmo se voto não fosse obrigatório
Variância explicada
Variância total explicada
2
.701
.789
.786
.517
.666
.616
.638
.616
25.33% 20.05%
45.38%
Extraction Method: Principal Component Analysis; Rotation Method: Varimax with Kaiser Normalization.
Os dados mostram uma solução de 2 fatores, com capacidade explicativa de α=45.3%,
onde figuram na primeira dimensão as 4 questões associadas ao papel dos partidos políticos e do
Congresso Nacional, tanto para o país como para a democracia em geral, algumas delas com
cargas altas, maiores que 0.7 (consideramos apenas scores iguais ou maiores que 0,5). Embora
com menor score, na mesma dimensão aparece a questão associada aos partidos, ainda que
especificamente indagando a preferência por um presidente da república relacionado a partido
político.
A segunda dimensão, por sua vez, compõe um interessante conjunto em que a
preferência pela democracia (medida através das duas questões) está associada ao voto, seja
quanto à percepção de seu papel para intervenção no sistema, seja quanto à adesão ao voto
voluntário para escolha do presidente da república. Finalmente, não figura em nenhuma das
dimensões a variável que solicitava ao entrevistado a sua percepção sobre o papel dos partidos
(se indispensáveis à democracia, ou instituições que apenas dividem pessoas).
Esta separação das variáveis em duas dimensões supostamente associadas é o ponto
que nos intriga. Em quê medida as instituições representativas estão dissociadas da idéia de votar
e dar apoio à democracia?
Cientes dos efeitos de separação dos dados produzidos pela técnica de rotação na
análise fatorial, investigamos as associações entre todas as variáveis, de forma a identificar
possíveis relações e, como podemos ver na Tabela 3, o apoio à democracia - nas suas duas
versões indagadas - mostra associações muito reduzidas com o apoio aos partidos e ao
8
Congresso, tanto em termos de apoio geral quanto para o caso brasileiro. No caso do papel do
voto, a disposição em votar para presidente e a percepção do voto como mecanismo de mudança
têm associações reduzidas com o apoio genérico aos partidos e ao Congresso.
Tabela 3. Associações entre as variáveis do apoio à democracia. Coeficientes de Contingência e
fatores associados
Necessidade Presidente Necessidade Democracia
Congresso
identificado Congresso
como
p/
c/partido
para o Brasil melhor
democracia
forma de
governo
Necessidade 0,493
dos partidos
p/democracia
Necessidade
do
Congresso p/
democracia
Presidente
identificados
c/partido
Necessidade
Congresso
para o Brasil
Democracia
como melhor
forma de
governo
Preferência
pela
democracia
ou ditadura
Importância
do voto para
mudança
Voto
obrigatório
Preferência
pela
democracia
ou ditadura
Importância Voto
Fator Fator
do voto
obrigatório 1
2
para
mudança
0,258
0325
0,135
0,160
0,135
0,095
,789 ,016
0,216
0,381
0,163
0,171
0,136
0,094
,786 ,036
0,297
0,105
0,111
0,197
0,101
,517
,187
0,199
0,174
0,184
0,213
,701
,150
,121
,666
,132
,616
,134
,638
0,282
0,255
0,219
0,209
0,178
0,213
,033 ,616
Esses dados sugerem uma real ‘independência‘ entre as dimensões encontradas e, se
observarmos as associações intra-fatores, encontramos associações importantes, mas de nível
médio. No caso do Fator 1, em que as referências institucionais do sistema representativo estão
presentes, os valores se alteram, e as associações entre o apoio à existência do Congresso e dos
partidos chegam a 0,493 no caso do apoio normativo aos partidos e ao Congresso, a 0,381 para a
necessidade do congresso para a democracia e para o país, e a 0,325 para a relação entre a
9
necessidade do Congresso para o Brasil e dos partidos para a democracia. No caso do Fator 2, que
acolhe o apoio ao regime e a valorização do voto, a maior associação ocorre entre as duas opções
de apoio ao regime democrático, e não chega a 0,3 (0,282). Apesar desta congruência observada,
o que se destaca na relação entre os fatores são as baixas associações com as variáveis de apoio
ao regime democrático.
O segundo modelo para avaliar as bases do apoio ao regime está baseado na
comparação entre situações políticas distintas, incluindo a comparação entre governos
democráticos e entre o presente regime democrático e a ditadura que vigorou no país até 1985.
Nas democracias consolidadas, boa parte do apoio à democracia sustenta-se no
processo de longo termo de socialização dos cidadãos com os valores democráticos; nas
democracias recentes, por sua vez, o apoio ao regime sustenta-se inicialmente na expectativa
sobre o novo período, ou ainda, na rejeição ao regime anterior, mas o desempenho do regime é
um fator central para que o apoio normativo se sustente. O novo regime deve mostrar-se capaz
de satisfazer as expectativas coletivas quanto a aspectos centrais da mudança política. No caso da
pesquisa em análise, esses aspectos estão traduzidos na dimensão da economia, dos direitos
humanos e na situação da corrupção e tráfico de influência.
Um dos supostos que orientam esse construto é a idéia de que a democratização
brasileira está marcada por alguns ‘eventos politizadores’ (ROSE, 1999) que criam conteúdos de
apoio ao governo e apoio ao sistema. O primeiro deles, mencionado no início deste trabalho, diz
respeito ao próprio sistema representativo e à valorização do voto direto. A transição brasileira
teve seu fluxo notadamente estabelecido na arena eleitoral já durante o regime militar, e
estabeleceu uma retórica fundadora do regime democrático na qual as eleições diretas para
presidência da república marcavam a construção do novo regime. De fato, as movimentações em
torno das eleições presidenciais abrigaram momentos de intensa mobilização popular na
transição para a democracia.
O segundo evento politizador do período reside no terreno da intersecção entre a
economia e a política e resultou do impacto das políticas econômicas. Adotadas com o objetivo
de superar os cenários marcados pela depressão generalizada, depreciação dos indicadores de
crescimento e o déficit social herdado do regime autoritário, tais políticas criaram parâmetros de
avaliação de governos. Os referenciais econômicos, como o controle inflacionário e as tendências
de melhoria de renda e emprego, tiveram papel central no conjunto de expectativas da sobre a
democratização no país, formando preferências políticas. Já no início do regime democrático,
estudos identificavam nas referências de expectativa de bem-estar e busca dos patamares
mínimos de sobrevivência as bases da noção de democracia no país.
10
Com a implementação do plano de estabilização monetária em 1994 – o Plano Real –
e as conseqüentes mudanças positivas nos níveis de atividade econômica e de renda, houve uma
transformação significativa do quadro de pobreza e da capacidade de acesso ao mercado de
consumo de produtos básicos por segmentos da população antes marginalizados (HOFFMAN,
2001). Este foi um componente central do capital político da Presidência da República no período,
estabelecendo as referências centrais de apoio e aprovação governamental. Os quatro anos do
primeiro governo FHC (1995-1999) promoveram uma experiência de estabilidade monetária
desconhecida de várias gerações de brasileiros e, mesmo sem estar atrelado a uma política de
desenvolvimento capaz de produzir e enraizar as bases dessa estabilidade, o governo foi capaz de
produzir um alto grau de popularidade baseado na avaliação prospectiva da melhora global do
país. Tais referências produziram uma relação simbiótica entre as tendências de avaliação do
desempenho presidencial e do desempenho da economia constitutiva das percepções da
população em geral sobre o governo no período entre 1995 e 2006 (MENEGUELLO, 2007).
As dez novas variáveis desse segundo construto incluem a avaliação comparada entre
três períodos políticos _o governo do momento, os oito anos do governo anterior (1994-2002) e
os últimos 10 anos da ditadura militar (1974-1984)_ para três aspectos, a situação da economia,
dos direitos humanos e da corrupção e tráfico de influências, além da avaliação geral do governo
Lula (2002-2006).
Os dados sugerem que no âmbito da economia e dos direitos humanos houve
avanços positivos importantes no decorrer da democratização percebidos pelos cidadãos no
período atual (Tabela 4). As percepções mais positivas ocorrem na comparação entre o governo
do momento e os governos militares, refletindo os efeitos da conquista e ampliação de direitos e
liberdades civis, por um lado, e o desempenho das políticas econômicas, por outro. De toda
forma, tais percepções apontam para a constituição de um terreno significativo de apoio ao
regime democrático. O mesmo não ocorre para a situação da corrupção e o trafico de influências;
nesse caso, a percepção negativa do fenômeno ocorre em todas as comparações de períodos
políticos. É importante mencionar o potencial impacto sobre a percepção dos entrevistados
exercido pelas denúncias de corrupção envolvendo políticos, partidos e o governo ocorridas um
ano antes da realização desta pesquisa. Os resultados da análise multidimensional para o segundo
modelo estão apresentados na Tabela 5.
11
Tabela 4. Variáveis de comparação entre períodos políticos,
incluídas no modelo de apoio à democracia
Avaliação da situação econômica no governo Lula comparada ao período
anterior
Melhorou
piorou
igual
Avaliação da situação econômica do governo Lula comparada aos últimos 10
anos de governos militares (1973-1984)
Melhorou
piorou
igual
Avaliação da situação econômica do governo FHC comparada ao periodo
anterior
Melhorou
piorou
igual
Avaliação da situação dos direitos humanos no governo Lula comparada ao
periodo anterior
Melhorou
piorou
igual
Avaliação da situação dos direitos humanos no governo FHC comparada ao
periodo anterior
Melhorou
piorou
igual
Avaliação da situação dos direitos humanos no governo Lula comparada aos
últimos 10 anos de governos militares (1973-1984)
Melhorou
piorou
igual
Avaliação da corrupção e tráfico de influência no governo Lula comparado ao
periodo anterior
Melhorou
piorou
igual
Avaliação da corrupção e tráfico de influência no governo FHC comparado ao
periodo anterior
Melhorou
piorou
igual
Avaliação da corrupção e tráfico de influência no governo Lula comparada aos
últimos 10 anos de governos militares (1973-1984)
Melhorou
piorou
igual
Avaliação governo Presidente Lula
(bom+muito bom)
N
12
51 %
20.1
28.8
56.3
21.7
22
32.6
30.8
36.6
51.3
13.7
35.1
36.0
20.8
43.2
60.4
16.8
22.8
25.9
48.5
25.5
21.6
37.2
41.3
33.2
37.9
28.9
49.5
2004
Tabela 5. Dimensões normativas e comparações entre períodos políticos
como bases do apoio ao regime
1
Avaliação geral do governo Lula
Comparação direitos humanos governo Lula com período anterior
Comparação situação econômica governo Lula com períodos anteriores
Comparação situação econômica governo FHC com período anterior
Comparação situação econômica governo Lula com governos militares
Comparação direitos humanos governo FHC com período anterior
Comparação direitos humanos governo Lula com governos militares
Necessidade dos partidos para a democracia
Necessidade do Congresso Nacional para a democracia
Necessidade do Congresso Nacional para o Brasil
Importância do voto para mudar as coisas
Democracia como melhor forma de governo
Preferência entre democracia ou ditadura
Disposição para votar para presidente mesmo se voto não fosse obrigatório
Comparação corrupção governo FHC com o período anterior
Comparação corrupção governo Lula com governos militares
Comparação corrupção governo Lula com o período anterior
Variância explicada
2
3
4
,838
,741
,843
,693
,637
,740
,643
,806
,811
,676
,669
,618
,601
,600
,636
,673
,601
,594
14,3%
12%
Variância explicada total
11.6% 10.3%
56.62%
Extraction Method: Principal Component Analysis. Rotation Method: Varimax with Kaiser Normalization.
Neste segundo modelo, os dados apontam a força das percepções sobre o governo
do momento no construto de apoio ao regime. O modelo produziu 5 fatores, com uma variância
explicativa de α=56,6%. O Fator 1 é o fator governo Lula. Ali residem as variáveis de avaliação do
governo e da economia com as maiores cargas da matriz (maiores que 0.8) , além da avaliação
dos direitos humanos no governo atual (0,741). Também figura a avaliação da corrupção no
governo atual, mas com uma carga pouco menor (0,594).
O Fator 2 é considerado o fator comparação política propriamente dito, pois compõe-se
exclusivamente da avaliação da situação econômica e dos direitos humanos comparada no
governo Fernando Henrique e com os governos militares entre 1975 e 1985.
O que está
substantiva e subjetivamente incluído na disposição dos Fatores 1 e 2 é o papel do Plano Real
como referência de avaliação às situações econômicas de períodos políticos anteriores. Contudo,
não parece aleatório o fato da avaliação da situação da economia no governo Lula estar em fator
separado às avaliações da economia em governos anteriores. O Fator 1 indica a proeminência da
avaliação do governo do momento nos seus vários aspectos, sobre as demais referências político-
13
5
8.5%
temporais. O Fator 3 é denominado instituições representativas, pois nele constam apenas as
questões que afirmam a necessidade dos partidos políticos e do Congresso para a democracia,
bem como a necessidade do Congresso para o Brasil, em específico.
Não figuram nessa
dimensão e em nenhuma outra duas questões relacionadas aos partidos políticos: se partidos são
indispensáveis à democracia ou apenas dividem pessoas (a qual também não figurou na matriz do
primeiro modelo), e a questão sobre a preferência em ter um presidente associado a partido
político. É apenas no Fator 4, denominado Democracia, que emergem as questões sobre a
preferência democrática, associadas às 2 questões que valorizam o exercício do voto. Estes dados
repetem a associação entre democracia e eleições que encontramos anteriormente, mas neste
segundo modelo essa relação tem força especial, pois esta noção de democracia não se altera
quando ponderamos em conjunto as percepções sobre a economia do país nos governos Lula,
FHC e os governos militares, tampouco as percepções sobre direitos humanos e corrupção
nesses três períodos.
Finalmente, o Fator 5 de avaliação da corrupção, agrega as três questões de avaliação
em todos os períodos políticos, inclusive no governo Lula, com a questão que aparece tanto neste
Fator (com carga 0.601) como no Fator 1( com carga 0,594).
Este segundo modelo de análise do apoio à democracia aponta para quadro político
imediato como a primeira referência que os cidadãos têm para estabelecer-se frente o sistema
democrático. Neste caso, trata-se do peso do governo do momento, no caso o governo Lula e seu
desempenho nas dimensões da economia e dos direitos humanos. A preferência pelo regime não
está imediatamente associada a essas duas dimensões e, como já mencionamos, mantém-se
relacionada ao voto. Mesmo emergindo em dimensão de menor peso explicativo, é importante
reafirmar o papel das eleições na referência ao regime. Tanto a força das percepções sobre o
governo do momento, quanto o impacto da comparação entre períodos políticos distintos,
inclusive entre a democracia e a ditadura que vigorou no país, não alteraram a separação já
constatada no primeiro modelo de apoio ao regime, entre a preferência pelo regime democrático
e as concepções sobre o papel das instituições representativas (Fatores 3 e 4).
Por último, os dados sobre a percepção da corrupção e o tráfico de influência
merecem maior análise. Afinal, as três questões que pedem a avaliação de sua situação no tempo,
procurando medir os avanços resultantes dos processos políticos emergem juntas, no fator mais
distante das referencias imediatas definidas para entender o apoio político (Fator 5).
Os estudos que abordam a corrupção com enfoque realista e crítico, como um
fenômeno universal que atinge todos os países, apontam o seu impacto sobre aspectos que
afetam a legitimidade do sistema democrático, como o apoio ao regime e a confiança nas
instituições (SELIGSON, 2001 E 2002; POWER E GONZÁLES, 2003). A corrupção seria a causa e
14
conseqüência do baixo desempenho do sistema, levando à redução da confiança dos cidadãos
nas instituições, no governo e na sua capacidade para a solução de problemas, e afetando,
portanto, o apoio ou a adesão ao regime. Nessa direção, Warren (2004) aponta que a corrupção
tem efeitos significativos sobre a democracia, ela rompe com os pressupostos fundamentais do
regime, como a igualdade política e a participação; reduz a influência da população no processo
de tomada de decisões, seja por fraudes nos processos decisórios, como nas eleições, seja pela
desconfiança e suspeita que ela gera entre os próprios cidadãos, e com relação ao governo e as
instituições democráticas, e reduz a transparência das ações dos governantes.
Assim, tal como constituído no segundo modelo de apoio ao regime, o Fator 5
sugere a existência de um déficit de entendimento sobre o terreno normativo da preferência pela
democracia, no qual a transparência e o império da lei são aspectos centrais. Por um lado, esse
cenário nos ajuda a entender a crise política de 2005, em que os escândalos de corrupção não
abalaram a avaliação do governo e do presidente, bem como a preferência pela democracia. Mas
aponta, por outro lado, para um problema mais complexo, que é compreender as causas das
dimensões independentes encontradas no modelo, em especifico, as motivações para que as
percepções sobre as situações da corrupção de governos distintos sejam estabelecidas de forma
relativamente isolada.
A SATISFAÇÃO E APOIO AO REGIME DEMOCRÁTICO
Nas democracias consolidadas, boa parte do apoio à democracia sustenta-se no
processo de longo termo de socialização dos cidadãos com os valores democráticos; nas
democracias recentes, por sua vez, o apoio ao regime sustenta-se inicialmente na expectativa
sobre o novo período, ou ainda, na rejeição ao regime anterior, mas o desempenho do regime é
um fator central que o apoio normativo se sustente (ROSE AND MISHLER, 1999; 2007). O novo
regime deve mostrar-se capaz de prover os bens coletivos almejados e, nesse sentido, o apoio
torna-se, em boa medida, contingente ao desempenho econômico.
Apoio ao regime democrático e satisfação com o funcionamento da democracia são
fenômenos distintos (GUNTHER E MONTERO, 2003), dizem respeito, respectivamente, a aspectos
valorativos e avaliativos e implicam medidas distintas. Nessa direção, constituímos um construto
sobre o desempenho do regime baseado na satisfação com a democracia existente no país e
aspectos que permitem avaliar o desempenho do sistema, como a avaliação governamental
difusa e a avaliação dos serviços públicos.
Quatro conjuntos de questões foram definidos para mensurar a crítica do cidadão ao
estado de coisas em que vive o país. O primeiro coloca em avaliação o próprio desempenho do
15
regime, através da medida de satisfação com o funcionamento da democracia, o grau de
completude do regime e a validade dos processos eleitorais. O segundo conjunto aborda a
economia nas suas dimensões sociotrópicas retrospectiva, presente e futura; a avaliação da
situação econômica pessoal e familiar, presente, retrospectiva e prospectiva, além da avaliação
da capacidade do salário. O terceiro conjunto baseia-se na hipótese de que a avaliação do
desempenho do regime está associada ao desempenho governamental e, especificamente, com
relação aos serviços públicos, dado que esta é uma relação cotidiana direta dos cidadãos com o
Estado (LISTHAUG, 1998). Finalmente, o quarto conjunto é composto de uma única questão com
avaliação múltipla de itens que avalia o desempenho de instituições públicas e privadas.
Dimensionar a capacidade das instituições exercerem sua função de intermediários entre os
cidadãos e o sistema é central para avaliar o desempenho do regime.
A distribuição simples dos dados para essas variáveis mostra uma percepção crítica
majoritariamente negativa sobre quase todos os fatores indagados nas 13 questões selecionadas
(Tabela 6). Apesar da preferência majoritária pela democracia, observada nas medidas normativas
sobre o regime analisadas no item anterior, os cidadãos são insatisfeitos e críticos sobre o seu
funcionamento no país: apenas 21% são satisfeitos com a democracia, mais de 70% consideram que
a democracia brasileira tem grandes problemas, e pouco mais de 55% consideram que as eleições
são limpas. Este último é um dado a destacar, afinal, nessa variável reside grande parte da
legitimidade do sistema. A percepção negativa atinge a avaliação da atuação de boa parte das
instituições, notadamente o Congresso, os partidos e as leis do país. Destacam-se as avaliações
positivas das instituições privadas, como a Igreja e a televisão mas, sobretudo, cabe salientar a
percepção positiva da atuação das Forças Armadas, com mais de 75%. É fato que ao longo dos 21
anos de democratização, as Forças Armadas foram desvinculadas da política e associadas aos
temas ligados à gestão da segurança e defesa no mapa de referências dos cidadãos; mesmo
assim, com um passado relativamente recente marcado pela ditadura militar, é curiosa a sua
posição no conjunto de instituições avaliadas positivamente.
Com relação à economia, a percepção sobre seu desempenho é positiva em geral, e
destacam-se as perspectivas otimistas declaradas tanto com relação à situação geral do país,
quanto à situação pessoal, assim como a avaliação positiva retrospectiva. Finalmente, a avaliação
positiva dos serviços públicos indica um déficit importante das respostas do estado frente às
demandas da gestão do cotidiano dos cidadãos, com boa parte das avaliações positivas menores
que 50%.
Também buscamos entender a articulação dessas variáveis na composição do
construto do desempenho do regime, e procedemos novamente com a análise multidimensional.
O resultado está exposto na Tabela 7.
16
Tabela 6. Variáveis de avaliação do desempenho do regime
Variáveis
Como considera a democracia no Brasil
Como considera as eleições no Brasil
Satisfação com funcionamento da democracia no
país
Avaliação da economia no governo Lula comparada
ao período anterior
Avaliação da economia do país hoje
Avaliação de economia do país daqui a um ano
Situação econômica pessoal e da família
Situação econômica pessoal e da família daqui a
um ano
Situação econômica pessoal e da família
comparada há 10 anos atras
Capacidade do salário
Avaliação Partidos
Avaliação Congresso
Avaliação Igreja
Avaliação Forças Armadas
Avaliação Polícia
Avaliação Poder Judiciário
Avaliação emissoras de TV
Avaliação Sindicatos
Avaliação Empresários
Avaliação Governo
Avaliação Presidente
Avaliação Bombeiros
Avaliação Leis do país
O Brasil é uma democracia plena
Uma democracia com pequenos problemas
Uma democracia com grandes problemas
O Brasil não é uma democracia
em %
4.5
18,9
70.9
5.7
Eleições são limpas
Eleições são objeto de fraude
(muito satisfeito+satisfeito)
55.1
44.9
21.2
(melhor)
51.1
(boa+muito boa)
(muito melhor + pouco melhor)
(boa+muito boa)
(muito melhor + pouco melhor)
42.7
70.1
49.3
78.5
(melhorou muito + melhorou um pouco)
71.8
suficiente
38.7
19.3
28.9
88.0
75.1
43.6
50.9
78.5
44.7
37.9
40.2
49.7
93.4
35.9
49.5
44.2
38.5
34.8
49.0
50.7
53.1
39.2
34.4
2.004
(ótima+boa)
Avaliação governo Presidente Lula
Avaliação serviços Habitação
Avaliação serviços Polícia
Avaliação serviços saúde
Avaliação serviços educação
Avaliação serviços transporte
Avaliação serviços seguro-desemprego
Avaliação serviços saneamento
Avaliação serviços previdência social
(bom+muito bom)
(bom+ótimo)
N
17
Encontramos uma solução com 6 fatores, que mostram que a avaliação do desempenho
do sistema democrático depende, primeiramente, da avaliação das instituições que embasam o
regime, que compõem exclusivamente o Fator 1, e da avaliação dos serviços públicos, que
compõe exclusivamente o Fator 2. Este cenário indica que para os cidadãos a capacidade de
gestão do sistema é avaliada segundo a gestão pública do cotidiano e as referências institucionais
que conduzem o governo e a representação de interesses.
Neste conjunto de instituições do Fator 1 não figuram as Forças Armadas, que apenas
aparecerão no Fator 4,
o que sugere um efeito importante na formação das referências
institucionais para o funcionamento efetivo do sistema democrático. Figura juntamente neste
fator a avaliação dos bombeiros, indicando que se forma aqui uma referencia geral de avaliação
institucional associada à segurança. Do total de instituições avaliadas, não figuram em toda a
matriz a ‘Igreja’, a ‘Televisão’ e as ‘leis do país’. No Fator 3 estão as variáveis de maior carga de
toda a matriz (maiores que 0.8) e tratam da avaliação do presidente e da economia do país, tanto
retrospectiva quanto prospectiva, sendo que a dimensão econômica pessoal emerge em 2
questões apenas no Fator 5. A disposição dessas variáveis e a força de seu efeito sugerem a
estreita vinculação das percepções sociotrópicas sobre a economia na percepção do desempenho
político. Finalmente, apenas no 6º fator emergem as questões que medem a satisfação com a
democracia e avaliam seu desempenho através dos processos eleitorais e dos problemas
percebidos no país, A capacidade explicativa total do modelo elaborado, de α= 53,5%, está
concentrada sobretudo nos 3 primeiros fatores (α=36,8%), que definem o desempenho do regime
segundo os conjuntos de variáveis que agregam a avaliação da atuação de instituições, o
desempenho dos serviços públicos, e a avaliação geral da economia, associada ao governo do
momento.
Esses dados sugerem a presença de um entendimento razoável das bases de
funcionamento do sistema, em que as instituições e a gestão pública têm papel central.
Entretanto, também sugerem que essas medidas têm primazia sobre a própria percepção da
eficácia democrática, traduzida aqui na percepção dos processos eleitorais e na completude do
regime.
18
Tabela 7. Dimensões do desempenho do regime
1
,579
,593
,749
,708
,601
,687
,667
Aval. Poder Judiciário
Aval. Polícia
Aval. Congresso Nacional
Aval. Partidos
Aval. Sindicatos
Aval. Empresas
Aval. Governo
aval. serviços públicos- habitação
2
3
4
5
6
,634
,570
,753
,724
,719
,598
,653
,658
aval. serviços públicos -polícia
aval. serviços públicos -saúde
aval. serviços públicos –educação
aval. serviços públicos transporte
aval. serviços públicos – seguro-desemprego
aval. serviços públicos – saneamento
aval. serviços públicos – previdência social
Avaliação governo Lula
,813
Aval. economia no governo Lula comparada
Aval. Situação economica atual
Expectativa sobre situação econômica do país
Aval. Presidente
,811
,660
,601
,640
Aval. Forças Armadas
Aval. Bombeiros
Aval. Situação econômica pessoal e familiar
Aval. Capacidade do salário
Satisfação com democracia no país
Brasil é plena democracia ou democracia com
problemas
Eleições brasileiras são limpas ou fraudulentas
Variância explicada
Variância total explicada
,626
,608
,792
,761
13.4% 12.8% 10.7% 6.2%
53.6%
5.7%
,629
,660
,596
4.8%
BREVES CONCLUSÕES
Que papel têm as instituições representativas na constituição do apoio de massa à
democracia no Brasil? Levando-se em conta os resultados de nossas analises, esse papel é menor
do que as teorias sobre a democracia representativa apontariam. Vimos que o apoio político ao
regime, repetindo resultados de estudo sobre período anterior, emerge associado à dinâmica
eleitoral e ao voto e, embora as referências normativas relativas aos partidos e ao Congresso
constituam parte do entendimento sobre o funcionamento do regime democrático, elas não se
articulam diretamente às medidas de eficácia e de atuação no sistema.
19
A comparação entre períodos de situações políticas diversas tem efeito relativo sobre
o construto normativo do apoio ao regime. Provavelmente devido ao processo bem sucedido de
implantação de mecanismos e procedimentos para o funcionamento democrático desenvolvido
ao longo de mais de 20 anos no país, bem como da conquista de patamares positivos de
crescimento econômico, efetivamente percebidos pela população, a comparação entre a situação
presente e o regime autoritário terminado em 1985 perde força como referência para constituir a
preferência e o apoio político à democracia, uma situação distinta do que se observou nas novas
democracias no Leste Europeu no inicio dos anos 1990. No caso brasileiro, as percepções sobre o
governo do momento nas várias dimensões analisadas constituem a principal referência para
avaliação do desempenho do regime, o que por sua vez, condicionam em parte o apoio geral à
democracia.
Embora as instituições representativas ocupem um terreno menos articulado às
noções de apoio ao regime democrático, a avaliação das instituições em geral, incluindo partidos
e congresso, tem papel primordial para o entendimento do desempenho do regime. As
percepções sobre sua atuação, bem como da atuação do estado através da execução dos serviços
públicos, são as principais dimensões constitutivas da satisfação com o desempenho do sistema.
Ainda sobre a satisfação com o desempenho da democracia, os dados sobre os
efeitos da dimensão da economia devem ser ressaltados. A variável de avaliação da situação
econômica do país tem presença permanente no mapa de referências sobre o sistema. Não se
trata de referendar a relação unívoca que define o apoio político como resultante de
considerações econômicas, mas sim, de levar em conta o peso central que essa dimensão tem na
formação de posicionamentos sobre a política e sobre o apoio ao sistema em geral. É plausível
sugerir que, de fato, as políticas econômicas do período democrático, em especifico, as mudanças
promovidas pelo Plano Real exerceram um ‘efeito politizador’ sobre os posicionamentos políticos
dos cidadãos, observados ao menos até 2006.
A aplicação de conceitos e a busca de referências valorativas em uma pesquisa
específica em determinado período tem suas conclusões condicionadas às circunstâncias de sua
realização (ROSE, 2007). A pesquisa de 2006 foi realizada pouco antes do início da campanha
para as eleições gerais daquele ano, e o apoio ao governo do momento _ o primeiro governo
Lula_ , marcado por altos índices de popularidade e com perspectivas sólidas de reeleição,
constituiu um pano de fundo importante para as referências sobre o funcionamento do sistema
em geral. Os achados desta análise devem observados à luz dos condicionantes daquele
momento.
20
Anexo 1
Tabela 1. Valores sobre aspectos do sistema representativo e o presença dos militares
Survey _As Eleições Brasileiras de 1982, IDESP
Uns dizem que: a melhor solução para o Brasil é o
próximo presidente, que vai ser eleito em 1985,
pelo povo, em voto direto. Outros dizem que: a
melhor solução para o Brasil é a eleição indireta
do presidente da República pelo Congresso. Qual
é a sua opinião?
Gostaria de saber sua opinião sobre a atuação do
Congresso, isto é, dos deputados e senadores. O
Sr.(a) acha que eles deveriam ter mais poder do
que tem atualmente, que deve ficar como está
ou que deveriam ter menos poder?
Se o voto não fosse obrigatório, o Sr. votaria
assim mesmo ou não votaria?
Uns dizem que: as discussões e os debates entre
os partidos são inúteis, e que os partidos fazem
mais mal do que bem ao país. Outros acham que:
as discussões entre os partidos ajudam o povo a
compreender muitos problemas e que portanto
prestam um bom serviço ao país. Qual é a sua
opinião?"
1 Concorda mais com o voto direto
80%
2 Concorda mais com o voto indireto
17.8
2,2
3. Discorda de ambas
1 Deveriam ter mais poder
53.1
2 Deve ficar como está
37.4
3 Deveriam ter menos poder
7.1
4 Outras respostas
2.4
1 Votaria
61.3
2 Não votaria
38.7
1. Concorda mais que os partidos são
inúteis
27.2
2 Concorda mais que os partidos prestam
bom serviço
65.8
3 Discorda de ambas
N
7.0
4.322
Obs: Pesquisa coordenada pelo IDESP (Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo)
nas eleições de 1982_ survey realizado em 7 capitais estaduais (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre,
Recife, Salvador, Fortaleza). Banco de Dados do CESOP: IDE/cap82_02603. Ver ainda Souza e Dentzien,
1983.
21
Anexo 2. Questões utilizadas nas análises
multidimensionais
1) Modelo 1- Apoio à democracia
1. O Sr(a) concorda ou discorda com a seguinte
afirmação: A democracia pode ter problemas, mas
é o melhor sistema de governo. o Sr(a) concorda
ou discorda?
9.. Você acha que:
1 A maneira como as pessoas votam pode fazer
com que as coisas
2 Não importa como as pessoas votam, não fará
com que as coisa
2) Modelo 2 _ Apoio à democracia (questões
adicionais)
1) Na sua opinião, o presidente Lula está fazendo
um governo:
1 Muito bom
2 Bom
3 Regular
4 Ruim
5 Muito Ruim
2. Gostaria que o Sr(a) me dissesse com qual
dessas três afirmações o Sr(a) concorda mais
a) A democracia é sempre melhor do que qualquer
outra forma de governo.
b) Em certas circunstâncias, é melhor uma ditadura
do que um regime democrático.
c) Tanto faz se o governo é uma democracia ou
uma ditadura.
2) E quanto à situação econômica do Brasil no
governo Lula - desde janeiro de 2003 - Você diria
que a situação econômica do país melhorou,
piorou ou ficou igual ao que era antes?
1 Melhorou
2 Ficou igual
3 Piorou
3. Tem gente que acha que sem partidos políticos
não pode haver democracia, outras pessoas acham
que a democracia pode funcionar sem partidos
políticos. O que você acha?
a) Sem partidos não pode haver democracia
b) A democracia pode funcionar sem partidos
4.O que é melhor, um presidente da República
que...?
a) Seja identificado com um partido político ou
b)Um presidente que não dê importância para os
partidos
3)E durante o governo FERNANDO HENRIQUE entre janeiro de 1994 e dezembro de 2002 - Você
diria que a situação econômica do país melhorou,
piorou ou ficou igual em relação ao que era antes?
4) E em comparação com os últimos 10 anos dos
governos militares, no tempo dos generais Geisel e
Figueiredo, Você diria que a situação econômica
atual ... ao que era antes?
5) Falando dos direitos humanos, a situação,
durante o governo de FERNANDO HENRIQUE ... em
relação ao que era antes?
6) E no governo de Lula, você diria que a situação
dos direitos humanos ... em relação ao que era
antes?
7) E em comparação com os últimos 10 anos dos
governos militares no tempo do generais Geisel e
Figueiredo, a situação atual dos direitos humanos
no Brasil ...:
8) Falando de corrupção e tráfico de influência: No
governo FERNANDO HENRIQUE essas coisas ... ao
que era antes?
9)E no governo Lula, falando de corrupção e tráfico
de influência, as coisas ... ao que era antes?
era antes?
10) E em comparação com os últimos 10 anos dos
governos militares no tempo dos generais Geisel e
Figueiredo, à corrupção e tráfico de influência, as
coisas ... ao que era antes?
5.. Na sua opinião, os partidos políticos são
a)Indispensáveis à democracia
b)Só servem para dividir as pessoas
c)Outras respostas
6. O Congresso Nacional é formado por deputados
federais e senadores eleitos pelo povo. Tem gente
que acha que sem Congresso Nacional não pode ter
democracia, enquanto outras pessoas acham
a) Sem Congresso Nacional não pode haver
democracia
b) A democracia pode funcionar sem Congresso
Nacional
7.. Você acha que o Brasil precisa do Congresso
Nacional, isto é, da Câmara de Deputados e do
Senado, ou nós poderíamos passar bem sem ele?
a) O país precisa da Câmara dos Deputados e do
Senado
b) Poderíamos passar bem sem a Câmara de
Deputados e Senado
8) Se o voto não fosse obrigatório, você votaria
nas próximas eleições para Presidente da
República?
Sim
Não
22
3) Modelo sobre avaliação do desempenho
democrático
1) Você diria que está muito satisfeito, satisfeito,
pouco satisfeito ou nada satisfeito com o
funcionamento da democracia no Brasil?
3 Regular
4 Ruim
5 Muito Ruim
9) E nos próximos 12 meses, você acha que a sua
situação econômica e da sua família será ... que a
situação econômica que vocês tem hoje?
1 Muito melhor
2 Um pouco melhor
3 Igual
4 Um pouco pior
5 Muito pior
10)Pensando em sua situação econômica de hoje e
comparada com a de 10 anos atrás, você diria que
ela ... em relação ao resto dos brasileiros?
1 Melhorou muito
2 Melhorou um pouco
3 Permaneceu igual
4 Piorou um pouco
5 Piorou muito
2) Como você acha a democracia no Brasil? uma
democracia plena, uma democracia com pequenos
problemas, uma democracia com grandes
problemas, ou o Brasil não é uma democracia1 O
Brasil é uma democracia plena
a) Uma democracia com pequenos problemas
b) Uma democracia com grandes problemas
c) O Brasil não é uma democracia
d) Não sei o que é uma democracia
3) Na sua opinião, o presidente Lula está fazendo
um governo:
1 Muito bom
2 Bom
3 Regular
4 Ruim
5 Muito Ruim
11) O salário que você ganha e o total de
rendimentos de sua família lhe permite cobrir
satisfatoriamente suas necessidades? Por favor,
me indique em qual das seguintes situações Você
se encontra?
1 É suficiente, permite economizar
2 É suficiente, não tenho grandes dificuldades
3 Não é suficiente, tenho dificuldades
4 Não é suficiente, tenho grandes dificuldades
4) E quanto à situação econômica do Brasil no
governo Lula - desde janeiro de 2003 - Você diria
que a situação econômica do país melhorou,
piorou ou ficou igual ao que era antes?
1 Melhorou
2 Ficou igual
3 Piorou
12)Como você avalia os serviços públicos do pais
em ao relação serviço de (...) Você acha que é:
Habitação
Saúde
Transportes
Polícia
Educação
Seguro-desemprego
Esgoto e saneamento
Previdência social
5) Você acredita que as eleições no Brasil são
limpas ou são objeto de fraude?
1 As eleições são limpas
2 São objetos de fraude
6) Como você avalia a situação econômica do país
hoje?
1 Muito boa
2 Boa
3 Regular
4 Ruim
5 Muito Ruim
13) Gostaria que você avaliasse a atuação de cada
uma das seguintes instituições
Igreja
Forças armadas
Poder judiciário
Polícia
Congresso Nacional
Partidos políticos
Televisão
Sindicatos
Empresários
Governo
Presidente
Bombeiros
Leis do país
7) E no próximo ano, a situação econômica do país
será:
1 Muito melhor
2 Um pouco melhor
3 Igual
4 Um pouco pior
5 Muito pior
8) A sua situação econômica atual e a de sua
família é:
1 Muito boa
2 Boa
23
IV.
DESAFIOS DA MAIORIDADE DAS ELEIÇÕES DEMOCRÁTICAS1
JOSÉ ÁLVARO MOISÉS
In memoriam de Maria Dalva Kinzo2
INTRODUÇÃO
Vinte e um anos após a primeira eleição para presidente da República depois do
retorno da democracia no Brasil, 135 milhões de eleitores escolheram o governo do país
para os próximos quatro anos, em 3 de outubro de 2010; ao mesmo tempo, escolheram os
representantes encarregados de defender seus interesses e preferências no parlamento.
Nem sempre eleições majoritárias e proporcionais coincidiram no país, mas os resultados
dessas duas décadas de ciclos eleitorais regulares, previsíveis e livres – controlados por um
órgão de monitoramento independente como a Justiça Eleitoral - apontam para a
consolidação de duas características fundamentais do regime democrático, a participação
do demos e a contestação política (DAHL, 1971). Enquanto no primeiro caso a expansão do
sufrágio no país, em comparação com as últimas eleições do período democrático anterior,
representou a inclusão quase da totalidade da população adulta na polity (ver gráfico 1), a
intensa competição política dos anos 90 e desta década deu origem ao atual
multipartidarismo, um sistema não tão moderado quanto suas origens prenunciavam, mas
capaz de garantir a alternância no governo de diferentes contendores políticos (KINZO,
2004; RODRIGUES, 2002).
Temos razões de sobra, portanto, para celebrar a consolidação da democracia
eleitoral no país. A participação eleitoral dos brasileiros, apoiada na valorização do voto
como meio de influir nos negócios públicos - como revelado por diferentes pesquisas de
opinião (MOISÉS, 1995; 2008A; MENEGUELLO, 2010) -, indica que os cidadãos estão hoje
mais mobilizados para exercer a sua cidadania política, embora se mostrem também, em
aspectos bastante importantes, mais críticos e mais severos no julgamento da vida pública
do que no início da democratização. O regime democrático brasileiro convive, assim, com
1
Capítulo de livro organizado pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo para celebrar 20 anos de eleições
democráticas no Brasil (Imprensa Oficial de São Paulo, no prelo).
2
Maria Dalva Kinzo foi professora do Departamento de Ciência Política da USP (1987-2009) e, especialista no
estudo do sistema partidário, escreveu importantes contribuições sobre os partidos políticos brasileiros.
1
um paradoxo: enquanto a participação e a adesão normativa à democracia tem sido
crescentes nas últimas duas décadas3, os índices de desconfiança de instituições
democráticas verificados desde os primeiros anos após o fim do ciclo autoritário
permanecem elevados e, em alguns casos, têm aumentado significativamente, sinalizando
a existência no Brasil de uma cisão na percepção pública da democracia como um ideal e
como realização prática. O fenômeno não diz respeito à credibilidade em eleições, mas
coloca em questão o desempenho de algumas instituições cujos mandatos são preenchidos
através delas4. A questão se refere menos à saudável desconfiança de quem governa
(titulares de cargos executivos e representantes) - importante para monitorar o seu grau de
responsividade5 -, e mais à descrença do como ou do modo de funcionar de instituições cuja
missão é assegurar e tornar efetivos direitos de cidadania.
A desconfiança política atinge quase todas as instituições públicas brasileiras, mas
ela é particularmente mais severa no caso dos partidos políticos e do parlamento6. Por isso,
ao atingirmos a maioridade do ciclo de eleições democráticas do país, isso aponta para um
desafio para a democracia representativa: embora usualmente haja cooperação entre os
poderes republicanos, o executivo e o legislativo não têm as mesmas funções institucionais
no regime de separação de poderes e, para bem desempenhar o que deles se espera, têm
de preservar a autonomia e a independência entre ambos; já quanto aos partidos políticos,
além de funcionar como elementos de agregação e articulação de interesses e preferências
dos eleitores, espera-se que operem como elo de mediação entre a sociedade civil e o
Estado. As funções de agregação e de articulação per se são insuficientes se não forem
completadas por aquelas de expressão e representação da contraditória diversidade que
caracteriza as sociedades complexas e desiguais como o Brasil. Isso significa que, ao
atuarem no parlamento em nome dessa diversidade, levando para dentro do sistema
político as demandas e aspirações tanto da maioria como das minorias (MILL, 1964), não se
espera que os partidos funcionem apenas na arena decisória, como garantia de
3
Pesquisas de cultura política realizadas pelo autor entre 1989 e 2006 mostram que, um ano após a promulgação
da Constituição de 1988, apenas 46% dos entrevistados preferiam a democracia à ditadura, mas esse índice cresceu
ao longo das últimas duas décadas e alcançou mais de 74% em 2006 (Moisés, 2008a).
4
A pesquisa “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2005-2009), coordenada por José Álvaro
Moisés e Rachel Meneguello da Unicamp, mostrou que as instituições do executivo, do legislativo e do judiciário são
objeto de altos índices de desconfiança dos brasileiros, em alguns casos, ultrapassando 2/3 dos entrevistados. O
acesso ao banco de dados pode ser obtido através de solicitação ao NUPPs/USP.
5
Responsividade (responsiveness) é o conceito utilizado pela literatura anglo-saxão para se referir à obrigação de
governos e representantes de tomar decisões quanto a políticas públicas em consonância com as demandas e
expectativas dos membros da comunidade política.
6
Dados de survey nacional realizado no âmbito da pesquisa citada na nota 3 indicam que, em 2006, mais de 78%
dos entrevistados desconfiavam do Congresso Nacional e cerca de 82% desconfiavam dos partidos (Moisés, 2010a).
2
governabilidade de alianças ou coalizões governamentais formadas no presidencialismo de
coalizão (ABRANCHES, 1988; SANTOS, 2003; CINTRA, 2007).
Governabilidade é um requisito indispensável da governança democrática, como
corretamente têm observado alguns analistas (FIGUEIREDO E LIMONGI, 1999), mas o seu
preço não pode ser os partidos e os parlamentos deixarem de exercer plenamente as suas
funções no sistema de accountability que compõe a estrutura da democracia
representativa; nesse regime, as instituições de representação complementam a chamada
accountability vertical - isto é, o escrutínio direto dos governantes exercido pelos eleitores
através do voto. Aos partidos e parlamentos são atribuídas funções constitucionais de
controle e fiscalização do exercício do poder e da responsabilização de quem governa
perante a opinião pública e o judiciário – trata-se, nesse caso, da accountability horizontal, à
qual ainda se soma a accountability social (O´DONNELL, 2005; SMULOVITZ E PERUZZOTTI,
2005). Enquanto a accountability vertical supõe algum grau de informação e conhecimento
dos eleitores do que está em jogo nas disputas eleitorais, a accountability horizontal implica
na inexistência de obstáculos ou estímulos à inação na relação do legislativo com o
executivo e, ao mesmo tempo, na capacidade dos partidos de sinalizarem para a sociedade
as alternativas existentes de manutenção ou mudança do status quo. São mecanismos
institucionais complementares que perdem o seu sentido se um deles faltar.
Eleições democráticas, competitivas e livres, como as que o país vem realizando nas duas
últimas décadas, são um elemento essencial da complexa dinâmica política que diferencia a
democracia de suas alternativas. Por um lado, asseguram a inclusão do demos, nos termos
de Dahl (1971), e, por outro, dão expressão às diferentes perspectivas existentes na
sociedade através da organização de partidos (BOBBIO, 2000). Uma pergunta, no entanto,
deriva desse quadro: consolidada a democracia eleitoral no país, ela é suficiente para
assegurar as expectativas que a sociedade deposita no regime democrático como um ideal?
Este capítulo pretende discutir a relação entre democracia eleitoral e democracia efetiva no
quadro das mudanças políticas ocorridas no país nos últimos 21 anos. A preocupação
central do texto é com as implicações dos avanços eleitorais para o aperfeiçoamento da
democracia representativa e, em particular, para a avaliação de alguns dos principais
problemas enfrentados pelo sistema partidário e pelo parlamento no Brasil. O texto está
organizado em três seções: a primeira discute as inovações analíticas introduzidas pela
abordagem da qualidade da democracia em relação às definições usuais do conceito; a
segunda retoma as análises de autores como Kinzo (2004) e Nicolau (2002) sobre as
implicações da participação eleitoral no Brasil contemporâneo; e a terceira debate alguns
dos principais problemas envolvidos na relação entre partidos e parlamento após a
3
democratização. A conclusão aponta para a atualidade da reforma política como meio de a
democracia representativa enfrentar os seus desafios no momento em que o ciclo de
eleições democráticas do país chega à sua maioridade.
A QUALIDADE DA DEMOCRACIA
A experiência internacional confirma que eleições são indispensáveis para a
existência da democracia, mas a análise dos processos de democratização dos últimos 40
anos, em várias partes do mundo, mostrou que elas não garantem per se a instauração de
um regime político capaz de assegurar princípios fundamentais como o primado da lei, o
respeito aos direitos civis, políticos e sociais dos cidadãos e o controle e a fiscalização de
governos. Apesar de sinalizar que o antigo regime terminou e que, doravante, a escolha de
quem governa está submetida ao princípio da soberania popular, a vigência de eleições não
tem impedido que, em vários casos, mesmo evoluindo no sentido de garantir a
governabilidade, democracias eleitorais não atendam necessariamente a todos os critérios
segundo os quais um sistema político autoritário se transforma em democrático. No Leste
Europeu, na Ásia e na América Latina, países que consolidaram processos eleitorais
competitivos convivem com a existência de governos que violam os princípios de igualdade
perante a lei, usam a corrupção e a malversação de fundos públicos para realizar objetivos
privados e dificultam ou bloqueiam o funcionamento dos mecanismos de accountability
vertical, social e horizontal. Nesses casos, o que está em questão não é se a democracia
existe, mas a sua qualidade (SHIN, 2005; MORLINO, 2002; DIAMOND E MORLINO, 2005;
O’DONNELL, CULLELL E IAZETTA, 2004; SCHMITTER, 2005; LIPJHART, 1999).
É por essa razão que a definição de democracia voltou a ocupar o debate político
contemporâneo. Apesar das controvérsias herdadas do século XIX, a literatura sobre as
experiências recentes de democratização classificou-a como um fenômeno de natureza
multidimensional que envolve eleições, diferentes instituições e a cultura cívica dos
cidadãos. Enquanto o significado mais usual de democracia, na literatura especializada, se
refere preferencialmente aos procedimentos e aos mecanismos competitivos de escolha de
governos através de eleições, outras abordagens do fenômeno democrático ampliaram a
compreensão do conceito, incluindo tanto as suas dimensões institucionais como aquelas
que se referem aos conteúdos da democracia e os seus resultados práticos no terreno da
economia e da sociedade.
4
Sob a influência das abordagens minimalista de Schumpeter (1961) e
procedimentalista de Dahl (1971), vários autores definiram a democracia em termos de
participação, competição e contestação pacífica pelo poder. Assim, o estabelecimento de
um regime democrático implicaria basicamente em condições mínimas como: 1) direito dos
cidadãos escolherem governos por meio de eleições com a participação de todos os
membros adultos da comunidade política; 2) eleições regulares, livres, competitivas e
abertas; 3) garantia de direitos de expressão, reunião e organização, em especial, de
partidos políticos para competir pelo poder; e 4) acesso a fontes alternativas de informação
sobre a ação de governos e o processo político. Essa definição explicita porque qualquer
sistema político que não se baseie em processos competitivos de escolha de autoridades
públicas, capazes de torná-las dependentes do voto da massa de cidadãos, isto é, do
mecanismo de accountability vertical, não pode ser considerado uma democracia.
Mas a ênfase minimalista de Schumpeter e de seus seguidores é vulnerável ao que
outros autores classificaram como “falácia eleitoralista”, isto é, a tendência de se privilegiar
as eleições sobre outras dimensões da democracia (KARL, 2000). De fato, ao definir a
democracia essencialmente como um método de escolha de governos entre elites que
competem pela posição, a vertente minimalista dá pouca importância ao que acontece com
as demais instituições durante a democratização. Instituições como o parlamento, os
partidos, o judiciário ou a polícia podem funcionar de forma deficitária ou incompatível com
a doutrina da separação de poderes, mesmo convivendo com um regime de regras
eleitorais. Exemplos recentes são os casos da Rússia, do Irã, do Paquistão e, no contexto
latino-americano, do Peru sob Fujimori, da Bolívia e do Equador na fase de decisão de suas
novas constituições, e da Venezuela sob Chávez. Nesses casos, freqüentemente a oposição
não apenas tem sido impedida de competir em condições de igualdade – o que contraria os
critérios das abordagens citadas antes - como não encontra amparo em instituições como a
policia judiciária, o ministério público, o próprio poder judiciário ou o parlamento, quando,
por exemplo, restrições à liberdade de imprensa e/ou à mídia eletrônica constrangem o
direito de participação e o acesso dos cidadãos a informações alternativas sobre o processo
político.
Por outra parte, ao discutir os procedimentos democráticos, Robert Dahl (1971)
ampliou a definição do conceito com sua análise das poliarquias, mostrando que para que o
princípio de contestação do poder esteja assegurado é também indispensável que a
participação dos cidadãos na escolha de governos seja universal e assegure a possibilidade
de que eles próprios possam ser escolhidos para formá-los. Outra característica central da
democracia, para o autor, é a exigência de responsividade de governos e lideranças políticas
5
diante dos cidadãos. Essas condições envolvem garantias relativas ao direito de
organização e representação da sociedade civil, em especial, em partidos políticos, através
dos quais se supõe que a pluralidade de concepções e interesses que constituem a
sociedade possam se expressar. Mas elas implicam também na necessidade de que
princípios internalizados em instituições – como a noção de equilíbrio entre poderes ou o
respeito aos direitos de minorias – sejam garantidos por uma constituição aceita como
legítima pela sociedade, ou seja, pela dimensão jurídico-legal relativa a valores
compartilhados pela maioria dos membros da comunidade política. Embora essa visão faça
referência a conteúdos da democracia, a sua ênfase mais importante são os procedimentos
democráticos, cujo funcionamento depende da existência e do desempenho de instituições
criadas para esse fim.
Uma perspectiva concorrente, embora complementar às outras, define a
democracia em termos de sua qualidade, tornando mais central o foco nos conteúdos do
regime democrático. Utilizando-se de uma analogia com o funcionamento do mercado, o
conceito refere-se à qualidade do produto ou serviço produzido segundo procedimentos,
conteúdos e resultados singulares. A qualidade envolve processos controlados por
métodos e timing precisos, singulares, capazes de atribuir características específicas ao
produto ou serviço oferecido para satisfazer as expectativas de seus consumidores
potenciais. No caso da democracia, espera-se que esse regime seja capaz de satisfazer as
expectativas dos cidadãos quanto à missão que eles atribuem aos governos (qualidade de
resultados); à garantia de seus direitos de associação e de gozo da liberdade e da igualdade
políticas necessárias para que possam alcançar seus interesses e preferências (qualidade de
conteúdo); e à existência de mecanismos institucionais, de escolha de governantes e de
checks and balances, destinados a capacitar os cidadãos a avaliar e julgar o desempenho de
governos e de representantes escolhidos (qualidade de procedimentos). Instituições e
procedimentos são vistos, então, como meios de realização de princípios, conteúdos e
resultados esperados pela sociedade do processo político. Além disso, a exigência de
participação dos cidadãos envolve a existência de graus de cultura cívica capazes de
legitimar e dar vitalidade ao sistema.
Com base nesses pressupostos, Diamond e Morlino (2005) identificaram oito
dimensões segundo as quais a qualidade da democracia pode variar. As cinco primeiras
correspondem a regras de procedimentos, embora também sejam relativas ao seu
conteúdo: o primado da lei, a participação e a competição políticas, e as modalidades de
accountability (vertical, social e horizontal); as duas seguintes são essencialmente
substantivas: de um lado, o respeito por liberdades civis e os direitos políticos e, de outro,
6
como conseqüência do anterior, a garantia de igualdade política e de seus correlatos, como
a igualdade social e econômica; por último, é mencionado um atributo que integra
procedimentos a conteúdos, ou seja, a responsividade de governos e dos representantes,
por meio do que os cidadãos podem avaliar e julgar se as políticas públicas, assim como o
funcionamento prático do regime (leis, instituições, procedimentos e estrutura de gastos
públicos) correspondem aos seus interesses e preferências. Embora esta perspectiva defina
a democracia fundamentalmente em termos dos seus princípios e conteúdos mais
importantes, o que supõe a percepção dos cidadãos a seu respeito, fica claro que ela faz a
integração de procedimentos institucionais a conteúdos, sem deixar de se referir aos
resultados práticos do regime com base no pressuposto de que a igualdade social e
econômica pode ser alcançada se e quando a igualdade política for efetiva. A noção de
qualidade da democracia tem exigências, portanto, que vão além da simples
institucionalização de eleições livres e competitivas; essas são meios de afirmar e garantir
direitos de cidadania em decorrência da participação popular, mas também, fator propulsor
de condições institucionais que estabelecem o equilíbrio entre os poderes e a obrigação de
governos e representantes prestarem contas de suas ações; é quanto a isso que o papel
dos partidos políticos e do parlamento é indispensável.
IMPLICAÇÕES DA PARTICIPAÇÃO ELEITORAL
Sem precedentes na história do país, a expansão do sufrágio a partir de 1982 quando se realizaram as primeiras eleições diretas para governos de Estados, após a
interrupção imposta pelo regime autoritário (1964-1985) -, é um marco da democratização
brasileira. Nesse sentido, três questões são examinadas a seguir: a expansão do eleitorado
brasileiro nesse período, o impacto dessa expansão para o advento da democracia, e os
limites da participação eleitoral em uma sociedade marcada por desigualdades econômicas
e sociais.
Contrastando com o fato de que menos da metade da população adulta era
apta a votar nas eleições de 1960 (15,5 milhões), o eleitorado em 1982 tinha crescido quase
quatro vezes, representando agora perto de 60% da população adulta do país (59 milhões).
Mas o crescimento mais expressivo de eleitores potenciais ocorreu após a universalização
do direito de voto estabelecida com a inclusão política dos analfabetos em 1985, direito que
se ampliou ainda mais com a Constituição de 1988, a qual reduziu para 16 anos a idade
mínima para votar (embora o voto seja facultativo para os que não atingiram 18 anos de
idade). A obrigatoriedade do voto, tornando compulsória a inscrição e a participação
7
eleitoral, está na base do crescimento observado, mas a inclusão de novos contingentes na
comunidade política resultou de pressões para o aprofundamento do processo de
democratização.
Como mostram os dados do gráfico 1, em 1989, na primeira eleição presidencial
após o fim do ciclo militar, o Brasil já tinha mais de 82 milhões de eleitores, ou seja, cinco
vezes a mais do que em 1960 e quase 25 milhões a mais do que nas eleições de
governadores em 1982; entre 1994 e 2002, o número de eleitores chegou a 94 milhões, e
atingiu 125 milhões nas eleições de 2006; em abril de 2010, segundo informações do
Tribunal Superior Eleitoral, estavam aptos a exercer o direito de voto nada menos que 134
milhões de brasileiros, totalizando agora 95% da população adulta. Isso faz do Brasil uma
das cinco maiores democracias de massa do mundo, só comparável a países como a Índia,
Estados Unidos, Indonésia e Federação Russa (embora onde o voto é voluntário, como nos
Estados Unidos, o comparecimento dos eleitores raramente ultrapasse 50%). A primeira
grande implicação dessa realidade é que o advento da democracia eleitoral de massas no
Brasil - qualificada pelo aperfeiçoamento da legislação relativa ao controle da tutela, da
compra de votos e dos gastos eleitorais, e pelo criterioso monitoramento da Justiça
Eleitoral -, acelerou a dissolução – malgrado algumas poucas sobrevivências - de estruturas
oligárquicas de poder, outrora associadas ao coronelismo, ao patrimonialismo e à influência
de chefes políticos locais (LEAL, 1993; VIANNA, 1952). O crescimento do número de
eleitores não elimina per se tais fenômenos, mas torna muito mais difícil e complexa a
possibilidade de tutela sobre o voto ou o uso aberto de corrupção eleitoral7.
7
Afora o crescimento do eleitorado, a corrupção eleitoral no país vem sendo cada vez mais enfrentada devido à
promulgação da Lei de Improbidade Administrativa, de 1999, resultado de uma iniciativa popular, da mesma forma
que a chamada Lei da Ficha Limpa que acaba de ser aprovada pelo Congresso Nacional. Com base na primeira, o
Tribunal Superior Eleitoral cassou o mandato de 3 governadores e inúmeros prefeitos acusados de compra de votos;
com base na segunda, pessoas que infringiram a lei não poderão se candidatar. Tais avanços mostram que a cultura
política dos brasileiros está em mudança, que a reforma política é possível e está sendo realizada por iniciativa da
sociedade civil com apoio da Justiça Eleitoral [com base em instrumentos como a iniciativa popular de lei (vide a
respeito, Moisés, 1990)].
8
Gráfico 1 - Eleitorado Brasileiro 1960 - 2010
Fonte: TSE
Mas a ampliação do sufrágio a partir de 1982 tem de ser vista tanto em sua
dimensão quantitativa como qualitativa. Impulsionado pelas transformações que estavam
ocorrendo na economia e na sociedade nos anos 70 e 80, com a intensificação dos
processos de industrialização e urbanização do país, o crescimento do eleitorado, que
agora recuperava parcialmente seus direitos políticos, levou ao aprofundamento do
significado plebiscitário que as eleições vinham adquirindo desde 1974, quando, pela
primeira vez, em mais de 10 anos, o regime autoritário foi derrotado pela oposição
parlamentar, representada pelo MDB, nas eleições para o Senado Federal. Em 1982, quando
algumas regras eleitorais foram liberalizadas pelo regime, sob pressão da sociedade, foram
eleitos vários governadores oposicionistas, como Franco Montoro, em São Paulo, e
Tancredo Neves, em Minas, aos quais, junto com o deputado paulista Ulisses Guimarães,
coube liderar nos anos seguintes a mais expressiva mobilização política de massas da
história brasileira, o movimento por “Diretas Já”, que propugnava pelo direito de os
presidentes da República serem escolhidos pelo voto popular. Embora a emenda
constitucional que abolia o voto indireto não tenha sido aprovada pelo Congresso Nacional,
onde o governo militar tinha maioria, o movimento ampliou as bases sociais de apoio da
oposição parlamentar e de algumas das suas principais lideranças, as quais conduziriam o
processo de negociações que marcaram a transição política e levaram à instalação da Nova
República, em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves para a presidência da
República (LAMOUNIER, 2005).
9
Os maiores contingentes de eleitores brasileiros estavam concentrados, agora,
nas grandes cidades e, nos anos seguintes, passaram a exercer influência decisiva nos
resultados das eleições. Mesmo considerando-se que a maioria desse novo eleitorado
detinha níveis muito baixos de escolaridade e, em conseqüência, níveis limitados de
informação política, ao se deslocar da zona rural e das pequenas cidades do Brasil profundo
para os centros urbanos médios e metropolitanos, esse eleitorado passou a decidir as
eleições (KINZO, 2004). Esse foi o cenário político-geográfico que deu origem ao
ressurgimento da sociedade civil e a emergência de novos movimentos sociais - como o
chamado “novo sindicalismo” (MOISÉS, 1982) e o associacionismo das novas corporações
profissionais (LAMOUNIER, 2005) -, os quais, surgidos em grande parte no Estado de São
Paulo, deram origem, com base na participação de trabalhadores industriais e da classe
média, aos que viriam a ser alguns dos mais importantes partidos da política brasileira
contemporânea, o PT e o PSDB. Em anos recentes, essa concentração geográfica do
eleitorado nas áreas mais modernizadas do país, do ponto de vista econômico e social,
traduziu-se também na concentração de quase 60% dos eleitores, como mostra a tabela 1,
nos estados das regiões Sudeste e Sul do país. Isso explica, embora não exclusivamente, o
fato de em 16 anos de um total de duas décadas de democracia o país ter sido governado
por presidentes paulistas que, ao mesmo tempo, foram fundadores daqueles dois partidos.
Tabela 1 . Eleitorado Brasileiro por Região (2010)
Região
Eleitorado
%
SUDESTE
58.384.124
44
NORDESTE
36.091.327
27
SUL
20.091.480
15
NORTE
9.796.530
7
CENTRO-OESTE
9.547.231
6,92
EXTERIOR
169.825
0,09
TOTAL
Fonte: TSE (abril de 2010)
134.080.517
100
A universalização da participação eleitoral, no entanto, tem limites que devem
ser considerados. O voto obrigatório no Brasil envolve uma importante controvérsia por ele
ser visto, às vezes, como um dever prejudicial à liberdade de participação dos cidadãos. Um
dos aspectos mais críticos disso se refere ao comparecimento dos eleitores ou ao que
10
alguns autores chamaram de não-participação (NICOLAU, 2002). Embora as taxas de
entrevistados de pesquisas de opinião que afirmam que votariam mesmo se o voto não
fosse obrigatório oscilem entre 45 e 50% desde meados dos anos 80 (MOISÉS, 1995), os
percentuais de eleitores que votam em branco ou anulam seu voto é considerado
excessivamente alto, e devido, em parte, à obrigatoriedade do voto e aos baixos níveis de
escolaridade do eleitorado. Na primeira democracia de massas (1946-1964), a taxa de votos
brancos e nulos oscilou abaixo de 10% dos votantes, mas quando em 1962 a Justiça Eleitoral
introduziu uma cédula oficial para as eleições proporcionais, não sendo mais permitida a
utilização de cédulas oferecidas pelos partidos como antes, a proporção de eleitores que
votou em branco ou anulou seu voto saltou para quase 18%; durante o regime militar essa
taxa cresceu mais, chegando a 22%, mas em 1970, quando houve uma intensa campanha a
favor da anulação do voto como forma de protesto contra o regime, votos brancos e nulos
somaram mais de 30% do total. Ou seja, fatores políticos, além daqueles ligados a
dificuldades dos mecanismos eleitorais, influíram nos resultados.
Após a democratização, no entanto, as taxas foram particularmente altas nas
eleições para a Câmara dos Deputados, saltando de 28% em 19868 para quase 44% em 1990 e
mais de 41% em 1994, algo que diferenciava o comportamento dos eleitores em eleições
proporcionais e aquelas para cargos majoritários. Muitas vezes essa diferença foi
interpretada como desinteresse dos cidadãos por instituições como a Câmara dos
Deputados, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais, mas os índices de votos
brancos e nulos começaram a cair a partir de 1998, quando foi introduzido o voto eletrônico
no país, o que reduziu drasticamente a complexidade do ato de votar e a possibilidade de
fraudes; desde então as taxas oscilaram entre 20%, naquele ano, e 10,% em 2006, com clara
tendência de queda; um dos aspectos mais importantes dessa mudança reside no fato de
que o declínio de votos brancos e nulos foi acompanhado de um significativo crescimento
de votos dados a candidatos ou partidos políticos, revelando novo interesse dos eleitores
nos objetos de sua escolha eleitoral. Em sua análise, Nicolau (2002) sustentou que a taxa de
não-participação dos eleitores brasileiros era muito alta quando comparada - com base em
eleições legislativas dos anos 90 -, com as taxas de outros países onde o voto também é
compulsório e, mais ainda, com as taxas de países em que esse direito é voluntário:
enquanto a média de não-participação de 53 países, naqueles anos, não ultrapassava a 3,6%,
a média dos demais países de voto obrigatório era de 7,4%, mas o Brasil sustentava taxas
8
A cédula utilizada a partir de 1986, antes da introdução da urna eletrônica, foi considerada uma das mais
complexas do mundo, pois, além de solicitar um grande número de escolhas de parte do eleitor, supunha que ele
escrevesse o nome do candidato em quem desejava votar, o que esbarrava nos limites representados pela baixa
escolaridade da maioria do eleitorado (NICOLAU, 2002).
11
em torno de 20% que, contudo, nas eleições da primeira década do século atual diminuíram
(ver gráficos e tabelas na seção seguinte).
Gráfico 2 . Votação para a Câmara dos Deputados 1982 – 2006
Fonte: TSE
Uma forma alternativa de medir a participação eleitoral consiste em observar a
taxa de abstenção dos eleitores, isto é, o percentual dos que não comparecem sobre o total
de eleitores oficialmente inscritos. Em vinte anos de eleições para a Câmara dos Deputados,
apesar das oscilações verificadas, essa taxa se multiplicou por mais de três: foi 5% em 1986,
14,2% em 1990, 17,2% em 1994, 21,4% em 1998, 17,7% em 2002 e 16,7% em 2006, segundo dados
do TSE. O não-comparecimento, no entanto, tem de ser examinado com cautela, pois, com
base no que estabelece a lei, os eleitores faltosos podem justificar a sua ausência, indicando
que o seu absenteísmo não significa necessariamente uma decisão de não participar; os
dados disponíveis, contudo, mostram que enquanto nas eleições de 1989 e 1990 o
percentual dos faltosos que se justificou foi de pouco mais de 60% a cada ano, em 1998
menos de 27% apresentou justificação por não ter ido votar, e em 2000, só 32% o fizeram.
Isso sugere que um contingente de 2/3 dos absenteístas, nesses últimos anos, não quis ou
não tinha razões para justificar a sua ausência; por isso, se a título de hipótese se admitir
que metade deles não compareceu por não desejar participar do processo eleitoral, as
taxas de não-participação, somando os votos brancos, nulos e a outra metade das
abstenções, chegariam em 2002 a 16% e, em 2006, a quase 19%. Nicolau (2002) observou
que, comparada à de outros países, a taxa de abstenção brasileira é “normal”, mas a
12
avaliação hipotética sugerida antes mostra que essa conclusão sobre o comportamento
eleitoral dos brasileiros é discutível.
Embora a obrigatoriedade do voto possa explicar parte desse quadro, uma vez
que seu caráter compulsório poderia ser responsável pela decisão de parte dos eleitores de
protestarem votando em branco, anulando seu voto ou simplesmente se abstendo, esse
não é o único fator que conta. Os analistas têm apontado - além da complexidade da cédula
ou dos modos de votação em diferentes eleições -, os baixos níveis de escolaridade da
maior parte dos inscritos como causa de rasuras, erros, sinais de anulação, o voto em
branco ou mesmo a abstenção (NICOLAU, 2002; KINZO, 2004). As diferenças de acesso à
educação constituem fator apontado também pela literatura internacional para explicar a
participação eleitoral em outros países e, no caso do Brasil, elas traduzem as enormes
desigualdades econômicas e sociais que ainda caracterizam a sociedade brasileira. Como
mostra a tabela 3, o contingente de eleitores, na atualidade, que se declaram analfabetos,
alfabetizados funcionais e detentores do 1º. grau incompleto de escolaridade chega a 54%,
mas, se a eles foram somados os que não informaram o seu grau de instrução (0.12%) e os
que apenas completaram o 1º. grau (7,6%), esse contingente chega a 62%.
Tabela 2. Eleitorado Brasileiro por Gênero e Escolaridade – 2010
Grau de instrução
Masculino
%M/T
Feminino
%F/T
Não
%N/T
informado
Total
%T/TT
Não informado
70.422
45.8
78.875
51.05
5.195
3.36
154.492
0.12
Analfabeto
3.736.497
46.72
4.248.426
53.13
11.927
15
7.996.850
5.96
Le e Escreve
10.020.506 50.54
9.721.426
49.03 84.394
43
19.826.326
14.79
22.606.913 50.72
21.943.371
49.23
23.895
.05
44.574.179
33.24
50.9
8.727
9
10.245.379
7.64
Primeiro
Incompleto
Primeiro
Completo
Segundo
Incompleto
Segundo
Completo
Superior
Incompleto
Superior
Completo
Total
Grau
Grau
Grau
Grau
5.019.396
48.99 5.217.256
11.806.207 47.13
13.241.958
52.86
4.120
.02
25.052.285
18.68
7.330.184
41.88
10.162.696 58.07
8.271
5
17.501.151
13.05
1.686.038
46.07
1.972.337
53.89
1.405
4
3.659.780
2.73
2.180.169
43
2.887.450
56.95
2.456
5
5.070.075
3.78
150.390
11
134.080.517 99.99
64.456.332 48.07
69.473.795 51.81
Fonte:TSE
13
É um contingente muito grande de cidadãos que, chamados a participar de
escolhas que afetam decisivamente as decisões sobre políticas públicas, contam com
recursos limitados para exercer seus direitos políticos. A sua experiência política, ao longo
da vida adulta, ajuda-os por certo a enfrentar as dificuldades decorrentes das exigências de
participação, mas a educação, mesmo sem implicar automaticamente em alta cognição
política, é uma porta de entrada para que os eleitores tenham algum senso crítico quanto
ao desempenho de seus governantes e representantes. A accountability vertical depende
disso, e não é por outra razão que a literatura especializada tem chamado a atenção, nos
últimos anos, para os riscos envolvidos na combinação de formas exacerbadas de
presidencialismo, como existe em vários países da América Latina, com polities constituídas
por eleitores com níveis muito baixos de escolaridade. Ao contrário de uma perspectiva
elitista, diferentes analistas chamaram a atenção para os riscos de neopopulismo
associados com as experiências em que os eleitores mais pobres e menos escolarizados
abrem mão de seu protagonismo político em troca de depositar confiança, às vezes cega ou
ilimitada, em lideranças que se apresentam como sendo as únicas alternativas possíveis de
avanços econômicos e sociais em seus países (mesmo quando estiveram envolvidas em
corrupção) [CARNEIRO, 2008; MOISÉS, 2010B].
Nesse sentido, cabe discutir a enorme discrepância existente nas respostas
dadas por alguns dos principais responsáveis diante desse desafio: enquanto a Justiça
Eleitoral, particularmente nos três ou quatro últimos pleitos, tem realizado um competente
trabalho de persuasão dos eleitores potenciais, através de campanhas na TV, para fazê-los
usar conscientemente os seus direitos de cidadania política, o sistema educacional
brasileiro falha quase que completamente, não só pelos limites à universalização do acesso,
mas particularmente no ensino de 2º. grau – ao menos enquanto mudanças curriculares não
foram possíveis9 -, na sua missão de introduzir os mais jovens no conhecimento do sistema
democrático e dos direitos civis, políticos e sociais que ele implica. Longe de uma
perspectiva ideológica ou normativa em sentido estrito, a informação e o ensino a respeito
do complexo funcionamento do regime democrático podem ajudar os eleitores a se
qualificar para interagir com instituições complexas como a justiça, o parlamento ou os
conselhos de saúde, educação, meio ambiente, etc, para exercer seus direitos de cidadania.
Essa tarefa terá de ser enfrentada pelos governos democráticos, nos próximos anos, e
talvez a Justiça Eleitoral sensibilize, com seu exemplo, as autoridades educacionais para
9
Após a aprovação, pelo Congresso Nacional, da inclusão de sociologia e filosofia nos currículos do 2º. grau, alguns
estados, como São Paulo, passaram a incluir conteúdos que fazem referência aos direitos de cidadania e alguns
aspectos do sistema política, mas os resultados dessa mudança ainda não apareceram porque ela foi introduzida
em 2009.
14
essa necessidade. Mas na democracia não é apenas o sistema educacional que tem
responsabilidades quanto à educação cívica: a sociedade civil organizada, como os
sindicatos, as igrejas e a mídia impressa e eletrônica, têm papel singular na qualificação dos
eleitores e, nesse sentido, a responsabilidade dos partidos políticos é insubstituível. Os
partidos se constituem em um atalho que diminui os custos de informação dos eleitores
diante de escolhas políticas difíceis, mas isso não impede que, através de sua prática, de sua
auto-justificação pública e, em especial, de programas específicos de ação educativa (cursos
de formação, publicações, programas de TV, debate público, etc) também contribuam para
a formação cívica dos eleitores. A condição para isso, além de sua representatividade, é que
sejam autônomos e se disponham a exercer tal função.
PARTIDOS E PARLAMENTOS NO PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO
O atual sistema partidário começou a surgir em 1979 quando os dirigentes do
regime militar quiseram se livrar do bipartidarismo e dividir a oposição agrupada no MDB. A
reforma política que deu origem ao pluripartidarismo levou à criação, além do PDS (em
lugar da antiga Arena) e do PMDB (no lugar da oposição parlamentar), do Partido dos
Trabalhadores - PT, Partido Trabalhista Brasileiro – PTB e Partido Democrático Trabalhista –
PDT. Afora o PDS, constituído majoritariamente por lideranças do Norte, Nordeste e outras
regiões, e do PDT de Brizola, do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, surgido por causa de
uma disputa interna do trabalhismo, é notável que tenham sido criados em São Paulo o PT e
mesmo o PTB de Ivete Vargas, além de grande parte do PMDB. Como observado antes, foi
nesse Estado que surgiram as expressões mais significativas da sociedade civil organizada, e
a reorganização partidária refletiu essa nova realidade. Em 1986, nas eleições que
escolheram os constituintes, outros dois partidos foram registrados, o PCB e o PCdoB,
pondo fim à interdição da organização política dos comunistas que vinha desde os anos 40;
tratava-se, até esse momento, de um pluripartidarismo moderado, cuja fragmentação
pouco afetava o desempenho dos partidos na arena eleitoral. Nessa fase, a constituição
dessas novas siglas sinalizou a emergência de novas identidades políticas capazes de
sensibilizar parte significativa dos eleitores: quase metade dos entrevistados de pesquisas
de opinião nessa época declarava ter alguma identidade partidária (MOISÉS, 1995). Mas as
regras de organização dos partidos aprovadas na constituinte – em contrapartida às
imposições
do
período
autoritário
–
criaram
exigências
muito
brandas
de
representatividade para sua organização e representação no parlamento, facilitando assim
o surgimento de dezenas de novas agremiações nem sempre dotadas de perfil político
15
próprio e de elementos de diferenciação entre elas: entre 1982 e 1994, competiram em
eleições legislativas 68 partidos e, no final de 1995, 23 agremiações estavam representadas
no Congresso; nas eleições seguintes, embora tenha havido pequenas reversões, os
partidos somavam perto de três dezenas e, em 2010, eles eram 27, segundo o TSE. O
número efetivo de partidos, no entanto, tem oscilado no período recente entre 7 a 9, o que
reduz em parte os efeitos eleitorais de exacerbação do multipartidarismo, mas ainda torna
discutível a classificação do sistema partidário brasileiro como moderado10. A razão disso é
que, embora a existência de muitos partidos em si não envolva necessàriamente restrições
ao funcionamento do sistema político, em contextos caracterizados por maiorias de
eleitores com níveis muito baixos de escolaridade, em que a informação é uma condição da
participação popular, a existência de legendas que pouco se diferenciam entre si ou apenas
sobrevivem através das coligações que integram não facilita o processo de escolha dos
eleitores11.
A literatura especializada tem analisado o desempenho dos partidos com base
na sua atuação em duas arenas específicas, a decisória e a eleitoral. Enquanto na primeira
se trata do papel dos partidos como atores que compartilham com os governos a
formulação e as decisões de implementação de políticas públicas, para o que a legitimidade
adquirida em eleições é uma condição essencial de sua capacidade de negociar decisões
tomadas nas esferas executiva e parlamentar, na arena eleitoral os partidos competem pelo
apoio dos eleitores com o objetivo de adquirir posições de poder, mas, para isso, têm de ser
reconhecidos por eles como elos efetivos entre a sociedade civil e o Estado, pois é “por
meio desse mecanismo (...) que se forma a cadeia que vincula os cidadãos às arenas
públicas de tomada de decisões” (KINZO, 2004, P. 25). Nesse sentido, a identificação entre
eleitores e partidos é fundamental mas, na experiência brasileira recente, isso enfrenta um
limite considerável representado pelos efeitos da fragmentação que, ao constranger as
condições de formação do que Lamounier (2005) chamou de fixação estrutural do sistema
partidário – um requisito da accountability vertical -, estimula a migração (ou
“transfugismo”) de parlamentares eleitos por partidos de menor expressão para aqueles
que formam a base de apoio parlamentar utilizada pelo executivo para governar; nesse
sentido, a fragilização partidária é estimulada pela atuação de governos cujos partidos de
apoio não alcançam maioria nas eleições legislativas e que, a exemplo do que ocorreu no
10
Elaborado por Marku Laakso e Rein Taagepera (1979), o índice de partidos efetivos leva em conta o peso das
maiores agremiações em relação ao das menores, traduzindo melhor a situação do sistema partidário. Uma
controvérsia interessante sobre o tema pode ser encontrada em Nicolau (2005).
11
Para uma discussão das controvérsias envolvidas nessas e outras questões a respeito do sistema partidário
brasileiro vide Rodrigues (2002).
16
primeiro mandato do presidente Lula da Silva, formam a coalizão de governo mesmo com
partidos cujo perfil ideológico e programático discrepa completamente daquele do partido
do presidente; mas o problema não se refere somente a esse governo: entre 1983 e 1999,
de um total de 2.329 deputados federais, entre titulares e suplentes, 686 (quase 30%)
migraram para outras legendas; em 1994, mais de 64% dos 513 deputados tinham trocado
de partido ao menos uma vez (NICOLAU, 1996, APUD RODRIGUES, 2002) e, entre 2003 e
2005, 237 parlamentares, estimulados a isso, trocaram de partido, anulando a significação
do voto dados a eles pelos eleitores (RODRIGUES, 2002; LAMOUNIER, 2005); mesmo
considerando, como mostraram alguns autores, que a maior parte das migrações ocorre
dentro de blocos ideológicos supostamente semelhantes, a tendência fragiliza a conexão
entre eleitores e partidos. Essa situação, no entanto, pode estar começando a mudar com
uma recente decisão da Justiça Eleitoral em 2008, segundo a qual o mandato pertence ao
partido e não aos parlamentares, o que poderá inibir o “transfugismo”. Mas ainda será
necessário esperar alguns anos para se conhecer os efeitos dessa mudança.
Agrava ainda mais a situação descrita o sistema eleitoral proporcional adotado
no Brasil: como abundantemente discutido pela literatura, distorções importantes tornam a
distribuição de cadeiras desproporcional, com Estados da federação, a exemplo de São
Paulo, em que são necessários mais votos do que em outros para eleger um parlamentar
(SOARES, 1973; KINZO, 1981; LIMA JUNIOR, 1993; NICOLAU, 1991). O sistema proporcional
brasileiro, a despeito da recente decisão do TSE, personaliza a escolha dos representantes
populares: como cada partido pode apresentar listas abertas de candidatos até uma vez e
meia o número de cadeiras de cada Estado-distrito eleitoral (no caso de São Paulo, mais de
uma centena), além da possibilidade de coligações que praticamente dobram esse número,
o eleitor se vê à frente de várias centenas de opções para fazer sua escolha sem que, afora
escassos dados pessoais dos candidatos, conte com uma efetiva referência política para
orientar o seu voto. A conseqüência disso é que os votos dispersos que recebem em
distritos de dimensões muito grandes não apenas dificulta a identificação dos
parlamentares sobre qual é a sua constituency, à qual devem prestar contas de seu
trabalho, como cria uma distância quase intransponível entre representantes e
representados, os quais, além de rapidamente perderem a memória de a quem dedicaram
seu voto, tornam-se incapazes de exercer qualquer controle sobre os eleitos. Somam-se a
essas dificuldades as regras de cálculos de coeficiente eleitoral, coeficiente partidário e
sobras eleitorais, o que muitas vezes leva a ocuparem cadeiras parlamentares candidatos
17
diferentes daqueles votados pelos eleitores (e, no caso das coligações, candidatos de
partidos diferentes dos escolhidos por eles)12 [NICOLAU, 2003; DESPOSATO, 2007].
Malgrado os efeitos negativos desse quadro, cabe mencionar, no entanto, que a
introdução do voto eletrônico, em 1998, vem sinalizando uma importante mudança na
tendência tradicional dos eleitores de darem mais atenção a cargos majoritários do que a
legislativos: como mostram as tabelas 4, 5 e 6 adiante, a partir das eleições daquele ano a
curva dos votos válidos para deputados federais, estaduais e vereadores praticamente
encontrou aquela correspondente aos votos para presidentes da República, governadores
de Estados e prefeitos (enquanto as curvas de abstenção caíram). Isso pode significar que,
diferente das interpretações mais usuais, a consolidação do processo eleitoral nos últimos
20 anos e o aperfeiçoamento da forma de votar estão contribuindo para tornar os eleitores
mais atentos aos objetos de sua escolha e, assim, potencialmente, mais interessados no seu
desempenho, o que, por si, pressiona os partidos e parlamentos a enfrentarem o desafio de
resolver os limites existentes quanto à conexão eleitoral e a representação política13.
Gráfico 4 . Votos Válidos para Presidente, Deputados Federais e Senadores - 1989-2006
Fonte: TSE
12
O coeficiente eleitoral é obtido dividindo-se o total de votos válidos (por exemplo, para Câmara dos Deputados)
pelo número de cadeiras; o coeficiente partidário dividindo-se o total de votos dados aos partidos (ou coligações)
pelo coeficiente eleitoral; em uma primeira etapa, um partido recebe tantas cadeiras quantas vezes atingiu o
coeficiente eleitoral; como sobram cadeiras, nas etapas subseqüentes essas são distribuídas segundo a fórmula
D´Hondt, ou seja, o total de votos de cada partido (ou coligação) é dividido pelo número de cadeiras obtidas mais
um; os partidos com as maiores médias recebem as cadeiras não alocadas na primeira etapa. Isso significa que o
voto dado aos candidatos mais votados de um partido serve para eleger os menos, sem que o eleitor tenha
expresso essa vontade; no caso de coligações, o voto do eleitor em um partido pode levar a eleger candidatos de
outro partido; em ambos os caso, as regras fragilizam a representação.
13
A desatenção dos eleitores aos órgãos legislativos pode contribuir para a queda da qualidade do desempenho dos
mesmos, seja porque isso diminui a fiscalização e o controle da sociedade sobre eles, seja porque instituições pouco
operantes não atraem os melhores entre os quadros disponíveis, mas a observação de que a atenção às eleições
presidenciais leva o eleitor a descuidar das legislativas não tem mais amparo nos fatos, ao contrário do que acredita
Abramo (FSP, 19/6/2010, p. A14).
18
Gráfico 5 . Votos válidos para Governadores e Deputados Estaduais - 1989-2006
Fonte: TSE
Gráfico 6 . Votos válidos para Prefeitos e Vereadores - 1996-2004
Fonte: TSE
Ao mesmo tempo, em que pesem os fatores críticos mencionados antes, no que
se refere à arena propriamente decisória, uma série de pesquisas recentes tiveram grande
impacto ao demonstrar que, diferente das análises mais tradicionais, como resumido por
Rodrigues (2002), o exame do comportamento dos parlamentares na Câmara dos
Deputados revela um alto índice de disciplina quanto à orientação de seus líderes,
refletindo-se em forte coesão de seus partidos. Figueiredo e Limongi (1999; 2003) estão
entre os autores que mais contribuíram para mudar os rumos do debate sobre o sistema
19
partidário brasileiro, mostrando que o comportamento dos partidos no Congresso
corresponde a um claro alinhamento ideológico, com cerca de sete partidos dispondo-se no
continum direita-esquerda; no período analisado (1989-1993 e 1989-1998), os partidos do
mesmo bloco ideológico votaram de modo similar, embora com diferenças de
comportamento no interior dos partidos: os deputados da esquerda foram mais
disciplinados do que os da direita e do centro. Os pesquisadores apuraram ainda que a
probabilidade de que um parlamentar votasse obedecendo a orientação de seu partido
chegava a perto de 0,90, o que, segundo seus cálculos, permitia predizer o resultado de
cerca de 94% das votações nominais na Câmara dos Deputados (FIGUEIREDO E LIMONGI,
1998, APUD RODRIGUES, 2002; NICOLAU, 2002). Esses resultados reduzem, com efeito,
mas sem anular completamente, os efeitos da fragmentação partidária.
A partir desses achados, os autores mencionados redefiniram o chamado
presidencialismo de coalizão no Brasil: diferente da tese original de Abranches (1988), que
elencava um conjunto de fatores institucionais causadores de risco permanente de
instabilidade política, especialmente, de paralisia decisória derivada de relações
conflituosas entre o executivo e o legislativo, o país teria consolidado um sistema político
que, semelhante ao parlamentarismo, asseguraria não apenas a capacidade do executivo
de ter os seus projetos de leis e de políticas aprovados pelo parlamento, mas também o
domínio quase absoluto dos presidentes sobre a agenda política do parlamento. Os
constituintes de 1987-88 decidiram, de fato, manter as prerrogativas outorgadas ao
presidente da República pelo regime autoritário de 1964-1985 no que tange ao direito de
iniciar legislação. A exemplo do antigo decreto-lei, eles institucionalizaram o poder
exclusivo do executivo de emitir medidas provisórios capazes de alterar de imediato o
status quo; confirmaram a prerrogativa unilateral dos presidentes de introduzir legislação
tributária e o orçamento da união e, no mesmo sentido, ampliaram a sua competência
quanto à organização administrativa do Estado, às decisões sobre os efetivos das forças
armadas e às medidas de política externa, como tratados internacionais (ABRANCHES,
1988; AMORIM NETO E SANTOS, 1997). Em poucas palavras, as análises mostraram que os
presidentes brasileiros podem iniciar com exclusividade legislação em áreas específicas e
forçar unilateralmente a sua apreciação pelo legislativo, utilizando-se para isso tanto de
prerrogativas constitucionais - pedidos de urgência na votação de matérias do seu interesse
ou emissão de medidas provisórias com força de lei -, como de procedimentos regimentais
que centralizaram o processo de tomada de decisões no Congresso Nacional em mãos das
mesas diretoras e do Colégio de Líderes. Os presidentes podem, assim, impedir que
eventuais minorias parlamentares venham a se constituir em veto-players capazes de
20
dificultar ou bloquear as suas iniciativas. Além disso, o executivo sempre tem em mãos,
além da distribuição de cargos aos partidos que formam a sua base de apoio, a liberação
das emendas individuais dos parlamentares apresentadas quando da aprovação do
orçamento federal.
A supremacia do executivo sobre o parlamento tem sido tão grande que acabou
por transformá-lo, e não o Congresso Nacional, no grande legislador no Brasil. A despeito das
vantagens que isso implica segundo as abordagens que priorizam o papel do executivo, a
questão tem implicações para a qualidade da democracia e, em especial, para as funções de
fiscalização e controle que cabem ao parlamento e aos partidos políticos; diante de incentivos
institucionais tão eficazes para que os parlamentares componham a maioria governativa, é
duvidoso que reste espaço, quando isso é necessário, para a crítica e a correção de posições do
executivo. Mesmo autores como Figueiredo e Limongi (2003) admitem que o sistema é tão
eficiente em impor restrições à atuação especificamente legislativa dos parlamentares que
limita a sua eficácia institucional: “o Congresso Nacional atou as próprias mãos”, segundo eles,
ao aceitar uma configuração institucional que delega a iniciativa e o poder de agenda ao
executivo. Ainda assim, eles sustentam que não se trata de abdicação, pois os parlamentares
podem aprovar as iniciativas dos governos ou deixar de fazê-lo, mas o fato é que as
proposições de iniciativa dos parlamentares limitam-se a algumas políticas distributivistas,
localistas ou regionalistas, todas incapazes de alterar o status quo econômico e social do país.
Por isso, nas palavras de outro analista, o diagnóstico é o de um processo de “encarceramento
ou travamento” do parlamento, em vista da contradição observada entre os parâmetros
constitucionais - que asseguram a divisão de poderes -, e os procedimentais adotados pelo
parlamento, o que comprometeria parte de sua autonomia (SANTOS, 2003; CINTRA, 2007).
Nesse sentido, um levantamento recente do Núcleo de Pesquisa de Pesquisa de
Políticas Públicas da USP14 constatou que do total de iniciativas legislativas aprovadas pela
Câmara dos Deputados entre 1995 e 2006, envolvendo tanto a produção de leis como decisões
sobre políticas públicas, menos de 15% tiveram origem no parlamento, enquanto 85,5% das
proposições levadas a votação no plenário foram iniciadas pelo executivo. Outro
levantamento, do site Congresso em Foco, confirmou o quadro ao constatar que, em março de
2010, 2.472 projetos estavam acumulados nos plenários da Câmara e do Senado, embora
2.438 deles já estivessem em condições de ser levados à deliberação nas duas casas
legislativas (o total excluiu requerimentos, pareceres e decisões de escolha de autoridades).
14
A pesquisa “O Congresso Nacional no Contexto do Presidencialismo de Coalizão”, realizada com apoio da
Fundação Konrad Adenauer, foi coordenada por José Álvaro Moisés e resultou no e-book recém lançado pelo
Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP O Papel do Congresso Nacional no Presidencialismo de Coalizão,
cujo download pode ser feito no site www.usp.br/nupps.
21
Segundo o levantamento, 2.135 proposições formavam o que foi designado como “matérias na
fila” na Câmara dos Deputados e 337 no Senado Federal, formando um universo de iniciativas
cuja tramitação, levando-se em conta a dinâmica dos procedimentos atualmente adotados
pelo Congresso, tomaria 1 ano e ½ no caso do Senado e cerca de 10 no caso da Câmara dos
Deputados15. A pesquisa constatou, ainda, que, no período entre 1995 e 2006, a duração de
tramitação de projetos submetidos à Câmara dos Deputados pelo executivo e pelo legislativo
apresentou uma discrepância tão grande que questionou a eficácia da ação parlamentar no
curso de cada legislatura. Enquanto a média de tramitação das iniciativas do executivo foi de
271,4 dias, ela atingiu 964,8 no caso do legislativo, ou seja, quase quatro vezes mais; enquanto
os parlamentares não conseguiram aprovar nenhum projeto de sua iniciativa no mandato de
um presidente, o executivo fez isso em cerca de nove meses16. É preciso levar em conta, no
entanto, que a situação pode estar começando a mudar: com a reinterpretação das regras de
trâmite das medidas provisórias no Congresso, introduzida pelo presidente da Câmara,
deputado Michel Temer, do PMDB, elas continuam trancando a pauta das sessões ordinárias e
a votação dos projetos de lei, mas não a pauta das sessões extraordinárias, nas quais emendas
à Constituição, leis complementares, decretos legislativos e resoluções podem ser votados.
Isso, em parte, liberou a pauta da Câmara dos Deputados e, se isso se confirmar ao longo do
tempo, representará uma mudança importante17.
A questão, no entanto, não se refere apenas à capacidade do executivo de
assegurar a governabilidade, entendida como a garantia de que a vontade e os projetos dos
governos sejam aprovados, mas à possibilidade efetiva de que os parlamentares possam
exercer a sua missão de representação, inclusive, quando se tratar de discordar das
proposições do executivo ou quando tiverem que negar seu apoio a esse poder em defesa
de interesses de minorias contra imposições da maioria. Parte da literatura recente tem
sido pródiga em apontar as vantagens das relações entre executivo e legislativo no
contexto do presidencialismo de coalizão, mas os problemas derivados, por uma parte, dos
limites ainda existentes quanto à conexão entre partidos e eleitores e, por outra, de um
15
O levantamento do Congresso em Foco refere-se às 2.472 matérias que tramitaram nos plenários da Câmara e do
Senado até o dia 29 de março de 2010. A fonte das informações é a Secretaria Geral da Mesa da Câmara e a página
do Senado no site do Congresso, e foram coligidas sob orientação de servidores da Secretaria Geral da Mesa da CD
e outros (www.congressoemfoco.org.br).
16
Vide Relatório de pesquisa “O Congresso Nacional no contexto do Presidencialismo de Coalizão” (NUPPs/USP,
2010).
17
A Câmara dos Deputados, segundo Temer, alcançou um recorde nas votações de 2009, com 230 proposições ao
longo do ano. “Pela primeira vez desde 2001, o plenário aprovou mais propostas de iniciativa de parlamentares do
que do executivo. Foram 46 de autoria de deputados e senadores ante 42 do governo (...) A essas matérias somamse 124 projetos de decreto legislativo, em sua maioria acordos internacionais. As comissões permanentes da
Câmara ainda aprovaram uma quantidade recorde de 341 projetos de lei em caráter conclusivo, ou seja, sem a
necessidade de votação pelo Plenário” (Temer, www2.camara.gov.br/presidência).
22
legislativo quase que estritamente reativo (em relação às iniciativas dos governos) e pouco
operante em face das expectativas dos cidadãos, raramente foram incluídos nas análises
mencionadas antes. Da perspectiva da qualidade da democracia, isso introduz um déficit
analítico para o qual esse texto chama a atenção. Vários casos de democracias consolidadas
mostraram, no entanto, que o conceito de governabilidade se refere à capacidade do
governo de governar compartilhando escolhas e decisões com as assembléias de
representantes.
DISCUSSÃO
Este capítulo partiu do exame das implicações da consolidação da democracia
eleitoral no Brasil e, ao mesmo tempo, dos desafios que a maioridade das eleições
democráticas impõe para as instituições de representação, em especial, os partidos e os
parlamentos. O texto analisou o impacto da universalização do sufrágio no país para o
processo de democratização e, ao mesmo tempo, examinou a permanência de problemas
associados com os baixos níveis de escolaridade do eleitorado e seus reflexos para a
participação eleitoral. Em vista das exigências dessa participação e da accountability
vertical, e, ao mesmo tempo, dos altos índices de avaliação negativa que aos cidadãos
fazem dos partidos e dos parlamentos, o trabalho examinou criticamente os reflexos para a
qualidade da democracia de algumas características do funcionamento e do desempenho
das instituições de representação no contexto do presidencialismo de coalizão. Por um
lado, se verificou que, em que pese a continuidade de relativa fragmentação partidária no
país, os partidos são mais coesos e disciplinados do que a literatura tradicional avaliava e,
ao mesmo tempo, são a base em que se apóiam as maiorias parlamentares para dar
sustentação aos governos do período democrático (com exceção do governo Collor); por
outro, foram observados os efeitos que a combinação da relativa fragmentação partidária,
“transfugismo” de parlamentares, limites do sistema de eleições proporcionais e
desempenho quase que estritamente reativo do parlamento (em face das iniciativas
governamentais) têm para o aperfeiçoamento da democracia no país. O exame dessas
questões e do desequilíbrio das relações entre executivo e legislativo focalizou os
problemas derivados daí para o adequado funcionamento dos mecanismos de
accoutanbility horizontal no país. A democracia eleitoral está consolidada no país, mas a sua
dimensão representativa enfrenta problemas que ainda precisam ser mais bem
equacionados.
23
Recentemente tem predominado entre parte dos analistas brasileiros a tendência
de considerar que, em vista do fato de que ao longo dos últimos 21 anos as instituições têm
funcionado com razoável harmonia, mesmo apresentando distorções ou limites
importantes no seu funcionamento, pouco ou nada haveria para mudar ou para aperfeiçoar
o sistema democrático vigente. A discussão apresentada neste capítulo rema contra essa
corrente e, embora sem desconhecer os avanços verificados, advoga uma atitude crítica em
face dos limites da democracia representativa existente no país. “As implicações (da
situação) para a qualidade da democracia estão no terreno normativo. Embora essa possa
ser uma discussão pouco afeita ao debate que hoje domina a ciência política brasileira, não
há porque evitá-la. Além disso, não se conhece, até o momento, meios alternativos de
construção e consolidação de uma forma democrática de convivência política capazes de
substituir os mecanismos institucionais que são os pilares das democracias ocidentais”
(KINZO, 2004, p. 36). Nesse sentido, os problemas apontados neste capítulo reatualizam o
debate da reforma política. Não há tempo e espaço para tratar de forma substantiva dessas
reformas neste texto, mas cabe indicar a atualidade de algumas propostas. Os temas vão
desde medidas destinadas a assegurar a fidelidade partidária, a representatividade mínima
para que os partidos tenham direito a representação no Congresso Nacional, a adoção de
listas fechadas de candidatos e de distritos eleitorais menores (com ou sem a adoção do
chamado sistema distrital misto), a correção da proporcionalidade, o financiamento de
campanhas eleitorais até a recuperação de prerrogativas pelo poder legislativo em face do
presidencialismo de coalizão. Não se trata de reformar o sistema político por completo, mas
introduzir mudanças que, de uma parte, permitam estabelecer o equilíbrio entre os poderes
executivo e legislativo e, de outra, assegurem aos cidadãos-eleitores o seu direito de terem
traduzidas, na estrutura institucional do país, os interesses e preferências que expressam
através do seu voto. Para isso, são importantes partidos que, além de disciplinados e
coesos no parlamento, sejam capazes de efetivamente se conectar com os anseios da
sociedade, e parlamentos que, afora garantirem a necessária governabilidade, abriguem
tanto as demandas da maioria como das minorias, sem abrir mão de sua missão de fiscalizar
e controlar o exercício do poder.
24
V.
MÍDIA E APOIO POLÍTICO NO BRASIL1
NUNO COIMBRA MESQUITA
INTRODUÇÃO
Com a democracia brasileira já tendo ultrapassado o marco de seus 20 anos –
considerando sua nova constituição democrática e as primeiras eleições presidenciais
diretas após o regime militar - o apoio ao regime passa por sua melhor fase. Em 1989
apenas 44% dos brasileiros acreditavam ser essa a melhor forma de governo. Em 2006
esse número cresceu para 71% (MOISÉS, 2008). O apoio político é fundamental para
entender a qualidade do regime democrático. Após a democracia se espalhar para a
maioria dos países do mundo, a atenção dos estudiosos tem se voltado mais para esse
aspecto do que para a análise das transições propriamente ditas (DIAMOND E MORLINO,
2004).
Perspectivas teóricas que lançam luz sobre o tema são variadas, seja enfatizando
valores políticos ou orientações normativas dos cidadãos (ALMOND E VERBA, 1963;
INGLEHART, 2002), seja valorizando o desempenho real dos governos e suas instituições
(COLEMAN, 1990; NORTH, 1990). Sem desconsiderar essas hipóteses, destaca-se a
importância de uma outra dimensão a ser analisada: o papel dos meios de comunicação
de massa.
A mídia tem sido apontada tanto como a responsável por fomentar o cinismo e a
desconfiança entre os cidadãos (PATTERSON, 1998; CAPPELLA E JAMIESON, 1997;
MERVIN, 1998), quanto como importante vetor de fornecimento de informações capazes
de promover o engajamento do cidadão com a democracia (NORRIS, 2000; NEWTON,
1999). Seja qual for a perspectiva adotada perante a mídia, a informação acerca das
instituições nos meios de comunicação é peça constitutiva do instrumental à disposição
dos cidadãos para que se posicionem ante elas, para além das experiências concretas que
possam ter. O que se pode dizer então, sobre o papel desempenhado pelos meios de
1
Este trabalho é parte de um projeto de pós-doutorado sobre mídia e apoio político no Brasil, desenvolvido
junto ao Departamento de Ciência Política da USP e financiado pela Fapesp (processo 08/57470-0). Uma primeira
o
versão deste texto foi apresentada no 7 Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política - ABCP, Recife-PE;
4 – 07/08/10. Agradeço a leitura cuidadosa e sugestões do Prof. José Álvaro Moisés e Rogério Schlegel.
1
comunicação para a qualidade da democracia? Mais especificamente, como o apoio
público ao regime democrático é afetado pelas informações veiculadas pela mídia?
Defende-se aqui a idéia de uma dupla multidimensionalidade do fenômeno. Por
um lado, o apoio público à democracia compreende dimensões distintas. As pessoas
podem se mostrar deferentes ao regime democrático per se, mas desconfiarem de suas
instituições; podem aderir à comunidade política, mas estarem insatisfeitos com o
funcionamento da democracia como ela se apresenta ou, ainda, avaliarem mal suas
instituições. Por outro lado, essa multidimensionalidade também se aplica aos meios de
comunicação. As informações contidas em – bem como o alcance potencial junto ao
público – não são os mesmos em um jornal de qualidade ou em um telejornal. Na
televisão, existem programas de entretenimento com características diversas, cada qual
com o potencial de se relacionar distintamente com o entendimento que o cidadão tem
sobre os assuntos do Estado.
O objetivo desse capítulo é analisar as inter-relações entre essas diferentes
dimensões, onde se propõe que a mídia não pode ser vista de maneira uníssona. Dessa
forma, propõe-se que os meios de comunicação possuem papel plural para atitudes
democráticas, a depender tanto da dimensão de apoio político, quanto do meio do qual
se está falando. Em vista disso, este trabalho concentra sua análise em duas variáveis da
mídia: a audiência televisiva e o telenoticiário, além de em três dimensões importantes
para a qualidade democrática. Quer se saber se essas duas variáveis da mídia estão
associadas positivamente ou negativamente à adesão democrática, ao vínculo dos
cidadãos ao Estado Nação e à aceitação dos partidos políticos como elemento necessário da
democracia. Para isso, utilizam-se dados do survey “A Desconfiança dos Cidadãos das
Instituições Democráticas” (2006).
Este capítulo discute inicialmente os conceitos de qualidade democrática e de
apoio político, tratando as diferentes abordagens sobre o papel dos meios de
comunicação para a democracia. Diferenciam-se a teoria dos efeitos negativos e a teoria
da mobilização para, logo após, abordar hipóteses empiricamente verificáveis dessas
perspectivas teóricas. Em seguida, apresentam-se as análises relativas ao papel da
televisão - seguidas pelos dados referentes ao telejornal - para o apoio político.
Finalmente, avaliam-se alguns fatores que podem interagir com as informações da mídia
para a formação de atitudes políticas. As considerações finais buscam refletir sobre o
papel desempenhado pelos meios de comunicação para a qualidade democrática.
2
MÍDIA E APOIO PÚBLICO À DEMOCRACIA
Dentre as várias inter-relações que os meios de comunicação podem ter com
processos políticos contemporâneos e que suscitam curiosidade acadêmica, está seu
impacto sobre a qualidade da democracia. A investigação da qualidade dos regimes foi
impulsionada após a terceira onda de democratização e também depois de sinais de
crescente insatisfação com o funcionamento concreto das democracias mais antigas.
Dessa forma, aumentou o esforço acadêmico com o intuito de investigar como de fato
funcionam os regimes, superando os questionamentos de por que as transições
ocorreram. Diamond e Morlino (2004) definiram o império da lei, a competição, a
participação, accountabilities vertical e horizontal e societal, a liberdade, a igualdade e a
responsividade como dimensões cruciais para a qualidade da democracia. Esses autores
sugerem que a qualidade do regime varia tanto mais quanto as dimensões mencionadas
interagem e articulam-se entre si.
Destaca-se aqui a dimensão da responsividade. Como diz respeito à consonância
entre as políticas adotadas pelos representantes eleitos com os anseios dos cidadãoseleitores, relaciona-se com o grau de satisfação com o desempenho do regime e a
legitimidade que lhe atribuem os participantes da comunidade política. Sob essa
perspectiva, portanto, é crucial ao entendimento da qualidade da democracia o estudo
do apoio público ao regime. O problema do apoio público à democracia compreende
dimensões diferentes. A idéia original de Easton (1965) acerca do apoio difuso – relativo à
atitude em relação ao sistema como um todo – e específico – referente à satisfação dos
cidadãos com o desempenho dos governos e de lideranças políticas – tem sido retomada
e ampliada por alguns autores.
Para não confundir as diferentes dimensões institucionais que compreendem o
apoio político, alguns autores propuseram a análise de cinco níveis desse tipo de atitude:
o apoio à comunidade política (relacionado ao vínculo dos cidadãos ao Estado-nação e
geralmente medido pelo sentimento de orgulho da nacionalidade); ao regime
democrático per se (referente à adesão dos cidadãos à democracia como um ideal, ligado
a valores como liberdade, o império da lei, participação e tolerância); ao desempenho real
do sistema democrático medido pela satisfação com o regime; às instituições democráticas
(mensurado pela confiança depositada nas instituições públicas) e aos atores políticos
(referente à avaliação de líderes e políticos) (NORRIS, 1999; MOISÉS E CARNEIRO, 2010).
O apoio político, levando em conta essas diferentes dimensões, tem variado em
regimes consolidados. Enquanto o apoio à comunidade e aos princípios democráticos
3
permaneceu alto, a confiança nos políticos e a avaliação do desempenho do sistema
democrático têm caído em muitas democracias consolidadas e também nas mais jovens
(NORRIS, 1999; DALTON, 1999). No Brasil, o apoio público ao regime apresenta um
quadro paradoxal. Enquanto a adesão à democracia como ideal atinge 2/3 dos cidadãos –
tendo aumentado desde 1989, quando atingia cerca de metade – a confiança nas
instituições, a avaliação dos principais atores e a satisfação com o funcionamento do
regime democrático possuem níveis inversos (MOISÉS, 2007), apesar de o governo e o
judiciário contarem com uma avaliação menos rigorosa. Por outro lado, a adesão à
comunidade política – medida pelo orgulho da nacionalidade – também ostenta índices
altos.
Tabela 1. Apoio Político no Brasil – 2006 (%)
Confiança Instituições Públicas
Nenhuma
Pouca
Alguma
Muita
ns/nr
Governo
Partidos Políticos
24,9
36,6
40,7
44
28,4
16,9
5,8
2,0
0,2
0,4
Congresso Nacional
26,4
45,5
22,4
Judiciário
13,6
Ruim
41,7
Regular
33,1
Boa
30,6
16,1
Avaliação das
Instituições Públicas
Governo
Muito Ruim/
Péssima
12,8
4,6
1,0
0,7
ns/nr
37,9
10,9
Ótima/
Muito boa
2,1
0,5
Partidos Políticos
Congresso Nacional
22,8
14,4
43,3
40,2
13,5
15,1
18,4
26,7
0,6
1,7
0,4
1,9
Judiciário
5,5
26,8
16,2
45,8
4,4
0
Satisfação c/ democracia
Adesão Democrática
Adesão à Comunidade
Política _Orgulho da
nacionalidade
Nada
Satisfeito
Pouco
Satisfeito
Satisfeito
Muito
Satisfeito
ns/nr
28,9
48,1
17,9
2,7
2,3
Tanto faz
democracia
ou ditadura
ns/nr
16,9
Muito
Orgulhoso
4,8
ns/nr
57,9
0,1
Democracia
Em certas
sempre Melhor do
circunstâncias, é
que outra forma
melhor uma ditadura
de Governo
64,8
13,5
Nada
Pouco
Orgulhoso
Orgulhoso
Orgulhoso
5,5
7,1
29,3
Fonte: projeto “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006).
ns/nr: não sabe, não respondeu
Apesar de certa unanimidade na literatura sobre a constatação do fenômeno da
desconfiança em diversos países, são várias as interpretações lançadas sobre as causas
do problema (NYE, 1997; DALTON, 1999; PUTNAM E PHARR, 2000). Enquanto estudos de
4
cultura política, por exemplo, dão ênfase a aspectos como valores políticos ou
orientações normativas de cidadãos (ALMOND E VERBA, 1963; INGLEHART, 2002), teorias
institucionalistas da democracia, por sua vez, desconsiderando esses fatores, acreditam
mais no desempenho real dos governos e suas instituições como elementos que explicam
fenômenos como confiança ou apoio ao regime (COLEMAN, 1990; NORTH, 1990). A
percepção do problema da corrupção, por exemplo, demonstrou ser fator relevante
causador de desconfiança (MOISÉS, 2007).
Essas perspectivas não significam hipóteses necessariamente concorrentes.
Tanto a cultura política como a avaliação das instituições podem afetar de diferentes
modos a experiência dos indivíduos e influir sobre suas orientações políticas. Para o caso
brasileiro, por exemplo, Moisés (2010) sustenta que orientações valorativas e
pragmáticas não representam perspectivas contrapostas para a explicação das atitudes e
percepções intersubjetivas dos indivíduos quanto ao regime político. Ao contrário, as
duas abordagens desempenham um papel na relação dos cidadãos com o regime
democrático.
Para além dos fatores mencionados, defende-se a importância de uma nova
dimensão de significado empírico e teórico. Dada a importância destacada dos meios de
comunicação nas sociedades contemporâneas, no seu papel de informar os cidadãos
acerca das questões públicas, defende-se que estes exercem uma influência sobre a
percepção pública das instituições e da democracia.
A partir da década de 1990, críticas à mídia tornaram-se comuns. Uma postura
excessivamente crítica em relação à política e aos políticos por parte da mídia – com uma
cobertura majoritariamente negativa do processo político – estaria levando a um
desencantamento dos cidadãos para com seus líderes e instituições políticas, levando a
atitudes de cinismo em relação à política e aos políticos (PATTERSON, 2000; CAPPELLA E
JAMIESON, 1997), bem como degradando processos de deliberação pública e
enfraquecendo os partidos políticos, em sua função de mecanismo eleitoral (MERVIN,
1998). Um jornalismo com ênfase em escândalos políticos e notícias negativas fomentaria
o cinismo nos telespectadores, contribuindo para a queda de confiança no governo. A
televisão, como meio, também seria culpada por outros males cívicos na sociedade
contemporânea, como pelo desaparecimento do “capital social” (PUTNAM, 1995). A
confiança interpessoal – variável central dos estudos de capital social – está associada à
confiança em instituições democráticas (MOISÉS, 2007; RENNÓ, 2001). Dessa forma, a
5
televisão teria o potencial de abalar, ainda que de forma indireta, a confiança que os
cidadãos depositam nas instituições públicas.
Contudo, essa visão negativa acerca do papel dos meios de comunicação de
massa para os processos democráticos não é unânime. Existe a perspectiva teórica de
que uma combinação de níveis educacionais cada vez mais altos com o acesso cada vez
maior a informações políticas tem ajudado a mobilizar os cidadãos, tanto em termos de
aumento do conhecimento quanto em termos comportamentais. Não é que a mídia
possua apenas efeitos positivos. A audiência televisiva pode até se associar a um menor
conhecimento e entendimento sobre política. Não obstante, a leitura de jornais e o
noticiário televisivo tem relação inversa, fomentando inclusive a confiança nas
instituições e a satisfação com o funcionamento da democracia (NEWTON, 1999). A mídia
noticiosa representaria um “círculo virtuoso”, onde a atenção às notícias gradualmente
reforça o engajamento cívico, assim como o engajamento cívico favorece o consumo de
informação. A mídia jornalística não seria positiva somente para a confiança, mas
também para o apoio a princípios democráticos (NORRIS, 2000).
Ainda que essas duas perspectivas convirjam para a preocupação quanto ao
efeito nocivo do consumo generalista de televisão, não se pode afirmar que os conteúdos
assistidos têm efeitos negativos. Como a programação televisiva é plural, cada
mensagem tem significado diferenciado em termos de estímulos positivos ou negativos
para a qualidade democrática. Estudos com o impacto de programações diversas têm
demonstrado como os resultados não são unidirecionais. Variáveis como a confiança
interpessoal e o engajamento cívico, por exemplo, podem ser favorecidas ou
desfavorecidas pela audiência a depender do tipo de programação (SHAH, 1998;
USLANER, 1998).
No Brasil, existe uma lacuna no que diz respeito ao estudo das inter-relações
entre a mídia e o apoio público à democracia. Existe maior interesse no papel dos meios
de comunicação para os processos eleitorais (STRAUBHAAR, OLSEN E NUNES, 1993; LINS
DA SILVA, 1993; PORTO, 1996 E 2007; MIGUEL, 1999, 2003 E 2004). Existe, também, um
interesse em análises de conteúdo dos meios de comunicação. Nessas, há um tratamento
comum e unânime que apontam o caráter antipolítico da mídia no Brasil. A cobertura da
mídia jornalística – especialmente do poder legislativo – é frequentemente descrita como
negativa, focando temas como a corrupção, o nepotismo, o clientelismo e outras
irregularidades. Ainda que necessário em uma democracia, esse jornalismo de
investigação e seu caráter antipolítico teriam o potencial de disseminar a desconfiança e
6
o rechaço à política, colocando sérios obstáculos à legitimidade do próprio regime
democrático (CHAIA E AZEVEDO, 2008; PORTO, 2000A; CHAIA E TEIXEIRA, 2001). Existe,
não obstante, a perspectiva de que esse tratamento negativo em relação aos políticos
como indivíduos falha ao não reconhecer que parte dos problemas apontados também
são fruto de um sistema político com necessidade de reformas. Assim, esse tipo de
cobertura – ainda que negativo em relação aos políticos – teria um caráter deferente ao
sistema político e suas principais instituições (MIGUEL E COUTINHO, 2007).
Ainda que esses estudos possam sugerir hipóteses interessantes, parte-se, aqui,
do pressuposto de que a mídia não pode ser apenas estudada pela análise de conteúdo
das mensagens emitidas, já que o público não as interpreta de maneira homogênea.
Qualquer um – tendo elementos de representação do real, como a cultura popular e
organizações comunitárias, por exemplo – é capaz de absorver criticamente aquilo que
consome pela televisão (LINS DA SILVA, 1985). A relevância do papel da televisão e de
outros meios de comunicação como fontes de informação se dá em um contexto maior,
no qual igualmente pesam fontes interpessoais, como família e amigos, bem como
organizações como a Igreja, sindicatos e associações de bairro (STRAUBHAAR, OLSEN E
NUNES, 1993).
Dessa forma, ainda que estabelecido o caráter antipolítico dos meios de
comunicação no Brasil, não é certo que ele represente um obstáculo à democracia
através da reprodução de casos de corrupção e irregularidades que pudessem levar a
uma descrença em políticos e instituições como um todo. Primeiro, é preciso ir mais a
fundo no próprio conteúdo da mídia. Existe certo consenso de que o retrato negativo
que a mídia faz da política se restringe à representação crítica de agentes públicos. Os
meios de comunicação não são acusados de serem cínicos em relação ao sistema ou
instituições políticas. O que existe é a suposição de que essa caracterização individual
negativa representa, por extensão, também uma visão negativa das instituições (PORTO,
2000A; CHAIA E AZEVEDO, 2008). Por outro lado, pode-se argumentar que a ênfase no
conflito e a cobertura de informações negativas é uma função democrática da mídia, que
também deve atuar como watchdog, responsabilizando governos e autoridades políticas
por suas ações (SCHMITT-BECK E VOLTMER, 2007). Longe de abalar a confiança nas
instituições, por exemplo, seria a percepção de que a mídia vigia o poder, um dos
garantidores do clima de geral de confiança.
Em contraposição ao que abordagens focadas em análises de conteúdo propõem,
estudos baseados em surveys apontam mais para efeitos modestos e mais de orientação
7
positiva em relação ao sistema político do que negativos. Meneguello (2010) encontra
relação modesta entre informações veiculadas pela mídia, sobretudo eletrônica, e
avaliações críticas do funcionamento da democracia, bem como com a desconfiança
institucional. Por outro lado, a despeito de um período em que os noticiários foram
repletos de notícias sobre casos de corrupção envolvendo políticos de diversos partidos
políticos, a audiência do telejornal Jornal Nacional se mostrou positivamente associado à
confiança em diversas instituições públicas, bem como à satisfação com a democracia
brasileira (MESQUITA, 2010). Ainda que não se afirme uma preferência por uma ou outra
direção de causalidade, esses resultados desafiam a suposição de que uma mídia com viés
antipolítico possa minar a confiança que os cidadãos depositam em suas instituições.
Diferentemente do que sugere parte da literatura no Brasil, portanto, os cidadãos
parecem diferenciar desvios individuais de falhas no funcionamento de suas instituições.
Ao se dar publicidade a irregularidades e, ao mesmo tempo, aos órgãos encarregados de
investigá-las, os cidadãos são confrontados com mecanismos de fiscalização e
accountability presentes no sistema democrático. Dá-se ao público, então, condições de
avaliar positivamente as instâncias democráticas. A mídia jornalística, por outro lado,
também favorece várias formas de participação política (RENNÓ, 2003), além da adesão
aos partidos políticos como elemento necessário à democracia (SCHLEGEL, 2006), o que
demonstra o papel positivo do jornalismo também para outras variáveis da qualidade do
regime.
Apesar de a mídia jornalística parecer desempenhar um papel positivo para a
qualidade democrática, a programação de entretenimento desempenha papel mais
plural, a depender de suas características (SHAH, 1998). Como existem programações de
caráter diverso, cada uma com conteúdos e implicações diferentes, seu estudo constitui
um desafio. No Brasil, existe a perspectiva de que a ficção, em especial as telenovelas,
constroem uma representação extremamente negativa do campo da política. A
alternativa de uma solução moral proveniente de fora do campo político, geralmente por
meio de algum justiceiro, é frequentemente apresentada, dando margem a respostas e
movimentos autoritários ou personalistas (PORTO, 2000b).
Com o intuito de avançar na investigação do papel da mídia para o apoio político,
propõe-se aqui a consideração de duas dimensões: o apoio à comunidade política e aos
princípios do regime. Além dessas duas dimensões do apoio político, inclui-se ainda a
8
dimensão da representação via partidos políticos. A aceitação dos partidos como
instituição necessária à democracia apresenta-se como aspecto essencial de uma cultura
democrática. Assim, é importante saber se a exposição à mídia é relevante para
orientações dos cidadãos quanto ao sistema partidário. Importa saber se essa exposição
é benéfica ou perniciosa para a criação de uma cultura política que favoreça e valorize o
papel dos partidos para a representação dos cidadãos no sistema político. Essas três
dimensões anteriores são as variáveis dependentes do estudo. As variáveis
independentes são, além da audiência de televisão no geral, a variável de audiência do
telenoticiário Jornal Nacional, da Rede Globo.
No Brasil, existe um entendimento, ainda que careça de maior evidência empírica,
de que a televisão, ao apresentar um viés antipolítico, poderia restringir interpretações
disponíveis para que as pessoas entendam conteúdos políticos (Porto, 2005). Esse papel
pernicioso desse meio para a democracia, de certa forma, também é consistente com os
dados disponíveis sobre casos internacionais (NEWTON, 1999; NORRIS, 2000). Dessa
forma, se espera que, no Brasil2:
H1: Assistir televisão esteja negativamente associado à adesão à democracia e à comunidade
política, bem como à valorização do papel de representação dos Partidos Políticos.
Entretanto, em contraposição às hipóteses da literatura nacional sobre o tema, que
acreditam em um efeito nocivo também do jornalismo brasileiro para a ligação dos
brasileiros com a política, propõe-se uma hipótese alternativa. Em consonância com os
dados de um papel positivo desempenhado pela audiência do telejornal para a confiança
nas instituições, bem como a satisfação com a democracia (MESQUITA, 2010), propõe-se a
seguinte hipótese:
H2: Assistir Jornal Nacional está associado à maior adesão democrática, maior apoio à
comunidade política e à uma maior valorização do papel de representação dos Partidos
Políticos.
Apesar de se utilizar nesse texto, por vezes, a linguagem da causalidade, está
implícito que o que se fala aqui é de correlações, já que não se pode atribuir relações de
causa e efeito com esse tipo de dados.
2
No survey de 2006, é possível testar a variável que representa o número total de horas a que os indivíduos
costumam se expor à televisão. Entretanto, exceção feita ao telenoticiário em questão, não é possível saber que
outros programas são assistidos. Dessa forma, é possível testar apenas a hipótese de que o número total de
horas gasto em frente à TV seria de alguma forma pernicioso a interações sociais dos indivíduos, o que, por
extensão, poderia também abalar negativamente variáveis de apoio político.
9
TV E APOIO POLÍTICO
Os dados relativos ao impacto da audiência televisiva mostram que as associações
não são unidirecionais. A tabela 2 mostra o impacto dessa variável na explicação de cada
uma das variáveis listadas. Sendo as variáveis ordinais, optou-se por realizar o
procedimento de Regressão Categórica.3 Com relação à adesão democrática, a televisão
representa um papel negativo para a maioria das variáveis testadas, como esperado.
Quem mais assiste televisão, mais concorda com ‘o governo desrespeitar as leis em caso
de dificuldades’, que ‘o presidente pode deixar de lado o congresso e os partidos em caso
de dificuldades’, que ‘daria um cheque em branco a um líder salvador que resolvesse os
problemas’, e que ‘só uma ditadura pode dar jeito no Brasil’. A única exceção ficou por
conta da variável ‘prefere a democracia a um líder salvador’, onde a relação foi inversa,
quem mais assiste televisão, mais concorda com a frase.
Tabela 2: Audiência TV e Apoio Político Coeficientes de regressão (beta) de Audiência de TV,
controlados por variáveis socioeconômicas (sexo, idade, escolaridade, renda)
Adesão democrática
Audiência TV
R2
N
Discorda com
Governo
desrespeitar
leis em
dificuldades
Prefere
democracia
do que líder
salvador
-0,048***
0,018
1753
0,054***
0,013
1750
Discorda
Presidente
deixar de lado
Congresso e
Partidos no
caso de
dificuldades
-0,086***
0,021
1754
Discorda
País
melhor
com volta
dos
militares
Discorda
Daria cheque em
branco a líder
salvador que
resolvesse
problemas
Discorda só
uma
ditadura
pode dar
jeito no
Brasil
ns
-0,077***
0,028
1753
-0,048***
0,033
1710
Vínculo dos cidadãos com o Estado Nação
Audiência TV
R2
N
Orgulho de ser Brasileiro
0,064***
0,012
1836
Representação via Partidos Políticos
Audiência TV
R2
N
Democracia a ver com a
existência de diversos
partidos políticos
-0,035*
0,014
1784
Discorda Brasil melhor se existisse
apenas um partido político
Proximidade aos
partidos políticos
-0,071***
0,023
1704
0,048**
0,021
1830
Fonte: Pesquisa A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições Democráticas. Sig: *p< 0,10, **p < 0,05, ***<0,01.
3
(Optimal Scalling no SPSS). A regressão categórica quantifica dados categóricos dando valores numéricos às
categorias. Isso resulta em uma equação de regressão linear optimal para as variáveis transformadas. Todas as
variáveis do estudo foram recodificadas para que um coeficiente (Beta) positivo representasse sempre maior
apoio à democracia. Assim, para uma variável dependente como “prefere a democracia do que um líder
salvador”, um Beta positivo representaria maior concordância com a frase. Para frases do tipo “País melhor com
a volta dos militares” um coeficiente positivo representa maior discordância. Assim, todos os coeficientes
positivos do estudo referem-se a maior impacto positivo sobre a dimensão em questão.
10
A televisão também se mostra como fator negativo para a valorização do papel
de representação dos partidos políticos, com exceção para a proximidade em relação aos
partidos políticos. Quanto mais se assiste a televisão, mais próximo o cidadão se sente a
eles. Entretanto, de maneira distinta, quem mais assiste TV, mais discorda das afirmações
de que a ‘democracia tem a ver com a existência de diversos partidos políticos’ e mais
concorda que ‘o Brasil seria melhor se existisse apenas um partido político’.
Também se efetuou uma regressão logística com a variável em que o
respondente tinha que afirmar com qual frase concordava mais: “A democracia é sempre
melhor do que qualquer outra forma de governo”; “em certas circunstâncias é melhor
uma ditadura do que uma democracia” ou “tanto faz se o governo é uma democracia ou
uma ditadura”. A tabela 3 mostra um impacto negativo: quanto mais se assiste TV, menos
se acredita que a democracia é melhor do que qualquer outra forma de governo.
Tabela 3. Regressão Logística: Democracia melhor forma de governo
Audiência TV
Constant
B
-.088
-.654
S.E.
.035
.308
Wald
6.428
4.513
df
1
1
Sig.
.011
.034
Exp(B)
.916
.520
Democrata vs outros (autoritários e ambivalentes). Controlado por: sexo, idade, escolaridade, renda.
Nagelkerke R Square: 0,033. Porcentagem de acerto do modelo: 62,9%. Fonte: projeto “A Desconfiança dos
Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006). N=1573.
Esses resultados confirmam a associação negativa entre o consumo total de
televisão com vários aspectos da qualidade democrática (PUTNAM, 1995; NEWTON, 1999,
SHAH, 1998). Entretanto, como não há no survey “Desconfiança” (2006) questões sobre
os conteúdos assistidos, só é possível argumentar que o quanto se assiste de TV parece
ser prejudicial à percepções sobre a democracia e partidos. Quanto ao quê se assiste,
ainda seria necessário maiores estudos para corroborar ou rejeitar teses sobre o que
conteúdos específicos podem representar.
Os dados da tabela 2 também apontam outro resultado, por sua vez menos
esperado. A dimensão de apoio à comunidade política, medido pelo orgulho da
nacionalidade, é favorecido pela audiência televisiva, e não o contrário, como previa a
hipótese. Os resultados indicam o papel plural que um mesmo meio pode ter para
diferentes aspectos da qualidade democrática. Ainda que se possa imputar à TV um papel
pernicioso para a vivencia democrática, concorrendo com o tempo necessário para
interações sociais, o que fortaleceria o engajamento cívico e a confiança interpessoal
11
(PUTNAM, 1995, SHAH, 1998), não se pode dizer o mesmo sobre seu significado para a
ligação dos cidadãos com a comunidade política.
TELEJORNAL (JN) E APOIO POLÍTICO
A segunda série de resultados diz respeito ao papel que representa o telenoticiário
Jornal Nacional, da Rede Globo, para as dimensões de apoio político. Quem assiste ao JN
está exposto também a várias outras mensagens políticas da televisão. Parece razoável
supor que haja uma diferença entre quem assiste ao JN três vezes por semana, ao mesmo
tempo em que vê apenas uma hora de TV por dia e outra pessoa que assista à mesma
quantidade de edições do JN, mas ao mesmo tempo tenha um consumo televisivo de
quatro horas diárias. Assim, utilizou-se uma taxa de audiência do Jornal Nacional, que
corresponde à proporção de consumo do noticiário em relação ao total de horas
dedicadas à televisão, criada através da uma divisão entre a audiência de JN pela
audiência de TV.
A idéia aqui não é apenas uma possível “diluição” de informação comparada a uma
informação mais “pura”. Espera-se que um telespectador que praticamente restrinja seu
consumo televisivo ao noticiário tenha uma relação mais atenta ao seu conteúdo, já que
liga seu televisor com o intuito específico de saber as notícias do dia. Entretanto, um
padrão de audiência distinto, em que o indivíduo deixa seu televisor ligado desde o
período em que chega do trabalho até a hora de dormir, assistindo o telejornal “entre as
novelas”, pode indicar que esteja menos atento ao que nele se passa. Essa variável criada
provou-se mais consistente do que a simples audiência do telejornal em estudo anterior
(MESQUITA, 2010). Ao falar-se de audiência de Jornal Nacional, de agora em diante, está
se referindo sempre a essa taxa, ou seja, sempre levando em consideração, também, o
consumo televisivo.
A tabela 4 mostra o impacto dessa taxa na explicação de cada uma das variáveis
listadas. Os dados comprovam a hipótese inicial de um papel positivo do JN. Entretanto,
ao contrário do que se verificou sobre o impacto dessa mesma variável independente
sobre outras dimensões do apoio político, como a confiança institucional (MESQUITA,
2010), os resultados são bem mais modestos. Com relação à dimensão de adesão
democrática, somente uma variável está associada à taxa JN após o controle de variáveis
socioeconômicas. Quem mais assiste o Jornal Nacional, mais discorda da afirmação de
que “daria um cheque em branco a um líder salvador que resolvesse os problemas”.
Todas as outras variáveis testadas não têm significância estatística. Para o vínculo dos
12
cidadãos com o Estado Nação, a audiência do telejornal não é uma variável a ser
considerada, já que ela não interfere no orgulho de ser brasileiro. A valorização dos
partidos políticos como mecanismo de representação também tem pouco a ver com a
audiência do telenoticiário. Ela somente influi – positivamente – na proximidade que se
tem a eles. As outras variáveis testadas não alcançam significância estatística.
Tabela 4.TXJN e Apoio Político - Coeficientes de regressão (beta) de Taxa JN, controlados por
variáveis socioeconômicas
Adesão democrática
TXJN
Discorda
com
Governo
desrespeitar
leis em
dificuldades
ns
Prefere
democracia
do que líder
salvador
Discorda
Presidente
deixar de lado
Congresso e
Partidos no caso
de dificuldades
Discorda
País melhor
com volta
dos militares
ns
ns
ns
2
R
N
TXJN
Discorda
Daria cheque
em branco a
líder salvador
que
resolvesse
problemas
0,069***
0,027
1753
Discorda que
só uma
ditadura
pode dar
jeito no
Brasil
ns
Vínculo dos cidadãos com o Estado Nação
Orgulho de ser Brasileiro
ns
R2
N
Representação via Partidos Políticos
Democracia tem a ver com a
Discorda
existência de diversos partidos
Brasil melhor se existisse
políticos
apenas um partido político
ns
ns
Proximidade aos
partidos políticos
0,060**
R2
0,022
N
1830
Significância: *p < 0,10, **p < 0,05, ***<0,01. N= número de casos. Controlado por: sexo, idade,
escolaridade, renda.
Fonte: projeto “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006).
TXJN
É possível que esses resultados mais modestos em comparação com as dimensões
de confiança e de avaliação institucional se deva ao fato de o telenoticiário abordar
diretamente assuntos que remetam ao desempenho das instituições. Assim, faz mais
sentido que as pessoas que mais se expõem a esse tipo de informação confiem mais e
avaliem melhor as instituições do regime. Ao mesmo tempo, questões como a dos
princípios do regime não têm relação direta com as mensagens do telenoticiário e por isso
somente uma variável apareceu como significante. Na dimensão relativa a valorização do
papel dos partidos, essa mesma hipótese pode ser sustentada. As variáveis em que se
questiona aspectos normativos – como a importância dos partidos políticos para a
13
democracia – não estão correlacionadas com a audiência do JN. Entretanto, o telejornal
apareceu como relevante na proximidade que se tem a eles, demonstrando sua
importância quando se trata de uma orientação mais pragmática.
ASPECTOS MODERADORES DA MÍDIA
Levar a mídia em conta como fator relevante para as atitudes políticas dos
cidadãos não significa, necessariamente, dar primazia a essa explicação. Tampouco se
desconsidera elementos explicativos que possam agir paralelamente a essa forma de
opinião mediada. Para além de uma tese “concorrente”, onde diversos outros fatores
podem influir – de maneira independente – sobre orientações políticas, acredita-se em
um processo interativo entre diferentes elementos.
Processos interativos correspondem a um padrão de influência recíproca, sendo o
conceito de interação próximo ao conceito de comunicação. Trata-se de uma abordagem
concorrente ao modelo de transmissão unidirecional dos efeitos da comunicação. Essa
perspectiva encontra maior eco em estudos culturais, que enfatizam a forma como os
indivíduos interagem, interpretam e se apropriam de símbolos e ideias presentes na
cultura popular, ao invés de serem apenas influenciados por ela (NEUMAN, 2007).
Partindo-se dessa autonomia dos indivíduos frente às mensagens às quais estão
expostos, cabe também analisar que fatores podem interagir com estas. Sem a intenção
de abarcar todas as possíveis (e inesgotáveis) variáveis que podem influenciar a maneira
como as pessoas percebem mensagens da mídia, buscou-se aqui avançar com cinco
desses elementos.
Um fator a ser levado em consideração na mediação entre mensagens
provenientes da mídia e atitudes políticas é a sofisticação política, que remete a questões
como educação, bem como ao interesse por política e a eficácia política. Pessoas com
maior educação formal tendem a se interessar mais por política, além de se exporem com
maior probabilidade a mensagens que remetem a assuntos públicos e, dessa forma,
interpretarem conteúdos de maneira mais crítica (NEUMAN, 1986). A variância do
interesse por política que cada cidadão tem, por sua vez, pode influenciar na relação que
este estabelece com o conteúdo político ao qual está exposto pela mídia. A televisão é
considerada como meio que potencialmente pode influenciar mais as pessoas que se
interessam menos por política, criando um efeito de ‘encapsulamento’. Isso se deve ao
fato de essa mídia ser menos seletiva em termos de audiência. Não obstante, a cobertura
política chega mais facilmente aos mais interessados (SCHOENBACH E LAUF, 2004). A
14
eficácia política remete ao lado afetivo do envolvimento com a política, sendo medida
pela percepção se a política é ou não vista como algo incompreensível, sendo o seu
oposto a apatia política (NEUMAN, 1986). Essas três dimensões da sofisticação política
podem não ter relação direta com o apoio político em si, mas podem se mostrar
importantes variáveis moderadoras.4
Outros dois elementos que podem influir na maneira de os indivíduos absorverem
as mensagens da mídia é o apoio ao governo da vez e a confiança que se deposita na mídia.
Existem evidências de que o apoio ao sistema é influenciado pelo fato de os indivíduos se
encontrarem entre os vencedores ou os perdedores de disputas eleitorais (NORRIS,
1999). Assim, indivíduos que se encontram entre os partidários do governo da vez
tendem a dar mais apoio ao sistema, rejeitando mensagens negativas ou reforçando
mensagens positivas sobre a política. A confiança que se têm na própria televisão deve
ser um elemento a ser considerado, já que quando as pessoas não confiam na mídia, elas
tendem a rejeitar o clima mediado de opinião (TSAFATI, 2003).
Esses cinco elementos foram incorporados na análise estatística com um
procedimento denotado como interação.5 Para se fazer esse procedimento, primeiro
efetuou-se uma regressão categórica com uma variável resposta6 e as variáveis
explicativas7 (sem interações), quando ocorre a quantificação das variáveis. Depois criouse as variáveis de interação. Por último fez-se uma regressão múltipla (usual) com as
4
Neuman (1986) demonstra como a sofisticação política não está ligada diretamente a posições mais autoritárias
ou moderadas, variando de acordo com as diferentes dimensões em questão. Para o autor, no entanto, a
sofisticação política é um importante fator moderador que aumenta a probabilidade de uma variável (de
estímulo de mobilização) sobre outra (de comportamento político).
5
Em modelos de regressão com interações, queremos verificar se a mudança simultânea entre duas ou mais
variáveis, mantidas as demais constantes, provoca impacto na variável dependente. Os efeitos de interação
também são conhecidos como efeitos moderadores porque a terceira variável de interação, que modifica a
relação entre as duas variáveis originais, modera a relação original. A associação entre renda e conservadorismo,
por exemplo, pode ser moderada dependendo do nível de educação. O coeficiente utilizado foi o beta, que é
referente as variáveis padronizadas (média 0 e desvia padrão 1), o que permite comparação entre quaisquer
valores de betas: “Adiciona-se variáveis de interação ao modelo como produtos das independentes padronizadas
e/ou independentes dummy, normalmente colocando-as após as variáveis independentes simples de ‘efeitos
principais’ (...).’padronizada’ significa que para cada dado, a média é subtraída e o resultado dividido pelo desvio
padrão. O resultado é que todas as variáveis tem uma média 0 e um desvio padrão 1. Isso permite a comparação
de variáveis de diferentes magnitudes e dispersões.” (Garson, 2008).
6
Variáveis de adesão à democracia, aos partidos políticos e à comunidade política.
7
Além das variáveis independentes originais (audiência TV e TXJN), inseriu-se as moderadoras de interesse por
política, escolaridade (medida pela grau de instrução formal), eficácia política (medida pela discordância com a
frase “as vezes a política e o governo parecem tão complicados que uma pessoa como você não pode realmente
entender o que está acontecendo” – onde um beta positivo corresponde a maior eficácia política, e um negativo
a maior apatia), apoio ao governo da vez (medida pelo apoio ao governo Lula) e a confiança na mídia (medida
pela confiança depositada na TV). Manteve-se as variáveis sexo e renda como controle. Variáveis de interação
foram incluídas em todos os modelos em que pelo menos a variável de audiência era significante. Em alguns
casos, portanto, ainda que uma dessas variáveis independentes possam não ter impacto isoladamente, é possível
que se apresentem como moderadoras entre audiência e atitudes políticas.
15
variáveis transformadas. Os modelos com variáveis de interação para a audiência
televisiva apresentam resultados significativos, como demonstram as Tabelas 5 e 6.
As componentes da sofisticação política, como aponta a literatura (NEUMAN,
1986), não têm relações unidirecionais com as dimensões do apoio político. De maneira
geral, o interesse por política e a escolaridade aparecem associados de maneira positiva a
variáveis das dimensões de adesão democrática e da valorização do papel dos partidos
políticos.
Tabela 5. Audiência TV e Apoio Político (interações)
Coeficientes de regressão (beta) da audiência TV com variáveis moderadoras
Adesão Democrática
Discorda com
Governo
desrespeitar
leis em
dificuldades
Audiência TV
- 0,043*
Sexo
ns
Idade
0,111***
Renda
ns
Escolaridade
0,095***
Interesse política
0,086***
Adesão gov. Lula
- 0,097***
Confiança mídia
- 0,076***
Eficácia política
ns
Audiência TV vs.
ns
escolaridade
Audiência TV vs.
0,056**
interesse política
Audiência TV vs. adesão
- 0,037*
gov. Lula
Audiência TV vs.
ns
confiança mídia
Audiência TV vs. eficácia
ns
política
0,041
R2
1714
N
Discorda
Presidente deixar
de lado Congresso
e Partidos no caso
de dificuldades
Discorda
Daria cheque em
branco a líder
salvador que
resolvesse problemas
Discorda que
só uma
ditadura pode
dar jeito no
Brasil
- 0,079***
ns
ns
ns
0,097***
0,068***
- 0,07***
- 0,041*
0,04*
- 0,061**
ns
ns
0,066***
0,122***
0,062***
ns
ns
- 0,109***
- 0,044*
ns
ns
- 0,045*
0,182***
ns
0,059**
ns
- 0,049**
ns
ns
0,042*
ns
ns
0,049**
- 0,035*
ns
ns
ns
ns
- 0,054**
ns
ns
- 0,063***
0,032
1717
0,039
1716
0,046
1675
Representação via partidos e adesão à comunidade política
Democracia a ver com
existência de diversos
partidos políticos
Audiência TV
- 0,043*
Discorda
Brasil melhor se
existisse apenas um
partido político
- 0,058**
8
Proximidade
aos partidos
políticos8
0,051**
Orgulho de
ser
Brasileiro
0,05**
Para essa variável dependente, no modelo com as variáveis moderadoras, a audiência de TV deixou de ser
significante, o que significa que uma das novas variáveis, de alguma forma estava impactando a audiência,
deixando-a fora do modelo. Rodou-se novos modelos retirando as variáveis moderadoras uma a uma para ver
qual produzia esse efeito. O modelo constante na tabela, portanto, é o sem a variável interesse por política. Ao
se retirar essa variável, a audiência voltou a ser significante a 0,05.
16
Sexo
- 0,054**
ns
- 0,098***
Idade
ns
ns
0,049**
Renda
0,049*
- 0,061**
0,05**
Escolaridade
0,052**
0,109***
ns
Interesse política
0,075***
0,085***
----Adesão gov. Lula
ns
0,05**
0,169***
Confiança mídia
ns
0,06**
0,108***
Eficácia política
- 0,053**
0,067***
0,101***
Audiência TV vs.
ns
ns
-0,053**
escolaridade
Audiência TV vs.
ns
ns
----interesse política
Audiência TV vs.
ns
ns
ns
adesão gov. Lula
Audiência TV vs.
0,039*
ns
ns
confiança mídia
Audiência TV vs.
ns
ns
ns
eficácia política
0,023
0,041
0,072
R2
1746
1670
1785
N
Significância: *p < 0,10, **p < 0,05, ***<0,01. N= 2004.
Fonte: projeto “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006).
0,041*
0,066***
0,06**
0,06**
ns
0,112***
0,065***
0,046*
ns
ns
ns
ns
ns
0,032
1787
Tabela 6: Regressão Logística: Democracia Melhor Forma de Governo
Controlado por: sexo, idade, escolaridade, renda.
B
Audiência TV
Interesse por Política
Constant
-.139
.123
-.684
S.E.
.057
.056
.940
Wald
6.059
4.812
.530
df
1
1
1
Sig.
.014
.028
.467
Exp(B)
.870
1.131
.504
Nagelkerke R Square: 0,041. Porcentagem de acerto do modelo: 63,8%. N=1549.
Estão expostas apenas as variáveis das quais as categorias produziram coeficientes a 0,05 de
significância.
Fonte: projeto “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006).
A eficácia política, por sua vez, possui papel mais paradoxal. Os que menos
consideram a política como algo complicado – e que, portanto, ostentam maiores níveis
de eficácia política – rejeitam a idéia de o presidente deixar de lado o Congresso e os
partidos no caso de dificuldades. Ao mesmo tempo, mais concordam em dar um cheque
em branco a um líder salvador e que só uma ditadura pode dar jeito no Brasil. Esse
mesmo caráter ambíguo é mantido em relação a valorização dos partidos políticos, a
depender da variável em questão.
Ainda que dois componentes da sofisticação política – educação e interesse por
política – pareçam contribuir de forma positiva para o apoio político de forma mais clara,
17
os resultados para eficácia política desafiam o argumento “coerente e de senso comum,
de que a noção de aprendizado social apela para os instintos democráticos da pessoa e
para o otimismo sobre o futuro de longo prazo e a estabilidade dos regimes
democráticos” (NEUMAN, 1986, p 162). As associações ambíguas encontradas confirmam
o que Neuman chamou de “paradoxo da política imoderada”, em que a educação e a
sofisticação política não levam necessariamente a moderação política.
A adesão ao governo Lula apresenta resultados contraditórios. Apesar de quem
mais apóia o governo Lula mais rejeitar a noção de que só uma ditadura pode dar jeito no
Brasil, mais concorda em desrespeitar leis ou deixar de lado o congresso e partidos no
caso de dificuldades, mesmo padrão apresentado por aqueles que mais confiam na TV.
Com relação a percepção do papel dos partidos políticos, essas duas variáveis se
associam de maneira positiva. Ou seja, o apoio ao governo da vez pode aumentar o apoio
ao sistema, na forma de satisfação com o funcionamento do regime (NORRIS, 1999) e
também favorecer a importância dada aos partidos políticos, mas esse papel parece ser
mais ambíguo em relação aos princípios democráticos. A dimensão de apoio à
comunidade política é favorecida pela maioria das variáveis independentes do modelo.
Quanto maior a escolaridade, a adesão ao governo Lula, a confiança na mídia e a eficácia
política, maior o orgulho da nacionalidade.
A audiência de TV interage com escolaridade em dois modelos. Com a variável
dependente “concorda que só uma ditadura pode dar jeito no Brasil” e com a
proximidade aos partidos políticos. Em ambas, reverte os efeitos da audiência. Quem
mais assiste TV, mais concorda com essa alternativa autoritária. No entanto, esse efeito é
diversificado entre os mais instruídos. Quanto mais instruído e mais se assiste TV, mais se
rejeita essa alternativa antidemocrática. A audiência televisiva também aproxima a
audiência dos partidos políticos. Entretanto, os mais instruídos, aos assistirem mais
televisão, mais se distanciam destes.
Esse efeito é semelhante com o do interesse por política. A despeito de a
audiência televisiva favorecer percepções contrárias aos princípios do regime, em dois
modelos a interação com o interesse por política tem relação inversa. Aqueles que
demonstram maior interesse, ao se exporem mais a televisão, reforçam mais atitudes de
valorização da democracia. Esses dois componentes da sofisticação política demonstram
que cidadãos mais equipados com instrução formal e mais interessados em questões
públicas tem maior capacidade de absorver criticamente o conteúdo televisivo. Já o
outro componente da sofisticação política possui resultado diverso. Aqueles que menos
18
acreditam que a política é complicada, ao assistirem mais televisão, mais concordam com
uma alternativa antidemocrática, com intensidade maior do que essas duas variáveis
separadas (comparando-se os coeficientes). Significa que esses menos apáticos têm sua
atitude antidemocrática potencializada ao se exporem à televisão.
Tanto o apoio ao governo Lula quanto a audiência se associam com a
desvalorização dos princípios do regime democrático. Em dois modelos quando aparece
o efeito de interação, essa nova variável mantém essa mesma tendência negativa. Nos
dois casos, entretanto, esse efeito não é potencializado como no caso da eficácia política.
Comparando-se os coeficientes de regressão, o efeito de interação é menor do que o das
duas variáveis de forma independente. Ou seja, a audiência da televisão “atenua” essa
desvalorização de alguns princípios do regime.
A confiança na TV, por sua vez, deveria sempre potencializar o efeito da audiência,
já que pessoas que desconfiam desse meio poderiam rejeitar as mensagens que de
alguma forma estivessem influenciado os indivíduos. De fato, é o que acontece para a
adesão democrática em um dos modelos testados. A confiança na TV potencializa a
atitude antidemocrática de quem mais assiste esse meio. No entanto, ao contrário das
expectativas, essa mesma confiança reverte a desvalorização dos partidos como
essenciais à democracia, associação que a audiência televisiva, de forma isolada favorece.
Esse dado reforça a perspectiva de que as associações negativas entre audiência
televisiva e apoio político encontradas se devem mais ao número de horas assistidas do
que a mensagens antidemocráticas por ventura nela existentes. Indivíduos mais expostos
a mensagens contrárias aos princípios do regime, ao confiarem mais nesse tipo de meio,
deveriam estar mais sujeitos a essa potencial influência, e não o contrário. Nesse caso,
mais investigações nesse sentido se fazem necessárias para entender o porquê da
confiança reverter a desvalorização do papel dos partidos entre aqueles que mais
assistem TV.
É importante notar que as variáveis moderadoras escolhidas não são
necessariamente relevantes para explicar o apoio político em si. Sua escolha se deveu ao
fato de serem elementos importantes que poderiam interagir com as variáveis de
audiência. Esse dado pode ser evidenciado nos modelos analisados. Em quatro deles a
variável moderadora não tem impacto sobre o apoio político de forma isolada. Apenas
quando interage com a audiência televisiva é que ela se torna relevante. Quem mais
confia na mídia, por exemplo, não rejeita mais – nem concorda mais – com a idéia de que
só uma ditadura pode dar jeito no Brasil. Entretanto, essa confiança reforça a
19
concordância com essa alternativa antidemocrática por parte daqueles que mais assistem
televisão. Os mais instruídos, por sua vez, não são nem mais, nem menos, próximos aos
partidos políticos. No entanto, maior instrução distancia mais aqueles que mais se expõe
a TV. Neuman (1986) já havia alertado que a sofisticação política, por exemplo, não é
necessariamente determinante para inclinar os indivíduos a determinadas opiniões, mas
funciona como importante variável interveniente. Os dados apresentados aqui sugerem
que o mesmo pode ser verdade também para a confiança depositada na mídia.
A Tabela 7 abaixo mostra os modelos com interações quando a variável
independente principal é a audiência do Jornal Nacional. A escolaridade favorece a adesão
democrática, nos modelos analisados, mas distancia os cidadãos dos partidos políticos. A
eficácia política tem relação inversa, favorecendo a proximidade aos partidos políticos,
mas ao mesmo tempo se associando a atitudes antidemocráticas. As outras variáveis
moderadoras (interesse por política, adesão ao governo Lula e confiança na mídia)
apresentam a mesma relação, qual seja a de favorecer a proximidade com os partidos
políticos. Diferentemente dos modelos com a variável audiência televisiva, entretanto, os
modelos com a TXJN não apresentaram nenhum efeitos de interação.
Tabela 7: Taxa JN e Apoio Político (interações)
Coeficientes de regressão (beta) da taxa JN com variáveis moderadoras
TXJN
Sexo
Idade
Renda
Escolaridade
interesse política
adesão gov. Lula
confiança mídia
eficácia política
TXJN vs. Escolaridade
TXJN vs. interesse política
TXJN vs. adesão gov. Lula
TXJN vs. confiança mídia
TXJN vs. eficácia política
R2
N
Discorda daria cheque em branco a
líder salvador que resolvesse os
problemas
0,064***
ns
ns
0,065**
0,125***
ns
ns
ns
- 0,109***
ns
ns
ns
ns
ns
0,036
1716
Proximidade aos
partidos políticos
Significância: *p < 0,10, **p < 0,05, ***<0,01. N= 2004.
Fonte: projeto “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006).
20
0,049**
- 0,062***
ns
0,058**
- 0,077***
0,258***
0,139***
0,086***
0,075***
ns
ns
ns
ns
ns
0,133
1782
BREVES CONCLUSÕES
A mídia é um fator relevante a ser considerado quando se trata do entendimento
dos cidadãos acerca dos assuntos do Estado. A informação contida nela pode auxiliar no
engajamento dos cidadãos com a democracia, ou torná-los mais avessos a princípios
democráticos. Para entender o papel que a mídia representa para o apoio público à
democracia, é preciso levar em conta uma dupla multidimensionalidade: do apoio político
e da própria mídia.
Os dados aqui apresentados confirmam esse papel plural dos meios de
comunicação, a depender tanto do meio, quanto da dimensão de apoio político em
questão. De um lado, o telejornal Jornal Nacional se apresentou como elemento positivo
para a adesão democrática e para a valorização dos partidos políticos, de maneira
semelhante à confiança institucional, bem como à satisfação com o desempenho do regime
(MESQUITA, 2010). No entanto, o número de variáveis em que a audiência do
telenoticiário se mostrou relevante para as dimensões testadas aqui, foi pequeno em
comparação aos apresentados em relação à confiança institucional.
Os resultados sugerem que a mídia jornalística parece ser mais relevante para
essas dimensões mais pragmáticas, do que para as variáveis que representam dimensões
de ordem mais normativa. Essa diferença faz sentido, já que telejornais apresentam
informações diretamente ligadas ao funcionamento de governos e instituições. Quanto
mais os cidadãos se expõe a esse tipo de informação, maior a capacidade de se formar
uma atitude frente aos mesmos. Questões mais normativas como as dos princípios do
regime democrático, bem como a importância dada aos partidos políticos, são mais
indiretamente ligadas aos conteúdos jornalísticos, o que explica os resultados mais
modestos apresentados aqui.
Por outro lado, resultados mais robustos foram verificados em relação ao
consumo de televisão no geral, onde verificou-se uma associação com um maior número
de variáveis testadas. De maneira geral, esse tipo de audiência se associa negativamente
a variáveis que representam a adesão democrática e a valorização dos partidos políticos,
conforme a hipótese do estudo. Não obstante esse papel negativo, os dados também
apontaram que a televisão favorece uma maior adesão à comunidade política.
Esses resultados demonstram que é preciso cautela ao se responsabilizar um viés
antipolítico da mídia por atitudes negativas que os cidadãos tem relação à democracia.
Ainda que se aceite como fato uma atitude mais crítica em relação à política por parte da
mídia jornalística, existe controvérsias sobre isso representar, por extensão, também
21
uma atitude antiinstitucional. Aqui, como na literatura especializada internacional focada
em surveys (NORRIS, 2000; NEWTON, 1999), o telejornal tem aparecido constantemente
como fator positivo para a qualidade democrática.
Já com relação à audiência televisiva, os resultados confirmam, de alguma forma,
preocupações levantadas quanto ao seu significado para percepções da democracia no
Brasil. Ainda assim, esses resultados demandam cautela, já que parecem estar mais
associados ao tempo gasto com a televisão do que aos conteúdos nela existentes. Para
se confirmar possíveis efeitos negativos de conteúdos, seriam necessários mais estudos
com surveys que contassem com perguntas mais detalhadas sobre a programação
assistida. Estudos de recepção também poderiam ser úteis nesse sentido. Além disso,
ressalta-se que o papel da televisão em relação à adesão dos cidadãos à comunidade
política é positivo.
Esse resultado positivo para o orgulho da nacionalidade poderia estar relacionado
com a grande penetração da televisão pelo território nacional, com a disseminação de
valores comuns. Tomando como exemplo o gênero das telenovelas, todas as classes
sociais assistem a esse tipo de programação, conversando sobre seus temas e tramas, o
que demonstra o papel da televisão como laço social. Ao se mostrar como espelho da
sociedade brasileira, as novelas se apresentariam, ainda, como fator estruturador da
identidade brasileira (WOLTON, 1996). Assim, o papel da televisão pode ser visto como
paradoxal. Ainda que – a exemplo dos dados internacionais – pareça estar ligado de
alguma forma a atitudes mais negativas em relação à política, ao mesmo tempo parece
desempenhar, no caso brasileiro, um papel ativo – possibilitando que as audiências
construam entendimentos complexos sobre o passado, o presente e o futuro do país.
Os modelos com as variáveis de interação também demonstram a importância de
se considerar outros fatores na mediação da mensagem. Cidadãos mais instruídos e mais
interessados por política parecem se relacionar de forma diferente com a audiência
televisiva, já que essas características beneficiam - ao invés de desfavorecerem - a adesão
aos princípios do regime. Uma explicação poderia ser diferenças cognitivas entre esses
indivíduos no momento de processar mensagens semelhantes. Como a programação
televisiva é plural, e não se pode saber de antemão se as pessoas estão expostas ao
mesmo tipo de mensagem, seria possível afirmar, também, que essa diferença se deve a
um padrão distinto de consumo dessa mídia. É plausível
que aqueles com maior
instrução formal e mais interessados em política se exponham a programações de
conteúdos diversos, com maior ênfase em programas de informação, por exemplo, em
22
comparação aos demais indivíduos, o que explicaria esse efeito de interação. De uma
maneira ou de outra, reforça-se a importância de mais estudos sobre o impacto de
diferentes conteúdos apresentados pela televisão.
Mais do que constatar o papel plural da mídia para a qualidade democrática, os
resultados reforçam a idéia de que não se deve encarar indivíduos como impotentes
diante do poder da mídia. Diversos fatores como a sofisticação política, a confiança que
se tem no meio e também convicções políticas – como o apoio ao governo da vez –
interagem com essa mensagem dos meios de comunicação. Mais do que o potencial de
rejeitar determinadas mensagens, os resultados aqui sugerem que indivíduos interagem
com elas de maneiras distintas, a depender dos elementos característicos de cada um.
23
ANEXO
Variáveis Utilizadas
Audiência de TV
“Quantas horas por dia você gasta assistindo TV (Até 1, 2, 3, 4, 5 horas, mais de 5 horas? Ou você
não costuma assistir TV?)”
Audiência do Jornal Nacional
“Com que freqüência você assiste o Jornal Nacional da TV Globo durante a semana? (1, 2, 3, 4, 5
vezes, todos os dias ou você nunca assiste o Jornal Nacional?)”
Adesão aos princípios democráticos
Gostaria que você dissesse se (discorda muito, discorda pouco, concorda pouco, concorda muito):
“quando há uma situação difícil no Brasil, não importa que o governo passe por cima das leis, do
Congresso Nacional e das instituições para resolver os problemas do País”.
“prefiro a democracia do que um líder salvador que tenha todo o poder, sem ser controlado pelas
leis”
“Se o País enfrenta dificuldades sérias, o presidente pode deixar de lado o Congresso os partidos e
tomar as decisões sozinho”
“O País funcionaria melhor se os militares voltassem ao poder”
“Eu daria um cheque em branco a um líder salvador que resolvesse os problemas do País”
“Só uma ditadura pode dar jeito no Brasil”
“Qual das afirmações concorda mais: ‘ A Democracia é sempre melhor do qualquer outra forma de
governo’; ‘ em certas circunstâncias é melhor uma ditadura do que uma democracia’; ‘tanto faz se
o governo é uma democracia ou uma ditadura’.” (Codificação: Democrata vs outros).
Adesão à comunidade política
“Você tem orgulho de ser brasileiro?” (muito orgulhoso, orgulhoso, pouco orgulhoso, nada
orgulhoso)
Valorização do papel de representação dos partidos políticos
“Falando dos partidos políticos brasileiros, como você se sente em relação a eles?” (muito
próximo, próximo, pouco próximo, não é próximo a nenhum”
“O Brasil seria bem melhor se existisse apenas um partido político”
“Falando de Democracia, você acha que a democracia te a ver com: a existência de diversos
partidos políticos?” (tem muito a ver, tem a ver, tem pouco a ver, tem nada a ver)
Variáveis moderadoras:
Eficácia política: “Vou ler algumas frases sobre política e gostaria de saber se: As vezes a política e
o governo parecem tão complicados que uma pessoa como você não pode realmente entender o
que está acontecendo” (discorda muito, discorda pouco, concorda pouco, concorda muito).
Interesse por política: “E quanto ao seu interesse por política, você diria que é: muito interessado,
interessado, pouco interessado ou nada interessado”
Escolaridade: Grau de instrução: Analfabeto/primário incompleto; primário completo; ginásio
incompleto; ginásio completo; colégio incompleto; colégio completo; universitário incompleto;
universitário completo ou mais.
Confiança na TV: “Vou citar alguns órgãos públicos e particulares e gostaria de saber qual o grau de
confiança que você tem em cada um deles: na televisão” (muita confiança, alguma confiança,
pouca confiança, nenhuma confiança)
Adesão ao governo Lula: “Na sua opinião o Presidente Lula está fazendo um governo muito bom,
bom, ruim ou muito ruim?” (regular espontâneo)
24
VI.
A EDUCAÇÃO BRASILEIRA
E SEUS RETORNOS POLÍTICOS DECRESCENTES
ROGERIO SCHLEGEL
INTRODUÇÃO
O aumento da escolaridade média verificado no país nas últimas décadas terá mudado
o comportamento político do brasileiro? Este capítulo pretende fazer avançar a resposta a essa
pergunta. A perspectiva teórica convencional espera que aumentos da instrução formal da
população torne seus comportamentos e atitudes mais democráticos. Essa expectativa é
compartilhada pelas elites brasileiras, que consideram que o baixo nível de escolaridade da
população é o principal entrave à democracia, segundo os mais recentes dados disponíveis
(REIS, 2000).
A educação é dos fatores mais relevantes como preditor do comportamento político do
cidadão. Mesmo em modelos multicausais, a escolaridade costuma ser apontada nos estudos
da Ciência Política como um dos determinantes cruciais para atitudes desejáveis para a
convivência democrática, como apoio à democracia e disposição de participar. No nível
individual, a instrução formal é a variável socioeconômica e demográfica com os mais claros
efeitos em análises do tipo transversal (cross-sectional), que contemplam um único ponto no
tempo. Nesses estudos, ela aparece em correlação consistente, forte e positiva com dimensões
como interesse por política, uso da mídia, conhecimento de informações políticas,
comparecimento às urnas ou com indicadores relacionados a atitudes democráticas e
legitimidade, como tolerância, eficácia política e confiança nas instituições – neste último caso,
com sinal negativo. Por conta disso, a educação já foi descrita como “solvente universal” em
tentativas de explicar diferentes facetas do comportamento político (CONVERSE, 1972).
O impacto de mudanças nos níveis médios de escolarização de uma nação foi teorizado
apenas lateralmente nos estudos que lançaram a base para a compreensão das relações entre
educação e política. Há um ponto em comum nessas análises: a partir das associações válidas
para a escolaridade elevada em um ponto do tempo, o usual foi inferir resultados semelhantes
para a elevação da escolaridade ao longo do tempo. Nessa linha, o aumento da escolarização foi
1
retratado como “provavelmente o mais importante” elemento para criar e manter a adesão à
democracia (DAHL, 1961), COmo determinante crucial da cultura cívica, capaz de gerar um ator
político diferenciado (ALMOND E VERBA, 1965), e como fator cuja expansão na sociedade torna
“muito provável” a elevação da participação e da atenção à política (CONVERSE, 1972). A
presunção de que o aumento da escolaridade média leva ao aumento sustentado do
conhecimento sobre política, da participação, da tolerância e do apoio à democracia pode ser
descrita como “visão dominante” nos meios acadêmicos (NIE ET AL., 1996: 97/98) e, para maior
clareza na argumentação, será chamada aqui de perspectiva convencional.
Ocorre que evidências empíricas abundantes contrariam a expectativa central dessa
abordagem. Já no final dos anos 1970, Brody (1978) apresentava o que chamou de “quebracabeça da participação”: indicadores de ativação política nos Estados Unidos mostravam queda
na comparação com décadas anteriores, apesar de os recursos materiais e cognitivos – com
destaque para a educação – terem crescido de maneira pronunciada no conjunto da população.
Nie et al. (1996) apontaram estagnação ou declínio em diferentes dimensões da participação e
da atenção dada pelos norte-americanos à política no período 1972-1994. Delli Carpini e Keeter
(1996) apuraram que, no agregado, o conhecimento sobre política não cresceu nos Estados
Unidos entre os anos 1950 e a década de 1990, apesar do aumento nos níveis médios de
instrução. Em análise com 94 países, Acemoglu et al. (2004) constataram que nações com
aumento da escolaridade média entre 1970 e 1995 não mostraram tendência de se tornarem
mais democráticas pelos critérios da Freedom House.
O contexto brasileiro recente é especialmente promissor para a investigação das
relações entre educação e comportamento político. Nas últimas décadas, o acesso à escola
passou por um crescimento espetacular, atingindo proporções inéditas no país e com ritmo
raro no restante do mundo (CASTRO, 2007; MENEZES FILHO, 2008). Houve clara elevação da
escolaridade média da população (BARRO E LEE, 2000), mas com prejuízo para a qualidade do
ensino oferecido – definida em termos de retenção de conhecimento e desenvolvimento de
capacidades cognitivas. Terá essa expansão produzido o cidadão diferenciado previsto pela
abordagem convencional – alguém que se interessa por política, é participativo, tem apreço
pela democracia e saudável desconfiança nas instituições democráticas, por exemplo?
As sucessivas pesquisas de opinião realizadas por iniciativa dos coordenadores do
projeto A Desconfiança do Cidadão das Instituições Democráticas oferecem meios para
perseguir a resposta a essa pergunta. São quase duas décadas cobertas por questionários
avaliando o comportamento político do brasileiro com questões idênticas ou similares. Dados
2
que, ainda que distantes do desenho de pesquisa ideal para o tema, têm o mérito de tornar
viável uma análise inédita sobre a questão. Aqui, me proponho a avaliar o impacto a
escolaridade em três frentes: apoio à democracia; diferentes dimensões da participação; e a
confiança nas instituições democráticas.
Em lugar de uma resposta direta e difícil de sustentar dada a complexidade do tema,
ofereço uma avaliação sobre a recompensa representada pela escolaridade no nível individual.
Para avaliar o impacto da educação, não basta descrever a trajetória ao longo do tempo do
comportamento político no agregado. Trabalho com a ideia de retorno político associado à
transição entre os diferentes níveis de escolarização. Por exemplo, quanto o ensino médio
representa de diferencial, em matéria de comportamento político, quando comparado ao
fundamental. Dessa forma, é possível quantificar o impacto da escolaridade em um ponto do
tempo e também comparar o ganho adicionado em diferentes pontos do tempo.
As evidências para o caso brasileiro contrariam a perspectiva convencional tanto na abordagem
transversal quanto na longitudinal, como se verá em detalhes adiante.
Além desta introdução, este capítulo tem outras quatro seções. Na próxima, discuto
modelos teóricos para entender os impactos políticos da educação, sobretudo nas três frentes
analisadas – apoio à democracia, participação e confiança institucional. Em seguida, descrevo o
contexto educacional brasileiro, marcado por expansão do sistema de ensino e queda na
qualidade nas últimas décadas. Na seção seguinte, apresento duas hipóteses e reproduzo as
análises estatísticas usadas para testá-las. Na conclusão, discuto as evidências encontradas.
A EDUCAÇÃO E SEUS EFEITOS
Há associações recorrentes entre escolaridade e comportamento político em estudos
transversais – tipo de análise que constituiu o padrão para a investigação das relações entre
educação e política (ACEMOGLU ET AL., 2004). No entanto, é grande a dificuldade de
estabelecer cadeias causais que dêem conta dessas relações, sobretudo devido ao impacto
abrangente da instrução formal sobre o indivíduo (BARRO, 1999; HYLLIGUS, 2005; CAMPBELL,
2009). No que toca à influência sobre o comportamento político, três efeitos amplos da
escolarização são especialmente relevantes:
- Desenvolvimento das capacidades cognitivas – Representado pela ampliação das habilidades
intelectuais que favorecem a compreensão e a capacidade de aprender. Por meio do
treinamento obtido ao longo da vida escolar, a pessoa aprende a categorizar e relacionar
3
objetos do mundo objetivo, interpretar situações e resolver problemas. Os mais escolarizados
têm conhecimento mais amplo e profundo não apenas de fatos enciclopédicos, mas também
de seu mundo contemporâneo. Entre eles, é maior a probabilidade de buscar conhecimento
novo e de se manter conectado a fontes de informação ao longo de toda vida (HYMAN ET AL.,
1975; DELLI CARPINI E KEETER, 1996).
- Aprendizado de valores - Frequentando a escola, o indivíduo é socializado nos valores
prevalecentes na sociedade ou em seu grupo social, introjetando as regras sociais. Ela é um
canal para a manutenção de valores (BORDIEU E PASSERON, 1990), para eventual mudança de
valores (INGLEHART, 1993) e para o aprendizado das formas que a convivência social deve ter
(GLAESER ET AL., 2007).
- Efeitos posicionais ou de credencial – Por meio da escolarização, o indivíduo também
“aprende” seu lugar na sociedade e nas redes sociais, posição com grande influência de seu
background familiar (BORDIEU E PASSERON, 1990; NIE ET AL., 1996). Além disso, os títulos
educacionais são quesito relevante considerado nas seleções por que o indivíduo passa na vida.
Possuir determinado nível de escolaridade, independentemente do conhecimento e das
habilidades associadas a ele, favorece seu posicionamento social (COLLINS, 1979; WOLF, 2002).
Neste estudo, optei por abordar os impactos da educação sobre apoio à democracia,
participação e confiança em instituições diretamente envolvidas no funcionamento
democrático – governo, Congresso, partidos e Judiciário. Embora se trate de escolha
condicionada pelas variáveis disponíveis nas pesquisas de opinião analisadas, a literatura do
campo relata efeitos marcantes da escolaridade nas três frentes. E as três podem ser tomadas
como atitudes ou comportamentos políticos desejáveis para a convivência democrática, pelas
razões que discuto a seguir. Passemos aos marcos teóricos fundamentais para cada uma dessas
frentes e à discussão sucinta sobre a operacionalização de cada uma delas.
APOIO À DEMOCRACIA
Do ponto de vista empírico, é recorrente a correlação entre escolaridade e apoio à
democracia observando um único ponto no tempo. Mas não são inequívocos os mecanismos
mobilizados. Desenvolvimento da tolerância, rejeição a estruturas hierárquicas de poder e
preferência pela solução pacífica de conflitos são alguns dos elementos pesquisados em
décadas de estudos sobre o tema.
4
Pelo lado das conseqüências, o apoio à democracia e seus princípios é desejável para
convivência na comunidade política por se tratar de uma das dimensões da legitimidade que
sustenta esse regime político. É ele que leva os cidadãos a aceitar as derrotas inerentes à
democracia, que se caracteriza justamente pela incerteza do resultado dos conflitos entre
diferentes interesses. É questionável se baixos níveis de apoio ao regime democrático levam a
ditaduras, revolução ou guerra civil, como já cogitado. A pesquisa recente demonstra que
queda nos níveis de apoio aos princípios democráticos tende a afetar negativamente a
disposição de participar (BOOTH E SELIGSON, 2009).
No Brasil, estudos apontam crescente e elevado apoio aos princípios democráticos nas
últimas décadas. Perto de dois terços dos cidadãos consideram a democracia o melhor regime
político (MOISÉS E CARNEIRO, 2008). Os estudos costumam utilizar questão em que a
preferência pela democracia aparece contrastada com a escolha por um regime autoritário e há
possibilidade de o entrevistado declarar que “tanto faz” qual o tipo de regime instalado no
país. Trata-se de uma forma de levar em conta a memória dos cidadãos com a experiência
autoritária vivida até 1988 e também de captar a indiferença diante dos dois pólos (MOISÉS,
1995; MENEGUELLO, 2007). Os surveys utilizados neste capítulo foram elaborados com esse
espírito e foi possível traçar a tendência de preferência pela democracia ao longo de 17 anos
com base nessa questão. Também foram utilizadas como indicador de apoio ao regime as
respostas “não sei” à questão sobre o significado da democracia, seguindo estudos anteriores
em contextos de baixa escolaridade, como a África Subsaariana (BRATTON ET AL., 2005).
Por fim, mostrou-se metodologicamente interessante utilizar perguntas dos
questionários que permitissem avaliar a aprovação a princípios democráticos sem que fosse
mencionada a palavra democracia – uma maneira de minimizar o eventual viés causado pelo
sentido positivo que a expressão carrega na atualidade (DALTON, 2004). Exploro aqui a defesa
da atuação de um líder “salvador” ou “que coloque as coisas no lugar”, para captar
concordância com o que O’Donnell (1991) definiu como democracia delegativa. Espera-se que
essa atitude diminua de intensidade com maiores níveis de escolaridade – mesma tendência
prevista para o desconhecimento do significado da democracia.
PARTICIPAÇÃO
Os mais escolarizados tendem a participar mais por canais convencionais –
comparecendo para votar, por exemplo – e não-tradicionais – como tomando parte em
associações voluntárias, abaixo-assinados ou manifestações (VERBA ET AL., 1995). Também em
5
novos campos de participação, como via Internet, escolaridade costuma estar correlacionada
com maior ativação (BEST E KRUEGER, 2005).
A explicação central para essa associação é de que a escolaridade diminui os custos,
aumenta os recursos e estimula a motivação para participar (Verba et al., 1995). Pelo lado de
custos e recursos, as capacidades cognitivas ampliadas que vêm com a instrução formal tornam
o sistema político mais fácil de compreender. Também aumentam o acesso à informação
factual e sobre o funcionamento do sistema político. A educação ainda traz ganhos em outras
áreas que, da mesma forma, representam recursos adicionais para a participação; o mais
decisivo deles é a renda ampliada.
Aqui apresento a participação como desejável para a convivência democrática porque
os mais ativos têm mais chances de terem seus interesses atendidos pelo sistema político. E,
normativamente, é desejável que as decisões coletivas considerem igualitariamente as
preferências de cada cidadão.
Na operacionalização do conceito de participação, levo em conta que se trata de objeto
amplo, com diferentes dimensões, nas quais atuam mecanismos específicos. Assim, a
participação por canais tidos como tradicionais, por envolver instituições consagradas como
intermediadoras na política (voto e partidos, por exemplo), tende a apresentar queda
sustentada no período observado (INGLEHART, 2002; DALTON, 2004); canais menos
institucionalizados (como a subscrição de abaixo-assinados) se tornam proeminentes. As
chamadas novas formas de participação, que apresentam menos coordenação das elites e mais
atuação espontânea do cidadão isolado ou em redes horizontais, são apontadas como até mais
dependentes das habilidades e recursos individuais do cidadão, inclusive a escolaridade
(DALTON E KLINGEMANN, 2007).
A partir da tipificação proposta por Topf (1995), trabalho com variáveis que
representam diferentes dimensões da participação: no campo convencional, observo a
disposição de votar e a participação em partidos; no campo das novas formas de ação, analiso a
atuação em grupos formais ou informais e diferentes formas de protesto (participar de
sindicato, assinatura de abaixo-assinado, tomar parte em manifestações e participar de
greves). Duas variáveis gerais de ativação também foram incluídas na análise: interesse por
política e atração (exposição ou atenção) por notícias políticas.
6
CONFIANÇA EM INSTITUIÇÕES
A confiança em instituições é outra dimensão da legitimidade democrática,
caracterizada por ter dinâmica autônoma se cotejada a outros níveis de apoio ao regime.
Moisés (2005) já apontou o aparente paradoxo existente no Brasil e em outros países latinoamericanos, nos quais elevados níveis de preferência pela democracia convivem com reduzida
confiança institucional. Em estudo recente envolvendo México e sete países centroamericanos, maior escolarização apareceu associada a aumento do apoio aos princípios
democráticos e a redução da confiança nas instituições (BOOTH E SELIGSON, 2009).
É discutível o sentido da associação entre escolaridade e confiança nas instituições. Nie
et al. (1996) não detectaram correlação robusta entre os dois. Schlegel (2005) relatou
associações com sinais diferentes para dimensões diversas da avaliação de instituições
democráticas: no caso de avaliações imediatas de Congresso, partidos e governo, a correlação
tinha sinal negativo, isto é, maior escolaridade representava pior avaliação; avaliações
relacionadas ao papel de políticos e partidos no regime tiveram sinal positivo.
Aqui adoto como premissa a noção de que a educação desenvolve no cidadão
ferramentas que permitem observar com maior clareza os déficits no funcionamento das
instituições democráticas. A capacitação cognitiva e o aumento do acesso à informação
trazidos pela instrução formal fazem com que maior educação apareça associada à menor
confiança (NORRIS, 1999). As pesquisas empregadas oferecem oportunidade de testar quatro
dimensões da confiança: no governo, no Congresso, nos partidos e no Judiciário.
O CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO
O que torna o Brasil um caso privilegiado para a observação dos impactos políticos da
instrução formal é seu contexto educacional singular. Marcado por um atraso histórico, o
sistema de ensino brasileiro passou por uma expansão espetacular nas últimas décadas
(gráfico 1). A virtual universalização do nível fundamental foi acompanhada de queda na sua
efetividade, em termos de desenvolvimento de habilidades e retenção de conhecimentos.
Ensino médio e superior também viveram boom em termos de matrículas, no caso do primeiro
com efeitos negativos para a qualidade demonstrados em estudos quantitativos.
A trajetória descrita em balanços de diferentes matizes pedagógicos é de crescente
democratização da educação, porém com claros prejuízos à qualidade, que já não era a
desejável antes do início do processo (TORRES, 1998; SCHWARTZMAN, 2005; OLIVEIRA E
7
ARAÚJO, 2005; CASTRO, 2007). Mas faltam dados que permitam avaliar mais precisamente as
características da perda de qualidade do ensino ocorrida paralelamente à expansão acelerada.
Qual teria sido o auge do sistema brasileiro em termos de qualidade ou qual a magnitude da
sua queda, por exemplo?
Gráfico 1 - Média de anos de estudo no Brasil
5,0
4,5
4,0
3,5
3,0
2,5
1960
1965
1970
1975
Pop de 25 anos ou +
1980
1985
1990
1995
2000
Pop de 15 anos ou +
Fonte: Barro e Lee (2000), disponível em http://www.cid.harvard.edu/ciddata/ciddata.html
Só a partir de 1995 há testes que permitem a comparação do desempenho dos alunos
em diferentes anos de aplicação. Naquele ano, o Saeb (Sistema de Avaliação do Ensino Básico1)
adotou metodologia com comparabilidade de um ano para o outro, aplicada às áreas de língua
portuguesa e matemática (gráficos 2 e 3). A prova utiliza um sistema de pontos em que os
níveis de aprendizado são tomados como cumulativos e é fixado o patamar desejável para cada
série analisada em uma escala que vai de 0 a 500 pontos.
A análise longitudinal das médias sugere processos de relevância para este estudo:
- No caso da 4ª série do fundamental, houve queda nas médias durante a segunda metade dos
anos 1990, seguida de recuperação no restante do período;
- Para a 8ª série do fundamental, foi registrada queda na segunda metade dos anos 1990,
tendendo à estabilização no final do período;
- Na 3ª série do médio, houve tendência acentuada de queda ao longo do período, com
estabilização apenas na última avaliação; no intervalo, este foi o nível de escolaridade com
maior queda na média de desempenho, em termos absolutos e relativos.
1
Implementado no Brasil em 1990, o Saeb envolve provas realizadas de dois em dois anos com alunos da 4ª e 8ª séries
do fundamental e da 3ª série do ensino médio. A base desse sistema de avaliação é amostral e também são aplicados
questionários contextuais com diretores, professores e alunos.
8
Gráficos 2 e 3 – Média de pontos no Saeb de língua portuguesa e matemática
Fonte: Inep (2007)
Apenas o resultado dos alunos da 4ª série do fundamental em matemática superou a
primeira marca, de 12 anos antes. As maiores quedas na comparação das duas pontas das séries
históricas ficaram para o nível médio, com o desempenho da 8ª série do fundamental
mostrando tendência intermediária. Isso sugere que cada uma dessas etapas de escolarização
– séries iniciais do fundamental, séries finais do fundamental e ensino médio – vive momento
diferente na trajetória de sua qualidade.
O mesmo ocorre em termos de expansão. Enquanto o fundamental teve seu pico de
crescimento entre 1960 e 1980, o médio passou por boom a partir do início dos anos 1990,
ainda mais pronunciado na segunda metade da década (gráfico 4). O médio apresentou a maior
perda de qualidade entre 1995 e 2007, coincidindo com sua fase de crescimento acelerado. O
período analisado aqui a partir das pesquisas de opinião coincide justamente com o de
aceleração mais marcada na expansão do médio.
A quase totalidade dos estudos sobre impactos da educação no comportamento
político não leva em conta a qualidade do ensino. De um lado, as pesquisas que fundaram as
bases desse campo de investigação foram realizadas nos Estados Unidos e países europeus,
nações que não experimentaram expansão tão concentrado e capaz de fazer oscilar a
qualidade do aprendizado de forma tão dramática quanto no caso brasileiro. De outro lado, o
usual é surveys e bases de dados sobre comportamento político não contemplarem com
riqueza de detalhes o processo educacional por que passaram os indivíduos. No entanto,
estudos que podem ser considerados exceção detectaram associação consistente entre
medidas de desenvolvimento cognitivo, escolaridade e comportamentos como engajamento
9
cívico (Nie et al., 1996) e disposição de votar (Hillygus, 2005)2. Embora o desenho deste estudo
não permita incluir a qualidade nos modelos para explicar o comportamento individual, ela será
considerada na elaboração de nossas hipóteses, na seção seguinte.
Gráfico 4 – Expansão do ensino fundamental e do médio
Taxa líquida da escolarização* (em %)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1950
1955
1960
1965
1970
1975
Fundamental (7 a 14 anos)
1980
1985
1990
1995
2000
Médio (15 a 17 anos)
Fonte: Inep
*A taxa de escolarização líquida representa a relação entre o número de matrículas em dado nível de
instrução comparado com o número de indivíduos da população com a idade esperada para aquele nível (7 a
14 anos, no caso do fundamental, e 15 a 17 para o médio)
HIPÓTESES, DADOS E ANÁLISES
Neste capítulo, testo duas hipóteses formuladas a partir da revisão da perspectiva
convencional sobre educação e política, cotejada com o contexto educacional brasileiro:
•
Em cada ponto do tempo observado isoladamente, a educação mostra impactos
positivos nos comportamentos e atitudes relacionados ao apoio à democracia e à
participação; no caso da confiança nas instituições, a associação tem o sentido inverso
(mais escolaridade será acompanhada de menos confiança);
•
A recompensa política dos níveis mais elevados de instrução (médio e superior) caiu no
intervalo analisado (entre o fim dos anos 1980 e meados dos anos 2000).
A primeira hipótese se destina a verificar se a perspectiva convencional, que prevê
associação entre a educação e as variáveis políticas escolhidas, é válida para as condições
2
Nie e colegas incluíram uma medida de proficiência cognitiva em seu Citizen Participation Study, de 1990, pela qual os
respondentes eram convidados a identificar o significado de 10 palavras a partir de um grupo de respostas; essa
avaliação mostrou associação positiva com anos de escolarização e com variáveis relacionadas à de participação.
Hillygus empregou o Scholastic Achievement Test (SAT), destinado a medir a proficiência verbal de alunos prestes a
iniciar a faculdade, e encontrou associação com dimensões da ativação política;
10
brasileiras contemporâneas. Ela será confirmada se, nos modelos de regressão logística
apresentados mais adiante, maior escolaridade representar maiores chances de os cidadãos
relatarem atitudes e comportamentos mais democráticos. Estudos recentes da OCDE
(Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) avaliam os “resultados
sociais da educação” (“social outcomes of education”, OECD, 2009: 170) utilizando
metodologia semelhante: surveys nacionais e o cálculo das diferenças atitudinais entre níveis
de escolaridade para avaliar os ganhos adicionados (OECD, 2007 e 2009)3.
A segunda hipótese envolve avaliar a maneira como o crescimento da escolaridade no
Brasil impactou comportamentos políticos ao longo das últimas décadas. Traçar simplesmente
a trajetória de dado comportamento no tempo para o agregado da nação não permitiria
discriminar o efeito independente gerado pelo aumento da escolarização. Digamos que a
desconfiança em relação às instituições tenha crescido desde os anos 1980 no conjunto da
população; como saber qual parcela dessa variação pode ser atribuído ao aumento da
escolaridade média dos cidadãos? O encolhimento da confiança poderia ser fruto de mudanças
históricas ou políticas, como a mudança no papel desempenhado pelos partidos no jogo
político, por exemplo. Supero essa limitação isolando o efeito independente da escolaridade
nas pontas do intervalo de 17 anos cobertos pelos surveys que utilizei. Verifico qual o retorno
agregado pelos diferentes níveis de escolaridade em cada extremidade e o comparo com o
retorno do outro extremo do período.
Levando em conta a queda na qualidade descrita por avaliações e estudos específicos, a
hipótese 2 tem caráter negativo: a expectativa é de que o retorno político da educação para
cada faixa de ensino tenha decrescido no intervalo.
Se confirmada, essa não será uma conclusão trivial, pois recompensas decrescentes
colocam em xeque a perspectiva tradicional para os efeitos do aumento da escolaridade no
tempo. A inferência de que a elevação do nível médio de educação de uma nação será
acompanhada de ganhos sustentados em comportamentos políticos parte do pressuposto de
que a recompensa do acréscimo de instrução no nível individual tem padrão estável no tempo.
Um exemplo: a previsão de que o conjunto dos cidadãos terá atitude mais democrática com a
popularização do ensino superior se baseia na ideia de que aumentará a proporção de pessoas
3
Três indicadores são considerados nesses estudos: auto-avaliação da saúde do indivíduo, seu interesse por
política e seu nível de confiança interpessoal. Os dois últimos refletiriam a “coesão da sociedade” (“cohesiveness of
society”, OCDE, 2009: 170). A partir de dados do European Social Survey, ondas de 2004 e 2006, e do World Values
Survey, onda 2005, os relatórios têm constatado que a relação entre educação e interesse por política (assim como a
auto-avaliação da saúde) é positiva e consistente em grande número de países. Com a confiança interpessoal, a
associação costuma ser positiva, mas menos consistente.
11
com o comportamento esperado de um universitário (no caso, maior apoio à democracia); a
premissa subjacente é que o comportamento dos futuros universitários no ponto t1 será igual
ao do universitário médio no ponto t0. Se o comportamento político do futuro universitário
ficar aquém do esperado, num sinal de mudança do padrão da recompensa pela escolaridade
adicionada, não se pode garantir que haverá a evolução prevista para o agregado. No final do
período, pode haver maior proporção de universitários, que no entanto não terão
comportamento político diferenciado em relação a cidadãos com nível menor de escolaridade.
O achado também não será trivial considerando que a qualidade do processo de ensino e
aprendizagem costuma ser ignorada nos estudos internacionais sobre efeitos políticos da
educação. Detectar possível relação entre qualidade em queda e recompensa decrescente
serviria de alerta para essa omissão recorrente.
DESCRIÇÃO DAS PESQUISAS DE OPINIÃO
Esta empreitada representa desafio especial em termos de metodologia por ao menos
dois motivos: tem a ambição de cobrir décadas de mudança no comportamento do brasileiro e,
justamente por isso, utiliza dados secundários. Idealmente, um estudo destinado a analisar o
impacto no nível individual do aumento da escolaridade verificado nacionalmente envolveria
desenho de pesquisa complexo. Um estudo de painel poderia ser cogitado, mas haveria grande
risco de esgotamento, devido à dificuldade de localizar os mesmos entrevistados ao longo de
período tão longo (Babbie, 2001).
Sigo na trilha aberta por pesquisas com limitações semelhantes, mas que resultaram
em aproximações consistentes o bastante para gerar grande impacto em campos correlatos
(em especial JENKS ET AL., 1972; HYMAN ET AL., 1975, PAGE E SHAPIRO, 1992; DELLI CARPINI E
KEETER, 1996). Em comum, elas têm a análise secundária de dados e o uso de questões
semelhantes pinçadas de pesquisas de opinião com diferentes desenhos amostrais4.
4
Essa prática é recorrente em estudos de tendência com a ambição de abranger longos períodos (Babbie, 2001:102).
Nesse tipo de estudo, uma população é amostrada em pontos diferentes do tempo e, ainda que os indivíduos
entrevistados sejam diversos em cada survey, cada amostra representa a mesma população. Dessa forma, um estudo
transversal se aproxima de um longitudinal. Mesmo pesquisadores que fazem objeções ao uso de surveys para
inferências acerca de processos que se desdobram no tempo são capazes de admitir seu uso para mudanças temporais
quando os instrumentos utilizam questões idênticas ou “muito similares” para amostras representando a mesma
população (Skocpol e Fiorina, 1999:7).
12
Tabela 1 – Pesquisas de opinião utilizadas
Ano
1989
1990
1993
2002
2006
Título
Cultura e Política
Cultura e Política
Cultura e Política
ESEB (Estudo Eleitoral
Brasileiro
Desconfiança dos Cidadãos
das
Instituições Democráticas
Iniciativa (realização)
José Álvaro Moisés (Cedec/Datafolha)
José Álvaro Moisés (Cedec/Datafolha)
José Álvaro Moisés (Cedec/Datafolha)
Rachel Meneguello (Cesop - Centro de
Estudos da Opinião Pública, Unicamp)
José Álvaro Moises/Rachel Meneguello
(Grupo temático A Desconfiança nas
Instituições Democráticas)
Amostra
Nacional
Nacional
Nacional
Nacional
N
2.083
2.480
2.526
2.514
Nacional
2.004
Na América Latina, pesquisas de opinião raramente repetem questões idênticas por
muito tempo (Booth e Seligson, 2009). Nesse sentido, as pesquisas brasileiras utilizados neste
livro são exceção honrosa, pois cobrem 17 anos (1989-2006) repetindo parte relevante das
questões sobre cultura política e sempre com amostragem nacional (tabela 1)5.
Os contextos políticos em que foram aplicados os questionários por vezes sugerem
influência direta nos dados observados e merecem ser lembrados ainda que de forma sintética.
A pesquisa de 1989 foi realizada no mês de setembro do ano da primeira eleição direta para
presidente, após os 21 anos de ditadura militar, e menos de 12 meses após a promulgação da
Constituição de 1988, que representou o restabelecimento institucional do poder civil após o
regime autoritário. A pesquisa de 1990 foi feita em março, dias antes da posse do presidente
Fernando Collor de Mello e do bloqueio dos recursos dos brasileiros no sistema financeiro,
como parte de um plano para combater a inflação; foi realizada ainda com José Sarney no
cargo de presidente da República. O questionário seguinte foi aplicado em março de 1993, sob
impacto da renúncia de Collor (em dezembro de 1992) para escapar de processo de
impeachment e poucos meses após a posse de Itamar Franco. O de 2002 é um estudo aplicado
logo após a eleição que levou Luiz Inácio Lula da Silva ao poder. Finalmente, a pesquisa de 2006
foi realizada em junho, após o escândalo do Mensalão (iniciado no ano anterior) e antes da
eleição que reconduziu Lula ao cargo de presidente para um segundo mandato seguido.
Nos testes das próximas seções, a escolaridade foi operacionalizada como variável
categórica com quatro subgrupos: até fundamental incompleto; fundamental completo; médio
incompleto e completo; e superior incompleto ou mais). As frequências originais dos surveys
aparecem à tabela 2.
5
Agradeço pela cessão dos dados ao Cesop (Centro de Estudos da Opinião Pública), da Unicamp, e ao grupo temático A
Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas, financiado pela Fapesp.
13
Tabela 2 – Freqüências dos níveis de escolaridade nos surveys (em %)
Até fund. incompleto
1989
Não foi à
escola
1º grau
incompl.
Superioor inc ou Médio incom. a
mais
completo
Fund.
Comp.
7,5
48,5
Total
1º grau
completo
Total
2º grau
incompl.
56
9,0
2º grau
incompl.
Total
Superior
incompl.
Superior
completo
Pós
Total
13,0
9,0
8,7
21,7
4,7
7,0
0,8
12,5
1990
Não foi à
escola
1º grau
incompl.
1º grau
completo
2º grau
completo
2º grau
completo
Superior
incompl.
Superior
completo
Pós
8,3
43,0
51,3
11,5
11,5
9,0
15,0
24,0
5,4
6,5
1,0
12,9
1993
Não foi à
escola
1º grau
incompleto
1º grau
completo
2º grau
incompl.
2º grau
completo
Superior
incompleto
Superior
completo
Pós
6,5
2002
Analfa./sem
instrução
8,0
40,3
Até 4ª série
26,5
Da 5ª a 8ª
incompleta
15,5
46,8
12,9
12,9
9,8
17,6
27,4
5,3
6,5
1,1
12,9
Fund..
completo
Médio
incompl.
Médio
completo
Superior
incompleto
Superior
completo
Pós
50,0
5,9
5,9
10,0
16,4
26,4
4,7
10,8
2,1
17,6
2006
Analf./
4ª inc.
Até 4ª
compl.
5ª a 8ª
inc.
Fund.
comp.
Médio
incom.
Médio
compl.
Super.
incom.
Super.
compl.
ou mais
22,4
12,6
17,3
52,3
8,7
8,7
10,3
18,4
28,7
7,6
2,8
10,4
REGRESSÕES PARA ESTIMAR O QUE A EDUCAÇÃO AGREGA
Nesta etapa, foram utilizados modelos de regressão logística multivariada para dados
agrupados para permitir o controle de outros atributos pessoais além da escolaridade. Os
dados de cada pesquisa foram tratados isoladamente, para evitar violações por conta de
planos amostrais diferentes (PERES ET AL., 2008). Foi adotado modelo padrão para a regressão
de todas as variáveis dependentes, embora cada uma pudesse gerar modelo específico, a partir
de causalidades e dinâmicas próprias. Foram observadas 15 variáveis para operacionalizar os
conceitos de apoio à democracia (preferência pela democracia, desconhecimento de seu
significado e defesa de líder centralizador), participação (muito interesse por política, atração
por notícias políticas, disposição de votar se não fosse obrigatório, participação em partido, em
sindicato, em manifestação e em greves e hábito de assinar abaixo-assinado) e confiança nas
instituições (em governo, Congresso, partidos e Judiciário).
A opção por mais de uma dezena de variáveis relacionadas ao comportamento político
permite uma visão panorâmica dos impactos da educação em diferentes dimensões atitudinais,
de maneira a tornar observáveis eventuais regularidades. Cada variável tem causalidades e
14
dinâmicas próprias, com trajetórias temporais particulares, mas a intenção aqui é observá-los
em conjunto, procurando efeitos da escolarização de forma independente6.
A primeira variável observada foi a preferência pela democracia. A tabela 5 reproduz os
parâmetros obtidos no melhor modelo de regressão para o ano de 1989, ajustado por razão de
verossimilhança a partir da entrada de todas as variáveis explicativas listadas7. Ao lado deste
modelo aparece o de 2006, a partir das mesmas variáveis explicativas, especificadas de forma
similar8, em um procedimento inspirado em Silva e Hasenbalg (2000) e Peres et al. (2008).
Há três tipos de observações relevantes: 1) se as categorias de escolaridade foram incluídas no
melhor modelo ajustado; 2) se cada nível de escolaridade teve significância; 3) se as razões de
chance do nível se ampliaram ou reduziram no intervalo observado. Os dois primeiros critérios
são úteis para interpretações transversais, sobre a associação entre educação e
comportamento político em um ponto do tempo. O terceiro complementa interpretações
longitudinais, sobre o aumento, queda ou manutenção da influência da educação no período
analisado.
Analisemos inicialmente cada modelo em separado. As variáveis de escolaridade
entraram no modelo ajustado de 1989. Não houve significância para o fundamental completo
(o p de Wald ficou acima de 0,05), o que estatisticamente indica ser impossível diferenciar o
cidadão que tivesse esse nível de escolaridade de alguém com apenas o fundamental
incompleto (a categoria de referência em todas as regressões) em termos de preferência pela
democracia. Ao mesmo tempo, os dois níveis de instrução mais elevados se diferenciaram do
fundamental incompleto. Em 1989, alguém com nível médio tinha 1,555 vez a chance de preferir
a democracia em relação a alguém com fundamental incompleto – ou 55% a mais de chance.
Para o superior, a razão de chance foi de 2,159. No caso do modelo para 2006, apenas o
superior teve significância, com razão de chance de 2,240.
6
2
Por conta disso, os valores do pseudo r de Negelkerke (tomado como indicador da variabilidade explicada por cada
modelo) em geral são baixos e por vezes o teste de aderência de Hosmer e Lemeshow (que indica a adequação do
modelo para prever y=1) dá resultados críticos, próximos ou inferiores a 0,010, o que não prejudica nossas análises dado
o desenho do estudo
7
Em princípio, foram feitas comparações entre as duas pontas do intervalo observado (1989 e 2006), mas a pesquisa de
1989 não trouxe variável sobre renda; quando essa variável se mostrou significativa para explicar a variação de
determinado comportamento em 2006, a comparação apresentada é entre a pesquisa mais antiga que inclua renda e
disponha da variável de interesse. Em todos os casos, a comparação entre os resultados de surveys diferentes deve ser
vista como aproximação.
8
As exceções estão descritas com asterisco: * em 1990, divisão de renda não é por quintis, mas arbitrária, tentando se
aproximar dos quintis, distribuição imposta por conta da categorização original das respostas, resultando nas seguintes
freqüências: 1ª faixa tem 30,9% dos entrevistados, 2ª tem 29,4%, 3ª tem 19%, 4ª tem 12,7% e 5ª tem 8%; em 2006,
divisão não é por quintis, mas arbitrária, tentando se aproximar dos quintis: 1ª faixa com 6,5%, 2ª com 30,6%, 3ª com
19,8%, 4ª com 24% e 5ª com 19,1%; ** Em 1989, não há questão sobre raça ou cor do entrevistado; *** Pesquisa de
1989 traz variável sobre localização rural ou urbana, mas não sobre o tipo de área (se interior, região metropolitana ou
capital)
15
Comparando os dois modelos, pode-se interpretar que o nível médio perdeu influência no
intervalo observado. Nos dois modelos, a escolaridade foi incluída na versão ajustada (o
primeiro critério). Médio e superior tiveram significância em 1989, mas o médio a perdeu em
2006 (o segundo critério). O superior apresentou significância nos dois modelos, mas suas
razões de chance não variaram de forma relevante (a diferença não superou 20%, patamar
definido arbitrariamente). Pelo terceiro critério, entende-se ter havido estabilidade nas razões
de chance.
Tabela 5 – Regressão
Preferência pela democracia
Preferência pela democracia
1989
Wald
2006
OR
Wald
OR
Escolaridade (ref.: fundamental incompleto)
Fund. compl.
0,063
1,367
0,709
Médio
0,000
1,555
0,363
1,073
1,122
Superior
0,000
2,159
0,000
2,240
Renda (referência :1º quintil*)
Renda2
Renda3
Renda4
Renda5
Idade (referência: de 16 a 25 anos)
26 a 40
0,085
1,227
0,031
1,351
41 ou +
0,000
1,832
0,010
1,447
0,000
0,569
Sexo (referência: homem)
Mulher
0,010
0,775
PEA (referência: não trabalha)
Trabalha
Área (referência: interior**)
Metropolitan
a
Capital
Região (referência: Nordeste)
Norte/CO
0,157
0,783
Sudeste
0,001
0,654
Sul
0,132
0,775
Religião (referência: não tem religião)
Católico
0,617
0,905
Outra religião
0,212
1,335
Cor auto-declarada (referência: branca***)
Preto
Outras raças
Constante
0,098
0,703
0,000
2,055
Negelkerke r2
0,048
0,036
H&L
0,152
0,777
N
1.741
1.749
16
Por questões de espaço e clareza, não reproduzo na íntegra os estimadores obtidos em
todos os modelos usados. A tabela 6 traz razões de chance e significância encontradas apenas
para as variáveis de escolaridade de cada modelo9.
Tabela 6 – Sumário dos modelos de regressão com educação como categórica
Preferência pela democracia
Não sabe o que é
democracia
Defende líder centralizador
Muito interesse
por política
Notícias (atenção
ou exposição)
Votaria se não obrigatório
Participa
de partido
Participa
de sindicato
Participa de greve
Participa de manifestações
Assina abaixo-assinado
Confiança no governo
Confiança no Congresso
Confiança em partidos
Confiança no Judiciário
Fundamental
completo
1989
2006
1,367
1,073
(0,063)
(0,709)
0,4432
(0,000)
0,815
(0,236)
1,0452
(0,802)
1,037
(0,823)
0,837
(0,278)
Médio incompleto ou
completo
1989
2006
1,555
1,122
(0,000)
(0,363)
0,2072
(0,000)
0,683
(0,003)
2,0042
(0,000)
1,951
(0,000)
1,346
(0,014)
1,509
(0,003)
2,400
(0,000)
1,210
(0,088)
2
2
2
1,1732
(0,419)
1,3981
(0,112)
1,173
(0,462)
1,1681
(0,351)
0,715
(0,050)
0,695
(0,038)
1,1922
(0,264)
0,794
(0,164)
1,5162
(0,007)
1,6971
(0,001)
1,440
(0,014)
2,4061
(0,000)
0,483
(0,000)
0,626
(0,000)
1,4812
(0,001)
0,591
(0,000)
0,431
(0,000)
1,133
(0,576)
1,687
(0,061)
1,052
(0,773)
1,584
(0,490)
2,341
(0,026)
1,323
(0,121)
0,414
(0,000)
3,838
(0,000)
3,782
(0,000)
1,776
(0,000)
Sup incompleto ou
mais
1989
2006
2,159
2,240
(0,000)
(0,000)
0,0342
(0,000)
0,830
(0,218)
5,0192
(0,000)
4,307
(0,000)
3,778
(0,000)
2,5812
(0,000)
4,3841
(0,000)
3,642
(0,000)
4,0651
(0,000)
0,292
(0,000)
0,536
(0,000)
2,2922
(0,000)
0,704
(0,018)
0,102
(0,000)
2,521
(0,000)
2,636
(0,000)
2,809
(0,000)
8,485
(0,000)
9,594
(0,000)
3,202
(0,000)
1 – Indica dados de 1990 em lugar de 1989 2 – Indica dados de 1993 em lugar de 1989/ Na tabela, as variáveis com
significância têm seu índice de probabilidade (p) de Wald e razão de chance (OR) descritas em negrito
Prosseguindo com a análise para as outras 14 variáveis dependentes, chega-se ao
quadro combinando os três critérios mencionados (tabela 7). A primeira conclusão é que a
associação transversal entre educação e variáveis políticas – a base do que apresento como
perspectiva convencional – não se repete no contexto brasileiro com a força relatada em
9
O liminar de significância foi definido pelo índice p de Wald até 0,05, praxe neste tipo de análise. Embora a significância
estatística neste tipo de regressão guarde relação com o N – ela tem maior chance de ser apurada à medida que o
número de casos cresce e, no limite, N igual à população gera significância em todos os testes –, esse não é problema
para a interpretação dos resultados aqui, pois todos os modelos apresentam N com a mesma ordem de grandeza. O
número de casos varia de 1.741 a 2.176.
17
estudos bivariados. Quando são controlados fatores socioeconômicos e demográficos que
costumam compor explicações multicausais para o comportamento político, a escolaridade
deixa de ser o “solvente universal”. A associação esperada entre educação e comportamento
político não se concretizou de forma consistente em cerca de um terço dos testes – entre 9 e
25 dimensões, dependendo do nível de ensino observado.
Tabela 7 – Resumo da escolaridade nas regressões logísticas
Participação
Adesão demo
Variável
dependente
Escolaridade no
modelo
ajustado
Preferência pela
democracia
Não para fundamental
completo em 89 e 2006; não
para médio em 2006
Todos os níveis tiveram nas
duas pontas
Não sabe o que é
democracia
Defende líder
centralizador
Muito interesse
por política
Não em 2006
Noticiário (exp. ou
atenção)
Votaria se não
obrigatório
Participa de
partido político
Participa de
sindicatos
Participa
de greves
Não em 1993
nem em 2006
Não em 2006
Participa de
manifestações
Assina abaixoassinado
Confiança
Significância das variáveis
categóricas de escolaridade
Governo
Não em 2006
Congresso
Não em 2006
Partidos
Não em 2006
Judiciário
Não em 2006
Não para fundamental e
superior em 1989
Não para fundamental em
1989 e 2006; médio e superio
tiveram nas 2 pontas
Não para fundamental em
1989 e 2006; médio e superior
tiveram nas 2 pontas
Não para fundamental nas 2
pontas; médio não em 06;
superior tem nas 2 pontas
Médio e superior tiveram
apenas em 1989
Não para fundamental em
1989 e 2006; médio e superior
tiveram nas 2 pontas
Não para fundamental em
1989 e 2006; médio e superior
tiveram nas 2 pontas
Não para fundamental em
1989 e 2006; médio e superior
tiveram nas 2 pontas
Todos os níveis tiveram em
1989
Todos os níveis tiveram em
1989
Todos os níveis tiveram em
1989
Todos os níveis tiveram em
1989
Razão de chance (OR)
Superior estável
Fundamental estável;
ORs de médio e sup.
caíram em 2006
ORs de médio e
superior caíram em
2006
OR do médio subiu em
2006; OR do superior
caiu
OR do superior caiu em
2006
ORs de médio e
superior subiram em
2006
ORs de médio e
superior subiram em
2006
ORs de médio e
superior caíram em
2006
Em 8 dos 30 casos, as variáveis de instrução caíram em bloco no ajuste do melhor
modelo, o que significa que a educação não poderia ser considerada determinante relevante do
comportamento observado. Isso ocorreu marcadamente para as variáveis de confiança.
Também o fundamental completo não se diferenciou do incompleto de forma
estatisticamente consistente em 25 dos 30 modelos. O médio não se diferenciou em 10
18
modelos, somando aqueles em que a escolaridade caiu em bloco com aqueles em que esse
nível de ensino não teve significância. O superior, em 9. São casos em que, por exemplo, um
cidadão com secundário completo não tem chance maior de preferir a democracia como
regime político do que alguém que cursou só até a quarta série.
Resta observar os resultados longitudinalmente. No balanço, médio e superior
perderam influência para 11 das 15 variáveis políticas entre a virada da década de 1990 e meados
dos anos 2000. Em 6 variáveis (líder centralizador, participação em sindicato e a confiança nas
quatro instituições) todas as categorias de escolaridade deixaram em bloco de ser incluídas no
modelo ajustado da pesquisa mais recente. Em outros 2 casos, o médio perdeu significância em
2006 (preferência pela democracia e disposição de votar); e, em 3 casos (desconhecimento do
significado de democracia, interesse por política e assinatura de abaixo-assinado), as razões de
chance do médio caíram de forma relevante em 2006. Para o superior, houve redução das
razões de chance em 5 variáveis (não sabe o que é democracia, interesse por política, consumo
de noticiário, disposição de votar e assinatura de abaixo-assinado) na comparação da virada da
década de 1990 com a pesquisa mais recente.
As evidências indicam que, no intervalo de 17 anos analisado, a instrução formal deixou
de explicar variações na confiança institucional e diminuiu seus efeitos sobre indicadores de
adesão à democracia e diferentes dimensões da participação.
BREVES CONCLUSÕES
Neste capítulo, emergiram evidências contrariando a perspectiva convencional sobre
educação e comportamento político quando aplicada ao contexto brasileiro. Foram dois os
achados principais: em análises abordando um único ponto no tempo, maior instrução formal
não apareceu associada de forma inequívoca a comportamentos políticos desejáveis para a
convivência democrática; e a recompensa política para os dois níveis mais elevados de
escolaridade (médio e superior) foi decrescente no intervalo de 17 anos observado, sugerindo
que a elevação da escolaridade média brasileira ao longo do tempo não significou
necessariamente a popularização desses comportamentos.
Voltando à primeira hipótese de trabalho, vimos que o caso brasileiro se afasta do
relato convencional de que maior escolaridade aparece associada a maior intensidade em apoio
à democracia, participação e confiança nas instituições. Um em cada três testes se apresentou
como evidência contra a presunção de que níveis mais elevados de escolaridade são
19
acompanhados de maior intensidade nos comportamentos observados10. O resultado está
longe de permitir rechaçar globalmente a expectativa de associação, pois ela se confirma na
maioria dos casos. No entanto, mostra que essa associação não deve ser dada como certa e
inequívoca. Isso significa que há grande espaço para pesquisas que procurem definir com maior
precisão os mecanismos pelos quais a educação se relaciona com o comportamento político.
No que toca à segunda hipótese, as evidências indicaram que a recompensa em termos
políticos para os diferentes níveis de ensino diminuiu entre a virada da década de 1990 e
meados dos anos 2000. Logo após a redemocratização, ter frequentado o ensino médio ou o
superior diferenciava o cidadão em termos políticos de forma que não se reproduz hoje: ele era
mais interessado em política, mais atraído pelo noticiário e prezava mais o voto do que alguém
com menor instrução. Porém, nesse intervalo, o retorno político para os níveis de ensino mais
elevados caiu em duas de cada três dimensões analisadas11.
É uma constatação nada trivial. Ela contraria indiretamente a presunção de que o
aumento da escolarização média de uma nação gera elevação sustentada de comportamentos
favoráveis à convivência democrática. Por trás daquela inferência há dois pressupostos: cada
nível de escolaridade traria recompensas cumulativas em termos políticos; e o ganho político
no nível individual da cada ciclo teria um padrão estável no tempo. Não é outro o motivo que
faz autores apostarem que o tempo trará a popularização de atitudes mais democráticas em
princípio típicas dos mais escolarizados, a exemplo de Almeida (2007) 12.
As análises deste capítulo demonstram que no intervalo observado caiu o retorno
político do ensino médio e o do superior. E não só a recompensa política foi decrescente, como
chegou a ser nula em parte relevante das dimensões analisadas – casos em que, do ponto de
vista de comportamento político, um cidadão com ensino médio não se diferenciou de outro
que não concluiu sequer o fundamental, por exemplo.
10
É possível argumentar que a inclusão da confiança institucional, cuja associação com a escolaridade é questionada por
autores como Nie et al. (1996), colaborou fortemente para esse resultado geral. Mas, considerando apenas as
dimensões do apoio à democracia e participação analisadas aqui, os resultados em que a associação não se confirmou
estão próximos de 1 para 4.
11
A proporção se mantém caso sejam deixados de lado os testes com confiança institucional.
12
A interpretação do autor ilustra a esperança tácita ou explicitamente depositada na educação por parte da produção
da Ciência Política nacional. “Não estou negando as especificidades nacionais, apenas enfatizando que culturas nacionais
podem ser menos importantes do que as de grupos sociais transnacionais, unidos pela escolarização formal. A herança
ibérica nunca será abolida do DNA da cultura brasileira, mas é possível tornar os brasileiros mais seguidores da lei por
meio da educação formal. Portugal será sempre nossa pátria-mãe, mas para tornar o Brasil mais liberal na economia é
preciso massificar, e muito, o ensino superior. História e herança não mudam, mas o nível de escolaridade traz
alterações de conseqüências bastante profundas para qualquer sociedade. Entre elas, a consolidação da democracia”,
afirma em conclusão de trabalho recente (Almeida, 2007:277).
20
Isso coloca em xeque o efeito esperado para o agregado dos cidadãos com a elevação
da educação média. No Brasil, a quantidade de escolarização está crescendo, mas cada unidade
de instrução formal acrescida não trará necessariamente o retorno político que se podia
esperar no passado. Transforma-se em nova questão para a agenda de pesquisa saber se mais
gente escolarizada – efeito positivo – com níveis de ensino que trazem recompensa política
declinante – efeito negativo – terá balanço líquido favorável no agregado. Além disso, todas as
variáveis dependentes observadas têm dinâmicas no nível individual que sofrem influência de
diversos outros fatores além da educação – para não citar fatores que estão além do indivíduo,
como os institucionais.
E como explicar o retorno político decrescente para a educação brasileira? Teoria e
intuição apontam para a queda na qualidade do ensino como principal suspeita. Uma das
interpretações para os mecanismos pelos quais a educação impacta comportamentos políticos
é de que ela atua no desenvolvimento de capacidades cognitivas e conhecimentos que
funcionam como recurso decisivo para a vivência política. Pior qualidade na educação gera
menos habilidades e menor retenção de conteúdos, portanto é plausível que tenha reflexo
negativo também em termos de recompensa política. É uma hipótese promissora, que merece
atenção em estudos futuros. Nessa frente, ainda há muita lição de casa esperando para ser
feita.
21
VII.
CORRUPÇÃO POLÍTICA E DEMOCRACIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
JOSÉ ÁLVARO MOISÉS
INTRODUÇÃO
O governo de Luis Inácio Lula da Silva foi atingido, em meados de 2005, por uma
grave crise política provocada por escândalos de corrupção envolvendo o seu esquema de
apoio parlamentar, o seu partido político e os seus mais importantes ministros. As
denúncias foram feitas pelo líder de um dos principais partidos integrantes da base de
sustentação do governo no primeiro mandato do presidente1. Apesar disso, Lula reelegeuse, em 2006, com mais de 60% dos votos dos eleitores, o que sugere algumas
possibilidades: 1. a maioria dos eleitores brasileiros não estava informada dos fatos; 2. a
maioria, informada ou não, não estava convencida do envolvimento do presidente e do seu
partido; ou 3. a maioria não associa “o uso indevido de recursos públicos para fins
privados”2 com distorções do desempenho de governos passíveis de serem punidas nos
termos da lei, embora o voto seja o instrumento mais direto de responsabilização de
governantes (accountability vertical) à disposição dos cidadãos. A hipótese deste trabalho é
que, qualquer que seja o caso, isso é uma conseqüência, além de outros determinantes da
corrupção, da cultura política dos brasileiros. O estudo testa esta hipótese empìricamente,
assim como aquelas derivadas de abordagens concorrentes.
A corrupção política é um dos problemas mais severos e complexos enfrentados
por novas e velhas democracias. No fundamental, ela envolve o abuso do poder público
para qualquer tipo de benefício privado, inclusive, vantagens para os partidos de governo
em detrimento da oposição. Ela frauda, portanto, o princípio de igualdade política inerente
à democracia, pois os seus protagonistas podem obter ou manter poder e benefícios
1
Em entrevista publicada pela Folha de São Paulo em 6 de junho de 2005, o deputado Roberto Jefferson,
presidente do PTB, declarou que congressistas aliados do governo Lula recebiam o que chamou de um "mensalão"
de R$ 30 mil do PT para votar em projetos de interesse do governo. Confirmou essas declarações nos dias 8 e 14 do
mesmo mês à CPI instalada no Congresso Nacional para apurar as denúncias e acrescentou que seu partido, o PTB,
recebeu do PT cerca de R$ 3 milhões para custear gastos de campanhas eleitorais.
2
Esta é a definição mais usual de corrupção política. Ver a respeito Treismam (2000).
políticos desproporcionais aos que alcançariam através de modos legítimos e legais de
competir politicamente. Ao mesmo tempo, ela distorce a dimensão republicana da política
moderna porque faz as políticas públicas resultarem, não do debate e da disputa aberta
entre projetos diferentes, mas de acordos de bastidores que favorecem interesses
espúrios3.
A conduta irregular de líderes e de partidos políticos também compromete a
percepção das pessoas sobre as vantagens da democracia em comparação com as suas
alternativas, pois ao fazer crer que ela é parte da rotina usual tanto do regime democrático
como do autoritário, ela desqualifica os mecanismos adotados pelo primeiro para controlar
o abuso do poder e para garantir a soberania dos cidadãos. Por outro lado, ao desqualificar
a relação dos cidadãos com os Estados democráticos, ela compromete a cooperação social
e afeta negativamente a capacidade de coordenação dos governos para atender as
preferências dos eleitores. Os seus efeitos afetam, portanto, tanto a legitimidade quanto a
qualidade da democracia ao comprometer o princípio segundo o qual neste regime
ninguém está acima da lei e contribui para o esvaziamento dos mecanismos de
responsabilização de governos [accountability vertical, social e horizontal (O’DONNELL,
1999)].
Para ser efetiva, a accountability vertical depende de que os cidadãos tenham
consciência de que têm o direito e o dever de manter a conduta de seus líderes políticos
dentro de padrões republicanos estritos, e de puní-los quando eles violam esses padrões.
Esse tipo de accountability implica em dois requisitos básicos: em primeiro lugar, os
cidadãos precisam ser capazes de perceber que a corrupção existe, quando é o caso. Nesse
sentido, argumentar que todos os líderes políticos são corruptos ou que a corrupção se
justifica porque muitos políticos a praticam – como importantes líderes políticos,
intelectuais e artistas sustentaram em 2005 e 2006 no Brasil – é uma forma de desqualificar
a democracia porque as opções eleitorais orientadas por essa posição simplesmente
excluem a possibilidade de mudança política. Mas, além disso, os cidadãos precisam ser
capazes de avaliar, em alguma medida, os impactos políticos da corrupção para, então,
decidir se querem responsabilizar os envolvidos por meio dos mecanismos democráticos de
sanção: eleições, procedimentos legislativos e jurídicos, impeachment, denúncias,
protestos, etc; ou se querem simplesmente continuar convivendo com eles a despeito das
suas violações da lei e da constituição.
3
Ver o quadro preparado pela CPI dos Correios do Congresso Nacional sobre a coincidência entre as datas de
aprovação de projetos do governo e a suposta liberação de recursos do “mensalão” para os deputados da sua base
de apoio. Cf. Relatório Final dos Trabalhos da CPMI – Íntegra do Relatório do Deputado Osmar Serraglio lido no
Congresso em 29/3/2006; pp. 55 e segts.
2
A pesquisa acadêmica sobre a corrupção política tem abordado principalmente o
papel de fatores gerais supostamente responsáveis pelo seu enraizamento no sistema
político: o desenvolvimento econômico, o desenho institucional, o perfil psicológico dos
atores, o desempenho de governos, etc. Em que pese a relevância destes fatores, até
agora, contudo, com poucas exceções (SELIGSON, 2002 E TREISMAN, 2000; 2007), a
pesquisa tratou apenas indiretamente da relação entre o abuso do poder público, a
percepção dos cidadãos sobre ele e os seus efeitos para a qualidade da democracia. O
papel dos valores e da cultura política na aceitação ou justificação da corrupção tem sido
negligenciado, ainda que o seu impacto sobre um amplo espectro de práticas civis, políticas
e negociais seja cada vez mais reconhecido pela literatura (HOFSTEDE, 1997; INGLEHART,
2002; INGLEHART E WEZEL, 2005; SHIN, 2006; KLINGEMANN, 1999).
Por isso, o foco deste estudo é a relação entre um conjunto de variáveis culturais e
institucionais - como a percepção da política, as crenças religiosas, a confiança interpessoal,
a satisfação com a democracia, o interesse e o acesso à informação política, a relação dos
eleitores com partidos e parlamentos e a influência das lideranças políticas – com a
percepção e/ou aceitação da corrupção pelos eleitores. A explicação dos modos como os
cidadãos vêm e avaliam a corrupção em seus países, e o quanto essas percepções e
convicções afetam o seu apoio a governos, instituições públicas e à democracia agregam
conhecimento novo sobre o tema. Os testes incluem indicadores de desenvolvimento
econômico (a avaliação da economia, a escolaridade e a localização ecológica dos
entrevistados) e, para fins de controle, as variáveis sócio-demográficas usuais. A análise é
exploratória e examina as implicações do fenômeno para a teoria democrática do ponto de
vista da abordagem culturalista e das suas principais alternativas concorrentes.
O texto está organizado em cinco seções. A primeira apresenta as principais linhas
de desenvolvimento teórico da pesquisa internacional sobre o tema. A segunda examina os
resultados de estudos recentes sobre a corrupção na América Latina e discute, desde uma
perspectiva comparada, a compatibilidade entre índices agregados internacionais de
percepção da corrupção e as percepções individuais dos latino-americanos sobre o tema. A
terceira avalia, com base em dados de diferentes pesquisas, primeiro o panorama da
corrupção no Brasil segundo as percepções do público e, segundo, a influência da cultura
política sobre essas percepções em anos recentes. A quarta examina os indicadores de
aceitação social da corrupção no Brasil, os seus determinantes e os seus efeitos.
Finalmente, na última seção é debatido o significado dessas percepções para a qualidade da
democracia no país.
3
De modo geral, os testes confirmam a hipótese segundo a qual as percepções e as
atitudes dos entrevistados sobre a corrupção são influenciadas, além de fatores explorados
pela literatura internacional, também por valores e pela cultura política contemporânea dos
brasileiros. E, ao mesmo tempo, que a aceitação social da corrupção influencia a percepção
dos cidadãos sobre importantes aspectos da democracia no país.
TEORIAS SOBRE AS CAUSAS DA CORRUPÇÃO
Os modelos mais conhecidos de explicação da corrupção, de autoria de
economistas e cientistas políticos, referem-se principalmente ao papel do desenvolvimento
econômico e do desenho institucional. As principais contribuições desses estudos abordam,
por uma parte, as conseqüências sistêmicas negativas da corrupção como o clientelismo, o
nepotismo e a ilegitimidade política (BANFIELD, 1958; JOHNSTON, 1979; ETZIONI-HALEVY,
1985; SELIGSON, 2002); e, por outra, as suas supostas implicações positivas como a
estabilidade política e o chamado ‘engraxamento’ de estruturas burocráticas rígidas); elas
também tratam das implicações da corrupção para o processo de tomada de decisão de
políticas públicas, especialmente, na área econômica (, mostrando que o fenômeno afeta
negativamente as iniciativas de investimento do poder público e das empresas, afetando,
portanto, o desenvolvimento.
Estudos mais recentes ampliaram o escopo analítico das pesquisas e incluíram, além
do desenvolvimento econômico, do tipo de regime político, da distribuição de renda ou do
tamanho do Estado, variáveis explicativas como o desempenho de governos, o sistema
jurídico-legal de prevenção e punição da corrupção, o grau de competição da economia, o
peso das crenças religiosas, o grau de participação feminina na política, e etc (TREISMAN,
2000; 2007; MONTINOLA E JACKMAN, 2002). Em geral, os resultados ampliam o
conhecimento do problema em áreas específicas, mas ainda não oferecem um conjunto
sólido de conclusões. Isto transparece, por exemplo, dos resultados de trabalhos recentes
que trataram de temas como (a) a avaliação comparada dos efeitos de distintos sistemas
legais no combate à corrupção, a exemplo das diferenças entre a commom law e a civil law;
(b) o efeito dos graus de abertura do sistema político no controle de práticas políticas
ilegais, a exemplo da liberdade de imprensa e de organização de partidos; e c) a relação
entre as práticas de corrupção e a efetividade dos mecanismos institucionais previstos pela
separação de poderes. A seguir é apresentada uma resenha do tema que, sem pretender
ser exaustiva, discute algumas dessas limitações ao abordar as implicações empíricas e
teóricas das duas principais linhas de pesquisa do tema.
4
Desenvolvimento econômico: com base em uma concepção originalmente utilizada por
sociólogos para explicar fenômenos como a democratização (LIPSET, 1960), alguns autores
atribuíram ao desenvolvimento econômico papel determinante na formação e no uso de
práticas tendentes a legitimar ou a embaralhar a distinção republicana entre as esferas
pública e privada (MYRDAL, 1970; EKPO, 1979). Desenvolvimento e modernização, com suas
conhecidas implicações para a transformação de relações econômicas e sociais e para o
fortalecimento de uma ordem política livre, pública e plural, são vistos como condição
necessária para a consolidação da capacidade do sistema político de coibir delitos contra o
interesse público. Assim, em contraposição a características consideradas típicas das
nações desenvolvidas, as sociedades tradicionais ou atrasadas tenderiam a não distinguir,
por exemplo, entre pagamentos legítimos e prebendas ilegais envolvendo as relações entre
agentes públicos e privados, e estimulariam a tolerância social diante de comportamentos
antirepublicanos. A idéia é que, diferentemente da experiência dos países que se
modernizaram sob o impacto de transformações econômicas e sociais, as nações com
baixos níveis de desenvolvimento não conseguiriam institucionalizar os procedimentos
compatíveis com a distinção entre as esferas pública e privada, legitimando práticas de
corrupção e de apropriação privada de recursos públicos. Neste caso, práticas e costumes
tradicionais se chocariam com as próprias regras legais vigentes, dificultando o enforcement
of the law e, assim, tornando inefetivo o princípio democrático do primado da lei.
A evidência empírica existente mostra que fatores como o pagamento de
prebendas, propinas ou contribuições financeiras em troca de benefícios obtidos na
realização de serviços ou obras públicas correlacionam-se com os níveis de
desenvolvimento econômico e social dos países estudados. Isso confirma a hipótese
principal dessa literatura sobre as relações entre desenvolvimento e corrupção, a qual
supõe que quanto mais alto o nível de desenvolvimento econômico e social de uma nação,
menor o nível de comportamento corrupto e, em conseqüência, de sua percepção pública.
Por isso, os testes empíricos destinados a verificar o efeito de variáveis explicativas sobre a
corrupção envolvem indicadores como os níveis de urbanização, de escolaridade, de renda
per capita, do produto interno bruto, etc – todos tratados pela literatura como correlatos
do desenvolvimento. O argumento enfatiza, portanto, que as chances de ocorrência de
comportamento corrupto entre políticos e burocratas do Estado são maiores em países de
níveis baixos ou médios de desenvolvimento econômico e social, a exemplo de nações do
continente africano, do Oriente Médio, do Leste europeu e da América Latina.
Entre os autores que testaram essas hipóteses, Treisman (2000; 2007) mostrou que
fatores como a alfabetização, a elevação dos níveis de escolarização, o controle da inflação
5
e o estabelecimento de relações contratuais não-personalizadas – fatores característicos da
modernização econômica e social e, presumivelmente, de níveis elevados de
desenvolvimento – criam as condições necessárias para que a corrupção seja
desestimulada, enquanto Montinola e Jackman (2002) atribuíram o declínio de práticas
antirepublicanas ao fato de o desenvolvimento econômico propiciar salários mais altos aos
funcionários do setor público de países desenvolvidos, diminuindo assim os incentivos à
adoção de práticas abusivas. No mesmo sentido, outros autores demonstraram que a
corrupção tende a ser maior em países em que o monopólio de recursos naturais, como o
petróleo, encontra-se em mãos do governo - situação comum a vários países de níveis baixo
e médio de desenvolvimento -, porque isso afetaria negativamente a relação entre atores
privados e públicos. A corrupção diminuiria, nestes casos, se e quando o setor privado
pudesse se beneficiar de countervailing actions exercidas por atores usualmente
extorquidos por burocratas de Estado ou por políticos (ALAM, 1995).
Segundo Alam, essa última possibilidade aumentaria (a) com a urbanização, a
ampliação da educação e a existência de salários crescentes em geral; (b) com o
crescimento da comunicação de massa e o avanço da tecnologia de transportes e de
comunicação; (d) com a melhoria da gestão e da prestação de contas de serviços públicos;
(e) com o crescimento do setor empresarial, da classe média e da força de trabalho urbana;
e, finalmente, (f) com a ampliação da pressão democrática dos eleitores sobre os gastos
públicos. A existência de associação estatística entre estes fatores, por um lado – da mesma
forma que com níveis elevados de renda per capita e de taxas de emprego -, e os
mecanismos de controle do comportamento de políticos e burocratas, por outro, é
bastante clara nos trabalhos destes autores, indicando que para se livrar da corrupção as
nações necessitam se desenvolver e adotar as características listadas acima.
Entretanto, uma decorrência lógica dessa abordagem é que, em vista das diferentes
trajetórias históricas das nações (colonialismo, dependência, globalização, etc), elas são
afetadas de modo desigual pelos processos de desenvolvimento, sendo impossível todas
avançar econômica e socialmente da mesma forma, nem segundo o mesmo ritmo. Em tese,
a premissa definiria ex-ante, ou seja, antes da ação política, a situação de diferentes nações:
enquanto algumas seriam necessariamente livres da corrupção, outras seriam fadadas a
conviver com ela como um componente inarredável de seu sistema político, pelo menos
enquanto não lograssem se desenvolver, algo que, no contexto da globalização, independe
de fatores estritamente nacionais. Essa abordagem deixa de lado, no entanto, uma
possibilidade inerente à natureza do processo político, ou seja, a possibilidade de que os
atores políticos decidam mudar os seus padrões de comportamento e interação - entre os
6
quais, os que sustentam as práticas de corrupção -, devido às conseqüências sistêmicas do
fenômeno. Em algum momento, a idéia normativa de que o sistema pode funcionar melhor
com a corrupção sob controle pode se tornar uma alternativa percebida como positiva para
todos, líderes políticos e eleitores4.
Desenho institucional: apesar dos avanços propiciados pela abordagem anterior, o
fenômeno da corrupção está presente, ainda que em graus diferenciados, em grande
número de nações democráticas independentemente de seus níveis de desenvolvimento.
Na realidade, além da corrupção fazer parte do cenário de países recentemente
democratizados (HUNTINGTON, 1991), a evidência existente não deixa margem para
dúvidas: diferentes formas de “uso indevido de recursos públicos” fazem parte também do
cenário de nações econômica e politicamente desenvolvidas (KLITGAARD, 1988; 1998),
embora isso não provoque a mesma repercussão do que quando ocorre em países pobres
ou de democratização recente.
Com efeito, mesmo sem considerar casos emblemáticos como o do ministro
Profumo, na Inglaterra, nos anos 60, e do Watergate, nos Estados Unidos, nos anos 70, uma
sucessão de escândalos de corrupção abalaram os governos da Itália, da Grã-Bretanha, do
Japão, da França, da Alemanha, da Bélgica e dos Estados Unidos nas últimas três décadas
(PHAR, 1999, DELLA PORTA, 1999, NDIAYE, 1998), mostrando que a prática de
irregularidades contra o patrimônio público, para além do desenvolvimento, depende
também depende de outros fatores como estruturas institucionais específicas que, em
tese, assegurariam maior transparência em decisões públicas que envolvem, por exemplo, a
construção de usinas elétricas, hidroelétricas ou nucleares, estradas, aeroportos, portos
marítimos, etc – todas somente realizáveis com a utilização de grandes somas de recursos
públicos.
Por que, então, a corrupção é mais generalizada em alguns países do que em
outros? Para responder a essa pergunta, alguns analistas deslocaram o foco da análise do
desenvolvimento para a influência do tipo de estrutura institucional sobre a corrupção e a
sua percepção pelos eleitores. Os sistemas políticos democráticos, capazes de assegurar
uma efetiva competição política, propiciariam maior escrutínio público da ação de governos
e líderes políticos; seus níveis de corrupção seriam menores, pois a estrutura poliárquica
favoreceria níveis mais altos de transparência em decisões públicas, propiciando melhores
4
Um exemplo disso é a criação da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção em março de 2009 em
conseqüência das declarações do senador Jarbas Vasconcelos, do PMDB, segundo o qual o apoio do seu partido a
diferentes governos, nos últimas décadas, é movido essencialmente pela corrupção.
7
possibilidades de controle sobre o comportamento dos burocratas e dos políticos por meio
da pressão dos eleitores. Em particular, a garantia de liberdade da oposição e da mídia em
geral asseguraria essa possibilidade.
As principais hipóteses vinculadas a essa abordagem referem-se, portanto, à
existência de estruturas institucionais capazes de garantir direitos civis e políticos,
liberdade de imprensa e sistemas eleitorais competitivos e abertos como condição de que
os mecanismos de accountability possam ser acionados eficazmente pelos eleitores e
pelas instituições para coibir a corrupção. Por isso, os testes destinados a verificar o efeito
de variáveis explicativas sobre a corrupção e a sua percepção pública envolvem
necessariamente o exame da associação entre índices agregados de percepção do
fenômeno com indicadores da vigência de direitos civis e políticos, assim como de
competição política, sistemas de governos e sistemas eleitorais. Nesse nível de abstração,
as análises comparadas baseiam-se em bancos de dados agregados que, diferentemente
das informações de nível individual, referem-se exclusivamente a públicos segmentados5.
Treisman (2007) resumiu a três os principais argumentos dessa abordagem: (a)
alguns autores acham que o efeito da democracia sobre a corrupção e os índices de sua
percepção pelo público é gradual, ou seja, são necessários muitos anos de experiência
democrática para que a ocorrência da corrupção e sua percepção – usualmente negativa sejam afetadas; (b) outros consideram que a relação entre estrutura política, corrupção e
percepções do fenômeno não é linear, ou seja, a democratização pode levar ao aumento da
corrupção no curto prazo, e só contribuir para aumentar o seu controle na medida em que
o processo se aprofundar; (c) e, finalmente, outros atribuem a estruturas institucionais
específicas - tipo de regras eleitorais, sistemas de governo, grau de liberdade de imprensa e
descentralização política, entre outros – o papel dos fatores determinantes tanto da
corrupção ou do seu controle, assim como da sua percepção.
Em geral as pesquisas mostraram que os índices de corrupção e de sua percepção
se correlacionam de fato com o desempenho das instituições mencionadas, mas os
resultados ainda são pouco conclusivos quanto ao sentido da conexão causal. Embora
alguns estudos tenham confirmado que a percepção da existência de corrupção é mais
baixa onde os direitos civis e políticos estão assegurados (TREISMAN, 2007), a relação entre
o regime democrático e as práticas antirepublicanas continua sendo objeto de controvérsia.
Enquanto Montinola e Jackmam (2002) encontraram uma relação não linear entre ambos,
5
Os principais índices internacionais agregados de percepção da corrupção são o da Transparência Internacional e o
do Banco Mundial. Ver a respeito os sites www.transparency.org e www.worldbank.org, para os relatórios anuais
sobre os países.
8
Treisman (2007) mostrou que a associação entre os indicadores de liberdades civis e
políticas e a percepção sobre a corrupção – baseada em índices internacionais agregados tanto pode crescer como diminuir dependendo dos níveis de mensuração considerados na
análise. Quanto à influência da duração da democracia, os resultados são erráticos, e são
mais positivos no que se refere à liberdade de imprensa: diferentes autores mostraram que
ela é uma condição indispensável para a responsabilização de políticos e de burocratas
corruptos (BRUNETTI E WEDER, 2003; ADSERA ET AL., 2003), mas Treisman (2007), depois
de refazer alguns testes, concluiu que quando outras variáveis são acrescentadas aos
modelos o peso da liberdade de imprensa se enfraquece.
Os efeitos dos sistemas eleitorais e da estrutura de centralização ou
descentralização do sistema político também foram testados, mas produziram resultados
contraditórios ou apenas marginalmente significantes (TREISMAN, 2007). A característica
institucional realmente significativa refere-se ao sistema de governo: sistemas
presidencialistas, em que o chefe de governo é eleito diretamente pelos eleitores, são
altamente associados com níveis agregados de percepção da corrupção (PANIZZA, 2001;
GERRING E THACKER, 2004, LEDERMAN ET AL., 2005). Outros autores confirmaram a
descoberta, concluindo que a influência do presidencialismo é ainda mais forte quando
combinado com a representação proporcional baseada em listas fechadas de candidatos
para eleições legislativas (KUNICOVÁ E ROSE-ACKERMAN, 2005). Treisman, depois de
inicialmente confirmar os resultados anteriores, testou modelos que incluíam, além do
presidencialismo, variáveis dummy para o catolicismo e o que chamou de países sulamericanos e, nesses testes, o presidencialismo tornou-se insignificante. Sua conclusão, no
entanto, antes de sugerir que o sistema presidencialista não influi sobre as percepções de
corrupção, é que as duas outras variáveis são mais relevantes quando incluídas no mesmo
modelo analítico, mas isso seria devido ao fato de elas condensarem em si a outra, pois,
segundo ele, “os países sul-americanos são em sua maioria católicos, corruptos e
presidencialistas” (TREISMAN, 2007).
Treisman fez um balanço global dos resultados da pesquisa nos últimos dez anos e,
além de confirmar a importância do desenvolvimento para explicar a corrupção, concluiu
que a longevidade histórica de sistemas políticos liberais – assegurada a liberdade de
imprensa – é a principal responsável pela percepção de que os países são menos corruptos;
e, acrescentou, o sistema parlamentarista, articulado com regras eleitorais pluralistas, ao
contrário do presidencialismo, implica claramente em percepção de que a corrupção é
menor. A evidência sugere, portanto, que países desenvolvidos com regimes de democracia
liberal são menos corruptos, e que se os seus chefes de governo forem eleitos diretamente,
9
a chance de incidência da corrupção é maior. Essa conclusão, embora preliminar, tem
importância para o exame da questão na América Latina e parte de suas implicações são
discutidas adiante.
Outras pesquisas mostraram, além dos determinantes da percepção, os efeitos da
corrupção para a governança democrática. Della Porta (2000) demonstrou que a corrupção
política distorce a demanda por serviços públicos, aumenta os seus custos, reduz a sua
qualidade, atrasa a realização de obras públicas e, ao mesmo tempo, dificulta o acesso de
quem não paga propina à administração pública. Ou seja, a corrupção compromete o
desempenho do Estado e afeta negativamente a eficiência de atores públicos e privados.
Por sua vez, Canache e Allison (2003) mostraram que a presença desses efeitos também
produz conseqüências para a capacidade do sistema democrático resolver problemas
coletivos, afetando a percepção dos eleitores quanto à possibilidade de que suas
expectativas sejam atendidas pelos governos.
Em seu conjunto, os estudos envolvem importantes avanços do conhecimento, mas
duas objeções precisam ser levadas em conta. Em primeiro lugar, é preciso considerar que
eles se baseiam, na maior parte dos casos, em dados de bancos agregados sobre as
percepções subjetivas de grupos segmentados da população (empresários locais,
executivos de multinacionais, diplomatas, jornalistas, consultores internacionais, etc), a
exemplo do Índice de Percepção da Corrupção, da Transparência Internacional, e o seu
equivalente do Banco Mundial, e, como advertiram alguns autores, as limitações de seu uso
exigem cautela na consideração dos resultados (HUSTED, 1999; POWER E GONZÁLEZ,
2003), mesmo que não seja o caso de descartar a sua contribuição. Opinião subjetiva não
reflete necessàriamente a realidade e isso é ainda mais provável quando a pesquisa se
apóia, não em uma amostra representativa da massa de eleitores de um ou vários países,
mas na visão de segmentos delimitados. Nessa situação, índices de percepção da corrupção
podem não revelar o que realmente acontece, podem superdimensionar o fenômeno ou
simplesmente esconder a sua magnitude. Além disso, a percepção subjetiva de um
fenômeno, quando baseada em entrevistas com setores limitados, pode refletir prima facie
a sua visão de mundo, com pouco recurso à diversidade. Nesse caso, os índices de
classificação de países como mais ou menos corruptos, ao invés de propiciar novos
elementos para o conhecimento, poderiam refletir apenas os interesses ou preferências
dos segmentos consultados, e não os déficits de desempenho das instituições com seus
reflexos para a qualidade da democracia.
Por isso, sem descartar a contribuição dos índices agregados de percepção da
corrupção para o conhecimento, as novas pesquisas deveriam começar pelo teste empírico
10
de sua compatibilidade com as respostas individuais de surveys representativos do conjunto
da população de países específicos. O procedimento é indispensável para se verificar o
quanto índices agregados de percepção da corrupção refletem o que as sociedades sob
observação pensam do tema. Opiniões subjetivas, mesmo baseadas em amostras
representativas, continuam não traduzindo linearmente a realidade política ou social, mas,
coletadas segundo metodologia adequada, são elementos essenciais para o exame do
impacto das percepções da corrupção sobre clusters de atitudes, opiniões e
comportamentos que afetam a qualidade da democracia. A influência negativa da
percepção de que a corrupção aumentou, em dado período de tempo, sobre a escolha de
modelos de democracia pode reforçar a opção que rejeita os partidos e o Congresso
Nacional (MOISÉS E CARNEIRO, 2008).
Outra limitação dos estudos sumariados é a atenção insuficiente dada à cultura
política na análise da corrupção, embora alguns se refiram à influência de crenças religiosas
e da presença feminina na política. Isso contrasta com o fato de parte da literatura
especializada apontar para a influência dos fatores culturais nos processos de
democratização dos últimos 30 anos (INGLEHART E WELZEL, 2005; DIAMOND, 1999; SHIN,
2006; MOISÉS, 1995; 2008). Ademais, a relevância da cultura também foi demonstrada em
estudos sobre a relação de empresas privadas com o Estado, em situações em que o
comportamento corrupto emerge como uma alternativa possível de ação (HOFSTEDE,
1997). Recentemente, no entanto, surgiram esforços no sentido de incorporar os valores e
a cultura como dimensões analíticas da corrupção, a exemplo dos estudos que examinaram
o papel da manipulação eleitoral, dos escândalos financeiros e/ou do uso indevido de
recursos públicos para fins privados no comprometimento da autoridade de governos, de
líderes políticos e do próprio sistema democrático (SHIN, 1999; DELLA PORTA, 2000;
PHARR, 2000; SELIGSON, 2002; POWER E GONZÁLEZ, 2003; CANACHE E ALLISON , 2003).
Mas é evidente que novos esforços de pesquisa ainda são necessários nesta área.
A CORRUPÇÃO NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL
Denúncias de corrupção têm sido comuns em vários países da América Latina nas
últimas décadas. No caso do Brasil, as denúncias que atingiram o governo Lula em 2005
foram amplamente divulgadas pela mídia, investigadas pela Polícia Federal e atualmente
são objeto de processo no Supremo Tribunal Federal, aberto a pedido do Ministério
Público, contra 40 pessoas. Entre os acusados estão o ex-presidente, o ex-secretário-geral e
o ex-tesoureiro do partido do presidente da República, da mesma forma que de outros
partidos da coalizão governista, e algumas das mais importantes figuras do governo à
11
época, como José Dirceu, ex-Chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda e
Luiz Gushiken, ex-titular da Secretaria de Comunicação da presidência - todos afastados de
seus cargos em conseqüência das denúncias e dos seus desdobramentos.
Os escândalos recentes - responsáveis por uma das mais graves crises políticas
vividas pelo país desde a sua democratização em 1985 - foram precedidos por casos
semelhantes ocorridos nos primeiros anos da década de 90, como o impeachment do expresidente Fernando Collor de Mello e a perda de mandato de vários membros da Comissão
de Orçamento do Congresso Nacional. Depois de 2005, uma sucessão de novos escândalos
voltou a atingir outros ministros de Estado, membros do judiciário, líderes partidários e
membros do Congresso Nacional como o ex-presidente do Senado Federal6. A corrupção
está presente, portanto, em todas as esferas da vida pública brasileira, caracterizando um
quadro fora de controle, ou seja, de natureza endêmica, em relação à qual, o sistema
político não foi ainda capaz de desenvolver anticorpos institucionais eficazes (TAYLOR,
2007; CHAIA E TEIXEIRA, 2001; SPECK, 2000).
Mas o Brasil não é um caso isolado na América Latina. Após a democratização do
continente, escândalos de corrupção também atingiram, nas últimas décadas, países como
a Argentina de Carlos Menem, o Peru de Alberto Fugimori e Alan Garcia, o México de José
Lopez Portillo e Carlos Salinas de Gortari, o Equador de Abdala Bucaram e a Venezuela de
Rafael Caldera e Carlos Andrés Pérez – este último também apeado do poder, como
ocorreu com Collor de Mello, por um processo de impeachment motivado por denúncias de
malversação de recursos públicos. Todos esses casos tiveram grande repercussão pública
por envolverem atores centrais do sistema político, mas inúmeros outros têm sido
relatados pela mídia, em vários países do continente, indicando que outras esferas da
administração pública e da burocracia de Estado, como prefeituras, governos de estados e
parlamentos locais, também são objeto de práticas de corrupção (CANACHE E ALLISON,
S/D.; POWER E GONZÁLEZ; WEYLAND, 1998).
Com base nessa evidência, alguns analistas sugeriram – não sem alguma surpresa que a corrupção aumentou na América Latina nos últimos 20 anos precisamente devido à
democratização. Na contramão de argumentos segundo os quais o estabelecimento da
democracia produz resultados positivos para o controle da corrupção por implicar em mais
accountability e maior transparência nas decisões sobre políticas públicas, Weyland (1998),
por exemplo, atribuiu o suposto crescimento da corrupção no continente a três fatores: em
6
Os casos de corrupção se sucedem a exemplo do suposto uso de recursos privados pelo senador Renan Calheiros,
ex-presidente do Senado Federal, para pagar pensão à mãe de sua filha; a chamada “máfia das ambulâncias”, os
gastos do Executivo com cartões corporativos, etc. Para mais informação e a lista completa dos casos recentes, ver
www.estadao.com.br e www.folhaonline.com.br .
12
primeiro lugar, às oportunidades - mais do que aos incentivos - criadas pela dispersão de
poder que decorre da democratização, a qual permitiria que maior número de agentes
públicos transacionasse favores em troca de benefícios privados (monetários ou não); em
segundo lugar, à onda de reformas neoliberais dos anos 90, durante a qual funcionários do
Estado e políticos teriam ampliado o seu poder de decisão sobre bens públicos como as
empresas estatais, cujos processos de privatização teriam criado novas oportunidades de
extração de vantagens dos interessados em comprá-los; por último, Weyland atribuiu o
crescimento da corrupção à emergência de novas formas de lideranças personalistas ou
carismáticas, isto é, líderes políticos que, sobrepassando os partidos políticos e os grupos
de interesse, teriam chegado à presidência de seus países através da mobilização de massas
pela televisão. O argumento sustenta que o uso da televisão em campanhas eleitorais
generalizou-se em conseqüência da democratização do acesso aos meios de comunicação
de massas, mas requer o investimento de grandes somas de recursos somente mobilizáveis
através da promessa de favores aos eventuais financiadores privados (WEYLAND, 1998).
Por outras palavras, para tornar possível a mobilização requerida pela formação de
lideranças personalistas e carismáticas, os partidos e os seus dirigentes teriam
necessariamente de recorrer ao que na experiência brasileira recente foi eufemisticamente
chamado de “gastos eleitorais não contabilizados”7, isto é, a utilização de recursos privados
que não podem ser declarados à justiça eleitoral por ferir a lei.
Embora reconheça que denúncias de escândalos envolvendo o uso indevido de
recursos públicos são um sinal de progresso em países caracterizados por processos
endêmicos de corrupção, pois revelam sinais de pressão da sociedade civil no sentido do
estabelecimento de padrões republicanos de comportamento político, o estudo de
Weyland é especulativo e não oferece os testes empíricos requeridos para comprovar as
suas afirmações. Além disso, os dois primeiros fatores mencionados por ele são, em certo
sentido, irrecorríveis, ou seja, a dispersão de poder é algo intrínseco ao estabelecimento da
democracia, cujos princípios a diferenciam de regimes concorrentes precisamente por ela
se constituir em uma alternativa institucional à concentração do poder; nesse sentido,
decisões no terreno econômico que se referem à desconcentração de monopólios de bens
públicos, a exemplo das privatizações, não são per se fonte originária de corrupção, mas
podem revelar a inexistência de procedimentos jurídico-institucionais eficazes para
controlar abusos. A análise de Weyland sugere, portanto, que a democratização exige algo
7
Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, classificou dessa forma os recursos ilegais de origem privada utilizados nas
campanhas eleitorais de 2002 e 2004 do partido, entre os quais, recursos que teriam sido usados no esquema do
“mensalão”.
13
mais para que a corrupção deixe de ser endêmica, mas o argumento remete para um bem
público escasso, segundo muitos estudos, ou seja, para um padrão de performance de
políticos e instituições públicas inexistente em muitas democracias recentes (SHIN, 2006).
Análises como a de Weyland reiteram as teorias segundo as quais o comportamento
corrupto, em que pese também existir em países desenvolvidos, é generalizado e mais
comum em sociedades menos desenvolvidas ou em processo de desenvolvimento. Mas,
embora outros estudos também mostrem que a corrupção aumentou nos países do Leste
Europeu após a democratização e a introdução da economia de mercado (HESSEL E
MURPHY, 2000), cabe indagar se esses casos não estariam apontando, como sugeriram
recentemente Husted (1999) e Power e González (2003), para a natureza mais complexa do
fenômeno, o que exige que seu exame leve em conta fatores ainda pouco tratado nos
modelos explicativos usuais, a exemplo de valores e tradições culturais que em muitos
países justificam a corrupção. O próprio terceiro fator sugerido por Weyland para explicar o
aumento da corrupção na América Latina, ou seja, a presença de lideranças personalistas e
carismáticas que facilitariam o comportamento corrupto, aponta nessa direção. Uma longa
tradição de governos carismáticos, envolvendo a personalização das relações de poder, foi
designada pela literatura recente e antiga como populista ou neopopulista por implicar, ao
mesmo tempo, em uma relação direta entre líderes políticos e o eleitorado, e a
desvalorização de instituições de controle de abusos como partidos e instituições de
representação. Embora operando em contextos distintos daqueles que originaram os
populismos dos anos 40 e 50 na América Latina, os casos recentes de neopopulismo
exemplificam as distorções mencionadas (CARNEIRO, 2009).
Husted (1999), Power e González (2003) estão entre os primeiros que, em anos
recentes, examinaram o papel da cultura política para explicar a corrupção, tendo usado
tanto dados agregados como individuais em estudos comparados. Power e González
incluíram variáveis culturais em seus modelos analíticos e mostraram que, se por um lado o
desenvolvimento econômico continua sendo um importante preditor da corrupção, a
evidência empírica mostra que, de forma direta ou indireta, a cultura também explica o
fenômeno. Eles sustentam, neste sentido, que um modo adequado de considerar tanto o
efeito do desenvolvimento econômico como das estruturas democráticas consiste em ter
em conta os lagged effects da cultura, que influenciariam indiretamente a propensão de
algumas sociedades para adotar o comportamento corrupto. O presente estudo se insere
nesta nova tendência de pesquisa, ao buscar agregar informação e conhecimento novos
sobre a relação entre cultura política e as percepções da corrupção.
14
DESENHO DA PESQUISA E METODOLOGIA
Vários conjuntos de dados foram utilizados, neste trabalho, para testar hipóteses
derivadas da literatura e da abordagem adotada. Em primeiro lugar, foi testada a
compatibilidade dos índices internacionais agregados de percepção da corrupção com as
respostas de nível individual do público latino-americano e, em seguida, se a hipótese do
desenvolvimento se aplica aos países latino-americanos. Ambos os procedimentos eram
necessários para permitir os passos seguintes da pesquisa, cujos objetivos visavam testar as
seguintes hipóteses específicas: 1. os indicadores de cultura política, tanto quando de
desenvolvimento e de desempenho institucional, importam para explicar, em graus
diferentes, os índices agregados de percepção da corrupção na América Latina e no Brasil
em anos recentes; 2. os índices de percepção da corrupção no Brasil mostram que a) os
brasileiros têm conhecimento da existência do problema no país; b) a percepção da
corrupção aumentou com as denúncias de sua existência, a exemplo do caso do
“mensalão” no governo Lula; e c) a aceitação social da corrupção no Brasil influencia
fatores associados com a qualidade da democracia.
As fontes de dados para os índices internacionais agregados de corrupção são a
Transparência Internacional e para os demais indicadores políticos e institucionais
agregados, a Freedom House; para as percepções do público sobre a corrupção em países
de diferentes níveis de desenvolvimento, o World Values Survey, entre 1995 e 2002; para a
América Latina, o Consórcio Latinobarômetro entre 2002 a 2004; para o Brasil, o Datafolha
entre 2005 e 2006 e as pesquisas dirigidas pelo autor entre 1993 e 20068. As variáveis
explicativas do estudo são, por um lado, os indicadores de desenvolvimento, de
desempenho institucional e de cultura política frente às percepções do público sobre a
corrupção na América Latina e no Brasil; e, por outro, as atitudes e opiniões dos brasileiros a
respeito da corrupção frente a diferentes objetos políticos como a confiança nas
instituições públicas, o regime democrático e a participação política. A unidade de
observação, análise e inferência adotadas são os indivíduos. Os testes realizados envolvem
análises estatísticas descritivas e análises de regressão e estão relatados no texto e nos
anexos.
PRINCIPAIS RESULTADOS
São os seguintes os principais resultados dos testes realizados:
8
As pesquisas “Cultura Política e Democratização”, de 1993, e “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições
Democráticas”, de 2006, foram dirigidas e coordenadas por José Álvaro Moisés (a última em parceria com Rachel
Meneguello, da Unicamp) e financiadas pela FAPESP, CNPq e Fundação Ford.
15
1. Compatibilidade entre os índices internacionais agregados de percepção da corrupção e
as respostas em nível individual por países9
Em face das objeções de parte da literatura sobre a validade de indicadores como o IPC, os
primeiros testes realizados visaram verificar, por um lado, se existe correlação entre esse
índice agregado por país e as respostas em nível individual a surveys nacionais ou regionais;
e, por outro, havendo correlação entre os dois indicadores, qual a posição dos diferentes
países no cruzamento de ambos indicadores. O primeiro teste mostrou que a correlação de
Pearson entre os indicadores é significante ao nível .001 e a associação é .90 (o r² ajustado é
.81), mostrando que a posição dos autores que criticam o uso dos índices não se sustenta,
ou seja, a corrupção percebida por segmentos específicos ouvidos por organismos como a
Transparência Internacional tem respaldo da opinião pública geral dos latino-americanos.
Em seguida, foi testada a existência de associação entre o Índice de Percepção da
Corrupção por país, de acordo com a Transparência Internacional, e a percepção da
corrupção em nível individual para diferentes países e para a América Latina segundo as
pesquisas do World Values Survey e do Latinobarômetro. Os dados confirmam
parcialmente a hipótese do desenvolvimento: por um lado, as democracias de maior nível
de desenvolvimento são aquelas em que tanto a percepção da corrupção dos grupos
segmentados como do público em geral é mais baixa, enquanto o contrário ocorre com boa
parte dos países de nível de desenvolvimento intermediário, como Espanha e Coréia do Sul
e, principalmente, com os de nível mais baixo de desenvolvimento como os países latinoamericanos. Por outro, mesmo países de desenvolvimento moderado na América Latina são
classificados como corruptos.
2. Comparação entre países de diferentes níveis de desenvolvimento
Dois aspectos sobressaem dos dados: os países de democracia consolidada e que,
intuitivamente, se sabe também serem os mais desenvolvidos, apresentam, em geral,
baixos índices de percepção da corrupção, enquanto, ao contrário, os países menos
desenvolvidos e, em boa parte dos casos, as democracias recentes apresentam índices mais
altos. Outra observação importante se refere a países de nível intermediário de
desenvolvimento que se democratizaram nos últimos 30 anos, como Espanha, Portugal e
Coréia do Sul: a percepção da corrupção diminui com o passar do tempo, confirmando, em
princípio, a hipótese de que a experiência democrática torna os países menos suscetíveis a
comportamentos antirepublicanos e, em conseqüência, menos passíveis de serem vistos
9
Devido às limitações de espaço, algumas tabelas e gráficos com resultados de testes são omitidos aqui, podendo
ser obtidos mediante solicitação ao autor pelo endereço [email protected]
16
como corruptos. No contexto da América Latina, países mais pobres, como Bolívia,
Equador, Paraguai, Guatemala e Honduras, são percebidos como mais corruptos, enquanto
os países que, independentemente de seu nível de desenvolvimento, têm tradições
democráticas mais longevas, como Costa Rica, Uruguai e Chile, são percebidos como menos
corruptos. Contudo, chama a atenção o fato de que países de desenvolvimento moderado
ou em vias de desenvolvimento, como Argentina, Brasil, México e Venezuela, essa condição
não é suficiente para classificá-los por índices mais baixos de percepção da corrupção. Nem
mesmo a experiência democrática, com o passar do tempo, parece influir muito para a
diminuição dos índices de percepção da corrupção: em casos como da Argentina e
Venezuela a percepção da corrupção aumentou. Isto relativiza as hipóteses sobre o papel
do desenvolvimento e do tempo de duração da democracia, sugerindo que outros fatores
têm de ser considerados para explicar o fenômeno.
3. Determinantes da percepção da corrupção na América Latina
Em seguida tanto os índices agregados como aqueles derivados de surveys do conjunto da
população de 18 países latino-americanos sobre a percepção da corrupção foram tomados
como variáveis dependentes e submetidos a uma análise de regressão categórica (optimal
scaling procedures no SPSS) em que as variáveis explicativas, além de indicadores de
desenvolvimento econômico, social e político, eram diferentes indicadores de cultura
política. O procedimento consistiu em testar 11 modelos, mantidas as mesmas variáveis de
controle, mas com a introdução, a cada vez, de diferentes variáveis de cultura política ou
relativas a hipóteses concorrentes, além das referentes ao desempenho econômico dos
países segundo os entrevistados. Os resultados são relatados na Tabela 1.
17
TABELA 1: MODELOS DE REGRESSÃO CATEGÓRICA DE ANÁLISE DOS EFEITOS DE VARIÁVEIS DE CULTURA POLÍTICA SOBRE O ÍNDICE DE PERCEPÇÃO DA CORRUPÇÃO DA
TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL PARA 18 PAÍSES LATINO-AMERICANOS (2004), CONTROLANDO POR INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO (PIB per capita, GINI, LIBERDADES
CIVIL E POLÍTICA)
Modelo
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
Variável
Beta Sig.
Beta Sig.
Beta Sig.
Beta Sig.
Beta Sig.
Beta Sig. Beta Sig.
Beta Sig.
Beta Sig.
Beta Sig.
Beta Sig.
Confiança
-,008 ,964
Interpessoal
Confiança
-,553 ,001*
Institucional
Tolerância a
,116
,723
gov.
não
democrático
Preferência
-,579 ,019**
regime
democrático
Preferência
,472
,005*
regime
autoritário
Indiferença
,237
,333
tipo regime
Católicos
Protestantes
Sit.
Econ.
país
Sit. Econ.
entrevistado
,253
,168
,000
,651
-,128
,583
-,144
,555
Sit.
Econ.
,213
,400
entrevistado
ano anterior
(2003)
PIBpercapita ,043
,848 ,253 ,103
,108 ,708 ,263
,174
,048 ,769
,141
,529 -,127 ,560 -,031 ,897 ,120
,649 ,165 ,553 -,084 ,739
GINI
,244
,180 ,346 ,014*** ,209 ,310 ,038 ,809
,339 ,021
,125
,532 ,272 ,115
,270 ,141
,292 ,139 ,282 ,162 ,130
,556
Liberdade
,943
,037 ,701
,020**
,897 ,051 1,228 ,003*
,838 ,016** 1,029 ,021 ,756 ,069 ,903 ,042 ,966 ,032 ,953 ,033 ,969 ,028
civil
Liberdade
-,200 ,637 ,029 ,917
-,187 ,657 -,681 ,088
-,204 ,364
-,335 ,433 -,140 ,723 -,197 ,639 -,104 ,642 -,142 ,744 -,310 ,474
política
R2 ajustado
,514
,793
,519
,700
,729
,550
,572
,520
,526
,526
,543
N
18
18
18
18
18
18
18
18
18
18
18
Fonte: Latinobarometro (2004); Freedom House (2004); Transparency International (2004); World Bank (2004); PNUD (2004). Nível de significância: *p < 0,005, **p < 0,2, ***p < 0,1.
Nota: O modelo de regressão rodado foi o Optimal Scaling Procedures para dados categóricos do SPSS. O índice de percepção da corrupção, da Transparência Internacional, foi
invertido, seus valores indo de menos para mais. Para as variáveis de cultura política foram usadas porcentagens (Católicos, Protestantes, Preferências por tipos de regime e Tolerância
a governo não democrático). Para as demais variáveis, foram usadas médias para os países (Confianças Interpessoal e Institucional, Situação econômica do país, do entrevistado e do
entrevistado no ano anterior (2003). Paíse incluídos na análise: Argentina, Bolívia, Brasil,. Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua,
Panamá, Paraguai, Peru, Rep. Dominicana, Uruguai e Venezuela.
Os modelos relevantes são os 2, 4 e 5, ou seja, aqueles em que é testado o efeito
das variáveis de confiança institucional, preferência pela democracia, preferência pelo
autoritarismo, índice de liberdade civil (segundo a Freedom House) e o coeficiente de Gini.
A capacidade de explicação desses modelos é bastante alta, isto é, respectivamente, .79,
.70 e .73. O modelo cuja explicação é mais alta é aquele segundo o qual um dos principais
determinantes da percepção da corrupção é a confiança dos cidadãos nas instituições
públicas: o beta da confiança institucional é .56, com o sinal na direção esperada, ou seja,
sinal negativo, indicando que quanto menos confiança as pessoas têm nas instituições
democráticas mais tenderão a ver a corrupção como parte do sistema político. Neste
modelo, o coeficiente de Gini, isto é, a medida de desigualdade social, também tem poder
explicativo, mas o beta é menor que o de confiança institucional, isto é, .34; outra
descoberta importante é a que se refere ao papel do índice de liberdade civil: seu beta é
.70, mostrando que a percepção da corrupção na América Latina é determinada tanto por
valores culturais como por aspectos da performance do regime que afetam a qualidade da
democracia. O modelo 4, embora com capacidade explicativa um pouco menor que o
anterior, completa o quadro sobre as variáveis determinantes da percepção da corrupção: a
preferência pela democracia e, outra vez, o índice de liberdade civil são as duas variáveis
explicativas, cujos betas respectivamente são: .57 e 1.22. Finalmente, o modelo 5 mostra
que são determinantes da percepção da corrupção a preferência pelo autoritarismo e,
outra vez, o índice de liberdade civil. Nos limites da natureza exploratória da análise, os
fatores determinantes da percepção negativa, isto é, de que a corrupção existe e afeta os
sistemas políticos latino-americanos, são a cultura política e o desenho institucional.
4. Percepção e efeitos da corrupção no Brasil
O passo seguinte da análise consistiu em examinar os resultados de pesquisas realizadas
por ocasião das denúncias sobre o “mensalão” no governo Lula (Datafolha, 2005, e as
dirigidas pelo autor em 1993 e 2006). O objetivo era verificar os níveis de conhecimento e
de percepção da corrupção pelos brasileiros no momento em que foram feitas as denúncias
e, por outro lado, com base em um indicador de memória temporal, a comparação entre
essas percepções em dois pontos no tempo, 1993 e 2006, ou seja, um ano depois dos dois
casos recentes mais conhecidos, ou seja, o de Collor de Mello em 1992 e o de Lula da Silva
em 2005; a base de comparação foi a situação percebida nos governos anteriores aos dois
casos mencionados, ou seja, o dos militares, o de Itamar Franco e o de Fernando Henrique
Cardoso. Os resultados são relatados a seguir.
19
TABELA 2: CONHECIMENTO, ATITUDES E OPINIÕES SOBRE O
MENSALÃO – 2005 (%)
Junho (%)
Julho (%)
“Você tomou conhecimento das acusações acerca do “Mensalão"? Se
sim:
Está bem informado
16,60
19,30
Está mais ou menos informado
42,20
38,00
Está mal informado
15,80
17,70
Não tomou conhecimento
25,30
25,00
2124
2110
N
“Pelo que você sabe ou ouviu dizer, existem ou não casos de corrupção
no governo Lula?”
Sim existem
70,50
78,00
Não existem
17,00
11,70
Não sabe/não respondeu
12,50
10,30
2124
2110
N
“Se o PT pagava (o “Mensalão”), o presidente Lula está ou não
envolvido nesse suposto pagamento de mesada a parlamentares em
troca de apoio ao governo?”
Lula está envolvido
.
33,50
Lula não está envolvido
.
43,40
Não sabe/não respondeu
.
23,10
N
.
1841
“Na sua opinião, o presidente Lula tem muita responsabilidade, um
pouco ou nenhuma responsabilidade nesses casos de corrupção?”
Muita responsabilidade
28,10
28,40
Um pouco de responsabilidade
50,40
45,90
Nenhuma responsabilidade
14,50
15,20
Não sabe/não respondeu
6,90
10,50
N
2124
1866
“Na sua opinião, o desempenho do governo Lula em relação às
acusações de pagamento de mesada a parlamentares em troca de apoio
ao governo tem sido, até o momento:
Ótimo/Bom
28,50
31,10
Regular
34,80
32,50
Ruim/Péssimo
23,30
26,00
Não sabe/não respondeu
13,40
10,40
2124
2110
N
Fonte: Datafolha, 2005 e 2006.
Em primeiro lugar, dois aspectos sobressaem: por uma parte, verifica-se que a
maioria dos entrevistados (58%) não apenas tinha conhecimento das denúncias de
corrupção envolvendo o governo Lula em 2005, como também acreditava que o presidente
tinha “muita” ou “um pouco de” responsabilidade nos fatos (78%), embora mais de 40% não
20
acreditasse no seu envolvimento direto com os mesmos. Entretanto, como se pode
verificar no gráfico abaixo, os entrevistados das pesquisas de 1993 e 2006 consideraram
que a situação da corrupção piorou no país nos governos de Collor e Lula, quando
comparados com os dos seus antecedentes. Apesar das diferenças entre esses governos, a
continuidade das percepções do fenômeno confirma o seu caráter endêmico.
Gráfico 1 - Situação da corrupção em 1993 e 2006
80
Melhorou
71,8
70
Ficou igual
Piorou
60
NS/NR
50
47,4
42,3
38,2
40
42,1
32,9
30
20
29,4
31,1
34,4
25,3
25,7
22,4
18,8
18,4
22,5
25,0
20,0
17,1
8,4
10
7,5
5,9
7,2
2,3
3,9
0
1993
1993
1993
2006
2006
2006
Figueiredo e
Geisel
Collor
Itamar Franco
Figueiredo e
Geisel
FHC
Lula
Fontes: Pesquisas “Cultura Política e Democratização” (1993); “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas”
(2006).
Em que pese o conhecimento dos eleitores dos fatos envolvendo a corrupção e das
responsabilidades do governo Lula nos escândalos de 2005, isso não afetou o voto da
maioria nas eleições presidenciais de 2006. A questão tem importantes implicações para
efetividade dos mecanismos de accountability vertical no país, tendo levado a um novo
passo analítico dos dados de 2006. Apesar de os dados anteriores derivarem de pesquisas
diferentes, a hipótese de que a aceitação social da corrupção no país oferece um elemento
de conexão para os resultados de ambas tinha de ser verificada. O que explica a leniência
pública diante da corrupção ou mesmo a sua aceitação social e quais os seus efeitos? Uma
bateria de perguntas envolvendo a possibilidade de a corrupção
21
ser socialmente aceitável em condições em que governos e líderes políticos são vistos como
podendo responder às necessidades e expectativas dos eleitores foi utilizada no survey de
2006 e tomada como base para a construção de uma escala de aceitação social da
corrupção10.
TABELA 3: REGRESSÃO LINEAR (OLS) DA ACEITAÇÃO SOCIAL DA CORRUPÇÃO
(“ROUBA MAS FAZ”) – 2006
VARIÁVEIS INDEPENDENTES QUE
PERMANECERAM NO MODELO
Unstandardized
Coefficients
B
Std.
Error
1,532
0,215
Standardized
Coefficients
Beta
Regiões Norte, Centro-Oeste e
Nordeste
O governo deveria oferecer menos
serviços públicos como saúde e
educação para
reduzir os impostos
1,268
0,123
1,137
Quanto menos o governo intervir na
economia, melhor para o país
T
Sig.
7,136
0,000
0,229
10,302
0,000
0,219
0,120
5,200
0,000
0,718
0,155
0,107
4,627
0,000
O país funcionaria melhor se os
militares voltassem ao poder
0,564
0,153
0,085
3,691
0,000
O Brasil estaria bem melhor se nós
nos preocupássemos menos com
que todo mundo seja igual
Sexo feminino
0,574
0,142
0,092
4,031
0,000
-0,423
0,121
-0,077
-3,504
0,000
Avaliação positiva do governo Lula
0,438
0,127
0,080
3,464
0,001
Para que o país cresça o governo
deveria intervir menos na economia
-0,420
0,147
-0,063
-2,852
0,004
Escolaridade: Superior Completa ou
mais
Avaliação positiva da situação
econômica familiar prospectiva
-1,028
0,379
-0,060
-2,714
0,007
-0,405
0,145
-0,063
-2,794
0,005
Confiança no Congresso Nacional
0,290
0,137
0,047
2,111
0,035
(Constant)
Prefere a democracia à outras
-0,279
0,133
-0,048
-2,103
0,036
alternativas
Dependent
Variable:
Escala
de
apoio
à
corrupção
(rouba
mas
faz)
Fonte: Pesquisa “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas”, 2006
10
A escala de aceitação social da corrupção (“Rouba, mas faz”) foi construída com base nas seguintes perguntas do
survey de 2006: “Vou ler algumas frases sobre os políticos e gostaria de saber se você concorda muito, concorda
pouco, discorda pouco ou discorda muito: NÃO FAZ DIFERENÇA SE UM POLÍTICO ROUBA OU NÃO, O IMPORTANTE É
QUE ELE FAÇA AS COISAS QUE A POPULAÇÃO PRECISA; UM POLÍTICO QUE FAZ MUITO E QUE ROUBA UM POUCO
MERECE O VOTO DA POPULAÇÃO; UM POLÍTICO QUE FAZ MUITO E QUE ROUBA UM POUCO NÃO MERECE SER
CONDENADO PELA JUSTIÇA; UM POLÍTICO QUE FAZ UM BOM GOVERNO DEVE PODER DESVIAR DINHEIRO PÚBLICO
PARA FINANCIAR SUA CAMPANHA ELEITORAL; O MELHOR POLÍTICO É O QUE FAZ MUITAS OBRAS E REALIZAÇÕES,
MESMO QUE ROUBE UM POUCO”. O alfa de Cronbach do teste de escalabilidade é de .91. Para a explicação dos
procedimentos adotados na construção da escala, ver o anexo 1.
22
O teste consistiu em uma análise de regressão linear envolvendo um conjunto de
variáveis independentes associadas com as hipóteses mencionadas antes. A idéia, nesse
caso, foi pesquisar os determinantes daquela aceitação. Os efeitos políticos dessa
aceitação, tratados em outro teste, são relatados adiante. A análise confirma as principais
hipóteses deste trabalho, ou seja, a aceitação social da corrupção no Brasil é determinada
por fatores ligados ao desenvolvimento, ao desempenho de instituições e de governos, e
também à cultura política. No primeiro caso, verifica-se que nas regiões do país onde os
níveis de desenvolvimento são mais baixos a aceitação da idéia de “rouba, mas faz” é
maior, diferentemente do que ocorre no Sudeste e no Sul; o mesmo resultado se verifica
também para os segmentos menos escolarizados da população (as variáveis de renda e
relativas ao tamanho das cidades dos entrevistados, no entanto, não são significantes). Ao
mesmo tempo, a avaliação positiva do governo Lula e, em contradição com a hipótese
sobre o desempenho das instituições, também a do Congresso Nacional são fatores que
explicam a aceitação social da corrupção; outro aspecto contraditório ainda emerge dessa
avaliação: os que têm uma expectativa positiva do desempenho prospectivo da economia
do país (no ano seguinte) não seguem a tendência dos que avaliam o governo e as
instituições de representação de modo positivo. Finalmente, os resultados que envolvem
variáveis de cultura política e de valores mostram que, como previsto, a adesão à
democracia ou o rechaço às alternativas autoritárias estão associadas - com os sinais na
direção esperada - com a aceitação social da corrupção. No modelo de regressão relatado
foram utilizadas também variáveis que expressam a posição dos entrevistados a respeito
do papel do Estado em face das desigualdades sociais e econômicas do país: os segmentos
que têm posições mais conservadoras são também os que oferecem base de apoio para o
“rouba, mas faz”. Em uma palavra, contemporaneamente, no Brasil, a aceitação social da
corrupção é maior entre os habitantes de regiões menos desenvolvidas, os politicamente
mais autoritários, os socialmente mais conservadores e, ao mesmo tempo, entre os que
avaliam positivamente o governo do dia e, surpreendentemente, instituições como o
Congresso Nacional.
A pergunta seguinte que o estudo procurou responder dizia respeito aos efeitos da
aceitação da corrupção para o sistema democrático. Essa aceitação afeta, de algum modo,
a adesão ou a visão da democracia dos entrevistados, a sua confiança interpessoal e
institucional ou a participação política? As questões fazem parte do debate da literatura
culturalista e institucionalista do tema e importam para a perspectiva da qualidade da
democracia. Por isso, variáveis dependentes correspondentes foram submetidas a uma
análise de regressão logística em um modelo em que a escala de aceitação social da
23
corrupção (rouba, mas faz) e diferente variáveis de avaliação do governo do dia, da política
e da economia - tomadas como variáveis explicativas - foram mantidas, para fins de
controle, ao lado de variáveis sócio-demográficas, entre as quais, a região e o tamanho das
cidades dos entrevistados. Os resultados são relatados na Tabela 4 abaixo.
Em primeiro lugar, os dados mostram que a aceitação social da corrupção afeta
negativamente a adesão à democracia, enquanto o voto em Lula em 2002, a escolaridade
superior e a avaliação da política em geral influem positivamente sobre o apoio difuso ao
regime. Mas a influencia negativa sobre a adesão democrática é confirmada pelos efeitos
da aceitação da corrupção sobre opiniões em torno da possibilidade de presidentes e
governos deixarem de lado as leis e instituições como o Congresso Nacional e os partidos
políticos em situações de crise; e, em um desses casos, o voto em Lula em 2002 também
influencia essas opiniões, assim como a preferência por um líder salvador que “resolva os
problemas do país”. A aceitação da corrupção também determina alternativas como as que
envolvem a volta dos militares ao poder ou adoção de um sistema de partido único e, nesse
último caso, o voto em Lula tem efeito contrário. Os segmentos que aceitam a corrupção
como um componente da vida política do país têm opções autoritárias, mas não quando
avaliam positivamente a política do país e, em alguns casos, a economia.
Claramente, os segmentos que não compartilham da aceitação da corrupção têm
escolaridade superior, renda mais alta e são mais velhos; alguns desses segmentos, em
algumas situações, também são os que rejeitam as posições políticas autoritárias, confiam
nas pessoas e manifestam interesse em participar da vida pública. A aceitação social da
corrupção não afeta, no entanto, a satisfação com o desempenho prático da democracia,
uma dimensão que não deve ser confundida com a adesão normativa ao regime (MOISÉS E
CARNEIRO, 2008). Os mais satisfeitos com o funcionamento da democracia são do sexo
feminino e católicos, segmentos que, em outras situações, demonstram confiar menos nas
instituições e revelam menos tendências de participação política em comparação, por
exemplo, com os homens e crentes não-católicos.
Quando a análise se desloca para aspectos que envolvem a percepção dos direitos
de cidadania, participação política e avaliação de partidos políticos e o judiciário, os efeitos
da aceitação da corrupção não são significantes. Nesses casos, enquanto a avaliação
positiva da situação política em geral e o voto em Lula em 2002 têm efeitos positivos, nem
os efeitos do desenvolvimento, nem da socialização pregressa afetam a confiança em
instituições. Surpreende, contudo, que no caso de uma importante instituição da sociedade
civil, os sindicatos, a aceitação da corrupção esteja associada com a confiança nos mesmos,
algo que também é afetado pela avaliação positiva da política em geral.
24
TABELA 4 – Modelos de regressão logística dos efeitos da aceitação social da corrupção (rouba, mas faz)
sobre adesão democrática, confiança e participação política, controlando por indicadores sócio-demográficos – 2006
Prefere a
democracia
como forma de
governo
Aceitação da corrupção
(rouba, mas faz)
Sexo – feminino
Faixa etária – 25 a 44 anos
Escolaridade – superior completo ou mais
Região – Sudeste
Renda mensal familiar – até R$780,00
Satisfeito com
democracia no
Brasil
Em crise, o
governo
prescinde leis,
Congresso e
instituições
O Brasil seria
Em crise, o
presidente
melhor se
prescinde o
houvesse
Congresso e os
apenas um
partidos políticos partido político
Tenta
convencer
alguém do que
pensa
politicamente
Beta
Sig
Beta
Sig
Beta
Sig
Beta
Sig
Beta
Sig
Beta
Sig
- 0,063
-0,185
- 0,011
1,291
-0,271
- 0,122
0,003
0,117
0,925
0,009
0,030
0,325
- 0,015
-0,432
-0,326
-0,164
-0,742
0,171
0,564
0,003
0,029
0,736
0,267
- 0,188
0,069
0,016
-0,140
0,337
-0,090
-0,042
0,001
0,884
0,215
0,322
0,445
0,723
0,061
-0,005
-0,224
-0,393
0,112
-0,091
0,004
0,967
0,047
0,252
0,343
0,440
0,094
0,111
-0,260
-0,864
0,208
-0,005
0,000
0,356
0,032
0,058
0,103
0,971
0,007
-0,438
0,067
0,032
-0,419
-0,338
0,777
0,002
0,637
0,043
0,006
0,023
Tamanho da cidade + de 500 mil habitantes
0,032
0,802
-0,300
-0,163
-0,386
0,002
-0,199
0,107
-0,032
0,811
-0,065
0,679
Religião – católicos
Avaliação positiva da economia do país (atual)
- 0,105
0,346
0,399
0,154
0,122
0,146
-0,053
0,564
-0,071
-0,133
0,547
0,373
-0,062
-0,326
0,601
0,028
0,054
-0,115
0,672
0,464
-0,218
-0,183
0,137
0,328
Avaliação positiva da política do país (atual)
Avaliação positiva do governo Lula
Voto em Lula para presidente em 2002
0,256
- 0,001
0,327
0,088
0,995
0,011
0,400
-0,318
0,336
0,120
0,227
0,117
-0,066
0,238
-0,100
0,636
0,121
0,421
-0,123
0,392
-0,147
0,375
0,011
0,233
0,012
0,221
-0,251
0,935
0,173
0,055
0,168
0,144
-0,070
0,331
0,459
0,651
0,055
1340
Nagelkerke R Square
N
Confia na
maioria das
pessoas
Aceitação da corrupção (rouba, mas faz)
Sexo – feminino
Faixa etária – 25 a 44 anos
0,205
1340
Daria um
cheque em
branco a um
líder salvador
que resolvesse
todos os
problemas
0,030
1340
O país
funcionaria
melhor se os
militares
voltassem ao
poder
0,027
1340
Os brasileiros
fazem valer os
seus direitos
0,039
1340
Confia nos
partidos
políticos
0,039
1340
Avaliação
positiva do
Judiciário
Beta
Sig
Beta
Sig
Beta
Sig
Beta
Sig
Beta
Sig
Beta
Sig
-0,023
-0,108
-0,331
0,349
0,409
0,013
0,111
-0,047
0,043
0,000
0,733
0,759
0,113
-0,232
-0,105
0,000
0,086
0,443
0,035
-0,057
0,001
0,105
0,625
0,991
0,020
0,019
-0,486
0,432
0,893
0,001
-0,028
0,122
-0,111
0,209
0,304
0,351
25
Escolaridade – superior completo ou mais
Região – Sudeste
Renda familiar mensal – até R$780,00
0,779
-0,015
-0,366
Tamanho da cidade + de 500 mil habitantes
Religião – católico
Avaliação positiva da economia do país (atual)
Avaliação positiva da política do país (do país)
Avaliação positiva do governo Lula
Voto para presidente em Lula, 2002
Nagelkerke R Square
N
-0,013
0,014
0,053
0,401
-0,166
0,341
0,022
0,912
0,008
0,987
0,918
0,762
0,012
0,359
0,020
0,036
1340
Avaliação positiva
dos sindicatos
Beta
Sig
Aceitação da corrupção(rouba, mas faz)
Sexo – feminino
Faixa etária – 25 a 44 anos
Escolaridade – superior completo ou mais
Região – Sudeste
Renda familiar mensal – até R$780,00
Tamanho da cidade + de 500 mil habitantes
0,045
-0,052
-0,198
-0,093
0,077
-0,270
-0,489
0,037
0,659
0,093
0,794
0,535
0,031
0,000
Religião – católico
0,170
0,171
Avaliação positiva da economia do país (atual)
0,645
0,000
Avaliação positiva da política do país (atual)
Avaliação positiva do governo Lula
Voto para presidente em Lula, 2002
Nagelkerke R Square
N
0,560
0,118
0,007
0,000
0,462
0,957
0,116
1340
-1,442
-0,164
0,103
0,050
0,272
0,481
-0,234
0,129
0,115
0,610
0,371
0,420
0,225
0,059
0,111
0,518
0,638
0,373
-0,369
-0,304
-0,121
0,459
0,052
0,432
0,104
0,038
-0,035
0,766
0,762
0,781
-0,173
-0,016
-0,225
0,143
0,066
-0,086
0,268
0,911
0,216
0,398
0,722
0,572
0,048
1340
-0,079
0,027
0,011
-0,309
-0,147
-0,238
0,597
0,851
0,951
0,073
0,415
0,103
0,043
1340
-0,174
0,210
0,466
0,491
-0,129
-0,054
0,181
0,092
0,003
0,000
0,426
0,675
0,054
1328
-0,370
0,086
0,190
0,590
0,155
0,301
0,029
0,579
0,327
0,000
0,449
0,065
0,081
1340
-0,494
0,028
0,855
0,577
0,250
0,081
0,000
0,822
0,000
0,000
0,111
0,531
0,153
1340
26
27
A aceitação social da corrupção também não afeta a confiança interpessoal; neste modelo,
apenas a avaliação positiva da política em geral, a renda mais alta e o voto em Lula afetam
positivamente essa variável. Ao mesmo tempo, no que tange a alguns indicadores de participação
política os resultados não comprovaram a hipótese de influência negativa, ou seja, a aceitação social da
corrupção não influi sobre a decisão dos indivíduos de agirem para convencer outras pessoas de suas
idéias políticas; pertencer ao sexo feminino também desestimula a participação para convencer outros
de idéias políticas, assim como habitar a região Sudeste ou cidades de mais de 500 mil habitantes, mas a
escolaridade superior tem efeito contrário. Esses achados mostram que a questão da participação
política demanda mais pesquisa e tratamento específico a ser feito em outra ocasião.
Duas limitações envolvem os resultados relatados: primeiro, embora o modelo original que
analisa os efeitos da aceitação social da corrupção envolvesse outras variáveis dependentes relativas à
qualidade da democracia, apenas aquelas mencionadas acima permaneceram na resolução final, as
demais não são significantes. Por outro lado, os coeficientes r2 ajustados dos modelos são baixos, os
resultados têm de ser tomados com cautela já que sua capacidade explicativa é limitada. Essas
limitações não impedem que os resultados sejam levados em conta, mas mostram que novos estudos a
respeito do tema são necessários.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados deste estudo sugerem duas conclusões importantes. Em primeiro lugar,
diferentes testes mostraram que a percepção pública da corrupção no Brasil e na América Latina está
associada, como a literatura preconiza, com o desenvolvimento e o desempenho de instituições e do
governo do dia, mas também com a cultura política; esses fatores também explicam a aceitação social
da corrupção no Brasil. Trata-se de um importante incremento no conhecimento a respeito do
fenômeno da corrupção em sua relação com a democracia, e os resultados têm que ser levados em
conta por novas pesquisas.
Ao mesmo tempo, a análise dos dados mostra que os efeitos da aceitação social da corrupção
afetam a qualidade da democracia em sentido importante: diminuem a adesão ao regime e,
principalmente, estimulam a aceitação de escolhas autoritárias que podem se converter em alternativas
contra o regime em situações de crise. Embora essa possibilidade se torne cada vez mais difícil com o
passar do tempo, o risco que ela oferece está associado com o quanto os efeitos da aceitação da
corrupção podem se conjugar com a desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas. Os
resultados a esse respeito não são conclusivos, indicando a necessidade de mais estudos.
A evidência de que a corrupção fragiliza o apoio de massa ao regime também foi demonstrada
por Seligson (2002) em um estudo sobre alguns países latino-americanos, e a sua influência para a
escolha de modelos anti-institucionais de democracia por eleitores latino-americanos e brasileiros foi
28
apontada por Moisés e Carneiro (2008). Ambos os estudos são confirmados pelos dados apresentados
neste estudo e se referem a situações que podem deixar em aberto o risco de que alternativas políticas
ao regime democrático ganhem apoio de massa, além de mostrar que a corrupção rebaixa a qualidade
do regime democrático.
Com efeito, quando líderes políticos ou funcionários do Estado cometem atos de corrupção e
são colocados sob controle constitucional pela ação de cidadãos, partidos políticos, parlamento,
ministério público e judiciário isto se converte em um claro exemplo de eficiência da democracia, ou
seja, de que o regime funciona de acordo com os seus princípios e as suas promessas republicanas. Mas,
ao contrário, se uma grande parte de cidadãos pensa que a corrupção é um componente inerente ao
regime democrático (como parece ter ocorrido por ocasião da eleição presidencial brasileira de 2006), e
não devida ao comportamento de políticos específicos ou ao modo de funcionar de instituições como
partidos e legislativo, isso desqualifica elementos centrais da democracia como os mecanismos de
responsabilização de governos (accountability).
ANEXOS
Metodologia de construção da escala
As dimensões de aceitação social da corrupção são compostas por diversas variáveis. Para cada dimensão,
foi avaliado o grau de associação simultânea das variáveis do grupo na tentativa de redução da dimensionalidade,
o que possibilita a construção de medidas (indicadores, escalas) de forma a facilitar a interpretação dos dados e
avaliar o relacionamento dessas medidas com outras variáveis de interesse. Quando as variáveis do grupo são
contínuas, a técnica estatística realizada foi a de Análise Fatorial (via componentes principais, por exemplo). Na
presença de variáveis categóricas, recorreu-se à Análise de Componentes Principais Categóricas (CATPCA no
SPSS). Esse procedimento quantifica simultaneamente as variáveis categóricas enquanto reduz a
dimensionalidade dos dados. Os fatores gerados na análise são correlacionados e representam a maior parte da
informação das variáveis originais a ser interpretadas. Enquanto a análise fatorial numérica exige relacionamento
linear entre as variáveis, o procedimento de aproximação de escalas ótimas permite que as variáveis sejam
escalonadas para diferentes níveis, sejam nominais, ordinais ou numéricos. Assim, variáveis nominais e ordinais
são quantificadas (numericamente) levando em consideração a relação entre elas e o número de dimensões
pedido (no mínimo 1). Variáveis ordinais mantêm a ordem das categorias originais (embora a quantificação possa
inverter o sentido), variáveis nominais são quantificadas sem levar em conta a ordem das categorias. Assim,
quando se lê o sinal das cargas na tabela de ‘Component Loadings’, deve-se entender o sinal de suas categorias
quantificadas para entender a direção da relação dessas com as demais variáveis. Realizada a análise fatorial
pertinente a cada dimensão, verificaram-se os grupos de variáveis com cargas altas em cada dimensão. Para cada
grupo de variáveis, para testar a unidimensionalidade das variáveis (construtos latentes), procedeu-se à análise de
confiabilidade (ou consistência), medida pelo Alpha de Cronbach. A fórmula do coeficiente Alpha é
onde N é o número de itens (variáveis) e r é a correlação inter-item entre itens. Assim, quando o número de itens
diminui, Alpha também diminui. Em escalas como a da aceitação da corrupção, há até 3 variáveis em cada grupo.
Assim, poderia acontecer que, mesmo que um conjunto de variáveis tivesse uma forte associação, o valor de
Alpha não atingiria um valor aceitável (de 0.70, segundo a literatura). Os escores gerados pelo SPSS® têm média
próxima de 0 e variância próxima de 1. Para melhorar a interpretação do construto, foi realizada uma
29
transformação na variável, de tal forma que a escala variasse de 0 (mínimo) a 10 pontos (máximo), tendo o mínimo
e o máximo suas adequadas interpretações. Matematicamente, se uma variável x varia de a até b, então 10*(xa)/(b-a) varia de 0 a 10.
Variáveis do modelo de regressão logística
Dependente: Escala de aceitação da corrupção (Rouba, mas faz): varia de 0 – 10, sendo 0 a não aceitação
e 10 a total aceitação da corrupção;
Independentes:
−
Tamanho da cidade: (“até 20 mil habitantes” = 0; “entre 20 mil e 50 mil habitantes” + “entre 50 mil e 100 mil
habitantes” + “entre 50 mil e 100 mil habitantes” + “entre 100 mil e 500 mil habitantes” + “mais de 500 mil
habitantes” = 1)
−
Prefere democracia à ditadura: (“em certas circunstâncias, é melhor uma ditadura do que um regime
democrático” + “tanto faz se um governo é ditadura ou democracia” = 0; “a democracia é sempre melhor do que
qualquer forma de governo” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)
−
Prefere ditadura à democracia: (“a democracia é sempre melhor do que qualquer forma de governo” +
“tanto faz se um governo é ditadura ou democracia” = 0 ; “em certas circunstâncias, é melhor uma ditadura do
que um regime democrático” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)
−
A democracia é sempre a melhor forma de governo: (“dsicorda pouco” + “discorda muito” = 0 ; “concorda
pouco” + “concorda muito” = 1; “não sabe” + “não respondeu” + “nem concorda, nem discorda” = missing)
−
Você acha que democracia tem a ver com menos corrupção e menos tráfico de influência: (“não tem nada a
ver” + “tem pouco a ver” = 0; “tem a ver + tem muito a ver” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)
−
A lei deve ser obedecida sempre: (“discorda muito” + “discorda pouco” = 0; “concorda pouco” + “concorda
muito” = 1; “não sabe” + “não respondeu” + “nem concorda, nem discorda” = missing)
−
A privatização das empresas estatais foi boa para o país: (“discorda muito” + “discorda pouco” = 0;
“concorda pouco” + “concorda muito” = 1; “não sabe” + “não respondeu” + “nem concorda, nem discorda” =
missing)
−
Democracia tem a ver com a existência de diversos partidos políticos: (“não tem nada a ver” + “tem pouco a
ver” = 0; “tem muito a ver” + “tem a ver” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)
−
Democracia tem a ver com igualdade perante a lei: (“não tem nada a ver” + “tem pouco a ver” = 0; “tem
muito a ver” + “tem a ver” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)
−
Democracia tem a ver com fiscalização dos atos do governo pelos tribunais de justiça e pelo Ministério
Público (“não tem nada a ver” + “tem pouco a ver” = 0; “tem muito a ver” + “tem a ver” = 1; “não sabe” + “não
respondeu” = missing)
−
O Brasil é uma democracia plena: (“o Brasil não é uma democracia” + “uma democracia com grandes
problemas” + uma democracia com pequenos problemas” = 0; “o Brasil é uma democracia plena” = 1; “não sei o
que é uma democracia” + “não sabe” + “não respondeu” = missing)
−
Trabalha por um tema que afeta a sua comunidade: (“nunca” + “quase nunca” = 0; “frequentemente” +
“muito frequentemente” = 1; “não respondeu” = missing)
−
As pessoas pedem sua opinião sobre política: (“nunca” + “quase nunca” = 0; “frequentemente” + “muito
frequentemente” = 1; “não respondeu” = missing)
−
Conversa sobre política com os amigos: (“nunca” + “quase nunca” = 0; “frequentemente” + “muito
frequentemente” = 1; “não respondeu” = missing)
Tenta convencer alguém do que você pensa politicamente: (“nunca” + “quase nunca” = 0;
“frequentemente” + “muito frequentemente” = 1; “não respondeu” = missing)
−
Trabalha para um partido ou um candidato: (“nunca” + “quase nunca” = 0; “frequentemente” + “muito
frequentemente” = 1; “não respondeu” = missing)
−
Tem que ter partidos políticos para o país ir em frente: (“não” = 0; “sim” = 1; “não sabe” + “não respondeu” =
missing)
−
Tem que ter deputados e senadores para o país ir em frente: (“não” = 0; “sim” = 1; “não sabe” + “não
respondeu” = missing)
−
Tem que ter tribunais de justiça para o país ir em frente: (“não” = 0; “sim” = 1; “não sabe” + “não respondeu”
= missing)
−
Tem que ter ministros para o país ir em frente: (“não” = 0; “sim” = 1; “não sabe” + “não respondeu” =
missing)
−
30
Tem que ter presidente da República para o país ir em frente: (“não” = 0; “sim” = 1; “não sabe” + “não
respondeu” = missing)
−
Confiança no Congresso Nacional: (“nenhuma confiança” + “pouca confiança” = 0; “alguma confiança” +
“muita confiança” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)
−
Confiança no governo: (“nenhuma confiança” + “pouca confiança” = 0; “alguma confiança” + “muita
confiança” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)
−
Confiança no presidente: (“nenhuma confiança” + “pouca confiança” = 0; “alguma confiança” + “muita
confiança” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)
−
Confiança nas leis do país: (“nenhuma confiança” + “pouca confiança” = 0; “alguma confiança” + “muita
confiança” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)
−
Avaliação positiva da situação econômica do país hoje (“muito ruim” + “ruim” + “regular” = 0; “boa” +
“muito boa” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)
−
Proximidade de partidos políticos: (“não é próximo a nenhum” + “pouco próximo” = 0; “próximo” + “muito
próximo” = 1; “não sabe” + “não respondeu” = missing)
−
As eleições no Brasil são limpas: (“são objeto de fraude” = 0; “são limpas” = 1; “não sabe” + “não respondeu”
= missing).
−
31
VIII.
TELEJORNAL E CORRUPÇÃO:
NOTÍCIAS NEGATIVAS, PERCEPÇÃO NEGATIVA?1
NUNO COIMBRA MESQUITA
INTRODUÇÃO
O tema da corrupção é vital para a teoria democrática. Uma das dimensões
procedimentais da qualidade da democracia, a rule of law – ou primado da lei – implica que
a corrupção seja “minimizada, detectada e punida, nos ramos políticos, administrativos e
judiciários do Estado” (DIAMOND & MORLINO, 2004: 8). Do ponto de vista econômico, a
corrupção causa aumento nos custos de transação e redução dos incentivos ao
investimento, resultando em um menor crescimento econômico. Do ponto de vista político,
existem evidências de que o contato com a corrupção faça com que as pessoas acreditem
menos na legitimidade de seu sistema político e exibam menores níveis de confiança
interpessoal (SELIGSON, 2002). Dessa forma, para além de comprometer procedimentos de
uma democracia com qualidade, a corrupção também afetaria a qualidade do seu conteúdo.
Existe, no entanto, uma outra dimensão mais subjetiva que relaciona a corrupção a
essa qualidade do conteúdo do regime: a percepção do problema. Isto é, não é só a
corrupção em si que pode afetar a qualidade da democracia, mas também a impressão –
por parte da população – de que ela esteja aumentando ou seja um problema sério, por
exemplo. Desse ponto de vista, elemento crucial a ser estudado é o papel dos meios de
comunicação. A informação política contida diariamente na mídia é parte constitutiva do
universo simbólico dos cidadãos, responsável também pela formação das convicções que
possam ter acerca de questões públicas, para além de suas experiências concretas e outras
fontes mediadas, como conversas com a família e amigos, por exemplo.
No Brasil, os meios de comunicação são frequentemente acusados de terem um
viés antipolítico, onde são fartas notícias negativas sobre esse campo (PORTO, 2000, CHAIA
& TEIXEIRA, 2001). No segundo semestre de 2005, sabe-se que notícias de escândalos de
1
o
Uma primeira versão deste texto foi apresentada no 6 Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política ABCP, Unicamp, Campinas-SP; 29/07 – 01/08/08. Agradeço a ajuda de Clécio Ferreira com a análise estatística.
1
corrupção, onde autoridades públicas foram alvos frequentes de escândalos políticos –
principal sendo conhecido como o do “mensalão” – dominaram o noticiário político.2 Ao
mesmo tempo, os dados do survey “A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições
Democráticas” (2006)3 indicam que quase 60% dos brasileiros acreditam que a corrupção
aumentou muito naquele último ano no Brasil, enquanto 98% acreditam que a corrupção é
um problema sério. Além disso, a maioria das pessoas percebe desvios de conduta sendo
praticados pela maior parte ou todos os políticos, como mostra a tabela 1.
Tabela 1. Percepção de comportamento dos políticos
Mudar de partido em troca de
dinheiro ou cargo
Superfaturar obras públicas e
desviar dinheiro para o
patrimônio pessoal
Usar “caixa 2” em campanhas
eleitorais
Todos
32,1
Maioria
56,7
Em %
Minoria
9,3
31,4
57,4
9,8
0,2
1,2
38,9
49,3
9,5
0,9
1,4
Nenhum
0,5
ns/nr
1,3
ns/nr: não sabe, não respondeu
Fonte: projeto “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006).
A questão é saber se existe conexão entre esses dois fenômenos. A preocupação
desse capítulo, portanto, é como a televisão – mais especificamente o telejornal – se
relaciona com as atitudes políticas dos cidadãos em relação à corrupção. Para esse objetivo,
pretende-se investigar, particularmente, o Jornal Nacional, da Rede Globo. Sabendo da
cobertura extensivamente negativa sobre a política que o telejornal apresentou durante o
segundo semestre de 2005, se quer saber se, de alguma forma, esse telenoticiário está
associado a atitudes negativas dos cidadãos em relação à corrupção e à avaliação que eles
fazem de seus governantes. Para isso, utilizam-se dados do survey “A Desconfiança dos
Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006) para examinar possíveis associações entre
audiência do telejornal e percepções dos cidadão sobre esses temas.
O texto discute inicialmente a questão da corrupção para a teoria democrática, bem
como as abordagens sobre o papel do jornalismo para a percepção do problema. Dessa
discussão teórica se derivam hipóteses empiricamente verificáveis. Em seguida,
apresentam-se os dados analisados referentes ao impacto do telenoticiário em questão
2
O principal telenoticiário do país, o Jornal Nacional, apresentou uma agenda extremamente negativa em relação
ao campo da política durante a crise política de 2005. Mais de 70% das notícias de esfera pública foram dedicadas à
crise e a outros casos de corrupção (Mesquita, 2010).
3
Sob responsabilidade dos professores Dr. José Álvaro Moisés (USP) e Dra. Rachel Meneguello (UNICAMP).
2
para percepção dos indivíduos do problema da corrupção e a avaliação que fazem das
principais instituições. Por fim, apresentam-se as conclusões iniciais sugeridas pelos
resultados.
MÍDIA, CORRUPÇÃO E DEMOCRACIA
Os meios de comunicação são uma variável importante para a qualidade democrática.
Parte do pressuposto democrático é a existência de liberdade de expressão e de fontes
alternativas de informação para que os cidadãos possam formular suas preferências (DAHL,
1971). Assim, é relevante saber como os assuntos do estado são tratados pela mídia e como
isso pode impactar percepções, valores e orientações dos indivíduos acerca de assuntos
públicos. Existem perspectivas distintas sobre esse papel. Alguns autores acreditam que a
mídia tem representado um papel pernicioso para a democracia na maneira que cobre os
assuntos públicos (PATTERSON, 1998; CAPPELLA E JAMIESON, 1997). Uma ênfase em
notícias negativas sobre a política, tratadas de forma simplista, acabariam afetando a
maneira como os cidadãos vêem a política, podendo fomentar o cinismo do público em
relação a políticos e à política em geral. Entretanto, também existe a perspectiva de que os
meios de comunicação têm o poder de informar e mobilizar as pessoas politicamente. O
acesso cada vez maior a informações políticas, aliado a maiores níveis educacionais
ajudariam a mobilizar os cidadãos, tanto no aumento do conhecimento, quanto em termos
comportamentais (NORRIS, 1999, NEWTON, 1999).
No geral, ainda que com hipóteses opostas, esses trabalhos se preocupam em
como as mensagens ou o consumo de mídia pode influenciar na maneira como o cidadão se
relaciona com o Estado e seus assuntos. Quer se saber, por exemplo, se a mídia é capaz de
influenciar no apoio político dos cidadãos (como abordado no capítulo V deste livro). O
tema da legitimidade democrática é uma das dimensões importantes para se investigar o
impacto dos meios de comunicação, mas não a única. Outro elemento essencial, com forte
relação com a própria legitimidade do regime, é a corrupção. Isto porque ela fere um dos
pressupostos de uma democracia de qualidade, que é o primado da lei. O uso de bens
públicos para fins privados – como usualmente se define corrupção – subverte o princípio
de que todos são iguais perante a lei.
O tema da corrupção tem recebido tratamentos distintos. Sob o ponto de vista
econômico, a corrupção tem demonstrado ter um impacto negativo no investimento e
crescimento de nações em desenvolvimento. Entre outros motivos, isso acontece porque
serviços contratados pelo Estado são feitos por empresas que pagam suborno, o que
3
implica em serviços que não atendam a padrões de qualidade. Além disso, propinas não
pagam impostos, sonegando ao Estado receitas que poderiam ser utilizadas em benefício
da população (SELIGSON, 2002).
Sob o ponto de vista político, ainda que existam perspectivas de um possível efeito
benéfico da corrupção,4 é cada vez mais proposto o papel pernicioso que ela produz sobre
outros aspectos da comunidade política. Seligson (2002), em estudo sobre o impacto da
corrupção em quatro países latino-americanos, demonstrou que aqueles que já tiveram
alguma experiência com a corrupção, têm menor probabilidade de acreditar na
legitimidade de seu sistema político, ao mesmo tempo em que possuem menores níveis de
confiança interpessoal. O estudo demonstrou, ainda, que mesmo aqueles que acreditam
que a corrupção serve para superar certos entraves burocráticos, também têm seu apoio a
legitimidade do sistema abalado ao terem contato com práticas corruptas.
Trabalhando com dados de países da América Latina, Moisés e Carneiro (2010)
demonstraram que aqueles que mais acreditam que a corrupção seja um problema sério em
seus países, tendem a estar mais insatisfeitos com o funcionamento da democracia dos
mesmos. A porcentagem daqueles que optam por uma “democracia sem congresso
nacional” também é maior entre aqueles que acreditam que o problema da corrupção
tenha aumentado (MOISÉS, 2008).
Mignozzetti (2009), analisa o impacto da corrupção para a qualidade da democracia
em diversos países. Seus dados revelam que a corrupção, medida pelo IPC (Índice de
Percepções da Democracia) da Transparência Internacional, afeta a qualidade da
democracia. Para essa mensuração, o autor utilizou – como variável aproximada – dados da
Freedom House, que corresponde ao nível de liberdades civis e políticas. Quanto maior a
corrupção, menor o desempenho dos países nesse índice.
No caso brasileiro, trabalhando com dados do survey “A Desconfiança dos Cidadãos
das Instituições Democráticas” (2006), Dal Pino (2009), analisa o impacto da percepção do
problema da corrupção sobre a confiança governamental. Seu estudo comprovou que
maiores índices de percepção da corrupção se relaciona com menores níveis de confiança.
Esses trabalhos apontam como a corrupção, ou a percepção que se tem dela, pode
afetar importantes aspectos da vivência democrática. No entanto, a percepção que se tem
da corrupção não é função somente da experiência prática que se possa ter no dia a dia
com ela. Cidadãos que nunca tenham sido abordados com pedidos de suborno, por
4
É o caso da escola funcionalista, que considera a corrupção um mal necessário, possibilitando aos cidadãos
superar burocracias intransigentes e ineficientes, ao mesmo tempo em que aumentam a lealdade ao sistema
político (cf. Seligson, 2002).
4
exemplo, podem ter sua percepção afetada de acordo com outras informações a que estão
expostos diariamente sobre o tema, em especial nos meios de comunicação de massa. Dito
de outra forma, é relevante se as abordagens da mídia sobre comportamentos corruptos
de agentes públicos afeta a maneira como as pessoas percebem o problema da corrupção.
Em estudo sobre os países do sul da Europa, Morlino (1998) fez uma análise de
tendências entre o aumento da cobertura de casos corrupção nos meios de comunicação e
da insatisfação política. O resultado foi uma correlação significativa entre o aumento desse
tipo de notícia e o aumento da insatisfação. Sobretudo na Grécia e na Itália, a correlação foi
mais robusta, demonstrando um maior sentimento de ineficácia política nesses dois países.
De forma semelhante, Pharr (2000) demonstra que o aumento no número de notícias sobre
corrupção em um dos principais jornais do Japão corresponde a um aumento nos níveis de
insatisfação política. A autora complementa a análise de tendências com uma análise de
regressão, confirmando forte correlação entre esses dois fenômenos.
No Brasil, o estudo dos meios de comunicação como fator influente na política
concentra-se principalmente no comportamento da mídia. Existe uma abordagem quase
dominante que acusa os meios de comunicação de exacerbarem seu papel de guardião da
coisa pública, focando em especial os aspectos negativos da política. Para Porto (2000), a
mídia brasileira possui um viés antipolítico e antiinstitucional. Uma cobertura
essencialmente negativa, especialmente do poder legislativo, estaria centrada em temas
como a corrupção, o nepotismo o clientelismo e outras irregularidades.
Essa visão é compartilhada por outros autores. Chaia e Teixeira (2001) acreditam que
o jornalismo investigativo resultou em “escândalos midiáticos”. Analisando as edições das
revistas semanais Isto É e Veja durante o período em que ocorreram vários escândalos
políticos em 2001, concluíram que esse tipo de notícia pode ter o aspecto positivo de
provocar um aumento da fiscalização das atividades dos políticos. O aspecto negativo, não
obstante, fica por conta de o acúmulo de “maus exemplos” de políticos poder levar a uma
descrença nas instituições.
Lima (2006) – em análise de conteúdo de jornais, revistas e telejornais, durante o
período do “mensalão” em 2005 – observou uma cobertura predominantemente negativa
do governo e dos partidos políticos que, segundo o autor, distorceu e omitiu fatos. Para ele,
a cobertura teria se caracterizado por ser um “escândalo político midiático”, caracterizado
como um evento que só existe na e pela mídia. O autor conclui que predominou na mídia a
“presunção da culpa” dos envolvidos na crise, acarretando em um desvio das regras e dos
princípios éticos da profissão.
5
Em um estudo sobre os editoriais de jornais paulistas entre 2003 e 2004, Chaia e
Azevedo (2008) encontraram uma ênfase na cobertura da ação do Executivo, em especial a
Presidência e os ministérios, além do funcionamento do Congresso Nacional. O Senado,
alvo principal da pesquisa dos autores, contou com uma cobertura pequena durante o
período. O conteúdo em relação a essa instituição, no entanto, foi predominantemente
negativo. Os jornais analisados compartilharam uma visão negativa que se traduziu em
críticas ao fisiologismo, ao absenteísmo, à infidelidade partidária, ao troca-troca de
legendas e a certos comportamentos morais e éticos considerados reprováveis.
Os autores mostram que as críticas são quase sempre feitas a partir de casos
individuais. Não obstante, acreditam que o enquadramento negativo em relação aos
membros do congresso, por extensão, acaba por enquadrar negativamente a própria
instituição. Ainda que os editoriais também tenham apresentado enquadramentos
positivos, os autores acreditam que são as críticas repetidas e recorrentes que formatam de
forma mais nítida a imagem da instituição para o público.
Miguel e Coutinho (2007), analisando a cobertura do escândalo do “mensalão”
também em editoriais de jornais, da mesma forma encontraram uma predominância de
notícias negativas e centradas em atores políticos que teriam descumprido regras legais ou
normas morais que deveriam reger o comportamento político. Para esses autores,
entretanto, a ênfase da cobertura negativa ser em agentes políticos e não nas instituições
tem repercussões distintas. Enquanto para Chaia e Azevedo notícias negativas sobre
indivíduos representam um tratamento negativo da própria instituição “por extensão”,
para Miguel e Coutinho essa crítica estritamente individual falha ao não reconhecer que
parte dos problemas apontados também são fruto de um sistema político com necessidade
de reformas. Ao contrário de Chaia e Azevedo, portanto, os autores acreditam que a
cobertura apresentou um caráter deferente ao sistema político e suas principais
instituições.
O tratamento negativo da política não se restringe à imprensa escrita. Porto (2002b)
em estudo de análise de conteúdo, demonstra como o tema político mais freqüente
apresentado pelo Jornal Nacional, principal telenoticiário do país, foi a corrupção e
escândalos políticos, ocupando quase metade de todo o tempo da cobertura política.
Apesar da ênfase nesse tema, seu tratamento teve um caráter mais descritivo, que o autor
chama de enquadramento episódico. 80% dos enquadramentos tiveram essa característica.
Essa informação é importante, já que, em uma pesquisa qualitativa, o autor verificou que
quando o jornal assume um enquadramento, ou interpretação, específica de um assunto –
que ele chama de enquadramento restrito – os telespectadores têm maior tendência a
6
aceitar essa interpretação do que quando ele apresenta uma notícia com mais de uma
interpretação possível, chamado de enquadramento plural. Significa que ainda que
demonstrada uma certa influência potencial do telenoticiário, a ênfase em um uma
cobertura mais descritiva do que interpretativa representaria uma menor probabilidade de
essa influência ocorrer.
Entretanto, ao contrário do que essa literatura baseada em análises de conteúdo
pode fazer supor, não é claro que esse conteúdo afete negativamente percepções que as
pessoas têm do regime político. Utilizando dados estatísticos provenientes do survey ESEB
de 2002, Schlegel (2006) verificou que – controladas as características socioeconômicas dos
entrevistados – não há associações significativas entre se assistir a telejornais e se ter
menores níveis de confiança em instituições e atores políticos. A exceção, encontrada pelo
autor, foi uma associação positiva entre aqueles que responderam ter assistido a um
telejornal ao menos uma vez na semana (três quartos da amostra) e que apresentaram
maior adesão aos partidos, vendo-os como elemento necessário à democracia.
Estudo feito com o survey “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições
Democráticas” (2006) demonstrou que, no Brasil, esses efeitos são mais de orientação
positiva. Assistir ao telenoticiário Jonal Nacional se mostrou positivamente associado a
diversos indicadores de apoio público ao regime democrático. Quem mais assiste ao JN
tende a estar mais satisfeito com a democracia, além de possuir maiores índices de
confiança no governo, nas forças armadas, no presidente, nos bombeiros, no poder
judiciário e nos empresários (MESQUITA, 2010).
Esses resultados foram encontrados a despeito de um período em que
predominou uma agenda fortemente pautada por denúncias de corrupção. O mesmo
estudo empregou uma análise de conteúdo durante o segundo semestre de 2005. Concluiuse que 70% do tempo dedicado a assuntos públicos foi negativo. Apesar disso, a maneira
como o noticiário abordou os temas referentes a esse assunto não se caracterizou por uma
abordagem mais cínica em relação à política. Uma interpretação mais descritiva foi
encontrada em 90% das notícias durante o período. A agenda negativa que o JN apresentou
se restringiu à apresentação de desvios individuais, onde políticos e outros agentes
públicos foram mostrados em atividades antiéticas e ilegais. O sistema e suas instituições
em nenhum momento foram alvo de críticas ou de caracterizações depreciativas por parte
do telejornal. Esse fato ajuda a explicar por que os maiores consumidores de JN não
desconfiam mais das instituições e nem são menos satisfeitos com a democracia, mas, ao
contrário, apresentam associações positivas.
7
Notícias sobre corrupção podem aumentar a percepção, por parte dos indivíduos, de
que os governos e autoridades são vigiados e responsabilizados por suas ações pela mídia,
o que garantiria um clima de maior confiança. No entanto, em relação à questão específica
da corrupção, as informações a esse respeito podem ter um impacto diferenciado sobre o
indivíduo, tornando-os mais cônscios do problema. Dessa forma, é possível que conteúdos
negativos da mídia brasileira não estejam afetando diretamente determinadas atitudes do
cidadão em relação a política. Mas a contínua ênfase em relatos de corrupção e
malversação de recursos públicos, pode ter a capacidade de influir na percepção que as
pessoas têm desse problema. Como a percepção da corrupção tem se demonstrado como
relevante para a desconfiança institucional e a legitimidade democrática (MOISÉS E
CARNEIRO, 2010; DAL PINO, 2009), a longo prazo – e de maneira indireta – isso poderia
fomentar maior descrédito para as instituições e a democracia.
Na literatura nacional e internacional, portanto, existe o entendimento de que tanto a
corrupção, quanto a percepção desse problema por parte dos cidadãos, é um elemento
pernicioso para a legitimidade democrática. A percepção do problema da corrupção, por
sua vez, não é função apenas do contato pessoal que se possa ter com ela, mas também
das informações a que se está exposto diariamente a esse respeito, em especial pelos
meios de comunicação. No caso brasileiro, análises de conteúdo têm demonstrado uma
persistente cobertura negativa por parte dos meios de comunicação, onde se dá um
destaque excessivo a notícias sobre corrupção de agentes públicos. Durante o segundo
semestre de 2005, o escândalo conhecido como “mensalão”, além de outros casos de
corrupção, prevaleceram no mais importante telejornal do país, o Jornal Nacional da Rede
Globo (Mesquita, 2010). Com uma forte carga de notícias negativas sobre práticas corruptas
no noticiário, a hipótese é que:
H1: Assistir Jornal Nacional afeta de maneira negativa a percepção dos indivíduos em
relação ao comportamento dos políticos (superfaturar obras públicas e desviar dinheiro
para o patrimônio pessoal, usar “caixa 2” em campanhas eleitorais e mudar de partido em
troca de dinheiro ou cargo); a percepção sobre o problema da corrupção (no último ano,
durante o governo Lula e percepção de que seja um problema sério), além da avaliação da
situação política atual.
Essa primeira hipótese leva em consideração que mensagens específicas sobre
determinados assuntos têm maior poder de impacto sobre o que as pessoas consideram
dos mesmos. Ou seja, quanto maior cobertura sobre corrupção, maior a percepção desse
problema por parte dos indivíduos. Essa maior percepção – derivada de maior informação
8
sobre o assunto – por outro lado aumentaria a cognição dos indivíduos. Ao ver
irregularidades no trato com a coisa pública por parte de agentes do Estado sendo
expostos na mídia e, ao mesmo tempo, as instituições encarregadas de investiga-las e punilas (como o caso das Comissões Parlamentares de Inquérito ou do Ministério Público, por
exemplo), esses indivíduos teriam condições de avaliar melhor as instituições, justamente
por vê-las em seu funcionamento. Dessa forma, e amparado em resultados anteriores que
demonstraram que a confiança institucional e a satisfação com a
democracia são
impactadas de maneira positiva pela audiência do JN (MESQUITA, 2010), acredita-se que:
H2: Assistir Jornal Nacional está associado de maneira positiva a avaliação de
instituições e de políticos (governo, congresso, presidente, deputados e senadores,
partidos políticos).
RELAÇÕES: JN, CORRUPÇÃO E AVALIAÇÃO
O conteúdo do JN durante o segundo semestre de 2005 contou com uma proporção
muito grande de notícias negativas sobre o campo da política, mais especificamente relatos
de corrupção por parte de políticos e partidos. A hipótese inicial, assim, era que a audiência
do JN se associasse negativamente com a percepção que as pessoas têm de corrupção,
assim como a avaliação que elas fazem da situação política atual, mas positivamente em
relação à avaliação que os cidadãos fazem de seus representantes.
Para testar as hipóteses propostas, utilizou-se uma taxa de consumo de JN. Ela
corresponde à proporção de consumo de Jornal Nacional em relação à audiência de
televisão em geral (quanto maior a proporção de JN em relação ao resto do consumo de
televisão, maiores são os efeitos verificados).5
O primeiro passo é verificar o impacto dessa taxa na explicação de cada uma das
variáveis listadas na Tabela 2 (percepção de corrupção e avaliação). Sendo as variáveis
ordinais, optou-se por realizar uma regressão categórica.6
5
Para maiores detalhes dessa taxa, ver Capítulo V deste livro. De agora em diante, ao falar-se de consumo de Jornal
Nacional, está se referindo sempre a essa taxa, ou seja, sempre levando em consideração, também, o consumo
televisivo.
6
(Optimal Scalling no SPSS). A regressão categórica quantifica dados categóricos dando valores numéricos às
categorias. Isso resulta em uma equação de regressão linear optimal para as variáveis transformadas.
9
Tabela 2. Percepção de corrupção e avaliação
Coeficientes de regressão (beta) de Taxa JN,
controlados ou não por variáveis socioeconômicas
TXJN c/
controle
R2
N
TXJN c/
controle
R2
N
Aumentou
corrupção
último ano
Corrupção
é um
problema
sério
Comporta
mento dos
políticos 1
(mudar de
partido em
troca de
dinheiro ou
cargo)
ns
ns
ns
Comportamento
dos políticos 2
(superfaturar
obras públicas e
desviar dinheiro
patrimônio
pessoal)
Comportame
nto dos
políticos 3
(usar “caixa
2” em
campanhas
eleitorais)
Corrupção
e tráfico de
Influência
Governo
Lula
Avaliação
da situação
política
ns
ns
0,043*
ns
0,038
1799
Avaliação
Governo
Lula
Avaliação
do
Congresso
Avaliação
dos
Partidos
Avaliação do
Governo
Avaliação
do
Presidente
Avaliação dos
Deputados e Senadores
ns
ns
0,041*
0,041*
ns
0,044*
0,019
1814
0,041
1829
0,022
1812
Significância: *p < 0,10, **p < 0,05, ***<0,01. N= número de casos. Controlado por: sexo, idade, escolaridade, renda.
Fonte: projeto “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006).
Como demonstrado na Tabela 2, não existe qualquer associação entre a taxa JN e a
percepção, por parte dos cidadãos, de que a corrupção tenha aumentado no último ano ou
que seja um problema sério. Também não há relação entre a taxa e a percepção de que seja
comportamento de todos os políticos superfaturar obras públicas e desviar dinheiro para o
patrimônio pessoal, usar “caixa 2” em campanhas eleitorais e mudar de partido em troca de
dinheiro ou cargo (esta, após o controle das variáveis socioeconômicas). Nem a avaliação
do presidente Lula, do governo Lula, do Congresso e da situação política atual estão
associadas à variável explicativa após o controle das variáveis socioeconômicas.7
São quatro as variáveis associadas à taxa de consumo de Jornal Nacional: a
percepção sobre a questão da corrupção e o tráfico de influência durante o governo Lula e da
avaliação dos partidos políticos, do governo e dos deputados e senadores. Todas elas, após o
controle das variáveis socioeconômicas, associam-se à taxa JN. Como esperado para o caso
da avaliação das instituições, as associações são positivas. Quanto maior o consumo de JN
melhor a avaliação da atuação do governo, dos partidos políticos e dos deputados e
senadores. Isso indica que, apesar, das notícias negativas sobre corrupção, o fato de as
instituições não serem caracterizadas negativamente e, ainda, serem apresentadas em
7
Os modelos de regressão utilizados são para efeito de predição, ou seja, avaliar que conjunto de variáveis
explicativas afetam as variáveis dependentes.
10
funcionamento, pode ter ajudado a melhorar os níveis de cognição dos indivíduos, dando
subsídios para que as avaliassem melhor.
Entretanto, o resultado para a primeira hipótese não foi o esperado. Não foram
encontradas associações, positivas ou negativas, entre a taxa JN e variáveis de percepção
do problema da corrupção, com exceção de uma. Ao contrário da hipótese proposta,
quanto mais se assiste ao Jornal Nacional, mais as pessoas tendem a perceber que a
questão da corrupção e do tráfico de influência no governo Lula melhorou. Dado o período
estudado, com uma quantidade extensiva de notícias negativas sobre corrupção,
envolvendo políticos e partidos, como explicar esse resultado?
Apesar de uma proporção grande de notícias negativas sobre o campo da política,
esse tipo de abordagem se limitou a indivíduos e não instituições. Ao contrário, essas
instâncias democráticas foram mostradas em seu funcionamento. Essas informações
podem estar associadas à idéia de transparência, o que explicaria avaliações melhores de
instituições entre aqueles que assistiram ao telejornal.
A ausência de associações com a taxa JN e variáveis de comportamento de políticos
(que, de fato, foram caracterizados negativamente pelo telejornal) pode estar relacionada
com a incapacidade de o noticiário, a despeito desse conteúdo, influenciar as pessoas.
Também é possível que o ambiente maior da sociedade estivesse permeado pelo mesmo
tipo de informação.8 Não sendo exclusividade do JN a visão negativa da classe política, não
seriam seus maiores telespectadores que apresentariam uma visão diferenciada do
restante da população.
Existe, ainda, um outro elemento a ser considerado. A mídia brasileira é
frequentemente retratada como tendo um viés antipolítico. Entretanto, essa característica
não é exclusiva da abordagem dos meios de comunicação, e sim um traço mais perene da
cultura política brasileira (PORTO, 2000). Assim, é possível que o Jornal Nacional mais reflita
essa perspectiva, do que exerça algum tipo de influência.
Parte-se também do princípio de autonomia dos telespectadores frente às
mensagens a que estão expostos. A maneira como cada cidadão absorverá a informação
depende muito do contexto ao qual está inserido, podendo atuar nessa absorção de
informação diversos fatores, como educação e renda, por exemplo. Para verificar se esses
elementos poderiam, de alguma forma, se relacionar com a absorção de informação por
8
A análise de editoriais dos principais jornais durante o período sugere isso (Miguel, 2007).
11
parte dos cidadãos, optou-se por realizar uma interação entre a taxa de consumo de Jornal
Nacional e a instrução e, posteriormente com a renda.9
Como é possível identificar na tabela 3, quantificadas, as variáveis explicativas todas
relacionam-se com as variáveis dependentes, com exceção de sexo e idade. Sexo não
demonstrou ser significante para nenhum dos casos, enquanto a idade foi significante
apenas para a avaliação do governo Lula, que conta com apreciação melhor entre os mais
velhos. A taxa JN tem associação menos significante para todas as variáveis. Escolaridade e
renda, por sua vez, apresentam associações mais significantes, mas ocorre que estas são
em sentido oposto. Como já exposto anteriormente, a taxa JN está relacionada a uma
melhor avaliação do governo, dos partidos políticos, dos deputados e senadores e a uma
percepção de melhora na questão da corrupção no governo Lula. Ao contrário, quanto
maior a escolaridade e maior a renda, pior se avaliam as mesmas instituições e pior se
percebe a questão da corrupção.
Tabela 3. Percepção de corrupção e avaliação com interações
Coeficientes de regressão (beta) com interações da taxa JN com escolaridade e com renda
Avaliação dos
Partidos
Políticos
Avaliação
Deputados e
Senadores
Avaliação
Governo
Percepção de
Corrupção
gov. Lula
TXJN
0,04*
0,042*
0,040*
0,041*
Sexo
ns
ns
ns
ns
Idade
ns
ns
0,067**
ns
Renda
-0,07***
-0,081***
-0,114***
-0,129***
Escolaridade
-0,063**
-0,084***
-0,088***
-0,097***
ns
ns
ns
ns
-0,044*
ns
ns
ns
R2
0,020
0,023
0,042
0,039
N
1814
1812
1829
1792
TXJN vs. renda
TXJN vs.
escolaridade
Significância: *p < 0,10, **p < 0,05, ***<0,01. N= número de casos.
Fonte: projeto “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” (2006).
Não existe nenhum efeito das interações entre taxa JN com escolaridade ou com
renda com relação à avaliação do governo, dos deputados e senadores e a respeito da
percepção de corrupção durante o governo Lula. Entretanto, existe uma associação entre a
9
Ver capítulo V para maiores detalhes sobre o procedimento.
12
variável de interação da taxa JN com a escolaridade e a avaliação dos partidos políticos,
como mostra a tabela 3. Isso significa que essas duas variáveis atuam conjuntamente,
afetando a avaliação dos partidos políticos. Como a interação possui uma associação
negativa com a variável dependente, assim como a escolaridade, indica que quem mais
assiste ao Jornal Nacional e mais escolaridade tem, pior avalia os partidos. Entretanto, se
comparado à escolaridade sozinha, traz menor intensidade, como pode ser percebido
comparando os dois coeficientes (escolaridade x TXJN vs. escolaridade).
Se tomarmos a audiência do Jornal Nacional como representando, de alguma forma,
uma variável de informação, então os resultados apontam para algo, em princípio,
contraditório: escolaridade e informação não seguem a mesma tendência de associação. Os
resultados para escolaridade revelam o “cidadão crítico” de Norris (1999b). Ou seja, é o
democrata que se mostra rigoroso com a avaliação do desempenho concreto das
instituições do regime. São justamente os maiores níveis de escolaridade e acesso à
informação que teriam essa atitude mais crítica. Moisés (2007) já havia encontrado – com
os mesmos dados utilizados na presente pesquisa – que, apesar de a educação dos
indivíduos afetar positivamente indicadores de mobilização, como a participação política,
ela não aumenta o apoio a instituições representativas. Os mais educados são, a despeito
de mais participativos, também mais críticos. Entretanto, a informação – considerando a
audiência do JN – aparece com tendência oposta, ou seja, melhorando a avaliação dos
cidadãos acerca das instituições.
Esses resultados podem ser entendidos a partir de três tipos de orientação da cultura
política: uma cognitiva, uma afetiva e outra avaliativa (DIAMOND, 1999). A educação e a
informação podem estar ligadas a uma orientação cognitiva, que envolve conhecimento e
crenças sobre o sistema político. Se por um lado as crenças sobre o sistema político podem
ser construídas a longo prazo por processos de maior qualificação cognitiva, onde a
educação representa um papel crucial, o conhecimento sobre o sistema político pode ser
mais dependente de informações específicas de curto prazo, onde os meios de
comunicação desempenhariam papel relevante. Sendo dois elementos distintos, é plausível
que representem orientações diferentes e, até, opostas.
Já uma orientação afetiva, que consiste em sentimentos sobre o sistema político,
pode estar ligada mais à educação, que consiste em uma construção de longo prazo, do
que a informações, mais ligadas a conjunturas de momento. Assim, o terceiro tipo de
orientação
–
a
avaliativa
–
que
usa
13
informação
e
sentimentos,
representa
comprometimentos a valores e julgamentos políticos sobre o desempenho do sistema
político relativo a esses valores.
Dessa forma, poderíamos entender que a educação pode representar e reforçar um
traço mais perene da cultura brasileira: o viés antipolítico (PORTO, 2000). Crenças e
sentimentos acerca do sistema político brasileiro, tradicionalmente de caráter mais crítico
no Brasil, seriam reforçados por esse processo de maior qualificação cognitiva representada
pela escolaridade. Ao contrário, informações específicas sobre o funcionamento do sistema
político, representadas pela audiência do Jornal Nacional, fornecem elementos para que o
cidadão avaliem melhor suas instituições.
Assim, partindo da autonomia dos indivíduos na interpretação das informações
expostas pelo telejornal, o conteúdo negativo acerca da política não se contrasta com
elementos mais perenes já presentes na sociedade brasileira, onde a política é vista de
maneira crítica. Mas ao fornecer informação específica sobre o sistema, mostrando as
instituições em seu funcionamento, principalmente em seus papéis de accountability, dão
margem para uma melhor avaliação das mesmas.
Não se pode esquecer, entretanto, que a educação – como elemento mais
constitutivo do arsenal cognitivo dos indivíduos – é mais forte e significante do que a
informação de curto prazo fornecido pelo telejornal, o que pode ser corroborado pelos
dados. Na variável onde aparece efeito de interação constata-se, assim, que a interação
com a audiência do Jornal Nacional aparece apenas “suavizando” a avaliação negativa dos
partidos políticos daqueles com maior escolaridade. Isto é, o efeito de interação entre
escolaridade e taxa JN, apesar de negativo, é mais fraco do que o da escolaridade sozinho.
Ou seja, a escolaridade aparece tornando o cidadão mais crítico. Apesar de incapaz de
reverter essa tendência de longo prazo, a informação de curto prazo contidas no JN fazem
com que essa crítica seja menos severa.
A prevalência da tendência de variáveis socioeconômicas ou da variável de audiência
na interação pode estar relacionada à diferença entre dimensões de percepção de caráter
distinto. Uma convicção mais profunda acerca de temas políticos – mais refrataria a
mudanças conjunturais – representaria uma percepção de “fundo”. Seria o tipo de
percepção decorrente de processos de socialização a longo prazo. Diferentemente,
convicções de ordem mais pragmática ou conjuntural representariam posturas mais
imediatas e a curto prazo, mais dependentes de informações novas para serem formadas.
Podem ser chamadas de “momento”.
14
A suposição é que, para essas convicções de “fundo”, variáveis socioeconômicas
prevaleceriam por serem mais fortemente constitutivas das características pessoais do
indivíduo e, portanto, menos aptas a mudarem a curto prazo. Ao contrário, percepções de
questões de “momento” seriam mais aptas a serem influenciadas por informações a curto
prazo, portanto mais susceptíveis de influência pela mídia.
Os partidos políticos brasileiros contam com um histórico de avaliações negativas
motivadas pela fragmentação partidária, afetando a inteligibilidade do sistema eleitoral e a
capacidade de o eleitor diferenciar os vários partidos (KINZO, 2004; LAMOUNIER & SOUZA,
2006). Isso implica que a avaliação dessa instituição representa uma dimensão de “fundo”,
e não de “momento”. De fato, a predominância da tendência da variável socioeconômica
de escolaridade – e não de audiência – na variável de interação, indica que nesse tipo de
dimensão, características mais “primárias” dos indivíduos são mais importantes do que a
informação dos meios de comunicação.
DISCUSSÃO
Os dados do survey “A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições Democráticas”
apontam para uma visão muito crítica dos cidadãos em relação a avaliação das instituições e
percepção do problema da corrupção. O principal telejornal do país, o Jornal Nacional da
Rede Globo, parece mais refletir, do que influenciar essa visão crítica, já que as poucas
variáveis que estão associadas à audiência do JN têm uma associação positiva. Instrução e
renda parecem explicar mais essa visão crítica, já que quanto maior as duas, pior a avaliação
das instituições e percepção de corrupção.
Existe ainda, um efeito de interação da variável de audiência de JN com
escolaridade, que afeta a avaliação dos Partidos Políticos. Quanto maior escolaridade, como
visto, pior a avaliação. A interação com a taxa JN mostra que a audiência do telejornal, aliada
à escolaridade, continua com uma associação negativa com a avaliação dos partidos,
demonstrando a maior importância de características mais primárias dos indivíduos.
Os resultados presentes nessa pesquisa desafiam hipóteses levantadas por análises
de conteúdo (PORTO, 2000; CHAIA E TEIXEIRA, 2001) Em relação a possíveis efeitos nocivos
de uma cobertura jornalística pautada por denúncias de corrupção. No contexto muito
negativo de mensagens sobre o mundo político, como explicar essas associações positivas?
Primeiramente, poderia ser sugerido que o ambiente de negativismo em relação à política e
fartas notícias sobre corrupção estavam, de certa forma, tão abundantes em outros setores
15
da mídia e da sociedade que não seria a audiência específica do JN que estaria associada a
efeitos negativos. Dito de outro modo, os maiores consumidores de JN não estariam mais
expostos a esse tipo de ambiente do que o restante da população.
No caso da percepção da corrupção, esse poderia ser o caso. Somente uma variável
apresentou associação significante. Restaria saber, entretanto, porque essa associação foi
positiva. De outro modo, é possível que questões que a princípio possam parecer mais
conjunturais – e por isso mais passíveis de influência a curto prazo – reflitam, na verdade,
temas mais profundamente arraigados nas convicções do indivíduos. A crise política de
2005 inicialmente poderia ser entendida como um elemento conjuntural. Assim, fartas
notícias sobre corrupção afetariam a percepção que os cidadãos tem do problema.
Entretanto, sendo o viés antipolítico um traço mais perene da cultura política brasileira, as
notícias presentes no JN sobre esse tema não representariam uma questão conjuntural
como se imaginava.10
Por outro lado, no caso da avaliação das instituições, o estudo corrobora achados
anteriores de que informações contidas no telejornal podem representar um papel positivo
para a democracia, estimulando o apoio político, ao incrementar os níveis de cognição dos
indivíduos (ver capítulo V deste livro). De certa forma, os dados amparam uma perspectiva
de que o conteúdo do JN centrado no conflito, bem como nos desdobramentos de notícias
negativas, é na verdade parte da função da mídia. O papel do jornalismo de vigiar o poder
público, na sua função de watchdog, deveria ser mais encarado como dever democrático do
que como uma ameaça à cultura cívica (SCHMITT-BECK & VOLTMER, 2007). A população,
nesse sentido, saberia muito bem separar esse conteúdo negativo das considerações que
faz sobre a política.
É possível corroborar essa explicação pela análise de conteúdo estabelecida no
período. A agenda do telejornal durante esse tempo foi sobrecarregada de notícias de
desvios de políticos, o que poderia ser esperado pela população como parte da função da
mídia. A grande maioria dessas notícias, por sua vez, não se caracterizou por um
enquadramento estratégico, ou de desvalorização das instituições. A falta desse tipo de
“interpretação” negativa nas notícias sobre corrupção pode ser o motivo da ausência de
associação entre a audiência do JN e uma pior avaliação das instituições do País.
10
Pode-se traçar um paralelo com o referendo das armas de 2005. Apesar de haver uma forte tendência da mídia a
favor do desarmamento, essas informações conjunturais não foram o suficiente para afetar o resultado do pleito. A
estratégia da campanha do “não” foi bem sucedida ao apelar para traços e valores que permeiam o imaginário
social: a ameaça de quebra de direitos e a descrença no governo e nas instituições (Cf. Veiga & Santos, 2008).
16
Há que se levar em consideração, é claro, a questão da causalidade. Não é possível
afirmar que o JN melhore a avaliação que os cidadãos têm de suas instituições e
governantes ou a percepção que têm sobre o tema da corrupção. Seria também plausível
afirmar que aqueles que mais possuem essas características, acabam sintonizando o
telejornal da Rede Globo. O que se pode dizer inequivocamente é que a audiência do Jornal
Nacional não piora a percepção do público sobre esses assuntos.
Outro aspecto a ser levado em conta é a autonomia do público em relação ao
conteúdo apresentado pela mídia. As mensagens veiculadas são interpretadas ativamente,
ao invés de absorvidas passivamente pelas pessoas. A característica pessoal de cada
indivíduo atua para que ele absorva, de maneira singular, o conteúdo ao qual está exposto.
Uma análise de como os indivíduos processam a informação, para o que se fariam
necessárias metodologias de recepção, foge ao alcance deste trabalho. Entretanto, os
resultados com variáveis de interação, demonstraram como características pessoais do
indivíduo, como a escolaridade, podem interagir com a audiência do JN.
Também é preciso destacar que o objetivo do capítulo era verificar possíveis
associações entre dois fenômenos: o consumo de JN e atitudes dos cidadãos frente a
corrupção e a avaliação das instituições. Não sendo seu propósito, portanto, buscar os
fenômenos que mais explicam essas atitudes. Assim, não se pretende afirmar que o
telejornal é “o” fator a ser levado em consideração para explicar as atitudes do cidadão em
relação ao sistema político. Entende-se que essa explicação possui, evidentemente,
múltiplas dimensões. O que se perseguiu aqui foi contribuir apenas com um aspecto de tal
problema.
Os resultados permitem afirmar que abordagens que vêem os meios de
comunicação como veículos extremamente influentes, capazes de piorar a percepção do
público sobre suas instituições e representantes, não encontram aqui subsídios para o caso
brasileiro.
17
ANEXO
Variáveis Utilizadas:
Audiência de TV
“Quantas horas por dia você gasta assistindo
TV (Até 1, 2, 3, 4, 5 horas, mais de 5 horas? Ou
você não costuma assistir TV?)”
Variáveis de Avaliação:
Gostaria que você avaliasse a atuação de cada
uma das seguintes instituições (ótima, boa,
regular, ruim, péssimo): do Congresso
Nacional, dos Partidos Políticos, do Governo,
do Presidente.
Audiência do Jornal Nacional
“Com que freqüência você assiste o Jornal
Nacional da TV Globo durante a semana? (1, 2,
3, 4, 5 vezes, todos os dias ou você nunca
assiste o Jornal Nacional?)”
Avaliação dos senadores e deputados
Você diria que os senadores e deputados
federais que estão atualmente no Congresso
estão tendo um desempenho... (ótimo, bom,
regular, ruim, péssimo)?
Comportamento dos políticos 1
Em relação aos nossos políticos e
governantes, o(a) sr.(a) diria que é um
comportamento... (de todos, da maioria, da
minoria ou de nenhum)... dos políticos e
governantes brasileiros: mudar de partido em
troca de dinheiro ou cargo.
Avaliação da situação política
Como você avalia a situação política do Brasil
hoje? (Muito boa, Boa, Regular, Ruim ou
Muito Ruim)
Avaliação do governo Lula
Em sua opinião, o presidente Lula está
fazendo um governo (Muito Bom, Bom,
Regular, Ruim ou Muito Ruim)?.
Comportamento dos políticos 2
Em relação aos nossos políticos e
governantes, o(a) sr.(a) diria que é um
comportamento... (de todos, da maioria, da
minoria ou de nenhum)... dos políticos e
governantes brasileiros: superfaturar obras
públicas e desviar dinheiro para o patrimônio
pessoal.
Percepção de corrupção no governo Lula
E no governo Lula, falando de corrupção e
tráfico de influência, as coisas (melhoraram,
ficaram iguais, pioraram) ao que era antes?
Percepção de corrupção no último ano
E no último ano, a corrupção (aumentou
muito, aumentou pouco, permaneceu igual,
diminuiu pouco ou diminuiu muito)?
Comportamento dos políticos 3
Em relação aos nossos políticos e
governantes, o(a) sr.(a) diria que é um
comportamento... (de todos, da maioria, da
minoria ou de nenhum)... dos políticos e
governantes brasileiros: usar “caixa 2” em
campanhas eleitorais.
Avaliação da corrupção
Você diria que a corrupção é um problema
(muito sério, sério, pouco sério, não é um
problema sério)?
18
IX.
IMPACTO DA CORRUPÇÃO SOBRE A QUALIDADE
DO GOVERNO DEMOCRÁTICO
UMBERTO GUARNIER MIGNOZZETTI1
INTRODUÇÃO
Um problema recorrente para os países que recentemente (ou seja, nos últimos trinta anos)
passaram por processos de redemocratização é a questão da qualidade das instituições que foram
produzidas nestes movimentos. Este envolve uma série de condicionantes que estariam ligados a um
conceito mais amplo de procedimentos democráticos e, sem dúvida, se relacionam à questão do
impacto que soluções que estariam fora do escopo legal e institucional podem gerar no sistema.
Este trabalho tem basicamente duas etapas fundamentais. Na primeira etapa, em que
faremos uma discussão mais conceitual, vamos tratar do efeito observado da corrupção sobre os
diversos condicionantes de uma democracia dita com qualidade2, do ponto de vista teórico.
Basicamente, a questão do primado da lei (rule of law, tal como os anglo-saxões definem) seria o
conceito-chave no entendimento do problema da qualidade das instituições democráticas. Por fim,
abordaremos o problema da corrupção como uma violação no primado da lei e conseqüentemente,
um fator desestabilizador do projeto de uma democracia que prometa proporcionar conteúdos
qualitativamente superiores, tendo em vista outras soluções institucionais (ditaduras, autoritarismos,
totalitarismos, e etc).
Na segunda etapa, tomaremos os principais insights da discussão teórica e daremos forma em
um modelo empírico que tem como finalidade explicitar as relações entre qualidade da democracia e
1
Agradeço aos colegas do Grupo de Pesquisa sobre Desconfiança nas Instituições Políticas, coordenado pelos Professores Prof.
Dr. José Álvaro Moisés e Profª. Dra. Rachel Meneguello. Agradeço também a Rodolpho Bernabel, Erinson Otênio e Flávio Reis
pelos valiosos comentários. Agradeço também o apoio financeiro da FAPESP, bolsa nº 09/54293-3. Os problemas
remanescentes são de minha responsabilidade.
2
Ou seja, a corrupção muitas vezes pode ‘agilizar’ a consecução de um serviço, nem por isso pode ser considerada de algum
modo como uma ação justificável, tanto do ponto de vista ético, quanto do ponto de vista da qualidade das instituições, tal
como definiremos a frente.
1
a corrupção. Nosso objetivo é de mostrar como a corrupção impacta os diferentes indicadores de
qualidade da democracia.
DA QUALIDADE DA DEMOCRACIA
Uma definição mais abrangente de democracia, incluindo a avaliação de seu desempenho
para além dos marcos procedimentais pode ser encontrada na introdução do texto Assessing the
Quality of Democracy, editado por Diamond & Morlino3. Neste trabalho os autores defendem que a
definição minimalista (ou procedimental), não seria suficiente para dar conta do conteúdo e da
importância da democracia, de uma forma ampla.
Para identificar o que seria uma boa democracia devemos então supor que além de sufrágio
universal; eleições livres e competitivas; fontes alternativas de informação e; mais de uma escolha
política (que são os principais fatores na definição minimalista), deveremos ter também um foco nas
liberdades políticas e civis; na igualdade política; na transparência; na legalidade e legitimidade das
instituições; e por fim, na responsividade dos governantes perante os cidadãos. Nas palavras dos
autores:
…we consider a quality of democracy to be one that provides its citizens a high
degree of freedom, political equality, and popular control over public policies and
policy makers through the legitimate and lawful functioning of stable institutions.
A good democracy thus first a broadly legitimated regime that satisfies citizen
expectations of governance (quality in terms of result). Second, a good democracy
is one in which its citizens, associations, and communities enjoy extensive liberty
and political equality (quality in terms of content). Third, in a good democracy the
citizens themselves have the sovereign power to evaluate whether the
government provides liberty and equality according to the rule of law. Citizens and
their organizations and parties participate and compete to hold elected officials
accountable for their policies and actions They monitor the efficiency and fairness
of the application of the law, the efficacy of government decisions, and
responsiveness of elected officials. Governmental institutions also hold one
3
Outro texto interessante, em que aparece o mesmo problema, é o de Doh Chull Shin, Democratization: perspectives from
global citizenries de 2005. No texto temos um interessante argumento pelo ‘porque’ de olhar para a qualidade da democracia
(citado de Rose): “As Rose and his associates (1998, 8) aptly point out, these institutions constitute not more than ‘the
hardware’ of representative democracy. To operate the institutional hardware, a democratic political system requires the
‘software’ that is congruent with the various hardware components”. (Shin, 2005). No texto de Shin, as dimensões são
nomeadas de institucionais, substantivas e culturais e o autor desenvolve sua abordagem sobre a democratização de acordo
com esta tríplice chave conceitual.
2
another accountable before the law and the constitution (quality in terms of
procedure). (DIAMOND E MORLINO, 2000, pp. xi - xii).
A questão da qualidade da democracia então envolveria três dimensões fundamentais (que
se desdobrariam em oito dimensões mais pontuais): procedimentos, resultados e conteúdos (numa
analogia com o controle de qualidade das empresas)4.
Quanto a procedimentos teríamos o modelo dahlniano da poliarquia e suas instituições
fundamentais. A diferença seria que, conforme coloca Mouffe (1992), não faria sentido se não
considerássemos também a dimensão participativa5 e os autores, mesmo sem citar textualmente,
seguem a idéia de que é necessária uma democracia onde as instancias participativas vão além da
disputa puramente eleitoral.
Os conteúdos da democracia seriam outro ponto fundamental, e teriam relação com o que
Moisés (2005) chama de conteúdo normativo das instituições. Nessa chave, as instituições não
seriam somente algo criado para resolver problemas pontuais, ou corpos que teriam como única
utilidade mediar disputas que surgiriam no seio da sociedade sobre qual visão de bem-comum se
deveria adotar. Os papéis e alcances das instituições seriam mais amplos. Nas palavras do autor:
Isso [a confiança nas instituições] se explica através das regras constitutivas das
instituições que remetem a conteúdos éticos e normativos resultantes da disputa
dos atores pelo sentido de política. (MOISÉS, 2005).
Os conteúdos da democracia seriam então a base de legitimidade (legitimidade esta que está
ligada à confiança no arcabouço institucional democrático) sob a qual foram constituídas as
representações daquilo que os indivíduos entenderiam como os valores constantes na sociedade, e
sua tradução para as instituições políticas por meio da definição dos procedimentos e resultados
possíveis, e dos problemas que as determinadas instituições deveriam resolver. Ou seja, as
instituições não seriam somente a imagem rousseauniana daquilo que viria para transformar o
homem, mas também seriam algo produzido pelos indivíduos de acordo com seus conteúdos
normativos6, e isso seria o que as definem como algo intersubjetivo com relação aos indivíduos.
4
Não desenvolvemos exaustivamente mas acreditamos que alguns dos aspectos tratados pelo conceito vale também fora das
democracias, embora ganhem mais importância e notoriedade nestes regimes.
5
Se tomarmos autores ligados ao republicanismo, teremos a ênfase em toda uma discussão sobre o fato de que, quando as
desigualdades se acentuam, teríamos uma forte deturpação na idéia de cidadania no sentido de que o ‘valor’ de cada individuo
seria alterado.
6
Na discussão sobre corrupção aparecem freqüentemente textos em que a população não considera uma determinada prática
institucional como corrupta quando na verdade é (segundo a constituição). Pode-se pensar que o enforcement contra uma
dessas práticas não seria tão acentuado o quanto esperado, pois não está arraigado no hábito da população.
3
No que diz respeito aos resultados fica evidente que alguma expectativa o funcionamento das
instituições gera nos indivíduos (senão, para quê instituições?) e, o resultado destas instituições
traduzirá, juntamente com os outros fatores, se a democracia tem ou não um conteúdo qualitativo
elevado. Podemos pensar que se a finalidade das instituições é mediar a relação entre indivíduos que
estariam interagindo (não como amigos ou parentes, e sim como cidadãos), e, dado que estes
naturalmente esperam algum resultado palpável dessa relação, podemos derivar que o desempenho
das instituições tem um impacto fundamental no modo como os cidadãos pensam a política.
Temos também que a confiança institucional7 é diretamente afetada também pelo modo
como os indivíduos avaliam as instituições, e o fato de se as mesmas estariam (ou não) cumprindo o
papel que lhes fora atribuído, tanto de modo normativo (por exemplo, as pessoas têm a vida como
valor e, no intuito de preservá-la, buscam a constituição de um aparato para cumprir esta finalidade.
Daí nasce a polícia. Entretanto, se a polícia viola a integridade física dos indivíduos de modo
indiscriminado, eles acabam por perceber que os resultados que esperavam não estaria sendo
alcançado) quanto de modo positivo8 (como no fato de que a polícia tem um código a cumprir). Os
resultados, portanto, influenciam na qualidade e, bons resultados, naturalmente traduzem uma boa
qualidade da democracia, além de aumentar o apoio e fortalecer as instituições.
Estes são os pontos principais da discussão. Descendo ao nível mais especifico, eles estariam
relacionados com:
a) Participação, ou seja, uma boa democracia deveria garantir um alto grau de participação dos
indivíduos nas decisões públicas, participação que deveria estar alem do simples ato de votar
e ser votado, mas também na feitura de plebiscitos, na existência de uma sociedade civil ativa
e fortemente mobilizada e no direito a formas alternativas de ação individuais e coletivas
(como Ongs, associações, entre outras);
b) Competição, que está relacionada com o sistema eleitoral e partidário. A alternância de poder,
o fato de haver eleições limpas, e a equidade na competição, tudo isso contribui para que haja
qualidade de acordo com esta dimensão. Outros fatores relevantes são a participação e a
existência de mais de um partido sério na arena política;
7
Talvez eu tenha entrado pouco na questão da desconfiança ou confiança institucional, mas esta é fundamental e está
relacionada com o conteúdo e os resultados da cooperação dos indivíduos em sociedade. Um alto grau de confiança, tendo em
vista que o regime democrático estaria fortemente relacionado com a idéia de consenso e de uma disputa baseada no fairness,
acabaria por facilitar e auxiliar um bom desempenho do regime. Por outro lado, uma baixa confiança estaria ligada a um déficit
democrático. Ver para isso Norris (1999).
8
Positivo no sentido de legalmente instituído. Outro ponto é que apesar de também podermos considerar que estes códigos
também são criação dos indivíduos, e por isso, também estariam embebidos de normatividade.
4
c) Accountability vertical, que significa que os eleitos têm, de algum modo, de prestar contas de
suas ações aos cidadãos. Eles têm que justificar suas ações, bem como as fazer plenamente
públicas e, de algum modo, agir em correspondência com as expectativas dos indivíduos;
d) Accountability horizontal, que significa que existem no próprio governo, ou na sociedade civil,
agencias que cuja principal finalidade seja a fiscalização e eventualmente, a punição de ações
governamentais impróprias. Este é chamado horizontal porque exercido por órgãos que não
necessariamente estariam excluídos do governo, neste sentido, agencias governamentais,
como no Brasil, os Tribunais de Contas, o Banco Central (através do COAF, por exemplo), as
Procuradorias e o Ministério Público, participariam da lógica de checks and balances proposta
por esta dimensão;
e) Liberdade, que pode ser classificada, segundo Diamond & Morlino, como civil, política e social.
A civil diz respeito a livre expressão, a liberdade de associação e de pensamento, entre
outras; a política estaria relacionada ao direito pleno de ação no campo político (votar e ser
votado, por exemplo), e liberdade social estaria relacionada à garantia de um patamar
mínimo de igualdade que seria indispensável ao bom funcionamento da cidadania em si
(podemos pensar que, a cidadania sem um mínimo de conteúdo educacional garantido aos
cidadãos, os dificultaria de reivindicar a plenitude de seus direitos e daí, produziria um déficit
no conteúdo qualitativo da democracia);
f) Igualdade, que seria essencial na qualidade da democracia, pois primeiramente, nas relações
democráticas temos que ter em vista que, ou os indivíduos se relacionam de igual para igual
ou não temos democracia, daí, a igualdade (em algum nível no mínimo, e no ponto ideal, em
um nível mínimo de desigualdades) é uma condição sine qua non para o funcionamento da
democracia9;
g) Responsividade (responsiveness), que estaria ligada a uma boa resposta, por parte dos
governos e instituições às demandas e necessidades dos cidadãos. Ou seja, a responsividade
em uma boa democracia, significa que os governantes, bem como as instituições como um
todo, estariam de modo efetivo representando e cumprindo com as expectativas que os
indivíduos tem sobre seu comportamento, ou seja, as demandas sociais estariam sendo
plenamente atendidas;
9
A inclusão deste ponto pode gerar discussões. Acreditamos que igualdade não precisa simplesmente estar relacionada à
igualdade de renda, e sim, pode ser algo mais interessante, como equidade, ou mesmo igualdade perante a lei (que se levada a
sério é de grande valia). É razoável pensar que o mercado teria também um papel fundamental como alocador de recursos no
seio da sociedade.
5
Para finalizar a discussão sobre qualidade da democracia, devemos discutir o primado da lei
(rule of law). Este foi deixado para o fim propositalmente (este no caso, é nossa dimensão h), pois
está, alem de fortemente ligado a todas as outras sete dimensões listadas acima10, teria uma forte
relação (negativa) com a corrupção, que será discutida a frente.
Por primado da lei podemos entender basicamente que a lei vale igualmente para todos os
indivíduos que se relacionam com ela em situação de igualdade, ou seja, a lei vale para todos os
indivíduos e ninguém estaria acima dela. Para O’Donnell (2004) temos que primado da lei significa
que os direitos civis, políticos e sociais são igualmente enforçados11 e que, os indivíduos tem seus
direitos garantidos em um patamar de igualdade. Isso significa que a lei é consistente em sua
aplicação e que os indivíduos não correriam o risco de sofrerem com abusos de poder e, caso haja
alguma situação que se caracterizasse como tal, poderiam ser acionados organismos que cuja
finalidade seria coibir tal transgressão e que, como característica principal, teriam sucesso em sua
empreitada12.
Segundo O’Donnell as dimensões principais da rule of law são: o fato da lei ser enforçada para
todos igualmente; a supremacia do estado de direito sobre qualquer gap de legalidade que possa
ocorrer, o que significa que o Estado tem domínio supremo sobre o território13; a corrupção estar
sobre controle efetivo; uma burocracia preparada que haja de acordo com as normas legais; uma
força policial profissional e eficiente; cidadãos possuírem efetivo acesso às cortes e à justiça ser
limpa; a existência de agencias de accountability horizontal que assegurem o cumprimento da lei
pelos diversos órgãos de Estado. Um Estado com essas características muito faz na questão da
qualidade da democracia, pois como poderia ser facilmente deduzido, esta dimensão tem uma forte
relação teórica com as sete outras já por nós discutidas14.
10
Na verdade, todas as dimensões listadas acima estão inter relacionadas. Isso significa que uma alteração em um dos
elementos de uma das dimensões quaisquer refletiria em alterações nas outras, naturalmente, em algumas mais e em outras
menos, vai depender do local onde observamos a alteração. Ou seja, se não houver primado da lei, não faz sentido falar em
eleições limpas, pois se a lei não é plenamente cumprida, isso afetaria as eleições também. Se, por exemplo, não houver
accountability vertical, poderíamos concluir que a responsividade estaria fortemente comprometida, e governantes que não
tem a obrigação de responder às demandas sociais decerto não teria que temer em agir até mesmo contra a população e,
portanto, não teríamos uma boa democracia. Portanto, a qualidade da democracia seria um fenômeno multidimensional.
11
Enforcement of the law.
12
Vale lembrar que o fato de um crime ser denunciado não significa que ele seja punido, ou até mesmo seja julgado por um
tribunal independente. Assim, não só a denuncia, mas todos os passos do processo são indispensáveis para um efetivo primado
da lei.
13
Alguns lugares no Rio de Janeiro poderiam ser problematizados quanto a este aspecto.
14
Na verdade todas as dimensões se inter-relacionam entre si.
6
O’Donnell também lista o que ele qualifica como falhas na rule of law. Elas são a existência de
leis racistas e sexistas que acabariam por deturpar a própria idéia de primado da lei; as falhas
derivadas da aplicação desigual da lei15 que resultariam do uso dos recursos legais de maneira
indiscriminada em sem observância das prerrogativas de que a lei deve valer igualmente para todos;
as falhas relativas às relações entre as agências de Estado e os cidadãos comuns16; as falhas no acesso
ao judiciário e a inexistência de um processo que garanta um mínimo de equidade, que pode gerar
uma forte descaracterização do primado da lei, pois os tribunais são as instituições principais na
aplicação das garantias legais e; as falhas para complementar as situações onde haja um lack de
legislação com o intuito de punir tal ou qual transgressão, ou mesmo, de caracterizar as
transgressões que venham a aparecer.
Em uma palavra, toda nossa discussão sobre a qualidade da democracia tem o objetivo de nos
mostrar que, os conteúdos efetivos e que estão sendo observados na pratica das instituições, tem
uma grande valia no trato do problema. Não adianta termos instituições que funcionem formalmente
de modo democrático para que sejamos uma democracia. Devemos ter também uma conjunção de
conteúdos e de resultados, que associados a procedimentos democráticos nos permita não só uma
democracia eleitoral, mas sim, um sistema onde o cidadão seja suficientemente empoderado e
participe das decisões não somente como simples apertador de botões na urna eletrônica, mas como
um indivíduo consciente de que suas escolhas afetam os resultados finais do processo e por isso, não
podem ser negligenciadas. As instituições devem representar (e corroborar) de algum modo, estas
aspirações.
Uma ênfase grande é dada a definições que trabalham tão somente com as formas e as
formalidades democráticas, entretanto, em nosso argumento, elas figuram como um pé no tripé
(procedimentos, conteúdos e resultados). Não que estejamos negligenciando sua importância, mas
sim, estamos tentando buscar formas de enriquecer o conteúdo daquilo que entendemos por
democracia.
A CORRUPÇÃO E A QUALIDADE DA DEMOCRACIA
No caso da corrupção temos uma vertente do que seria uma transgressão na idéia de rule of
law. A corrupção vem sendo definida amplamente na literatura como uma apropriação privada de
15
O’Donnell nesta parte cita uma frase interessante que fora proferida segundo ele pelo Presidente Vargas: “Para meus amigos,
tudo; para meus inimigos, a lei”. (O’Donnell, 2004, p. 11).
16
Estas dizem respeito aos procedimentos adotados por essas agencias, que devem sempre tratar os indivíduos igualmente e de
modo eqüitativo. Quando isso não acontece, o rule of law falha neste sentido.
7
algum bem público. Robert Williams (1999) nos sugere basicamente uma contextualização da
evolução do conceito de corrupção com relação aos diferentes momentos das ciências sociais. O
autor nos mostra que, em tratamentos anteriores, quando o conceito não era definido
rigorosamente pela academia, a corrupção era entendida menos de forma positivada e mais de forma
moral, em termos de puramente um ato que fosse valorativamente condenável, pressupondo que a
estrutura legal fosse suficiente neutra para fazer com que o ato fosse então punido.
Posteriormente, entre os anos sessenta e oitenta, a corrupção foi definida como uso de
algum bem publico17 tendo-se em vista algum benefício privado. Esta concepção, que teria sido
estabelecida por Joseph S. Nye em seu artigo intitulado ‘Corruption: a cost-benefit analysis’ de 1967.
Esta concepção, em geral, é utilizada até hoje, com poucas variações e, a nosso ver, abordar
corrupção como uma violação do de algum bem publico com vistas a algum beneficio privado, parece
ser bem razoável.
O problema principal é que a corrupção é socialmente definida e, portanto, o estatuto jurídicolegal que define o bem-publico em tal ou qual direção e sua apropriação em tal outra ou qual outra
direção, pode se chocar diretamente com a percepção do que os indivíduos tomam como sendo a
corrupção. Deste modo, não está evidente para muitos indivíduos, conforme mostram Peters &
Welch (1978), Atkinson & Mancuso (1985) e Jackson (1994), (apud SPECK, 2000, P. 16-17), que
algumas práticas que são corrupção, segundo as leis destes países, sejam mesmo consideradas como
tal. Os dados mostram que, enquanto no Canadá (estudado por Atkinson e Mancuso) 52.5% da
população acredita que se um funcionário publico usasse sua influencia para conseguir uma vaga em
uma faculdade para um amigo ou parente seu fosse um ato de corrupção, nos EUA e na Austrália,
respectivamente, 23.7% e 21.5%, qualificavam o mesmo ato como corrupto. O que sugere que apesar
das definições formais, devemos ter respaldo na percepção dos cidadãos para tratarmos de
corrupção18.
A questão que se coloca no final é então, como definir o que é corrupção? De modo prático,
vamos trabalhar com a definição de Nye, de que corrupção é a situação em que o bem publico é
apropriado indevidamente em beneficio privado. Devemos ter em vista, entretanto, o fato de que a
17
“The dominant difinition of corruption from the 1960s to the 1980s was a legally derived approach – the public office
definition. This built on a crucial distinction between the public and the private reams, which gradually evolved as arbitrary,
autocratic and absolutist government in Europe gave way to more limited, representative and accountable forms”. Williams
(1999, p. 505).
18
Podemos pensar que, se na democracia os indivíduos têm participação na composição do poder, este poder, caso represente
linearmente os indivíduos, ou seja, seus interesses sejam iguais, nos corpos políticos e na sociedade, não há nenhum incentivo
para que os políticos percebam portanto, atos que nós, analistas, classificamos como corruptos. Nas palavras de Williams:
“...corruption is socially defined: it is what the public in a country think it is” (Williams, 1999, p. 506).
8
definição de bem publico em sua relação com os privados é política e, portanto, qualquer conceito
mágico que nos aponte diretamente para uma barreira precisa entre os dois pode acabar por ser
reducionista a ponto de não dar conta da profundidade do fenômeno. Assim, tomamos a percepção
sobre o tema como algo fundamental em sua definição, por pressupormos que os indivíduos em
sociedade preenchem os conteúdos dos conceitos necessários para definirmos um ato de corrupção.
Uma das principais resultados da corrupção, que impacta negativamente sobre a qualidade
da democracia, é devido a ela afetar o primado da lei, um dos principais pilares de sustentação da
democracia. Caso a pratica do suborno seja recorrente, por exemplo, teremos que, em primeiro
lugar, o primado da lei foi subvertido pelo fato de que este é um procedimento que nada tem de
equânime e justo19.
Seligson (2002) nos mostra que os economistas andaram na frente dos cientistas políticos
neste ponto. Eles esclareceram mais rapidamente o fato de que a corrupção tem um impacto
profundo sobre os investimentos do Estado e, portanto, sobre a qualidade do gasto publico20. Na
ciência política, o conceito oscilou entre algo como uma ‘graxa’, que teria como principal objetivo
desemperrar as instituições, para, algo que mina a legitimidade democrática (ou seja, para continuar
a metáfora, a corrupção seria a ‘areia’ nas engrenagens democráticas).
Acreditamos que uma demonstração clara de que a corrupção afeta negativamente no
primado da lei fornece uma chave interpretativa razoável para entendermos quanto a corrupção
impacta na produção de uma democracia de baixa qualidade (ou mesmo na produção de nãodemocracias). Segundo Seligson (2002), a corrupção não afeta somente o desempenho do regime.
Ela também prejudica as relações interpessoais, pois na explicação do autor, os indivíduos que foram
expostos a situações em que tiveram que recorrer a alguma pratica de suborno são mais suscetíveis a
uma baixa confiança interpessoal, e isto impacta na confiança política (INGLEHART, 1990; PUTNAM,
1993). Alem disso, podemos constatar que a corrupção tem um grande impacto na legitimidade do
regime, pois o uso de dinheiro ou qualquer outro meio que seja publico para algum fim privado
subverte a própria idéia da finalidade de uma instituição pública, que é prestar um serviço pautado
pela equidade e justeza em suas ações.
19
Ou seja, não existe lei que diz que uma instituição deve pagar propina, e daí, ela subverte a legislação e, caso não seja punida,
perverte todo o sistema, pois, em todos os sistemas temos clausulas que prevêem a punição de corruptos e, em especial, devem
estas ocorrer na democracia, pois este é um regime pautado no assentimento dos indivíduos com relação às regras do jogo.
20
“Economists have gathered some strong evidence on the negative impact of corruption on investment and growth in
developing nations and this article does not challenge that evidence. Political scientists, however, have been far more anecdotal
in their claims regarding the costs or benefits of corruption in those nations. (…) Corruption may not only bad for the economy it
may be bad for the polity as well”. (Seligson, 2002).
9
Em segundo lugar, este procedimento afeta a igualdade, pois nem todos os indivíduos têm
como pagar subornos e daí estaríamos segregando os indivíduos em duas classes, os da alta classe,
que são privilegiados pelo bem público, pois teriam como o comprar, e os da baixa classe, que se já
sofrem com a baixa renda, ainda seriam afetados também pela impossibilidade de usufruir do bem
público.
Em terceiro lugar, o accountability estaria afetado, pois as agências, já dado que a corrupção
seja algo corrente, não teriam efetividade em seu funcionamento e, portanto, a qualidade do regime
estaria fortemente abalada.
Em quarto lugar, podemos pensar que a competição estaria limitada, pois alguns grupos
poderiam usar a corrupção como uma fonte de vantagem comparativa, com relação a outros e então,
a equidade na competição seria violada.
Decerto estes passos não são tão lineares e claros quanto o exposto, e freqüentemente a
corrupção tem mais efeitos ruins e mais difusos ainda sobre a qualidade do regime do que bons e, por
isso, poderíamos estender a lista ainda mais para liberdades, participação, entre outras instituições
que deveriam funcionar bem em um regime de qualidade elevada.
Quanto a outro grupo de efeitos que refletiriam na qualidade da democracia, temos o fato de
que a corrupção afetaria a confiança dos indivíduos e o apoio dos cidadãos ao regime, ou seja, é
quase intuitivo aceitarmos que, se uma pessoa pagou um suborno a algum órgão publico, ela
provavelmente não avaliará bem o desempenho deste órgão, mesmo que tenha saído satisfeita com
a rapidez com o serviço após o pagamento21.
Podemos então concluir que a corrupção afeta o apoio dos indivíduos ao regime. Podemos
pensar que um regime em que haja um alto grau de corrupção, haja, por conseqüência, um alto grau
de desconfiança política por parte dos cidadãos; uma grande insatisfação com o desempenho do
regime e; um forte cinismo por parte dos indivíduos com relação às instituições políticas.
Para concluir, a corrupção impacta na rule of law, que impacta na qualidade da democracia
que por sua vez, impacta na qualidade da cidadania. Não de maneira causal direta, mas de modo
multi-causal, ou seja, a corrupção age no primado da lei que tem efeitos na qualidade da democracia e
por sua vez um impacto no primado da lei prejudica ainda mais a qualidade da democracia e tem
como efeito um aumento na apatia dos indivíduos com relação ao regime.
21
Isso é uma hipótese quase que evidente, mas que valeria a pena ver se procede estatisticamente. Aqui estamos tomando
como algo muito plausível de se acontecer.
10
O MODELO EMPÍRICO
Dito o anterior, cumpre agora formularmos como deveremos proceder nos testes sobre a
relação entre a Qualidade da Democracia e a prática da Corrupção. Usamos na etapa empírica o
banco do projeto Quality of Governement da Universidade de Gothenburg. Montamos um painel que
vai de 1996 até 2005 para 154 países. Resolvermos excluir todos os países em que as observações
faltantes de algumas variáveis se apresentassem para toda a série de tempo22. Como o número
observações faltantes é elevado, o painel é desbalanceado23.
A variável dependente usada no trabalho tem relação com as dimensões usamos para
descrever uma boa democracia (ou, de modo geral, governo). Usamos o Índice de Qualidade do
Governo, do International Country Risk Guide (ver http://www.icrgonline.com). Este índice, que tem
na corrupção um de seus componentes, parece bem consistente no objetivo de medir um bom ou
mau desempenho de governo. O interessante para a nossa análise é que não tem por suposto que
democracias são ‘melhores’ que outros regimes, o que acaba por robustecer os resultados caso
demonstremos que a corrupção é mais incisiva em regimes democráticos.
Passando às variáveis independentes, temos uma primeira variável de controle que diz
respeito à classificação de um país como democrático ou não. Utilizamos a variável de Cheibub &
Gandhi, assumindo dois valores (dummy), ‘Democrático’ e ‘Outros’24. Outra categórica diz respeito ao
status do país no Índice de Liberdades da Freedom House25. Esta variável pode assumir três valores:
Livre (F), Parcialmente Livre (PF) e não-Livre (NF). Estas categóricas têm como objetivo controlar o
segundo grupamento de regressões, em que apresentamos as diferenças do impacto da corrupção e
outras variáveis.
As independentes de corrupção serão duas, o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da
Transparência Internacional (ver http://www.transparency.org/) e o Índice de Rule of Law (RL) do
Banco Mundial. Operacionalmente, existe um grande problema na mensuração da corrupção: ou
estamos tratando de percepções, que estão sujeitas a cognição dos indivíduos, ou seja, grau de
escolaridade, atenção que dá a política, experiência pregressa com atos relacionados a prática, entre
22
No caso, usamos como critério haver valores faltantes em todo o período na variável ‘ti_cpi’ (Índice de Percepção da
Corrupção da TI). O banco pode ser solicitado pelo e-mail: [email protected].
23
Poderia ser argumentado possível viés de seleção para os casos, entretanto, tentamos preservar o máximo que pudemos os
países. Ainda assim, poderíamos ter cortado ainda mais os dados pelo fato de que este paper versa somente sobre os países
democráticos. Veremos se os resultados são robustos também para situações intra-regimes.
24
Ver http://ksghome.harvard.edu/~pnorris/Data/Data.htm.
25
Ver site Freedom House (www.freedomhouse.org). Eles explicam bem detalhadamente a metodologia em que a pesquisa é
conduzida.
11
outros; ou estamos tratando de uma medida concreta para o problema. Por exemplo, se tomarmos
quanto de corrupção foi descoberto, podemos ter uma medida para um dado ano. Entretanto, o
problema é que estaríamos tomando como corrupção aquilo que foi descoberto e segundo este
critério, todo país que combatesse a corrupção estaria entre os mais corruptos, o que não parece
muito razoável.
Assim, resolvermos esta questão usando o IPC e o Índice de RL. Acreditamos em sua
confiabilidade pelo fato de que na montagem dos índices, não somente são utilizados surveys, mas
também muitos outros meios de acessar os dados como, por exemplo, relatórios de consultorias
internacionais da área financeira, entre outros26. Alguém poderia nos perguntar por que utilizar o
Índice de RL para mensurar corrupção. Respondemos que os testes de correlação mostram que estas
variáveis estão fortemente correlacionadas (0.957), o que nos permite cambia-las sem nenhuma
perda substancial nos dados. As outras variáveis usadas são o índice de Participação de Vanhagem
(IPart), o índice de Competição de Vanhagem (IComp). Estes índices medem a parte mais
procedimental da democracia (ver o Indice de Liberdade Economica (ILE) da Heritage Foundation,
que
combina
dez
elementos
de
liberdade
econômica
em
sua
composição
(ver
http://www.heritage.org/index/). Do Banco Mundial usamos os Indice de Accountability (Acc), de
Estabilidade Política (EPol), de Efetividade do Governo (EfGov), além do de Rule of Law (ver
http://www.worldbank.org/wbi/governance/pubs/govmatters4sra.html).
Outro ponto que vale frisar é que todas as variáveis numéricas variam de 0 a 10. Assim, basta
sabermos que podemos acrescentar em até 10 vezes o valor do coeficiente estimado para termos
uma idéia de sua magnitude. Por fim, estimaremos os parâmetros usando modelos de efeitos fixos
para os períodos estudados.
Nosso primeiro modelo, em que estudaremos as relações entre qualidade do governo e
participação política, competição política, liberdades econômicas e corrupção, será especificado do
seguinte modo27:
(1.1)
QGit = αt + β1IPartit + β2ICompit + β3ILEit + β4SFH(NF)* IPCit + β5SFH(PF)* IPCit + β6SFH(F)* IPCit + εit
26
Testando a validade das variáveis, tomamos o banco cross-section do projeto QOG e cruzamos variáveis sobre, por exemplo,
pagamento de propina (ver Treisman, 2007) com o Índice de Percepção e o de Controle da Corrupção. A correlação é altíssima.
Ver resultado no Anexo.
27
Para a análise descritiva das variáveis ver o Anexo.
12
Onde αt são os efeitos fixos para o tempo28. Pressupomos que β1 seja positivo pois uma maior
participação política implica em melhoria na qualidade do governo. Para β2 esperamos também um
sinal positivo pois uma maior competitividade política, por suposto, aumentaria a qualidade do
governo (seleção política mais competitiva se reverteria em seleção de qualidade mais elevada). Para
β3 devemos ter também um sinal positivo pois quanto maior as liberdades econômicas dos agentes,
maior a qualidade da gestão governamental e, ainda que outras liberdades sejam importantes, ter
liberdade econômica, em um país não-livre, já é um passo na direção de ampliação das liberdades29.
Para β4, β5 e β6 esperamos que o sinal seja positivo e acreditamos que a corrupção pesa mais quanto
maiores forem as liberdades no país. O primeiro modelo da equação estimará os coeficientes para
todos os países, o segundo, somente para os classificados como democráticos por Cheibub e Gandhi
(ver http://ksghome.harvard.edu/ ~pnorris/Data/Data.htm). Para os democráticos temos as mesmas
expectativas quanto aos sinais, pois acreditamos que pouco se alteram as relações quando tratamos
só de países democráticos. Esperamos que o peso da participação e da competição se tornem mais
efetivos pelo fato de que estes são componentes mais propriamente democráticos. O modelo
estimado está exposto na Tabela 1:
28
Ver o Anexo para consultar os resultados para o tempo.
É certo que podemos discutir muito sobre este ponto. Entretanto, alguma liberdade econômica já implica em um maior
acesso à informação que nenhuma liberdade.
29
13
Tabela 1. Modelo 1.1
Todos os Países
Comp
β
0,005
EP
0,020
Pr(>|t|)
0,793
Part
0,134
0,021
0,000
ILE
0,145
0,041
0,000
SFH(NF)*IPC
0,672
0,050
0,000
SFH(PF)*IPC
0,607
0,033
0,000
SFH(F)*IPC
0,686
0,023
0,000
R² = 0,855; α = 0,994; IC = 7,431; n=117; T=1-8; N=65830
Democráticos
Comp
β
0,166
EP
0,035
Pr(>|t|)
0,002
Part
0,174
0,035
0,000
ILE
0,036
0,041
0,374
SFH(NF)*IPC
0,392
0,239
0,102
SFH(PF)*IPC
0,594
0,062
0,000
SFH(F)*IPC
0,785
0,033
0,000
R² = 0,856; α = -0,784; IC = 20,038; n=84; T=1-9; N=506
Fonte: Quality Of Government - Univ. de Gothenburg
Ou seja, obtivemos todos os coeficientes conforme esperado. As discrepâncias foram,
primeiramente no modelo com todos os países, que a competição se mostrou não-significativa a
0,05. Acreditamos que isso porque competição política é eminentemente algo democrático (que é
exatamente o que o modelo só com os democráticos demonstra), ou seja, ela influencia na qualidade
de governos democráticos. As liberdades econômicas se mostraram significativas no modelo com
todos os países e não-significativas em países democráticos. Acreditamos que o motivo deste
resultado é porque temos uma diferença essencial em autoritarismos (e pós-) e totalitarismo (e pós-)
e, alguma liberdade é evidentemente melhor que nenhuma liberdade, o que significa que liberdades
no campo econômico (em geral autoritários) pressionam os governos a gerirem melhor seus
recursos. Outra discrepância fora, no modelo com todos os países, as magnitudes para os termos de
interação entre os Status no índice da Freedom House e o Índice de Percepção das Corrupções.
30
R² = R-Quadrado Múltiplo; α = intercepto de efeito fixo de tempo; IC = índice de condicionamento da matriz de variânciacovariância; n = numero de países que entraram no modelo; T = períodos que entraram no modelo; N = total de observações.
Devido ao elevado numero de observações faltantes entre os não-democráticos, os modelos discrepam levemente. Não
calculamos o R² Ajustado, mas devido ao elevado numero de observações, acreditamos que ele estará próximo ao R² Múltiplo.
14
Pressupomos que o impacto da corrupção cresceria conforme caminhássemos positivamente (mais
liberdade) nas categorias do SFH. No entanto, parece que tem um peso menor em países
parcialmente livres. Na regressão só com países democráticos, o crescimento é evidente na direção
que pressupomos.
Nosso segundo modelo utiliza as variáveis do Banco Mundial para tratarmos da influência da
corrupção sobre a qualidade do governo31. Estudaremos o efeito do accountability, da estabilidade
política, da efetividade do governo e do Rule of Law na qualidade do governo. A especificação do
modelo será a seguinte:
(1.2)
QGit = αt + β1Accit + β2EPolit + β3EfGovit + β4SFH(NF)*RLit + β5SFH(PF)*RLit + β6SFH(F)*RLit + εit
Acreditamos para este modelo que β1 será positivo porque um governo com maior
accountability tem qualidade elevada, pelo fato de ter responder ao público, e no caso do
accountability horizontal, também às agencias do próprio governo. Isso gera respostas de mais
qualidade na medida em que o público tem influência efetiva nos resultados do governo. Para β2
esperamos também que seja positivo, pois um país mais estável politicamente pode implementar um
governo de maior qualidade que um país onde a política estaria mais sujeita a volatilidade. Para β3
esperamos também um sinal positivo pois um governo mais eficiente é um governo de qualidade
superior. Esperamos ainda que este coeficiente tenha um peso relativamente grande na qualidade do
governo. Para β4, β5 e β6, interação entre Rule of Law – que estamos neste modelo usando como proxy
de corrupção (a correlação entre esta variável e o Índice de Percepção da Corrupção é de 0.9132) – e o
Status do Índice da Freedom House esperamos uma relação positiva e crescente na medida que
caminhamos de menos livre para mais livre. O αt continua sendo o intercepto para o modelo de
efeitos fixos. Os valores estimados estão na Tabela 2:
31
A idéia de usarmos variáveis da mesma fonte seria devida ao fato de que elas apresentariam homogeneidade quanto aos
processos de coleta e tratamento (ou pelo menos é isso que estamos supondo).
32
Ver Anexo.
15
Tabela 2. Modelo 1.2
Todos Países
β
EP
Pr(>|t|)
Acc
- 0,045
0,046
0,320
EPol
0,080
0,035
0,024
EfGov
0,368
0,061
0,000
SFH(NF)*RL
0,462
0,066
0,000
SFH(PF)*RL
0,484
0,063
0,000
SFH(F)*RL
0,562
0,064
0,000
R² = 0,844; α = 0,301; IC = 16,308; n=130; T=3-5; N=630
Democráticos
β
EP
Pr(>|t|)
Acc
0,295
0,075
0,090
EPol
- 0,097
0,051
0,061
EfGov
0,060
0,088
0,496
SFH(NF)*RL
1,607
0,549
0,003
SFH(PF)*RL
0,918
0,099
0,000
SFH(F)*RL
0,796
0,087
0,000
R² = 0,854; α = -0.476; IC = 50,415; n=85; T=2-6; N=404
Fonte: Quality Of Government - Universidade de Gothenburg
Neste modelo temos alguns resultados interessantes. O primeiro é que Accountability é algo
propriamente democrático, podemos notar isso pelo fato de que no modelo com todos os países,
além da variável não ser significativa ela ainda ficou com sinal invertido; enquanto no modelo só com
os democráticos, a variável apresentou sinal coerente e, na medida em que aumentamos uma
unidade nela, melhoramos em 0.295, em média, o desempenho qualitativo do governo. Quanto à
estabilidade política, vemos que seu peso efetivo se aplica somente no modelo com todos os países.
Entre os democráticos, não observamos este mesmo resultado33. O modelo com todos os países
apresentou coerência nas outras variáveis e conforme esperávamos, na medida em que caminhamos
de NF para F no Status do Índice de Liberdades da Freedom House, aumenta a importância do Rule of
Law na qualidade do Governo. O resultado curioso é que se controlarmos para os democráticos, nem
estabilidade política nem efetividade do governo são as dimensões que pesam fundamentalmente. O
essencial mesmo é o Rule of Law. Na medida em que caminhamos positivamente no SFH (mais
33
Provavelmente pelo fato de as variáveis estarem muito correlacionadas (o IC do modelo só para os democráticos foi de mais
de 50), pode ter acontecido de uma variável ter pesado efetivamente na estimação da outra. Resolvemos não corrigir a
multicolinearidade mas, admitimos que ela pode ter afetado este modelo quando controlamos para países democráticos.
16
liberdade) o peso da relação entre SFH e RL se inverte e para um democrático que fora classificado
como não livre no SFH34, acaba sendo ainda mais essencial um bom desempenho no Índice de Rule of
Law, para que possamos considerá-lo como um governo de qualidade.
Acreditamos que estes resultados mostram, de maneira consistente, como a corrupção afeta
diretamente o desempenho dos governos. Politicamente, esperamos de um país mais corrupto um
desempenho qualitativo bem mais baixo que de um país onde estes problemas tenham sido tratados.
O problema se agrava ainda mais, quanto menos livre for o país. Se controlarmos só os países
democráticos, quanto menos livre o país, mais problema ele apresenta no que tange á corrupção (ou
seja, nas ‘democraduras’ a corrupção se mostra como um fator consistente de piora qualitativa).
Nosso modelo mostra que na medida em que controlamos os resultados para países democráticos35,
eles acabam por tornarem-se ainda mais robustos e consistentes, demonstrando claramente que o
problema da corrupção não é somente um problema para regimes autoritários, mas sim, um
problema essencial para os regimes democráticos ao redor do mundo.
34
Temos nesta situação a Russia, a Costa do Marfim e o Kenya.
Contando ainda que o índice de democracia de Cheibub e Gandhi apresenta uma série de problemas de classificação que
aparecem na verdade em todos os índices que tentam criar uma espécie de ‘linha de corte’ para definir o que é e o que não é
uma democracia.
35
17
Anexo
Matriz de correlação entre medidas de Corrupção
IPC
Matriz de Correlação
R
p-valor
N
Bribery to
Government
Officials
Common
to pay
irregular
additional
payments
Have paid a
bribe in any
from
Controle
Corrupção
Banco
Mundial
1,000
-0,808
0,775
-0,641
0,961
101
0,000
44
0,000
74
0,000
61
0,000
101
-0,642
0,000
35
0,448
0,010
32
-0,803
0,000
49
IPC
Bribery to
R
Government
p-valor
Officials
N
Common to
R
pay
p-valor
irregular
additional
N
payments
-0,808
0,000
44
1,000
0,775
0,000
-0,642
0,000
1,000
-0,549
0,000
0,701
0,000
74
35
79
48
79
Have paid a
bribe in any
from
-0,641
0,000
61
0,448
0,010
32
-0,549
0,000
48
1,000
-0,656
0,000
66
R
p-valor
N
49
Controle
R
0,961
-0,803
0,701
Corrupção
p-valor
0,000
0,000
0,000
Banco
Mundial
N
101
49
79
Fonte: Quality Of Government - Univ. de Gothenburg (15Mai2008)
66
-0,656
0,000
66
Matriz de Correlação entre Rule of Law e as medidas de Corrupção
Matriz de Correlação
Control
Corruption
Banco
Mundial
IPC
R
IPC
DF
p-valor
Control
Corruption
Banco
Mundial
Rule of Law
Banco
Mundial
R
DF
Rule of Law
Banco
Mundial
0,973
0,937
745
745
0,000
0,000
0,973
0,957
745
1059
p-valor
0,000
0,000
R
0,937
0,957
745
1059
0,000
0,000
DF
p-valor
Fonte: Quality Of Government - Univ. de Gothenburg (15Mai2008)
18
1,000
188
Scatterplot-matrix para os dados do primeiro modelo
Variaveis utilizadas no Modelo 1.1
-1.5
0.0
1.0
2.0
3.0
1 2
-1 0 1 2
1 2
-1
icrg_qog
-1
ti_cpi
-2
0 1
van_part
30 50 70 90
-1.5
0.0
van_comp
3.0
hf_efiscore
chga_regime
-1 0 1 2
-2
0
1
30 50 70 90
19
1.0 1.4 1.8
1.0 1.4 1.8
1.0
2.0
fh_status
Scatterplot-matrix para os dados do segundo modelo
Variaveis utilizadas no Modelo 1.2
0 1
-2
0
2
1.0
2.0
3.0
0 1 2
-2
-2
icrg_qog
-2
0 1
w bgi_vae
2
-3
-1
1
w bgi_pse
2
-2
0
w bgi_gee
3.0
-2
0
w bgi_rle
chga_regime
-2
0 1 2
-3
-1
1
-2
0 1 2
1.0 1.4 1.8
1.0
2.0
fh_status
1.0 1.4 1.8
Estatísticas descritivas das varáveis quantitativas usadas nos modelos
Variável
Descrição
Min
1Q
icrg_qog
Escala Qualidade Governo
0,00
3,70
ti_cpi
Escala de Percepção da Corrupção
0,00
2,39
van_comp Indice de Competição Política
0,00
2,96
van_part
Indice de Participação Política
0,00
3,20
hf_efiscore Escala de Liberdade Economica
0,00
5,03
wbgi_vae
Escala de Accountability
0,00
3,40
wbgi_pse
Escala de Estabilidade Política
0,00
4,91
wbgi_gee Escala de Efetividade do Governo
0,00
3,32
Escala de Rule of Law
wbgi_rle
0,00
3,34
Fonte: Quality Of Government - Univ. de Gothenburg (15Mai2008)
20
Md
5,00
3,44
6,60
5,46
6,01
5,37
6,45
4,26
4,47
Méd
5,24
4,32
5,58
5,05
5,93
5,44
6,23
4,80
4,98
3Q
6,72
5,92
8,24
7,01
6,97
7,74
7,83
6,13
6,55
Max
10,00
10,00
10,00
10,00
10,00
10,00
10,00
10,00
10,00
Miss
531
554
154
154
104
462
468
468
464
Coeficientes de Efeitos Fixos Temporais
Efeitos Fixos Temporais - Modelo 1.1
Todos os Países
Estimado
EP
Pr(>|t|)
1996
0,945
0,263
0,000
1997
0,537
0,266
0,043
1998
0,239
0,257
0,353
1999
0,129
0,256
0,616
2000
0,034
0,257
0,893
2001
-0,081
0,255
0,750
2002
-0,499
0,256
0,051
2003
-0,494
0,254
0,052
Democráticos
Estimado
EP
Pr(>|t|)
1996
-0,044
0,331
0,896
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
-0,010
0,169
0,077
0,106
-0,074
-0,171
-0,166
0,046
0,076
0,329
0,332
0,325
0,324
0,327
0,321
0,330
0,324
0,324
Efeitos Fixos Temporais - Modelo 1.2
Democráticos
Estimado
EP
Pr(>|t|)
1996
-0,090
0,305
0,768
1997
-0,083
0,308
0,789
1998
0,081
0,298
0,786
1999
0,070
0,306
0,818
2000
-0,094
0,306
0,758
2001
-0,098
0,296
0,740
2002
0,028
0,295
0,924
2003
0,017
0,326
0,959
2004
0,029
0,307
0,924
2005
0,269
0,301
0,371
Fonte: Quality of Gover. - Univ. de
Gothenburg;
Nota: O algoritmo não
conseguiu extrair os EF para todos os países.
0,975
0,611
0,814
0,744
0,822
0,595
0,615
0,888
0,810
Fonte: Quality Of Govern. - Univ. de
Gothenburg
Os efeitos fixos não conseguiram ser obtidos, em alguns casos para todos os anos e em outros, como é
o caso do Modelo (1.2) para todos os países, não conseguiram ser obtidos. O motivo é que os valores faltantes
não permitiram tal extração de coeficientes. Utilizamos para a análise o pacote plm do R. Apesar de pouco
eficiente em termos computacionais, o pacote se mostrou bem consistente em suas extrações. Vale ressaltar
que alguns problemas podem ser identificados pelo fato dos modelos controlados para os democráticos
reduzirem o numero de casos e com isso, permitirem alguma multicolinearidade. Outro problema que pode ser
levantado é o do viés de seleção. Acreditamos que, apesar desta possibilidade, fizemos o possível para manter
o máximo de países no painel.
21
X.
A AVALIAÇÃO DO JUDICIÁRIO E O ACESSO À CIDADANIA
NA VISÃO DOS BRASILEIROS
FABÍOLA BRIGANTE DEL PORTO
INTRODUÇÃO
Este capítulo explora as visões dos cidadãos brasileiros sobre seus graus de acesso aos
direitos de cidadania e aos principais mecanismos institucionais de sua defesa, destacando a
relação de (des)confiança dos cidadãos com o poder judiciário. Tal discussão se insere no
cenário de consolidação da democracia eleitoral e representativa brasileira que, não obstante,
é acompanhado por uma ampla desconfiança dos cidadãos em suas instituições (MOISÉS,
1995, 2005a).
Com relação ao poder judiciário, desde o advento do regime democrático recente,
diversas pesquisas têm revelado o pouco conhecimento dos direitos civis e o baixo índice de
procura pelos tribunais de justiça para a solução de conflitos pela população brasileira. Quando
indagados sobre os motivos pelos quais não procuram aqueles tribunais, os cidadãos
recorrentemente questionam sua responsividade, imparcialidade e igualdade de tratamento,
assim como sua eficiência (CARVALHO, 2002; PANDOLFI et al, 1999). Trata-se de cenário
preocupante, que pode implicar não apenas no distanciamento, pela população, das
instituições de justiça, mas comprometer a própria crença na legitimidade do regime
democrático, tendo em vista que, nesse regime, o poder judiciário é o órgão
constitucionalmente autorizado para a garantia do primado da lei (DIAMOND e MORLINO,
2004). Da parte dos cidadãos, o acesso à justiça simboliza o acesso aos direitos de cidadania e,
nesse sentido, “...é direito fundamental, sem o qual os demais direitos não possuem garantia
de efetividade” (RODRIGUES, 1994, p.127). Essa garantia depende, por sua vez, dos direitos de
ação e de processo, direitos que caem no vazio sem o acesso aos recursos materiais e ao
conhecimento necessários para colocá-los em prática.
Ao mesmo tempo, o recurso à justiça pelos cidadãos é função do seu desempenho e de
seu funcionamento. É neles que se baseia a relação de confiança dos cidadãos com o poder
judiciário: ou seja, em sua capacidade de demonstrar aos indivíduos que opera com base na
1
regularidade, eficiência, representatividade, accountability, universalismo, imparcialidade,
justeza e na probidade e que, assim, assegura a vigência dos direitos que definem a cidadania
(MOISÉS, 2005b, OFFE, 1999; SZTOMPKA, 1996). A percepção pelos cidadãos de que o poder
judiciário age em consonância com sua missão constitucional democrática é, nesse cenário,
fundamental para a consolidação do regime democrático.
Nesse sentido, ao enfocar a relação dos cidadãos com o poder judiciário, o presente capítulo
procura possíveis associações entre os fenômenos da cidadania - entendida sobretudo como
acesso a direitos - e da confiança política (conforme propôs Moisés, 2005b). Com base no em
survey nacional A desconfiança dos cidadãos nas instituições democráticas realizado em junho
de 2006, trata-se, por um lado, de explicar a origem e a natureza da (des)confiança corrente
dos cidadãos nas instituições brasileiras de justiça e, por outro lado, verificar se essa
(des)confiança impacta suas percepções dos direitos de cidadania e sua efetividade.
Para tanto, este capítulo organiza-se da seguinte forma: inicialmente, apresenta o
cenário brasileiro para o período democrático pós-1985, destacando a percepção sobre as
instituições jurídicas no survey de 2006; em seguida, apresenta os aspectos teóricos
subjacentes a esta análise e as hipóteses deles decorrentes, os dados e modelos analíticos
utilizados; e, finalmente, discute preliminarmente os resultados à luz da reflexão inicial sobre
as interconexões entre a percepção sobre o funcionamento da justiça, por um lado, e a
efetividade do exercício da cidadania segundo os brasileiros.
Percepção das instituições de justiça e dos direitos de cidadania pelos cidadãos brasileiros
Carvalho (2002) descreve o processo de reconstituição dos direitos civis no cenário
democrático brasileiro pós-1985 e sua consolidação com a Constituição promulgada em 1988.
Além de restaurar as liberdades de expressão, de imprensa e de organização, essa carta
constitucional criou o habeas data e o mandado de injunção, definiu o racismo como crime
inafiançável e imprescritível e a tortura como crime inafiançável e não anistiável. Na sequência,
em 1990, foi promulgada a “Lei de Defesa do Consumidor”; em 1995, foram criados os
“Juizados Especiais de Pequenas Causas Cíveis e Criminais” e, em 1996, foi adotado o
Programa Nacional de Direitos Humanos. Como relata o autor, apesar dessas inovações, os
direitos civis, suas extensões e garantias não se mostram muito conhecidos pelos brasileiros:
pesquisas do IBGE para 1988 apontavam que, para os cidadãos, havia pouca efetividade e
segurança na aplicação daqueles direitos. Neste mesmo ano, 4,7 milhões de pessoas com 18
anos ou mais se envolveram em conflitos e, dessas, apenas 62% recorreram à justiça para
resolvê-los. “Não acreditar na justiça”, “temer represália” e “não querer envolvimento com a
2
polícia” foram os motivos alegados por, em média, 40% dos entrevistados para não recorrerem
às instituições jurídicas. No ano seguinte, em 1989, como informaram Linz e Stepan (1999), as
pesquisas continuavam revelando que a maioria esmagadora dos cidadãos brasileiros
acreditava que o sistema judiciário só funcionava para ajudar os poderosos e que a polícia
prendia e matava pessoas inocentes.
Quase dez anos depois, em 1997, analisando os resultados de pesquisa realizada na
região metropolitana do Rio de Janeiro (CPDOC/FGV), Pandolfi (1999) reiterou os diagnósticos
de Carvalho e Linz e Stepan, e afirmou haver no país um “déficit de cidadania”. Demonstrou
esse déficit explorando o desconhecimento dos direitos e deveres por parte dos entrevistados
e também os paradoxos nas opiniões e percepções em relação aos direitos e aos agentes e
agências encarregados de garanti-los1. Outro aspecto notável na pesquisa, ainda segundo a
autora, foi a hierarquia atribuída aos direitos, sendo os mais mencionados os sociais
(sobretudo questões relacionadas com trabalho, salário e emprego), ao passo que os direitos
civis, “espinha dorsal de uma democracia”, não tiveram referência significativa. Um percentual
irrisório, de apenas 1,6%, citou direitos políticos. A concentração de respostas neste bloco girou
em torno do voto mas, segundo a autora, nas respostas dos entrevistados, o voto apareceu
principalmente como um dever2.
A autora destacou também que, apesar do pouco conhecimento dos principais direitos
e dos meios de acesso a eles, os brasileiros questionavam sua ausência. Por exemplo, embora
a igualdade perante a lei quase não tenha sido mencionada pelos entrevistados, “...parece
existir na população um sentimento de injustiça, uma forte consciência de que, no Brasil, a lei
não é igual para todos”(PANDOLFI, op.cit., p.55). Carvalho (op.cit.) complementou que esses
sentimento e descrença da população na justiça se deviam também ao fato de que o acesso ao
judiciário é limitado porque a grande maioria da população brasileira, mesmo que conheça
seus direitos, não tem condições de fazê-los valer, sobretudo em razão dos custos dos serviços
de um bom advogado e do próprio processo. De acordo com o autor, parece evidente para a
1
Para mencionar alguns exemplos, 57% dos entrevistados não se referiram sequer a um direito; mais de 40% afirmaram
que alguém poderia ser preso por mera suspeita e só 12% citaram algum direito civil. No que se refere aos dados
referente ao recurso às instituições protetoras dos direitos de cidadania, 80% das pessoas que sofreram discriminação
ou violação dos direitos afirmaram não terem recorrido à polícia por temor ou por não acreditarem nos resultados
(PANDOLFI, op.cit.).
2
Essa hierarquia dos direitos na opinião dos entrevistados poderia estar relacionada, ainda segundo Pandolfi (op. cit.),
ao processo histórico de formação da cidadania no país, processo que remonta à era Vargas e à “cidadania regulada”.
Esse processo de constituição da cidadania no Brasil, de acordo com a autora, por outro lado, contribuiu para a crença
entre a população de que o melhor caminho para a obtenção dos direitos seria através do acesso direto às autoridades
e não através dos canais institucionais encarregados de garanti-los. Para o conceito de “cidadania regulada”, ver Santos
(1979).
3
população a associação entre as condições socioeconômicas e o acesso à justiça no país, o que
seria uma das bases da insatisfação com o funcionamento do sistema judiciário brasileiro.
Grynszpan (1999), também com base nos resultados da pesquisa realizada na região
metropolitana do Rio de Janeiro (CPDOC/FGV, 1997), explorou a interface entre o acesso à
justiça e as noções de democracia e cidadania dos brasileiros, procurando identificar fatores
que auxiliariam a democratização do acesso à justiça no país3. Para que a justiça cumpra uma
de suas atribuições básicas, ou seja, garanta os direitos dos cidadãos, é necessário que aqueles
que se sentem injustiçados a ela recorram, e para que o cidadão busque a justiça, há uma série
de fatores intervenientes, como suas noções morais de justiça e sua visão da instituição
judiciária, a qual se relaciona com sua legitimidade. De acordo com Grynszpan,
“um dos suportes básicos da legitimidade da justiça é a crença difundida na sua
inarredabilidade, na sua isenção, na imparcialidade com que se apropria das leis,
no tratamento equânime que dispensa às partes em disputa e, também, na sua
eficiência, o que se traduz na produção de resultados satisfatórios num tempo
razoável. Ressaltar a importância desta crença significa perceber que, uma vez que
ela se veja abalada, o próprio reconhecimento da legitimidade da justiça é que
termina sendo comprometido, com reflexos sobre os graus em que a população a
ela recorre para garantir os seus direitos, para resolver os seus
conflitos”(GRYNSZPAN, op.cit., p.103).
Aos resultados apresentados por Pandolfi (op. cit.), o autor adicionou que a cor
emergiu entre os entrevistados como segundo elemento discriminador: ao mesmo tempo em
que, para 95% deles, os pobres eram tratados pela justiça com maior rigor do que os ricos para
2/3 dos entrevistados, os negros eram tratados com maior rigor pela justiça.
A percepção entre a população de que a justiça é uma instituição hostil, iníqua e
ineficiente pesa sobre a opção pelo recurso a ela. Paralelamente, o grau de desconhecimento
dos seus direitos pela população também interferia na decisão de recorrer à justiça. Ainda de
acordo com Grynszpan, embora se pudesse supor que uma tentativa por parte da própria
instituição judiciária de democratização levasse a uma inversão da visão negativa a seu
respeito entre a população, os resultados da pesquisa também indicaram que instâncias
gratuitas, ágeis e informais, como os juizados de pequenas causas, eram pouco procuradas
3
Para reduzir o fosso entre a justiça e a população, segundo o autor, seriam necessárias a expansão da oferta, a
melhoria da qualidade e da eficiência e a redução dos custos dos serviços judiciários, o que os tornaria efetivamente
acessíveis, sobretudo à população de baixa renda (GRYNSZPAN, op.cit.)
4
pela população. Além disso, foi observada uma associação significativa entre a apropriação
desses juizados como recurso e a escolaridade dos entrevistados4.
Os resultados do survey nacional “A desconfiança dos cidadãos das instituições
democráticas” de 2006 aqui analisados corroboram esse cenário. Apesar de a democracia
brasileira mostrar-se consolidada, de suas instituições operarem com regularidade e de os
brasileiros cada vez mais também se orientarem por uma cultura política democrática
(conforme descreveu, por exemplo, Moisés, 2005a e b), a procura dos brasileiros pelos
tribunais de justiça ainda é baixa: somente 1/4 dos entrevistados já recorreram a eles. Ainda
que, dentre esses, quase 2/3 tenham concluído o processo, entre aqueles que tiveram uma
experiência negativa com a justiça, os mesmos fatores apresentados pelas pesquisas
anteriores se fazem ainda presentes: o fato de o processo tomar muito tempo foi a principal
razão apontada pelos entrevistados para “não terem conseguido abri-lo ou concluí-lo”. Além
disso, entre 22% e 27% apontaram “os custos do processo e do advogado” como empecilhos e
quase ¼ dos entrevistados afirmaram não ter aberto ou concluído o processo por “não
confiarem que teriam um tratamento justo” (Tabela 1).
Quando pedidos para apontar os principais problemas da justiça no Brasil em pergunta
aberta em outra pesquisa para o mesmo ano5, os cidadãos apontaram a lentidão e burocracia
(20,6%), a parcialidade do julgamento e a desigualdade de tratamento (17,2%), o fato de as leis e
penas não serem cumpridas (16,8%) e a corrupção (13%) como sendo os principais6.
4
Associação já afirmada, por exemplo, por CARVALHO, op. cit. e LINZ e STEPAN, op. cit.
5
Pesquisa: “Cultura Política” realizada pela Fundação Perseu Abramo entre 10 e 16 de março de 2006 com 2379
eleitores brasileiros. Disponível no Banco de Dados do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp (CESOP).
6
Outros 17% não souberam ou não opinaram, e em torno de 12% apontaram outros problemas, enquanto menos de
4% afirmaram que não havia nenhum problema na justiça brasileira.
5
Tabela 1. Experiência com a Justiça - 2006
Questões
Sim (%) *
Alguma vez você procurou um tribunal ou órgão de justiça?
24,8
E qual das seguintes frases reflete melhor a sua experiência?
Procurou e concluiu o processo
63,2
Procurou mas não conseguiu concluir o processo
30,0
Não conseguiu abrir o processo
5,3
Quais foram as razões porque você não conseguiu abrir ou concluir o
processo?
Não teve dinheiro para pagar as custas do processo
22,5
Não teve dinheiro para pagar o advogado
27,3
O processo tomou muito tempo
52,6
O tribunal ficava muito longe da casa onde vivia
19,8
Não confiou que teria um tratamento justo
24,7
Não soube fazer a solicitação
11,8
Achou que era melhor fazer um acordo
23,4
N
2004
Fonte: Pesquisa “A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas”
* o complemento a 100% refere-se às respostas “não”
Os dados do survey nacional de 2006 também revelam alguns paradoxos quanto às
concepções e avaliações dos cidadãos sobre a justiça e o acesso aos direitos7. Por exemplo,
mais de 90% concordam que o país necessita dos tribunais de justiça para “ir para frente”, mas
praticamente o mesmo percentual afirma que os brasileiros não têm iguais oportunidades de
acesso à justiça; e em torno de 80% creem que não há igualdade perante a lei. Mais de 40% dos
entrevistados têm pouca confiança tanto no poder judiciário como nas leis do país (enquanto,
nos dois casos, por volta de 1/3 dos entrevistados afirma ter “alguma” confiança). Mas, ao
mesmo tempo, pouco menos da metade dos entrevistados avalia que o poder judiciário tem
tido uma boa atuação. Nessa direção positiva, os tribunais de justiça são apontados como os
órgãos públicos mais importantes do país por quase 20% dos entrevistados, ficando atrás
apenas da presidência da república (apontada por pouco mais da metade dos entrevistados
como o órgão público mais importante). Também de modo positivo, é bastante elevada a
associação que os brasileiros fazem entre as ideias de democracia e de “fiscalização dos atos
do governo pelos tribunais de justiça e pelo ministério público” e de “igualdade de todos
7
Os paradoxos nas falas dos entrevistados também apareceram na pesquisa qualitativa. A realização do survey nacional
de 2006 aqui analisado foi antecedida pela realização de entrevistas em profundidade baseadas em “Gupos Focais”,
como parte integrante do Projeto “A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas” (FAPESP, Processo
07952-8/04). Ferrari (2009) explorou esse material qualitativo e, entre outras coisas, ilustrou com falas dos
entrevistados suas percepções superficiais sobre o funcionamento dos mecanismos institucionais de acesso e conquista
dos direitos. Sobretudo, sua análise mostrou que os cidadãos reconhecem direitos, mas mostram distanciamento do
processo político e instituições.
6
perante a lei” - nos dois casos quase 85% acreditam que essas premissas têm a ver ou mesmo
muito a ver com a ideia de democracia (Tabela 2).
No que se refere à aplicação das leis, a imensa maioria concorda que elas devem ser
obedecidas sempre, mas mais da metade dos entrevistados afirma também que os brasileiros
as cumprem pouco (e quase 30% indicam que as leis nem são cumpridas). Também 2/3 dos
entrevistados pensam que os brasileiros são pouco ou nada conscientes de suas obrigações,
assim como de seus direitos. Em consonância com essa percepção da pouca consciência dos
direitos pelos brasileiros, quase 3/4 dos entrevistados acreditam que os brasileiros pouco ou
nada exigem os seus direitos (embora, nesse caso, seja notável que 1/3 acredite que isso ocorra
quase sempre). Por fim, os entrevistados, pessoalmente, reclamam a ausência do acesso à
cidadania8. Por exemplo, mais de 83% concordam (muito ou pouco) que “os funcionários do
governo não se preocupam muito com aquilo que pessoas como você pensam” e quase 3/4
sentem-se pouco ou nada protegidos pelas leis trabalhistas (Tabela 2).
8
Neste capítulo, a dimensão da cidadania dos brasileiros é enfatizada em suas interações com as visões de acesso às
instituições de justiça. Com base nessa mesma pesquisa, Daniele (2008) analisou as concepções de cidadania dos
entrevistados e o conhecimento dos direitos mais importantes, e as implicações para a confiança política.
7
Tabela 2. Percepção da Importância e Avaliação das Instituições de Justiça - 2006
Questões
O país precisa dos TRIBUNAIS DE JUSTIÇA para ir em
frente?
Você acha que a democracia...com IGUALDADE DE TODOS
PERANTE A LEI
Você acha que a democracia...com FISCALIZAÇÂO DOS
ATOS DO GOVERNO PELOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA E PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO
Você acha que todos os brasileiros têm iguais
oportunidades de acesso à justiça?
Você acha que todos os brasileiros são iguais perante a
lei?
Gostaria que você avaliasse a atuação de cada uma das
seguintes instituições: PODER JUDICIÁRIO
Pensando na atuação da justiça no Brasil, você diria que,
de um modo geral, os juízes, promotores e tribunais de
justiça têm tido um desempenho:
Por favor, diga se você concorda ou discorda da seguinte
afirmação: “A lei deve ser obedecida sempre, qualquer
que seja a circunstância”
Você diria que os brasileiros ... as leis ?
Você diria que os brasileiros são muito conscientes,
conscientes, pouco conscientes ou nada conscientes de
suas obrigações?
E dos seus direitos? Você diria que os brasileiros são muito
conscientes, conscientes, pouco conscientes ou nada
conscientes de seus direitos?
Você diria que os brasileiros exigem os seus direitos?
Exigem muito, apenas exigem, exigem pouco ou não
exigem seus direitos?
Pensando em como funcionam as coisas no Brasil, você
diria que, na prática, os brasileiros conseguem fazer valer
os seus direitos sempre, quase sempre, quase nunca ou
nunca?
8
(%)
Sim 91,5
Não
8,5
Tem muito a ver
53,5
Tem a ver
30,6
Tem pouco a ver
8,8
Tem nada a ver
7,0
Tem muito a ver
49,6
Tem a ver
33,8
Tem pouco a ver
9,8
Tem nada a ver
6,8
Sim
9,4
Não
90,6
Sim
18,5
Não 81,5
Ótima................................ 4,4
Boa
46,4
Regular..............................16,4
Ruim
27,2
Péssima
5,6
Ótimo
3,3
Bom
39,6
Regular
17,5
Ruim
26,0
Péssimo
13,6
Concorda muito
72,4
Concorda pouco
19,8
Discorda pouco
5,6
Discorda muito
2,2
Cumprem muito
2,1
Cumprem
11,3
Cumprem pouco
56,9
Não cumprem
29,7
Muito Conscientes
4,6
Conscientes
31,0
Pouco conscientes
54,4
Nada conscientes
10,1
Muito Conscientes
4,1
Conscientes
31,5
Pouco conscientes
52,7
Nada conscientes
11,6
Exigem muito
7,5
Exigem
19,1
Exigem Pouco
52,1
Não exigem
21,4
Sempre
5,2
Quase sempre
33,5
Quase nunca
49,6
Nunca
11,6
E quanto às leis trabalhistas, você se sente muito
protegido, protegido, pouco protegido ou nada protegido?
Vou ler algumas frases sobre política e gostaria de saber se
você ... OS FUNCIONÁRIOS DO GOVERNO NÃO SE
PREOCUPAM MUITO COM AQUILO QUE PESSOAS COMO VOCÊ
PENSA
Vou citar alguns órgãos públicos e particulares e gostaria
de saber qual é o grau de confiança que você tem em cada
um deles: PODER JUDICIÁRIO
Vou citar alguns órgãos públicos e particulares e gostaria
de saber qual é o grau de confiança que você tem em cada
um deles: LEIS DO PAÍS
Muito protegido
Protegido
Pouco protegido
Nada protegido
Concorda Muito
Concorda Pouco
Discorda Pouco
Discorda Muito
Muita confiança
Alguma confiança
Pouca confiança
Nenhuma confiança
Muita confiança
Alguma confiança
Pouca confiança
Nenhuma confiança
4,2
23,4
47,3
25,2
56,9
28,3
6,8
8,0
11,0
33,4
42,0
13,7
7,3
30,6
41,3
20,8
Fonte: Pesquisa “A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas”,FAPESP
A percepção de desigualdade e sentimento de injustiça no funcionamento do poder
judiciário e em sua atuação na garantia dos direitos pode associar-se a comportamentos de
descrença e cinismo para com o mesmo. Ademais, as ambiguidades e paradoxos evidentes nas
percepções dos entrevistados sobre seus direitos e sobre as formas de acesso a eles e
garantias legais podem ter consequências para o estabelecimento da cidadania e para a
relação dos cidadãos com o próprio regime democrático (BOOTH e SELIGSON, 2005;
CARVALHO, op.cit.; MOISÉS, 2005a; NORRIS, 1999; OFFE, 1999). Os dados apresentados
indicam, então, a importância de se entender de modo mais aprofundado a natureza da
confiança no poder judiciário em específico, e suas possíveis associações e impactos sobre as
concepções de cidadania dos brasileiros. Porém, cabe ressalvar antes de tudo que, embora a
manutenção de percepções negativas da efetividade dos direitos, do cumprimento das leis e
das instituições de justiça através do tempo sejam preocupantes em si, esse cenário deve ser
compreendido como parte de um cenário amplo de desconfiança das instituições
democráticas, que se estabelece como tendência global e não apenas nos países de
democracia recente como a brasileira (NORRIS, op. cit.)9.
Na próxima seção do capítulo, apresento brevemente as principais questões teóricas
que embasam a análise proposta.
9
Embora não seja tema deste capítulo, cabe aqui uma nota a esse respeito: a generalização da desconfiança nas
instituições representativas e a avaliação crítica, por parte dos cidadãos, de funcionamento da democracia não são
sinais de crise desse regime, mas apontam para a emergência de cidadãos mais atentos ao processo e às instituições
políticas, e que visam melhorar e aprofundar a democracia (FUCHS e KLINGEMANN, 1995; NORRIS, op.cit.).
9
A MISSÃO DO PODER JUDICIÁRIO NO REGIME DEMOCRÁTICO E RELAÇÃO COM A
CIDADANIA: PERSPECTIVAS TEÓRICAS DA CONFIANÇA POLÍTICA
De acordo com Linz e Stepan (op.cit.), um sistema judiciário independente é ator
fundamental para a existência de um “Estado de direito capaz de assegurar as garantias legais
relativas às liberdades dos cidadãos e à vida associativa independente” (LINZ e STEPAN,
op.cit., p.212). O Estado de direito, por sua vez, é um dos cinco campos necessários à
consolidação do regime democrático10. Diamond e Morlino (op.cit.) também destacam a
centralidade do primado da lei para a democracia e apontam ser ele a base da estrutura
multidimensional que define a qualidade desse regime11.
A importância do primado da lei para a qualidade da democracia está no fato de que
essa dimensão significa que todos os cidadãos são iguais ante a lei, que é justa e
consistentemente aplicada a todos por um judiciário independente, e significa também que as
próprias leis são claras, publicamente reconhecidas, estáveis e universais. “O sistema legal
defende os direitos políticos e procedimentos da democracia, sustenta os direitos civis de cada
um e reforça a autoridade de outras agências de accountability horizontal que asseguram a
legalidade e propriedade das ações oficiais” (DIAMOND e MORLINO, op.cit., p.23). As
condições para o estabelecimento do primado da lei são a difusão de valores democráticos e
liberais tanto entre a opinião pública como entre as elites, fortes tradições burocráticas de
competência e imparcialidade e meios institucionais e econômicos adequados, condições
difíceis de serem criadas “do zero”. Essa dificuldade aponta, então, para uma área de
sensibilidade para as novas democracias.
Sobretudo, no caso dessas últimas - embora essas sejam dimensões importantes
também às democracias longamente estabelecidas -, a consolidação do regime democrático e
a manutenção de sua estabilidade dependem do apoio político dos cidadãos e da confiança
desses nos princípios e fundamentos do regime, além da avaliação positiva do funcionamento
de suas instituições. Ainda que não haja consenso na bibliografia sobre a relação entre essas
duas dimensões - confiança e avaliação - que baseiam o apoio ao regime democrático, parece
haver fortes evidências de que se referem a construtos distintos (USLANER, 2007).
10
Os outros quatro campos da democracia, ainda segundo esses autores, são: 1.sociedade civil livre e ativa; sociedade
política autônoma e valorizada; burocracia estatal para uso do governo democrático e sociedade econômica
institucionalizada.
11
De acordo com esses autores, há sete outras dimensões nas quais uma democracia varia em qualidade: liberdade,
accountability vertical, responsividade, igualdade, participação, competição e accountability horizontal.
10
A confiança pode ser definida como a probabilidade de que o regime, suas instituições
e autoridades produzirão os resultados preferidos pelos indivíduos sem que esses façam algo
para consegui-los, ou tampouco precisem supervisionar os objetos políticos confiados. Tratase, na análise de Easton (1975), de uma forma de manifestação do apoio difuso. Ainda segundo
esse autor, essa confiança é, em parte, fruto do processo de socialização, que apontaria ser
dever cívico ter confiança nos incumbentes dos cargos oficiais. Como membros da
comunidade política, os indivíduos também podem ser encorajados a acreditarem que os
objetivos do regime, suas regras e estruturas podem ser confiados na provisão de resultados
igualitários para todos. Por outro lado, a confiança pode ser estimulada ainda pelas
experiências que os indivíduos têm com as autoridades e instituições através do tempo, as
quais os qualificam para avaliar racionalmente o desempenho desses objetos políticos.
Conforme Easton, “os resultados e desempenho das autoridades podem lentamente nutrir ou
desencorajar sentimentos de confiança. Com o tempo, tais sentimentos podem ser destacados
das autoridades e tomar a forma de um sentimento autônomo ou generalizado para todas as
autoridades e talvez para o regime também”(EASTON, op. cit., p.448, tradução minha). O fato
de a experiência ser uma das fontes da confiança política não deve obscurecer as diferenças
teóricas entre essa e o apoio específico, esse último exclusivamente relacionado às constantes
avaliações do desempenho global de um conjunto de autoridades, confinadas em estreitos
limites de tempo.
Nesse contexto, a confiança é, então, o mecanismo que media a relação dos cidadãos
com as instituições públicas e é derivada da justificativa ética e normativa dessas e de seu
desempenho. Para que o cidadão avalie determinada instituição ele necessita conhecer a ideia
básica ou sua função permanente atribuída pela sociedade (EASTON, op. cit., MOISÉS, 2005a e
b). As instituições, por sua vez, assim como o complexo de normas e procedimentos que as
orienta, são os mecanismos estabelecidos e aceitos pelos cidadãos, enquanto membros da
comunidade política, para regular e organizar suas relações políticas e sua ação em comum
para alcançar objetivos públicos (OFFE, 1999)12. No regime democrático, não apenas os
cidadãos, mas também as autoridades e responsáveis pelas instituições devem orientar sua
ação por regras institucionalmente estabelecidas. É com base nessas regras e referências que,
12
Nessa perspectiva, a confiança nas instituições democráticas seria um substituto para a desconfiança horizontal entre
as massas. Se, dada a complexidade da moderna estrutura social, não é fácil encontrar razões para confiar na multidão
de concidadãos anônimos, as estruturas internas e dinâmicas das instituições representativas na democracia garantem
a efetividade de que mesmo uma altamente adversa maioria não pode representar perigo sério sobre “mim”, pois isso
significaria interferir em direitos constitucionalmente garantidos (OFFE, op. cit.).
11
segundo Sztompka (1996), os primeiros fazem apostas sobre o comportamento futuro e
contingente dos segundos e, a partir dessas, dão ou retiram sua confiança neles. Ademais,
ainda para esse autor, há dois pressupostos implicados ao tratar a confiança como aposta:
primeiro, quem dá confiança estabelece um compromisso com as próprias ações e espera que
as ações dos outros serão benéficas para si próprios. Segundo, a confiança implica que os
outros são confiáveis, ou seja, que suas ações futuras exibirão alguma combinação dos
seguintes traços: regularidade, eficiência, confiabilidade, justeza, accountability e benevolência
(SZTOMPKA, op. cit.).
As instituições políticas, por sua vez, aplicam sobre aqueles nela envolvidos um
conjunto específico de valores, tais como a verdade e a justiça (OFFE, op.cit.). No entanto, há
que se compreender que as regras por elas aplicadas são positivas, podendo ser mudadas, e
essas aplicação e mudança estão nas mãos dos legisladores, administradores e do sistema
judiciário. Nesse sentido, também elas dependem de disposições apoiativas - do entendimento
e da conformidade a elas por parte daqueles nela envolvidos - para serem bem sucedidas. É
nesse aspecto que se centra o ponto nodal da qualidade das instituições, a qual remonta à
“...sua capacidade de fazerem sentido convincente, o que determina a extensão na qual elas
são capazes de promulgar as lealdades daqueles cujas ações elas supostamente regulam,
assim como a confiança por parte dos agentes de que esse apoio será amplamente partilhado
por outros agentes”(OFFE, op.cit., p.69, tradução minha). Em outras palavras, a qualidade das
instituições remete ao seu mecanismo potencial de indução da confiança dos indivíduos em
pessoas com quem nunca tiveram contato, mas com quem partilham o mesmo espaço
institucional e, por isso, pressupõem que, em suas ações, são orientadas e constrangidas pelas
regras por ele traçadas. Dispõem dessa qualidade apenas as instituições que o indivíduo
pressupõe serem plausíveis, significativas e convincentes à maior parte de seus concidadãos e,
dessa forma, por eles confiados. Ainda, é devido ao status de proteção de direitos que elas
proveem, que elas podem limitar o risco de confiar em estranhos (OFFE, op. cit.). É importante
destacar essa dimensão, pois, embora a discussão sobre as raízes institucionais da confiança
na cidadania em geral não seja objeto direto deste capítulo, essa é também a base da
confiança naquelas categorias de agentes que estão por trás do funcionamento das
instituições.
Da parte dos indivíduos, a confiança institucional se expressa nas percepções sobre a
eficácia, probidade e senso de justiça com que as instituições funcionam e na sua participação
em procedimentos e instituições de representatividade, como o recurso aos tribunais de
justiça e júris (MOISÉS, 2005a). No que tange ao poder judiciário em específico, a confiança é
12
comprometida quando os cidadãos não acreditam que esse poder funciona de acordo com sua
missão e com a eficiência necessária ou quando aqueles creem que há desigualdade no acesso
aos direitos. Esse cenário se agrava quando os cidadãos creem que regras públicas
fundamentais não são respeitadas por todos, quando acreditam que há impunidade para
alguns membros da comunidade política e que, em decorrência, não vale a pena cumprir ou
obedecer às leis do país.
Para finalizar, cabe destacar que, se a confiança política radica nas instituições, ela
também é permeada pelo contexto sócio-cultural dos indivíduos (NORRIS, op. cit., DALTON,
1999). Pessoas com diferentes valores e interesses avaliam o desempenho econômico e
político das instituições de modos diferentes. Mishler e Rose (2001) explicam a origem da
confiança política a partir do modelo de “aprendizagem através da vida”, o qual combina essas
premissas culturalistas com as abordagens institucionais. Apesar da importância da
socialização primária na formação dos valores que orientarão as atitudes dos indivíduos, tais
valores podem se modificar no decorrer da vida conforme cada um desenvolve as suas
experiências com as instituições políticas. De acordo com os autores, se as influências da
socialização, de um lado, e do desempenho institucional, de outro, conflitam, as avaliações do
desempenho, mais próximas dos atores, prevalecerão sobre as influências primeiras das
normas culturais e da socialização primária sobre os indivíduos. Ao tratar da confiança no
poder judiciário no regime democrático brasileiro, este capítulo se orienta também por esse
conjunto de premissas.
ANÁLISE DOS DADOS DE 2006
FATORES POTENCIALMENTE EXPLICATIVOS DA CONFIANÇA NO PODER JUDICIÁRIO:
Primeiramente, o capítulo procura explicar a natureza da (des)confiança no poder
judiciário entre os cidadãos brasileiros em 2006, ou seja, visualizar quais critérios da avaliação
dos cidadãos predizem seu comportamento com relação à justiça. Trata-se de verificar, então,
em que medida a confiança no poder judiciário (variável dependente) pode ser explicada, por
um lado, pela ideia normativa que os cidadãos têm da missão dos tribunais de justiça e, por
outro lado, pelo uso desse serviço e pela avaliação do acesso efetivo e igualdade de
tratamento e atuação do poder judiciário (com base nas experiência e vivência individuais).
As variáveis independentes selecionadas envolvem, então, dimensões institucionais e
culturais e podem ser divididas em três grupos (além das variáveis sócio-demográficas):
13
Variáveis de cultura política, cidadania e democracia:
•
“A Constituição brasileira estabelece que todos os brasileiros são iguais perante a lei.
Você acha que todos são iguais perante a lei ou que não há igualdade perante a lei no
Brasil?”
•
“Por favor, diga se você concorda ou discorda da seguinte afirmação: ‘A lei deve ser
obedecida sempre, qualquer que seja a circunstância’”.
•
“Pensando em como funcionam as coisas no Brasil, você diria que, na prática, os
brasileiros conseguem fazer valer os seus direitos sempre, quase sempre, quase nunca
ou nunca?”
•
“E quanto às leis trabalhistas, você se sente muito protegido, protegido, pouco
protegido ou nada protegido?”
•
“Você acha que a democracia tem muito a ver, tem a ver, tem pouco a ver ou não tem
nada a ver com...IGUALDADE DE TODOS PERANTE A LEI”
•
“Você acha que a democracia tem muito a ver, tem a ver, tem pouco a ver ou não tem
nada a ver com...FISCALIZAÇÃO DOS ATOS DO GOVERNO PELOS TRIBUNAIS DE
JUSTIÇA E PELO MINISTÉRIO PÚBLICO”
•
“Vou ler uma lista de órgãos públicos como polícia e escola e quero que você diga
quais tem que ter para o país ir em frente: OS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA”
•
“Eu vou ler algumas frases sobre os órgãos públicos do país, e quero que você diga se
concorda ou discorda de cada uma delas: MEUS AMIGOS E FAMILIARES FALAM BEM
DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS”
•
“Tem gente que acha que todos os brasileiros têm iguais oportunidades de acesso à
justiça. Outros acham que nem todos os brasileiros têm iguais oportunidades de
acesso à justiça. O que você acha?”
Variáveis de experiência com a justiça
•
“Alguma vez você procurou um tribunal ou órgão de justiça?”
•
“E qual das seguintes frases reflete melhor a sua experiência: PROCUROU E CONCLUIU
O PROCESSO”
•
“E qual das seguintes frases reflete melhor a sua experiência: PROCUROU MAS NÃO
CONSEGUIU CONCLUIR O PROCESSO”
•
“E qual das seguintes frases reflete melhor a sua experiência: NÃO CONSEGUIU ABRIR
O PROCESSO”
•
“Quais foram as razões porque você não conseguiu abrir ou concluir o processo: NÃO
TEVE DINHEIRO PARA PAGAR AS CUSTAS DO PROCESSO”
14
•
“Quais foram as razões porque você não conseguiu abrir ou concluir o processo: NÃO
TEVE DINHEIRO PARA PAGAR O ADVOGADO”
•
“Quais foram as razões porque você não conseguiu abrir ou concluir o processo: O
PROCESSO TOMOU MUITO TEMPO”
•
“Quais foram as razões porque você não conseguiu abrir ou concluir o processo: O
TRIBUNAL FICAVA MUITO LONGE DA CASA ONDE VIVIA”
•
“Quais foram as razões porque você não conseguiu abrir ou concluir o processo: NÃO
CONFIOU QUE TERIA UM TRATAMENTO JUSTO”
•
“Quais foram as razões porque você não conseguiu abrir ou concluir o processo: NÃO
SOUBE FAZER A SOLICITAÇÃO”
•
“Quais foram as razões porque você não conseguiu abrir ou concluir o processo:
ACHOU QUE ERA MELHOR FAZER UM ACORDO”
Variáveis de avaliação e confiança políticas
•
“Vou citar alguns órgãos públicos e particulares e gostaria de saber qual é o grau de
confiança que Você tem em cada um deles: NAS LEIS DO PAÍS”
•
“O que é importante para você confiar nos órgãos públicos? Qual é o mais importante:
PRIMEIRO LUGAR”
•
“Eu vou ler algumas frases sobre os órgãos públicos do país, e quero que você diga se
concorda ou discorda de cada uma delas: AS AUTORIDADES E DIRIGENTES DOS
ÓRGÃOS PÚBLICOS SÃO DE BAIXA QUALIDADE”
•
“Eu vou ler algumas frases sobre os órgãos públicos do país, e quero que você diga se
concorda ou discorda de cada uma delas: AS ATIVIDADES DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS SÃO
TOTALMENTE FISCALIZADAS”
•
“Eu vou ler algumas frases sobre os órgãos públicos do país, e quero que você diga se
concorda ou discorda de cada uma delas: OS ÓRGÃOS PÚBLICOS SEMPRE ASSUMEM
SUA RESPONSABILIDADE QUANDO ERRAM”
•
“Eu vou ler algumas frases sobre os órgãos públicos do país, e quero que você diga se
concorda ou discorda de cada uma delas: OS ÓRGÃOS PÚBLICOS TRATAM TODAS AS
PESSOAS IGUALMENTE”
•
“Pensando na atuação da justiça no Brasil, você diria que, de um modo geral, os juízes,
promotores e tribunais de justiça têm tido um desempenho”
•
“E ainda pensando na atuação da justiça no Brasil, que nota você dá para os juízes?”
•
“E que nota você dá para os promotores e tribunais de justiça?”
•
“Como você avalia a situação política do Brasil hoje”
15
•
“Você diria que a corrupção é um problema”
•
“E no governo de Lula, você diria que a situação dos direitos humanos ... em relação ao
que era antes?”
•
“E em comparação com os últimos 10 anos dos governos militares no tempo dos
generais Geisel e Figueiredo, a situação atual dos direitos humanos no Brasil ...”
•
“Gostaria que você avaliasse a atuação de cada das seguintes instituições: PODER
JUDICIÁRIO”
•
“Gostaria que você avaliasse a atuação de cada das seguintes instituições: GOVERNO”
•
“Gostaria que você avaliasse a atuação de cada das seguintes instituições: AS LEIS DO
PAÍS”
•
•
•
•
Variáveis sócio-demográficas
COR
RENDA MENSAL FAMILIAR
RENDA MENSAL PESSOAL
GRAU DE INSTRUÇÃO
Primeiramente, foram verificadas as associações estatísticas significantes13 entre cada
uma dessas variáveis e a confiança no poder judiciário.
Tendo por base uma das premissas das teorias institucionais que aponta a importância
da experiência com as instituições representativas para a formação da confiança política, uma
das associações esperadas era entre as questões relativas à avaliação do funcionamento dos
tribunais de justiça com base nas respostas sobre o acesso e experiência dos entrevistados e a
confiança no poder judiciário, mas essa não foi significante. Uma possível explicação estatística
aponta para o fato de que menos de ¼ dos entrevistados “já procurou um tribunal ou órgão de
justiça” e, em consequência, a amostra dos respondentes para as questões sobre a experiência
com a justiça abrangeram um universo ainda menor14.
13
As medidas de associação utilizadas foram o “coeficiente de contingência” para as variáveis nominais e o “gamma” e
“kendall´s tau-b” para as variáveis ordinais. Nos dois casos, o nível de significância adotado foi de .01.
14
Por outro lado, procurei identificar quem é o cidadão que já recorreu a um tribunal de justiça, tanto em termos
socioeconômicos e demográficos como quanto ao seu perfil com relação às concepções de cidadania e direitos, mas,
observando o conjunto das associações entre a pergunta “Alguma vez, procurou um tribunal de justiça?” e as questões
que poderiam indicar aquele perfil, não foi encontrado um grupo específico de cidadãos no conjunto dos entrevistados,
como denotam os coeficientes de contingência da relação das variáveis. As exceções foram as associações, já
esperadas, entre o grau de instrução e a faixa de renda familiar e a procura por um tribunal de justiça, mas as duas
associações foram fracas. Foi significativa ainda, mas também fraca, a associação entre essa variável e a idade. No que
se refere aos direitos de cidadania, as percepções da igualdade perante a lei e de que os brasileiros exigem os seus
direitos, a concordância com a afirmação de que a lei deve ser obedecida sempre, a satisfação com o funcionamento da
16
Também foi notável entre os resultados o fato de a confiança no poder judiciário não
estar associada com as concepções de democracia dos cidadãos que a relacionam fortemente
com a “existência de igualdade perante a lei” e com a “fiscalização dos atos do governo pelos
tribunais de justiça e pelo ministério público”. Em outras palavras, embora os brasileiros, em
sua grande maioria (como mostrado na Tabela 2), acreditem que o primado da lei e as
instituições que o efetivam tenham pelo menos “a ver” com a democracia, essas dimensões
não se mostram associadas à confiança que depositam no poder judiciário brasileiro.
Por outro lado, a confiança nesse poder mostrou associação significativa positiva com
as seguintes variáveis:
na esfera da cidadania: “todos são iguais perante à lei?”; “os brasileiros conseguem
fazer valer seus direitos?”; “você se sente protegido pelas leis trabalhistas?”;
na esfera da confiança: “confiança nas leis do país”; crença na ideia de que “o país tem
que ter tribunais de justiça para ir para frente”;“crença na ideia de que “as autoridades
e dirigentes do país são de baixa qualidade”; “amigos e familiares falam bem dos
órgãos públicos”, “as atividades dos órgãos públicos são totalmente fiscalizadas”; “os
órgãos públicos sempre assumem sua responsabilidade quando erram”; “os órgãos
públicos tratam as pessoas igualmente”;
na esfera da avaliação política: “avaliação do desempenho dos juízes, promotores e
tribunais de justiça”; “nota para os juízes”; “avaliação da situação política do Brasil
hoje”; “situação dos direitos humanos no governo Lula em comparação a antes”;
“avaliação da atuação do poder judiciário”; “avaliação do governo”; “avaliação das leis
do país”.
Características sócio-demográficas: “renda mensal familiar” e “grau de instrução”.
Apenas com três variáveis a confiança no poder judiciário apresentou associação
negativa, indicando que quando a desconfiança aumenta diminui a crença de que “os
brasileiros têm iguais oportunidades de acesso à justiça?”; diminui a “nota para atuação dos
promotores de justiça” e aumenta a percepção de que “a corrupção é um problema sério”.
Todavia, a análise bivariada não mostra qual a força de cada variável explicativa na análise do
fenômeno da confiança no poder judiciário. Assim, as variáveis ora destacadas, cuja relação
democracia e a confiança nas leis do país mostraram associações significantes com a procura pelo judiciário, todas
fracas. Esses dados estão reproduzidos no ANEXO 1.
17
bivariada com a confiança no poder judiciário foram significantes, foram incluídas em modelo
de regressão categórica15, com o intuito de investigar suas capacidades relativas de explicação
da variável dependente em modelo multivariado (Tabela 3):
Tabela 3. Determinantes da confiança no poder judiciário
Coeficientes padronizados
Beta
Erro padrão
,093
,021
,334
,023
-,045
,021
Sentimento de proteção das leis trabalhistas
Grau de confiança NAS LEIS DO PAÍS
Concordância com a frase: AS AUTORIDADES
E DIRIGENTES DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS SÃO
DE BAIXA QUALIDADE
Concordância com a frase: OS ÓRGÃOS
,062
PÚBLICOS
SEMPRE
ASSUMEM
SUA
RESPONSABILIDADE QUANDO ERRAM
Avaliação do desempenho dos juízes,
,042
promotores e tribunais de justiça
Nota para atuação dos juízes no Brasil
,042
Nota para atuação dos promotores e
-,158
tribunais de justiça
Avaliação da situação política do país
-,048
Percepção sobre a seriedade da corrupção
-,038
Avaliação da atuação do PODER JUDICIÁRIO
,208
Avaliação da atuação do GOVERNO FEDERAL
,038
Avaliação da atuação das LEIS DO PAÍS
-,059
FAIXA DE RENDA MENSAL FAMILIAR
,048
GRAU DE INSTRUÇÃO
,048
Variável Dependente: Confiança no PODER JUDICIÁRIO
N=1687
R²=,320
R²ajustado=,304
GL
F
Sig.
3
3
3
19,104
219,344
4,798
,000
,000
,002
,021
2
9,057
,000
,024
2
2,961
,052
,029
,030
4
7
2,005
28,490
,091
,000
,020
,021
,023
,023
,023
,021
,021
2
1
3
2
2
2
2
5,485
3,359
84,670
2,741
6,380
5,075
5,072
,004
,067
,000
,065
,002
,006
,006
Fonte: “A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas” 2006 (N=2004).
Nota 1: O número da amostra do modelo é menor do que a amostra total devido aos “missing cases” contidos na
variável dependente. Nota 2: Em negrito, resultados significantes a ,01.
O modelo final explica 32% da variância da confiança no poder judiciário, apresentando,
portanto, uma medida de tolerância alta, de 0,68. Das 21 variáveis iniciais (associadas com a
variável dependente), 14 entraram nesse modelo final, sendo 10 significantes a 0,01 (8
referentes às dimensões confiança e avaliação, uma das três variáveis da dimensão da cidadania
e 2 socioeconômicas), mostrando-se, portanto, relevantes para a explicação do fenômeno da
confiança no poder judiciário no Brasil. Três variáveis são particularmente importantes nessa
explicação, como mostrado por seus Beta coeficientes. São elas: a “confiança nas leis do país”;
15
O procedimento utilizado foi o CATREG, versão 2.1, Data Theory Saling System Group (DTSS), SPSS® 13.0.
18
a nota dada aos promotores e tribunais de justiça (o sinal negativo indica que com o aumento
da desconfiança no judiciário diminui a nota dada aos promotores e aos tribunais de justiça) e a
“avaliação da atuação do poder judiciário”.
Esses resultados sugerem a importância das variáveis de avaliação da atuação do poder
judiciário como principais preditores da confiança nessa instituição. Antes de prosseguir, cabe
uma consideração sobre a inclusão dessas variáveis de avaliação e confiança nas instituições
de justiça no modelo explicativo da confiança no poder judiciário: embora as correlações entre
as variáveis “confiança no poder judiciário”, de um lado, e as variáveis “confiança nas leis do
país”(,446) e “avaliação da atuação do poder judiciário”(,268), de outro, possam ser
indicativas de alguma colinearidade entre elas, a elevada medida de tolerância obtida para este
modelo indica que ele não foi afetado por ela. Assim, e dadas as diferenças conceituais entre
avaliação e confiança, como sugerido pelo referencial teórico do presente capítulo, elas foram
mantidas no modelo final aqui descrito. Para fortalecer essa opção, foram realizadas, como
testes, novas regressões16 sem as variáveis “avaliação da atuação do poder judiciário” e
“confiança nas leis do país”, mas a retirada dessas variáveis (separada e simultaneamente) não
alterou significativamente a capacidade explicativa dos modelos obtidos em comparação
àquele aqui apresentado.
Retomando-o, dentre as variáveis referentes à cidadania, apenas uma, o sentimento de
proteção das leis trabalhistas, foi significativa no modelo final, mas com baixa capacidade
explicativa. Ainda assim, deve-se reconhecer que essa variável não é apenas uma percepção da
cidadania, mas mede também um elemento do desempenho das instituições de justiça, sua
capacidade de garantir a proteção legal dos indivíduos. Os resultados revelam, portanto, uma
forte presença de variáveis referentes à avaliação do funcionamento das instituições judiciárias
na explicação da origem da confiança dos cidadãos no poder judiciário, sugerindo a
preponderância das premissas das teorias institucionais nessa explicação. Isso significa que a
confiança no poder judiciário radica na própria justiça como instituição e na avaliação e crença
individuais de que sua atuação está em consonância com sua missão constitucional. Embora
essa associação pareça óbvia, ela sugere a existência de um mapa de orientações e avaliações
desta missão para os indivíduos. Por sua vez, a presença das variáveis socioeconômicas no
modelo final, ainda que com impactos bastante baixos sobre a confiança no poder judiciário,
indica que a avaliação e a confiança institucionais dos indivíduos variam de acordo com sua
posição social e econômica.
16
Por questão de espaço, tais modelos não foram incluídos no presente capítulo.
19
Efeitos da Confiança nas Instituições de Justiça sobre a Cidadania
De outro lado, procurei investigar os possíveis impactos da confiança no poder
judiciário (e seus principais preditores, como mostrado na seção anterior) sobre as percepções
que os brasileiros têm da cidadania como acesso e exercício de direitos e sua efetividade.
Assim, regressões logísticas17 avaliaram os efeitos da confiança no poder judiciário, da
confiança nas leis do país, da avaliação da atuação do poder judiciário e da nota atribuída aos
promotores e tribunais de justiça sobre as seguintes variáveis dependentes, descritivas da
cidadania dos brasileiros:
•
“A Constituição brasileira estabelece que todos os brasileiros são iguais perante a lei.
Você acha que todos são iguais perante a lei ou que não há igualdade perante a lei no
Brasil?”
•
“Por favor, diga se você concorda ou discorda da seguinte afirmação: ‘A lei deve ser
obedecida sempre, qualquer que seja a circunstância’”.
•
“Você diria que os brasileiros exigem os seus direitos?”
•
“Pensando em como funcionam as coisas no Brasil, você diria que, na prática, os
brasileiros conseguem fazer valer os seus direitos sempre, quase sempre, quase nunca
ou nunca?”
•
“Você diria que os brasileiros são muito conscientes, conscientes, pouco conscientes
ou nada conscientes de suas obrigações?”
•
“E dos seus direitos? Você diria que os brasileiros são muito conscientes, conscientes,
pouco conscientes ou nada conscientes de seus direitos?”
•
“E quanto às leis trabalhistas, você se sente muito protegido, protegido, pouco
protegido ou nada protegido?”
•
“Tem gente que acha que todos os brasileiros têm iguais oportunidades de acesso à
justiça. Outros acham que nem todos os brasileiros têm iguais oportunidades de
acesso à justiça. O que você acha?”
•
“Se o voto não fosse obrigatório, você votaria nas próximas eleições para Presidente a
República?”
17
O procedimento adotado foi a Regressão Logística, método Bstep (LR), SPSS® 13.0
20
A Tabela 4 mostra, então, as razões de chance de a confiança no poder judiciário e de
seus determinantes terem efeitos sobre as atitudes e comportamentos referentes ao
cotidiano da cidadania e sobre as percepções da efetividade dos direitos entre os brasileiros18:
18
Cada uma das variáveis dependentes foi operacionalizada como dicotômica (respostas positivas com referência às
negativas sobre a efetividade da cidadania) conforme descrito no ANEXO 2.
21
Tabela 4. Efeitos da Confiança nas Instituições de Justiça sobre as Concepções de Cidadania -2006 [odds ratio – Exp(Beta)]
“Todos são
iguais
perante a lei”
“Brasileiros
cumprem as
leis”
Nenh. conf. (ref.)
Concordam que
“Brasileiros são
“Brasileiros
a lei deve ser “Brasileiros conseguem fazer conscientes de “Brasileiros são
obedecida
valer seus
suas
conscientes de
exigem seus
sempre
direitos”
direitos”
obrigações” seus direitos”
Confiança PODER JUDICIÁRIO
Sentem-se
protegidos
pelas leis
trabalhistas
(,015)
(,003)
(,098)
(,054)
(,000)
Muita
1,4 (,150)
2,76 (,000)
1,1 (,647)
1,35 (,165)
2,69 (,000)
Alguma
1,6 (,008)
1,51 (,024)
1,16 (,370)
1,26 (187)
2,13 (,000)
Pouca
1,65 (,002)
1,47 (,021)
,872 (,430)
Confiança LEIS DO PAÍS
,945 (,730)
2,03 (,000)
Nenh. conf. (ref.)
“Brasileiros
têm iguais
Votariam se o oportunidades
voto não fosse de acesso à
obrigatório
justiça”
(,000)
(,000)
(,001)
(,001)
(,000)
(,048)
(,042)
(,000)
(,000)
(,037)
Muita
2,86 (,000)
2,61 (,000)
1,7 (,135)
1,88 (,023)
2,52 (,000)
1,8 (,007)
1,6 (0,32)
2,49 (,002)
3,109 (,000)
2,11 (,014)
Alguma
2,07 (,000)
2,32 (,000)
2,4 (,000)
1,98 (,000)
2,06 (,000)
1,2 (,246)
1,2 (317)
1,80 (,000)
1,939 (,000)
1,09 (,740)
Pouca
1,47 (,042)
1,65 (,000)
1,9 (,002)
1,54 (,002)
1,45 (,007)
1,1 (,470)
,946 (,692)
1,59 (,001)
1,279 (,050)
1,08 (,748)
1,05 (,0,30)
1,07 (,005)
1,06 (,003)
1,16 (,000)
NOTA PROMOTORES E TRIBUNAIS DE JUSTIÇA
1,06 (,036)
1,06 (,011)
(,012)
(,023)
(,013)
(,019)
2,95 (,008)
1,42 (,295)
2,07 (,025)
2,76 (,092)
Boa
1,6 (,164)
1,37 (,167)
1,78 (,018)
2,39 (,099)
Regular
1,2 (,618)
2,01 (,005)
1,33 (,281)
1,07 (,903)
Ruim
1,3 (,446)
1,24 (,342)
1,32 (,258)
1,67 (,338)
,067 (,000)
,500 (,002)
Péssima (ref.)
Ótima
Constante
R² Nagelkerke
,052
,078
1,05 (,023)
1,08 (,000)
Avaliação atuação PODER JUDICIÁRIO
7,02 (,000)
,019
1,638 (,000)
,042
,201 (,000)
,310 (,000)
,372 (,000)
,743 (,066)
,057
,031
,027
,077
,489 (,000)
,047
,020 (,000)
,065
N
1931
1932
1931
1937
1930
1937
1928
1880
1900
1936
Fonte: “A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas” 2006 (N=2004); Nota 1: Os números das amostras dos modelos são menores do que a amostra total devido aos
“missing cases” contidos nas variáveis dependentes; Nota 2: Significâncias estatísticas entre parênteses (nível de significância adotado: ,05; em negrito, resultados não
significantes). Nota 3: Células vazias: variáveis excluídas pelo próprio programa na equação final.
22
Primeiramente, a confiança no poder judiciário exerce impacto apenas sobre três
percepções dos brasileiros de cidadania e sua efetividade: “brasileiros cumprem (pouco /
muito) as leis”; “brasileiros exigem (pouco / muito) seus direitos” e o sentimento de proteção
pelas leis trabalhistas por parte dos entrevistados. Dentre esses, destaca-se o efeito da muita
confiança no poder judiciário sobre o sentimento de proteção das leis trabalhistas e sobre a
crença de que os brasileiros exigem seus direitos: aqueles com muita confiança no poder
judiciário têm por volta de 170% a mais de chance de sentirem-se protegidos por aquelas leis e
de acreditarem que os cidadãos têm uma postura ativa na luta por seus direitos. É notável, por
outro lado, que a confiança no poder judiciário não exerça efeito nem sobre a crença na
igualdade perante a lei nem sobre a crença na igualdade de oportunidades de acesso à justiça.
A nota dada aos promotores e tribunais de justiça afeta positivamente as crenças de
que “todos são iguais perante a lei”, de que “todos têm iguais oportunidades de acesso à
justiça”, o sentimento de proteção pelas leis trabalhistas, a concordância com “os brasileiros
cumprem as leis” e com “os brasileiros conseguem fazer valer seus direitos” e a adesão
voluntária ao voto, se este não fosse obrigatório. Nesse caso, qualquer incremento naquela
nota aumenta entre 6 e 16% a concordância com essas alternativas.
Mas é a confiança (muita/alguma/pouca) nas leis do país, dentre as quatro variáveis
explicativas, o mais importante preditor das percepções dos cidadãos sobre a efetividade da
cidadania: ela afeta as dez variáveis dependentes e seis delas de modo bastante forte: por
exemplo, ter muita confiança nas leis aumenta em mais de 200% a chance de os cidadãos
votarem se o voto não fosse obrigatório (e mesmo aqueles que têm pouca confiança têm 28%
de chance a mais de votar do que aqueles que não confiam nas mesmas). Ainda, ter muita
confiança nas leis do país aumenta em pelo menos 150% a chance de os entrevistados se
sentirem protegidos pelas leis trabalhistas, acreditarem que os brasileiros conseguem fazer
valer seus direitos, cumprem as leis e que todos são iguais perante elas (nos quatro casos,
também é notável que mesmo a pouca confiança nas leis aumenta em pelos menos 45% a
concordância com essas alternativas, em comparação àqueles que não confiam na legislação
do país).
Apesar desses resultados, observadas conjuntamente, as variáveis explicativas da visão
da cidadania (confiança no poder judiciário, confiança nas leis do país, nota dada aos
promotores e tribunais de justiça e avaliação do poder judiciário) impactam positivamente, em
alguma medida, apenas a crença no fato de que “os brasileiros cumprem (pouco / muito) as
leis”.
23
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo explorou as possíveis associações entre as percepções dos brasileiros
sobre os direitos de cidadania, o seu acesso e sua efetividade e a avaliação e a confiança no
poder judiciário. Os dados do survey nacional de 2006 corroboraram um cenário que
transparece desde a promulgação da Constituição de 1988: a pouca confiança no poder
judiciário e nas leis do país, a baixa procura pelos órgãos de justiça e a avaliação, por parte da
esmagadora maioria dos brasileiros, de que há desigualdade de tratamento pela lei e no acesso
à justiça no país. Embora, por outro lado, sejam observados avanços na cultura política
democrática dos brasileiros e as instituições representativas nacionais, ainda que com
percalços, mostrem sinais de consolidação (MOISÉS, 2005 a e b), o cenário tratado neste
capítulo tem implicações para o processo democrático brasileiro, tendo em vista ser o primado
da lei uma dimensão procedural de suma importância na estrutura de qualidade do regime
democrático (DIAMOND e MORLINO, op.cit.).
Os dados analisados continuam revelando paradoxos nas opiniões dos cidadãos
brasileiros. Com relação à confiança no poder judiciário, consoante com as premissas
institucionais, ela aparece associada, primeiro, à confiança nas leis do país e à avaliação de sua
atuação (bem como às notas dadas aos promotores e tribunais de justiça). Por outro lado,
embora um dos critérios para avaliar a atuação das instituições de justiça, dentro da
perspectiva teórica aqui adotada, seja sua capacidade de demonstrar que operam com
universalidade e igualdade, é notável os sentimentos de desigualdade perante a lei e de acesso
à justiça não tenham exercido impacto sobre a confiança dos cidadãos no poder judiciário. Por
último, embora com baixa capacidade explicativa, não se pode deixar de notar que o
sentimento de proteção das leis trabalhistas foi a única dimensão mais associada à cidadania
que emergiu entre as variáveis preditoras da confiança no poder judiciário.
Quando se percorreu o outro lado da relação entre a confiança no poder judiciário e a
cidadania, explorando-se os possíveis efeitos da primeira sobre a segunda, a crença na
igualdade perante a lei e a crença no acesso à justiça também não foram impactadas pela
confiança nas instituições judiciárias (apenas a confiança nas leis do país e a nota dada aos
promotores e tribunais de justiça as impactaram). Nessa análise, o que se destacou foi o
aumento da razão de chance daqueles que confiam no poder judiciário acreditarem que os
brasileiros cumprem, em alguma medida, as leis.
Esses resultados não parecem contraditórios, porém, quando são observados ao lado
das respostas às perguntas abertas do survey. Quando perguntados sobre os direitos mais
importantes dos brasileiros, o segundo maior percentual dos entrevistados indicou o trabalho
24
(16,4%) e menos de 3% deles apontaram a justiça ou a igualdade social. A emergência do
sentimento de proteção das leis trabalhistas no modelo explicativo da confiança no poder
judiciário pode ser devida a essa importância atribuída ao trabalho como direito pelos
entrevistados, dentro de um conjunto de respostas que, se indica um aumento comparado
com pesquisas anteriores (como destaca Daniele, op.cit.), revela um ainda baixo conhecimento
dos direitos por parte daqueles. Nesse sentido, parece plausível supor que, para os
entrevistados, a capacidade de garantia dos seus direitos pelo poder judiciário, embora com
baixo impacto, é um dos critérios do mapa avaliativo e da confiança nessa instituição.
Ao mesmo tempo, no que se refere à cidadania, mais de 20% dos entrevistados a
associam com o “cumprimento de deveres e obrigações” e com “obedecer às leis”; e apenas
pouco mais de 10% mencionam direitos em sua definição e, ainda assim, de modos vagos e
esparsos (5,4% definem a cidadania como “ter seus direitos respeitados”; 2,2% “lutar por seus
direitos”; 1,3% “exercer direito de votar”; 1,2% “conhecer seus direitos” e 1,1% “poder exercer
direitos da Constituição”). Dessa forma, se “ser cidadão” é, antes de tudo, cumprir as leis e as
obrigações, e sendo o judiciário a esfera que garante o primado da lei (reconhecido como tal
pelos brasileiros), pode-se dizer que as interações entre a confiança no judiciário e o exercício
da cidadania explicam-se sobretudo pelas crenças de que os dois lados devem orientar sua
ação pela aplicação e obediência ao sistema legal e de que esse, por sua vez, é legítimo.
Embora de alcance limitado, em meio às contradições nas visões paradoxais dos brasileiros
sobre a justiça como instituição e suas concepções de cidadania, trata-se de um achado
importante no sentido da qualidade do regime democrático brasileiro, tendo em vista a
primazia do primado da lei na composição de sua estrutura e da difusão de valores liberais de
proteção dos direitos e de uma cultura legalista entre a opinião pública para que aquele
primado seja efetivo. Por outro lado, o cenário não sugere que essa cultura legalista entre os
brasileiros seja “cega”, pois, embora mais de 70% dos entrevistados concordem muito que a lei
deva ser obedecida sempre, essa dimensão não exerceu impacto nem sobre a confiança no
poder judiciário nem sobre as definições de cidadania pelos brasileiros. O tratamento dessa
dissociação, no entanto, vai além dos objetivos deste capítulo.
25
ANEXO 1- Associações entre a procura pelo judiciário e dimensões da cidadania, avaliação da
democracia e de suas instituições e perfil socioeconômico e demográfico dos entrevistados
Variáveis
Sig.
Coeficiente
Contingência
Associação com a Procura
por um Tribunal de Justiça
“Você acha que todos são iguais perante a lei ou
que não há igualdade perante a lei no Brasil?”
,002
,069
Significativa fraca
“Você diria que os brasileiros...as leis?”
,192
,049
Não há associação
Concordância com a frase: “A lei deve ser obedecida
sempre, qualquer que seja a circunstância’”.
,005
,080
Significativa fraca
“Você diria que os brasileiros exigem os seus
direitos?”
,002
,085
Significativa fraca
“Pensando em como funcionam as coisas no Brasil,
você diria que, na prática, os brasileiros conseguem
fazer valer os seus direitos sempre, quase sempre,
quase nunca ou nunca?”
,552
,033
Não há associação
“Você diria que os brasileiros são muito conscientes,
conscientes, pouco conscientes ou nada conscientes
de suas obrigações?”
,294
,043
Não há associação
“E dos seus direitos? Você diria que os brasileiros
são muito conscientes, conscientes, pouco
conscientes ou nada conscientes de seus direitos?”
,279
,044
Não há associação
“E quanto às leis trabalhistas, você se sente muito
protegido, protegido, pouco protegido ou nada
protegido?”
,980
,010
Não há associação
“Você diria que está muito satisfeito, satisfeito,
pouco satisfeito ou nada satisfeito com o
funcionamento da democracia no Brasil?”
,022
,070
Significativa fraca
“Você diria que tem muita confiança, alguma
confiança, pouca confiança ou nenhuma confiança
no PODER JUDICIÁRIO”
,127
,054
Não há associação
“Você diria que tem muita confiança, alguma
confiança, pouca confiança ou nenhuma confiança
nas LEIS DO PAÍS”
,009
,076
Significativa fraca
“Gostaria que você avaliasse a atuação de cada uma
das seguintes instituições: PODER JUDICIÁRIO”
,886
,024
Não há associação
GRAU DE INSTRUÇÃO
,000
,117
Significativa fraca
RENDA MENSAL FAMILIAR
,019
,095
Significativa fraca
FAIXA ETÁRIA
,000
,147
Significativa fraca
Fonte: “A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas” (FAPESP, junho, 2006).
Nota 1: Nível de significância adotado: ,05 (em negrito, associações não significantes).
Nota 2: O Coeficiente de Contingência, indicado para testar a associação entre variáveis nominais, baseia-se em
escala que vai de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de 1, melhor a correlação. Quando usado nas ciências
sociais, valores de 0,10 a 0,15 indicam associação fraca, entre 0,15 e 0,20 associação regular e valores acima de 0,2
indicam correlação forte.
26
ANEXO 2 -Variáveis dependentes nas regressões logísticas da Tabela 4
Variáveis
Você acha que todos os brasileiros têm iguais oportunidades
de acesso à justiça?
Você acha que todos os brasileiros são iguais perante a lei?
Por favor, diga se você concorda ou discorda da seguinte
afirmação: “A lei deve ser obedecida sempre, qualquer que
seja a circunstância”
Você diria que os brasileiros ... as leis ?
Você diria que os brasileiros são muito conscientes,
conscientes, pouco conscientes ou nada conscientes de suas
obrigações?
E dos seus direitos? Você diria que os brasileiros são muito
conscientes, conscientes, pouco conscientes ou nada
conscientes de seus direitos?
Você diria que os brasileiros exigem os seus direitos? Exigem
muito, apenas exigem, exigem pouco ou não exigem seus
direitos?
Pensando em como funcionam as coisas no Brasil, você diria
que, na prática, os brasileiros conseguem fazer valer os seus
direitos sempre, quase sempre, quase nunca ou nunca?
E quanto às leis trabalhistas, você se sente muito protegido,
protegido, pouco protegido ou nada protegido?
Se o voto não fosse obrigatório, você votaria nas próximas
eleições para presidente da República?
Sim
Não
1
0
Sim
Não
Concorda muito
Concorda pouco
Discorda pouco
Discorda muito
Cumprem muito
Cumprem
Cumprem pouco
Não cumprem
Muito Conscientes
Conscientes
Pouco conscientes
Nada conscientes
Muito Conscientes
Conscientes
Pouco conscientes
Nada conscientes
Exigem muito
Exigem
Exigem Pouco
Não exigem
Sempre
Quase sempre
Quase nunca
Nunca
Muito protegido
Protegido
Pouco protegido
Nada protegido
Sim
Não
1
0
1
1
0
0
1
1
1
0
1
1
0
0
1
1
0
0
1
1
1
0
1
1
0
0
1
1
1
0
1
0
Fonte: “A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas” (FAPESP, junho, 2006).
27
XI.
POR QUE OS BRASILEIROS DESCONFIAM DA POLÍCIA?
UMA ANÁLISE DAS CAUSAS DA DESCONFIANÇA NA INSTITUIÇÃO POLICIAL1
CLEBER LOPES DA SILVA
INTRODUÇÃO
A polícia é uma instituição central para a qualidade da democracia e a confiança um
elemento central para a qualidade do trabalho da polícia. Na condição de depositária das
reivindicações permanentes do Estado em monopolizar a força física, a polícia é uma das
principais responsáveis pelo primado da lei, uma das dimensões que integram uma democracia
de qualidade (O’DONNEL, 2004; E DIAMOND & MORLINO, 2005). É a polícia quem garante o
controle legal efetivo do Estado sobre o território, protege os direitos de cidadania contra
ameaças criminais e impõe lei e ordem. Para que desempenhe essas funções com eficiência, a
polícia depende da confiança dos cidadãos. Construir parcerias com a comunidade para a
prevenção da criminalidade, prender criminosos, investigar e solucionar crimes depende em
grande medida da cooperação dos cidadãos. Para que a cooperação exista é preciso que os
cidadãos confiem na polícia. Sem confiança não há cooperação, e sem cooperação a qualidade
do policiamento declina e uma das dimensões da democracia é afetada.
Embora a confiança na polícia seja importante para a qualidade do policiamento - e,
consequentemente, para a qualidade da democracia -, o fenômeno ainda carece de análises
teóricas mais aprofundadas (GOLDSMITH, 2005), pesquisas internacionais comparativas
(KÄÄRIÄINEN, 2007) e estudos que dêem conta de explicar os baixos níveis de confiança na
polícia nas novas democracias (IVKOVIC, 2008). As análises empíricas sobre a confiança e
desconfiança na polícia estão concentradas principalmente nos EUA, onde a polícia é apoiada
pela maioria da população, mas vista com desconfiança pelas minorias étnicas, sobretudo os
negros. Na literatura sobre as organizações policiais nas novas democracias latino-americanas, o
1
Versão preliminar deste texto foi apresentada no 7° Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política – ABCP, Recife,
04-07 ago. de 2010. Sou grato aos comentários de Lúcio Rennó. Agradeço também Leandro Piquet Carneiro e Umberto
Guarnier Mignozzetti pelas sugestões na parte estatística deste trabalho. A responsabilidade pela análise é inteiramente
minha
1
tema da desconfiança na polícia aparece marginalmente como corolário do diagnóstico de que a
transição democrática na região não foi capaz de lograr uma polícia respeitosa dos direitos dos
cidadãos e eficiente no combate à criminalidade (CARDIA, 1997; MÉNDEZ ET. AL., 2000;
PANDOLFI ET. AL., 1999; PINHEIRO, 1997; E SOARES ET. AL., 1998). Embora o tema esteja
presente nessa literatura, estudos específicos que utilizem desenhos de pesquisa quantitativos
capazes de analisar em que medida a desconfiança na polícia está relacionada à ineficiência e à
arbitrariedade policial são raros. Estudos de natureza quantitativa sobre a desconfiança em
instituições públicas nas novas democracias têm considerado a polícia nas análises, mas ao lado
de outras instituições de modo a compor uma medida única de desconfiança em instituições
públicas (MISHLER & ROSE, 2001 E 2005; RENNÓ, 2001; MOISÉS & PIQUET, 2008). A variável
dependente desses estudos são as instituições públicas, um índice que pode incluir o parlamento,
os partidos políticos, o judiciário, o sistema legal, a polícia e as forças armadas. Análises focadas
na desconfiança na polícia nas novas democracias são escassas. Há, portanto, uma lacuna
importante a ser preenchida.
Esse trabalho visa contribuir para o preenchimento dessa lacuna através de um estudo
sobre a desconfiança dos brasileiros na polícia. Por que a maioria dos brasileiros desconfia da
polícia? Quais fatores explicam essa desconfiança? O objetivo deste artigo é descrever e analisar
as origens da desconfiança dos cidadãos brasileiros na instituição policial. Além dos dados da
pesquisa A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições Políticas, usados para descrever as
percepções dos brasileiros em relação à polícia, serão utilizados dados da Pesquisa Social
Brasileira de 2002 para testar, por meio de regressão logística, duas hipóteses: uma mais geral
aplicada ao caso da polícia, que sustenta que a desconfiança é explicada institucionalmente pela
incapacidade de uma instituição, em seu funcionamento concreto, sinalizar aos cidadãos
comprometimento com os valores e princípios que justificam a sua existência; e uma mais
específica, que defende que a desconfiança é explicada mais pela percepção pública de que a
polícia trata os cidadãos de maneira injusta do que pela percepção de que ela é pouco efetiva no
combate à criminalidade.
O trabalho está dividido em quatro partes e considerações finais. Na primeira parte é feita
a revisão da literatura dos estudos sobre confiança em instituições políticas em geral e dos
estudos específicos sobre confiança na polícia. Para o primeiro caso, a revisão privilegiou análises
referentes às novas democracias. Para o segundo caso, a revisão focou na literatura de língua
inglesa pertinente ao tema e disponível nos principais periódicos internacionais. A partir dessa
revisão é proposto, na segunda parte, um modelo analítico para pensar a desconfiança na polícia.
Na sequência são apresentados, discutidos e analisados os dados sobre a desconfiança na polícia
no Brasil. A quarta parte discute os resultados encontrados, retomando o debate com a
2
literatura. Por fim, nas considerações finais, os achados do trabalho são sumarizados e algumas
implicações teóricas e práticas são destacadas.
A DESCONFIANÇA EM INSTITUIÇÕES POLÍTICAS
Desde os anos 80, estudos em diversas partes do mundo vêm documentando o
crescimento da desconfiança dos cidadãos em instituições públicas, entendida como uma
síndrome de atitudes que envolve principalmente cinismo e descrédito quanto ao funcionamento
das instituições políticas, especialmente as de representação. O fenômeno ocorre tanto nas
velhas quanto nas novas democracias, embora haja variações significativas entre os países e
entre instituições no interior dos países.
Parte da literatura contemporânea de ciência política tem se voltado para o
entendimento das origens e consequências desse fenômeno para a democracia. A análise das
consequências da desconfiança têm se orientado por uma perspectiva teórica que, inspirada na
diferenciação proposta décadas atrás por Easton entre apoio difuso e apoio específico, sustenta
que o fenômeno da desconfiança é apenas uma das várias formas de apoio político. Uma das
formulações teóricas mais influentes a esse respeito foi feita por Pippa Norris (1999), que
diferenciou cinco modalidades de apoio: 1) à comunidade, que remete à vinculação dos cidadãos
à nação; 2) à democracia como um ideal, referente à adesão a democracia em contraposição a
outros regimes políticos; 3) ao desempenho prático da democracia, que diz respeito à satisfação
dos cidadãos com o regime enquanto tal; 4) às instituições, que aponta para o grau de confiança
dos cidadãos em instituições públicas; e 5) aos governos e/ou lideranças políticas. A partir dessa
diferenciação, os estudos têm procurado entender as conseqüências da desconfiança em
instituições para outras formas de apoio político, especialmente o apoio ao regime político per se
e à democracia enquanto ideal (MISHLER & ROSE, 2005; MOISÉS & PIQUET, 2008).
Os estudos sobre as origens da desconfiança em instituições, por sua vez, têm se
desenvolvido a partir de duas tradições teóricas: a culturalista e a institucionalista. Os teóricos
culturalistas têm argumentado que a confiança em instituições políticas é um fenômeno
exógeno, originado a partir da cultura política aprendida pelos indivíduos, manifesta inicialmente
em termos de confiança interpessoal e depois projetada para o âmbito institucional. Os autores
filiados a essa perspectiva consideram que uma cultura cívica com altos níveis de confiança
interpessoal e institucional é vital para a democracia, quando não condição para a sua existência.
Já para os institucionalistas, a confiança política é tida como um fenômeno endógeno, ou seja,
uma resposta racional dos indivíduos ao desempenho das instituições. Para esses autores, o
apoio à democracia é o resultado das expectativas utilitárias dos cidadãos acerca do bom
desempenho político e econômico das instituições do regime. Mais recentemente, alguns
3
autores têm empreendido esforços para aproximar e integrar essas duas tradições teóricas. É o
caso de Mishler & Rose (2001) e Moisés (2005).
Mishler & Rose (2001) formularam um modelo, chamado de “aprendizado ao longo da
vida”, segundo qual a confiança interpessoal pode se desenvolver durante a socialização infantil
e posteriormente ser projetada para as instituições, como sustentam as teorias culturalistas. Mas
essa predisposição inicial para confiar ou desconfiar em instituições pode ser reforçada ou
revisada na fase adulta, a depender da extensão com que os aprendizados iniciais são desafiados
ou confirmados. Este modelo foi testado com dados de 10 países pós-comunistas. Os autores
consideraram que em sociedades estáveis e com instituições duráveis, a experiência adulta tende
a reforçar as crenças infantis, logo, predições institucionais e culturais sobre a confiança
coincidiriam. Mas, em sociedades cujas instituições passam por grandes mudanças, caso dos
países pós-comunistas, isso tenderia a não ocorrer e teorias institucionais e culturais poderiam,
de fato, fornecer explicações muito diferentes, até mesmo contraditórias, para a confiança
política. Os resultados dos testes estatísticos apoiaram fortemente as explicações institucionais
sobre as origens da confiança política. Os autores concluíram que a confiança em instituições era
substancialmente endógena e amplamente determinada pelo desempenho econômico e político,
mas essa determinação era mediada no nível micro pelas percepções e valores dos indivíduos. Os
autores explicaram esse resultado do seguinte modo: nas sociedades pós-comunistas, embora
tenha se formado uma malha de laços estreitos com famílias e amigos, ela não pôde criar
confiança institucional porque os regimes pós-comunistas controlaram as instituições de
intermediação da sociedade; confiança interpessoal e confiança política permaneceram
apartadas.
Moisés (2005 e 2008) também vem defendendo uma integração entre teorias culturais e
institucionais para tratar o problema da desconfiança em instituições políticas. Com base em
Easton e Offe (1999), o autor tem defendido que as instituições não são neutras, e sim um
conjunto de regras e procedimentos que exprimem valores e princípios derivados de escolhas
realizadas em contextos sociais e culturais específicos, os quais oferecem repertório e contorno
para essas escolhas. Nessa perspectiva, a confiança ou a desconfiança em instituições dependeria
da avaliação dos cidadãos de que as instituições atuam em conformidade aos valores e princípios
que justificaram a sua criação. Assim, por um lado, os indivíduos avaliariam as instituições com
base em percepções adquiridas no contexto social mais amplo sobre o que vem a ser a missão
fundamental atribuída a elas (motivação culturalista). Por outro, os cidadãos fariam avaliações
racionais acerca do desempenho das instituições, possíveis graças à experiência política
adquirida ao longo da vida adulta (motivações racionais). É do julgamento decorrente da
experiência dos cidadãos com as instituições, influenciado pela percepção fornecida pela cultura
4
política, que se formariam as atitudes de apoio ou falta de apoio político em suas várias
dimensões.
Com base nessa perspectiva teórica e a partir de dados do Latinobarômetro coletados no
Brasil e mais 17 países latino-americanos para os anos de 1997, 2000 e 2001, Moisés & Piquet
(2008) analisaram os determinantes da satisfação com a democracia e da desconfiança política,
bem como a convivência contraditória entre a desconfiança dos cidadãos nas instituições
democráticas, a sua insatisfação com o desempenho do regime e o apoio à democracia como um
ideal. Em relação aos determinantes da desconfiança, os autores encontraram que a avaliação
dos indivíduos sobre as instituições determinavam tanto o nível de desconfiança quanto a
insatisfação com regime, mas fatores relacionados à cultura política e ao desempenho do regime
também influenciavam a formação daquelas atitudes. A partir desses resultados, os autores
argumentaram que a desconfiança parece ser influenciada pela experiência dos cidadãos com as
regras, normas e procedimentos que decorrem do princípio de igualdade de todos perante a lei.
Assim, concluíram que as instituições ganham a confiança dos cidadãos desde que sejam capazes
de sinalizar universalismo, imparcialidade, justeza e probidade, assegurando assim que os
interesses dos cidadãos sejam efetivamente considerados.
Os estudos citados acima são importantes, especialmente pela abordagem teórica que
propõem para explicar as origens e consequências da desconfiança em instituições políticas. Mas
o fato de as análises empíricas serem realizadas tendo como variável dependente um índice que
reúne instituições com características muito distintas, caso das instituições do sistema de justiça
(judiciário e polícia) e as instituições de representação política (partidos e parlamento), dificulta a
análise de questões particulares ao funcionamento de cada uma dessas instituições. Testar as
hipóteses propostas por essa literatura considerando as especificidades de cada uma das
instituições políticas relevantes para a democracia é um caminho alternativo e promissor para os
estudos empíricos relativos ao tema. Considerando essa alternativa e visando definir com mais
precisão as variáveis explicativas relevantes para analisar as causas da desconfiança na polícia,
faz-se na sequência a revisão de parte da literatura que tem analisado as atitudes públicas em
relação à polícia.
A DESCONFIANÇA NA INSTITUIÇÃO POLICIAL
Na literatura de língua inglesa sobre policiamento, a desconfiança dos cidadãos em
relação à polícia é apenas uma das diversas atitudes que vêm sendo investigadas pelos
pesquisadores. Numa perspectiva mais ampla, vários autores têm tentado entender as origens e
as implicações das atitudes negativas dos cidadãos em relação à polícia. Os termos genéricos
“atitudes”, “percepções”, “visões” e “apoio” têm sido usados de maneira pouco rigorosa para
apontar uma síndrome de atitudes e comportamentos relativos ao desempenho, confiabilidade,
5
respeitabilidade, integridade, imparcialidade e equidade dos serviços policiais. Rosenbaum et. al
(2005), por exemplo, analisou os efeitos dos contatos diretos e indiretos com a polícia sobre o
que chamou de “atitudes em relação à polícia”. Essas atitudes envolviam as percepções da
população sobre o desempenho da polícia em termos de resposta às demandas da comunidade,
prevenção da criminalidade e educação no trato com os moradores. Ivkovic (2008), por sua vez,
num dos poucos estudos internacionais comparativos sobre o tema, analisou os determinantes
do que chamou de “apoio público à polícia”, um conceito que abarcava as percepções dos
cidadãos sobre a confiabilidade e o desempenho da polícia no combate ao crime.
Outros estudos têm se dedicado a analisar atitudes específicas tais como a legitimidade e
a confiança. Tyler e colaboradores (TYLER, 2004; SUNSHINE & TYLER, 2003 E TYLER & HUNO,
2002), Murphy et. al. (2008) e outros, por exemplo, analisaram recentemente as origens e as
consequências das percepções dos indivíduos sobre a legitimidade da polícia. Nesses estudos, a
legitimidade foi definida como o atributo que confere a uma instituição ou autoridade o direito
de ter os seus comandos obedecidos. Apesar dessa definição, a operacionalização do conceito
incluía não apenas questões referentes à disposição das pessoas em obedecer à polícia.
Questões relativas à confiança e aos sentimentos afetivos dos entrevistados em relação à
instituição policial também foram usadas para mensurar a legitimidade, tornando o conceito
confuso, como observou Hawdon (2008).
Já autores como Cão. et. al. (1996), Kääriänen (2007) e Goldsmith (2005) discutiram as
atitudes de confiança e desconfiança dos cidadãos em relação à polícia. Cão et. al. buscou
entender os determinantes da confiança na polícia, que foi mensurada através de questões
relativas à crença dos entrevistados sobre a polícia ser responsiva, preocupada com a segurança
da vizinhança, capaz de manter a ordem e proteger os cidadãos contra o crime. Kääriänen, num
estudo comparativo sobre a confiança na polícia em 16 países europeus, procurou analisar o
fenômeno na mesma linha da literatura de ciência política discutida anteriormente. O conceito de
confiança, neste caso, foi operacionalizado a partir da questão usualmente empregada em
surveys de ciência política para mensurar esse fenômeno, ou seja, uma pergunta na qual o
entrevistado, após observar um cartão com várias instituições públicas e algumas privadas, é
questionado a respeito do seu grau de confiança em cada uma das instituições2. Goldsmith, por
sua vez, não realizou análise empírica; apenas explorou teoricamente a noção de confiança e sua
relação com o policiamento tendo em vista a questão da reforma da polícia nos países pósautoritários. Do mesmo modo que Kääriänen, Goldsmith também partiu da literatura mais ampla
2
Nos surveys de ciência política essa questão tem sido mensurada tanto em escalas ordinais quanto contínuas. No
trabalho de Kääriänen foi utilizada uma escala contínua. Pedia-se para o entrevistado atribuir uma nota de 0 a 10 para
cada uma das instituições perguntadas, sendo que 0 significava nenhuma confiança e 10 confiança total.
6
sobre confiança política para discutir os fatores estruturais e de desempenho que concorreriam
para gerar desconfiança na polícia em sociedades com democracias não-consolidadas.
Independentemente do foco da análise ser as atitudes gerais dos cidadãos em relação à
polícia ou atitudes específicas que remetem à legitimidade e a confiabilidade desta instituição
(variáveis dependentes), esses fenômenos têm sido explicados basicamente através de variáveis
de três tipos: sóciodemográficas, contextuais e institucionais. Recentemente, Goldsmith (2005)
propôs algumas variáveis explicativas histórico-estruturais, mas pouco foi dito sobre como testálas.
Ao nível individual, os trabalhos têm dado atenção ao impacto da identidade étnica (ou
raça, como a maior parte da literatura americana prefere), condição sócio-econômica, idade,
gênero e contato com a polícia sobre as atitudes dos cidadãos em relação a esta instituição.
Como informaram Brown e Bento (2002) em artigo que revisou mais de 100 trabalhos sobre o
tema, a única variável individual em torno da qual parece haver algum consenso quanto ao
impacto nas percepções dos cidadãos sobre a polícia é a idade. Os estudos são praticamente
unânimes em afirmar que os mais jovens vêem a polícia mais negativamente do que os mais
velhos. Segundo Brown e Bento (2002, p. 558), uma explicação possível para esse fenômeno é
que os jovens tendem a valorizar e se engajar com mais freqüência em comportamentos ilegais.
Como a polícia atua na domesticação de tais comportamentos, os jovens a veriam de modo mais
crítico. Correia et. al. (1996) também deu relevo à explicação semelhante. Segundo ele, os
indivíduos mais jovens tendem a valorizar a sua liberdade, enquanto outros grupos etários são
mais orientados para a segurança. Outra explicação possível prende-se ao fato de alguns dos
principais problemas criminais estarem concentrados na população mais jovem, razão pela qual
as pessoas com esse perfil demográfico estariam mais propensas a terem contatos negativos
com a polícia (CORREIA ET. AL, 1996, p. 18).
O argumento de que populações supostamente super-representadas no universo
criminal, seja como vítimas ou perpetradores de crimes, teriam mais contatos negativos com a
polícia e por isso cultivariam visões mais negativas sobre esta instituição também tem sido usado
para explicar os achados de muitos outros estudos de que pessoas do sexo masculino, de baixa
renda e negras têm uma percepção menos favorável da polícia. De fato, ao menos em relação
aos homicídios, tantos nos Estados Unidos quanto no Brasil as pesquisas de vitimização e os
dados do Sistema de Justiça Criminal apontam que as vítimas e os ofensores são homens, jovens,
não-brancos (negros e pardos) e de baixa renda e escolaridade. No caso do Brasil, sabemos que
homens entre 15 e 39 anos representam mais de 70% do total de vítimas de homicídio intencional
e mais de 90% das vítimas de sexo masculino (Musumeci, 2002). Por outro lado, também há
evidências de que pessoas com esse perfil demográfico e sócio-econômico são os alvos
7
preferenciais das ações policiais. Nos Estados Unidos existe farta evidência de filtragem racial
(racial profiling) em abordagens policiais. Em rodovias, por exemplo, estudos mostram que
motoristas negros são muito mais parados do que motoristas brancos. Surveys de opinião
também mostram que os negros têm cinco vezes mais chances de narrarem uma situação na
qual foram desrespeitados pela polícia do que os brancos (WEITZER E TUCH, 1999). No Brasil,
pesquisa realizada por Ramos e Musumeci (2004) na cidade do Rio de Janeiro encontrou indícios
de que, nas abordagens policiais, a probabilidade de ser vítima de ameaça, intimidação, coação e
violência física ou psicológica é maior para os jovens, negros e pobres.
Contudo, na literatura inglesa sobre policiamento não há consenso em relação ao
argumento de que pessoas do sexo masculino, negras e de baixa condição sócio-econômica são
mais suscetíveis a contatos negativos com a polícia e, por essa razão, mais desconfiadas. No caso
da identidade étnica, por exemplo, a grande maioria dos surveys realizados nos Estados Unidos e
Inglaterra indicam que as minorias, especialmente os negros, têm visões mais negativas da
polícia do que os brancos3. Todavia, pesquisas recentes conduzidas em áreas metropolitanas
racialmente diferentes indicam que os efeitos da raça são influenciados não apenas pela variável
contato com a polícia, mas também por outras variáveis contextuais relacionadas às condições
de vizinhança e das cidades. Os estudos sobre os efeitos do contato com a polícia, por sua vez,
também não são unânimes. Como observaram Brown e Bento (2002), muitos estudiosos
encontraram uma ligação entre contatos negativos com a polícia e percepções negativas sobre a
polícia, mas esses estudos estão baseados na avaliação subjetiva dos entrevistados acerca da
natureza do contato que tiverem com a polícia. No mais, alguns estudos indicam que ter
passagem pela polícia e receber uma autuação de trânsito não produz avaliações negativas sobre
a polícia, como era esperado.
As pesquisas relativas ao impacto das variáveis contextuais também têm produzido
resultados múltiplos, como mostraram Brown e Bento (2002). As principais variáveis que os
estudiosos têm considerado em seus modelos são: experiência de vitimização, medo do crime e
percepções sobre as condições de segurança da vizinhança. A suposição por trás dessas variáveis
é a de que nos contextos em que o crime ou os sinais de desordem são mais salientes na vida das
pessoas, a confiança na polícia é prejudicada. Os estudos empíricos, no entanto, não são
consensuais a respeito dos efeitos dessas variáveis. Cao et. al. (1996), por exemplo, testou o
impacto das varáveis contextuais (i) percepções dos cidadãos sobre desordem na vizinhança, (ii)
disposição para prover segurança coletiva informalmente, (iii) experiência de vitimização e (iv)
medo do crime sobre a confiança na polícia e descobriu que, quando testadas conjuntamente,
3
Nos Estados Unidos, a maior parte das pesquisas que incluíram os hispânicos na análise também apontaram que eles
vêem a polícia mais negativamente do que os brancos, embora não tão negativamente quanto os negros.
8
somente as duas primeiras variáveis tinham poder explicativo; raça também não apresentou
nenhuma relação significativa com as atitudes dos cidadãos em relação à polícia. Outros estudos
detectaram uma ligação entre vitimização e avaliações negativas da polícia, mas alguns trabalhos
não encontraram essa relação ou a encontraram em sentido oposto ao esperado. Este último
caso foi constatado por Thurman e Reisig (apud. BROWN E BENTO, 2002, p. 555), que numa
determinada cidade descobriram que as vítimas de crime avaliavam a polícia menos
positivamente do que as não vítimas, resultado que se mostrou inverso quando o estudo foi
replicado em outra cidade. Sobre o medo de vitimização, vários estudos também encontraram
que os entrevistados que temiam o crime em sua vizinhança avaliavam a polícia negativamente,
mas outros estudos não detectaram correlação entre medo do crime e atitudes em relação à
polícia.
No que diz respeito às variáveis de percepção institucional, as evidências estão mais bem
consolidadas. Estudos nesse campo têm focado nos determinantes da legitimidade e
confiabilidade da polícia. Além do contato com a polícia, as principais variáveis institucionais que
têm sido exploradas são as referentes aos julgamentos de desempenho da polícia em termos de
combate ao crime e as avaliações sobre o modo como a polícia exerce sua autoridade e se
relacionada com os cidadãos (distributive justice e procedural justice). A hipótese amplamente
respaldada pelos estudos empíricos é a de que a credibilidade e a legitimidade da polícia são
determinadas principalmente pelos julgamentos da população a respeito dos procedimentos
utilizados pela polícia ao lidar com o público: se esses procedimentos são percebidos como
corretos e justos, a polícia é considerada legítima e confiável (MASTROFSKI ET. AL., 1996; TYLER
& HUO, 2002; TYLER, 2004; MURPHY ET. AL., 2008). Tyler & Huo (2002), por exemplo, num
estudo com moradores de Oakland e Los Angeles constataram que as avaliações sobre
procedural justice produziam efeitos mais forte sobre as percepções de legitimidade da polícia do
que os julgamentos sobre desempenho ou qualquer outra variável demográfica. Sunshine & Tyler
(2003) encontraram resultados semelhantes em surveys aplicados na cidade de Nova Iorque.
Murphy et. al. (2008) também chegou à mesma conclusão ao analisar uma amostra de uma
cidade de médio porte da Austrália. Em conjunto, esses resultados sugerem que a confiabilidade
e a legitimidade da polícia dependem primordialmente das percepções dos cidadãos sobre o
modo como a polícia exerce sua autoridade, independentemente do impacto das demais
variáveis individuais, contextuais e de percepção institucional.
Visto em conjunto, os trabalhos de língua inglesa sobre policiamento mostram que, com
exceção das variáveis de percepção institucional, há pouco consenso a respeito de quais seriam
os determinantes das atitudes dos cidadãos em relação à polícia. Sabe-se também pouco sobre
os determinantes de atitudes específicas tais como desconfiança, não aceitação ou insatisfação
9
em relação ao desempenho da polícia. Isso porque, diferentemente da literatura sobre a
desconfiança em instituições políticas em geral, que tem trabalhado com uma perspectiva teórica
multidimensional na qual as atitudes políticas dos cidadãos são decompostas e analisadas em
suas várias dimensões e inter-relações, a literatura específica sobre policiamento tem abordado
as atitudes dos cidadãos em relação à polícia de maneira genérica e até mesmo confusa. Vários
trabalhos dessa literatura reconhecem a existência de diferentes atitudes em relação à polícia,
mas essas atitudes estão por vezes subsumidas em categorias analíticas mal definidas ou
demasiadamente genéricas. Como dito, essa literatura está mais preocupada em explorar os
determinantes das visões negativas em relação à polícia do que distinguir entre atitudes distintas
para então analisá-las separadamente.
UM MODELO PARA ANALISAR AS CAUSAS DA DESCONFIANÇA NA POLÍCIA
Analogamente ao modo como Norris (1999), Moisés (2005 e 2008) e outros têm tratado
as atitudes de apoio político, este trabalho parte da premissa de que as atitudes dos cidadãos em
relação à polícia também devem ser encaradas de forma multidimensional. Do ponto de vista
teórico é possível distinguir ao menos três conjuntos de atitudes e comportamentos que
remetem a diferentes aspectos da existência e funcionamento das instituições policiais: (i) as
atitudes de aceitação e rejeição da polícia, que indicariam em que medida a instituição policial é
legítima; (ii) as atitudes de confiança e desconfiança, que apontariam para o grau em que a
polícia atua em conformidade aos valores e princípios que justificam a sua existência; e (iii) as
atitudes de satisfação e insatisfação, que remeteriam ao desempenho momentâneo da polícia no
combate ao crime. Ao invés de considerar que (não) aceitação, (des)confiança e (in)satisfação
com o trabalho da polícia são atitudes que compõem um único construto analítico, parte-se aqui
do pressuposto de que essas atitudes são teoricamente distintas e que, portanto, devem ser
analiticamente separadas. Essa distinção é fundamental para que se entendam as inter-relações
dessas três atitudes, suas implicações e quais fatores concorreriam para sua existência.
O foco deste trabalho está nas atitudes individuais de desconfiança dos cidadãos em
relação à polícia. Tendo como referência autores como Offe (1999), Norris (1999) e Moisés (2005
e 2008), sustenta-se que essas atitudes estão baseadas na percepção dos indivíduos de que a
polícia, em seu funcionamento concreto, não corresponde às expectativas éticas e normativas
associadas à sua existência. Entendida nesses termos, a desconfiança difere das atitudes de não
aceitação da polícia, que estão ancoradas na crença dos cidadãos de que a polícia e seus
procedimentos não constituem a forma mais apropriada para a manutenção da ordem e provisão
de segurança vis-à-vis a outras formas alternativas: vigilantismo, narcotráfico, gangues, grupos
de extermínio, milícias, segurança privada, etc. As atitudes de desconfiança também diferem das
10
atitudes de insatisfação com a polícia, que estão baseadas em avaliações negativas,
instrumentais e momentâneas acerca dos resultados obtidos pela polícia no combate ao crime
(desempenho da polícia). Enquanto as atitudes de aceitação ou rejeição da polícia constituiriam
um indicador direto de legitimidade, e as atitudes de satisfação ou insatisfação um indicador da
percepção de desempenho, as atitudes de confiança e desconfiança indicariam a confiabilidade
da polícia, ou seja, o grau em que a polícia é percebida como sendo capaz de cumprir
adequadamente com sua missão institucional: implementar lei e ordem com respeito às regras
que regem o devido processo legal. Assim, a desconfiança seria uma atitude intermediária,
situada entre a não-aceitação e a insatisfação com a polícia. Aproximar-se-ia da noção de
insatisfação pelo fato de ser uma atitude negativa em relação à instituição policial, mas se
distanciaria por não expressar uma avaliação momentânea e meramente instrumental, e sim uma
percepção mais persistente e ao mesmo tempo racional e valorativa. Neste aspecto, a
desconfiança estaria mais próxima à atitude de não-aceitação, que é fortemente valorativa e por
isso mais estável no tempo. Mas, diferentemente da não-aceitação, a desconfiança não implicaria
numa atitude ou comportamento de rejeição da polícia. A desconfiança implicaria apenas em
atitudes de cinismo e descrédito quanto ao funcionamento da instituição policial.
Embora teoricamente faça sentido diferenciar insatisfação, desconfiança e rejeição à
polícia, é importante reconhecer que essas três atitudes podem aparecer fortemente associadas.
A insatisfação continuada pode levar à desconfiança, pois sinalizaria aos cidadãos que a polícia é
incapaz de prover segurança e assim fazer jus a sua razão de ser. A desconfiança na polícia, por
sua vez, pode levar a uma atitude de rejeição a esta instituição e ao apoio ou aceitação de
métodos alternativos e antidemocráticos de controle do crime. Como pesquisas etnografias nos
Estados Unidos e no Brasil constataram, populações expostas à violência criminal de grande
intensidade e descrentes na intervenção saneadora da polícia tendem a demandar ordem à
margem da lei (PAIXÃO, 1991; CARDIA, 1997; MACHADO E NORONHA, 2002; OLIVEIRA ET. AL.,
2008; SHIRLEY, 1997, dentre outros). No caso de uma desconfiança extremada, essa demanda
pode se traduzir em rejeição à polícia e apoio a ações de atores não-estatais que se disponham a
prover segurança. Foi o que descobriu, por exemplo, Shirley (1997) em estudo realizado entre
1985 e 1988 na maior favela de Porto Alegre. A autora constatou que o temor e ódio da
população em relação à polícia levaram os moradores a recorrer à gangue local para resolver os
problemas de segurança da comunidade. Evidentemente, isso só foi possível porque a população
confiava mais na gangue local (elementos nativos) do que na polícia.
Dado esse entendimento de desconfiança, a hipótese principal a ser analisada por este
trabalho é a de que a desconfiança na polícia é explicada por déficits institucionais, e não
contextual, cultural ou sócio-demograficamente. As razões para os cidadãos desconfiarem da
11
polícia não estariam em fatores ambientais associados às condições de segurança da vizinhança.
Também não estariam em fatores culturais relacionados à maior ou menor confiança
interpessoal, ou ainda em fatores de natureza sócio-demográfica. As explicações para os
indivíduos desconfiarem da polícia residiriam na própria polícia. Como vem sustentando Offe
(1999), Norris (1999) e Moisés (2005 e 2008), as instituições inspiram confiança quando,
coerentes com seus fundamentos legais e sua legitimidade, sinalizam imparcialidade,
universalismo, probidade e justeza na relação com os cidadãos. Contrariamente, despertam
desconfiança quando são percebidas como parciais, anti-republicanas, corruptas e injustas. No
caso da polícia, a desconfiança ocorreria diante das situações em que os cidadãos percebem que
seus direitos são desrespeitados em nome do combate à criminalidade, ou quando percebem
que a polícia é incapaz de controlar o crime, ou ainda quando estão convencidos da existência do
que Paixão e Beato (1997) chamaram de uma polícia de gente, dócil em relação aos privilégios de
classe e status, e uma polícia de moleque, nunca hesitante em usar o chicote para a domesticação
das rebeldias individuais e coletivas das classes baixas. Assim, tratamento desrespeitoso e
desigual, corrupção, uso abusivo da força, discriminação, incapacidade de controlar o crime e
outros déficits de natureza institucional explicariam por que os cidadãos desconfiam da polícia.
Na esteia da literatura anglo-saxão sobre policiamento, a hipótese secundária a ser
testada por este trabalho é a de que os déficits institucionais percebidos pela população não
produzem desconfiança de maneira uniforme. Nos termos dos trabalhos de Tyler e
colaboradores, sustenta-se que a dimensão procedural e distributive justice têm mais impacto
sobre a confiabilidade da polícia do que a dimensão desempenho. Em outras palavras, as
percepções públicas sobre o modo como a polícia exerce sua autoridade e se relaciona com os
cidadãos é o fator mais importante para a conformação das atitudes de confiança e
desconfiança, embora o desempenho da polícia no combate à criminalidade também importe. A
desconfiança seria explicada principalmente pela percepção pública de que a polícia não trata os
cidadãos de maneira justa e legal.
ANÁLISE DOS DADOS
A DESCONFIANÇA NA POLÍCIA NO BRASIL
Estudos anteriores baseados em dados do Latinobarômetro já haviam apontado que os
níveis de confiança em instituições políticas nas novas democracias latino americanas, incluindo o
Brasil, são baixos (LAGOS, 1997; RENNÓ, 2001; LOPES, 2004; E MOISÉS, 2008). Os dados da
pesquisa A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições Democráticas confirmam o fenômeno,
como mostra o gráfico 1. As instituições de representação são as que apresentam o maior nível
de desconfiança, com destaque para os partidos - apenas 19% dos brasileiros dizem ter muita ou
12
alguma confiança em partidos políticos. Empatados em quarto lugar estão o sistema legal e a
polícia. Cerca de 62% dos brasileiros desconfiam da polícia e das leis. O fenômeno não é particular
ao Brasil. A desconfiança na polícia e nas demais instituições políticas também é elevada nos
países pós-comunistas, como mostraram Ivkovic (2008) e Mishler e Rose (2001 e 2005). Para os
países desenvolvidos da Europa e América do Norte, no entanto, esses resultados são invertidos
quando se considera apenas a polícia: 2/3 ou mais dos cidadãos confiam na polícia. No caso da
Suécia, Finlândia e Canadá, mais de 80% das pessoas dizem ter muita ou alguma confiança na
polícia (IVKOVIC, 2008).
Gráfico 1. Confiança e Desconfiança em Instituições Públicas - Brasil (2006)
Bombeiros
Forças Armadas
Poder Judiciário
Presidente
Polícia
Leis do país
Governo
Congresso Nacional
Partidos Políticos
0
10
20
30
40
Confiança*
50
60
70
80
90
100
%
Desconfiança**
Fonte: Pesquisa A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições Democráticas
* "Muita confiança" e "alguma confiança"; exclui os que não responderam e os que não souberam responder;
** "Pouca confiança" e "nenhuma confiança"; exclui os que não responderam e os que não souberam responder.
A elevada desconfiança na polícia contrasta com o reconhecimento de que a polícia é
uma instituição fundamental para o país, o que pode ser considerado um indicador de
legitimidade. Quase 90% das pessoas acreditam que a polícia deva existir para o país ir em frente
(gráfico 2). A atuação da polícia também é percebida de uma forma mais positiva do que sua
confiabilidade: 43% consideram ótima ou boa sua atuação, 15% consideram regular e 42% vêem-na
como ruim ou péssima (gráfico 3). Esses dados indicam o quão complexa são as atitudes dos
cidadãos em relação à polícia e também a pertinência de tratá-las separadamente. A aceitação da
instituição policial, o grau de confiança e de satisfação com a sua atuação não são atitudes que se
equivalem e se distribuem igualmente entre a população, embora em determinadas situações
essas atitudes possam se associar fortemente.
13
Gráfico 2. Importância da Polícia em Comparação com Outras Instituições - Brasil (2006)
Deputados e Senadores
Partidos Políticos
Ministros
Governadores
Polícia
Prefeituras
Tribunais de Justiça
Presidente da República
0
10
20
30
40
50
Tem que ter para o país ir em frente
60
70
80
90
100
%
Não tem que ter para o país ir em frente
Fonte: Pesquisa A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições Democráticas
* Exclui os que não souberam responder e os que não responderam
Gráfico 3. Avaliação da Atuação da Polícia - Brasil (2006)
Ótima
3%
Péssimo
11%
Boa
40%
Ruim
31%
Regular
15%
Fonte: Pesquisa A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições Democráticas
* Exclui os que não souberam responder e os que não responderam
Mas quando os cidadãos brasileiros dizem ter pouca ou nenhuma confiança na polícia, de
qual polícia estão falando? A Constituição Federal de 1988, em seu art. 144, estabeleceu cinco
órgãos policiais no Brasil: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal,
Polícias Civis e Polícias Militares4. Dentre essas forças policiais, destacam-se três: as Polícias
Militares, as Polícias Civis e a Polícia Federal. As duas primeiras são organizadas pelos estados e
são as que os cidadãos comuns têm mais contato. A Polícia Militar é incumbida do policiamento
ostensivo e, por isso, está em contato permanente e intenso com o público5. A Polícia Civil é
4
Os corpos de bombeiros foram definidos como parte das Polícias Militares.
5
Dentre as dezenas de funções efetivamente desempenhadas pelas Polícias Militares estão as de: i) realizar operações
para a captura de criminosos ou apreensão de armas, drogas ou contrabando no estado em que atua; ii) atender
diretamente a população, ajudando no transporte de doentes, na orientação de pessoas em dificuldades, na pacificação
de disputas domésticas, no encaminhamento da população carente aos órgãos responsáveis por problemas de
saneamento, habitação, etc; iii) fazer o policiamento especializado em áreas turísticas, estádios, grandes eventos e
festas populares; iv) controlar e orientar o trânsito, mediante convênios com as prefeituras; iv) fiscalizar e controlar a
14
responsável pela investigação de crimes e pelo papel de polícia judiciária nos estados. Seu
contato com o público é menos intenso e geralmente ocorre quando é demanda para a
instauração de procedimento investigatório sobre crimes ou para realizar identificação civil nos
estados onde mantém órgão para isso. A Polícia Federal, força policial organizada pela União, é
mais especializada em suas atribuições e por isso menos presente no cotidiano dos cidadãos.
Dentre as atribuições constitucionais da Polícia Federal estão as de: i) apurar infrações penais
contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de
suas entidades autárquicas e empresas públicas, bem como outras infrações cuja prática tenha
repercussão interestadual ou internacional; ii) prevenir e reprimir o tráfico ilícito de
entorpecentes, o contrabando e o descaminho; iii) exercer as funções de polícia marítima,
aeroportuária e de fronteiras; iv) e exercer o papel de polícia judiciária da União. Dadas essas
atribuições, os cidadãos tendem a ter pouco contato com a Polícia Federal, que interage mais
intensamente com o público em situações relacionadas ao deslocamento de pessoas para além
das fronteiras territoriais brasileiras: emissão de passaportes, checagem em postos de fronteira,
etc. Todavia, a Polícia Federal adquiriu grande visibilidade a partir de 2003 através de operações
especiais de combate à corrupção e outros crimes de colarinho branco. Assim, é difícil saber ao
certo se quando os cidadãos são questionados a respeito da polícia respondem tendo em mente
a atuação de uma dessas forças policiais específicas ou se avaliam o conjunto das instituições
incumbidas de manter a ordem e prover segurança pública: a instituição polícia de forma
genérica.
Há índicos de que a maioria dos cidadãos avalia a polícia de uma forma genérica,
considerando aquelas instituições que estão mais próximas do seu dia-a-dia: a Polícia Militar e a
Polícia Civil. Parece também que a desconfiança na polícia é um fenômeno com alguma
estabilidade no tempo. Dados da Pesquisa Social Brasileira (PESB) de 2002 mostram que naquele
ano mais de 2/3 dos cidadãos também desconfiavam da polícia. Quando os entrevistados foram
questionados diretamente sobre se a polícia inspirava confiança ou não inspirava confiança,
67,3% dos que responderam a essa questão disseram que ela não inspirava confiança. Perguntas
específicas sobre a confiança na Polícia Militar, Polícia Civil e Polícia Federal na PESB de 2002
trazem um grande número de casos missing (pouco mais da metade da amostra), mas dentre os
que responderam cerca de 75% disseram “não confiar” e “confiar pouco” na Polícia Militar e na
frota de veículos, em ações integradas com outros órgãos públicos; v) atuar na preservação da flora, da fauna e do meio
ambiente, através de batalhão especializado; iv) fazer o serviço de segurança externo das unidades prisionais e na
escolta de presos de alta periculosidade; v) fazer serviços de segurança de Fóruns de Justiça; vi) apoiar oficiais de Justiça
em situações de reintegração de posse e outras determinações judiciais com risco; vii) trabalhar na segurança de
dignitários, de testemunhas ou pessoas sob ameaça; viii) apoiar órgãos públicos, estaduais e municipais, em atividades
como ações junto à população de rua e trato com crianças e adolescentes em situação de risco social, etc.
15
Polícia Civil. A Polícia Federal saiu-se melhor, mas mesmo assim a maioria da população
desconfiava desta instituição em 2002 - 59,3% disseram não confiar e confiar pouco (gráfico 4).
Gráfico 4: Desconfiança na Polícia Militar, Polícia Civil e Polícia Federal - Brasil (2002)
Polícia Federal
Polícia Civil
Polícia Militar
0
10
20
30
40
50
Confiança*
60
70
80
90
100
%
Desconfiança**
Fonte: PESB 2002
* "Confia" e "confia muito"; exclui os que não responderam e os que não souberam responder;
** "Não confia" e "confia pouco"; exclui os que não responderam e os que não souberam responder.
O caso da Polícia Federal parece bastante singular não apenas por esta instituição
apresentar níveis de desconfiança diferentes daqueles das forças policiais estaduais, mas
também por pesquisas recentes patrocinadas pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
apontarem que a Polícia Federal atualmente disputa com as Forças Armadas o posto de
instituição pública mais confiável do país. A partir de uma amostra representativa da população
adulta brasileira com acesso à rede telefônica, sondagens realizadas em nome da AMB em 2007 e
2008 mostraram que a Polícia Federal detinha a confiança de 75,5% e 70% da população,
respectivamente. O crescimento vertiginoso da confiança na Polícia Federal entre 2002 e 2007
dificilmente pode ser explicado somente por uma diferença nas amostras e nos métodos de
pesquisa usados pela PESB e pela AMB. A reestruturação pela qual passou a Polícia Federal no
período e o seu maior engajamento no combate aos crimes de colarinho branco, ao lado da
imensa visibilidade que adquiriu, certamente são fatores fundamentais para explicar o
crescimento da confiança nesta instituição.
Levando em conta as particularidades da Polícia Federal em termos de atribuições e da
visibilidade que adquiriu nos últimos anos, as hipóteses desse trabalho talvez não sejam as mais
adequadas para explicar as variações da confiança nesta instituição, que merece um estudo
específico. De qualquer modo, os dados das diferentes pesquisas citados acima parecem sugerir
que, quando questionados sobre a confiabilidade da polícia, os cidadãos consideram em suas
respostas as instituições responsáveis pela implementação de lei e ordem em geral,
especialmente as que estão mais próximas do seu cotidiano: a Polícia Civil e, principalmente, a
16
Polícia Militar. E o grau de confiabilidade destas instituições parece ser um fenômeno
relativamente estável no tempo, sendo que a grande maioria dos brasileiros desconfia da polícia.
TESTANDO AS CAUSAS DA DESCONFIANÇA
Para testas as hipóteses levantadas anteriormente sobre as causas da desconfiança na
polícia recorreu-se aos dados da PESB. Esta pesquisa realizou 2.364 entrevistas domiciliares entre
18 de julho e 5 de outubro de 2002. Para a definição da amostra foram utilizados os dados da
contagem de 1996 do IBGE e a divisão político-administrativa brasileira (cinco regiões, 26 estados
mais o Distrito Federal e 5.507 municípios). A partir daí, foram sorteados 102 municípios e, destes,
27 foram considerados auto-representativos (as capitais dos estados) e 75 não-representativos. A
amostra foi probabilística, com três estágios de seleção. No primeiro estágio, 102 unidades
primárias de amostragem (UPAs), ou municípios, foram selecionados probabilisticamente e
proporcionalmente ao tamanho. No segundo estágio, 280 unidades secundárias de amostragem
(USAs) - setores censitários - foram selecionadas probabilistica e proporcionalmente em cada
município. No terceiro estágio, os domicílios foram selecionados proporcionalmente ao tamanho
de forma sistemática. No final, um adulto foi selecionado aleatoriamente dentro de cada
domicílio para responder à pesquisa. Para reduzir custos, todos os municípios com até 20 mil
habitantes das regiões Norte e Centro-Oeste foram excluídos. Com isso, o equivalente a 3,1% da
população ficou de fora da população amostrada.
Dentre as várias temáticas abordadas pela PESB há uma dedicada às opiniões dos
cidadãos em relação à violência, criminalidade e segurança pública. A análise foi operacionalizada
com questões referentes a essa temática. Para compor a variável dependente “desconfiança na
polícia” recorreu-se à questão que perguntava diretamente aos cidadãos sobre a confiabilidade
da polícia (Questão 254): Na sua opinião, a polícia inspira confiança ou não inspira confiança? Como
colocado anteriormente, 67,3% dos que responderam a essa questão disseram que a polícia não
inspirava confiança. A opção em usar esta questão como variável dependente em detrimento das
questões da PESB que perguntavam aos cidadãos o seu grau de confiança na Polícia Militar, Civil
e Federal deve-se a três razões: o grande número de casos missing presente nas questões
específicas sobre as três forças policiais; o fato de as demais questões da PESB (exceto questões
sobre o desempenho das forças policiais) não distinguirem entre Polícia Militar, Civil e Federal; e
a suspeita mencionada anteriormente de que quando os cidadãos são indagados sobre a polícia
respondem tendo em mente a polícia enquanto instituição geral, embora provavelmente tenham
como referência aquelas forças policiais mais presentes em seu cotidiano.
Variáveis explicativas de diferentes tipos foram operacionalizadas a partir das questões
da PESB: variáveis de percepção institucional; variáveis contextuais e variáveis culturais e
17
sóciodemográficas. As variáveis de percepção institucional utilizadas foram “desempenho da
polícia”, “forma como a polícia trata os cidadãos” e “contato com a polícia”. As variáveis
contextuais operacionalizadas foram quatro: “experiência direta de vitimização” “experiência
indireta de vitimização”, “percepção de segurança na vizinhança” e “criminalidade na
vizinhança”. Já as variáveis culturais e sóciodemográficas incluídas na análise foram “confiança
interpessoal”, “gênero”, “idade”, “cor” e “escolaridade”. O anexo 1 resume as questões
utilizadas para compor essas variáveis, explica a metodologia adotada e especifica os efeitos
esperados para cada variável.
Para testar os efeitos das variáveis contextuais, culturais, sóciodemográficas e de
percepção institucional sobre a desconfiança na polícia recorreu-se a um modelo de regressão
logística, adequado quando a variável dependente é uma dummy, caso da variável em estudo.
Inicialmente, foram construídos modelos separados para cada conjunto de variáveis (modelos 1,
2 e 3). Em seguida, foi construído um modelo geral com todas as variáveis que apresentaram
significância estatística nos modelos separados (modelo 4). Por fim, um último modelo foi
ajustado na tentativa de se obter estimadores mais precisos. Para todos os modelos foi realizado
diagnóstico de multicolineariedade e de pontos influentes, tal como sugeridos por Maroco
(2007). Nenhum dos modelos apresentou problemas dessa natureza. A tabela 1 mostra as razões
de chance (O.R), a significância das variáveis testadas (sig) e as estatísticas de ajustamento e
qualidade dos modelos construídos. O anexo 2 traz o output completo fornecido pelo software
SPSS (v. 17) para o modelo 4.
Tabela 1: Razões de chance e significância das variáveis explicativas da desconfiança na polícia
Modelo 1
O.R. sig
Variáveis culturais/sociodemográficas
Não confia nas pessoas
Cor (preto)
Gênero (homem)
Idade (jovens: 18-24)
Escolaridade baixa
Escolaridade média
Variáveis contextuais
Vizinhança insegura
Vizinhança com crimes
Experiência direta de vitimização
Experiência indireta de vitimização
Variáveis de percepção institucional
Desempenho insatisfatório
Não trata os cidadãos de maneira justa
Teve contato com a polícia
N. do modelo
-2 Log Likelihood (-2 LL)
2,071
1,067
0,887
1,356
0,241
0,508
Modelo 2
O.R. sig.
Modelo 3
O.R. sig.
Modelo 4
O.R. sig.
*
1,159
**
*
*
1,234
0,527
0,678
1,047
1,133
1,085
1,141
*
*
**
*
Modelo 5
O.R. sig.
1,035
1,031
1,022
1,027
Pseudo R 2 de Nagelkerke
2.184
2.655,216
0,031
1.699
2.025,353
0,112
1,119 *
2,001 *
0,850
1.435
1.017,643
0.586
Hosmer & Lemeshow (X 2HL)
p. 0,463
p. 0,355
p. 0.334
* p < 0,01; ** p < 0,05;
18
1,086 *
1,960 *
1,117
1,999
*
*
1.432
1.017,643
0,586
1.803
1.280,771
0,581
p. 0.067
p. 0,202
O modelo geral (modelo 4) mostra que apenas as variáveis relativas ao modo como a
população percebe o desempenho da polícia e o modo como a polícia trata os cidadãos
apresentam significância estatística. Os modelos sem essas variáveis apresentam ajustes ruins
(modelos 1 e 2), ao passo que o modelo contendo apenas essas duas variáveis (modelo 5) é capaz
de explicar satisfatoriamente a desconfiança na polícia. O p-valor do teste de Hosmer &
Lemeshow para o modelo reduzido a essas duas variáveis é maior do que 0,05 (nível de
significância adotado), indicando que o modelo ajusta-se aos dados6. Esse modelo é capaz de
classificar corretamente 67,13% das pessoas que consideraram que a polícia inspirava confiança
(especificidade do modelo) e 93,1% das pessoas que disseram que a polícia não inspirava
confiança (sensibilidade do modelo), o que dá um percentual geral de casos corretamente
classificados igual a 85%. O pseudo R2 de Nagelkerke indica que o modelo reduzido às duas
variáveis de percepção institucional explica cerca de 58% da quantidade de variação da variável
desconfiança, valor semelhante ao obtido no modelo 47.
Do ponto de vista do efeito, as razões de chance das duas variáveis institucionais que
apresentaram significância estatística comportaram-se conforme o esperado, confirmando as
hipóteses deste trabalho. A chance de alguém considerar que a polícia não inspira confiança
aumenta à medida que aumenta a percepção de que as forças policiais não alcançaram
resultados satisfatórios no combate à criminalidade nos últimos 12 meses. A probabilidade de
uma pessoa desconfiar da polícia aumenta em 11,7% a cada variação negativa no índice que mede
o desempenho das forças policiais em termos de resultados. Essa probabilidade é muito maior
quando se considera a variável relacionamento da polícia com os cidadãos. À medida que cresce
a percepção das pessoas de que a polícia se relaciona com os cidadãos de maneira injusta,
aumenta as chances de elas desconfiarem da polícia. Cada variação negativa no índice que mede
a forma como a polícia se relaciona com os cidadãos praticamente dobra a probabilidade de as
pessoas desconfiarem da polícia.
As variáveis contextuais, culturais e sociodemográficas que apresentaram significância
estatística nos modelos individuais não apresentaram significância quando controladas pelas
variáveis de percepção institucional (modelo 4). A surpresa aqui fica por conta da variável idade,
que prediz atitudes negativas em relação à polícia na maior parte dos trabalhos da literatura de
língua inglesa, não ter apresentado efeito estatisticamente significativo. A variável institucional
referente ao contato com a polícia também não apresentou significância. Embora o modo como
6
O teste de Hosmer & Lemeshow permite testar a significância do ajustamento do modelo com todas as variáveis. O teste
avalia se os valores estimados pelo modelo são próximos dos valores observados (H0 verdadeira, com p-value ≥ α),
situação na qual o modelo ajustar-se-ia aos dados. Para mais detalhes ver Maroco (2007).
7
O pseudo R de Nagelkerke pode assumir valores entre 0 (o modelo não explica nenhuma variância da variável
dependente) e 1 (o modelo explica 100% da variância da variável dependente – ajuste perfeito).
2
19
essa variável foi operacionalizada não seja ideal, o fato de as demais variáveis de percepção
institucional predizerem a desconfiança na polícia sugere que as pessoas têm visões sobre o
funcionamento da polícia que independem do fato de elas terem tido contato com esta
instituição, visões essas que levam elas a desconfiarem.
DISCUSSÃO
Os resultados da análise de regressão logística confirmam a hipótese central deste
trabalho: a desconfiança na polícia é explicada por déficits institucionais percebidos pela
população e não por variáveis contextuais, culturais ou sóciodemográficas. A confiabilidade da
polícia relaciona-se com as expectativas públicas associadas aos resultados obtidos por esta
instituição no combate à criminalidade e, principalmente, ao modo como os policiais utilizam sua
autoridade e tratam os cidadãos. Mais especificamente, a análise estatística mostra que a
desconfiança pode ser predita diante das situações em que os cidadãos percebem que são
tratados de maneira injusta pela polícia ou quando estão diante de uma força policial considerada
pouco efetiva no combate à criminalidade. Assim, resultados parcos, tratamento desrespeitoso e
desigual, extorsão e uso abusivo da força seriam fatores que concorreriam diretamente para
gerar desconfiança na polícia. Esse achado está de acordo com as afirmações de Norris (1999),
Offe (1999) e Moisés (2005 e 2008) de que a desconfiança é produto das situações em que as
instituições não sinalizam comprometimento com os valores básicos que ensejaram a sua
criação: efetividade, imparcialidade, universalismo, probidade e justeza na relação com os
cidadãos.
A análise também dá razão à hipótese de que a percepção pública sobre o modo como a
polícia exerce sua autoridade e se relaciona com os cidadãos é o fator mais importante para gerar
desconfiança. Os julgamentos sobre a justeza do modo como a polícia trata os cidadãos são os
mais fortes preditores da desconfiança na polícia. A opinião das pessoas de que a polícia é pouco
efetiva no combate à criminalidade também prediz a desconfiança na polícia, mas com pouca
intensidade. Ou seja, a desconfiança na polícia deriva principalmente da percepção de que a
polícia utiliza a sua autoridade de maneira ilegal ou injusta: desrespeita os direitos dos cidadãos,
não trata as pessoas de forma igual, recorre a subornos, utiliza a violência de maneira abusiva e
causa mais medo do que segurança em suas abordagens. Esses resultados também são
consistentes com pesquisas anteriores sobre a legitimidade e a confiabilidade da polícia e de
outras autoridades públicas. Como informou Tyler (2004), estudos sobre as percepções das
pessoas em relação a diversos tipos de autoridades – policiais, juízes, líderes políticos,
administradores e professores – têm gerado forte apoio ao argumento de que variações nessas
percepções são determinadas principalmente por procedural justice. Os cidadãos têm fortes
20
expectativas quanto a serem tratados adequadamente pelas instituições e quando isso não
ocorre suas opiniões são impactadas mais fortemente do que quando essas instituições não
produzem os resultados esperados.
A confirmação da hipótese de caráter institucional de que a desconfiança na polícia reside
na própria polícia - melhor dizendo, na incapacidade de a instituição policial sinalizar aos cidadãos
uma ação coerente com os princípios normativos que orientam o seu trabalho - não quer dizer
que a cultura não possa operar para a determinação deste resultado. As percepções das pessoas
sobre as instituições são orientadas culturalmente por esquemas, categorias e modelos
cognitivos presentes nos contextos sociais em que vivem. Como Mishler & Rose (2001 e 2005) e
Moisés (2005) têm argumentado, a desconfiança dos cidadãos em relação às instituições não
resulta apenas de avaliações racionais sobre o seu funcionamento, mas também de valores
adquiridos em processos primários de socialização que podem tornar as pessoas mais ou menos
propensas a confiar em outras pessoas e instituições. Nessa perspectiva, a desconfiança seria o
resultado da combinação de orientações derivadas de valores adquiridos em processos
originários de socialização com a avaliação proporcionada pela experiência direta ou indireta dos
indivíduos com as instituições. Aqui é preciso considerar que não apenas a experiência dos
cidadãos com as instituições habilita-os a julgarem-nas e a reverem visões formadas através de
processos de socialização, conforme formulado pelo modelo do aprendizado ao longo da vida de
Mishler e Rose, mas também o contrário: visões a priori das instituições podem influir no modo
como os cidadãos avaliam o seu funcionamento. No caso da desconfiança na polícia, uma vez
que as pessoas tenham aprendido que a polícia não é uma instituição confiável - seja por fatores
de ordem cultural ou em razão de um padrão histórico de atuação que tenha levado a essa
percepção -, interpretações sobre o modo como ela utiliza sua autoridade podem ser fortemente
condicionadas por esse ponto de vista. É preciso considerar a possibilidade de uma relação de
causalidade recíproca entre desconfiança e percepções sobre como a polícia age.
Essa questão foi problematizada recentemente por Rosenbaum et. al. (2004) e Hawdon
(2008), que questionaram a direção da causalidade suposta nos estudos sobre legitimidade da
polícia e procedural justice. Esses autores notaram que opiniões a priori que os indivíduos venham
a ter da polícia podem influir tanto no modo como um contato com esta instituição se desenrola
quanto na maneira de interpretar esse contado. O raciocínio certamente aplica-se às atitudes de
confiança e desconfiança. Aqueles que desconfiam da polícia podem ser mais propensos a avaliar
negativamente um contato com essa instituição. Além disso, um indivíduo desconfiado também
pode induzir os policiais a utilizar procedimentos mais agressivos caso essa desconfiança
implique num comportamento defensivo ou esquivo diante de uma abordagem policial, por
exemplo. Nessas circunstâncias, a máxima “quem não deve não teme” comandará a lógica de
21
atuação dos policiais, que tenderão a utilizar procedimentos mais agressivos e passíveis de serem
interpretados como injustos pelos cidadãos.
Há evidências de que uma predisposição para ver a polícia de maneira negativa ou
positiva pode levar as pessoas a recordarem encontros diretos com a polícia ou casos de
encontros relatados por terceiros (parentes, vizinhos ou mesmo pela mídia) de maneira seletiva.
Num estudo com moradores de Chicago que analisou as atitudes dos cidadãos antes e depois de
eles terem experiências diretas ou ouvirem relatos sobre experiências com a polícia, Rosenbaum
et. al. (2004) concluiu que as atitudes prévias jogam um papel crítico na formação dos
julgamentos posteriores sobre experiências com a polícia. Para explicar essa descoberta, os
autores argumentaram que o trabalho da polícia não é apenas crivado por preconceitos da parte
dos policiais, mas também da parte dos policiados. As percepções dos cidadãos a respeito da
polícia estariam baseadas em supergeneralizações equivocadas e persistentes. A polícia seria
alvo do que os psicólogos chamam de “desvios para confirmação”: uma forma seletiva de
interpretar a realidade em que as pessoas tendem a ver o que confirma as suas crenças e a
ignorar ou diminuir as evidências que a contradizem. Assim, uma predisposição inicial para ver a
polícia de maneira negativa poderia levar as pessoas a interpretarem ou recordarem de maneira
seletiva encontros considerados injustos.
Se o raciocínio acima estiver correto, não só o mau funcionamento da instituição policial
pode estar produzindo desconfiança, mas a própria desconfiança pode estar contribuindo
diretamente para a visão de que a polícia funciona mal e por isso não merece a confiança dos
cidadãos. É possível que haja uma relação de causalidade recíproca entre a desconfiança e as
percepções das pessoas de que a polícia atua de maneira injusta. Considerando que o Brasil tem
uma longa história de abusos cometidos pela polícia, esse argumento é bastante instigante.
Historicamente, a atuação da polícia brasileira caracterizou-se pelo uso de métodos violentos,
ilegais ou extralegais. Independentemente do regime político em vigor, durante todo o século XX
a polícia atuou dentro do que Pinheiro (2001) chamou de “regime de exceção paralelo”,
usufruindo de poderes extralegais e ampla margem de autonomia. A ilegalidade e arbitrariedade
policial tiveram como alvo principal os grupos mais desprivilegiados, estendendo-se para outros
grupos sociais nos períodos autoritários. A experiência histórica com uma polícia pouco
comprometida com o respeito aos direitos civis na sua relação com os cidadãos pode ter
introjetado nos brasileiros uma visão negativa desta instituição. A desconfiança na polícia pode
ter se convertido num elemento da cultura política brasileira capaz de persistir
independentemente de mudanças qualitativas no padrão institucional histórico de atuação da
polícia. Isso ajudaria a explicar o fato de a desconfiança na polícia ser, ao que parece, uma atitude
estável no tempo. Mais do que déficits institucionais relacionados ao modo como a polícia trata
22
os cidadãos, o que pode estar em questão na atualidade é a persistência de traços de uma cultura
política, fomentada ao longo de gerações, na qual a polícia aparece como uma instituição pouco
comprometida com os valores e princípios que justificam sua existência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo a polícia como objeto de análise este trabalho testou a hipótese de que quando as
instituições funcionam de modo deficitário elas provocam desconfiança. A suposição foi a de que
se a polícia for incapaz de sinalizar comprometimento com os valores básicos que justificam sua
existência ela suscitará sentimentos de desconfiança. Testou também a hipótese de que a
desconfiança é gerada principalmente pela percepção pública de que a polícia utiliza sua
autoridade de maneira ilegal ou injusta. Os resultados da análise confirmaram ambas as
hipóteses, mas a discussão aqui realizada sugere cautela na interpretação dos achados. É possível
que a relação de causalidade suposta por esse trabalho também ocorra em sentido contrário, ou
seja, é possível que as percepções públicas sobre o mau funcionamento da polícia estejam
ligadas ao fato de os brasileiros terem aprendido desde cedo a desconfiar desta instituição, cuja
atuação ilegal e arbitrária foi vivenciada por várias gerações.
Mishler e Rose (2001 e 2005) e Moisés (2005 e 2008) argumentaram recentemente que a
experiência com as instituições é um elemento fundamental para a determinação das atitudes de
confiança e desconfiança dos cidadãos. Segundo esses autores, os indivíduos aprendem a confiar
ou desconfiar das instituições por meio de processos de socialização, mas à medida que entram
em contato com as instituições na vida adulta, tornam-se capazes de avaliá-las racionalmente e a
rever suas visões iniciais. A discussão deste trabalho sugere que é preciso considerar também os
efeitos contrários, ou seja, o de que visões adquiridas durante processos primários de
socialização possam condicionar fortemente os julgamentos que os indivíduos fazem das
instituições. Novos desenhos de pesquisa precisam incorporar essa questão de modo a
identificar em que medida as atitudes dos cidadãos formadas a partir de processos primários de
socialização são impermeáveis a novas informações adquiridas ao longo da vida adulta. O fato é
especialmente importante para os países que hoje são democráticos, mas que viveram longos
períodos de autoritarismo no passado.
Para o caso da polícia, esclarecer essas questões não é importante apenas do ponto de
vista teórico. É importante também para a formulação de estratégias de policiamento mais
eficientes e efetivas. A confiança é um bem precioso para a polícia. O aumento da confiança tem
reflexos diretos sobre a capacidade de a polícia envolver a comunidade na prevenção da
criminalidade, prender criminosos, aumentar o conhecimento sobre a dinâmica criminal e
solucionar crimes. Saber se a desconfiança que os brasileiros nutrem pela polícia tem sua origem
23
nos déficits institucionais analisados por este trabalho ou se está enraizada no tecido social – ou
as duas coisas - faz toda a diferença para os formuladores de políticas públicas. Se os achados
deste trabalho estiverem realmente corretos, aumentar a confiança na polícia depende
basicamente da própria polícia, que deve buscar um policiamento ao mesmo tempo eficiente e
respeitoso dos direitos dos cidadãos. Por outro lado, se a desconfiança na polícia for parte da
cultura política do brasileiro, alterar esse quadro vai exigir mais do que alterar os procedimentos
que a polícia utiliza ao se relacionar com os cidadãos. Neste caso, aumentar a confiança na polícia
dependerá de esforços mais amplos, dentre os quais estratégias de comunicação voltadas
especificamente para esse propósito.
24
ANEXO 1 – Metodologia utilizada para a construção das variáveis explicativas
Quadro 1: Construção das variáveis explicativas utilizadas no modelo de regressão logística
Variável
Desempenho da
Polícia *
Questões
Nos últimos 12 meses, o trabalho que a Polícia
.............vem fazendo está dando muito resultado [4] //
resultados médios [3] // pouco resultado [2] // ou
nenhum resultado [1] ?
Q. 150. Polícia Militar?
Q. 161. Polícia Civil?
Q. 163. Polícia Federal?
Forma como a
polícia trata os
cidadãos
Q. 246. Na sua opinião a polícia é: [1] honesta ou [2]
corrupta?
Q. 248. Na sua opinião a polícia [1] respeita os direitos do
cidadão ou [2] não respeita os direitos do cidadão?
Q. 251. Na sua opinião a polícia [1] trata pobres e ricos de
maneira igual ou [2] trata os ricos melhor do que os
pobres?
Q. 253. Na sua opinião a polícia [1] só usa a violência
quando é necessário ou [2] abusa da violência?
Q. 257. Na sua opinião a polícia [1] tranqüiliza as pessoas
ou [2] assusta as pessoas?
Q. 258. Na sua opinião a polícia [1] trata brancos, pardos
e pretos de maneira igual ou [2] trata os brancos melhor
do que pardos e pretos?
Escala de Mensuração
Efeito esperado
Índice que pode variar
de
0
(resultados
satisfatórios) a
10
(resultados
insatisfatórios)
Quanto
pior
o
desempenho, maior a
desconfiança
Índice que pode variar
de 0 (trata os cidadãos
de maneira justa) a 10
(não trata os cidadãos
de maneira justa)
Quanto
pior
a
percepção
das
pessoas sobre o modo
como a polícia trata os
cidadãos, maior a
desconfiança
Dicotômica: [0] não
teve contato; [1] teve
contato
Pessoas que tiveram
contato com a polícia
são mais desconfiadas
Índice que pode variar
de 0 (nunca foi vítima
de um crime) a 10 (foi
vítima
de
vários
crimes)
Quanto
maior
a
experiência
de
vitimização, maior a
desconfiança.
Índice que pode variar
de 0 (não conhece
ninguém que tenha
sido vítima de crime) a
10 (conhece várias
pessoas que foram
vítimas de crime)
Quanto
maior
o
número de conhecidos
próximos que foram
vitimas de crimes,
maior a desconfiança
Q. 201. O(a) Sr(a) já foi alguma vez a uma delegacia de
polícia para registrar uma queixa? [1] Sim; [2] Não,
porque não confio na polícia/ não adianta; [3] Não,
porque nunca precisei; [66] Não, por outra razão
Contato com a
Polícia
Q. 202. O(a) Sr(a) já telefonou alguma vez para a polícia
pedindo para ela resolver algum problema? [1] Sim; [2]
Não, porque não confio na polícia/ não adianta; [3] Não,
porque nunca precisei; [66] Não, por outra razão
Q. 203. O(a) Sr(a) já se dirigiu a um policial na rua para
pedir que ele resolvesse algum problema? [1] Sim; [2]
Não, porque não confio na polícia/ não adianta; [3] Não,
porque nunca precisei; [66] Não, por outra razão.
Agora eu vou mencionar alguns tipos de crimes e
gostaria de saber se alguma vez na vida ocorreu com
o(a) Sr(a).
Experiência
direta de
vitimização
Q. 214. Já foi assaltado à mão armada? [1] Sim; [0] Não.
Q. 215. Já foi roubado por um ladrão sem armas? [1] Sim;
[0] Não.
Q. 216. Já teve sua casa roubada? [1] Sim; [0] Não.
Q. 218. Já teve o carro roubado? [1] Sim; [0] Não.
Q. 219. Já foi agredido por alguém na rua? [1] Sim; [0]
Não.
Q. 220. Já foi ameaçado de morte? [1] Sim; [0] Não
Tem algum parente próximo como pais, irmãos, filhos,
avós, marido ou mulher do(a) Sr(a) que:
Q. 221. Já foi assaltado à mão armada? [1] sim [0] não
Q. 222. Já foi assaltado à mão armada? [[1] sim [0] não
Q. 223. Já teve sua casa roubada? [1] sim [0] não
Experiência
indireta de
vitimização
Q. 224. Já teve o carro roubado?[1] sim [0] não
Q. 225. Foi assassinado? [1] sim [0] não
25
Q. 226. Já foi agredido por alguém na rua? [1] sim [0] não
Q. 227. Já foi ameaçado de morte? [1] sim [0] não
Q. 228. Foi estuprado? [1] sim [0] não
Percepção de
Segurança da
Vizinhança
Criminalidade na
vizinhança
Para cada lugar que eu citar, por favor, diga se esse lugar
é [1] muito seguro, [2] seguro. [3] pouco seguro ou [4]
nada seguro:
Q187: A rua onde o(a) Sr(a) mora:
Q188: As ruas próximas onde o(a) Sr(a) mora:
Q189: O bairro onde o(a) Sr(a) mora:
Q190: A cidade onde o(a) Sr(a) mora:
Gostaria que o (a) Sr(a) dissesse se aconteceu nos
últimos 12 meses algumas das seguintes situações no
seu bairro:
Q. 204. Compra e venda de coisas roubadas [1]
aconteceu [0] não aconteceu.
Q. 205. Pessoas foram assaltadas [1] aconteceu [o] não
aconteceu
Q. 206. Casas/apartamentos foram assaltados. [1]
aconteceu [0] não aconteceu
Q. 207. Tráfico de drogas / compra e venda de drogas. [1]
aconteceu [0] não aconteceu.
Q. 208. Alguém usando drogas. [1] aconteceu [0] não
aconteceu
Q. 209. Roubo de carros. [1] aconteceu [0] não
aconteceu
Q. 210. Alguém ser agredido fisicamente. [1] aconteceu
[0] não aconteceu
Q. 211. Uma pessoa puxar uma arma para outra pessoa.
[1] aconteceu [0] não aconteceu
Q. 212. Alguém levar um tiro. [1] aconteceu [0] não
aconteceu
Q. 213. Alguém ser assassinado. [1] aconteceu [0] não
aconteceu
Índice que pode variar
de
0
(vizinhança
segura)
a
10
(vizinhança insegura)
Quanto
pior
a
percepção
de
segurança
da
vizinhança, maior a
desconfiança
Índice que pode variar
de 0 (vizinhança sem
crime) a 10 (vizinhança
com vários crimes)*
Quanto
maior
a
criminalidade
na
vizinhança, maior a
desconfiança.
Dicotômica: [0] confia
(confia muito e confia)
e [1] desconfia (confia
pouco e não confia)
Pessoas
que
desconfiam de outras
pessoas são mais
desconfiadas
em
relação à polícia
Confiança
interpessoal
Gostaria que o(a) Sr(a) dissesse se [4] confia muito [3]
confia [2] confia pouco ou [1] não confia:
Q. 131 Na maioria das pessoas
Gênero
Q. 531. Sexo do entrevistado: [1] Masculino [2] Feminino
Dicotômica:
feminino
e
masculino.
[0]
[1]
Pessoas
do
sexo
masculino são mais
desconfiadas
Idade
Q. 533. Idade recodificada: [1] 18-24; [2] 25-34; [3] 35-44;
[4] 45-59; [5] 60 ou mais
Dicotômica: [1] jovens
(18-24) e [0] outros
Pessoas mais jovens
são mais desconfiadas
Dicotômica: [1] preto e
[0] outros (pardo,
branco, amarelo e
índio);
Tricotômica:
[0]
escolaridade
alta
(superior);
[1]
escolaridade
baixa
(analfabeto e até 4°
série)
e
[1A]
escolaridade média;
Pessoas de pele preta
são mais desconfiadas
Q. 266. O IBGE - instituto que faz os censos no Brasil - usa
os termos [1] preto, [2] pardo, [3] branco, [4] amarelo e
[5] índio para classificar a cor ou raça das pessoas. Qual
desses termos descreve melhor a sua cor ou raça?
Cor
Escolaridade
Q. 542. Escolaridade recodificada: [1] Analfabeto; [2] Até
a 4° série; [3] De 5° a 8° série; [4] 2° grau; [5] superior ou
mais.
Pessoas de menor
escolaridade são mais
desconfiadas
* A PESB não contém questão que permita mensurar somente o desempenho “da polícia”.
Para operacionalizar as variáveis explicativas, o primeiro passo foi recodificar as questões da PESB
para que todas passassem a ser dummies e assumissem os valores 1 (ocorrência do fenômeno que se
esperava ter impacto sobre a desconfiança) e 0 (não ocorrência do fenômeno) (conforme quadro 1). As
variáveis compostas por apenas uma questão foram incluídas no modelo; aquelas formadas por mais de
uma questão foram agrupadas de modo a formar índices. A variável “desempenho da polícia”, por
26
exemplo, continha originalmente três questões que perguntavam se o entrevistado achava que o trabalho
da Polícia Militar (Questão 150), Polícia Civil (Questão 161) e Polícia Federal (Questão 163) estava dando
muito resultado, resultados médios, pouco resultado ou nenhum resultado. Primeiramente, essas três
questões foram recodificadas em resultados satisfatórios (0 = a soma de muito resultado e médio
resultado) e resultados insatisfatórios (1 = a soma de pouco resultado e nenhum resultado). Em seguida,
essas três questões recodificadas foram somadas e transformadas num índice que varia de 0 (pessoas que
consideram satisfatório os resultados da atuação das três polícias) a 3 (pessoas que consideram
insatisfatório o resultado da atuação das três polícias). No caso da variável “percepção de segurança na
vizinhança”, a resposta das quatro questões que compõem essa variável foram recodificadas para
“seguro” (0 = soma de muito seguro e seguro) e “inseguro” (1 = soma de pouco seguro e nada seguro) e
então o mesmo procedimento utilizado anteriormente para compor a variável “desempenho da polícia” foi
adotado, resultando num índice que variava de 0 (vizinhança segura) a 4 (vizinhança insegura). Esse
procedimento de construção de índices foi adotado para as demais variáveis formadas por mais de uma
questão, produzindo-se índices que variam de 0 a 6 (“forma como a polícia se relaciona com os cidadãos” e
“experiência direta de vitimização”), 0 a 8 (“experiência indireta de vitimização”) e 0 a 10 (“criminalidade
na vizinhança”). Para facilitar a comparação entre as variáveis no modelo de regressão, todos os índices
foram transformados para que pudessem assumir valores entre 0 (mínimo) e 10 (máximo). Para isso,
aplicou-se a seguinte fórmula: 10 * (x – a) / (b – a), onde x é o índice, a o valor mínimo que ele assume e b o
valor máximo. A tabela 2 apresenta as estatísticas descritivas dos índices resultantes. Em todos os
procedimentos foi utilizado o software SPSS (v. 17), mais especificamente os comandos Recorde e Compute
do menu Transform.
Tabela 2: Estatística descritiva dos índices utilizados no modelo de regressão
N
Relacionamento injusto com os cidadãos
1.888
2.211
2.330
2.242
2.286
1.855
Desempenho da polícia
Experiência direta de vitimização.
Experiência indireta de vitimização.
Percepção de segurança da vizinhança
Criminalidade na vizinhança.
27
Mínimo Máximo Média
0
0
0
0
0
0
8,57
8
9
9
8
9
6,08
3,44
1,32
1,94
5,45
3,94
Desvio
Padrão
2,78
3,1
1,63
1,98
3,06
3,04
ANEXO 2 – Output do SPSS para a Análise de Regressão Logística
Tabela 3: Coeficientes Logit do modelo de regressão logística da variável
“desconfiança na polícia” em função das variáveis institucionais, contextuais,
culturais e sóciodemográficas
β
Relacionamento injusto com os cidadãos
Desempenho insatisfatório
Criminalidade na Vizinhança
Vizinhança Insegura
Experiência Direta de Vitimização
Experiência Indireta de Vitimização
Idade (jovens: 18-24)
Escolaridade Baixa
Escolaridade Média
Desconfia das pessoas
Constant
S.E.
Wald
df
Sig.
Exp(β)
0,674
0,038
317,351
1
0
1,962
0,083
0,031
0,034
0,022
0,022
0,21
-0,64
-0,389
0,147
-3,413
0,028
0,031
0,028
0,056
0,056
0,209
0,415
0,404
0,242
0,48
8,766
0,984
1,493
0,159
0,159
1,01
2,38
0,93
0,37
50,578
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
0,003
0,321
0,222
0,69
0,69
0,315
0,123
0,335
0,543
0
1,086
1,031
1,035
1,022
1,022
1,234
0,527
0,678
1,159
0,033
N = 1.435; Missing = 929
Estatísticas de Ajustamento, Significância e Qualidade do Modelo: -2 LL = 1017,643; X2HL (8) =
14,663, p = 0,067; R2CS = 0,418; R2N = 0,586;
28
XII.
SERVIÇOS PÚBLICOS: O PAPEL DO CONTATO DIRETO E
DO CIDADÃO CRÍTICO NAS AVALIAÇÕES
ROBERT BONIFÁCIO e ROGÉRIO SCHLEGEL
INTRODUÇÃO
A avaliação que o brasileiro faz dos serviços públicos é tema pouco explorado em
estudos acadêmicos no Brasil, embora tenha características que justificariam atenção
especial. De um lado, essa avaliação é um indicador relevante em termos de responsividade
porque representa o grau de satisfação do cidadão com a forma como o Estado cumpre
algumas de suas tarefas centrais, propiciando serviços como saúde e educação a partir dos
impostos extraídos da sociedade. De outro lado, esse é um insumo decisivo para a
legitimidade democrática, segundo diferentes abordagens teóricas; os serviços públicos
são a face mais concreta do Estado e a principal vitrine do desempenho governamental, de
forma que sua avaliação é capaz de impactar de forma indireta a confiança nos políticos e
no Executivo (LISTHAUG; WIBERG, 1998).
Neste capítulo, apresentamos duas contribuições para ampliar o entendimento
sobre a forma como o brasileiro percebe os serviços públicos: 1) são os setores mais
escolarizados e informados os que avaliam mais negativamente os serviços prestados pelo
Estado, endossando para essa dimensão a hipótese do cidadão crítico e revelando um
aparente paradoxo; 2) se a experiência com as instituições pode ser decisiva para a
percepção sobre elas (MOISÉS, 2010), é preciso aprofundar a investigação sobre o que deve
ser entendido como experiência; no caso dos serviços públicos, não aparecem sinais de
associação consistente entre a percepção sobre eles, de um lado, e as informações obtidas
via contato direto ou por meio da mídia.
Essas evidências foram levantadas a partir da análise dos bancos de dados do survey
A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas, realizado em 2006. Um índice
geral de avaliação dos serviços públicos foi desenvolvido pelos autores e seus
determinantes foram analisados com modelos de regressão multinomiais.
1
Além desta introdução, este capítulo tem outras três seções: na segunda seção,
revisamos os marcos teóricos da área, aproximando pontos específicos da avaliação dos
serviços públicos da percepção mais geral do cidadão sobre as instituições; as análises
estatísticas e o relato dos resultados compõem a seção seguinte; por último, elaboramos
considerações sobre nossas contribuições para o entendimento do tema.
DESEMPENHO, VALORES E INFORMAÇÃO
Desenvolvimentos recentes na literatura especializada têm apontado a falácia da
consideração de que as abordagens que enfatizam o desempenho e os valores como
elemento principais para explicar confiança nas instituições são conflitantes. Pelo contrário,
os dois fatores são compreendidos como complementares para a construção da percepção
do cidadão sobre as instituições.
Soam superadas abordagens como a de Rogowski (1974), atribuindo importância
crucial ao desempenho operacional como fator de avaliação das instituições, como se o
cidadão empregasse um cálculo racional sem nenhum substrato normativo em que se
apoiar. Valores adquiridos na socialização e ao longo da vida adulta também impactam o
julgamento dos indivíduos sobre as instituições. São essas normas internalizadas que
oferecem as regras com as quais julgar o desempenho das instituições e que permitem
depositar nelas maior ou menor confiança (OFFE, 1999; WARREN, 1999; MOISÉS, 2010)
Os valores do cidadão também estão sujeitos a revisões. Forjados em princípio na
socialização, eles podem ser remodelados a partir da experiência cotidiana do indivíduo na
vida adulta, sobretudo diante de episódios refundadores como a queda do regime
comunista no Leste Europeu (MISHLER; ROSE, 2007) ou o 11 de Setembro de 2001 nos
Estados Unidos (CHANLEY, 2002)
Na avaliação das instituições há ainda um terceiro fator que se apresenta como
relevante: a informação de que dispõe o cidadão. O julgamento das instituições não
depende exclusivamente de impactos objetivos relacionados ao desempenho operacional
concreto; ele acontece no campo das percepções. Um governo capaz de melhorar a
condição de vida da população pode ser mal avaliado, a depender do jogo de
representações que se desenrola no ambiente discursivo e intersubjetivo da sociedade.
Mudanças em qualquer um dos três fatores podem acarretar alterações na
avaliação institucional (PUTNAM; PHARR; DALTON, 2000). Informação de melhor qualidade
sobre desempenho institucional de má qualidade favorece declínios na avaliação; melhora
no desempenho institucional que não seja acompanhada de informação e de percepção
2
sobre ela, tende a ser inócua; mudanças nos critérios de avaliação do cidadão podem dar
relevo a informações que antes não eram consideradas no julgamento das instituições, para
citar algumas variações possíveis.
Daí a importância de analisar a avaliação dos serviços a partir de uma perspectiva
abrangente. O desempenho operacional das agências do Estado é levado em consideração
pelo cidadão, mas quais os critérios que utiliza nesse julgamento? Como a informação sobre
o desempenho do serviço público chega até as pessoas e qual será o tipo de experiência
capaz de levar o indivíduo a rever suas expectativas sobre dada instituição? Será o contato
pessoal mais relevante do que a cobertura da mídia? Percepções sobre um serviço público
“contaminarão” o julgamento sobre todos os demais? Considerando a abrangência das
perguntas, nosso trabalho se debruça sobre aspectos que vão das características
socioeconômicas e demográficas do cidadão à utilização ou acesso aos serviços públicos, na
esteira de estudos como o de MORI (2003) e Van de Walle (2007) e Van de Walle, Roosbrek
e Bouckaert (2008).
A condição socioeconômica do cidadão merece ser observada, sobretudo por sua
ligação com a hipótese do cidadão crítico, avançada por autores como Inglehart (1999) e
Norris (1999). O argumento central de ambos é o de que a mobilização cognitiva gera
cidadãos com olhares mais críticos para as instituições e o funcionamento dos governos.
Norris consolidou a expressão “cidadão crítico” (critical citizen) para designar o tipo bem
informado que avalia positivamente a democracia, mas é severo no julgamento do
funcionamento concreto de suas agências e regras. Ele seria fruto de maior escolarização e
informação sobre o sistema político e os negócios públicos, detectadas especialmente nos
países pós-industriais e de democracia mais antiga. Inglehart teorizou sobre o pósmaterialismo, uma síndrome atitudinal que teria emergido em conseqüência do
desenvolvimento econômico e que envolve comportamento mais questionador em relação
a instituições de diversas características, inclusive as governamentais.
Moisés e Carneiro (2010) indicam que, para entender a desconfiança política dos
cidadãos de alguns países da América Latina, é necessário ter entre os elementos
explicativos os relativos à situação socioeconômica das pessoas. De modo mais preciso,
seus achados indicam que gênero e escolaridade são os fatores mais importantes desse
conjunto de variáveis; são os homens e os mais instruídos os que possuem maiores níveis
de desconfiança. Para os autores, isso indica que os menos instruídos e,
conseqüentemente, com baixos níveis de cognição, apresentam uma perspectiva mais
acrítica do funcionamento das instituições democráticas, ao passo que detentores de níveis
3
mais elevados de escolaridade se aproximam da noção de cidadão crítico, ou seja, cidadãos
mais insatisfeitos com as instituições tradicionais.
O trabalho de Figueiredo, Torres e Bichir (2006) constatou que a avaliação dos
serviços públicos tornava-se mais positiva à medida que diminuía escolaridade do
entrevistado nos surveys que utilizaram para avaliar a conjuntura social brasileira – uma
edição de 1991, coordenada por Faria (1992), e outra em 2004, tendo como universo
amostral moradores dos domicílios entre os 40% mais pobres da cidade de São Paulo - “As
notas atribuídas aos serviços foram relativamente elevadas nos dois surveys, e tanto mais
elevadas quanto menor a escolaridade” (FIGUEIREDO; TORRES; BICHIR, 2006: 179).
Outro fator explicativo com centralidade em nosso estudo é o contato com os
serviços públicos. O uso efetivo de serviços públicos é a dimensão mais instrumental que
iremos avaliar. Estudo do Instituto MORI (2003) indica que contatos diretos têm efeitos
destacados sobre a confiança depositada em organizações de serviços públicos do Reino
Unido. O trabalho identificou que cidadãos britânicos que tiveram contato direto com
serviços de hospital público, conselhos locais e polícia são mais confiantes em relação a
esses serviços. A associação se verificou independentemente do contato ter sido
considerado positivo ou negativo pelo cidadão (informação não disponível no estudo). Mas
é plausível supor que uma ou mais experiências positivas com dado serviço público tendam
a melhorar a percepção do cidadão sobre essa agência como um todo.
Para o Brasil, Bonifácio (2009) avaliou saúde pública, polícia e transportes e os
resultados não indicaram influência com sentido claro para o uso dos serviços. No caso da
polícia, aqueles que usaram seus serviços os avaliaram mais negativamente; para hospitais
públicos, o uso teve impacto positivo na avaliação do cidadão e não houve associação com
significância estatística para o caso do transporte público. É mais um sinal a sustentar a
hipótese de que o contato pessoal tenha impacto que dependa da satisfação com o
desempenho operacional.
Também é plausível pensar que haja “contaminação” da avaliação de outros
serviços a partir da experiência vivida com uma determinada agência. A concepção de
atalho cognitivo (POPKIN, 1994; LUPIA; MCCUBBINS, 1999; LUPIA, 2005) nos faz supor que
o cidadão tende a criar percepções sobre os serviços em geral a partir da qualidade que
atribui aos serviços que efetivamente conhecem. Isso significa que é realista imaginar que
os cidadãos que se utilizam de transporte público e serviços de saúde pública tendem a
avaliar todos os demais serviços públicos, como por exemplo, segurança, limpeza e
educação, com base nos indicadores de qualidade que atribuem aos serviços que
efetivamente conhecem.
4
Por fim, a mídia é ingrediente que também merece atenção especial quando se trata
de entender as relações que o cidadão estabelece com as instituições. O potencial da mídia
para influenciar na percepção dos serviços públicos guarda relação com a centralidade que
a comunicação de massa ocupa nas sociedades contemporâneas. Os conteúdos midiáticos
não oferecem apenas informação factual, mas também enquadramentos a partir dos quais
o indivíduo cria quadros de referência para entender o mundo (GOFFMAN, 1986; IYENGAR;
KINDER, 1987; CAPELLA; JAMIESON, 1997; ALDÉ, 2004). Na representação da realidade que
criam, os meios de comunicação podem incorrer em vieses. Não se trata de ver a mídia
como agente consciente, com interesses definidos e atuação intencional, mas de perceber
os constrangimentos e incentivos determinados por sua lógica de produção, de um lado, e
os valores prevalecentes no conjunto dos meios de comunicação, de outro. Há ingredientes
na organização da produção midiática que fazem com que os vieses sejam recorrentes e
com direção clara – privilegiando o extraordinário mais do que o usual, o epifenômeno mais
do que o processo mais profundo, o novidadeiro mais do que o estável (LIPPMAN, 1965;
MILLER et al, 1979; ROBINSON, 1976; PUTNAM, 1995; 2001). Esses vieses podem determinar
que cidadãos expostos à mídia em geral ou a tipos específicos de mídia desenvolvam
avaliações das agências do Estado também enviesadas, tanto para o lado positivo quanto
negativo.
Importante observar que, no que diz respeito a instituições, o sentido dos efeitos
específicos da mídia não foi estabelecido de forma inequívoca pela literatura da área. De um
lado, a acusação de que os meios de comunicação favorecem a desconfiança política e a
desmobilização tem o endosso de gerações de pesquisadores (DAHL, 1967; ROBINSON,
1976; PATTERSON, 1993; CAPELLA; JAMIESON, 1997; PUTNAM, 1995; 2001). O principal
argumento é que a mídia cria uma representação das instituições que é especialmente
crítica e negativa. No entanto, há evidências de que a exposição à mídia pode afetar o
indivíduo também de forma positiva. Ela ampliaria seu nível de informação, interesse pela
política e eficácia subjetiva – isto é, a crença de que é capaz de influir na política – e
diminuiria os custos para participar da vida pública. Isso se verificaria de maneira mais
consistente no caso da exposição à mídia jornalística, e não à mídia em geral (NEWTON,
1999; NORRIS, 1996; 2000).
No Brasil, estudos levantaram evidências de que a comunicação de massa não afeta
o apoio às instituições em apenas um sentido. Schlegel (2005) encontrou associação
positiva entre exposição à mídia jornalística e julgamento “de fundo”, não imediato1, de
1
O índice que usou como variável dependente contemplava questões como a concordância com a frase “políticos
muito honestos não sabem governar” ou “os partidos só servem para dividir as pessoas”
5
políticos e partidos em 2002. No caso da avaliação da atuação de Congresso, governo e
partidos, a associação foi negativa. Mesquita (2008) constatou que, mesmo diante de
cobertura com valência negativa para o governo federal envolvendo o escândalo do
Mensalão em 2005, a audiência ao Jornal Nacional2 estava positivamente associada à
satisfação com a democracia e à confiança no governo, no presidente da República, nas
Forças Armadas, no Poder Judiciário, nos empresários e nos bombeiros em 2006. O
trabalho também apurou influência do patamar de audiência à televisão em geral, medido
em horas, sobre os efeitos do Jornal Nacional. O impacto do telejornal foi mais intenso
quando era maior sua participação na “dieta diária” de consumo de televisão do indivíduo.
Tal achado indica que no Brasil também faz sentido discriminar entre uso da mídia em geral
e uso da mídia jornalística.
Na avaliação do papel da mídia como fator com impacto na avaliação dos serviços
públicos, consideramos fundamental levar em conta que a exposição aos meios de
comunicação é mediada pela experiência e pelos valores pessoais. Ao sintetizar décadas de
estudos empíricos, autores como Graber (1989) e Klapper (1990) sustentaram que a
influência da mídia sobre as opiniões é menor nos casos em que os indivíduos possuem
contato direto com o objeto em análise. A influência da mídia também seria mais reduzida
em situações em que há opiniões formadas e elas envolvem valores centrais do indivíduo.
Nesses casos, o usuário de mídia pode até se expor seletivamente, evitando mensagens
que conflitem com suas convicções.
Em resumo, desempenho operacional, valores do cidadão e informação são três
fatores fundamentais para entender a relação que o cidadão estabelece com as instituições.
Este capítulo explora a maneira como essas três dimensões se combinam de forma
específica, no caso da avaliação que o brasileiro faz dos serviços públicos.
Valores e informação têm impacto nos critérios do indivíduo para julgar o
desempenho das agências do Estado. Nossa hipótese de trabalho é que brasileiros
assemelhados ao cidadão crítico descrito na literatura internacional tendam a ter
apreciação mais negativa dos serviços públicos. A expectativa é que cidadãos com
posicionamento mais central em termos sociais ou econômicos – com melhor renda ou
residindo em municípios maiores – assim como aqueles com atributos pessoais que
representam maior mobilização cognitiva – como escolaridade – apresentem julgamentos
2
Trata-se do principal telejornal do país. Em 2006, 52% dos entrevistados no survey Desconfiança nas Instituições
Democráticas assistiam o Jornal Nacional 4 vezes ou mais por semana e 89,2% assistiam ao menos uma vez por
semana
6
mais negativos de instituições e serviços. Por conta disso, analisamos como o perfil
socioeconômico e demográfico impacta essa avaliação.
O acesso e uso dos serviços públicos foram observados com a presunção de que
favoreçam percepção mais positiva do funcionamento das agências, a exemplo do que
ocorre no Reino Unido (MORI, 2003). Embora existam grandes déficits na prestação desses
serviços, mesmo em áreas de maior desenvolvimento das capacidades estatais
(FIGUEIREDO; TORRES; BICHIR, 2006), acreditamos que o conceito geral dos serviços
públicos seja tão negativo no país que o contato direto com eles possa melhorar sua
imagem. Do ponto de vista das três dimensões fundamentais exploradas neste capítulo,
desempenho operacional e informação são os principais fatores mobilizados neste quesito.
Os usos da mídia dizem respeito diretamente à informação de que dispõe o cidadão
sobre os serviços públicos, mas também têm relação com seus valores. A mobilização
cognitiva que caracteriza o cidadão crítico tem como ingrediente crucial seu elevado nível
de informação, capaz de ter impacto na sua orientação subjetiva geral – na hipótese
original, ele é mais cético em relação ao Estado e às relações de poder hierárquicas e mais
favorável a estruturas horizontais e democráticas de tomada de decisão. Por conta disso, a
exposição à mídia é entendida neste estudo como representando diferentes papéis na
complexa operação subjetiva de avaliação das instituições e dos serviços públicos. De um
lado, distinguimos a exposição à mídia em geral da exposição à mídia jornalística, por ser a
primeira associada à atitude mais distanciada em relação à política e a segunda associada ao
maior engajamento; de outro lado, avaliamos a disposição do cidadão em se expor à
informação via mídia, tomando-a como um passo anterior no consumo da mídia e, por isso
mesmo, um indicador da mobilização cognitiva. Espera-se que maior interesse em se
informar esteja associado a avaliação mais crítica dos serviços públicos, que maior
exposição à mídia em geral também incline a percepção a se tornar mais negativa e que,
por outro lado, a exposição à mídia jornalística favoreça visão mais positiva sobre o
funcionamento das agências do Estado.
PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE E RESULTADOS
A análise empírica utilizou os bancos de dados do survey “A desconfiança dos
cidadãos das instituições democráticas”, realizado em 2006, que trouxe informações
detalhadas sobre o perfil socioeconômico e demográfico dos brasileiros da amostra e de
seus posicionamentos individuais a respeito de oito serviços públicos: habitação; polícia;
saúde; educação; transportes; seguro-desemprego; esgotos e saneamento; e previdência
social.
7
De forma geral, verifica-se que os déficits apontados em trabalhos anteriores da
área estão refletidos na percepção fotografada por essa pesquisa de opinião (tabela 1). Há
serviços com avaliação majoritariamente negativa – índice de ruim e péssimo superior a 50%
--, mas nenhum com avaliação predominantemente positiva. A maioria dos brasileiros avalia
negativamente os serviços de saúde e de esgotos e saneamento. Para polícia e Previdência
Social, a avaliação negativa supera a positiva. No caso da educação, dos transportes
públicos e do seguro-desemprego, a percepção positiva supera a negativa, mas sem
representar a maioria da população. Dentre todos os serviços, o de transportes públicos é o
mais bem avaliado (49,5% de ótimo e bom) e o de saúde é o pior avaliado (51,8% de ruim e
péssimo).
Tabela 1. Avaliações dos serviços públicos (% e em números absolutos)
Habitação
Polícia
Saúde
Educação
Transportes
Segurodesemprego
Esgotos e
saneamento
Previdência social
Ótimo/bom
Regular
Ruim/
Péssimo
43,3%
(868)
38,3%
(767)
34,7%
(695)
48,9%
(979)
49,5%
(993)
46,6%
(934)
38,6%
(775)
32,1%
(643)
13,8%
(277)
15,1%
(303)
13,3%
(267)
14%
(280)
11,6%
(233)
10,5%
(211)
9,1%
(183)
12,3%
(247)
41%
(822)
46,1%
(924)
51,8%
(1038)
36,8%
(738)
36,6%
(734)
30,6%
(614)
51%
(1021)
49%
(982)
Não sabe/
Não
respondeu
1,9%
(37)
0,5%
(10)
0,2%
(4)
0,3%
(7)
2,3%
(44)
12,3%
(245)
1,3%
(25)
6,6%
(132)
Total
100%
(2004)
100%
(2004)
100%
(2004)
100%
(2004)
100%
(2004)
100%
(2004)
100%
(2004)
100%
(2004)
Fonte: Survey A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas
Optamos por criar um índice que sirva de indicador para o agregado das várias
dimensões envolvidas. Para isso, é necessário satisfazer duas condições: demonstrar as
associações lógicas e estatísticas entre as variáveis. O primeiro quesito é quase que
evidente, uma vez que o Estado oferta todos esses serviços para a população, alguns de
forma universalizada e outros destinados a grupos específicos. Para demonstrar associação
estatística entre as variáveis, utilizamos o teste de análise fatorial3 com o método de
3
A análise fatorial objetiva prover descrições simples de inter-relacionamento, correlações e covariâncias entre as
variáveis. Ele torna visível a observação de quais variáveis possuem associações entre si e as organizam em fatores.
Em cada fator, temos as variáveis mais associadas entre si e a intensidade dessa associação, que se mostrará forte,
8
extração Principal Axis Factoring – especialmente útil quando as variáveis não apresentam
distribuição normal bem definida, como é o caso (COSTELO; OSBORNE, 2005). Também
analisamos o alpha de Cronbach, um indicador de consistência interna do fator. Quanto
maior o valor do alpha, maior é a correlação entre os itens que compõe o fator e, por
conseqüência, maior a correlação e inter-relacionamento entre as variáveis (CRONBACH,
1951). Os resultados aparecem à tabela 2.
Tabela 2. Análise fatorial e alpha de cronbach da avaliação de serviços públicos
Habitação
Fator
1
0,614
Polícia
Saúde
Educação
Transportes públicos
Seguro-desemprego
0,598
0,719
0,689
0,601
0,482
Esgotos e saneamento
0,579
Previdência social
Alpha de Cronbach = 0, 835
0,693
Fonte: Survey A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas
Método de extração: análise de componentes principais
Os dados sugerem que é viável a criação de um índice geral de avaliação de serviços
públicos, uma vez que foi identificado um fator com mesmo sentido (sinal positivo) e cargas
elevadas para todas as variáveis (valores próximos ou maiores a 0,5), além de o alpha de
cronbach ter ficado acima de 0,7 – limiar usualmente aceito nesse tipo de análise.
O passo seguinte consistiu em dicotomizar as variáveis originais de avaliação de
serviços públicos, de modo a atribuir valor zero às opções de resposta que indicam
avaliação negativa (respostas “péssimo” e “ruim”) ou regular (resposta “regular”) e
atribuir valor 1 às que indicam avaliação positiva (respostas “ótimo” e “bom”). As respostas
“não sei” e “não respondeu” foram excluídas da análise. Através da soma simples das
variáveis recodificadas, chegamos ao índice de avaliação dos serviços públicos, com valores
de zero a oito. O índice foi posteriormente classificado em três categorias: valores de 0 a 2
foram indicados como avaliações negativas; de 3 a 5, como avaliações regulares e de 6 a 8,
como avaliações positivas. De forma coerente com as variáveis originais, agora a categoria
mediana ou fraca de acordo com a magnitude de sua carga estatística, geralmente compreendida entre - 1 e 1 (KIM;
MUELLER, 1978).
9
de resposta com maior concentração é a de avaliações negativas, com 41% da amostra
válida. Em seguida aparecem as avaliações regulares, com 34,1%, e as avaliações positivas,
com 24,9% (tabela 3).
Tabela 3. Índice de avaliação de serviços públicos (% e em números absolutos)
Distribuição
41%
(686)
34,1%
(570)
24,9%
(416)
100%
(1.672)
Avaliações negativas
Avaliações regulares
Avaliações positivas
Total
Fonte: Survey A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas
Após essa análise descritiva, passamos para a inferencial, utilizando modelos de
regressão logística multinomial com o intuito de verificar, no conjunto de variáveis
independentes, quais são estatisticamente significantes e quais os pesos relativos de cada
variável para explicar a satisfação dos cidadãos brasileiros com os serviços públicos.
Trabalhamos com três grupos de variáveis independentes, descritos abaixo e detalhados no
anexo que se encontra ao final do capítulo:
1. Características socioeconômicas e demográficas - Variáveis que indicam tipo de município
de moradia (se capital, região metropolitana ou interior), escolaridade, renda familiar, sexo,
idade e cor da pele;
2. Contato com a mídia – Três variáveis que mensuram dimensões diferentes: a atenção dada
a notícias de política na televisão; o consumo diário de televisão em geral e a exposição
semanal ao Jornal Nacional;
3. Contato direto - Variáveis que indicam se o indivíduo procurou algum órgão público
municipal, estadual ou federal ao longo do ano anterior à realização da pesquisa e variáveis
que expressam a utilização de três serviços públicos específicos (de transportes, polícia e
hospital público).
Os dados dos dois modelos de regressão logística multinomial estão organizados de
modo que a avaliação negativa é a categoria de referência. Assim, os efeitos das variáveis
independentes em cada um dos modelos (um referente à avaliação regular e outro, à
avaliação positiva) têm que ser interpretados de forma comparada, sempre em relação à
avaliação negativa. Resumo das regressões aparecem nas tabelas 4 e 5.
10
Tabela 4 . Preditores da avaliação regular dos serviços públicos
B
Erropadrão
0,387
Intercepto
-0,737
Município (referência: interior)
Capital ou região metropolitana
0,350
0,135
Gênero (referência: Feminino)
Masculino
0,097
0,125
Idade (referência: 16-24)
25-34
0,187
0,188
35-44
-0,010
0,204
45-59
0,157
0,210
60 ou mais
0,037
0,260
Instrução (referência: até primário incompleto)
Primário completo
-0,098
0,226
Fundamental incompleto/ completo
-0,172
0,199
Médio incompleto/ completo
-0,376
0,205
Superior incompleto ou mais
-0,653
0,272
Renda familiar (referência: baixa)
Média
0,185
0,144
Alta
0,085
0,193
Cor da pele (referência: pretos)
Pardos
0,341
0,199
Brancos
0,333
0,205
Exposição à TV em geral (referência: Não assiste/ até 1 hora por dia)
De 2 até 3 horas
0,160
0,157
Até 4 horas ou mais
0,272
0,174
Atenção a notícias sobre política na TV (referência: Nenhuma)
Pouca
-0,071
0,151
Alguma/ muita
-0,337
0,161
Exposição ao JN (referência: Não assiste/ 1 dia na semana)
2 ou 3 dias
-0,154
0,192
De 4 a todos os dias
0,151
0,178
Procurou serviço público ano passado (referência: não)
Sim
-0,199
0,133
Utilizou serviços de hospital público (referência: não)
Sim
0,020
00,153
Utilizou serviços de polícia (referência: não)
Sim
0,008
,160
Utilizou serviços de transporte público (referência: não)
Sim
0,130
0,160
P valor
Razão de
chance
Efeito
percentual4
0,057
0,010**
1,419
41,9%
0,438
1,102
10,2
0,318
0,963
0,453
0,887
1,206
0,991
1,170
1,038
20,6
- 0,9
17
3,8
0,665
0,387
0,067*
0,017**
0,907
0,842
0,687
0,521
- 9,3
- 15,8
- 31,3
- 47,9
0,200
0,660
1,203
1,088
20,3
8,8
0,086*
0,105
1,407
1,395
40,7
39,5
0,308
0,118
1,173
1,312
17,3
31,2
0,639
0,037**
0,932
0,714
- 6,8
- 28,6
0,421
0,396
0,857
1,163
- 14,3
16,3
0,134
0,819
- 18,1
0,894
1,021
2,1
0,961
1,008
0,8
0,415
1,139
13,9
Fonte: Survey A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas
*Significância ao nível de p<0,10 **Significância ao nível de p<0,05
Para a avaliação regular, quatro variáveis explicativas apresentam significância
estatística: local de residência; instrução, cor e atenção a notícias sobre política na
televisão. Os cidadãos que moram em cidades que são capitais ou fazem parte da região
4
O efeito percentual é resultado da equação (Razão de chance – 1) * 100 e indica qual o diferencial em relação à
categoria de referência
11
metropolitana apresentam 41,9% mais probabilidade de avaliar os serviços públicos como
regulares, quando comparados com aqueles que moram em cidades do interior. Quanto à
instrução, observamos que possuir ensino médio (incompleto ou completo) diminui em
31,3% a probabilidade de o entrevistado avaliar os serviços como regulares, quando
comparado com os analfabetos ou pessoas com até o ensino primário incompleto. A
direção da probabilidade é a mesma no caso dos que possuem ensino superior (incompleto
ou completo), mas a intensidade é maior, atingindo a taxa de 47,9%. No que toca à cor da
pele, os dados apontam que os pardos apresentam 40,7% mais chances de avaliar os
serviços como regulares, tendo como referencial os negros.
Combinadas, as variáveis com significância estatística sugerem que a hipótese do
cidadão crítico é a mais promissora em matéria de explicar a avaliação do brasileiro sobre os
serviços públicos. Há sinal claro de que maior escolaridade e informação – ou melhor,
disposição de se informar, expressa pela variável relativa à atenção dada pela pessoa às
notícias sobre política – impacta negativamente a satisfação com os serviços públicos. É
verdade que morar em áreas mais cosmopolitas, como capitais e áreas metropolitanas, e
ter pele parda apareceram como favorecendo a avaliação regular em detrimento da
negativa. Mas foi clara a tendência de os indivíduos com instrução mais elevada avaliarem
pior a qualidade dos serviços públicos – justamente a dimensão socioeconômica descrita
nos trabalhos do campo como tendo maior associação com a mobilização cognitiva que
marca o endurecimento dos critérios de julgamento de órgãos e práticas do Estado.
Sinais na mesma direção foram obtidos no modelo de regressão da avaliação
positiva (tabela 5). Praticamente todas as variáveis estatisticamente significantes se
mantêm e com efeito substancialmente mais forte nesse teste. Assim, escolaridade
mostrou favorecer comportamento mais crítico, estimulando avaliação negativa em
comparação à positiva. Entre as variáveis de mídia, novamente foi alguma ou muita atenção
às notícias sobre política na televisão que mostrou impactar a avaliação. E, de novo, com
sentido negativo, diminuindo a probabilidade de o entrevistado manifestar avaliação
positiva em detrimento da negativa.
Morar em capital ou região metropolitana e ter pele de cor parda ou branca – essa
segunda categoria com significância estatística somente neste modelo – aumentam a
probabilidade de os cidadãos demonstrarem maior satisfação com os serviços públicos. É
plausível pensar que cidadãos que moram em regiões de maior centralidade geográfica –
capitais e regiões metropolitanas – assim como em áreas com menor concentração de
pessoas de pele negra sejam atendidos por serviços de melhor qualidade, por conta de
desigualdades na distribuição espacial das agências estatais ou da qualidade do
12
atendimento que prestam. Como nosso estudo não se debruçou sobre indicadores
objetivos sobre o desempenho dos serviços públicos, essa é uma hipótese a ser testada em
estudos com desenho de pesquisa diferente, que possa quantificar o impacto do
desempenho concreto na avaliação subjetiva do cidadão.
Resta comentar ainda um achado relevante do segundo modelo analisado: uma das
variáveis relativa ao contato pessoal ou acesso direto com os serviços públicos obteve
significância estatística, indicando que esse é quesito que diferencia os cidadãos em termos
de impacto na avaliação dos serviços públicos. Aqueles que afirmam ter procurado no ano
anterior à aplicação da pesquisa algum tipo de serviço público, seja ele de qualquer esfera
governamental (federal, estadual ou municipal), apresentam 33,1% menos probabilidade de
avaliar positivamente os serviços do que aqueles que não procuraram nenhum órgão
público. Ou seja, o contato com o serviço público aponta favorecimento de avaliações
negativas em detrimento de avaliações positivas, evidência que aparece em choque com os
resultados obtidos pelo instituto MORI (2003) para o Reino Unido. A avaliação geral mais
negativa dos serviços públicos brasileiros contribui para entender essa evidência. É possível
pensar que, ao ter contato com o serviço público de qualidade relativamente rebaixada
existente no país, o cidadão desenvolve percepção pior – e não melhor – dos préstimos das
agências estatais.
13
Tabela 5. Preditores da avaliação positiva dos serviços públicos
B
Erropadrão
0,446
Intercepto
-1,243
Município (referência: Interior)
Capital ou região metropolitana
0,729
0,159
Gênero (referência: Feminino)
Masculino
0,174
0,141
Idade (referência: 16-24)
25-34
-0,015
0,211
35-44
-0,348
0,234
45-59
-0,022
0,235
60 ou mais
0,189
0,278
Instrução (referência: até primário incompleto)
Primário completo
-0,286
0,246
Fundamental incompleto/ completo
-0,122
0,214
Médio incompleto/ completo
-0,487
0,227
Superior incompleto ou mais
-1,341
0,345
Renda familiar (referência: Baixa)
Média
0,102
0,159
Alta
0,147
0,217
Cor da pele (referência: Pretos)
Pardos
0,733
0,251
Brancos
0,766
0,257
Exposição à TV em geral (referência: Não assiste/ até 1 hora por dia)
De 2 até 3 horas
0,232
0,171
Até 4 horas ou mais
-0,007
0,200
Atenção a notícias sobre política na TV (referência: Nenhuma)
Pouca
-0,212
0,169
Alguma/ muita
-0,325
0,179
Exposição ao JN (referência: Não assiste/ 1 dia na semana)
2 ou 3 dias
-0,059
0,210
De 4 a todos os dias
0,045
0,201
Procurou serviço público ano passado (referência: não)
Sim
-0,403
0,152
Utilizou serviços de hospital público (referência: não)
Sim
0,164
0,172
Utilizou serviços de polícia (referência: não)
Sim
0,026
0,182
Utilizou serviços de transporte público (referência: não)
Sim
-0,103
0,169
P valor
Razões de
chance
Efeito
percentual
0,005
0,000**
2,073
107,3%
0,218
1,190
19
0,942
0,138
0,925
0,497
0,985
0,706
0,978
1,208
-1,5
-29,4
-2,2
20,8
0,245
0,570
0,032**
0,000**
0,751
0,886
0,615
0,262
-24,9
-21,4
-38,5
-73,8
0,522
0,500
1,107
1,158
10,7
15,8
0,004**
0,003**
2,082
2,150
108,2
115
0,175
0,971
1,261
0,993
126,1
-0,7
0,211
0,069*
0,809
0,722
-19,1
-27,8
0,777
0,822
0,942
1,046
-5,8
4,6
0,008**
0,669
-33,1
0,341
1,178
17,8
0,887
1,026
2,6
0,544
0,902
-9,8
Fonte: Survey A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas
*Significância ao nível de p<0,10 **Significância ao nível de p<0,05
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As evidências colhidas nas análises empíricas reproduzidas neste capítulo sugerem
que a hipótese do cidadão crítico se aplica ao Brasil, no que se refere à avaliação dos
serviços públicos. São os setores mais escolarizados e informados os que avaliam mais
14
negativamente os serviços prestados por agências estatais, o que sugere que a mobilização
cognitiva ampliada favorece uma relação de maior ceticismo diante da ação do Estado.
Sobretudo variáveis relativas à escolaridade mostraram-se preditor consistente de
apreciação menos favorável dos serviços públicos. Nesse sentido, este trabalho confirma e
aprofunda para o caso brasileiro os achados de Inglehart (1999), Norris (1999) e Figueiredo;
Torres; Bichir (2006).
O resultado descortina, portanto, um paradoxo: são justamente os brasileiros que
estão entre os mais incluídos, aqueles que tiveram mais acesso à educação e têm estímulo
para buscar informações sobre a política, os que avaliam os serviços públicos mais
criticamente. É plausível supor que esses segmentos também façam parte dos setores que
mais acesso têm aos serviços públicos ou que têm acesso a serviços públicos de maior
qualidade.
Importante observar que a avaliação dos serviços públicos brasileiros gerada a
partir do survey “A desconfiança dos cidadãos das instituições democráticas”, realizado em
2006, é mais negativa do que positiva. Nesse sentido, destoa da feita pelos britânicos
diante dos serviços prestados pelas agências públicas do Reino Unido. Isso, por si só, é sinal
de baixa responsividade das instituições estatais brasileiras, pois o retrato geral que emerge
deste trabalho é o de um Estado incapaz de atender às expectativas do cidadão. É discutível
se essas expectativas se encontram em patamar adequado diante dos recursos concretos
do país; o que não é discutível é a percepção do cidadão de que os serviços propiciados
pelo Estado frustram seus critérios a ponto de vários deles merecerem ser avaliados como
ruins ou péssimos.
Este trabalho também serve de alerta para a necessidade de compreender melhor o
que deve ser entendido como experiência com as instituições, considerada fator capaz de
levar inclusive à revisão dos valores do cidadão. Nos modelos testados neste capítulo, os
usos da mídia não mostraram influência decisiva sobre a avaliação dos serviços públicos. A
variável relativa à mídia que teve impacto de fato – atenção prestada às notícias políticas na
televisão – se refere muito mais ao perfil do indivíduo do que à exposição ou aos conteúdos
veiculados. Variáveis sobre audiência à televisão em geral e ao Jornal Nacional
especificamente não tiveram efeito independente sobre a percepção dos serviços públicos.
Também o contato direto se revelou pouco decisivo para a avaliação dos usuários
dos serviços. Favoreceu a percepção negativa em contraposição à positiva, mas não
influenciou como preditor da avaliação regular. Os achados se assemelham aos de Bonifácio
(2009), que verificou que não haver tendência clara de associação entre uso de
determinado serviço público e a avaliação sobre ele. No trabalho do autor, três serviços
15
foram avaliados e o contato direto não apresentou relação estatisticamente consistente
com maior satisfação em um caso, teve associação positiva em outro e negativa no terceiro
caso.
Em resumo, as duas formas de contato com os serviços públicos – pela mídia e
como usuário – se apresentaram como experiência com efeitos modestos ou desprezíveis
sobre a percepção das instituições.
Vale ressaltar que, quando teve influência, o contato com o serviço público
impactou negativamente o julgamento do cidadão. É um resultado que vai em direção
oposta à verificada pelo MORI (2003) na Grã-Bretanha. Talvez a explicação resida em três
aspectos:
(1) Há grande diferença de percepção de qualidade dos serviços públicos selecionados
entre Grã-Bretanha e Brasil, com muito mais considerações positivas no primeiro caso que
no segundo;
(2) A natureza das medidas é diferente, sendo que os dados nacionais aferem de modo
generalizante o acesso dos cidadãos aos serviços públicos e, no estudo britânico, essa
medição foi mais específica.
16
Anexo
Tabela 1 . Freqüências das variáveis independentes
Variável
Local de moradia
Sexo
Idade
Escolaridade
Renda familiar
Cor da pele
Audiência à TV em
geral
Atenção às notícias
sobre política na TV
Exposição ao Jornal
Nacional
Procurou serviço
público no ano
anterior
Utilizou hospital
público
Utilizou polícia
Utilizou transporte
público
Frequências
Interior
37,1%
Feminino
51,6
De 16 a 24
anos
20,4%
Analf./Prim
ário inc.
22,4%
Baixa
37,1%
Preto
10,8%
Ñ vê/1 h
diária
28,2%
Nenhuma
Capital ou
reg. metro.
62,9%
Masculino
48,4
De 25 a 34
anos
24,5%
Primário
completo
12,6%
Média
43,8%
Pardo
49,5%
2 a 3 horas
44,5%
Pouca
38,5%
Nenhum/1
dia por
semana
19,1%
Não
62,2%
32,5%
De 2 a 3
dias
Não
27,3%
Não
82,4%
Não
25,9%
Sim
72,7%
Sim
17,6%
Sim
74,1%
28,8%
Sim
37,8%
Total*
2.004
2.004
De 35 a 44
anos
20,6%
Fund. inc.
ou compl.
26%
Alta
19,1%
Branco
39,8%
4 horas ou
mais
27,4
Alguma/
muita
29%
4 dias ou
mais
De 45 a 59
anos
21,3%
Médio inc
ou compl.
28,6%
60 anos ou
mais
13,3%
Superior
inc./comp.
10,4%
2.004
2.004
1.839
1.944
2.003
2.001
2.001
52,1%
2.000
2.001
2.002
2.004
Fonte: Survey A desconfiança do cidadão das instituições democráticas
* Respostas “não sabe” e entrevistados que não quiseram responder fazem alguns totais não atingirem 2004
casos
17
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O PAPEL DA CONFIANÇA PARA A DEMOCRACIA E SUAS PERSPECTIVAS
RACHEL MENEGUELLO e JOSÉ ÁLVARO MOISÉS
Com o objetivo de avançar no estudo da qualidade da democracia brasileira, um dos
principais aspectos resultantes das discussões desenvolvidas nos capítulos do presente
livro foi uma resposta à questão freqüentemente formulada pelos céticos das interações
entre a cultura política e o funcionamento do sistema político: “por que é tão importante
confiar nas instituições?” (PRZEWORSKI, 2007).
Para a teoria democrática, sua importância está exatamente no fato de que nas
democracias modernas foi dado às instituições o papel de mediadores dos interesses dos
indivíduos, são elas que atuam na intermediação das relações entre os cidadãos e o sistema
político. Esse é o ponto que distingue a democracia das demais formas de governo e o que
confere à confiança institucional o seu conteúdo normativo. Dessa forma, os níveis de
confiança institucional refletem a percepção do funcionamento do sistema como um todo e
são definitivos na criação de níveis de apoio e satisfação com o regime democrático.
Mas é da observação dos dados sobre a adesão ao regime democrático que deriva a
centralidade dessa questão. As informações sobre a preferência pela democracia no país
mostram que, desde o início da democratização, ela cresce no tempo em uma tendência
contínua, mas ainda é acompanhada de uma média de 30% de cidadãos que afirmam poder
apoiar a ditadura em determinadas situações ou, por outro lado, que nem se importam com
o tipo de regime sob o qual vivem, apontando para um claro distanciamento da política e de
seu funcionamento.
Essas informações compartilham, de forma ampla em escala internacional, os
índices de baixa credibilidade institucional, sobretudo, relacionados à desconfiança das
instituições representativas. Em países com experiências ditatoriais recentes, a herança
autoritária mostrou que tem peso significativo na definição de parâmetros para a relação
dos cidadãos com as instituições, no envolvimento com a política e na credibilidade do
sistema. É isso o que indicam as pesquisas sobre regimes que transitaram de ditaduras para
democracias, nos quais os déficits percebidos pelo público no terreno do cumprimento às
leis, dos níveis de corrupção e do cerceamento de liberdades condicionam os graus de
apoio político ao regime constituído, o qual, por sua vez, se estabelece sob os
constrangimentos das denominadas “democracias incompletas” (SHIN, 2007; ROSE & SHIN,
2001; RAINER & SIEDLER, 2006).
As reflexões apresentadas neste livro se concentraram em dois objetivos principais,
por um lado, na busca da natureza das relações que explicariam os determinantes da
avaliação predominantemente negativa das instituições encontrada no cenário brasileiro e,
por outro, no mapeamento das associações da atitude de desconfiança com um conjunto
de outras atitudes, opiniões e comportamentos do público a respeito do regime
democrático. Nessa direção, uma das principais conclusões a destacar mostra que os
determinantes da atitude de desconfiança estão relacionados com o desempenho concreto
das instituições democráticas, assim como, com os valores e perspectivas normativas
adotados pelo público a respeito da missão das instituições analisadas.
As discussões apresentadas nos vários capítulos mostraram que, para os vários
temas analisados e associados com o debate contemporâneo sobre a democratização –
como o fenômeno da adesão ao regime democrático e da legitimidade política; as relações
entre educação e democracia; corrupção e democracia; mídia e confiança política;
confiança, cidadania, participação e envolvimento político; confiança na justiça e na polícia
e, finalmente, a avaliação do desempenho de ações estatais observadas através dos
serviços públicos -, as atitudes e comportamentos de confiança ou desconfiança política
não constituem isoladamente explicações suficientes. Seus determinantes recorrem a
múltiplos fatores, como as dimensões socioeconômicas e demográficas, a avaliação do
desempenho da economia, da política e de governos específicos, as associações com
credos religiosos e partidos políticos, assim como os fatores associados com a cultura
política, a exemplo da própria confiança.
Esse conjunto de relações explicativas responde à própria natureza do fenômeno
estudado: a desconfiança política é estrutural e afeta, senão todas, a grande maioria das
instituições. Além disso, ela não é um fenômeno transitório, associado a uma situação
específica, como denúncias de escândalos ou crises políticas. A desconfiança é um
fenômeno persistente da relação entre os cidadãos brasileiros e as instituições, tal como já
mostravam as pesquisas conduzidas ao longo das últimas duas décadas.
Assim, por um lado, os resultados encontrados acompanham o que parte da
literatura da cultura política vem afirmando há anos, ou seja, que a ação e as condutas
políticas observadas contemporaneamente são influenciadas por múltiplos fatores
intervenientes, dentre os quais a confiança tem um papel central, como indicaram Almond
e Verba (1963), Easton (1967, 1975) e, mais recentemente, Norris (1999), Inglehart (1999),
Putnam(1993), Rose(1994), Shin (2005). Por outro, acompanhando o que afirma parte da
literatura da ciência política que tem se debruçado sobre esse tema central para os estudos
sobre a democracia, os resultados confirmam a convergência entre as abordagens
culturalista e institucionalista para a interpretação do fenômeno da desconfiança política.
Em especifico, as análises apontam a necessidade da adoção de modelos explicativos que
articulem, de forma efetiva, as duas perspectivas, no sentido de integrar os referenciais
culturais e valorativos a indicadores institucionais e referenciais econômicos objetivos
(MOISÉS, 2010).
As reflexões apresentadas indicam que a explicação do fenômeno de desconfiança
política no Brasil, assim como a de um conjunto de outras atitudes relacionadas aos
posicionamentos dos indivíduos a respeito do regime democrático, tem natureza
multidimensional e recorre a valores e avaliações objetivas, como a percepção da
economia, da política e dos governos do momento. Esses achados representam
importantes avanços do conhecimento na área, sobretudo porque contribuem para mitigar
lacunas ainda existentes no campo das investigações sobre as bases de massa da
legitimidade democrática no país. Nesse sentido, a realização da pesquisa nacional de
opinião aplicada em 2006, utilizando questões e variáveis consagradas nos estudos
nacionais e internacionais, contribuiu substantiva e metodologicamente para o estudo
longitudinal da democratização.
Mas, para além das conclusões sobre as contribuições dos vários trabalhos
apresentados, os resultados encontrados colocaram novos problemas para a compreensão
do fenômeno democrático. Uma primeira questão diz respeito à emergência e
desenvolvimento dos recentes governos de esquerda na região latino americana. Para os
países da America Latina, em especial os da América do Sul, que experimentaram ditaduras
militares nas décadas de 1960, 1970 e 1980, a preocupação com a transição política e com as
bases de adesão ao regime é central.
Apesar do êxito do processo de construção institucional e da dinâmica eleitoral e
partidária como forma de alternância de poder, e que possibilitaram as recentes vitórias de
governos de esquerda, os governos e as políticas compensatórias não têm se mostrado
capazes de responder adequadamente às fortes desigualdades sociais. A região apresenta
variações importantes desse fenômeno, inclusive definindo lideranças de perfis distintos e
com impactos variados sobre a percepção e a legitimidade do sistema. Em que medida, por
exemplo, no caso do Brasil os processos políticos recentes desenvolvidos sob os últimos
governos tiveram impacto sobre os cidadãos, no que tange à sua percepção da democracia
e do desempenho do regime? A percepção e o acesso aos benefícios de políticas de
redistribuição de renda – sejam as políticas implantadas no atual governo, sejam aquelas
desenvolvidas em continuidade aos governos anteriores - definiram concepções específicas
sobre o papel do Estado, o funcionamento democrático e as noções de cidadania? Nosso
suposto e nossa intuição são que a aplicação de variáveis e indicadores específicos, que
combinem percepções sobre o desempenho do sistema, avaliação de políticas e
levantamento de valores democráticos possam, por um lado, produzir novos resultados
capazes de dialogar com a bibliografia sobre o desenvolvimento recente do regime
democrático na região e, sobretudo, delinear os avanços recentes da percepção sobre a
democracia à luz das ações do Estado, em sentido amplo, e dos governos de esquerda e
suas políticas, em específico.
Este cenário derivado da pesquisa do caso brasileiro, também pode ser identificado
no âmbito dos processos políticos recentes de outros países latino-americanos. Nos últimos
anos, tendências políticas definidas à esquerda do espectro ideológico definiram vitórias
eleitorais que não resultaram necessariamente em níveis mais fortes de adesão aos
construtos institucionais democráticos, em especial, no que se refere à consolidação do
primado da lei, à estrutura de direitos de cidadania e os mecanismos de accountability –
todos centrais para a avaliação da qualidade da democracia. Ao contrário, dados de
pesquisas recentes mostraram que os segmentos de cidadãos com orientações mais à
esquerda apóiam menos as instituições políticas e os valores democráticos, inclusive
conferindo extraordinário poder pessoal aos presidentes nacionais (SELIGSON, 2007).
Esses cenários sugerem que o estudo das formas e conceitos de liderança
democrática
e
de
neopopulismo
observados,
bem
como
as
implicações
do
presidencialismo, forma histórica e dominante de organização do poder político na região,
sobre as modalidades de cidadania e dos níveis de participação e de adesão democráticas
vigentes, permitiriam capturar os efeitos da organização do sistema representativo sobre
os posicionamentos dos cidadãos, as suas percepções a respeito de seu funcionamento, e
os padrões de cidadania daí derivados.
Nessa direção, os achados da pesquisa relatados neste livro apontam para a
necessidade de aprofundamento do tema da representação política. Algumas das reflexões
apresentadas mostraram que as atitudes de desconfiança com relação aos partidos e ao
parlamento têm impacto sobre as relações entre os indivíduos e a política em seu sentido
amplo, mas elas não permitem avançar o conhecimento para além da avaliação do
desempenho institucional, ou seja, especificamente sobre as imagens e expectativas
efetivas que as pessoas têm dessas instituições. O que os indivíduos pensam, esperam e
desejam de partidos e parlamentos? Essas instituições são irrelevantes ou são vistas como
possibilidades efetivas de mediação de interesses e de preferências? Nesse sentido,
acreditamos que pesquisas mais aprofundadas se impõem, seja para dar conta da
fragilidade com a qual os indicadores aplicados se apresentaram, impossibilitando
explicações renovadas sobre a baixa identidade com os partidos políticos e as instituições
representativas, seja para apreender melhor o lugar da tradição, da cultura política e da
ideologia como parâmetros de posicionamentos individuais. Embora as análises consagrem
a escolha eleitoral como norma e valor presentes nas referências dos brasileiros - e
sabemos que assim também ocorre para boa parte dos latino-americanos - os
posicionamentos são distintos quando referidos às instituições e ao seu funcionamento.
Ademais, o tema da relação entre corrupção e democracia emergiu com destaque.
As análises apresentadas sobre a questão avançaram de forma significativa na
caracterização do fenômeno, em especial, no que se refere às percepções das pessoas
sobre a corrupção e, sobretudo, quanto ao impacto dessas percepções para a desconfiança
de instituições. Mas, em vista da verificação de que a tolerância pública diante da corrupção
joga um papel importante para entender a dinâmica desse fenômeno (ver MOISES, capítulo
7 deste livro), nossos dados apontam a necessidade de afinar ainda mais os indicadores que
permitam detectar a relação das pessoas comuns com a corrupção para, a partir disso,
apreender em que medida a tolerância social com a corrupção afeta a qualidade da
democracia brasileira. Em específico, parece necessário aprofundar a análise do impacto
desse fenômeno para a competição política, a igualdade entre contendores, o investimento
de recursos em políticas públicas consideradas prioritárias pelos eleitores, e a efetividade
dos mecanismos de accountability, que têm forte relação com a qualidade da democracia.
Finalmente, consideramos também que as questões elencadas motivam uma
revisão quanto à aplicação de medidas de survey e confirmam a necessidade de uma
produção continuada de dados sobre comportamento político no país. O avanço do
conhecimento sobre as transições políticas sugere que as medidas consagradas de
satisfação com regime, ou as variáveis associadas ao modelo idealista, que buscam níveis de
adesão e preferência pela democracia, não conseguem discriminar a contento as distinções
existentes entre regimes variados (KLINGEMANN, 1999; MISHLER, 2006).
Algumas análises sobre as transições apontam, ainda, que a medida de confiança
tem lugar limitado como medida de apoio à democracia, em um sentido distinto das
hipóteses originais de nossa pesquisa (MISHLER & ROSE, 2005). Parte da literatura sugere,
por exemplo, que os cidadãos de regimes políticos democráticos recentes têm menor
cognição sobre os significados da democracia e de seus princípios, mas têm uma
experiência de vida com o regime anterior autoritário que lhes permite avaliar o novo
regime de forma mais adequada através da comparação por medidas realistas. Nossa
pesquisa avançou nessa direção explorando variáveis de memória política que permitiram
analisar o desempenho dos governos brasileiros pós-1985, em comparação com os últimos
governos do regime militar em algumas dimensões, a avaliação da situação dos direitos
humanos, da corrupção e da economia.
Embora os resultados encontrados tenham reiterado o peso exercido pela
percepção do governo do momento sobre os posicionamentos dos entrevistados, presente
em outras relações analisadas na pesquisa, identificamos que o processo eleitoral e a
campanha pela reeleição do governo federal em 2006 teve impacto sobre os resultados dos
modelos estatísticos, já que a pesquisa foi realizada em junho daquele ano (MENEGUELLO,
2011). Concordamos com Rose (2007) quando aponta que o comportamento político está
definitivamente condicionado às influências do tempo e da história, e que “ignorar essas
influências sobre o comportamento no momento da realização de um survey é agir como se
o passado não tivesse existência empírica” (ROSE, 2007, p286).
A tradição de estudos sistemáticos de análise longitudinal da evolução da relação
dos cidadãos brasileiros com o regime democrático precisa avançar mais de modo a
permitir apreender no tempo as variações das atitudes e percepções quanto ao
funcionamento do sistema político em geral e suas instituições em particular. Como se
sabe, o conhecimento das bases subjacentes do fenômeno da confiança institucional e do
desafio que isso coloca para a democracia brasileira não resulta de um único estudo
realizado no tempo. Por isso, uma das conclusões mais importantes que emerge do esforço
coletivo apresentado neste livro é a necessidade de desenvolvimento de um programa de
pesquisa e de produção de dados que seja permanente e suficientemente abrangente para
avançar o conhecimento do fenômeno democrático brasileiro.
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