viviane senna, por alex ricciardi – forbes brasil

Transcrição

viviane senna, por alex ricciardi – forbes brasil
altos negócios
iates
acelera,
viviane
Obstinada como o irmão, a psicóloga da família Senna não admite
menos de 100% de êxito em suas iniciativas para
a alfabetização de crianças e adolescentes
por alex ricciardi
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março
fevereiro
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FOTOS ROBERTO SETTON
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especial
A
mulher
yrton Senna foi a rocha
sobre a qual se ergueram os primeiros alicerces do instituto que leva
seu nome, sem dúvida.
Mas o nous (alma, em grego) dessa entidade responde por outro nome: Viviane
Senna. A citação da palavra da língua de
Platão não é gratuita: Viviane é psicóloga, profissão que retirou imensa parte
de sua terminologia desse idioma. Diplomada pela PUC-SP, terapeuta junguiana,
de 1981 a 1996 ela clinicou, supervisionou
outros profissionais e deu aulas. Estava
feliz com a vida que escolhera – mas a
vida, de sua parte, aparentemente tinha
planos maiores para ela. Em novembro de 1994 (cerca de oito meses após a
morte trágica de seu irmão no Grande
Prêmio de San Marino, disputado em
Ímola, na Itália), Viviane abria as portas
do Instituto Ayrton Senna (IAS) em São
Paulo. Pouco antes do acidente que lhe
custou a vida, Ayrton havia lhe dito que
pobre e injeta-se nela dinheiro e trabalho para torná-la exemplar. Isso pode ser
muito bom para as poucas crianças que
estudam ali, mas é quase nulo de efeito
para o conjunto da educação nacional”,
explica ela. “Então, me dei conta de que
a questão correta a ser formulada era:
como ajudar à soma dos jovens do Brasil,
e não apenas a uma fração dessa população? A resposta a essa pergunta me levou
a reformular toda a atuação do instituto.”
Desde então, o IAS se notabilizou por
algumas características bem peculiares.
Em primeiro lugar, não aceita dinheiro
público. Trabalha só com recursos próprios e doações de empresas, além dos
dividendos que o licenciamento da
marca Ayrton Senna gera (para essa
regra só abriu uma exceção, quando o
então ministro da Educação Fernando
Haddad fez um apelo pessoal a Viviane
para que participasse de um projeto de
sua gestão). A entidade também não lida
diretamente com os estudantes, mas sim
com as instituições públicas encarregadas de ensiná-los. E, principalmente, o
IAS age em todo o país, e cada ação sua
beneficia dezenas, centenas de milhares
de crianças – e, às vezes, milhões delas.
“Firmamos convênios com secretarias de Educação estaduais e municipais.
As menores unidades com que trabalhamos são as cidades. O que fazemos
é detectar quais os males que afligem
cada sistema educacional, desenhar soluções para resolvê-los e implantá-las. E
o mais importante: nosso objetivo final,
qualquer que seja o caso, é ter 100% das
crianças e adolescentes de um determinado sistema totalmente alfabetizados.
Nós não nos contentamos com 80% de
sucesso, nem com 90 ou 95% – nós queremos 100% de alfabetização, sempre”,
explica Viviane, com uma voz calma e
pausada que contrasta com o arrojo dos
objetivos a que se propõem.
Ela é uma mulher magra e pequena,
que se veste de maneira clássica. Tem
Antes de morrer, Ayrton disse a Viviane que pretendia fazer algo pelo
Brasil. Não houve tempo para debates, mas foi daí que nasceu o IAS
desejava fazer algo pelo Brasil, e pediu
que pensasse a respeito. Ficaram de conversar após o fim da temporada de corridas daquele ano. Não houve tempo para
tanto. Coube a Viviane levar o projeto
adiante em memória de seu irmão – mas
a concepção da iniciativa e a disposição
para levantar-se toda manhã e levá-la
adiante, tiveram de vir só dela.
Não foi fácil, e as dificuldades de
financiamento e gestão do IAS nem foram
seu maior desafio. Perceber o que de fato
devia ser feito, isso sim, foi trabalhoso.
“Levei dois anos para descobrir não a resposta, mas a pergunta correta que deveria
ser feita para a melhora da educação brasileira”, conta Viviane. “Quando começamos, e nos dois anos seguintes, fizemos o
que quase todas as demais ONGs faziam
e seguem fazendo: ações pontuais, quase
cirúrgicas de promoção social. Escolhe-se
uma determinada escola em um bairro
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A McLaren com a qual Ayrton venceu seu
último GP, na sede do Instituto Ayrton Senna
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especial
mulher
“O Brasil perde 50% de seus estudantes pelo
caminho. Não há uma doença hoje no mundo
que mate metade de seus pacientes“
54 anos de idade. A família Senna é tradicional na
Zona Norte de São Paulo (o IAS surgiu lá, mas há
alguns anos foi transferido para o bairro de Pinheiros), porém a própria Viviane mudou-se para a Zona
Oeste da cidade. No dia em que falou à FORBES Brasil, por volta das 2 horas da tarde, ela havia acordado
às 5h30 e até então não conseguira almoçar, por total
falta de tempo. Mesmo assim dedicou cerca de duas
horas à nossa equipe, entre entrevista e sessão de
fotos. Viviane emocionou o Brasil em maio de 1994,
quando aproximou seu rosto e beijou o capacete de
seu falecido irmão durante o velório de Senna, em
uma imagem que percorreu o mundo.
Se há algo que fica claro em seu discurso é o quanto
Viviane deplora o atual estado da educação pública
no país, e até mesmo o tipo de sociedade que aqui foi
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edificada. “A história de 500 anos do
Brasil é a história da construção de uma
nação inteira apenas para o gozo de uma
pequena elite”, dispara ela. “Apesar de
98% dos meninos e meninas do país cursarem hoje uma escola, pouquíssimos
dentre eles saem dela formados e alfabetizados. Na média, de cada dez crianças que
entram na primeira série do ensino básico,
apenas cinco terminam o terceiro ano do
ensino médio. É uma perda de 50% a que
ocorre pelo caminho. É um absurdo – não
há uma doença hoje no mundo, dentre
as que atingem grandes populações, que
mate 50% dos pacientes. Mas o sistema de
ensino público do Brasil falha com 50%
dos jovens que necessitam dele.”
A cada ano, o Instituto Ayrton Senna
auxilia perto de 2 milhões de alunos,
além de capacitar cerca de 74 mil educadores de 1.300 municípios, em 25 Estados. Entre 1994 e 2011 (último ano
com dados contabilizados), mais de
15 mi­lhões de crianças e jovens já tinham
sido beneficiados pela entidade. Tantos
resultados valeram ao IAS o reconhecimento internacional da Unesco (órgão
da ONU voltado à educação), a qual concedeu à entidade em 2004 a Cátedra de
Educação e Desenvolvimento Humano
– feito inédito para uma organização não
governamental em todo o mundo.
Chama a atenção, no que diz Viviane,
a forma como seu vocabulário remete
ao mundo corporativo. Termos como
“metas”, “foco”, “custo” e “resultados”
permeiam sua fala. No ambiente educacional brasileiro, onde pululam doutrinas pedagógicas com ideologia demais e
eficácia de menos, isso pode soar como
um bálsamo para os ouvidos. Mas ela é
a primeira a advertir: “Meus métodos
para disseminar a educação têm, de fato,
muito de empresarial, mas a lógica de
minha ação é movida, sobretudo, por um
fundo ético. As crianças no Brasil estão
sendo lesadas – elas têm direito a receber
uma educação que as alfabetize e as prepare para a vida e não estão recebendo
esse direito. Isso tem de mudar”.
E, mais uma vez, ela não aceita meias
vitórias. “Firmamos um convênio com
por que viviane está coberta de razão
As pesadas críticas que Viviane faz à educação de 1º e 2º grau no Brasil
podem parecer excessivas – mas apenas e tão somente para quem não
conhece a realidade da escola pública em nosso país. No início de março, o
Todos pela Educação, um movimento voltado à melhoria do setor, divulgou
um estudo com dados que confirmam as mais duras afirmações feitas pela
presidente do Instituto Ayrton Senna nesta reportagem.
Segundo o documento, apenas 10,3% dos estudantes do ensino médio
no Brasil (inclusas aí instituições públicas e privadas) contam com um nível
de aprendizado em matemática condizente com a série que cursam.
Trata-se de um índice baixíssimo e, pior, que vem caindo ao longo
dos anos: em 2009 era de 11%. Se forem considerados só os alunos
de escolas públicas do país, a situação fica assustadora: nada mais que
5,2% dos mesmos sabem matemática tanto quanto deveriam.
Em se tratando de língua portuguesa, a situação melhora um pouco: 29,3%
dos jovens do ensino médio têm um desempenho na disciplina adequado a seu
nível escolar. Novamente, se considerarmos apenas os que estão na educação
pública, a situação piora: só 23,3% conhecem o português tão bem quando
deveriam para seu estágio escolar. O relatório do Todos pela Educação revela, em
contrapartida, que os Estados de Minas Gerais e Santa Catarina são os que têm
conseguido melhorar mais consistentemente o aprendizado de seus estudantes.
o governo de Pernambuco para ajudar a
melhorar a educação pública local”, conta
ela. “Havia 1 milhão de crianças naquele
sistema. Destas, metade estava atrasada
ao menos dois anos em seus estudos.
Muitas eram simplesmente analfabetas,
mesmo estando na escola. Começamos a
trabalhar pesado ali e, em poucos meses,
conseguimos alfabetizar 70% dos estudantes. Aí, quando chegamos nesse patamar, o progresso simplesmente estancou.
Fomos tentar descobrir a razão e verificamos que os professores locais tinham
se acomodado porque já estavam muito
felizes com o fato de terem conseguido
70% de sucesso em tão pouco tempo com
nossa ajuda. Para mim, isso não bastava.
Fomos até eles e conseguimos convencêlos de que aquilo ainda não era suficiente,
que precisávamos de 100% das crianças
educadas. Deu certo”, conclui.
Ao final da entrevista, Viviane resumiu o que a motiva a seguir com o IAS
20 anos após o início desse trabalho: “Eu
não acho que tenhamos o direito de fazer
algo meia-boca quando se trata de educação pública. Estamos lidando com a vida
de pessoas que provavelmente não terão
uma segunda oportunidade de aprendi-
zado contínuo durante sua existência,
pois logo terão de trabalhar para seu sustento”. E arremata: “Eu não consigo aceitar passivamente um estado de coisas
no qual você se depara com uma criança
pedindo esmola ou fazendo malabarismo
em sinais. Eu vejo isso e me lembro que
ali estão 10 bilhões de neurônios sendo
desperdiçados, e que alguém precisa fazer
algo a respeito”. E esse alguém responde
por Viviane Senna.
O MUNDO
segundo Viviane Senna
livros
Romances históricos,
como O Físico, de
Noah Gordon
filmes
Os de ação ou ficção
estilo musical
Trance music
viagem
Europa
culinária
Italiana
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