viviane senna, por alex ricciardi – forbes brasil
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viviane senna, por alex ricciardi – forbes brasil
altos negócios iates acelera, viviane Obstinada como o irmão, a psicóloga da família Senna não admite menos de 100% de êxito em suas iniciativas para a alfabetização de crianças e adolescentes por alex ricciardi 54 | forbes brasil março fevereiro 20132013 FOTOS ROBERTO SETTON fevereiro 2013 forbes brasil | 55 especial A mulher yrton Senna foi a rocha sobre a qual se ergueram os primeiros alicerces do instituto que leva seu nome, sem dúvida. Mas o nous (alma, em grego) dessa entidade responde por outro nome: Viviane Senna. A citação da palavra da língua de Platão não é gratuita: Viviane é psicóloga, profissão que retirou imensa parte de sua terminologia desse idioma. Diplomada pela PUC-SP, terapeuta junguiana, de 1981 a 1996 ela clinicou, supervisionou outros profissionais e deu aulas. Estava feliz com a vida que escolhera – mas a vida, de sua parte, aparentemente tinha planos maiores para ela. Em novembro de 1994 (cerca de oito meses após a morte trágica de seu irmão no Grande Prêmio de San Marino, disputado em Ímola, na Itália), Viviane abria as portas do Instituto Ayrton Senna (IAS) em São Paulo. Pouco antes do acidente que lhe custou a vida, Ayrton havia lhe dito que pobre e injeta-se nela dinheiro e trabalho para torná-la exemplar. Isso pode ser muito bom para as poucas crianças que estudam ali, mas é quase nulo de efeito para o conjunto da educação nacional”, explica ela. “Então, me dei conta de que a questão correta a ser formulada era: como ajudar à soma dos jovens do Brasil, e não apenas a uma fração dessa população? A resposta a essa pergunta me levou a reformular toda a atuação do instituto.” Desde então, o IAS se notabilizou por algumas características bem peculiares. Em primeiro lugar, não aceita dinheiro público. Trabalha só com recursos próprios e doações de empresas, além dos dividendos que o licenciamento da marca Ayrton Senna gera (para essa regra só abriu uma exceção, quando o então ministro da Educação Fernando Haddad fez um apelo pessoal a Viviane para que participasse de um projeto de sua gestão). A entidade também não lida diretamente com os estudantes, mas sim com as instituições públicas encarregadas de ensiná-los. E, principalmente, o IAS age em todo o país, e cada ação sua beneficia dezenas, centenas de milhares de crianças – e, às vezes, milhões delas. “Firmamos convênios com secretarias de Educação estaduais e municipais. As menores unidades com que trabalhamos são as cidades. O que fazemos é detectar quais os males que afligem cada sistema educacional, desenhar soluções para resolvê-los e implantá-las. E o mais importante: nosso objetivo final, qualquer que seja o caso, é ter 100% das crianças e adolescentes de um determinado sistema totalmente alfabetizados. Nós não nos contentamos com 80% de sucesso, nem com 90 ou 95% – nós queremos 100% de alfabetização, sempre”, explica Viviane, com uma voz calma e pausada que contrasta com o arrojo dos objetivos a que se propõem. Ela é uma mulher magra e pequena, que se veste de maneira clássica. Tem Antes de morrer, Ayrton disse a Viviane que pretendia fazer algo pelo Brasil. Não houve tempo para debates, mas foi daí que nasceu o IAS desejava fazer algo pelo Brasil, e pediu que pensasse a respeito. Ficaram de conversar após o fim da temporada de corridas daquele ano. Não houve tempo para tanto. Coube a Viviane levar o projeto adiante em memória de seu irmão – mas a concepção da iniciativa e a disposição para levantar-se toda manhã e levá-la adiante, tiveram de vir só dela. Não foi fácil, e as dificuldades de financiamento e gestão do IAS nem foram seu maior desafio. Perceber o que de fato devia ser feito, isso sim, foi trabalhoso. “Levei dois anos para descobrir não a resposta, mas a pergunta correta que deveria ser feita para a melhora da educação brasileira”, conta Viviane. “Quando começamos, e nos dois anos seguintes, fizemos o que quase todas as demais ONGs faziam e seguem fazendo: ações pontuais, quase cirúrgicas de promoção social. Escolhe-se uma determinada escola em um bairro 56 | forbes brasil março 2013 A McLaren com a qual Ayrton venceu seu último GP, na sede do Instituto Ayrton Senna março 2013 forbes brasil | 57 especial mulher “O Brasil perde 50% de seus estudantes pelo caminho. Não há uma doença hoje no mundo que mate metade de seus pacientes“ 54 anos de idade. A família Senna é tradicional na Zona Norte de São Paulo (o IAS surgiu lá, mas há alguns anos foi transferido para o bairro de Pinheiros), porém a própria Viviane mudou-se para a Zona Oeste da cidade. No dia em que falou à FORBES Brasil, por volta das 2 horas da tarde, ela havia acordado às 5h30 e até então não conseguira almoçar, por total falta de tempo. Mesmo assim dedicou cerca de duas horas à nossa equipe, entre entrevista e sessão de fotos. Viviane emocionou o Brasil em maio de 1994, quando aproximou seu rosto e beijou o capacete de seu falecido irmão durante o velório de Senna, em uma imagem que percorreu o mundo. Se há algo que fica claro em seu discurso é o quanto Viviane deplora o atual estado da educação pública no país, e até mesmo o tipo de sociedade que aqui foi 58 | forbes brasil março 2013 edificada. “A história de 500 anos do Brasil é a história da construção de uma nação inteira apenas para o gozo de uma pequena elite”, dispara ela. “Apesar de 98% dos meninos e meninas do país cursarem hoje uma escola, pouquíssimos dentre eles saem dela formados e alfabetizados. Na média, de cada dez crianças que entram na primeira série do ensino básico, apenas cinco terminam o terceiro ano do ensino médio. É uma perda de 50% a que ocorre pelo caminho. É um absurdo – não há uma doença hoje no mundo, dentre as que atingem grandes populações, que mate 50% dos pacientes. Mas o sistema de ensino público do Brasil falha com 50% dos jovens que necessitam dele.” A cada ano, o Instituto Ayrton Senna auxilia perto de 2 milhões de alunos, além de capacitar cerca de 74 mil educadores de 1.300 municípios, em 25 Estados. Entre 1994 e 2011 (último ano com dados contabilizados), mais de 15 milhões de crianças e jovens já tinham sido beneficiados pela entidade. Tantos resultados valeram ao IAS o reconhecimento internacional da Unesco (órgão da ONU voltado à educação), a qual concedeu à entidade em 2004 a Cátedra de Educação e Desenvolvimento Humano – feito inédito para uma organização não governamental em todo o mundo. Chama a atenção, no que diz Viviane, a forma como seu vocabulário remete ao mundo corporativo. Termos como “metas”, “foco”, “custo” e “resultados” permeiam sua fala. No ambiente educacional brasileiro, onde pululam doutrinas pedagógicas com ideologia demais e eficácia de menos, isso pode soar como um bálsamo para os ouvidos. Mas ela é a primeira a advertir: “Meus métodos para disseminar a educação têm, de fato, muito de empresarial, mas a lógica de minha ação é movida, sobretudo, por um fundo ético. As crianças no Brasil estão sendo lesadas – elas têm direito a receber uma educação que as alfabetize e as prepare para a vida e não estão recebendo esse direito. Isso tem de mudar”. E, mais uma vez, ela não aceita meias vitórias. “Firmamos um convênio com por que viviane está coberta de razão As pesadas críticas que Viviane faz à educação de 1º e 2º grau no Brasil podem parecer excessivas – mas apenas e tão somente para quem não conhece a realidade da escola pública em nosso país. No início de março, o Todos pela Educação, um movimento voltado à melhoria do setor, divulgou um estudo com dados que confirmam as mais duras afirmações feitas pela presidente do Instituto Ayrton Senna nesta reportagem. Segundo o documento, apenas 10,3% dos estudantes do ensino médio no Brasil (inclusas aí instituições públicas e privadas) contam com um nível de aprendizado em matemática condizente com a série que cursam. Trata-se de um índice baixíssimo e, pior, que vem caindo ao longo dos anos: em 2009 era de 11%. Se forem considerados só os alunos de escolas públicas do país, a situação fica assustadora: nada mais que 5,2% dos mesmos sabem matemática tanto quanto deveriam. Em se tratando de língua portuguesa, a situação melhora um pouco: 29,3% dos jovens do ensino médio têm um desempenho na disciplina adequado a seu nível escolar. Novamente, se considerarmos apenas os que estão na educação pública, a situação piora: só 23,3% conhecem o português tão bem quando deveriam para seu estágio escolar. O relatório do Todos pela Educação revela, em contrapartida, que os Estados de Minas Gerais e Santa Catarina são os que têm conseguido melhorar mais consistentemente o aprendizado de seus estudantes. o governo de Pernambuco para ajudar a melhorar a educação pública local”, conta ela. “Havia 1 milhão de crianças naquele sistema. Destas, metade estava atrasada ao menos dois anos em seus estudos. Muitas eram simplesmente analfabetas, mesmo estando na escola. Começamos a trabalhar pesado ali e, em poucos meses, conseguimos alfabetizar 70% dos estudantes. Aí, quando chegamos nesse patamar, o progresso simplesmente estancou. Fomos tentar descobrir a razão e verificamos que os professores locais tinham se acomodado porque já estavam muito felizes com o fato de terem conseguido 70% de sucesso em tão pouco tempo com nossa ajuda. Para mim, isso não bastava. Fomos até eles e conseguimos convencêlos de que aquilo ainda não era suficiente, que precisávamos de 100% das crianças educadas. Deu certo”, conclui. Ao final da entrevista, Viviane resumiu o que a motiva a seguir com o IAS 20 anos após o início desse trabalho: “Eu não acho que tenhamos o direito de fazer algo meia-boca quando se trata de educação pública. Estamos lidando com a vida de pessoas que provavelmente não terão uma segunda oportunidade de aprendi- zado contínuo durante sua existência, pois logo terão de trabalhar para seu sustento”. E arremata: “Eu não consigo aceitar passivamente um estado de coisas no qual você se depara com uma criança pedindo esmola ou fazendo malabarismo em sinais. Eu vejo isso e me lembro que ali estão 10 bilhões de neurônios sendo desperdiçados, e que alguém precisa fazer algo a respeito”. E esse alguém responde por Viviane Senna. 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