Exames de Faixa no Taekwondo brasileiro, algumas consideraes
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Exames de Faixa no Taekwondo brasileiro, algumas consideraes
Algumas considerações sobre os exames de faixa no taekwondo brasileiro Ricardo Andrade Antes de entrar no mérito da questão, gostaria de esclarecer que meu discernimento e opinião se desenvolveram e se formaram, não apenas da experiência na prática de artes marciais (desde 1979), mas se consolidaram nos últimos anos, graças a intercâmbios com praticantes e mestres de Taekwondo e de outras modalidades e, principalmente, com alunos e amigos que há algum tempo residem ou estudam no Japão e na Coréia. Preliminarmente vamos fazer uma analogia, tomando por base o momento em que os pais matriculam seus filhos numa escola ou clube para praticar Natação. Tomam conhecimento do custo daquela prática, por exemplo: touca de borracha, óculos protetores, pranchinha, matrícula e mensalidade. Pois bem, os filhos iniciam a prática e os pais, gostam muito daquela atividade praticada pelos filhos, pois além do gasto calórico e desenvolvimento neuro-muscular, é um aprendizado de sobrevivência, pois saber nadar em diversas ocasiões é capital. Passados dois meses, o professor se dirige aos pais e diz: “Seus filhos estão muito bem, já podem começar a aprender a nadar no estilo peito; a taxa é de 50 reais”. Conseguiram alcançar? Conseguiram mensurar e vislumbrar a reação dos pais? Ora, se os filhos foram matriculados e pagam a mensalidade para aprender Natação, os estilos livre, peito, costas e borboleta fazem parte do ensinamento, não podem ser cobrados à parte, como se não fizessem parte do “pacote”, do aprendizado da modalidade. Voltemos ao Taekwondo. A partir do exemplo acima, porque a cobrança de taxas para se promover os alunos? E mais, por que os valores alcançam patamares absurdos? E mais ainda, por que não se emite recibos ou são divulgados formalmente, como as taxas de matrícula e mensalidade? Pois é, será que alguém já parou para analisar friamente? Mas vamos voltar no tempo, próximo ao ano de 1955, quando o Gen. Choi Hong Hi coordenou a unificação das artes marciais praticadas na Coréia, criando o Taekwondo. Controvérsias à parte, sobre a verdadeira história de como foi promovido o taekwondo a esporte nacional coreano e suas circunstâncias políticas, bem como das discordâncias de algumas escolas já estabelecidas à época, a verdade é que, além do arcabouço técnico, foi também criado um sistema de honorários, com o único objetivo: resguardar aquele professor (futuro mestre), em nível financeiro. É fato que, com o passar dos anos, o mestre não vai ter mais condições de dar aulas em lugares distintos ou mesmo para um grande número de alunos. Como então subsistir e sobreviver do ofício de dar aulas? Mesmo tendo outra atividade, qual será a contra-partida daquele que ao longo da vida, formou e influenciou diversas pessoas, gerando um legado, na maioria das vezes, incomensurável? Por esse motivo, foi criado o mecanismo das taxas de exame de faixa, como uma verba honorária, que através de um sistema inteligente, honesto e equânime, pudesse ao longo do crescimento de cada grupo, de cada escola de Taekwondo, fomentar, abranger e subsidiar compromissos através do retorno financeiro daqueles que fazem parte da cadeia hierárquica. Mais à frente, vou explicar de forma pormenorizada como funciona esse sistema. Antes, voltando aos Exames de Faixa no Taekwondo do Brasil, vamos falar sobre as taxas cobradas para as graduações superiores (dans). Desde “sempre”, sabe-se que os valores cobrados para exame de faixa-preta são: GRADUAÇAÕ (DAN) SALÁRIOS-MÍNIMOS R$ 1º 2e½ 1.037,50 2º 4 1.660,00 3º 6 2.490,00 4º 8 3.320,00 5º 10 4.150,00 6º 12 4.980,00 Além das taxas, o examinando tem que arcar com as despesas referentes aos respectivos registros nas entidades (federação e confederação), na maioria das vezes, de forma coercitiva, mesmo indo de encontro ao art. 5º da Constituição Federal. É bom que se diga que obrigar alguém a se filiar a quaisquer entidades é contra a lei maior do país. Isso sem falar em outro absurdo cometido por algumas federações no Brasil, onde de forma arbitrária, coercitiva e ilegal, obriga-se ao futuro ou então faixa-preta a freqüentar cursos no sistema Confef-Cref, sob a alegação de que sem o registro em tais entidades, não poderá dar aulas, atuar como técnico e nem mesmo realizar exames de faixa. Vamos acrescentar a essa prática o crime de assédio moral, já que o de inconstitucionalidade já está bem tipificado. O interessante é que, apesar de todos terem conhecimento da tabela acima, pasmem, ela não consta em nenhuma tabela oficial de qualquer entidade ligada à Confederação Brasileira de Taekwondo, apesar de ouvirmos que “é a tabela oficial da Confederação”. E querem saber por que não consta? Porque, mais uma vez, é inconstitucional fixar qualquer taxa no país, utilizando o salário mínimo como referência. É mais que notório e sabido por todos aqueles que estão na prática do Taekwondo desde os primórdios, que os mestres coreanos repassavam algo em torno de 10, 20 ou 30 por cento do valor total arrecadado com as taxas de exame de faixa, ao respectivo professor, dependendo é claro, do nível de relacionamento entre os dois, onde a passividade e subserviência sempre foram fatores preponderantes na definição de percentuais maiores, assim como a progressão na própria graduação do professor, independentemente das diretrizes preconizadas pelo órgão máximo regulador no mundo - a Kukkiwon, como o tempo de carência e a idade mínima para se alcançar determinado “dan”. Há de se acrescentar, no entanto, que tais percentuais somente foram objeto de repasse muitos anos depois, quando alguns professores antigos e graduados começaram a reivindicar uma “fatia do bolo”. Irrefutável também o fato de que, na década de 70, os mestres coreanos ostentavam graduações menores do que aquelas que muitos brasileiros detêm hoje em dia e, sem nenhum problema ou questionamento, realizavam exames, tanto de faixas coloridas quanto de faixas pretas. À medida que o tempo ia passando, o brasileiro que evoluía na graduação, via seu direito de examinar seus alunos mais distante, como se, metaforicamente, fosse o verdadeiro “cachorro” correndo atrás do coelho de madeira (uma analogia às disputas bastante concorridas, principalmente na Europa). Ou seja, “correndo para não chegar”. Não vou discorrer sobre a grande debandada de inúmeros professores nas décadas de 80 e 90, e, concomitantemente, sobre a criação de diversas entidades, ora por alguns insatisfeitos com o “status quo”, ora por mestres coreanos e brasileiros “preocupados” em acolher àqueles “ronins”, pois na grande maioria dos casos, o objetivo final era trazer prá si a captação dos recursos advindos da realização dos exames de faixa. Mas seria importante fazer uma breve alusão ao comportamento de um mestre coreano que, logo a seguir aos exames para 1º dan, chamava os examinandos e dizia: “Vocês agora, todo sábado, treinamento com mestre”. Para aquele aluno, recém-graduado faixa-preta, a convocação “retumbava” como algo de grande honra e reconhecimento, mas que, subliminarmente, visava tão somente “esvaziar” o professor original, provocando uma secção no elo que uniu professor e o aluno durante anos, criando, dessa forma, mais uma oportunidade daquele novo faixa-preta dar aula e, a partir daí, captar novos praticantes, novos exames de faixa, mais captação de recursos – um verdadeiro círculo-vicioso. Mas, e então, como funciona o sistema de repasse dos honorários (taxas de exame), criado pelo Gen. Choi? Comecemos apresentando a seguinte tabela: DAN PERCENTUAL - % 1º 30 2º 40 3º 50 4º 60 5º 70 6º 80 7º 90 Para melhor compreensão, vou utilizar o exemplo da Escola de Taekwondo Highway One, que adota esse sistema há alguns anos, para que, a partir de uma situação real e nominal, possa haver melhor entendimento. Nossa cadeia hierárquica, levando-se em conta aqueles que estão dando aula, se constitui de: Mestre Marcus Rezende (6º dan), Mestre Ricardo Andrade (4º dan), Paulo Renato Paiva (2º dan), Karina Couzemenco (2º dan) e José Paulo Gurgel (2º dan). Vamos supor que o Prof. José Paulo Gurgel inscreva um número de alunos (faixas coloridas), para prestar exame de graduação, totalizando um valor de R$1.000,00. Sendo o Prof. José Paulo, 2º dan, o percentual atribuído a ele seria de 40% do total, ou seja, R$400,00. Seguindo a linha hierárquica, acima dele, teríamos o Mestre Ricardo Andrade, que, sendo 4º dan, teria direito ao repasse de 60% do que sobrou, ou seja, 60% de R$600,00, que seriam R$360,00. Continuando, teríamos o Mestre Marcus Rezende, 6º dan, que através do mesmo sistema (R$ 600,00 – R$ 360,00 = R$ 240,00), teria direito a 80% do residual final (R$ 192,00), ou seja, do total apurado de R$ 1.000,00, após o débito dos percentuais do Prof. José Paulo, do Mestre Ricardo Andrade e do mestre Marcus Rezende, haveria um saldo de R$ 48,00 (R$ 240,00 – R$ 192,00), que, no caso da Escola de Taekwondo Highway One, é destinado a um Fundo de Reserva, depositado em conta poupança, de onde fazemos retiradas para atender às necessidades inerentes à formação do grupo de professores. Com esta política adotada, mesmo o valor arrecadado das taxas de exame dos alunos diretos do Mestre Marcus Rezende, a ele não é revertido 100% , pois sendo ele 6º dan, recebe o respectivo percentual, 80%, contribuindo com 20% para o Fundo de Reserva. Importante dizer que, na idéia original do Gen. Choi, não existia o Fundo de Reserva (criado por nós), sendo este percentual destinado ao mais graduado do grupo. Vale ressaltar que a nossa escola adota a Ufir/RJ (R$1,82) como índice de cálculo para as taxas de exame, onde o examinando pode parcelar em seis vezes (antecipadas meses antes à data exame e que ficam depositadas, somente repassadas depois do exame), porque nosso intuito não é “enriquecer” a partir dos exames de faixa, mas sim conscientizar o grupo de que os valores pagos serão revertidos em prol de todos. E como nós, da Escola Highway One de Taekwondo, temos a transparência com uma das principais características, nossa tabela de custo de exame de faixa é: GRADUAÇÃO UFIR-RJ R$ 10 a 6º gub 40 72,80 5º a 3º gub 50 91,00 2º e 1º gub 60 109,20 1º dan 200 364,00 2º dan 300 546,00 3º dan 400 728,00 4º dan 500 910,00 5º dan 600 1.092,00 Num primeiro momento, alguns professores podem dizer: “Mas eu recebo 50% da taxa de exame, não seria vantagem prá mim”. Fácil responder, pense no que virá; não se restrinja ao momento, pois esse tipo de sistema, além de funcionar como uma cooperativa, incentiva aos que fazem parte do grupo, realizar um trabalho de qualidade, não só em nível de captação de alunos, mas principalmente na busca pela evolução na graduação, onde a base da “pirâmide” crescendo, vai respaldar e consolidar o trabalho elaborado por aqueles que estão na parte superior. Agora, é fato que esse sistema só funcionará a contento, caso o grupo esteja solidificado e seja norteado por valores que estejam bem acima de qualquer favorecimento financeiro, pois os repasses devem acontecer não somente enquanto os membros estão juntos, num mesmo local, numa mesma data de exame, mas sim em qualquer lugar, em qualquer situação. Um grande dirigente do Taekwondo brasileiro, que segue esse sistema, recebe seus repasses fielmente, a partir de exames de faixa realizados fora do Brasil, por alunos que dão aula no exterior. Ou seja, a honra e o comprometimento (sobretudo neste quesito) são pilares dessa relação, que apesar de financeira, encerra uma questão muito mais complexa e sólida, e infelizmente, de difícil alcance para alguns. Fica então uma pergunta: por que os mestres coreanos não adotaram esse sistema no Brasil? A única resposta que me vem à mente seria: a cobiça superou a razão. No primeiro momento, os que chegaram aqui na década de 70 não tinham faixas-pretas formados para fazer repasse. Portanto, recebiam 100% de tudo. Quando começaram a formar os primeiros faixas-pretas, não quiseram perder receita, esquecendo-se que a perda, na verdade, estaria sendo um investimento previdenciário futuro. Se tivessem adotado o sistema, certamente, hoje em dia, estariam muito bem financeiramente, tendo em vista o grande número de faixas-pretas formados. Além disso, todo o sistema (professores e mestres brasileiros), estaria satisfeito e próspero e, acima de tudo, bem mais evoluído, pois seria a coroação de um sistema calcado em valores inerentes à essência da prática da arte marcial, acrescido de algo que norteia as grandes empresas e os grandes negócios – gestão responsável. Finalizando, exames de faixa são inerentes e responsabilidade daquele que está à frente de determinado grupo ou escola de Taekowndo, não tendo que ser submetido ou normatizado por essa ou aquela entidade. A partir do momento que o faixa-preta alcança a sua graduação superior (4º e acima), ficam sendo prerrogativas dele, aquelas elencadas pelo que versa o regulamento da Kukkiwon e ponto final. Isso me leva a fazer outra analogia, semelhante à prática da Natação: a pessoa que alcança a graduação e licenciatura em qualquer área, é obrigada a participar de curso ou se curvar a conchavos políticos para dar aula? Não! Não existe em quaisquer universidades do país ou do mundo, algum reitor que diga a algum graduado que ele só poderá dar aula se fizer algum curso de capacitação, pago à parte, e ministrado por ele (reitor) ou seus “escolhidos”. O que existe em qualquer área é a livre oferta de mercado. Se o aluno optar por este ou aquele professor, tendo em vista os cursos de pósgraduação (lato sensu ou stricto sensu), será de livre arbítrio, discernimento e escolha dele. Cabe ao professor, sentindo-se preterido em detrimento de outros, por deficiência de formação, buscar evoluir em sua área de atuação, realizando cursos de especialização e afins. Da mesma forma, na busca de funcionários, caberá ao Diretor de Recursos Humanos, optar por este ou aquele candidato, a partir da formação educacional e currículo específico de cada um, onde, às vezes, o mestrado de um, não é tão importante quanto o espanhol fluente do outro. Sendo assim, o que importa mesmo é que cada um busque para si, um nível de excelência quanto às evoluções educacional, pessoal e técnica. E, estando satisfeito com isso, lançar-se no mercado e sentir como está sendo a procura por seu trabalho, tendo em vista o que ele oferece. Para nós da Escola de Taekwondo Highway One, parece simples. Aproveito a oportunidade para deixar uma frase, dita no filme O Clube do Imperador: "Grandes ambições e conquistas sem contribuições não têm sentido. Qual será a sua contribuição? Como a história se lembrará de você?" Desde já, nos colocamos à disposição para quaisquer esclarecimentos, onde podemos disponibilizar inclusive a tabela financeira (arquivo xls) que utilizamos. Tudo de bom e um forte abraço a todos. Ricardo Andrade Ricardo Andrade é Mestre em Taekwondo, graduado com o 4º dan, Professor de Educação Física, com Especialização em Treinamento Desportivo de Alto Rendimento, Diretor do Centro de Artes Marciais Highway One, Técnico da Seleção Estadual / RJ; foi Técnico da Seleção Brasileira de 1996 a 2003, comentarista da TV Globo nas Olimpíadas de Atenas e Locutor-apresentador dos Jogos Pan-americanos Rio 2007.