As práticas culturais e o cotidiano do Educandário Americano
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As práticas culturais e o cotidiano do Educandário Americano
3896 AS PRÁTICAS CULTURAIS E O COTIDIANO DO EDUCANDÁRIO AMERICANO BATISTA DE ARACAJU (1951-1972) Maria de Lourdes Porfírio Ramos Trindade dos Anjos 1 Universidade Federal de Sergipe RESUMO Com este artigo pretendo analisar a cultura escolar trazida para Aracaju por missionárias norteamericanas e aplicadas no Colégio Americano Batista no período de 1951-1972. Para cumprir esses objetivos recorro a pesquisa bibliográfica e documental, buscando subsídios nas fontes primárias e secundárias como: Estatuto do Colégio Americano Batista, atas, síntese do trabalho batista em Sergipe, leis, decretos, anais, jornais, relatórios, registro de matrícula, cadernetas, atas da associação de pais e mestres, fotografias, e-mails, livro de ponto, dissertação e tese. Lanço mão de depoimentos de ex-diretoras, ex- funcionário, ex-professoras, ex-alunos. As missionárias norte-americanas ( Winona Purvis Treadwell, Maye Bell Taylor, Freda Lee Trott, Clara Lynn Williams) gostavam muito do folclore brasileiro. Um outro aspecto evidenciado na cultura escolar desta instituição foi a organização de um calendário intenso de festas e comemoração de datas cívicas e outras especiais. Existia muita rigidez nas práticas disciplinares, no entanto sua resolução se dava através do diálogo com os alunos e os pais. A alfabetização estava atrelada ao proselitismo. O Instituto Pan Americano de Ensino foi criado por um grupo de professores e seu primeiro diretor foi o Profº Manoel Simeão Silva. Durante sua trajetória, o Colégio Americano Batista foi renomeado diversas vezes por conta de determinação da legislação ou das reformas promovidas em nível estadual e federal. No ato de sua fundação, no dia 15 de novembro de 1951, recebeu o nome de Instituto Pan Americano, em 1953 tendo como diretora a missionária batista norte americana Winona Purvis Treadwell, recebeu um novo nome, desta vez, Educandário Americano Batista. Com o crescimento da instituição e a demanda, o Conselho Estadual de Educação resolveu autorizar o funcionamento do ensino de 5ª a 8ª séries passando a ser chamado de Escola de 1º Grau Batista Sergipana. Com a necessidade de ampliar seus cursos, desta vez o ensino médio, em 1993, a escola mudou o nome definitivamente para Colégio Americano Batista. A princípio começou a funcionar em uma casa, porém não demorou muito e as missionárias construíram um prédio de acordo com o ideário americano, com uma arquitetura majestosa, inaugurado em outubro de 1961. Percebe-se até o momento a preocupação das missionárias em proporcionar aos alunos, uma formação baseada em valores morais sólidos preparando-os para a vida. Pretendia-se inculcar novos valores e estimular a formação de posturas corretas e atitudes sábias. Foram analisados dispositivos que fazem parte da cultura escolar e que estimula e contribuem para uma melhor aprendizagem como: as festas, as normas, a disciplina, os castigos o método de ensino, o recreio a lecção, a relação professor x aluno, aluno x missionária / diretora, horário de aula, a biblioteca, a participação da associação de pais e mestre. O novo currículo deveria existir uma preocupação com a introdução de uma metodologia que valorizasse novos experimentos, a educação física era muito importante para o corpo da criança e a prática de esporte, os castigos deveriam ser abolidos e no seu lugar o diálogo devia estar presente a valorização da arte, através da música. Até o momento percebe-se que as práticas pedagógicas utilizadas pelas missionárias em Aracaju foram consideradas inovadoras para a época, e mais convidativas para a permanência do aluno na escola. Utilizo como categorias de análise cultura escolar a partir das definições de Dominique Julia, representação de Chartier e arquitetura de Frago. Ao passar do tempo, pesquisas têm demonstrado que existe uma preocupação por parte dos educadores sobre as práticas pedagógicas. Através dessas investigações que estão sendo realizadas, percebe-se que está existindo uma necessidade generalizada por parte de estudiosos de penetrar no “interior” da vida escolar com um novo olhar, com novos enfoques que venham redirecionar visões 1 Estudante do Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Sergipe. Orientadora Profª Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas. E-mail- [email protected] 3896 3897 cristalizadas, despertar outros para a realização de novos estudos da História da Educação no Brasil. Neste estudo procurou-se verificar através de documentos e depoimentos como estava organizado o Instituto Pan - Americano, em suas atividades de ensino, nas práticas festivas e aplicação das normas disciplinares.Os aspectos envolvendo a arquitetura escolar também foram abordados. TRABALHO COMPLETO INTRODUÇÃO Esta investigação se propõe analisar o modelo de educação trazido pelas missionárias batistas norte-americanas e materializado no Instituto Pan-Americano de Ensino, em Aracaju, a partir de 1952, atualmente denominado Colégio Americano Batista. O estabelecimento de ensino foi fundado em Aracaju, em 15 de novembro de 1951, pelos professores Josué Costa, Manoel Simeão Silva, Hilda Sobral de Faria, Benjamita Santos Silva, Ruth Cunha Amaral e Maria de Lourdes Oliveira, e suas aulas iniciaram no dia 1º de março do ano seguinte oferecendo o pré-primário e o primário.2 Para cumprir este objetivo recorro à pesquisa bibliográfica e documental, buscando subsídios nas fontes primárias e secundárias. Lanço mão de depoimentos de ex-diretoras, exfuncionário e ex-professoras e ex-alunos. Durante a sua trajetória, o Instituto Pan-Americano de Ensino foi renomeado diversas vezes por conta de determinação da legislação ou das reformas promovidas no âmbito estadual e federal. Em 1953, tendo como diretora a missionária batista norte-americana Linnie Winona Treadwell, recebeu um novo nome desta vez, Educandário Americano Batista. No dia 21 de outubro de 1961, foi inaugurado o novo edifício da escola, com a presença do governador do Estado, dentre outras autoridades. O prédio, com dois pavilhões, tinha seis salas de aula, biblioteca, auditório, dois escritórios, quatro banheiros, cozinha, terraço e sala de vigia.3 Com o crescimento da instituição e da demanda, o Conselho Estadual de Educação resolveu autorizar o funcionamento do ensino da 5ª a 8ª séries, passando a ser chamada de Escola de 1º Grau Batista Sergipana4, em 1980. Com a necessidade de ampliar seus cursos, desta vez o ensino médio, em 1983, a escola mudou o nome definitivamente para Colégio Americano Batista.5 Neste estudo denominamos a instituição pesquisada como, Educandário Americano Batista (EAB), pois esta foi a forma que predominou, mais tempo, no período pesquisado. Utilizo como categorias de análise, cultura escolar a partir das definições de Dominique Julià, apropriação e representação de Roger Chartier e arquitetura escolar de Frago. Até o momento percebe-se que as práticas pedagógicas utilizadas pelas missionárias em Aracaju foram consideradas inovadoras para a época, e mais convidativas para a permanência do aluno na escola. A partir dos resultados deste estudo pretendemos contribuir com a análise da influência norte-americana batista, na segunda metade do século XX, em Sergipe. Até o momento foi 2 COLÉGIO AMERICANO BATISTA. Ata de fundação do Instituto Pan-Americano de Ensino. 15 de novembro de 1951. Arquivo do Colégio Americano Batista. 3 WILLIAMS, Clara Lynn. Síntese do trabalho batista em Sergipe (1913-1971). Aracaju: 1971. p. 16. 4 ESTADO DE SERGIPE. Resolução nº 97/80 de 17 de junho de 1980. Conselho Estadual de Educação. 5 ESTADO DE SERGIPE. Resolução nº 173/83 de 22 de dezembro de 1983. Conselho Estadual de Educação. 3897 3898 localizada apenas uma monografia sobre a educação batista em Sergipe6, no entanto identificamos algumas pesquisas sobre a atuação católica no campo educacional. Além do trabalho pioneiro da Profª Drª Ester Fraga Vilas Boas Carvalho do Nascimento, ao investigar as origens da educação protestante em Sergipe, serviu de inspiração inicial para este estudo. Depois de muitas dificuldades, a citada autora conseguiu identificar fontes documentais para analisar as práticas educacionais desenvolvidas a partir da implantação da Escola Americana em Laranjeiras, pelos missionários presbiterianos no ano de1886. Conforme os registros de atas da Associação de Pais e Mestres dos anos de 1951 a 1972, contando a partir de sua fundação histórica a direção do EAB, foi ocupada pelas seguintes missionárias batistas norte-americanas e seus respectivos períodos de gestão administrativa: Linnie Winona Treadwell (1952-1955); Maye Bell Taylor (1955-1959; 1960-1963); Freda Lee Trott ( 1959;1964-1966); e Clara Lynn Williams (1966-1972). A implantação do Educandário Americano Batista foi marcada por muitas dificuldades econômicas, entretanto a presença das diferentes missionárias norte-americanas à frente da direção do estabelecimento de ensino, possibilitou através de diversas estratégias a consolidação do ensino batista em Sergipe, ao longo das últimas cinco décadas. Elementos da Cultura Escolar no Educandário Americano Batista Abordar a questão educacional dos batistas em Sergipe, implica em ter um conhecimento substancioso da sua totalidade em relação aos seus pressupostos, e a que se propõe a realizar. Para que isso possa acontecer com legitimidade é preciso investigar seus primórdios, procurando entender o plano educacional proposto pelos pioneiros e pelas missionárias batistas norte-americanas que aos poucos foram imprimindo o seu ideário educacional. Portadores de pensamento nobres, e objetivos firmes, organizaram uma escola, onde as crianças dos filhos dos protestantes deveriam adquirir, uma “educação sadia, genuína, onde seria preservado os bons costumes, nobre fins da moral e o amor a pátria”7 Ao analisar a cultura escolar, materializada no Educandário Americano, o foco das investigações recai sobre as práticas escolares, sobre o funcionamento interno da instituição educacional, organização da associação de pais e mestres, o currículo e como era construído o conhecimento escolar. E para conhecer todo esse contexto se faz mister refletir sobre como e o que se estudava, como eram ensinados os conteúdos, quais os métodos de avaliação utilizados para alcançar os objetivos do ensino-aprendizagem. Classificamos como componentes das práticas escolares as questões relacionadas ao currículo, a metodologia do ensino, a disciplina e castigos, a evangelização a formação e as festas. Na memória ficaram guardadas as lembranças mais marcantes que foram vivenciadas naquele espaço educacional. As atas da Associação de Pais e Mestres os relatórios apresentados pelas missionárias a Junta administrativa da outra América, informavam maneiras importantes dentre as quais, se destacavam o valor da evangelização, da moral, dos bons costumes, o amor à pátria, e o rigor da disciplina escolar. Esses aspectos ficaram bem caracterizados nos depoimentos e entrevistas realizadas entre ex-alunos, ex-professoras, ex-funcionários e exdiretores. Sobre esses pilares o EAB estabelecia sua organização, sua arquitetura e as práticas escolares dessa instituição. O currículo e a metodologia do ensino 6 NASCIMENTO, Sayonara Barreto Alves. Colégio Americano Batista: a mais completa opção de educação protestante em Aracaju. UNIT. 2004. (Monografia). 7 ESTATUTO, 1969. s. p. 3898 3899 Ao examinar o currículo do Educandário Americano Batista na década de 1950 verificouse que era composto das seguintes disciplinas: Artes, Música, Inglês, Aritmética, Português, Ciências, História, Geografia e Desenho. Acrescida com o ensino da Leitura, Cálculo, Gramática, Escrita, Verbo, Caligrafia, Análise, Composição, Hino, Soletração e Educação Física. Conforme documento encontrado nos arquivos do Educandário Americano Batista (EAB), a todas as disciplinas do núcleo comum e complementares, eram atribuídas notas. Ao todo formava um total de quinze notas. O ensino religioso não aparecia nesta lista, e não era auferido nota. No entanto, fazia parte da rotina diária e semanal, momentos dedicados às práticas religiosas como nas devocionais e nas lecções, já comentadas anteriormente. Concebendo a idéia de que a organização curricular não foi elaborada aleatoriamente, mais que traz no seu bojo um alto grau de intencionalidade e que favoreceu a introdução das normas e valores morais e pátrios impostos pelas normas vigentes da época, e que estiveram presentes nas práticas educativas. Conforme Clara Lynn explica: A aula de religião ensinava o amor a Deus, o respeito que a gente tem que ter por Ele, ensinava o “Pai Nosso”, fazia uma oração. Não ensinava doutrina. E o aluno era respeitado. Nós sempre na escola fizemos tudo para que os alunos amassem o seu país. Nós cantávamos o hino nacional, hasteávamos a bandeira, tivemos reuniões sobre a pátria para que as crianças pudessem amar e ajudar a pátria.8 Vários foram os caminhos percorridos pelo EAB para adquirir prestígio, perante a sociedade que exigia escola de qualidade para seus filhos. Para fazer parte do quadro de professoras do EAB, era preciso ter competência. A Junta Administrativa indicava, mais existiam critérios de seleção, muitas vezes considerava-se também a prática dos serviços da Igreja. Além da formação adquirida na Escola Normal, outro teste seria conduzir bem sua turma, tendo o domínio do conteúdo, ter manejo de classe, e se envolver nas atividades do Educandário. Todas as condições eram oferecidas, para que a professora alcançasse seus objetivos. Estava ao seu dispor uma variedade de materiais didáticos. Existia toda uma preparação para alcançar os ideais propostos pelas missionárias batistas norte-americanas. A metodologia aplicada contribuía para que a criança se sentisse bem naquele ambiente. A começar pelo primeiro dia de aula com a presença da diretora lá no pátio dando as boas vindas à criançada que feliz chegava para mais um ano letivo relembra a profª Valdice, “o primeiro dia de aula era muito tumultuado. Principalmente para os pequeninos. Dona Clara fazia questão de estar lá no pátio antes de começar as aulas.9 As diretoras norte-americanas, eram muito organizadas. Se preocupavam com todos os detalhes, para que o ensino-aprendizagem não fosse prejudicado, dessa forma ainda nas férias dos alunos todo o planejamento era elaborado cuidadosamente, ainda nesse período as professoras recebiam cursos para a sua atualização, o stress também se constituía uma preocupação. Tudo era muito bem estudado, afinal um longo ano letivo era esperado, e a expectativa é que tudo ocorresse bem lembra Valdice, Antes de começar as aulas, Clara Lynn fazia o planejamento com a gente. Fazia reciclagem. Trabalhava muito com a confraternização 8 Clara Lynn Williams, ex-diretora no período de 1966-1972, aposentada. Entrevista concedida a autora em 20/06/2005 9 Valdice Maria Gomes, ex-professora no período de 1967-1971, atualmente já se encontra aposentada. Entrevista concedida a autora em 30/04/05 3899 3900 entre as professoras. Ela se preocupava muito com o stress da professora. Quando tinha feriado prolongado, a gente se mandava para Salvador e Recife dentro de uma rural. O objetivo dela era fazer um lazer com as professoras e pra gente conhecer nosso país. Ela dizia; Como é que você vai falar do país se você não viu? Na mente dela, quando você visualiza, fica mais fácil de ensinar. Tinha também os jantares. Ela mesma fazia o jantar. Ela dizia que o ensino tem que ser concreto. Não valorizava a memorização. Um dia ela inventou de levar todas as professoras para a praia para fazer um cachorro quente americano. Era assim: assava a salsicha na brasa e colocava no pão. Isso foi um dia ao entardecer. Já era noitinha. Quando chegou lá que a gente acendeu o fogo, lá vem um guarda e disse que não podia acender fogo ali.10 A dramatização era muito usada, no cotidiano escolar. Através desse dispositivo discutia-se alguns conceitos religiosos, morais ou cívicos explica Sônia Virginia, Lá no Americano Batista, tinha teatro, era costume nas igrejas ter, era uma forma de evangelização. Tinha uma bandinha, aula de música, aula de inglês, tinha o ensino ao amor ao próximo, ao civismo, a pátria, a escola. 11 A escola estava sempre em movimento, tudo que acontecia tinha objetivos claros existia um dinamismo muito grande, a instituição estava em evidência, o que facilitava o crescimento. Através dessas representações12 adquiria no dia-a-dia sua própria identidade social. Mais para atender esse calendário13 o desgaste era grande confessa Clara Lynn Williams diretora no período de 1966-1972. “A festas das crianças nós tivemos quase que uma em cada mês, nós terminávamos uma e começávamos planejando outra. Eu estava realmente na frente das festas. Já estava aqui há 7 anos.14” O Educandário Americano Batista, apresentava uma proposta educacional voltada para atender aos meninos e meninas que adentravam aquela instituição, que baseava em princípio da educação integral isto é “é a formação global do indivíduo abrangendo todo conhecimento humano. Dizia respeito também, a uma educação do corpo e do espírito, à educação física e intelectual” (Souza, 1998:172) Para Rosa de Fátima Souza o conhecimento integral quer dizer: “É a educação que contemplava todos os conhecimentos, não apenas as ciências, mas os conhecimentos literários e as artes aplicadas às indústrias e aos ofícios”15. A missionária batista norte- americana, Williams confirmava que, O EAB foi fundado para ensinar e evangelizar. Porque nosso objetivo é ver a pessoa crescer física, emocional e espiritualmente. A pessoa 10 Valdice Maria Gomes, ex-professora no período de 1967-1971, atualmente já se encontra aposentada. Entrevista concedida a autora em 30/04/2005. 11 Sônia Virginia Prado Gomes, ex-aluna, atualmente é enfermeira. Entrevista concedida em 28/04/2005. 12 Segundo Chartier, as práticas sociais, escolares, políticas, visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo. Chartier, Roger. 1990. p. 23 apud Nascimento, Ester Fraga Vilas-Boas Carvalho do. Educar, Curar, Salvar. Uma ilha de civilização no Brasil tropical. São Paulo: PUC. São Paulo. p. 191. 13 O calendário de festa atendia a todas as datas: comemorativas, cívicas e religiosas. Entre elas podem ser relacionadas algumas que foram mencionadas nas entrevistas: Dia dos pais, das mães, do índio, da pátria, bandeira, formatura, soldados, encerramento, natal, semana da pátria, sesquicentenário, junina, alegorias das fitas, aniversários dos professores e funcionários. 14 Entrevista cedida a autora no dia 20 /06/2005. Aracaju-Sergipe. 15 SOUZA, Rosa Fátima de. Op. Cit. p. 173. 3900 3901 não é só uma parte, cada pessoa tem várias partes e nós estamos querendo a ajudar a cada parte das pessoas, nós queremos ajudar o homem total, a criança total, não queremos só falar sobre a parte espiritual, mas também a parte física, a educação física, a parte educacional, e isso foi nossa intenção.16 Eram visíveis as concepções defendidas por essas missionárias, ao implantar o Americano Batista, acreditavam que a escola tinha a finalidade de instruir e educar17, e oferecer uma educação integral, que perpassava por valores que influenciavam na vida integral do aluno. Os instrumentos que eram utilizados pra repassar esses valores se davam por meio dos livros didáticos, das histórias contadas nas lecções, nos hinos pátrios cantados diariamente, no ensino da moral. Souza se refere a essas concepções da seguinte forma: A moral abarcava um manancial de civilidade e bons costumes: hábitos de ordem, comportamento da criança na escola, casa, rua e lugares públicos, deveres para com os pais e superiores, histórias que despertassem o amor pelo bem, deveres da criança na família, deveres para com os pais e avós, deveres para com os irmãos e irmãs, para com os servidores, criança na escola; moral e individual, deveres corporais, temperança, prudência, coragem, sinceridade; deveres de justiça e caridade, deveres de família e na vida profissional, deveres cívico e das nações entre si.18 As relações entre professores, alunos e direção Com o advento da Escola Normal a utilização do trabalho feminino no magistério se expandiu principalmente no final do século XIX. O exercício do magistério se tornou um dos primeiros campos profissionais, para a mulher. Mesmo recebendo salários baixos. Esse aspecto não se constituiu um empecilho, pelo contrário a mulher se identificou com a profissão: Muitos intelectuais e legisladores defendiam temas em torno das características inatas da mulher e por demonstrar virtudes específicas para o ensino das crianças: de amabilidade, carinho, ternura para cuidar dos pequeninos. Conforme acreditava João Barbalho Uchoa Cavalcanti, Sabe-se que a mulher tem mais facilidade, mais jeito de transmitir aos meninos os conhecimentos que lhes devem ser comunicados. Maneiras menos rudes e secas, mais afáveis e atraentes que os mestres, aos quais incontestavelmente vence em paciência, doçura e bondade. Nela predominam os instintos maternais e ninguém como ela possui o segredo de cativar a atenção de seus travessos e inquietos ouvintes, sabendo conseguir que as lições, em vez de tarefa aborrecida, tornem-se-lhes como uma diversão, um brinco. Acresce que a professora é mais assídua que o professor, a quem outras ocupações e negócios necessariamente distraem, e não o digo em desabono deles, porque vejo como são mal retribuídos.19 16 Clara Lynn Williams, ex-diretora, no período de 1966-1972. Atualmente já se encontra aposentada. Entrevista concedida a autora em 20/06/2005. 17 Para Souza a escola primária era atribuída uma finalidade prática e utilitária, além de instruir e educar. Instruir significava transmitir conhecimentos, e educar, transmitir valores e normas, isto é, a formação do caráter. SOUZA, Rosa Fátima de . Op. Cit. p. 174. 18 SOUZA, Rosa Fátima de. Op. Cit. p. 179. 19 Atas e pareceres do Congresso de Instrução do Rio de Janeiro, 1884. apud SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de Civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de São Paulo (18901910). São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. p. 63 3901 3902 Aos poucos a profissionalização do magistério, ganhava uma certa importância e passava a ser responsável pela formação do povo, um reformador da sociedade, tal como se expressa Souza (1998:61) A importância dada à educação popular nesse período (1890) propiciou a constituição de representações sobre a profissão docente nas quais o professor parou a ser responsabilizado pela formação do povo, o elemento reformador da sociedade, o portador de uma nobre missão cívica e patriótica. Era pelo professor que se poderia reformar a escola [...]20 Durante as primeiras décadas do século XX foi observada a feminização crescente do magistério primário e a constituição de leis e regulamentos específicos sobre a atuação docente. A disciplina e castigos Existiam diversas formas de manter a ordem e a disciplina da escola. Não precisava necessariamente, utilizar de agressão física para chamar atenção dos alunos, como era comum nas escolas públicas e particulares brasileiras nas primeiras décadas do século XX Fazia parte das práticas culturais e do ideário americano a manutenção da organização escolar, tradição trazida pelas missionárias batistas norte-americanas. A questão da vigilância não se dava apenas a favor do alunado, a professora dentro dessa pedagogia americana, também era observada, explica Ednalva Freire Caetano, Não existiam castigos, eu particularmente sempre tive domínio de classe, nunca recorri a diretora, isso foi uma coisa que ao longo do tempo a gente praticamente estabeleceu um consenso. Com relação a isso eu sempre achei que a autoridade do professor é uma coisa muito importante e quando comecei a trabalhar lá eu verifiquei que a diretora eventualmente entrava em sala de aula pra ver como as coisas estavam acontecendo, chegava, entrava, sentava, ficava algum tempo, depois levantava e saía. Era comum ela fazer isso, mas com o tempo, a convivência, nós chegamos a um acordo que isso não precisava acontecer, achava desnecessário, isso aconteceu sem conflito, eu discuti a questão com ela e nós chegamos a um acordo. Nunca usei castigos. Qualquer tipo de castigo físico ou psicológico sempre discordei também nunca houve casos que isso fosse necessário. Quando o aluno era muito rebelde, como tive um aluno bastante difícil [...], ativo, inquieto, quando ele exagerava muito, o máximo que acontecia era ficar sem recreio. Na hora do recreio, ele lanchava e depois voltava pra sala pra fazer uma atividade, um exercício. Que me lembro foi o máximo de castigo utilizado. 21 20 CAMPOS, Caetano de. apud SOUZA, Rosa Fátima de. Op. Cit. p. 61. Ednalva Freire Caetano, ex-professora no período de 1969-1972. Atualmente exerce um cargo de Comissão na Universidade Federal de Sergipe. Entrevista concedida a autora em 29/09/2005. 21 3902 3903 O zelo pela ordem no ambiente escolar contribuía para o bom desempenho dos hábitos de estudo, na preparação das tarefas escolares, na manutenção do equilíbrio emocional, cooperando para que o discente fosse bem sucedido, conforme Nascimento: No ambiente escolar, o gosto pela ordem contribuía para o desenvolvimento de hábitos de estudo, o equilíbrio emocional e a concentração nas tarefas escolares, colaborando para um aprendizado bem sucedido. A ordem hierárquica demonstrava a importância em se obedecer aos superiores e às normas estabelecidas para a boa condução da vida escolar em grupo, minimizando os conflitos e procurando solucionar os casos de indisciplina.22 O dispositivo do castigo usado para reprimir o aluno, não era bem aceito por todas as professoras, existia divergência dentro do próprio grupo. Umas discordavam plenamente, outras, pela sua postura, valores, cultura e temperamento que trazia consigo, aplicavam castigos diferenciados. Muitas vezes sem o conhecimento da direção e sem permissão. Quando a diretora tomava conhecimento do assunto em forma de queixa por parte do próprio aluno, ou dos pais, essa ação era suspensa conforme explica Vera Lúcia Correa Feitosa, Às vezes eu chegava atrasada, por conta do ônibus (meus pais naquela tempo não tinham carro próprio) e uma determinada professora (por questão ética prefiro não citar o nome) colocava-me de pé durante toda a aula de castigo. Quando minha mãe tomou conhecimento, não por mim, mas por um colega, foi falar para dona Maye Bell Taylor que repreendeu a atitude da professora. E esta nunca mais realizou tal procedimento. No tocante às disciplinas ministradas na Escola, eram puxadas, mas necessárias para que pudéssemos acompanhar as grandes escolas e colégios de Aracaju.23 Entre os castigos que foram usados no Educandário Americano Batista alguns tiveram a repulsa dos alunos, evitando assim que eles voltassem acontecer, Menezes deixa claro sua impressão, Eu fiquei impressionada porque passaram sabonete na língua do menino. Porque o menino xingou. Aí passou sabonete. Mas eu achei uma coisa!!! Hoje eu não acho nada demais sabonete. Mas na época me traumatizou muito, entendeu.24 Para aquela época a disciplina e os castigos praticados pelo EAB, eram considerados inovadores. Quem tinha repulsa da comunidade estudantil e da sociedade era a palmatória e o seu uso. A agressão física, era totalmente condenada veja como Ilsa Donald se expressa. A disciplina era inovadora pra época, a gente não apanhava, não tinha palmatória, as professoras eram rígidas, mas pegavam mais a gente pelo conteúdo, pela nota, tinha nota de comportamento todo dia, tinha notas diárias, de acordo com a aula que a gente tinha tido e a nota de comportamento. E quando o aluno era indisciplinado, 22 NASCIMENTO, Ester Fraga Villas-Boas Carvalho do. Educar, Curar, Salvar: uma ilha de civilização no Brasil Tropical. São Paulo: PUC/ São Paulo: 2005 p. 167. (Tese de Doutorado). 23 Vera Lúcia Corrêa Feitosa, ex-aluna no período de 1960-1965. Atualmente é professora da UFS. Entrevista concedida a autora no dia 20/10/2005. 24 Cleide Selma Melo Menezes, ex-aluna, no período de 1959-1960. Atualmente é médica. Entrevista concedida a autora em 18/11/2005 3903 3904 escrevia cem vezes, “não devo conversar na aula” ou “não devo mentir25. No Educandário Americano Batista, era terminantemente proibido o uso de agressões físicas, castigos corporais, para corrigir o comportamento do aluno, e muito menos o uso da palmatória. Em outras instituições de educação protestante o uso da palmatória também não era recomendado. Segundo César (1973): [...] suas normas proibiam os castigos corporais para a correção do comportamento do aluno. A professora recebia a determinação que ao invés da castigar, deveria desenvolver suas boas tendências, ao invés de reprimir as más. A tendência à desobediência deveria ser combatida através de “atrações e interesses do que por castigos e ralhos”. Nunca deveria se castigar com o espírito de vingança, pois este quando preciso, seria “certo e apropriado, sem ameaças. A escola “não era lugar para palmatória”. Era determinado também que, “em cousas menores, os olhos podem muito mais que a língua”, e o professor “nunca deveria usar de engano”26 A prática da conversação, era muito usada, entre as missionárias norte-americanas, quando não dava muito resultado, dessa forma, era aplicado outro dispositivo como explicam Dione de Oliveira Diedam As professoras eram rígidas, mas podíamos sentir ao mesmo tempo o carinho e a dedicação. Para disciplinar a turma, deixava o aluno faltoso de pé em frente dos colegas, com ou sem recreio, e, quando a falta era maior, mandava falar com a diretora.27 No recreio a percepção de todos que faziam o EAB aguçava-se cada vez mais. Mesmo o aluno tendo consciência de que o recreio simbolizava também privilégios, onde ele pode participar dessa parte social, também aconteciam pequenos desentendimentos que podia finalizar em brigas. Acontecendo ações dessa natureza, a escola passava a exercer alguns procedimentos para a melhoria do comportamento, mantendo a ordem e a disciplina da instituição, Jabes Nogueira Filho relembra um desses momentos, Lembro que eu estava no 2º ou 3º ano e na hora do recreio os meninos ficaram me abusando e eu larguei um tapa em um lá, não lembro mais o nome do coitado, mas rodei a mão com gosto, derrubei o menino lá. Foi a única vez que eu briguei. Fui pra secretaria, recebi um maço de papel, fiquei na sala da diretora, escrevendo “Eu preciso me comportar” do meio pra o fim a letra já estava deste tamanho (bem grande)28. 25 Ilsa Donald, ex-aluna no período de 1959-1967, atualmente é psicóloga. Entrevista concedida a autora em 24/09/2005. 26 CESAR, WALDO. Para uma sociologia do protestantismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1973 apud NASCIMENTO, Ester Fraga Villas-Bôas Carvalho do. Educar, Curar, Salvar: Uma ilha de civilização no Brasil tropical. São Paulo: PUC/ São Paulo. 2005. p. 167. (Tese de Doutorado). 27 Dione de Oliveira Diedam, ex-aluna no período de 1953-1958. Entrevista concedida a autora em dezembro de 2005. 28 Jabes Nogueira Filho, ex-aluno no período de 1972- 1977. Atualmente é pastor e funcionário público federal. Entrevista concedida a autora em 18/11/2005. 3904 3905 Evangelização e formação Mesmo povoado pelos cânticos religiosos, pelos hinos pátrios as solenidades e o próprio cotidiano do EAB parecia carecer de um hino específico que expressasse o lema daquela instituição: Elita Reis Ferreira provavelmente foi a responsável pela composição da música do “Hino do EAB” em 20 de novembro de 1968. Com uma letra expressiva, e melodia vibrante e significativa foi composto em três estrofes Para frente, oh Mocidade, Cheia de fé e bondade, Avancemos na peleja, Embora má, a sorte seja, Nada nos abaterá Cada qual aprenderá A sofrer com paciência, De todo mal a inclemência. Serás EAB, eternamente o nosso bem, Oh! EAB, em nossas almas viverás Oh! EAB, até a morte e além, Oh! EAB, teu nome ficará. Em prol do bem e contra o vício Não poupemos sacrifício. Ser bom, ser justo e forte ser Tenhamos sempre por dever! Seja o céu o nosso abrigo, E o livro o melhor amigo. Assim, nossa diretriz. Fará o orgulho do nosso país! Disciplina, esforço, estudo, Pela pátria, tudo, tudo! Morrer, pela pátria é glória! E o forte, morto na história, Ressuscita cedo ou tarde, Enquanto o homem covarde, Vivo, ou da morte alcançado, Terá um nome execrado. A letra do hino da instituição revela elementos significativos das metas educacionais e evangelizadoras propostas pela pedagogia batista desenvolvida na instituição. A importância da coragem, de combater os vícios, de buscar as boas leituras, a evocação da “disciplina, esforço e estudo” como características patrióticas, de certa forma revelam, aspectos do cotidiano da instituição rememorados por ex-alunos, ex-professores, ex-diretores e ex-funcionário. O Hino do CAB/EAB fala bem de perto ao coração do ex-aluno, Ariano Suassuna,29 que estudou alguns anos, nessa instituição; onde viveu sua infância e parte da sua adolescência. 29 Ariano Suassuna nasceu em 16 de junho de 1927, na Paraíba, filho de João Urbano Pessoa de Vasconcellos Suassuna e Rita de Cássia Dantas Villar. No fim de 1928, tendo João Suassuna deixado o governo da Paraíba, a família volta ao sertão, para a fazenda “Acauhan”. Em 09 de outubro de 1930, João Suassuna é assinado, no Rio, deixando dona Rita viúva com nove filhos, dos quais Ariano é o oitavo. Em 3905 3906 Suassuna, fala da grande emoção que ainda sente, quando ouve a música seja cantada ou tocada. Mesmo sem considerar os elementos que compõem o hino, tão bons, (como a letra e a melodia) ele reflete e considera impossível não se render as felizes lembranças da sua adolescência naquele internato. Assim ele se expressa: Não posso ouvir, sem profunda emoção, o hino do Colégio Americano Batista.30 Não que ele seja bonito. Pelo contrário: a música é apenas razoável e a letra é muito ruim. Mas isso não é característica exclusiva sua. Parece que é, mesmo, da natureza dos hinos. A letra da “marselhesa” por exemplo, é feíssima. Acontece que seu valor, para os franceses, vem de outras coisas, como acontece com o hino do CAB em relação a mim. Eu não saberia escrever nada sobre ele, nem sobre o colégio a quem tanto devo. Mas um grande poeta do nordeste e do Brasil, Marcos Accioly, foi, como eu, aluno do CAB. E a direção do Colégio sabiamente, confiou a Marcos Accioly a tarefa de dizer o que todos nós sentimos, sem saber expressar. E Marcos Accioly soube corresponder a essa confiança: é que certamente ele também como eu quando ouve as primeiras estrofes do hino, “Para frente, ó mocidade” sente o cheiro da grama cortada, revive a atmosfera meio escura e cheirando a madeira das escadas que levavam à rouparia e ao dormitório e sente voltar todo o tempo dos 12 ou 13 anos, a época atormentada, bela, cheia de cruel alegria e sofrimento que é a adolescência. 31 As festas As festas de encerramento do ano letivo eram realizadas com muita solenidade visando estimular na criança o interesse pela escola. Essas festas costumavam imprimir nos alunos e visitantes uma boa impressão, ao assistir aquele espetáculo que eram preparados já com essa finalidade. Através dessas práticas escolares que foram implementadas no Educandário Americano Batista, contribuíram para criar uma imagem de uma escola de excelente padrão educacional. As festas como elementos da cultura escolar, permitem a visibilidade das relações pedagógicas e do sucesso do aproveitamento dos alunos durante o ano letivo, conforme Souza (1998: 253,254). 1932, a família muda-se para Taperoá. Aí, Ariano faz seus primeiros estudos em escola. Em 1942, nova mudança : desta vez para o Recife, onde a família se fixou. No Recife, três são os Colégios nos quais Ariano Suassuna estudou: Colégio Americano Batista, Oswaldo Cruz e Ginásio Pernambucano. Em 1945, estudando no Oswaldo Cruz, escreve “Noturno”, primeiro poema seu a ser publicado: A publicação foi feita em 7 de outubro por intermédio de Tadeu Rocha, que então era seu professor. Em 1946, entra para a Faculdade de Direito do Recife, concluindo o curso em 1950. Dez anos depois, concluiu o de Filosofia, na Universidade Católica de Pernambuco. Na faculdade de Direito, sob a liderança de Hermilo Borba Filho, funda-se o Teatro do Estudante de Pernambuco, para o qual Suassuna escreve suas primeiras peças. Entre 1946-1948, publica ele diversos poemas ligados ao Romanceiro Popular do Nordeste e, em 1947 escreveu sua primeira peça, uma “Mulher Vestida de Sol”. SUASSUNA, Ariano. A História do amor de Fernando e Isaura. Recife: Bagaço. 1996. 30 Provavelmente a música que tem como título “Hino do CAB”, ou “Hino do EAB” é o mesmo para todos os colégios batistas organizados pelos missionários batistas norte-americanos. Em 1952 A escola tinha o nome de Educandário Americano Batista e tinha como oficial o referido hino, com a mesma letra e melodia. 31 Depoimento retirado da capa do disco “Eternamente o Nosso Bem”. Fábrica de Discos Rozemblit LTDA Recife- PE. Acervo: Arquivo do Colégio Americano Batista, Recife – PE, em 13/01/2006. Esse disco contou com a participação da Banda do Corpo de Fuzileiros Navais do Recife, sob a regência de Elias Moreira da Silva. Marcos Accioly e Nestor Accioly, foram os intérpretes. 3906 3907 A festa de encerramento compreendia, pois, uma festa oficial, uma solenidade na qual, reunindo toda a comunidade escolar, as famílias, as pessoas “gradas” da sociedade, as autoridades e a imprensa, na escola reafirmava sua identidade e o seu valor social. Por isso, nada melhor para divulgar o seu trabalho e o seu prestígio do que o ar solene, grave, formal dessas festas, juntamente com o espetáculo, a encenação realizada pelos próprios alunos-sentido primeiro da existência da escola. A escola tornava-se palco e cenário, algumas vezes caprichosamente ornamentado, onde alunos-atores encenavam para a sociedade o espetáculo da cultura, das letras, da ordem, das lições morais e cívicas.32 O conteúdo do programa da festa de encerramento ilustrava o nível pedagógico das cerimônias apresentadas pelas missionárias batistas norte-americanas, atreladas a solenidades se vislumbrava um grande espetáculo educativo. O “discurso de uma autoridade” dava abertura aquele momento. Logo depois seguia-se as representações teatrais, os cânticos tocados ao piano, oração, poesia, solo, duetos, coral infantil. Carlos Henrique impressionado relata o que via nesta solenidade, Houve um ano que foi feito um circo bem criativo com animais, os meninos bem caracterizados, assim foi de palhaço, diretor de circo, os meninos vestidos de urso, de macaco e aquilo chamou muito atenção. Foi a primeira festa de arrojo da escola. E vários colégios como os maiores da época: Jackson de Figueiredo, Tobias Barreto, Atheneu, esses colégios faziam questão de assistir as festas de encerramento do EAB, era aquela festa solene [...] Geralmente as escolas convidavam as autoridades quando eles não viam mandavam um representante como Coronel do exército, o presidente da câmara de vereadores, dos deputados, da secretaria da educação, do MEC, também vinha um palestrante que era sempre uma pessoa famosa como Marcos Guimarães, os pastores que se destacavam como Donald (ele tinha o dom de falar). O Colégio sempre chamou atenção.33 O dia de festa representava premiações para alunos e professores que se destacavam nas suas atividades intelectuais. Todos os preparativos aconteciam com muita antecedência. As missionárias norte-americanas ficavam orgulhosas. Auditório decorado com cortinas, flores por todo lado. A música tocada ao piano enchia aquele lugar, bem como o coração dos formandos e todos presentes. A alegria pairava no ar. Era assim que aconteciam as festas de formaturas. A presença dos pais, familiares, amigos, convidados, fotógrafos, autoridades, jornalistas e políticos, coloriam ainda mais o ambiente, que com todas as suas representações, conduzia as crianças a vivenciarem momentos de sonhos inesquecíveis. Recorda Sônia Virgínia Prado Gomes, A formatura parecia uma colação de grau. A mesa lá comprida (era uma mesa de reunião com as cadeiras que a gente achava belíssimas). O sonho da gente era sentar naquelas cadeiras. Lá em cima no palco, as bandeiras coloridas tremulavam, a gente sentava e quando chamava era que a gente subia, a gente se sentia universitário, recebia o canudinho e apertava a mão. Eu não esqueço a minha formatura de encerramento do quarto ano. A roupa era de brim azul. Um sapato 32 SOUZA, Rosa Fátima de. Op. Cit. p.p. 253-254. Carlos Henrique dos Santos, ex-funcionário no período de 1955-1984, atualmente já se encontra aposentado. Entrevista concedida a autora em 11/12/2004. 33 3907 3908 alto (cavalo de aço), pra mim foi o céu. Aí tinha canto, dramatização, poesia, etc. O americano valorizava cada degrau que o aluno subia. 34 O Educandário mantinha um calendário de festas intenso e extenso. Se comemorava todas as datas, a escola vivia em festa. Stoelsel conta sua experiência: Isso tinha de bom. Porque as festas culturais tinha um calendário muito intenso. Uma das partes boas da escola. Toda festividade tinha alguma atividade. Uma atividade feita pelos alunos, achava isso muito interessante. Tinha um respeito político muito forte, tinha uma admiração à bandeira, ao hino nacional, éramos doutrinados nessas situações para admirar o patriotismo. A bandeira dos Estados Unidos estava acima de toda instituição, era a instituição americana, a nossa bandeira estava ao lado. Agora o vínculo maior era o americano. Depois é que a gente vai percebendo quando fica mais adulto, quanto era errado essa situação que a gente estava ali. Hoje eu percebo. Mais as atividades que tinham valorizava muito o patriotismo e a bandeira Nacional. 35 A escola vivia em festas. Todas as datas eram comemoradas: dia das mães, São João, aniversário de professores e funcionários, dia dos pais, festas das fitas entre outras. Praticamente era uma festa por mês. De acordo com os depoimentos, O Educandário Americano Batista era destacado pelas festas. No tempo de Maye Bell ela fazia as alegorias das fitas, apresentavam as danças. Era Maye Bell quem ensinava. Lá nos Estados Unidos eles trabalhavam muito com essas coisas. Nas escolas tinha aquelas torcidas organizadas. Ela trouxe esse jogo pra aqui. Era muito bonita36 Buscou-se compreender o papel das diretoras norte-americanas em relação à educação batista em Sergipe no início da segunda metade do século XX. Aos poucos foram fincando seu projeto civilizatório,37 religioso e educacional, que no seu bojo já trazia consigo um “novo olhar” para as questões do cotidiano escolar. Implantando métodos inovadores para época com o enfoque do ideário norte-americano, demonstrando através da organização da escola, das práticas escolares (valorização de novos experimentos, da arte, da música, o incentivo ao civismo) que executavam, da forma de manter a ordem, a disciplina e de expandir a evangelização (por meio da lecção, filmes, slides, palestras, excursões, viagens) recorrendo a uma “cultura escolar” própria. As marcas deixadas se fazem presentes nos depoimentos de exalunos, e ex-professores de forma revelado ou mesmo silenciada. 34 Sônia Virgínia Prado Gomes, ex-aluna, atualmente é enfermeira. Entrevista concedida 28/04/2005. Stoelsel Chagas Junior, ex-aluno, no período de 1965-1971, atualmente é industriário e Líder Sindical da Petrobras. Entrevista concedida em 16/11/2005. 36 Ivalcene Carneiro Fraga, ex-professora. Entrevista concedida em 18/04/2005 37 Para Elias, o conceito de civilização se refere a uma grande variedade de fatos: ao nível da tecnologia, o tipo de maneiras, ao desenvolvimento dos conhecimentos científicos, às idéias religiosas e aos costumes. Pode se referir ao tipo de habitações ou à maneira como homens e mulheres vivem juntos, ao modo como são preparados os alimentos. Não existe nada que não possa ser feito de forma“civilizada” ou incivilizada”. ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Formação do Estado e civilização. V. II Rio de Janeiro; Jorge Zahar Editor. 1990. apud NASCIMENTO, Ester Fraga Vilas- Boas Carvalho do. Educar, Curar, Salvar: Uma ilha de civilização no Brasil tropical. São Paulo: PUC/São Paulo, 2005.p.52 ( Tese de Doutorado). 35 3908 3909 Dessa forma mais especifica o conceito de cultura escolar valoriza aos “processos de transmissão cultural da escola”. E o lugar mais propício para essa transmissão ainda continua sendo a escola. “A escola já foi vista e idealizada através de várias concepções” como o lugar de aquisição e conhecimento de normas “universais”. Depois como um lugar de inculcação ideológica e de reprodução social”. Bem, o fato é que de uma forma ou de “outra a escola está sempre vinculada à formação de pessoas, à produção de indivíduos e subjetividades”.38 Considerações Finais A cultura escolar, materializada no EAB, foi analisada a partir das práticas escolares, sobre o funcionamento interno da instituição educacional (as relações entre professoras, alunos e diretora; disciplina e castigos, a evangelização e formação e as festas), a organização da Associação de Pais e Mestres, o currículo, a metodologia e como era construído o conhecimento, bem como quais os métodos de avaliação utilizados para alcançar os objetivos do ensino aprendizagem. Percebe-se ao longo do estudo a preocupação das missionárias norte-americanas batistas em exercer uma gestão participativa à frente do EAB. A difusão de valores batistas se fazia presente em diferentes atividades. A instituição atendia alunos de diferentes classes sociais e credos religiosos oferecendo uma formação sólida baseada em princípios morais e cívicos. V - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CESAR, Waldo. Pra uma sociologia do protestantismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1973. 38 CUNHA, Marcus Vinicius da. Op. Cit. p. 5. 3909 3910 CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. JULIA, Dominique. “A Cultura escolar como objeto histórico.“In: Revista Brasileira de História da Educação.Campinas: Editora Autores Associadas, 2001. NASCIMENTO, Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do. A Escola Americana: origens da educação protestante em Sergipe (1886-1930). São Cristóvão: Grupos de Estudos e Pesquisas em História da Educação / NPGED, 2004. (Coleção: Educação é História 4). ____________________________________________________. Educar, Curar, Salvar: Uma ilha de civilização no Brasil Tropical. São Paulo: PUC, 2005 (Tese de Doutorado) NASCIMENTO, Sayonara Barreto Alves. Colégio Americano Batista: a mais completa opção de educação protestante em Aracaju: UNIT, 2004. (Monografia). SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de Civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de São Paulo: Fundação Editora UNESP, 1998. SUASSUNA, Ariano. A história de amor de Fernando e Isaura. Recife: Bagaço, 1994. FONTES DOCUMENTOS COLÉGIO AMERICANO BATISTA. Ata de fundação do Instituto Pan-Americano. 15 de novembro de 1951. Arquivo do Colégio Americano Batista. ESTATUTO do Colégio Americano Batista. 1996. s.p. ESTADO DE SERGIPE. Diário Oficial. 13 de junho de 1969. Arquivo do Colégio Americano Batista. ESTADO DE SERGIPE. Resolução nº 97/80, de 17 de junho de 1980. Conselho Estadual de Educação. ESTADO DE SERGIPE. Resolução nº 173/83, de 23 de dezembro de 1983. Conselho Estadual de Educação. WILLIAMS, Clara Lynn. E-mail enviado em 19/10/2005. WILLIAMS, Clara Lynn. Síntese do trabalho batista em Sergipe 1913-1971. Aracaju. 1971 DEPOIMENTOS CAETANO, Ednalva Freire. Entrevista concedida a autora em 29/09/2005. CHAGAS JÚNIOR, Stoelsel. Entrevista concedida em 16/11/2005. DIEDAM, Dione de Oliveira. Questionário enviado em novembro de 2005. DONALD, Ilsa. Entrevista concedida a autora em 24/09/2005 FRAGA, Ivalcene Carneiro. Entrevista concedida a autora em 18/04/2005. 3910 3911 FEITOSA, Vera Lúcia Corrêa . Entrevista concedida a autora em 20/10/2005. FREITAS, Josefa Rosemeire Nunes Pinto. Entrevista concedida a autora em 26/10/2005. GOMES, Adna Maria. Entrevista concedida a autora em 29/09/2005 GOMES, Sônia Virgínia Prado. Entrevista concedida a autora em 28/04/2005 GOMES, Valdice Maria. Entrevista concedida a autora em 30/04/2005. JESUS, Edna Gomes de. Entrevista concedida a autora em 27.01.05. NOGUEIRA FILHO, Jabes. Entrevista concedida a autora em 18/11/2005 MENEZES, Cleide Selma Melo. Entrevista concedida a autora em 18/11/2005 OLIVEIRA FILHO. Josafá. Entrevista concedida a autora em 25/10/2005 OLIVEIRA, Iolanda Santos. Entrevista concedida a autora em 22/04/2005. OLIVEIRA, Clarinda Maria Mangueira de. Entrevista concedida a autora em 18/11/2005. PIERCE, Déborah Trott. Depoimentos enviados por e-mail em 10/01/2005. PRADO, Fernando Santos. Entrevista concedida a autora em 28/9/2005 SANTOS, Carlos Henrique. Entrevista concedida em 11/12/04. TELES, Helena. Entrevista concedida a autora em 29/01/2005 TROTT, Freda Lee. E-mail enviado em 04/03/2005 TROTT, Freda Lee. E-mail enviada em 11/11/2005 TROTT, Freda Lee. E-mail enviado em 19/10/2005 WILLIAMS Clara Lynn. E-mail enviado em 19/10/2005. WILLIAMS Clara Lynn.. E-maíl enviado em 11/11/2005 WILLIAMS, Clara Lynn. Entrevista concedida a autora em 20/06/2005. 3911