As práticas culturais e o cotidiano do Educandário Americano

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As práticas culturais e o cotidiano do Educandário Americano
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AS PRÁTICAS CULTURAIS E O COTIDIANO DO EDUCANDÁRIO
AMERICANO BATISTA DE ARACAJU (1951-1972)
Maria de Lourdes Porfírio Ramos Trindade dos Anjos 1
Universidade Federal de Sergipe
RESUMO
Com este artigo pretendo analisar a cultura escolar trazida para Aracaju por missionárias norteamericanas e aplicadas no Colégio Americano Batista no período de 1951-1972. Para cumprir
esses objetivos recorro a pesquisa bibliográfica e documental, buscando subsídios nas fontes
primárias e secundárias como: Estatuto do Colégio Americano Batista, atas, síntese do trabalho
batista em Sergipe, leis, decretos, anais, jornais, relatórios, registro de matrícula, cadernetas,
atas da associação de pais e mestres, fotografias, e-mails, livro de ponto, dissertação e tese.
Lanço mão de depoimentos de ex-diretoras, ex- funcionário, ex-professoras, ex-alunos. As
missionárias norte-americanas ( Winona Purvis Treadwell, Maye Bell Taylor, Freda Lee Trott,
Clara Lynn Williams) gostavam muito do folclore brasileiro. Um outro aspecto evidenciado na
cultura escolar desta instituição foi a organização de um calendário intenso de festas e
comemoração de datas cívicas e outras especiais. Existia muita rigidez nas práticas
disciplinares, no entanto sua resolução se dava através do diálogo com os alunos e os pais. A
alfabetização estava atrelada ao proselitismo. O Instituto Pan Americano de Ensino foi criado
por um grupo de professores e seu primeiro diretor foi o Profº Manoel Simeão Silva. Durante
sua trajetória, o Colégio Americano Batista foi renomeado diversas vezes por conta de
determinação da legislação ou das reformas promovidas em nível estadual e federal. No ato de
sua fundação, no dia 15 de novembro de 1951, recebeu o nome de Instituto Pan Americano, em
1953 tendo como diretora a missionária batista norte americana Winona Purvis Treadwell,
recebeu um novo nome, desta vez, Educandário Americano Batista. Com o crescimento da
instituição e a demanda, o Conselho Estadual de Educação resolveu autorizar o funcionamento
do ensino de 5ª a 8ª séries passando a ser chamado de Escola de 1º Grau Batista Sergipana. Com
a necessidade de ampliar seus cursos, desta vez o ensino médio, em 1993, a escola mudou o
nome definitivamente para Colégio Americano Batista. A princípio começou a funcionar em
uma casa, porém não demorou muito e as missionárias construíram um prédio de acordo com o
ideário americano, com uma arquitetura majestosa, inaugurado em outubro de 1961. Percebe-se
até o momento a preocupação das missionárias em proporcionar aos alunos, uma formação
baseada em valores morais sólidos preparando-os para a vida. Pretendia-se inculcar novos
valores e estimular a formação de posturas corretas e atitudes sábias. Foram analisados
dispositivos que fazem parte da cultura escolar e que estimula e contribuem para uma melhor
aprendizagem como: as festas, as normas, a disciplina, os castigos o método de ensino, o recreio
a lecção, a relação professor x aluno, aluno x missionária / diretora, horário de aula, a biblioteca,
a participação da associação de pais e mestre. O novo currículo deveria existir uma preocupação
com a introdução de uma metodologia que valorizasse novos experimentos, a educação física
era muito importante para o corpo da criança e a prática de esporte, os castigos deveriam ser
abolidos e no seu lugar o diálogo devia estar presente a valorização da arte, através da música.
Até o momento percebe-se que as práticas pedagógicas utilizadas pelas missionárias em Aracaju
foram consideradas inovadoras para a época, e mais convidativas para a permanência do aluno
na escola. Utilizo como categorias de análise cultura escolar a partir das definições de
Dominique Julia, representação de Chartier e arquitetura de Frago. Ao passar do tempo,
pesquisas têm demonstrado que existe uma preocupação por parte dos educadores sobre as
práticas pedagógicas. Através dessas investigações que estão sendo realizadas, percebe-se que
está existindo uma necessidade generalizada por parte de estudiosos de penetrar no “interior” da
vida escolar com um novo olhar, com novos enfoques que venham redirecionar visões
1
Estudante do Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Sergipe. Orientadora Profª Anamaria
Gonçalves Bueno de Freitas. E-mail- [email protected]
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cristalizadas, despertar outros para a realização de novos estudos da História da Educação no
Brasil. Neste estudo procurou-se verificar através de documentos e depoimentos como estava
organizado o Instituto Pan - Americano, em suas atividades de ensino, nas práticas festivas e
aplicação das normas disciplinares.Os aspectos envolvendo a arquitetura escolar também foram
abordados.
TRABALHO COMPLETO
INTRODUÇÃO
Esta investigação se propõe analisar o modelo de educação trazido pelas missionárias
batistas norte-americanas e materializado no Instituto Pan-Americano de Ensino, em Aracaju, a
partir de 1952, atualmente denominado Colégio Americano Batista. O estabelecimento de
ensino foi fundado em Aracaju, em 15 de novembro de 1951, pelos professores Josué Costa,
Manoel Simeão Silva, Hilda Sobral de Faria, Benjamita Santos Silva, Ruth Cunha Amaral e
Maria de Lourdes Oliveira, e suas aulas iniciaram no dia 1º de março do ano seguinte
oferecendo o pré-primário e o primário.2
Para cumprir este objetivo recorro à pesquisa bibliográfica e documental, buscando
subsídios nas fontes primárias e secundárias. Lanço mão de depoimentos de ex-diretoras, exfuncionário e ex-professoras e ex-alunos.
Durante a sua trajetória, o Instituto Pan-Americano de Ensino foi renomeado diversas vezes
por conta de determinação da legislação ou das reformas promovidas no âmbito estadual e
federal. Em 1953, tendo como diretora a missionária batista norte-americana Linnie Winona
Treadwell, recebeu um novo nome desta vez, Educandário Americano Batista. No dia 21 de
outubro de 1961, foi inaugurado o novo edifício da escola, com a presença do governador do
Estado, dentre outras autoridades. O prédio, com dois pavilhões, tinha seis salas de aula,
biblioteca, auditório, dois escritórios, quatro banheiros, cozinha, terraço e sala de vigia.3
Com o crescimento da instituição e da demanda, o Conselho Estadual de Educação resolveu
autorizar o funcionamento do ensino da 5ª a 8ª séries, passando a ser chamada de Escola de 1º
Grau Batista Sergipana4, em 1980. Com a necessidade de ampliar seus cursos, desta vez o
ensino médio, em 1983, a escola mudou o nome definitivamente para Colégio Americano
Batista.5 Neste estudo denominamos a instituição pesquisada como, Educandário Americano
Batista (EAB), pois esta foi a forma que predominou, mais tempo, no período pesquisado.
Utilizo como categorias de análise, cultura escolar a partir das definições de Dominique
Julià, apropriação e representação de Roger Chartier e arquitetura escolar de Frago. Até o
momento percebe-se que as práticas pedagógicas utilizadas pelas missionárias em Aracaju
foram consideradas inovadoras para a época, e mais convidativas para a permanência do aluno
na escola.
A partir dos resultados deste estudo pretendemos contribuir com a análise da influência
norte-americana batista, na segunda metade do século XX, em Sergipe. Até o momento foi
2
COLÉGIO AMERICANO BATISTA. Ata de fundação do Instituto Pan-Americano de Ensino. 15
de novembro de 1951. Arquivo do Colégio Americano Batista.
3
WILLIAMS, Clara Lynn. Síntese do trabalho batista em Sergipe (1913-1971). Aracaju: 1971. p. 16.
4
ESTADO DE SERGIPE. Resolução nº 97/80 de 17 de junho de 1980. Conselho Estadual de Educação.
5
ESTADO DE SERGIPE. Resolução nº 173/83 de 22 de dezembro de 1983. Conselho Estadual de
Educação.
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localizada apenas uma monografia sobre a educação batista em Sergipe6, no entanto
identificamos algumas pesquisas sobre a atuação católica no campo educacional. Além do
trabalho pioneiro da Profª Drª Ester Fraga Vilas Boas Carvalho do Nascimento, ao investigar as
origens da educação protestante em Sergipe, serviu de inspiração inicial para este estudo.
Depois de muitas dificuldades, a citada autora conseguiu identificar fontes documentais para
analisar as práticas educacionais desenvolvidas a partir da implantação da Escola Americana em
Laranjeiras, pelos
missionários presbiterianos no ano de1886.
Conforme os registros de atas da Associação de Pais e Mestres dos anos de 1951 a 1972,
contando a partir de sua fundação histórica a direção do EAB, foi ocupada pelas seguintes
missionárias batistas norte-americanas e seus respectivos períodos de gestão administrativa:
Linnie Winona Treadwell (1952-1955); Maye Bell Taylor (1955-1959; 1960-1963); Freda Lee
Trott ( 1959;1964-1966); e Clara Lynn Williams (1966-1972).
A implantação do Educandário Americano Batista foi marcada por muitas dificuldades
econômicas, entretanto a presença das diferentes missionárias norte-americanas à frente da
direção do estabelecimento de ensino, possibilitou através de diversas estratégias a consolidação
do ensino batista em Sergipe, ao longo das últimas cinco décadas.
Elementos da Cultura Escolar no Educandário Americano Batista
Abordar a questão educacional dos batistas em Sergipe, implica em ter um conhecimento
substancioso da sua totalidade em relação aos seus pressupostos, e a que se propõe a realizar.
Para que isso possa acontecer com legitimidade é preciso investigar seus primórdios,
procurando entender o plano educacional proposto pelos pioneiros e pelas missionárias batistas
norte-americanas que aos poucos foram imprimindo o seu ideário educacional. Portadores de
pensamento nobres, e objetivos firmes, organizaram uma escola, onde as crianças dos filhos dos
protestantes deveriam adquirir, uma “educação sadia, genuína, onde seria preservado os bons
costumes, nobre fins da moral e o amor a pátria”7
Ao analisar a cultura escolar, materializada no Educandário Americano, o foco das
investigações recai sobre as práticas escolares, sobre o funcionamento interno da instituição
educacional, organização da associação de pais e mestres, o currículo e como era construído o
conhecimento escolar. E para conhecer todo esse contexto se faz mister refletir sobre como e o
que se estudava, como eram ensinados os conteúdos, quais os métodos de avaliação utilizados
para alcançar os objetivos do ensino-aprendizagem. Classificamos como componentes das
práticas escolares as questões relacionadas ao currículo, a metodologia do ensino, a disciplina e
castigos, a evangelização a formação e as festas.
Na memória ficaram guardadas as lembranças mais marcantes que foram vivenciadas
naquele espaço educacional. As atas da Associação de Pais e Mestres os relatórios apresentados
pelas missionárias a Junta administrativa da outra América, informavam maneiras importantes
dentre as quais, se destacavam o valor da evangelização, da moral, dos bons costumes, o amor à
pátria, e o rigor da disciplina escolar. Esses aspectos ficaram bem caracterizados nos
depoimentos e entrevistas realizadas entre ex-alunos, ex-professoras, ex-funcionários e exdiretores. Sobre esses pilares o EAB estabelecia sua organização, sua arquitetura e as práticas
escolares dessa instituição.
O currículo e a metodologia do ensino
6
NASCIMENTO, Sayonara Barreto Alves. Colégio Americano Batista: a mais completa opção de
educação protestante em Aracaju. UNIT. 2004. (Monografia).
7
ESTATUTO, 1969. s. p.
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Ao examinar o currículo do Educandário Americano Batista na década de 1950 verificouse que era composto das seguintes disciplinas: Artes, Música, Inglês, Aritmética, Português,
Ciências, História, Geografia e Desenho. Acrescida com o ensino da Leitura, Cálculo,
Gramática, Escrita, Verbo, Caligrafia, Análise, Composição, Hino, Soletração e Educação
Física.
Conforme documento encontrado nos arquivos do Educandário Americano Batista (EAB),
a todas as disciplinas do núcleo comum e complementares, eram atribuídas notas. Ao todo
formava um total de quinze notas. O ensino religioso não aparecia nesta lista, e não era auferido
nota. No entanto, fazia parte da rotina diária e semanal, momentos dedicados às práticas
religiosas como nas devocionais e nas lecções, já comentadas anteriormente.
Concebendo a idéia de que a organização curricular não foi elaborada aleatoriamente, mais
que traz no seu bojo um alto grau de intencionalidade e que favoreceu a introdução das normas
e valores morais e pátrios impostos pelas normas vigentes da época, e que estiveram presentes
nas práticas educativas. Conforme Clara Lynn explica:
A aula de religião ensinava o amor a Deus, o respeito que a gente tem
que ter por Ele, ensinava o “Pai Nosso”, fazia uma oração. Não
ensinava doutrina. E o aluno era respeitado. Nós sempre na escola
fizemos tudo para que os alunos amassem o seu país. Nós
cantávamos o hino nacional, hasteávamos a bandeira, tivemos
reuniões sobre a pátria para que as crianças pudessem amar e ajudar a
pátria.8
Vários foram os caminhos percorridos pelo EAB para adquirir prestígio, perante a
sociedade que exigia escola de qualidade para seus filhos. Para fazer parte do quadro de
professoras do EAB, era preciso ter competência. A Junta Administrativa indicava, mais
existiam critérios de seleção, muitas vezes considerava-se também a prática dos serviços da
Igreja. Além da formação adquirida na Escola Normal, outro teste seria conduzir bem sua
turma, tendo o domínio do conteúdo, ter manejo de classe, e se envolver nas atividades do
Educandário. Todas as condições eram oferecidas, para que a professora alcançasse seus
objetivos. Estava ao seu dispor uma variedade de materiais didáticos.
Existia toda uma preparação para alcançar os ideais propostos pelas missionárias batistas
norte-americanas. A metodologia aplicada contribuía para que a criança se sentisse bem naquele
ambiente. A começar pelo primeiro dia de aula com a presença da diretora lá no pátio dando as
boas vindas à criançada que feliz chegava para mais um ano letivo relembra a profª Valdice, “o
primeiro dia de aula era muito tumultuado. Principalmente para os pequeninos. Dona Clara fazia
questão de estar lá no pátio antes de começar as aulas.9
As diretoras norte-americanas, eram muito organizadas. Se preocupavam com todos os
detalhes, para que o ensino-aprendizagem não fosse prejudicado, dessa forma ainda nas férias
dos alunos todo o planejamento era elaborado cuidadosamente, ainda nesse período as
professoras recebiam cursos para a sua atualização, o stress também se constituía uma
preocupação. Tudo era muito bem estudado, afinal um longo ano letivo era esperado, e a
expectativa é que tudo ocorresse bem lembra Valdice,
Antes de começar as aulas, Clara Lynn fazia o planejamento com a
gente. Fazia reciclagem. Trabalhava muito com a confraternização
8
Clara Lynn Williams, ex-diretora no período de 1966-1972, aposentada. Entrevista concedida a autora
em 20/06/2005
9
Valdice Maria Gomes, ex-professora no período de 1967-1971, atualmente já se encontra aposentada.
Entrevista concedida a autora em 30/04/05
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entre as professoras. Ela se preocupava muito com o stress da
professora. Quando tinha feriado prolongado, a gente se mandava
para Salvador e Recife dentro de uma rural. O objetivo dela era fazer
um lazer com as professoras e pra gente conhecer nosso país. Ela
dizia; Como é que você vai falar do país se você não viu? Na mente
dela, quando você visualiza, fica mais fácil de ensinar. Tinha também
os jantares. Ela mesma fazia o jantar. Ela dizia que o ensino tem que
ser concreto. Não valorizava a memorização. Um dia ela inventou de
levar todas as professoras para a praia para fazer um cachorro quente
americano. Era assim: assava a salsicha na brasa e colocava no pão.
Isso foi um dia ao entardecer. Já era noitinha. Quando chegou lá que
a gente acendeu o fogo, lá vem um guarda e disse que não podia
acender fogo ali.10
A dramatização era muito usada, no cotidiano escolar. Através desse dispositivo discutia-se
alguns conceitos religiosos, morais ou cívicos explica Sônia Virginia,
Lá no Americano Batista, tinha teatro, era costume nas igrejas ter,
era uma forma de evangelização. Tinha uma bandinha, aula de
música, aula de inglês, tinha o ensino ao amor ao próximo, ao
civismo, a pátria, a escola. 11
A escola estava sempre em movimento, tudo que acontecia tinha objetivos claros existia
um dinamismo muito grande, a instituição estava em evidência, o que facilitava o crescimento.
Através dessas representações12 adquiria no dia-a-dia sua própria identidade social. Mais para
atender esse calendário13 o desgaste era grande confessa Clara Lynn Williams diretora no
período de 1966-1972. “A festas das crianças nós tivemos quase que uma em cada mês, nós
terminávamos uma e começávamos planejando outra. Eu estava realmente na frente das festas.
Já estava aqui há 7 anos.14”
O Educandário Americano Batista, apresentava uma proposta educacional voltada para
atender aos meninos e meninas que adentravam aquela instituição, que baseava em princípio da
educação integral isto é “é a formação global do indivíduo abrangendo todo conhecimento
humano. Dizia respeito também, a uma educação do corpo e do espírito, à educação física e
intelectual” (Souza, 1998:172) Para Rosa de Fátima Souza o conhecimento integral quer dizer:
“É a educação que contemplava todos os conhecimentos, não apenas as ciências, mas os
conhecimentos literários e as artes aplicadas às indústrias e aos ofícios”15.
A missionária batista norte- americana, Williams confirmava que,
O EAB foi fundado para ensinar e evangelizar. Porque nosso objetivo
é ver a pessoa crescer física, emocional e espiritualmente. A pessoa
10
Valdice Maria Gomes, ex-professora no período de 1967-1971, atualmente já se encontra aposentada.
Entrevista concedida a autora em 30/04/2005.
11
Sônia Virginia Prado Gomes, ex-aluna, atualmente é enfermeira. Entrevista concedida em 28/04/2005.
12
Segundo Chartier, as práticas sociais, escolares, políticas, visam fazer reconhecer uma identidade
social, exibir uma maneira própria de estar no mundo. Chartier, Roger. 1990. p. 23 apud Nascimento,
Ester Fraga Vilas-Boas Carvalho do. Educar, Curar, Salvar. Uma ilha de civilização no Brasil tropical.
São Paulo: PUC. São Paulo. p. 191.
13
O calendário de festa atendia a todas as datas: comemorativas, cívicas e religiosas. Entre elas podem
ser relacionadas algumas que foram mencionadas nas entrevistas: Dia dos pais, das mães, do índio, da
pátria, bandeira, formatura, soldados, encerramento, natal, semana da pátria, sesquicentenário, junina,
alegorias das fitas, aniversários dos professores e funcionários.
14
Entrevista cedida a autora no dia 20 /06/2005. Aracaju-Sergipe.
15
SOUZA, Rosa Fátima de. Op. Cit. p. 173.
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não é só uma parte, cada pessoa tem várias partes e nós estamos
querendo a ajudar a cada parte das pessoas, nós queremos ajudar o
homem total, a criança total, não queremos só falar sobre a parte
espiritual, mas também a parte física, a educação física, a parte
educacional, e isso foi nossa intenção.16
Eram visíveis as concepções defendidas por essas missionárias, ao implantar o Americano
Batista, acreditavam que a escola tinha a finalidade de instruir e educar17, e oferecer uma
educação integral, que perpassava por valores que influenciavam na vida integral do aluno. Os
instrumentos que eram utilizados pra repassar esses valores se davam por meio dos livros
didáticos, das histórias contadas nas lecções, nos hinos pátrios cantados diariamente, no ensino
da moral. Souza se refere a essas concepções da seguinte forma:
A moral abarcava um manancial de civilidade e bons costumes:
hábitos de ordem, comportamento da criança na escola, casa, rua e
lugares públicos, deveres para com os pais e superiores, histórias que
despertassem o amor pelo bem, deveres da criança na família,
deveres para com os pais e avós, deveres para com os irmãos e irmãs,
para com os servidores, criança na escola; moral e individual, deveres
corporais, temperança, prudência, coragem, sinceridade; deveres de
justiça e caridade, deveres de família e na vida profissional, deveres
cívico e das nações entre si.18
As relações entre professores, alunos e direção
Com o advento da Escola Normal a utilização do trabalho feminino no magistério se
expandiu principalmente no final do século XIX. O exercício do magistério se tornou um dos
primeiros campos profissionais, para a mulher. Mesmo recebendo salários baixos. Esse aspecto
não se constituiu um empecilho, pelo contrário a mulher se identificou com a profissão: Muitos
intelectuais e legisladores defendiam temas em torno das características inatas da mulher e por
demonstrar virtudes específicas para o ensino das crianças: de amabilidade, carinho, ternura
para cuidar dos pequeninos. Conforme acreditava João Barbalho Uchoa Cavalcanti,
Sabe-se que a mulher tem mais facilidade, mais jeito de transmitir
aos meninos os conhecimentos que lhes devem ser comunicados.
Maneiras menos rudes e secas, mais afáveis e atraentes que os
mestres, aos quais incontestavelmente vence em paciência, doçura e
bondade. Nela predominam os instintos maternais e ninguém como
ela possui o segredo de cativar a atenção de seus travessos e inquietos
ouvintes, sabendo conseguir que as lições, em vez de tarefa
aborrecida, tornem-se-lhes como uma diversão, um brinco. Acresce
que a professora é mais assídua que o professor, a quem outras
ocupações e negócios necessariamente distraem, e não o digo em
desabono deles, porque vejo como são mal retribuídos.19
16
Clara Lynn Williams, ex-diretora, no período de 1966-1972. Atualmente já se encontra aposentada.
Entrevista concedida a autora em 20/06/2005.
17
Para Souza a escola primária era atribuída uma finalidade prática e utilitária, além de instruir e
educar. Instruir significava transmitir conhecimentos, e educar, transmitir valores e normas, isto é, a
formação do caráter. SOUZA, Rosa Fátima de . Op. Cit. p. 174.
18
SOUZA, Rosa Fátima de. Op. Cit. p. 179.
19
Atas e pareceres do Congresso de Instrução do Rio de Janeiro, 1884. apud SOUZA, Rosa Fátima de.
Templos de Civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de São Paulo (18901910). São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. p. 63
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Aos poucos a profissionalização do magistério, ganhava uma certa importância e passava a
ser responsável pela formação do povo, um reformador da sociedade, tal como se expressa
Souza (1998:61)
A importância dada à educação popular nesse período (1890)
propiciou a constituição de representações sobre a profissão docente
nas quais o professor parou a ser responsabilizado pela formação do
povo, o elemento reformador da sociedade, o portador de uma nobre
missão cívica e patriótica. Era pelo professor que se poderia reformar
a escola [...]20
Durante as primeiras décadas do século XX foi observada a feminização crescente do
magistério primário e a constituição de leis e regulamentos específicos sobre a atuação docente.
A disciplina e castigos
Existiam diversas formas de manter a ordem e a disciplina da escola. Não precisava
necessariamente, utilizar de agressão física para chamar atenção dos alunos, como era comum
nas escolas públicas e particulares brasileiras nas primeiras décadas do século XX Fazia parte
das práticas culturais e do ideário americano a manutenção da organização escolar, tradição
trazida pelas missionárias batistas norte-americanas. A questão da vigilância não se dava apenas
a favor do alunado, a professora dentro dessa pedagogia americana, também era observada,
explica Ednalva Freire Caetano,
Não existiam castigos, eu particularmente sempre tive domínio de
classe, nunca recorri a diretora, isso foi uma coisa que ao longo do
tempo a gente praticamente estabeleceu um consenso. Com relação a
isso eu sempre achei que a autoridade do professor é uma coisa muito
importante e quando comecei a trabalhar lá eu verifiquei que a
diretora eventualmente entrava em sala de aula pra ver como as
coisas estavam acontecendo, chegava, entrava, sentava, ficava algum
tempo, depois levantava e saía. Era comum ela fazer isso, mas com o
tempo, a convivência, nós chegamos a um acordo que isso não
precisava acontecer, achava desnecessário, isso aconteceu sem
conflito, eu discuti a questão com ela e nós chegamos a um acordo.
Nunca usei castigos. Qualquer tipo de castigo físico ou psicológico
sempre discordei também nunca houve casos que isso fosse
necessário. Quando o aluno era muito rebelde, como tive um aluno
bastante difícil [...], ativo, inquieto, quando ele exagerava muito, o
máximo que acontecia era ficar sem recreio. Na hora do recreio, ele
lanchava e depois voltava pra sala pra fazer uma atividade, um
exercício. Que me lembro foi o máximo de castigo utilizado. 21
20
CAMPOS, Caetano de. apud SOUZA, Rosa Fátima de. Op. Cit. p. 61.
Ednalva Freire Caetano, ex-professora no período de 1969-1972. Atualmente exerce um cargo de
Comissão na Universidade Federal de Sergipe. Entrevista concedida a autora em 29/09/2005.
21
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O zelo pela ordem no ambiente escolar contribuía para o bom desempenho dos hábitos de
estudo, na preparação das tarefas escolares, na manutenção do equilíbrio emocional, cooperando
para que o discente fosse bem sucedido, conforme Nascimento:
No ambiente escolar, o gosto pela ordem contribuía para o
desenvolvimento de hábitos de estudo, o equilíbrio emocional e a
concentração nas tarefas escolares, colaborando para um aprendizado
bem sucedido. A ordem hierárquica demonstrava a importância em se
obedecer aos superiores e às normas estabelecidas para a boa
condução da vida escolar em grupo, minimizando os conflitos e
procurando solucionar os casos de indisciplina.22
O dispositivo do castigo usado para reprimir o aluno, não era bem aceito por todas as
professoras, existia divergência dentro do próprio grupo. Umas discordavam plenamente,
outras, pela sua postura, valores, cultura e temperamento que trazia consigo, aplicavam castigos
diferenciados. Muitas vezes sem o conhecimento da direção e sem permissão. Quando a diretora
tomava conhecimento do assunto em forma de queixa por parte do próprio aluno, ou dos pais,
essa ação era suspensa conforme explica Vera Lúcia Correa Feitosa,
Às vezes eu chegava atrasada, por conta do ônibus (meus pais
naquela tempo não tinham carro próprio) e uma determinada
professora (por questão ética prefiro não citar o nome) colocava-me
de pé durante toda a aula de castigo. Quando minha mãe tomou
conhecimento, não por mim, mas por um colega, foi falar para dona
Maye Bell Taylor que repreendeu a atitude da professora. E esta
nunca mais realizou tal procedimento. No tocante às disciplinas
ministradas na Escola, eram puxadas, mas necessárias para que
pudéssemos acompanhar as grandes escolas e colégios de Aracaju.23
Entre os castigos que foram usados no Educandário Americano Batista alguns tiveram a
repulsa dos alunos, evitando assim que eles voltassem acontecer, Menezes deixa claro sua
impressão,
Eu fiquei impressionada porque passaram sabonete na língua do
menino. Porque o menino xingou. Aí passou sabonete. Mas eu achei
uma coisa!!! Hoje eu não acho nada demais sabonete. Mas na época me
traumatizou muito, entendeu.24
Para aquela época a disciplina e os castigos praticados pelo EAB, eram considerados
inovadores. Quem tinha repulsa da comunidade estudantil e da sociedade era a palmatória e o
seu uso. A agressão física, era totalmente condenada veja como Ilsa Donald se expressa.
A disciplina era inovadora pra época, a gente não apanhava, não
tinha palmatória, as professoras eram rígidas, mas pegavam mais a
gente pelo conteúdo, pela nota, tinha nota de comportamento todo
dia, tinha notas diárias, de acordo com a aula que a gente tinha tido e
a nota de comportamento. E quando o aluno era indisciplinado,
22
NASCIMENTO, Ester Fraga Villas-Boas Carvalho do. Educar, Curar, Salvar: uma ilha de
civilização no Brasil Tropical. São Paulo: PUC/ São Paulo: 2005 p. 167. (Tese de Doutorado).
23
Vera Lúcia Corrêa Feitosa, ex-aluna no período de 1960-1965. Atualmente é professora da UFS.
Entrevista concedida a autora no dia 20/10/2005.
24
Cleide Selma Melo Menezes, ex-aluna, no período de 1959-1960. Atualmente é médica. Entrevista
concedida a autora em 18/11/2005
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escrevia cem vezes, “não devo conversar na aula” ou “não devo
mentir25.
No Educandário Americano Batista, era terminantemente proibido o uso de agressões
físicas, castigos corporais, para corrigir o comportamento do aluno, e muito menos o uso da
palmatória. Em outras instituições de educação protestante o uso da palmatória também não era
recomendado. Segundo César (1973):
[...] suas normas proibiam os castigos corporais para a correção do
comportamento do aluno. A professora recebia a determinação que ao
invés da castigar, deveria desenvolver suas boas tendências, ao invés
de reprimir as más. A tendência à desobediência deveria ser
combatida através de “atrações e interesses do que por castigos e
ralhos”. Nunca deveria se castigar com o espírito de vingança, pois
este quando preciso, seria “certo e apropriado, sem ameaças. A escola
“não era lugar para palmatória”. Era determinado também que, “em
cousas menores, os olhos podem muito mais que a língua”, e o
professor “nunca deveria usar de engano”26
A prática da conversação, era muito usada, entre as missionárias norte-americanas, quando
não dava muito resultado, dessa forma, era aplicado outro dispositivo como explicam Dione de
Oliveira Diedam
As professoras eram rígidas, mas podíamos sentir ao mesmo tempo o
carinho e a dedicação. Para disciplinar a turma, deixava o aluno
faltoso de pé em frente dos colegas, com ou sem recreio, e, quando a
falta era maior, mandava falar com a diretora.27
No recreio a percepção de todos que faziam o EAB aguçava-se cada vez mais. Mesmo o
aluno tendo consciência de que o recreio simbolizava também privilégios, onde ele pode
participar dessa parte social, também aconteciam pequenos desentendimentos que podia
finalizar em brigas. Acontecendo ações dessa natureza, a escola passava a exercer alguns
procedimentos para a melhoria do comportamento, mantendo a ordem e a disciplina da
instituição, Jabes Nogueira Filho relembra um desses momentos,
Lembro que eu estava no 2º ou 3º ano e na hora do recreio os
meninos ficaram me abusando e eu larguei um tapa em um lá, não
lembro mais o nome do coitado, mas rodei a mão com gosto, derrubei
o menino lá. Foi a única vez que eu briguei. Fui pra secretaria, recebi
um maço de papel, fiquei na sala da diretora, escrevendo “Eu preciso
me comportar” do meio pra o fim a letra já estava deste tamanho
(bem grande)28.
25
Ilsa Donald, ex-aluna no período de 1959-1967, atualmente é psicóloga. Entrevista concedida a autora
em 24/09/2005.
26
CESAR, WALDO. Para uma sociologia do protestantismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1973 apud
NASCIMENTO, Ester Fraga Villas-Bôas Carvalho do. Educar, Curar, Salvar: Uma ilha de civilização no
Brasil tropical. São Paulo: PUC/ São Paulo. 2005. p. 167. (Tese de Doutorado).
27
Dione de Oliveira Diedam, ex-aluna no período de 1953-1958. Entrevista concedida a autora em
dezembro de 2005.
28
Jabes Nogueira Filho, ex-aluno no período de 1972- 1977. Atualmente é pastor e funcionário público
federal. Entrevista concedida a autora em 18/11/2005.
3904
3905
Evangelização e formação
Mesmo povoado pelos cânticos religiosos, pelos hinos pátrios as solenidades e o próprio
cotidiano do EAB parecia carecer de um hino específico que expressasse o lema daquela
instituição:
Elita Reis Ferreira provavelmente foi a responsável pela composição da música do “Hino do
EAB” em 20 de novembro de 1968. Com uma letra expressiva, e melodia vibrante e
significativa foi composto em três estrofes
Para frente, oh Mocidade,
Cheia de fé e bondade,
Avancemos na peleja,
Embora má, a sorte seja,
Nada nos abaterá
Cada qual aprenderá
A sofrer com paciência,
De todo mal a inclemência.
Serás EAB, eternamente o nosso bem,
Oh! EAB, em nossas almas viverás
Oh! EAB, até a morte e além,
Oh! EAB, teu nome ficará.
Em prol do bem e contra o vício
Não poupemos sacrifício.
Ser bom, ser justo e forte ser
Tenhamos sempre por dever!
Seja o céu o nosso abrigo,
E o livro o melhor amigo.
Assim, nossa diretriz.
Fará o orgulho do nosso país!
Disciplina, esforço, estudo,
Pela pátria, tudo, tudo!
Morrer, pela pátria é glória!
E o forte, morto na história,
Ressuscita cedo ou tarde,
Enquanto o homem covarde,
Vivo, ou da morte alcançado,
Terá um nome execrado.
A letra do hino da instituição revela elementos significativos das metas educacionais e
evangelizadoras propostas pela pedagogia batista desenvolvida na instituição. A importância da
coragem, de combater os vícios, de buscar as boas leituras, a evocação da “disciplina, esforço e
estudo” como características patrióticas, de certa forma revelam, aspectos do cotidiano da
instituição rememorados por ex-alunos, ex-professores, ex-diretores e ex-funcionário.
O Hino do CAB/EAB fala bem de perto ao coração do ex-aluno, Ariano Suassuna,29 que
estudou alguns anos, nessa instituição; onde viveu sua infância e parte da sua adolescência.
29
Ariano Suassuna nasceu em 16 de junho de 1927, na Paraíba, filho de João Urbano Pessoa de
Vasconcellos Suassuna e Rita de Cássia Dantas Villar. No fim de 1928, tendo João Suassuna deixado o
governo da Paraíba, a família volta ao sertão, para a fazenda “Acauhan”. Em 09 de outubro de 1930, João
Suassuna é assinado, no Rio, deixando dona Rita viúva com nove filhos, dos quais Ariano é o oitavo. Em
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Suassuna, fala da grande emoção que ainda sente, quando ouve a música seja cantada ou tocada.
Mesmo sem considerar os elementos que compõem o hino, tão bons, (como a letra e a melodia)
ele reflete e considera impossível não se render as felizes lembranças da sua adolescência
naquele internato. Assim ele se expressa:
Não posso ouvir, sem profunda emoção, o hino do Colégio
Americano Batista.30 Não que ele seja bonito. Pelo contrário: a
música é apenas razoável e a letra é muito ruim. Mas isso não é
característica exclusiva sua. Parece que é, mesmo, da natureza dos
hinos. A letra da “marselhesa” por exemplo, é feíssima. Acontece que
seu valor, para os franceses, vem de outras coisas, como acontece
com o hino do CAB em relação a mim. Eu não saberia escrever nada
sobre ele, nem sobre o colégio a quem tanto devo. Mas um grande
poeta do nordeste e do Brasil, Marcos Accioly, foi, como eu, aluno
do CAB. E a direção do Colégio sabiamente, confiou a Marcos
Accioly a tarefa de dizer o que todos nós sentimos, sem saber
expressar. E Marcos Accioly soube corresponder a essa confiança: é
que certamente ele também como eu quando ouve as primeiras
estrofes do hino, “Para frente, ó mocidade” sente o cheiro da grama
cortada, revive a atmosfera meio escura e cheirando a madeira das
escadas que levavam à rouparia e ao dormitório e sente voltar todo o
tempo dos 12 ou 13 anos, a época atormentada, bela, cheia de cruel
alegria e sofrimento que é a adolescência. 31
As festas
As festas de encerramento do ano letivo eram realizadas com muita solenidade visando
estimular na criança o interesse pela escola. Essas festas costumavam imprimir nos alunos e
visitantes uma boa impressão, ao assistir aquele espetáculo que eram preparados já com essa
finalidade. Através dessas práticas escolares que foram implementadas no Educandário
Americano Batista, contribuíram para criar uma imagem de uma escola de excelente padrão
educacional.
As festas como elementos da cultura escolar, permitem a visibilidade das relações
pedagógicas e do sucesso do aproveitamento dos alunos durante o ano letivo, conforme Souza
(1998: 253,254).
1932, a família muda-se para Taperoá. Aí, Ariano faz seus primeiros estudos em escola. Em 1942, nova
mudança : desta vez para o Recife, onde a família se fixou. No Recife, três são os Colégios nos quais
Ariano Suassuna estudou: Colégio Americano Batista, Oswaldo Cruz e Ginásio Pernambucano. Em 1945,
estudando no Oswaldo Cruz, escreve “Noturno”, primeiro poema seu a ser publicado: A publicação foi
feita em 7 de outubro por intermédio de Tadeu Rocha, que então era seu professor. Em 1946, entra para a
Faculdade de Direito do Recife, concluindo o curso em 1950. Dez anos depois, concluiu o de Filosofia, na
Universidade Católica de Pernambuco. Na faculdade de Direito, sob a liderança de Hermilo Borba Filho,
funda-se o Teatro do Estudante de Pernambuco, para o qual Suassuna escreve suas primeiras peças. Entre
1946-1948, publica ele diversos poemas ligados ao Romanceiro Popular do Nordeste e, em 1947 escreveu
sua primeira peça, uma “Mulher Vestida de Sol”. SUASSUNA, Ariano. A História do amor de
Fernando e Isaura. Recife: Bagaço. 1996.
30
Provavelmente a música que tem como título “Hino do CAB”, ou “Hino do EAB” é o mesmo para
todos os colégios batistas organizados pelos missionários batistas norte-americanos. Em 1952 A escola
tinha o nome de Educandário Americano Batista e tinha como oficial o referido hino, com a mesma letra
e melodia.
31
Depoimento retirado da capa do disco “Eternamente o Nosso Bem”. Fábrica de Discos Rozemblit
LTDA Recife- PE. Acervo: Arquivo do Colégio Americano Batista, Recife – PE, em 13/01/2006. Esse
disco contou com a participação da Banda do Corpo de Fuzileiros Navais do Recife, sob a regência de
Elias Moreira da Silva. Marcos Accioly e Nestor Accioly, foram os intérpretes.
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3907
A festa de encerramento compreendia, pois, uma festa oficial, uma
solenidade na qual, reunindo toda a comunidade escolar, as famílias, as
pessoas “gradas” da sociedade, as autoridades e a imprensa, na escola
reafirmava sua identidade e o seu valor social. Por isso, nada melhor
para divulgar o seu trabalho e o seu prestígio do que o ar solene, grave,
formal dessas festas, juntamente com o espetáculo, a encenação
realizada pelos próprios alunos-sentido primeiro da existência da
escola. A escola tornava-se palco e cenário, algumas vezes
caprichosamente ornamentado, onde alunos-atores encenavam para a
sociedade o espetáculo da cultura, das letras, da ordem, das lições
morais e cívicas.32
O conteúdo do programa da festa de encerramento ilustrava o nível pedagógico das
cerimônias apresentadas pelas missionárias batistas norte-americanas, atreladas a solenidades se
vislumbrava um grande espetáculo educativo. O “discurso de uma autoridade” dava abertura
aquele momento. Logo depois seguia-se as representações teatrais, os cânticos tocados ao piano,
oração, poesia, solo, duetos, coral infantil. Carlos Henrique impressionado relata o que via
nesta solenidade,
Houve um ano que foi feito um circo bem criativo com animais, os
meninos bem caracterizados, assim foi de palhaço, diretor de circo, os
meninos vestidos de urso, de macaco e aquilo chamou muito atenção.
Foi a primeira festa de arrojo da escola. E vários colégios como os
maiores da época: Jackson de Figueiredo, Tobias Barreto, Atheneu,
esses colégios faziam questão de assistir as festas de encerramento do
EAB, era aquela festa solene [...] Geralmente as escolas convidavam
as autoridades quando eles não viam mandavam um representante
como Coronel do exército, o presidente da câmara de vereadores, dos
deputados, da secretaria da educação, do MEC, também vinha um
palestrante que era sempre uma pessoa famosa como Marcos
Guimarães, os pastores que se destacavam como Donald (ele tinha o
dom de falar). O Colégio sempre chamou atenção.33
O dia de festa representava premiações para alunos e professores que se destacavam nas
suas atividades intelectuais. Todos os preparativos aconteciam com muita antecedência. As
missionárias norte-americanas ficavam orgulhosas. Auditório decorado com cortinas, flores por
todo lado. A música tocada ao piano enchia aquele lugar, bem como o coração dos formandos e
todos presentes. A alegria pairava no ar. Era assim que aconteciam as festas de formaturas. A
presença dos pais, familiares, amigos, convidados, fotógrafos, autoridades, jornalistas e
políticos, coloriam ainda mais o ambiente, que com todas as suas representações, conduzia as
crianças a vivenciarem momentos de sonhos inesquecíveis. Recorda Sônia Virgínia Prado
Gomes,
A formatura parecia uma colação de grau. A mesa lá comprida (era
uma mesa de reunião com as cadeiras que a gente achava belíssimas).
O sonho da gente era sentar naquelas cadeiras. Lá em cima no palco,
as bandeiras coloridas tremulavam, a gente sentava e quando
chamava era que a gente subia, a gente se sentia universitário, recebia
o canudinho e apertava a mão. Eu não esqueço a minha formatura de
encerramento do quarto ano. A roupa era de brim azul. Um sapato
32
SOUZA, Rosa Fátima de. Op. Cit. p.p. 253-254.
Carlos Henrique dos Santos, ex-funcionário no período de 1955-1984, atualmente já se encontra
aposentado. Entrevista concedida a autora em 11/12/2004.
33
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alto (cavalo de aço), pra mim foi o céu. Aí tinha canto, dramatização,
poesia, etc. O americano valorizava cada degrau que o aluno subia. 34
O Educandário mantinha um calendário de festas intenso e extenso. Se comemorava todas
as datas, a escola vivia em festa. Stoelsel conta sua experiência:
Isso tinha de bom. Porque as festas culturais tinha um calendário
muito intenso. Uma das partes boas da escola. Toda festividade tinha
alguma atividade. Uma atividade feita pelos alunos, achava isso
muito interessante. Tinha um respeito político muito forte, tinha uma
admiração à bandeira, ao hino nacional, éramos doutrinados nessas
situações para admirar o patriotismo. A bandeira dos Estados Unidos
estava acima de toda instituição, era a instituição americana, a nossa
bandeira estava ao lado. Agora o vínculo maior era o americano.
Depois é que a gente vai percebendo quando fica mais adulto, quanto
era errado essa situação que a gente estava ali. Hoje eu percebo. Mais
as atividades que tinham valorizava muito o patriotismo e a bandeira
Nacional. 35
A escola vivia em festas. Todas as datas eram comemoradas: dia das mães, São João,
aniversário de professores e funcionários, dia dos pais, festas das fitas entre outras.
Praticamente era uma festa por mês. De acordo com os depoimentos,
O Educandário Americano Batista era destacado pelas festas. No
tempo de Maye Bell ela fazia as alegorias das fitas, apresentavam as
danças. Era Maye Bell quem ensinava. Lá nos Estados Unidos eles
trabalhavam muito com essas coisas. Nas escolas tinha aquelas
torcidas organizadas. Ela trouxe esse jogo pra aqui. Era muito
bonita36
Buscou-se compreender o papel das diretoras norte-americanas em relação à educação
batista em Sergipe no início da segunda metade do século XX. Aos poucos foram fincando seu
projeto civilizatório,37 religioso e educacional, que no seu bojo já trazia consigo um “novo
olhar” para as questões do cotidiano escolar. Implantando métodos inovadores para época com o
enfoque do ideário norte-americano, demonstrando através da organização da escola, das
práticas escolares (valorização de novos experimentos, da arte, da música, o incentivo ao
civismo) que executavam, da forma de manter a ordem, a disciplina e de expandir a
evangelização (por meio da lecção, filmes, slides, palestras, excursões, viagens) recorrendo a
uma “cultura escolar” própria. As marcas deixadas se fazem presentes nos depoimentos de exalunos, e ex-professores de forma revelado ou mesmo silenciada.
34
Sônia Virgínia Prado Gomes, ex-aluna, atualmente é enfermeira. Entrevista concedida 28/04/2005.
Stoelsel Chagas Junior, ex-aluno, no período de 1965-1971, atualmente é industriário e Líder Sindical
da Petrobras. Entrevista concedida em 16/11/2005.
36
Ivalcene Carneiro Fraga, ex-professora. Entrevista concedida em 18/04/2005
37
Para Elias, o conceito de civilização se refere a uma grande variedade de fatos: ao nível da
tecnologia, o tipo de maneiras, ao desenvolvimento dos conhecimentos científicos, às idéias religiosas e
aos costumes. Pode se referir ao tipo de habitações ou à maneira como homens e mulheres vivem juntos,
ao modo como são preparados os alimentos. Não existe nada que não possa ser feito de forma“civilizada”
ou incivilizada”. ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Formação do Estado e civilização. V. II Rio de
Janeiro; Jorge Zahar Editor. 1990. apud NASCIMENTO, Ester Fraga Vilas- Boas Carvalho do. Educar,
Curar, Salvar: Uma ilha de civilização no Brasil tropical. São Paulo: PUC/São Paulo, 2005.p.52 ( Tese de
Doutorado).
35
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3909
Dessa forma mais especifica o conceito de cultura escolar valoriza aos “processos de
transmissão cultural da escola”. E o lugar mais propício para essa transmissão ainda continua
sendo a escola. “A escola já foi vista e idealizada através de várias concepções” como o lugar de
aquisição e conhecimento de normas “universais”. Depois como um lugar de inculcação
ideológica e de reprodução social”. Bem, o fato é que de uma forma ou de “outra a escola está
sempre vinculada à formação de pessoas, à produção de indivíduos e subjetividades”.38
Considerações Finais
A cultura escolar, materializada no EAB, foi analisada a partir das práticas escolares, sobre o
funcionamento interno da instituição educacional (as relações entre professoras, alunos e
diretora; disciplina e castigos, a evangelização e formação e as festas), a organização da
Associação de Pais e Mestres, o currículo, a metodologia e como era construído o
conhecimento, bem como quais os métodos de avaliação utilizados para alcançar os objetivos do
ensino aprendizagem.
Percebe-se ao longo do estudo a preocupação das missionárias norte-americanas batistas
em exercer uma gestão participativa à frente do EAB. A difusão de valores batistas se fazia
presente em diferentes atividades. A instituição atendia alunos de diferentes classes sociais e
credos religiosos oferecendo uma formação sólida baseada em princípios morais e cívicos.
V - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CESAR, Waldo. Pra uma sociologia do protestantismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1973.
38
CUNHA, Marcus Vinicius da. Op. Cit. p. 5.
3909
3910
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1990.
JULIA, Dominique. “A Cultura escolar como objeto histórico.“In: Revista Brasileira de
História da Educação.Campinas: Editora Autores Associadas, 2001.
NASCIMENTO, Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do. A Escola Americana: origens da
educação protestante em Sergipe (1886-1930). São Cristóvão: Grupos de Estudos e Pesquisas
em História da Educação / NPGED, 2004. (Coleção: Educação é História 4).
____________________________________________________. Educar, Curar, Salvar:
Uma ilha de civilização no Brasil Tropical. São Paulo: PUC, 2005 (Tese de Doutorado)
NASCIMENTO, Sayonara Barreto Alves. Colégio Americano Batista: a mais completa opção
de educação protestante em Aracaju: UNIT, 2004. (Monografia).
SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de Civilização: a implantação da escola primária graduada
no Estado de São Paulo: Fundação Editora UNESP, 1998.
SUASSUNA, Ariano. A história de amor de Fernando e Isaura. Recife: Bagaço, 1994.
FONTES
DOCUMENTOS
COLÉGIO AMERICANO BATISTA. Ata de fundação do Instituto Pan-Americano. 15 de
novembro de 1951. Arquivo do Colégio Americano Batista.
ESTATUTO do Colégio Americano Batista. 1996. s.p.
ESTADO DE SERGIPE. Diário Oficial. 13 de junho de 1969. Arquivo do Colégio Americano
Batista.
ESTADO DE SERGIPE. Resolução nº 97/80, de 17 de junho de 1980. Conselho Estadual de
Educação.
ESTADO DE SERGIPE. Resolução nº 173/83, de 23 de dezembro de 1983. Conselho Estadual
de Educação.
WILLIAMS, Clara Lynn. E-mail enviado em 19/10/2005.
WILLIAMS, Clara Lynn. Síntese do trabalho batista em Sergipe 1913-1971. Aracaju. 1971
DEPOIMENTOS
CAETANO, Ednalva Freire. Entrevista concedida a autora em 29/09/2005.
CHAGAS JÚNIOR, Stoelsel. Entrevista concedida em 16/11/2005.
DIEDAM, Dione de Oliveira. Questionário enviado em novembro de 2005.
DONALD, Ilsa. Entrevista concedida a autora em 24/09/2005
FRAGA, Ivalcene Carneiro. Entrevista concedida a autora em 18/04/2005.
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FEITOSA, Vera Lúcia Corrêa . Entrevista concedida a autora em 20/10/2005.
FREITAS, Josefa Rosemeire Nunes Pinto. Entrevista concedida a autora em 26/10/2005.
GOMES, Adna Maria. Entrevista concedida a autora em 29/09/2005
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GOMES, Valdice Maria. Entrevista concedida a autora em 30/04/2005.
JESUS, Edna Gomes de. Entrevista concedida a autora em 27.01.05.
NOGUEIRA FILHO, Jabes. Entrevista concedida a autora em 18/11/2005
MENEZES, Cleide Selma Melo. Entrevista concedida a autora em 18/11/2005
OLIVEIRA FILHO. Josafá. Entrevista concedida a autora em 25/10/2005
OLIVEIRA, Iolanda Santos. Entrevista concedida a autora em 22/04/2005.
OLIVEIRA, Clarinda Maria Mangueira de. Entrevista concedida a autora em 18/11/2005.
PIERCE, Déborah Trott. Depoimentos enviados por e-mail em 10/01/2005.
PRADO, Fernando Santos. Entrevista concedida a autora em 28/9/2005
SANTOS, Carlos Henrique. Entrevista concedida em 11/12/04.
TELES, Helena. Entrevista concedida a autora em 29/01/2005
TROTT, Freda Lee. E-mail enviado em 04/03/2005
TROTT, Freda Lee. E-mail enviada em 11/11/2005
TROTT, Freda Lee. E-mail enviado em 19/10/2005
WILLIAMS Clara Lynn. E-mail enviado em 19/10/2005.
WILLIAMS Clara Lynn.. E-maíl enviado em 11/11/2005
WILLIAMS, Clara Lynn. Entrevista concedida a autora em 20/06/2005.
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