Ruidera - Universidad de Castilla
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Ruidera - Universidad de Castilla
i UNIVERSIDAD DE CASTILLA-LA MANCHA Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de Ciudad Real DOUTORADO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS OS MECANISMOS JURÍDICOS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS E GARANTIAS DO CONTRIBUINTE MEMÓRIA PARA OBTER O GRAU DE DOUTOR APRESENTADO POR Patrícia Fortes Attademo Ferreira Orientação: Doutor Tomás Vidal Marín Manaus, março de 2015 ii UNIVERSIDAD DE CASTILLA-LA MANCHA Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de Ciudad Real DOCTORADO EN CIÊNCIAS JURÍDICAS LOSMECANISMOS JURIDICOS DEPROTECCIÓN DE LOS DERECHOS DELOS CONTRIBUYENTES MEMORIA PARA OPTAR AL GRADO DE DOCTOR PRESENTADA POR:Patrícia Fortes Attademo Ferreira BAJO LA DIRECCIÓN DE LO DOCTOR:Tomás Vidal Marín Manaus, marzo de 2015 iii UNIVERSIDAD DE CASTILLA-LA MANCHA Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de Ciudad Real DOUTORADO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS OS MECANISMOS JURÍDICOS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS E GARANTIAS DO CONTRIBUINTE Tese apresentada para a obtenção do título de doutor do programa de Doutorado Interuniversitario em Ciências Jurídicas, no marco do Campus Científico e Tecnológico da Energía e Meio Ambiente (CYTEMA) Diretor da tese: Doutor Tomás Vidal Marín Doutoranda: Patrícia Fortes AttademoFerreira iv UNIVERSIDAD DE CASTILLA-LA MANCHA Facultad de Derecho y Ciencias Sociales de Ciudad Real DOCTORADO EN CIENCIAS JURÍDICAS LOSMECANISMOS JURIDICOS DEPROTECCIÓN DE LOS DERECHOS DELOS CONTRIBUYENTES Tesis para la obtención del grado de doctor dentro del programa de Doctorado Interuniversitario en Ciencias Jurídicas, en el marco del Campus Científico y Tecnológico de la Energía y Medioambiente (CYTEMA) Diretor de tesis: Doctor Tomás Vidal Marín Autor: Patrícia Fortes Attademo Ferreira v AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, Ser sublime, que nos oferta a vida, experiência divina de erros e acertos em busca do crescimento. Agradeço o meu querido e estimado pai, pelo seu amor e apoio incondicional, que no seu exemplo tem me inspirado para vencer os desafios e obstáculos impostos pela vida. Agradeço o meu amado esposo Adriano, pelo exemplo de dedicação e resignação em todo momento de dificuldade e luta. Por todo o seu auxílio, presteza, compreensão e alegria de viver. Agradeço à minha querida filha Alana, que em todos os momentos de ausência se confortou por saber da importância dessa etapa na minha vida. Agradeço o meu director de tese, Tomás Vidal Marín, que dividiu comigo os seus conhecimentos e me apoiou em todo este processo. Agradeço a todos os amigos, que de qualquer forma puderam contribuir para o cumprimento desse objetivo. vi Felicidade é a certeza de que a vida não está se passando inutilmente. Érico Veríssimo vii ABSTRACT This work discusses about the power to tax of the State Entity and the limitations to this Power established on Brazilian Constitutional text through tax immunity, exemptions, non incidence, and also the general principles from Constitution and Tax Law. Tax immunities were granted in order to preserve values which are considered of special relevance, proper of Democratic State of Right. The principles are important as they say the rules to be followed to have a good development of Legal Tax orbit ensuring the taxpayer rights and preserving the legal tax security. In Brazil the limitations to the tax power integrates the set of traits which mark the field, the way, and the intensity of acting of the tax power. It will be as well exposed as a mean of defense used by the taxpayer the main legal tools in law area of Brazil. It will be made an analysis of several points concerned to many injustices made by the Fiscal organism in relation to the taxpayer. Among them we can mention the legislations which are created in total disagreement to the Brazilian Constitution of 1988 and the excessive number of legislations which disturb the Brazilian tax reality. There will be an approach about how relevant the taxpayer statute is in the tax reality of a country, since it will determine the necessary balance between the tax power of the State and the taxpayer rights and warrants in search for a real Fiscal Justice. * Conforme artigo 13, do Regulamento dos estudos de doutorado da Universidad Castilla-La Mancha o resumo e conclusão estarão traduzidos para o Espanhol. Artículo 13. La tesis doctoral (...) 3. Las tesis podrán desarrollarse y, en su caso, defenderse en los idiomas habituales para la comunicación científica en su campo de conocimiento. En todo caso el resumen y las conclusiones de la misma deberán proporcionarse además en castellano. Reglamento de los estudios de doctorado de la Universidad de Castilla-La Mancha (Aprobado en Consejo de Gobierno de 20 de noviembre de 2012) ** Quanto as citações de outras obras se seguiu o que determina as regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 10520: Informação e Documentação - Referências - Elaboração. Rio de Janeiro: ABNT, 2002. viii ABREVIATURAS ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade ANDIMA - Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto BACEN – Banco Central do Brasil CE – Constitución Española CF – Constituição Federal brasileira de 1988 CND - Certidão Negativa de Débito CNI - Confederação Nacional da Indústria COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social COPOM - Comitê de Política Monetária do Banco Central CPC – Código de Processo Civil CTN – Código Tributário Nacional CSSL - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido DL – Decreto-Lei EC – Emenda Constitucional FEREDE - Federação de Entidades Religiosas Evangélicas da Espanha FINSOCIAL - Fundo de Investimento Social IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços IE - Imposto de Exportação II - Imposto de Importação ILL - Imposto de Renda Retido na Fonte sobre o Lucro Líquido INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia INSS – Instituto Nacional do Seguro Social IOF – Imposto sobre Operações Financeiras IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados IPMF – Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano IR – Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza ou Imposto de Renda IRFSP - Inspetor-Chefe da Receita Federal do Brasil em São Paulo IRPF - Imposto de Renda de Pessoa Física IRPJ - Imposto de Renda de Pessoa Jurídica ISS – Imposto sobre Serviços ITBI - Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis ITCMD - Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doção LC – Lei Complementar LGT – Ley General Tributaria PIB - Produto Interno Bruto PIS – Programa de Integração Social RPPS - Regimes Próprios de Previdência Social SAT – Seguro de Acidente de Trabalho SELIC - Sistema Especial de Liquidação e de Custódia SINAFISCO - Sindicato Nacional dos Fiscais SPC - Serviço de Proteção ao Crédito SRF - Secretaria da Receita Federal SRP - Secretaria da Receita Previdenciária STF – Supremo Tribunal Federal STJ - Superior Tribunal de Justiça ix ÍNDICE ABSTRACT ........................................................................................................................ vii ABREVIATURAS ............................................................................................................. viii INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 11 INTRODUCCIÓN .............................................................................................................. 19 CAPÍTULO I – O PODER DE TRIBUTAR E SUAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS ......................................................................................................... 27 Introdução .................................................................................................................. 27 1.1 Princípios Constitucionais Gerais ........................................................................ 29 1.1.1 O princípio da isonomia .......................................................................... 35 1.1.2 O princípio da legalidade ........................................................................ 41 1.1.3 Princípio da irretroatividade da lei tributária .......................................... 49 1.1.4 O direito à ampla defesa e o devido processo legal ................................ 54 1.1.5 Princípio que prestigia o direito de petição ............................................. 58 1.1.6 O princípio federativo em matéria tributária ........................................... 64 1.2 Princípios constitucionais tributários ................................................................... 66 1.2.1 O princípio da anterioridade tributária .................................................... 67 1.2.2 Os princípios da competência privativa (impostos) e comum (taxas e contribuição de melhoria) das pessoas políticas de direito constitucional interno .......................................................................................................................... 75 1.2.3 O princípio da seletividade ...................................................................... 79 1.2.4 O princípio da vedação de tributos com efeito de confisco .................... 82 1.2.5 O princípio da liberdade ao tráfego de pessoas ou bens.......................... 88 1.2.6 O princípio da uniformidade geográfica ................................................. 90 1.2.7 O princípio da reserva da lei para concessão de isenção, anistia ou remissão ............................................................................................................ 93 1.2.8 O princípio da capacidade contributiva ................................................... 97 1.2.9 O princípio da não-cumulatividade ....................................................... 104 1.3 Breves observações das isenções e dos princípios no Ordenamento Jurídico Espanhol ............................................................................................................................ 110 CAPÍTULO II. OUTRAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS E LEGAIS AO PODER DE TRIBUTAR................................................................................................................. 119 Introdução ................................................................................................................ 119 2.1. As limitações ao poder de tributar .................................................................... 122 2.1.1 Não-Incidência, Imunidade e Isenção ................................................... 132 2.1.1.1. Não-Incidência.............................................................................. 133 2.1.1.2. Imunidade ..................................................................................... 134 a. Tipos de Imunidades ............................................................................................ 144 a.1. Imunidade Recíproca ............................................................................... 144 a.2. Imunidade Religiosa ................................................................................ 150 a.3. Imunidade Concedida aos Partidos Políticos, ao Sindicato dos Trabalhadores e às Instituições de Educação e de Assistência Social............ 157 a.3.1. Imunidade dos Partidos Políticos ......................................................... 160 a.3.2. Imunidade do Sindicato dos Trabalhadores .......................................... 163 a.3.3. Imunidade das Instituições de Educação e Assistência Social ............. 165 a.4. Imunidade Objetiva ................................................................................. 182 a.5. Outras Imunidades no Sistema Tributário Constitucional ....................... 194 2.1.1.3 Isenção ........................................................................................... 200 x 2.2. Instrumentos legais na defesa do contribuinte .................................................. 207 2.2.1.Instrumentos legais processuais ............................................................ 209 2.2.1.1. Mandado de segurança individual e coletivo ............................... 210 2.2.1.2. Mandado de Injunção ................................................................... 220 2.2.1.3. Repetição de Indébito ................................................................... 226 2.2.1.4. Ação Declaratória ......................................................................... 231 2.2.1.5. Ação Anulatória de Débito Fiscal ................................................ 234 CAPÍTULO III - AS INJUSTIÇAS COMETIDAS PELO FISCO EM RELAÇÃO AO CONTRIBUINTE ............................................................................................................. 237 Introdução ................................................................................................................ 237 3.1. Os principais equívocos do fisco em face do contribuinte ............................... 238 3.2. A complexidade das normas na realidade jurídico-tributária brasileira ........... 272 CAPÍTULO IV - O CÓDIGO DE DEFESA DO CONTRIBUINTE - ESTATUTO DO CONTRIBUINTE ............................................................................................................. 281 Introdução ................................................................................................................ 281 4.1. Aspectos relevantes........................................................................................... 282 4.2. Analise dos Projetos n.° 646/99 e 38/2007 - Código de Defesa do Contribuinte ........................................................................................................................................... 288 4.2.1. Pontos relevantes .................................................................................. 288 4.2.2. Análise de alguns pontos abordados pelos projetos ............................. 292 4.2.3. Pontos Negativos .................................................................................. 300 4.2.3.1. Pontos Questionáveis .................................................................... 302 4.2.3.2. Pontos Ausentes ............................................................................ 311 4.3. O equilíbrio necessário entre o fisco e o contribuinte na realização da justiça fiscal .................................................................................................................................. 318 CONCLUSÃO .................................................................................................................. 331 CONCLUSIÓN ................................................................................................................. 345 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 359 Doutrina ................................................................................................................... 359 Jurisprudências......................................................................................................... 377 Legislação ................................................................................................................ 387 11 INTRODUÇÃO Desponta no ordenamento jurídico brasileiro a necessidade de se efetivar a cidadania fiscal, busca-se uma mudança no cenário atual, para isso é necessário que o contribuinte abandone a posição de inércia na qual se encontra e, que adote uma postura atuante conhecendo seus direitos e exigindo do Estado o cumprimento de suas obrigações. Assim, torna-se importante que o direito constitucional tributário assegure ao cidadão o direito de ser devidamente esclarecido acerca dos tributos, pagos por ele, que incidam sobre patrimônio, renda ou serviços. Na realidade tributária brasileira atual se idealiza novos rumos, e para que esta mudança aconteça se faz necessário que a relação Fisco versus contribuinte aprimore a partir da consciência fiscal, que se baseia principalmente no conhecimento da carga tributária imposta ao contribuinte e, por outro lado, na dificuldade do Estado para a manutenção dos serviços públicos para atender de forma digna os cidadãos. Ainda é fato real e desolador o comportamento do Estado na sua política de cobrança dos tributos, o que provoca indignação dos contribuintes, ressalta-se que pari passu o contribuinte está adquirindo a tão sonhada cidadania fiscal, tornandose mais consciente e crítico quanto ao peso da carga tributária em sua vida. Com frequência indesejada, o Fisco ente responsável por promover a arrecadação dos tributos, age com excessos, inviabilizando os poucos direitos assegurados ao contribuinte. Fato é que diante da criação de tantas novas regras jurídicas, que estabelecem mais e mais obrigações em face do contribuinte, este se vê cada vez mais fragilizado e lesado nos seus direitos e garantias assegurados pela Carta Magna. 12 A partir dessa realidade crítica, e porque não abusiva, é que se faz necessária constante preocupação em se resguardar os direitos do contribuinte e reduzir a área de atrito existente entre Fisco e contribuinte. Nesse diapasão, os direitos do contribuinte figuram como um escudo de proteção às arbitrariedades do ente tributante, permitindo não só à concretização da justiça, mas também a conscientização fiscal. Os direitos do contribuinte devem ser interpretados de forma ampla, transcendente e eficaz, uma vez que têm força normativa. Assim, diante da força e máxima eficácia das normas constitucionais tributárias, especialmente dos direitos e garantias do contribuinte, o Direito se torna legítimo e justo, uma vez que inibe a liberdade do ente tributante e o equipara, com o seu real guardião, o contribuinte. Neste sentido, este trabalho objetiva buscar um melhor esclarecimento sobre os mecanismos jurídicos existentes no ordenamento brasileiro, que fazem valer as garantias e direitos do contribuinte. Efetivamente, as limitações ao poder de tributar devem ser consideradas como um direito individual do contribuinte, na medida em que a tributação nada mais é do que a ingerência do Estado na propriedade. Não se pode negar que quando o Estado tributa está retirando parcela do patrimônio (propriedade) de alguém. Desta forma, as questões que envolvem a tributação estão intimamente ligadas ao direito de propriedade, motivo pelo qual, sendo esta inequívoco direito individual, as garantias e regras constitucionais relativas aos tributos também assim devem ser consideradas. Não se pode negar que ao Estado cabe arrecadar tributos, para poder realizar o bem comum, conforme disposição constitucional, reduzindo assim, a pobreza e a marginalização, bem como as desigualdades sociais e regionais, enfim, construindo uma sociedade livre, justa e fraterna, garantindo o desenvolvimento nacional, promovendo o bem de todos. 13 Para atingir esses objetivos, demanda o Estado de grandes dispêndios, e é por meio da tributação, considerada uma das mais importantes fontes, que ele abastece seus cofres a fim de cumprir suas finalidades. Assim, sem a apropriação de parcela do patrimônio individual, por meio da cobrança de tributos (notadamente impostos, taxas e contribuições),não seria possível sequer planejar meios de se alcançar os objetivos fundamentais da República. Por conseguinte, se conclui que arrecadar tributos é essencial para se atender ao interesse público-social, mas, a tributação só será legitima se estiver em conformidade com as limitações constitucionais ao poder de tributar. Serão abordados, como desdobramento dos instrumentos limitadores ao poder tributante do Estado e meio de defesa do contribuinte, os princípios constitucionais gerais e tributários. É sabido que, princípio é a regra básica implícita ou explícita que, por sua grande generalidade, ocupa posição de destaque no ordenamento jurídico, e por esta razão, vincula o entendimento e a boa aplicação dos atos normativos ou dos próprios mandamentos constitucionais. Expressa regra superior, ainda que não positivada, à qual devem se amoldar as disposições legais. Os princípios são norteadores, indicam a direção que deve o legislador tomar. É, a solução interpretativa em caso de dupla interpretação da norma ou interpretação dúbia. Desta forma, necessário se faz essa análise dos vários aspectos dos princípios constitucionais tributários. Neste tópico em especial, paralelamente ao estudo bibliográfico realizado em relação ao ordenamento jurídico tributário brasileiro, se traçará breves observações dos referidos institutos por meios de citações de autores estrangeiros. Importante destacar, que diante de tantas arbitrariedades contra o contribuinte, torna-se imprescindível conhecer as medidas utilizadas pelo legislador no que tange à atividade tributária. É evidente que se não houvesse se instituído 14 meios eficazes a frear a atividade estatal, os cidadãos estariam sujeitos, ainda mais, à invasão de seu patrimônio. Assim, conhecer as formas utilizadas pelo legislador para conter a fúria do fisco, limitando a sua atuação, é de extrema importância para se alcançar a segurança jurídica e a justiça fiscal. É sabido, entretanto, que os princípios não são as únicas formas de limitação utilizadas pelo legislador; este aina dispôs as imunidades, isenções e não incidência, que são áreas nas quais, por determinados motivos, situações ou pessoas, o ente tributante não pode tributar. Estabelecendo, desta forma, outras garantias ao contribuinte. Observa-se que no ordenamento jurídico brasileiro, as limitações constitucionais ao poder de tributar desdobram-se nos princípios constitucionais tributários e nas imunidades tributárias. Será abordado tanto o poder de tributar do Estado quanto as limitações constitucionais desse poder: não incidência, imunidades e isenções. Para se fazer essa analise será levado em consideração a bilateralidade do Direito, apresentado-se o poder de tributar, no âmbito estatal e, no âmbito dos indivíduos as limitações constitucionais como instrumentos de proteção e garantia do contribuinte. As limitações ao poder de tributar, não há dúvida, no ordenamento jurídico brasileiro, são formas de proteção dos integrantes do polo passivo da obrigação tributária contra os abusos ao poder tributante. Além de serem consideradas garantias fundamentais que ordenam o sistema constitucional tributário, visam estabelecer limites e assegurar a segurança jurídica. No Brasil, a Constituição Federal de 1988, adotou um sistema de valores em favor do contribuinte, dispostos em vários capítulos do texto constitucional, além dos contidos nos artigos 5.º, 150 e 152, assim como no artigo 9.º, inciso IV, do Código Tributário Nacional. 15 Desta forma, a Constituição Federal de 1988 consagrou um amplo sistema de tutela ao contribuinte que contém uma vedação que limita a atuação do legislador infraconstitucional, para exigências tributárias. As imunidades são entendidas como a intributabilidade absoluta que ocorre em razão das liberdades preexistentes. Constituem direito fundamental constitucionalmente assegurado ao contribuinte, possuem um papel delimitador do campo tributário, demarcando negativamente as competências tributárias das pessoas políticas. Neste sentido, as imunidades tributárias dirigem-se ao legislador ordinário para formar a competência tributária. As imunidades tributárias, previstas no art. 150, VI da Constituição Federal, regra geral, abrangem a todos os impostos e são classificadas em recíproca, religiosa, condicionada, objetivas, as que gozam os partidos políticos e os sindicatos dos trabalhadores, existindo ainda outros tipos de imunidades isoladas previstas no texto constitucional. Assim, importante é a análise das limitações constitucionais ao poder de tributar, vez que, visam a proteção e à garantia da liberdade de expressão, da democracia e da cidadania. Importante também, ainda em se tratando das limitações constitucionais e legais ao poder de tributar, a abordagem dos outros meios de defesa do contribuinte. Neste diapasão, não se pode deixar de considerar os principais instrumentos legais processuais no ordenamento jurídico brasileiro, dentre eles o mandado de segurança individual e coletivo, o mandado de injunção, a repetição de indébito, a ação declaratória e a ação anulatória de débito fiscal. Não se pode olvidar que tais instrumentos quando entrelaçados à vertente tributária são eficazes instrumentos de defesa do contribuinte. É sabido que a Administração Pública, reiteradamente, pratica atos ilegais ou abusivos em face do contribuinte, e esse precisa se proteger. Tem sido o Poder Judiciário, nesses casos de condutas impróprias, o administrador, na tentativa de evitar lesões aos direitos 16 dos contribuintes. Assim, tais instrumentos consagrados pela sistemática processual são meios hábeis de sanar eventuais lesões. Não é raro observar que normas legais utilizadas no incremento da arrecadação tributária, por vezes, tornam-se inconstitucionais, comprometendo a segurança jurídico-tributária. Far-se-á uma análise dos vários pontos concernentes às muitas injustiças cometidas pelo Fisco em relação ao contribuinte, dentre elas pode-se mencionar as legislações que são criadas em total desacordo com a Constituição Federal de 1988 e o número excessivo de legislação que tumultua a realidade jurídico-tributária brasileira. Assim, mesmo o contribuinte mais esmerado no cumprimento da ordem tributária, está à mercê da ilegalidade, diante desse emaranhado jurídico tributário. Em seguida, far-se-á uma abordagem sobre a relevância da existência de um Estatuto do Contribuinte na realidade tributária. A cristalização dos princípios e valores constitucionais em normas inferiores, visando maior concretude, vem limitar de forma salutar a atuação do Estado, que é a parte sempre mais forte nas relações com o cidadão, realizando a igualdade e a segurança jurídica. Na busca de interesses próprios, o Estado não pode atuar de forma desleal em relação aos cidadãos, aqui especialmente nas relações jurídico-tributárias. Busca-se um Estado Fiscal de Direito, e para tanto é muito importante um Estatuto do Contribuinte, que aperfeiçoa a legislação tributária, definindo deveres, direitos e garantias do contribuinte. Serão analisados os Projetos de Lei Complementar n.º 646/1999 e n.º 38/2007 que tramitam nas Casas Legislativas brasileiras, Câmara dos Deputados e Senado Federal. Destacar-se-ão os pontos relevantes e outros que foram contemplados pelos projetos, bem como serão realizados alguns questionamentos sobre os pontos ausentes, que deveriam ter sido inseridos, por serem importantes na manutenção da segurança jurídica tributária. 17 O ponto primordial do trabalho é analisar, como somente o Estado detém o poder de tributar, seja pela criação ou aumento de tributos, as limitações são o ponto nevrálgico do presente trabalho, o qual estuda os mecanismos de defesa dos direitos e garantias do contribuinte em contraposição a atitude voraz do Estado em arrecadar tributos. No cenário tributário hodierno busca-se um fortalecimento dos direitos fundamentais, seja no plano das legislações internas e dos tratados internacionais, seja no campo da reflexão jurídica e da busca da sua justificativa ética. Nessa perspectiva, os direitos fundamentais do contribuinte passam a ter nova relevância. A Constituição Federal de 1988 assegura, nos artigos 150 usque 152, às limitações ao poder de tributar, que consubstanciam os direitos básicos do cidadão frente ao poder fiscal do Estado e que se colocam como contraponto tributário do elenco dos direitos e garantias proclamados e assegurados no artigo 5.º. O que se busca é tornar eficaz, na relação do contribuinte versus o Fisco, a ordem de valores normatizados no sistema constitucional brasileiro, tornando efetivos os dispositivos constitucionais sobre a declaração de direitos fundamentais do contribuinte e sobre os princípios de justiça fiscal condicionadores da tributação. Por fim, o que se pretende é trazer uma abordagem com foco na importância desses mecanismos de proteção, verdadeiros instrumentos de defesa do contribuinte. O presente estudo se destina a analisar os instrumentos jurídicos existentes no ordenamento brasileiro, que fazem valer as garantias e direitos do contribuinte, bem como estudar a figura do cidadão em relação à legislação de tributos no Brasil em harmonia com as normas constitucionais, buscando identificar um melhor relacionamento entre Fisco e o contribuinte baseado na cooperação. O objeto principal desse estudo é verificar os mecanismos jurídicos de proteção aos direitos e garantias do contribuinte, previstos na legislação constitucional e infraconstitucional brasileira, bem como identificar a forma de garantia da ampla defesa do contribuinte no âmbito dos processos administrativos e judiciais. 18 Identificar os meios jurídicos a fim de que o contribuinte se proteja contra o exercício abusivo do poder de fiscalizar, de lançar e de cobrar tributos instituídos em lei, assegurando seus direitos, seja no processo administrativo-fiscal, seja no processo judicial. A partir do momento em que não seja mais possível prevenir violações aos direitos do contribuinte, visa o presente trabalho estudar os meios para identificar as formas de reparação dos danos causados pelo abuso de poder por parte do Estado na fiscalização, no lançamento e na cobrança de tributos de sua competência. E por fim, identificar as formas de assegurar a justa apuração, declaração e recolhimento de tributos previstos em lei, bem como os mecanismos constitucionais e infraconstitucionais de defesa do contribuinte. 19 INTRODUCCIÓN Surge en el ordenamiento jurídico brasileñola necesidad de llevar a cabo la elaboración del concpeto de laciudadanía fiscal, se buscaun cambioen el escenario actual, esto requiere que el contribuyentedejela posición de inercia en la que está instaurado, y que adopteuna actitud activa adquiriendo la comprensión de sus derechosy requirendo que el Estadocumpla con sus obligaciones. Por lo tanto, es importante que elderecho constitucional fiscal garanticea los ciudadanos elderecho aestar adecuadamente informado delos impuestos pagadospor él, y que inciden en su propiedad, en sus ingresos o servicios. Enla realidadtributaria brasileñaactualse concibennuevas direcciones,y para que este cambiosuceda, es necesario que la relación de la autoridad fiscal versuscontribuyente mejore laconciencia fiscal del ciudadano, basada principalmente en el conocimientode la carga fiscalimpuesta alos contribuyentesy, por otrolado, en la dificultaddel Estado para elmantenimiento de los serviciospúblicospara cumplir conlos ciudadanos sus obligaciones de una manera digna. Sin embargo, el hecho real y sombrío del comportamiento del Estadoen su política derecaudación contribuyentes, se de enfatiza impuestos, lo queparipassuel que provoca indignacióndelos contribuyenteestá conquistando laciudadaníafiscalesperada, cada vez más conscientey crítico cuando el pesode la carga fiscal es desmedida. Confrecuencia no deseada, las autoridades fiscales encargadas dela promoción dela recaudación de los impuestos, actúan con excesos, impidiendo el ejercicio delos pocosderechos con lo que cuenta en estos momentos el contribuyente. 20 El hecho es queante la creaciónde muchas nuevasnormaslegales que establecencada vez másobligaciones para el contribuyente,éste se vecada vez más debilitado y lesionado ensus derechos y garantíasprevistos en la Constitución. A partir deesta realidadfundamental, ypor quénoabusiva,es necesario una constantepreocupación en la protección delosderechos de los contribuyentesyreducir el conflicto existenteentre las autoridades fiscalesy los contribuyentes. Eneste orden de ideas, los derechosde los contribuyentes parecen con un escudo protector ante las arbitrariedades de las autoridades fiscales, lo que permite nosólo concretar el derecho de acceso a la justicia, sino también suconciencia fiscal. Los derechos delcontribuyentedebeninterpretarse en sentido amplio, trascendentey eficaz, ya que tienenfuerza normativa. Así, hacia la fuerza y máximaeficacia de las normas constitucionalesfiscales, especialmente los derechos y garantías delcontribuyente, el derecho se convierte legítimo yjusto,ya que inhibelalibertadde las autoridades fiscales y allana esta autoridad consurealguardián, el contribuyente. Por lo tanto, este trabajo tiene como objetivobuscar el esclarecimiento de losmecanismos normativosexistentes enel sistema brasileño, que hacen subsistir lasgarantías y derechos delos mismos. Efectivamente, laslimitaciones a lapotestad tributariadeben ser consideradas como un derecho individualdelos contribuyentesen la medida enque la fiscalidadsuponga la injerenciadel Estado en lapropiedad.Por lo tanto, las cuestiones relacionadas conlafiscalidadestán estrechamente relacionados conlos derechos de propiedad, un derecho individual, en atención al cual, las garantíasynormasconstitucionalesrelativas a los impuestos deben tenerlas presentes como límite al poder tributario del Estado. No se puede negarque el Estado tiene la función de recaudar impuestos con el fin delograr el bien común, de acuerdo con las disposiciones constitucionales.Uno de los objetivos es reducirla pobrezay las desigualdadessociales y regionales, y por 21 último, buscar construcciónde una sociedad libre, justa y fraterna, garantizando el desarrollonacional, promoviendoel bien de todos. Para lograr estos objetivos, el Estado necesita degrandes gastos, y es a través de la tributación, considerada una de las fuentes más importantes, la quesuministra a susarcas el montante preciso con el fin decumplir con suspropósitos. De este modo, sin la injerencia del estado en la propiedad privada, a través de la recaudación de contribuciones), no impuestos(principalmente podría llevar a cabo los de impuestos, tasas y fines constitucionalmente objetivosfundamentales de la República. Por lo tanto, se concluye que recoger impuestoses esencial paraservir al interés público-social, pero la tributación sólo es legítimasi estáde acuerdo con laslimitaciones constitucionales dela potestad tributaria. Se abordaránlos principiosconstitucionales generalesy fisacales como desdoblamiento de los instrumentosque limitanel poder de tributar del Estado y como forma de la defensadel contribuyente. Se sabe que elprincipio esregla básicaimplícita o explícitaque, engrangeneralidad,ocupa un lugar destacadoen el sistemalegal,y por lo tanto, vincula lacomprensión yla correcta aplicaciónde los instrumentos normativoso de los propios mandamientos constitucionales. Expresanorma superior, aunque que no positivada, que debe ajustarse a las disposiciones legales. Los principios son rectores, indican la dirección que debe segir el legislador. Es la solucióninterpretativade dobleexegesis de la normao interpretacióndudosa. Por lo tanto, es necesariohacer este análisis delos diversos aspectos delos principios constitucionales fiscales. Es importante destacar, que con tantosatropellos contrael contribuyente, es imprescindible conocer lasmedidas utilizadaspor el legislador con relación lasactividades fiscales.Está claro quesi no se llegara aestablecermedios eficacespara 22 frenarla actividad del Estado, los ciudadanos estarían sujetos, además, a la invasiónde su patrimonio. Por lo tanto, conocer las formasutilizadaspor el legisladorpara contenerla furia delas autoridades fiscales, lo que limita suactividad,es de sumaimportanciapara lograrla seguridad jurídica yla justicia fiscal. Se sabe,sin embargo, quelos principiosno son las únicasformas delimitaciónutilizadopor el legislador; este todavía dispone de las inmunidades, exenciones y noincidencia, que son áreas en las que,por ciertas razones, situaciones o personas,laentidad fiscal no puede tributar.Estableciendo así otras garantíaspara el contribuyente. Se observa queel ordenamiento jurídico brasileño, laslimitaciones constitucionales dela potestad tributariase desplieganenlos principios constitucionalestributariose inmunidadesfiscales. Nos ocuparemos tanto de la potestadtributariadel Estado, como de las limitacionesconstitucionalesdel poder tributario: no incidencia, inmunidades yexenciones.Para hacer este análisis se tendrá en cuenta la bilateralidad del derecho, presentandose el poder de tributar,enel alcance estatal y en el alcance de las personas, las limitaciones constitucionales comoinstrumentos de protección y garantía del contribuyente. Las limitaciones del poder de tributar, sin duda, en el ordenamiento jurídico brasileño, son formas deprotección de los sujetos pasivos de obligación tributaria contralosabusosdelpoder tributario. Además de serconsideradogarantías fundamentalesque fundamentan elsistema constitucional fiscal, tienen con objetivo establecer límitesyofrecer seguridad jurídica. EnBrasil, la ConstituciónFederal de 1988, adoptó un sistema de valoresa favordel contribuyente, dispuestos en varios capítulos dela Constitución, además de las contenidasen los artículos5, 150 y 152, así como en el artículo9, IV, del Código Tributario brasileiro. 23 Así, la ConstituciónFederal de 1988consagróun amplio sistema de tutela al contribuyente que contieneuna limitación quefrena la actuación del legislador infra constitucional para cumplir las exigencias fiscales. La inmunidad se entiende comola no tributación absoluta quese produce debido alas libertadespreexistentes, constituye un derecho fundamental previsto en la Constituición para la garantía del contribuyente, tienen un papel delimitadordelámbito fiscal, demarcando negativamentelas facultadesfiscales de las personas políticas. En este sentido, las inmunidades tributarias están dirigidas allegislador ordinariopara hacer efectivo elpoder impositivo. Las inmunidadesfiscales establecidas en elart.150,VI delConstitución Federalbrasileña de 1988, abarca todos los impuestosyson clasificadas en recíproca,religiosa, condicionada, objetiva, las que disfrutan lospartidos políticosy los sindicatos de los trabajadores. Hay otros tipos deinmunidadesaisladasprevistas en el texto constitucional. Es importanteel análisis delas limitacionesconstitucionalesdela potestad tributaria, ya que, tienen por objectivo la protección y garantíade la libertad deexpresión, la democraciay la ciudadanía. Importantetambién, en el estudio de laslimitacionesconstitucionales ylegales a la potestad tributaria, es el análisis deotros medios de defensadel contribuyente.En este sentido, no se puede dejar de considerarlos principales instrumentos jurídicosprocesales enel ordenamiento jurídico brasileño, incluyendo el writ ofmandamus (mandado de segurança) individual o colectivo, el mandamusinterdictum (mandado de injunção), la repetición del pago indebido, laacción de anulación de duda fiscal. No hay que olvidarque estos instrumentos,entrelazados con la sistematica tributaria, son medios eficaces de la defensa delos contribuyentes.Se sabeque la Administración fiscal,practicarepetidamenteactos ilegalesoabusivos contra el sujeto pasivo, y este tiene necesidadde protegerse. Por lo tanto, estos 24 instrumentosconsagrados en la sistematica procesal son medios hábilespara remediarcualquier lesión. No esraro observarque las normaslegales que son utilizadas enel aumento dela recaudación de los tributos a veces son inconstitucionales, comprometiendo la seguridad jurídica-fiscal. Será realizado un análisis delos diversospuntos relativos alas muchas injusticiascometidaspor las autoridades fiscales con relación a los contribuyentes, entre ellas podemosmencionar laslegislaciones que son creadas entotal desacuerdo conla Constitución Federal de1988 yel excesivo número deleyesque causan disturbios en la realidad jurídica-tributaria brasileña. Así, inclusoel contribuyentemáscuidadoso enel cumplimiento dela política fiscal, está a mercedde la ilegalidad, ante este marañadojuridico fiscal. Será realizado, también, un enfoque sobre la importanciade la existencia deun Estatutodel Contribuyenteen la realidadfiscal brasileña. La cristalizaciónde los principiosy valoresconstitucionales en mormas infraconstitucionales, con miras a una mayorconcreción,esuna forma saludable delimitarla acción del Estado, que es siempre ellado más fuerteen las relaciones conlos ciudadanos, bucando lograr la igualdady la seguridad jurídica. Enla búsqueda de suspropios intereses, el Estado no puede actuarinjustamente frente a los ciudadanos, sobre todo aquí enlas relaciones jurídicas-fiscales. Búsqueda de un EstadoFiscal de Derecho,y para lo tanto es muy importanteun Estatutodel Contribuyente, que mejore lasleyes fiscales, que definenlos deberes,derechos y garantías delos contribuyentes. Se analizarán los Proyectos deLey Complementarian.º 646/1999y n.º38/2007que tramitan en las CasasLegislativas brasileñas, Cámara de los Diputados y el Senado Federal.Serán destacados los puntos relevantesy otrosque fueron contemplados en los proyectos, sin embargo pondremos de manifiesto las dudas que nos surgen en relación a lospuntos ausentes, que deberían haber sido contemplados, importantes para el mantenimiento dela seguridad jurídica-tributaria. 25 El puntoprincipal de este trabajoes analizar, como sólo elEstado tienela potestad tributaria, ya seamediante la creacióno el aumento delos tributos, pero las limitaciones son el centroneurálgico deesta tesis, queestudia los mecanismos dedefensa delos derechos y garantíasde los contribuyentesen contraposición ala actitud voraz del Estadopara recaudar tributos. En el escenariofiscalde hoy hay que buscar unfortalecimiento de los derechosfundamentales, a través de los términosde la legislación internay los tratados internacionales. Enesta perspectiva, los derechos fundamentales delos contribuyentesahora tienenuna nueva relevancia, la Constitución Federal de1988 estableceen los artículos150usque152,laslimitaciones ala potestad tributaria, que constituyen losderechos fundamentales delos ciudadanos contraelpoder tributariodel Estado y que se plantea como contrapunto fiscal dela listade los derechosy garantíasproclamadosy garantizados enartículo5.º, también de la Constituición. Lo que se buscaes hacerefectiva, la relación del contribuyentefrente la Administración Fiscal, en orden a imponer los valoresestandarizados en el sistema constitucionalbrasileño, haciendo efectivas las disposicionesconstitucionales con relación ladeclaración de los derechosfundamentalesdelos contribuyentesylos principios dela justicia fiscal acondicionadoras de la tributación. También, el objetivo es traerun enfoque centrado enla importancia de estosmecanismos de protección, reales instrumentos de defensadel contribuyente. El presente estudioes analizar losinstrumentos jurídicosexistentes enel ordenamiento jurídico brasileño, que hacen valer lasgarantías y derechos delos contribuyentes, así como el estudio de lafigura del ciudadanoen relación conla legislación tributariaen Brasilen armoníacon las normas constitucionales, a fin de identificar unamejor relación entrelas autoridades fiscales ylos contribuyentesbasada en la cooperación. El objetoprincipal de esteestudio es verificarlosmecanismosjurídicos deprotección delosderechos y garantías delos contribuyentes, según la legislación 26 constitucional oinfra constitucional brasileña y así como identificarla forma en que se materializa la garantía de ladefensa delos contribuyentesen ámbito de los procedimientos administrativosy judiciales. Identificarlos medios legales paraque el contribuyente tenga protección contrael abuso de poder de fiscalización, de lanzamiento yrecaudación de los tributos establecidospor la ley, garantizando sus derechos, ya seaen el proceso administrativo-fiscal, ya seaen el procesojudicial. Desde el momento enque ya nosea posible evitarviolacionesde los derechosde los contribuyentes, el presente trabajo tiene como objetivo explorar los mecanismos normativos a repararel daño causado porelabuso de poder realizado por el Estado ya sea en la fiscalización, en el lanzamiento yrecaudación de los tributos de su competencia. Por último, la manera de garantizar la justicia en la declaración y recaudación de los tributos previstospor la ley ylosmecanismosnormativos de defensa delos contribuyentes. 27 CAPÍTULO I –O PODER DE TRIBUTAR E SUAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS Introdução As constituições dos séculos XVIII e XIX advieram de uma ideologia tipicamente liberal baseada, sobretudo, na separação e distinção do Estado e da sociedade civil. A ideia de que a sociedade e o Estado teriam sido fruto de um contrato entre indivíduos, no qual restariam formalizados os poderes e as competências recíprocas.1 É concebida, então, a Constituição a função de instrumento de organização do poder e de declaração dos direitos e garantias individuais, estabeleu-se um dupla dimensão ao documento constitucional, organição e declaração, com a finalidade de atender o objetivo fundamental de limitar o poder Estatal. Observa-se, no entanto, que neste século uma Constituição não se destinaria a propiciar tão somente a delimitação do Estado frente a sociedade civil. As Constituições vão além e passam hodiernamente a conter diretrizes fundamentais que orientam as atividades estatal e social na promoção do bem-estar individual e coletivo. Ao constitucionalismo moderno coube a organização do poder e a declaração de direitos e garantias individuais.2 A Constituição Federal brasileira de 1988 assegura a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos que explicita, principalmente, 1 MALERBI, Diva. Direitos fundamentais do contribuinte. apud GANDRA, Ives. Direitos fundamentais do contribuinte. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais - Centro de Extensão Universitária, 2000, p. 151. 2 Idem.Ibidem., p. 152. 28 nos divervos incisos do artigo 5.°. Tais direitos são chamados direitos fundamentais do homem.3 Os direitos fundamentais são uma garantia de liberdades, tendo função latente, atrás de sua auto-interpretação dogmática, é de manter o confronto da comunicação social aberta à uma certa disponibilidade.4 No sistema jurídico brasileiro a proteção dos direitos fundamentais não se esgota no elenco do artigo 5.°, da Constituição Federal de 1988, os direitos e garantias tem extensão muito maior, por abranger qualquer direito surgido dos princípios democráticos acolhidos pela Carta Magna de 1988, mesmo de modo implícito, além dos oriundos da força dos Tratados Internacionais assinados pelo Brasil. Os direitos fundamentais, de qualquer natureza, humanos, tributários, sociais, educacionais, morais, econômicos etc., constituem-se em uma das maiores preocupações da humanidade no sentido de preservá-los, desta forma ganham atenção especial, sejam na ordem jurídica interna ou internacional. No Sistema Tributário Nacional os direitos do contribuinte não estão elencados apenas em um capítulo específico, mas encontram-se também, em outros preceitos que versam sobre o tema de modo diverso e até mesmo em disposições genéricas que se norteiam com tópicos fundamentais da formação do Estado.5 3 No quantitativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33.ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 159. 4 Os direitos fundamentais ‘funcionam’ portanto, como uma garantia de ‘oportunidades de comunicação’ de certo tipo interpretado socialmente como uma garantia de liberdades. Sua função latente, atrás de sua autointerpretação dogmática, é de manter o confronto da comunicação social aberta à uma ‘certa’disponibilidade (...). TORRES, Ricardo Lobo. Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2004, p. 33. 5 O sistema constitucional tributário brasileiro não se esgota nas prescrições do Capítulo I do Título VI (artigo 145 a 156) da Lei Maior, e, bem assim, as garantias e direitos individuais não se limitam às disposições do Capítulo I, do Título II. Tais subdivisões da Constituição, pelo contrário, se interpenetram, sendo lícito afirmar que os direitos e garantias individuais, em matéria tributária, formam relevante parte do sistema constitucional tributário, concebido como um todo. Ao demais, muitos outros imperativos, inscritos no Texto Básico, se associam aos mencionados, muito embora não estejam quer num, quer noutro. CARVALHO, Paulo de Barros. Estatuto do Contribuinte, Direitos, Garantias Individuais em Matéria Tributaria e Limitações Constitucionais nas Relações entre Fisco e Contribuinte. São Paulo: Vox Legis, 1980. p. 37. 29 Não basta restringir o campo dos direitos e garantias individuais ao plano exclusivo da Constituição, estudando-os juntamente com o sistema tributário, para sentir a dificuldade produzida pelo grande número de fórmulas indiretas e implícitas, que nascem dos comandos constitucionais.6 Nota-se a necessidade de fortalecimento dos direitos fundamentais como força garantidora de cidadania constitucional e a necessidade de efetivação do direito à liberdade como valor humano básico, anterior e até mesmo superior à Constituição do Estado. Neste aspecto, a afirmação corresponde ao resultado do longo processo histórico dos princípios gerais do direito que se efetivam nas Constituições, rumo à tentativa de elevação dos valores fundamentais imanentes às sociedades ao patamar máximo de referência para a aplicação e para a hermenêutica do Direito. Reconhece-se, normatividade não só aos princípios que são, expressa e explicitamente, contemplados no âmago da ordem jurídica, mas também aos que, defluem de seu sistema, são anunciados pela doutrina e descobertos no ato de aplicar o Direito. 1.1 Princípios Constitucionais Gerais Hodiernamente no ordenamento jurídico brasileiro constitui ponto pacífico a assertiva segundo a qual a relação tributária (sujeito ativo e sujeito passivo) é uma relação jurídica e não simplesmente uma relação de poder. Desta forma, submetida que está a relação de tributação ao disciplinamento jurídico, tem-se que examinar, em primeiro plano, as prescrições jurídicas mais importantes no disciplinamento 6 Não basta restringir o campo dos direitos e garantias individuais ao plano exclusivo da Constituição, estudando-os juntamente com o sistema tributário, para sentir a dificuldade produzida pelo grande número de fórmulas indiretas e implícitas, que se nascem dos comandos constitucionais. Idem.Ibidem., p. 39. 30 dessa relação, quais são geralmente designadas como princípios jurídicos da tributação.7 Na concepção jusnaturalista é possível afirmar que os princípios jurídicos constituem o fundamento do Direito Positivo, portanto, é algo que integra o Direito Natural. Na visão dos positivistas, o princípio jurídico é norma jurídica, não uma norma jurídica qualquer, mas uma norma que se distingue das demais pela importância que tem no sistema jurídico. Os princípios constituem a estrutura do sistema jurídico e são considerados os vetores do sistema, são normas dotadas de grande abrangência, universalidade e perenidade.8 No entanto, os princípios jurídicos não devem ser considerados isoladamente, mas sim em conjunto, dentro da noção de sistema jurídico, formado pelo conjunto coeso de normas e princípios, que se compatibilizam mutuamente e se materializam no Ordenamento Jurídico, que tem por objetivo a disciplina e a organização da vida em sociedade, servindo de instrumento para a resolução dos conflitos de interpessoais de interesse e promoção da justiça. O direito e, mais particularmente, as normas jurídicas estão sempre impregnadas de valor. Esse componente axiológico, invariavelmente presente na comunicação normativa, experimenta variações de intensidade de norma para norma, de tal sorte que existem preceitos fortemente carregados de valor e que, em função do seu papel sintático no conjunto, acabam exercendo significativa influência sobre grandes porções do ordenamento, informando o vector de 7 MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. 4.ª ed., São Paulo: Editora Dialética, 2001, p. 14. 8 Usando, por comodidade didática, de uma analogia sempre feita por Geraldo Ataliba e Celso Antônio Bandeira de Mello, podemos dizer que o sistema jurídico ergue-se como um vasto edifício, onde tudo está disposto em sábia arquitetura. Contemplando-o, o jurista não só encontra a ordem, na aparente complicação, como identifica, imediatamente, alicerces e vigas mestras. Ora, num edifício tudo tem importância: as portas, as janelas, as luminárias, as paredes, os alicerces etc. No entanto, não é preciso termos conhecimentos aprofundados de Engenharia para sabermos que muito mais importante que as portas e janelas (facilmente substituíveis) são os alicerces e as vigas mestras. Tanto que, se de um edifício, retirarmos ou destruirmos uma porta, uma janela ou até mesmo uma parede, ele não sofrerá nenhum abalo mais sério em sua estrutura, podendo ser reparado (ou até embelezado). Já, se dele subtrairmos os alicerces, fatalmente cairá por terra. De nada valerá que portas, janelas, luminárias, paredes etc. estejam intactas e em seus devidos lugares. Com o inevitável desabamento, não ficará pedra sobre pedra. Pois bem, tomadas as cautelas que as comparações impõem, estes ‘alicerces’, ‘vigas mestras’ são os princípios jurídicos, ora objetos de nossa atenção. ATALIBA, Geraldo. IPTU: progressividade. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 23, jan./mar. 1990, n.º 93, p. 233. 31 compreensão de múltiplos segmentos. Em Direito, utiliza-se o termo princípio para denotar tais regras.9 Emprega-se a palavra princípio para apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor, independentemente da estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma.10 A Constituição Federal vigente está cheia de regras que albergam conteúdos principiológicos, sejam: constitucionais, gerais e de direito tributário, que limitam o poder de tributar.11 Pode ser utilizado o termo princípio como sinônimo de norma, pois a norma é o conjunto de regras de uso relativas às características de um produto ou de um método, compiladas com o objetivo de uniformizar e de garantir o seu modo de funcionamento e a sua segurança, neste aspecto os princípios e as normas teriam a mesma definição, sendo: norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo, de posição privilegiada que estipula limites objetivos; como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma.12 Pode ser o princípio definido como a regra básica, implícita ou explícita, que pela sua grande generalidade, ocupa uma posição de destaque no mundo do 9 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18.ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2010, pp. 150-1. 10 Idem.Ibidem., pp. 150-1. 11 São princípios que exercem uma função tanto no seu aspecto positivo quanto no negativo, o que os torna particularmente relevantes nos “casos limites”(Estado de Direito e de não- direito). Mas inequivocamente apresentam uma vertente importante na sua função positiva. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 3.ª ed., São Paulo: Editora Malheiros, 2008, p. 140. 12 Em Direito, utiliza-se o termo “princípio” para denotar as regras de que falamos, mas também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor, independentemente da estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma. Assim, nessa breve reflexão semântica, já divisamos quatro usos distintos: a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; d) como limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma. Nos dois primeiros, temos “princípio” como “norma”, enquanto nos dois últimos, “princípio” como “valor” ou como critério objetivo. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 151. 32 Direito, vinculando o entendimento e a aplicação dos atos normativos até mandamentos constitucionais.13 Se as regras constitucionais limitam o poder de tributar, os princípios que são mais abrangentes e encerram uma diretriz, na realidade, limitam muito mais o poder de tributar do que as simples regras constitucionais. No exercício do poder tributário brasileiro, são os princípios constitucionais tributários, na maioria explícitos, que a legislação infraconstitucional deve acatar.14 Desta feita, muitos princípios limitam o poder de tributar, porque condicionam o exercício (válido) da competência à observância de certos requisitos ou critérios norteadores.15 Impende destacar, tal qual no ordenamento jurídico brasileiro, também no ordenamento jurídico venezuelano, o poder de tributar, entendido como faculdade de criar tributos, não é ilimitado, sendo que existem fronteiras muito nítidas que são definidas na própria Constituição e dentro das quais hão de desenvolver seu exercício, estes limites são os princípios constitucionais da tributação.16 Os princípios podem ser linhas mestras para informar o sistema tributário ou estabelecer limites a poder de tributar.17 Ainda, os princípios, neste caso os 13 Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição, fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Limitações constitucionais ao poder de tributar. apud BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Atualização de DERZI, Misabel Abreu Machado, 7.ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 16. 14 Os princípios, ao dilatarem o sentido e a inteligibilidade do sistema, tanto podem inspirar uma imunidade, como, ao contrário, uma regra confirmatória de poder tributário, assim como marcar as condições ou os requisitos para o bom exercício da competência tributária, limitando ou expandindo o poder de tributar. Idem.Ibidem., pp.16-7. 15 Idem.Ibidem., p. 15. 16 Principios constitucionales de la tributación, que no son meras orientaciones o simples aspiraciones del constituyente, sino verdaderos imperativos categóricos que, según el caso, se erigen como derechos o garantías de los ciudadanos frente al ejercicio del poder tributario. Por su naturaleza, los princípios constitucionales de la tributación no solo possen la fuerza vinculante y obligatoria propia de toda norma constitucional, sino que incluso anteceden al pacto constitucional, porque se trata de valores superiores, inmutables e intemporales de las sociedades civilizadas que trascienden las convulsiones políticas, econômicas y sociales propias de cada época y que no puedem resultar afectados por los câmbios que de tiempo em tiempo se producem em el Derecho positivo o por obra las interpretaciones casuísticas de los operadores jurídicos. PITTALUGA, Luis Fraga. Principios Constitucionales de la Tributación. Caracas: Fraga Sanches & Asociados, 2006, pp.14-5. 17 Neste sentido, também se expressa Rafael Luna Rodriguéz: Los principios presentan un carácter doble, el primero, como guías o aspiraciones que deben informar el sistema tributario, y el segundo, como límites a la 33 tributários, devem ser utilizados na interpretação da legislação tributária (art. 96, do Código Tributário Nacional).18 No exercício do poder tributário no Brasil, os princípios constitucionais gerais se acham ligados por uma série de máximas constitucionais, são os princípios constitucionais tributários, que entrelaçados formam importante alicerce na defesa dos direitos dos contribuintes. Tem-se princípios gerais de direito, expressos ou implícitos na Constituição, uns com maior relevância outros não tão relevantes, mas que dão alicerce ao direito tributário brasileiro, são eles os princípios: da Federação e da República (artigo 1.°); da igualdade (artigo 5.°); da legalidade (artigo 5.°, II e 150, I); da irretroatividade (artigo 150, III, “a”); da universidade da jurisdição (artigo 5.°, XXXVII); da ampla defesa e do devido processo legal (artigo 5.°, XXXIV e LV); do direito de propriedade (artigo 5.°, LIV, 170, II); da liberdade de trabalho (artigo 7.°, 170, VIII); do direito de petição (artigo 5.°, XXXV); de propor anulação judicial de atos de autoridades públicas (artigo 5.°, XXXVII); da autonomia dos Municípios (artigo 29 e 30). Ainda, derivam dos princípios gerais os princípios específicos do direito tributário: princípio da estrita legalidade, ou da tipicidade tributária (artigos 5.°, II, 150, I); princípio da anterioridade (artigo 150, III, b); princípio da competência privativa das pessoas políticas de direito constitucional interno (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para a instituição de impostos (arts. 155, I usque III, 156, I usque III, 153, I usque VII, 154, I); princípio da competência comum para criar taxas e contribuição de melhoria (artigo 145, II usque III); princípio da equiparação do Distrito Federal e dos Territórios às pessoas políticas, para o efeito da administração e cobrança de tributos criados pela União; princípio da potestad tributaria. En una dualidad conceptual de los deberes y de los derechos. RODRÍGUEZ, Rafael Luna. El derecho a no autoinculpación en el ordenamiento tributario español. http://tesis.sim.ucm.es:2004/der/ucmt26079.pdf, pesquisado em 27 de setembro de 2009, p. 16. 18 La utilización de los principios tributarios como herramienta hermenéutica es una de las cuestiones y, al mismo tiempo, posibilidades más interesantes que tiene planteado hoy el Derecho Tributario de nuestros días. ORTEGA, Rafael Calvo. Las disposiciones generales reguladoras de los tributos en la nueva ley general tributaria. http://www.ucm.es/eprints/1446/01/Calvo_Ortega.pdf, pesquisado em 05/10/09, p. 09. 34 indelegabilidade da competência tributária; princípio da delegabilidade da capacidade tributária ativa; princípio da existência de normas gerais de Direito Tributário para dispor sobre conflitos de competência, entre União, Estados e Municípios, assim como para regular limitações constitucionais ao poder de tributar (artigo 146, I usque III); princípio da exclusividade da União para instruir empréstimos compulsórios (artigo 148); princípio que veda a discriminação tributária, em razão da procedência, destino e localização (arts. 152); princípio da isonomia recíproca entre as pessoas políticas (artigo 150, VI, a); princípio da imunidade recíproca (ontológica) entre as pessoas constitucionais (artigo 151, III); princípio da imunidade dos partidos políticos e das instituições de educação e de assistência social (artigo 150 II “c”); princípio da imunidade do tráfego de pessoas e mercadorias (artigo 150, V); princípio da seletividade e não-cumulatividade do IPI (artigo 153, § 3.°, I e II); princípio da não-cumulatividade do ICMS e da uniformidade de suas alíquotas (artigo 155, IV, § 2.°, I); princípio da imunidade do ICMS, com relação aos produtos industrializados exportados para o exterior (artigo 155, X, a);. princípio da territorialidade da tributação; princípio da vinculabilidade do procedimento de gestão tributária. Os principais princípios constitucionais gerais e tributários visam constituir uma malha protetora dos direitos fundamentais do contribuinte, preservando-se a segurança jurídica e o Estado Democrático de Direito. Na área tributária, existem vários princípios constitucionais, a reger a forma de imposição tributária. Pode-se dizer que os princípios estão delimitados em princípios constitucionais gerais: isonomia; legalidade; irretroatividade da lei tributária; ampla defesa e devido processo legal; princípio que prestigia o direito de petição e o princípio federativo em matéria tributária. E em princípios constitucionais tributários: anterioridade tributária; competência privativa e comum das pessoas políticas de direito constitucional interno; seletividade; vedação de tributos com efeito de confisco; liberdade ao tráfego de pessoas ou bens; uniformidade; reserva da lei para concessão de isenção, anistia ou remissão; capacidade contributiva e não-cumulatividade. 35 1.1.1 O princípio da isonomia O princípio da isonomia, que reclama igualdade de tratamento aos contribuintes, vinha enunciado de forma genérica no capítulo dos direitos e garantias individuais da Constituição de 1969, sob o lema todos são iguais perante a lei. Trata-se de igualdade jurídica e não igualdade de fato, devendo dar-se tratamento igual para pessoas que se encontram em situação semelhante e tratamento desigual para aqueles que estão em situação diferente. Nos dizeres de Rui Barbosa “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam”.19 Historicamente, o estudo da isonomia se mostrou necessário em face da propensão humana, quase inexorável, atribuindo o mesmo a todos, como se todos iguais fossem, e, de outro, a cosecução do tratamento discriminatório, na tentativa de subtração do que a cada um pertence, com o fito de não se atribuir iguais condições a todos, uma vez que estes se mostram diferentes.20 A igualdade substancial postula o tratamento uniforme de todos os homens, não se cogitando de igualdade perante o direito, mas de igualdade real e efetiva perante os bens da vida, essa igualdade, contudo a despeito da carga humanitária e idealista que traz consigo, até hoje nunca se realizou em qualquer sociedade humana, mostrando-se utópica.21 19 BARBOSA, Rui. Oração aos Moços, apud MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. Op. cit., p. 59. 20 SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 2.ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 91. 21 BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. v. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 1988, p. 5. 36 Como se observa, até bem pouco tempo, a única ideia doutrinária que se tinha, era a máxima aristotélica a qual consistia a igualdade no tratamento desigual dos desiguais, na medida de suas desigualdades.22 A igualdade de todos perante a lei supõe tão-somente uma aplicação correta da lei, a qual decorre da própria estrutura lógica da norma. Segundo Kelsen, o princípio da igualdade, materialmente considerado, não tem substância científica, assim, o legislador pode contemplar, na norma, as diferenças ou uniformidades que quiser, na proporção ou forma que lhe aprouver, que não haverá, cientificamente, como apreciar o teor da norma.23 Muitas são as dificuldades as quais pode-se encontrar quando empenha em descobrir o verdadeiro conteúdo desse princípio e, para tanto, deve ser adotados critérios para que se possa aferir diferenças legais que se compaginam com a isonomia constitucionalmente anunciada. A propósito, a pujança normativa da cláusula relativa à igualdade no texto constitucional evidencia-se na escolha do legislador constituinte em inaugurar, com o direito à igualdade, a enumeração dos direitos e garantias previstos no artigo 5.°, do texto constitucional.24Com isso, a ordem constitucional doméstica prevê que o princípio da igualdade, ocupando destacado lugar na enumeração de tais garantias individuais, a saber, o próprio caput, do artigo 5.°, regerá todos os outros direitos 22 O princípio da isonomia é no ordenamento jurídico brasileiro considerado como um dos mais sérios problemas jurídicos, isto em razão do entrelaçamento existente no seu bojo de ingredientes de direito e elementos metajurídicos. Idem.Ibidem., p. 5. 23 A igualdade de todos perante a lei supõe tão-somente uma aplicação correta da lei, a qual decorre da própria estrutura lógica da norma. Segundo Kelsen, o princípio da igualdade, materialmente considerado, não tem substância científica. Assim, o legislador pode contemplar, na norma, as diferenças ou uniformidades que quiser, na proporção ou forma que lhe aprouver, que não haverá, cientificamente, como apreciar o teor da norma. DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. 2.ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 98. 24 Elege, para tanto, quatro elementos, a saber: a) que a desequiparação não atinja, de modo atual e absoluto, um só indivíduo; b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços nelas residentes diferenciados; c) que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles estabelecida pela norma jurídica; d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa — ao lume do texto constitucional — para o bem público. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do principio da igualdade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1978, pp. 53-4. 37 que a ele sucedam.25 Na esfera tributária o princípio da isonomia ou igualdade tributária, por sua vez, esta expresso no artigo 150, II, da Carta Magna.26 Na seara da tributação, dispõe o postulado a vedação do tratamento tributário desigual a contribuintes que se encontrem em situação de equivalência ou equipolência.27 Desta forma, o artigo 5.°, postula a temática da igualdade de modo genérico, enquanto que o artigo 150, II, da Constituição Federal de 1988, o faz de modo específico. No ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da igualdade tributária é também conhecido por princípio da proibição dos privilégios odiosos, na medida em que visa coibir a odiosidade tributária, manifestável em comandos normativos discriminatórios, veiculados de favoristismos por meio da tributação. Ainda neste sentido, mostra-se a dimensão negativa do postulado da isonomia tributária, como claúsula de defesa do cidadão contra o arbítrio do Estado.28 Neste sentido, as isenções que tem natureza extrafiscal violam, frontalmente, o princípio da igualdade tributária, pois impõe-se, que as ordenações positivas estabeleçam a possibilidade expressa da concessão de isenções, também por interesse público, abrindo-se deliberadamente exceção àquela diretriz fundamental.29 25 CAMPOS, Francisco. Direito Constitucional. v. 2, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, p. 12. Constituição Federal brasileira de 1988, art. 150, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; 27 (...) el principio de igualdad en el âmbito fiscal contiene un mandato de desigualdad o diferenciación consistente en tratar de manera desigual situaciones efectivamente desiguales con La finalidad, precisamente, de conseguir aquella igualdad real o promocional. De esta forma, el tratamiento desigual ante La Ley aparece justificado en aras a enmendar aquellas situaciones reales de desigualdad econômica y social de lós ciudadanos. VIDAL MARÍN, Tomas. Un estudio constitucional sobre el deber de contribuir y los principios que lo informan: el artículo 31.1 de la Constitución española, Tirant Lo Blanch, Valencia, 2003, pp. 104-105. 28 Distribuir a carga tributária com atenção ao princípio da igualdade quer significar a observância proporcional da capacidade de contribuir, que cada qual exibe, em termos objetivos e concretos. Diante disso, joga-se com um critério aparentemente seguro para discernir situações, em função do pré-falado princípio. Uma dúvida, porém, se levanta com grande vigor, e ameaça, declaradamente, a premissa que adotamos: E as hipóteses de extrafiscalidade, em que o Estado, disciplinando os interesses da sociedade, nos campos social, político, ético, econômico etc., estabelece isenções para certos segmentos ou incentivos a determinados setores? CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 43. 29 CARVALHO, Paulo de Barros. VII Jornada Latino-americana de Direito Tributário. Caracas, 1975 (tese sustentada em plenário). 26 38 O Supremo Tribunal Federal afirma que o princípio da isonomia tributária é um postulado vazio, que recebe conteúdo valorativo de outros princípios: liberdade e justiça tributária (RE 423, 768, STF).30 No Direito Tributário, há estrita relação entre o princípio da isonomia jurídica e o princípio da capacidade contributiva. Enquanto o princípio da isonomia fica a depender da definição dos critérios de justiça, o princípio da capacidade contributiva já está a indicar que o justo é o proporcional a tal capacidade. Este é, portanto, o princípio da isonomia com aplicação de um critério de justiça já definido, a capacidade contributiva de cada cidadão. Desta forma o ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Constituição Federal de 1988 estabelece, no campo tributário, norma vedando à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, por outro lado, ao tratar da capacidade contributiva adota fórmula diversa, determinando a observância do princípio da capacidade contributiva sempre que possível (artigo 145 § 1.°).31 Aliás, pode-se interpretar o artigo 145, § 1.°, da Constituição Federal atual, de outra forma, a expressão sempre que possível pode ser entendida ali, como relacionada apenas com o caráter pessoal dos tributos.32 A isonomia não veda a concessão de isenções, de maneira geral, mas impede que estas sejam instituídas de maneira discriminatória, a partir de critérios não razoáveis. Afinal, não se pode tratar desigualmente contribuintes que estejam 30 Daí se notar o previsível elemento desafiador ao exegeta que se põe diante do intrincado tema da interpretação do postulado da isonomia tributária: indagar-se sobre a legitimidade dos critérios distintivos adotados na atividade de desigualização, além da simples valoração, em si, dos critérios adotados. SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 95. 31 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 145, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: § 1.° - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. 32 O tema da tributação progressiva tem sido ponto de duradouras e fundas divergências. Parece-nos, todavia que o tributo progressivo na verdade é o que mais adequadamente alcança a capacidade econômica das pessoas. Por isso em atenção ao princípio da isonomia, diremos que o melhor critério discriminador, em se tratando de estabelecer normas de tributação e o da capacidade econômica. MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. Op. cit., p. 43. 39 em situação equivalente, o que significa precisamente a igualdade material: tratar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. O problema está em saber qual medida de desigualdade pode ser tomada como parâmetro.33 A lei deve tratar iguais os que estão em posição de igualdade jurídica e, desigualmente, desde que haja desigualdade de fato.34 Observa-se, entretanto, que a verdadeira igualdade não pode estar desvinculada da proporcionalidade, não pode haver injustiça do que tratar igualmente pessoas desiguais. Ainda assim persiste a dificuldade na escolha do critério de discriminação, tornando-se a ideia de proporcionalidade insuficiente. No âmbito do Direito Tributário, pode-se afirmar que esse critério reside na capacidade econômica. A necessidade de haver no propósito da legislação estatal, evidente nexo de razoabilidade, observando-se a existência de diferença real e não aquela supostamente aparente ou arbitrária. Derivado de outro princípio geral, o da igualdade de todos perante a lei, a Constituição Federal Brasileira, artigo 5.°, caput, o princípio do tratamento isonômico em matéria tributária significa, nos estritos termos do artigo 150, II, da Constituição, na verdade, em matéria tributária, o princípio da isonomia é dirigido ao legislador, no sentido de evitar normas que quebrem este princípio. Nesse passo, fica claro que no Estado de Direito, que a igualdade jurídica não pode se restringir a uma igualdade meramente formal, vocacionada ao vago plano da abstração da norma, sem interagir com as circunstâncias concretas da realidade social na qual encontra-se inserida a sociedade.35 33 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Código Tributário Nacional: anotações à Constituição, ao Código Tributário Nacional e às leis complementares 87/1996 e 116/2003. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 31. 34 A lei pode conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na categoria diferenciada. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. Op. cit., p. 59. 35 No sentido de que devem haver algumas regras que norteiem a aplicação do princípio da isonomia tributária: a) a iguladade jurídica tributária consiste numa igualdade relativa, com seu pressuposto lógico da igualdade de situações ou condições (...); b) não se admitem exceções ou privilégios, tais que excluam a favor de um aquilo que é exigido de outros em idênticas circunstâncias (...); c) a existência de desigualdades 40 As Súmulas n.º 215, do Superior Tribunal de Justiça 36 e n.º 23 do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, e ainda, a Instrução Normativa n.º 165/98-SRF, da Secretaria da Receita Federal, dispuseram acerca da dispensa da constituição de créditos e do cancelamento dos lançamentos relativos à incidência do Imposto de Renda sobre as indenizações referentes ao Programa de Demissão Voluntária.37 Desta forma, em consonância às referidas Súmulas e Instrução, entendem-se que as verbas recebidas pelo trabalhador quando da adesão ao programa de incentivo à demissão voluntária não estão sujeitas à incidência do imposto de renda. Em suma, o princípio da igualdade tributária proíbe distinções arbitrárias, entre contribuintes que se encontrem em situações semelhantes, nem pode o aplicador, diante da lei, discriminar, nem se autoriza o legislador, ao ditar a lei a fazer discriminações. Assim, não fere o princípio da igualdade a aplicação do princípio da capacidade contributiva, a igualdade consiste, no caso, na proporcionalidade da incidência à capacidade contributiva, em função da utilidade marginal da riqueza. naturais justifica a criação de categorias ou classe de contribuintes, desde que as distinções sejam razoáveis e não arbitrárias. MORAES, Bernardo Ribeiro de. Imunidades tributárias.MARTINS, IvesGandradaSilva(Cood.). São Paulo: Revista dos Tribunais, Pesquisas Tributárias, Nova Série - 4, 2001, pp. 116-7. 36 Conforme Súmula n.º 215 do STJ e Súmula n.º 23 do TRF-2.ª Região, entendem-se que as verbas recebidas pelo trabalhador quando da adesão ao programa de incentivo à demissão voluntária não estão sujeitas à incidência do imposto de renda, sendo assim, é injustificável a cobrança do imposto de renda sobre as verbas indenizatórias dos autores, tendo em vista a ocorrência de flagrante desrespeito ao princípio constitucional previsto no art. 150, inciso II, da Constituição Federal. TRF 2.ª R. – AC 1998.51.01.026453-0/RJ; 4.ª T.Esp.; Rel. Des. Fed. Alberto Nogueira; DJU 10/02/2006. 37 Imposto de Renda pessoa jurídica. Programa de incentivo à demissão voluntária. Indenização especial e férias vencidas e não gozadas. Não-incidência. Tributário. Imposto de Renda de Pessoa Física. Verbas oriundas de demissão sem justa causa. Indenização especial. Férias indenizadas. Não-incidência. 1. Nos termos da Súmula nº 215 do col. Superior Tribunal de Justiça: ‘A indenização recebida pela adesão ao Programa de Incentivo à Demissão Voluntária não está sujeita à incidência do imposto de renda’. 2. As férias vencidas e não gozadas por necessidade de trabalho constituem compensação, ressarcimento pecuniário pela não-fruição desse direito pelo empregado, sendo, portanto, indenização. Não há ainda necessidade de se comprovar nos autos que as férias não puderam ser usufruídas no momento oportuno, por necessidade de serviço para afastar a tributação. 3. Remessa oficial improvida. TRF 3.ª R., REOMS 211419/SP, 6.ª T., Rel.ª Des.ª Fed. Consuelo Yoshida, ac. un., J. 08/10/2003, DJU 2 31/10/2003, p 383. Tributário. Imposto de renda. Rescisão sem justa causa. Isonomia com servidores públicos federais. Lei n.º 9.468, de 10/07/1997. I – Os valores pagos a título de incentivo à adesão em programa de desligamento voluntário têm natureza indenizatória face à finalidade compensatória da perda do emprego, não incidindo imposto de renda sobre os mesmos. II – Extensão da Lei n.º 9.468/1997, art. 14, a empregados da iniciativa privada, em atenção ao princípio da isonomia tributária esculpido no art. 150, inciso II, da Constituição Federal. III – Confirmada a sentença concessiva do mandado de segurança. IV – Apelação da União Federal e remessa ex officio improvidas. TRF 2.ª R., AMS 2002.02.01.009800-1, 1.ª T., Des. Fed. Ney Fonseca, ac. un., J. 07/10/2002, DJU 2 20/11/2002, p 111. 41 1.1.2 O princípio da legalidade No campo específico da tributação, o princípio da legalidade despontou em vários lugares como aspiração genérica dos povos. Pode-se, entretanto, estabelecer como marco histórico deste princípio a Magna Charta imposta ao rei João Sem Terra pelos barões normandos, consignando numa de suas prescrições a frase no taxation without representation. Ante a essa insurgência contra o poder unipessoal de tributar, o princípio incorporou a conotação de autotributação, por isso a ideia da imposição passou a depender da audiência de um conselho indicado pelos governantes. Naquele tempo, entretanto, os barões não eram eleitos pelo povo, nem a representação por eles pleiteada se parecia com o modelo dos atuais parlamentos. Não obstante, desde então, ao poder de tributar associou-se o ideal de representação popular, ainda que o consentimento pudesse ser dado diretamente ao príncipe, por conselhos nem sempre representativos.38 A Magna Charta não passou de um pacto de elites entre os barões normandos e o rei, e depois veio a ser invocada no período do liberalismo, fundamentando a ideia da legalidade.39 O fundamento da Carta Magna estava em atender às exigências da nobreza, que não suportava a cobrança de tributos e passou a ser condicionada ao consentimento do conselho do reino.40 38 SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 57. Se no futuro ela veio a ser um dos documentos invocados pelo liberalismo, na sua origem nada mais era do que instrumento a beneficiar ínfima parcela da população e o seu texto ficou em latim por mais de duzentos anos, a fim de que o grosso da população não pudesse invocá-la em sua defesa. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Crítica do Direito e do Estado. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001, p. 154. 40 Essa base consensual do tributo foi uma das aspirações coletivas sustentadas em árduas lutas contra o absolutismo monárquico, que se exercia desregradamente no campo das imposições fiscais, quando ainda não era bem patente sua finalidade de interesse público e saíam a cobrá-las a ordem e agentes de soberanos que precisavam de recursos para seus confortos, seus luxos, suas ostentações, para a realização de seus interesses dinásticos e para as suas guerras de pendor pessoal e de conquista. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30.ª ed., São Paulo: Editora Malheiros, 2009, p. 17. 39 42 A base do princípio da legalidade reside no artigo 14, da revolucionária declaração francesa dos direitos do homem e do cidadão, a obrigação tributária está ligada ao princípio da representação política. As imposições tributárias deverão estar autorizadas em lei, mas a lei é obra do poder legislativo, cujo órgão é mais frequentemente e mais desejavelmente um corpo coletivo de base eletiva e de caráter representativo, autorizando a presunção de que são os contribuintes que, indiretamente, consentem essas imposições.41 O Brasil no plano jurídico sofreu influências francesas e norte-americanas. Observando, em breve estudo a evolução histórica do princípio da legalidade no Brasil, percebe-se que em nenhuma das Constituições Republicanas, o referido princípio deixou de ser consagrado. A Constituição do Império o registrava, no artigo 171, e o Ato Adicional, de 1834, o estendeu às áreas provinciais, atribuindo às Assembleias Legislativas das Províncias competência para estabelecer os impostos locais. Na Constituição de 1891, no artigo 72, § 30,42 consagrou-se o princípio da legalidade apenas no tocante aos impostos, muito embora, naquele tempo a doutrina já fazia distinção entre impostos e taxas. Sob a égide da Constituição de 1934 manteve-se o princípio da legalidade, entretanto, o mesmo foi deslocado do corpo da declaração de direitos para as disposições gerais, embora não consagrado como garantia individual, mas claramente configurado na regra que vedava à União, aos Estados e aos Municípios cobrar quaisquer tributos sem lei especial que os autorize, artigo 17, VII. A Constituição de 1937 foi a única que não enunciou o referido princípio de forma explícita e direta, todavia, o princípio da legalidade pode ser nela encontrado na regra que trata da competência legislativa para dispor sobre impostos. Na Constituição de 1946 o princípio da legalidade aparece plenamente, colocado entre os direitos e garantias individuais, em dispositivo segundo o qual nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça. Com a 41 Idem.Ibidem., p. 17. Constituição do Brasil de 1891, art. 72. § 30, nenhum imposto de qualquer natureza poderá ser cobrado senão em virtude de uma lei que o autorize. 42 43 Emenda Constitucional n.° 18, de 1965, o princípio foi mantido com ressalvas (artigo 2.°, inciso I). A Constituição de 1967 que regulou, pela primeira vez em capítulo específico, o sistema tributário, incorporando normas da Emenda Constitucional n.° 18/65, estabeleceu como limitação constitucional da competência tributária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o princípio da legalidade, ao dispor que a tais pessoas é vedado instituir ou aumentar tributo sem que a lei estabeleça, ressalvados os casos nela previstos. Reproduziu, entre os direitos e garantias individuais, o dispositivo da Constituição de 1946, segundo o qual nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça. Na Emenda Constitucional n.° 1, de 1969, foi mantido o dispositivo, que vedava à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir ou aumentar tributo sem que a lei o estabeleça, da mesma forma com ressalvas nela previstas. Manteve no artigo 153, § 29, o princípio da legalidade entre os direitos e garantias individuais. Na Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, expresso no artigo 150, I, veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça, o princípio da legalidade foi consideravelmente fortalecido. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 consagrou-se profusamente a supremacia do Poder Judiciário no Brasil em prol da cidadania, que de forma exagerada valorizou os princípios, sob a guarda dos juízes, a orientar a aplicação das leis aos casos concretos. Passados séculos de história, o princípio da legalidade da tributação passa a incorporar outra conotação, decorrente do surgimento da teoria e da prática da tripartição de Poderes, em uma concepção na qual o Estado, antes uno, aparece necessariamente dividido, com três Poderes, exercentes de três funções: a de criar a lei, deferida ao Legislativo, a de aplicar a lei de ofício, entregue ao Executivo, e a de dirimir os conflitos em razão da aplicação da lei, cometida ao Judiciário. A partir 44 daí, o princípio da legalidade da tributação assume a conotação de norma feita pelo Poder Legislativo com caráter de prescrição impessoal, abstrata e obrigatória. O jus tributandi, antes função dos reis, é agora indeclinável função dos parlamentos. Ao Executivo restou a função de aplicar a lei tributária secundum legem, por meios de decretos, regulamentos, portarias e instruções. Outra conotação adquirida pelo princípio da legalidade é que as sociedades passam a exigir que a lei tributária seja prévia (lex proevia), de forma que as pessoas, ou seja, os contribuintes, possam conhecer, com antecedência, os seus encargos fiscais.43 O princípio da legalidade é considerado basilar na sistemática fiscal brasileira. Preocupou-se o legislador constitucional, no genérico contexto do artigo 5.°, caput, em transmitir cuidadoso imperativo de que a função do Estado esteja pautada em conformidade estreita do que prescrevem as normas tributárias.44 Neste contexto constitucional, deve-se observar que não há razão para se tolerar qualquer inovação no direito que não tenha sido disposta em lei, principalmente em matéria de direito tributário. Necessário ainda, a observância de que ainda existindo a lei, que nela sejam comtempladas outras diretivas constitucionais, substanciadas em princípios autênticos, tais como: o da anterioridade, irretroatividade, indelegabilidade de competências etc.45 O princício da legalidade como também chamado de princípio da tipicidade tributária,46 traçando estrita relação a qual se encontra expressa pelo artigo 97, do Código Tributário Nacional.47 43 O veículo introdutor da regra tributária no ordenamento há de ser sempre a lei (sentido lato), porém o princípio da estrita legalidade diz mais do que isso, estabelecendo a necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo os elementos descritivos do fato jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., pp. 166-7. 44 A carga semântica do princípio da legalidade, estatuída no precitado artigo, não é suficiente para especificar o rigor e a precisão necessários ao implemento dos atos de gestão tributária. Daí as outras equações jurídicas mediante as quais nosso legislador constitucional pretendeu cingir a atividade legislativa ordinária. Idem.Ibidem., p. 38. 45 No Direito Tributário a técnica da tipicidade atua não só sobre a hipótese da norma tributária material, como também sobre o seu mandamento. Objeto da tipificação são, portanto, os fatos e os efeitos, as situações jurídicas iniciais e as situações jurídicas finais. XAVIER, Alberto. Os princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1979, p. 73. 46 Temos notado a inobservância desse ditame, na experiência tributária brasileira: a) pela criação de deveres instrumentais ou formais, mediante decretos do Executivo ou outros que inovam a ordem jurídica, em contraste ao que determinam os arts. 153, § 2.°, 19, inciso I, e 153, § 29; b) pelo desenho incompleto de 45 O princípio da legalidade traduz sua influência por todas as províncias do direito positivo brasileiro, não sendo possível pensar no surgimento de direitos subjetivos e deveres correlatos sem que a lei os estipule. 48 Como o objetivo primordial do direito é normar a conduta, a diretriz da legalidade é a de uma norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos. Nenhum tributo será instituído, nem aumentado, a não ser por lei, equiparam-se à majoração do tributo as mudanças de base de cálculo que o tornem mais oneroso, a simples atualização monetária do débito, porém não caracteriza a majoração. Conforme previsto na Constituição de 1988, o princípio da legalidade da tributação exige lei em sentido formal (instrumento normativo proveniente do Poder Legislativo) e material (norma jurídica geral e impessoal, abstrata e obrigatória, clara, precisa, suficiente). A legalidade da tributação significa o povo se tributando a si próprio, ou seja, como o povo autorizando a tributação por meio de seus representantes eleitos para fazer leis, ficando o Poder Executivo, que cobra os tributos, a depender do Parlamento. A Constituição Federal vigente cria os tributos e dá competência aos parlamentos para instituí-los e alterá-los, desta forma, o princípio da legalidade tem como destinatários os poderes legislativos da União, dos Estados, incluído o certas figuras típicas, dando ensanchas a que o administrador público promova exigências não integralmente previstas ou implemente, segundo seu talante, a defeituosa e inacabada vontade da lei. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 48. 47 A ideia tipificante abomina o concurso da Administração e do Judiciário na estruturação da lei fiscal. Todavia, importa notar que a tarefa tipificante quando acentua o papel da lei, não significa que uma só lei tipifica o tributo. A tipicidade do tributo de suas espécies, dos impostos em particular, em face do nosso sistema constitucional congrega o concurso da Constituição das leis complementares e das leis ordinárias. O perfil típico de um tributo é normativo, para atingi-lo é necessário o amálgama de várias leis inclusive das isencionais. COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário Brasileiro. 10.ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 199. 48 Na primeira espécie se encaixam os conhecidos desdobramentos regulamentares, é dizer, as novidades desautorizadamente introduzidas pelo Poder Executivo, sempre que se lhe abrem possibilidades de regulamentar a lei, ou consolidar a legislação vigente, em nível de regulamento. A título de exemplo, podemos cogitar do discutido termo final para registro do livro caixa, de profissionais liberais, em termos de justificar deduções cedulares (D) acima de determinado limite. Sabido que a lei não fixou data-limite. No entanto, o atual Regulamento do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza estabelece que o livro há de ser registrado no período de base da incidência do imposto. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 49. 46 Distrito Federal, e dos Municípios. Pelo fundamento da tipicidade tributária só se tributa e altera tributo por lei.49 O princípio da legalidade consubstancia a garantia de que nenhum tributo será exigido ou aumentado sem lei que o estabeleça (artigo 150, I, da Constituição Federal Brasileira), o que vincula outro princípio, o da segurança jurídica.50 A ideia de justiça igualitária, decorre do princípio da igualdade na sua concepção material aliado ao princípio da legalidade, pois somente pode ser atingida através das leis, as quais representam a vontade dos cidadãos e o único instrumento apto a prevenir o arbítrio do poder.51 O Código Tributário Nacional normalmente utiliza a palavra lei em sentido estrito, ou seja, lei é a norma geral e abstrata editada pelo ente político competente, 49 Nullum tributum, nulla poena sine lege. Neste sentido, impende análise dos julgados das Cortes pátrias: I. Contribuição para o custeio do Seguro de Acidente do Trabalho (SAT): Lei n.º 7.787/89, art. 3.º, II; Lei n.º 8.212/91, art. 22, II: alegação no sentido de que são ofensivos ao art. 195, § 4.º c/c art. 154, I, da Constituição Federal: improcedência. Desnecessidade de observância da técnica da competência residual da União, CF, art. 154, I. Desnecessidade de lei complementar para a instituição da contribuição para o SAT. II. O art. 3.º, II, da Lei n.º 7.787/89, não é ofensivo ao princípio da igualdade, por isso que o art. 4º da mencionada Lei n.º 7.787/89 cuidou de tratar desigualmente aos desiguais. III. As Leis n.º 7.787/89, art. 3.º, II, e 8.212/91, art. 22, II, definem, satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer a obrigação tributária válida. O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de ‘atividade preponderante’ e ‘grau de risco leve, médio e grave’, não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, CF, art. 5.º, II, e da legalidade tributária, CF, art. 150, I. IV. Se o regulamento vai além do conteúdo da lei, a questão não é de inconstitucionalidade, mas de ilegalidade, matéria que não integra o contencioso constitucional. V. Recurso Extraordinário não conhecido. STF – RE 343.446-2/SC – Pleno; Rel. Min. Carlos Velloso; DJU 04/04/2003; p. 40. Nos termos da Lei n.º 5.966/73, as atividades exercidas pelo INMETRO possuem natureza tipicamente administrativa de poder de polícia. Tratando-se de atividade de poder de polícia, a cobrança se dá em caráter compulsório, caracterizando taxa, que deve ser criada por lei, em razão do princípio da legalidade inserto no art. 150, I, da CF/88. TRF 4.ª R. – AC 2001.71.00.002463-3/RS – 1.ª T.; Rel. Des. Fed. Luiz Carlos de Castro Lugon; DJU 29/01/2003; p. 239. Declarada a inconstitucionalidade do Provimento n.º 9/97, da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Mato Grosso, que dispunha sobre fixação e cobrança de emolumentos devidos pelos atos do serviço notarial e de registro público no Estado. Tendo em vista a orientação seguida pela jurisprudência do STF no sentido de reconhecer a natureza tributária das custas e emolumentos judiciais e extrajudiciais, o Tribunal reconheceu a ofensa ao princípio da reserva legal (CF, art. 150, I) e a invasão da competência suplementar conferida à Assembléia Legislativa estadual para a fixação de emolumentos (CF, art. 24, § 2.º: A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.). STF – ADIn 1.709 – MT – TP; Rel. Min. Maurício Corrêa; DJU 10/02/2000; Informativo nº 177; 16/02/2000; p. 1. 51 O princípio da legalidade no Estado de Direito não é já, pois, mera emanação de uma ideia de autoatribuição, de livre consentimento dos impostos; antes passa a ser encarado por uma nova perspectiva, segundo a qual a lei formal é o único meio possível de expressão da justiça material. Dito em outras palavras: o princípio da legalidade tributária é o instrumento – único e válido para o Estado de Direito – de revelação e garantia da justiça tributária. ICHIHARA, Yoshiaki. Direito Tributário: atualizado de acordo com as Emendas Constitucionais n.° 3, de 17/03/1993, n.° 10 de 04/03/1996 e n.° 12, de 15/08/19996. 7.ª ed., São Paulo: Editora Atlas, 1997, p. 55. 50 47 observando o processo exigido no artigo 59, da Constituição Federal de 1988. 52 A expressão legislação tributária, utilizada no artigo 96 do Código Tributário Nacional, por sua vez, compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes. Este princípio também é denominado de reserva legal 53 consiste em ser vedado à União, Estados, Distrito Federal e Municípios criar, diminuir ou aumentar tributo sem que existam leis que o estabeleça.54 Sendo possível, porém, a criação, o aumento ou a diminuição de tributos através de medidas provisórias, desde que sejam convertidas em lei no exercício anterior à sua vigência. O instrumento hábil para criar, majorar e revogar isenções é a lei ordinária, no entanto, a própria Constituição Federal brasileira assevera que a medida provisória prevista no § 2.º, do art. 62, com a alteração dada pela Emenda Constitucional n.° 32, pode instituir ou majorar impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, e somente produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.55 Importante ressaltar que o princípio da legalidade não tem sua aplicação limitada apenas à instituição e aumento dos tributos, sendo que o artigo 97, 56 do 52 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 59, o processo legislativo compreende a elaboração de: I emendas à Constituição; II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - resoluções. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. 53 Como limitação às fontes de criação jurídica, o nullum tributum sine lege significa, pois, que o tributo somente pode ganhar existência se estiver expressa e previamente indicado na lei, como ato próprio do Poder Legislativo. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Op. cit., p. 47. 54 No capítulo próprio, o artigo 150, inciso I, da atual Constituição proíbe aos entes públicos “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Na verdade, o que se proíbe com rigor terminológico - é a instituição ou aumento de tributo, sem prévia autorização legislativa. É a consagração da velha parêmia nullum tributum sine lege, de larguíssimo uso. DENARI, Zelmo. Curso de Direito Tributário. 9.ª ed., São Paulo: Editora Atlas, 2008, p. 71. 55 Os arts. 150, I e 5.°, II, da Constituição vigente, referem-se à legalidade, como princípio necessário à instituição e majoração de tributos, tanto do ponto de vista formal - ato próprio, emanado Poder Legislativo como do ponto de vista material, determinação conceitual específica, dada pela lei aos aspectos substanciais dos tributos, como hipótese material, espacial e temporal, consequências obrigacionais, como sujeição passiva e quantificação do dever tributário (alíquotas e bases de cálculo), além das sanções pecuniárias, dos deveres acessórios, da suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Op. cit., p. 47. 56 Código Tributário Nacional, art. 97, somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção; II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3.º do 48 Código Tributário Nacional, amplia essa aplicação, determinando que os elementos essenciais do tributo devem ser expressos em lei.57 A Constituição Federal de 1988 menciona com relação a este princípio, exceções no que tange à majoração das alíquotas dos impostos de importação (II), exportação (IE), sobre produtos industrializados (IPI), e sobre operações financeiras (IOF), os chamados impostos regulatórios, como o próprio nome indica, têm função regulatória de atividades econômicas, não visam simplesmente a arrecadação tributária, mas tem natureza extrafiscal, podem ser alterados por decreto do Executivo. A Constituição Federal atual, artigo 174, determina que deverá o decreto fundamentar-se no plano regulatório da economia. Assim, a segurança jurídica em sua dupla vertente certeza do direito e interdição da arbitrariedade58 deve repousar na moralidade institucional, na reserva da lei, na tipicidade e, principalmente, na legalidade das normas e atos jurídicos.59 Observa-se que a essência do princípio da legalidade tributária, é basilar de de qualquer Estado Democrático de Direito, e traduz não só a vedação da tributação sem lei, mas, acima de tudo, constitui numa segurança jurídica e social. artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. § 1.º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso. § 2.º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo. 57 As hipóteses de definição do fato gerador, fixação de alíquotas e base de cálculo, definição de infração e cominação das respectivas penalidades, inclusive exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários. Todas essas hipóteses devem ser precedidas de prévia autorização legislativa. DENARI, Zelmo. Op. cit., p. 72. 58 EHRENBERG, Victor Gabriel. Seguridad jurídica y seguridad del tráfico. Trad. Antonio Pau. Madrid: Fundación Beneficentia et Peritia Iuris, 2003; BUJANDA, Fernando Sainz de. Hacienda y derecho. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1963. v. 3, p. 330; GARCIA, González e VALCÁRCEL, Ernesto Lejeune. Derecho tributário. 2.ª ed., Salamanca: Plaza Universitária. v.1, p. 31. apud MARTINS, Ives Grandra da Silva. Limitações ao Poder Impositivo e Segurança Jurídica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 2005, p. 421. 59 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. Op. cit., p. 421. 49 1.1.3 Princípio da irretroatividade da lei tributária O princípio da irretroatividade da lei tributária deriva-se de outro princípio constitucional geral, disposto no artigo 5.°, XXXVI,60 da Constituição Federal brasileira, que impede a lei de prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Tal princípio é limitação ao poder estatal de elaborar e aplicar leis e outros atos normativos, instituídos em proteção ao cidadão. Tanto é assim que o artigo 150, III, da Constituição Federal de 1988, se refere à lei que instituir ou majorar tributos. A reduçãode tributos ou de penalidades, ou a sua extinção ou dispensa, estas podem ocorrer retroativamente, (v.g. remissão, anistia etc.), visto que tem natureza benéfica. Nesse sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, hoje cristalizado na Súmula n.° 654, que dispõe: “A garantia da irretroatividade da lei, prevista no artigo 5.°, XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado.” No plano histórico, insta realçar que o postulado tributário da irretroatividade transitou em quase todos os textos constitucionais domésticos, desde 1824, excluindo a Constituição Federal de 1937, que o omitiu. Com efeito, a Constituição do Império, à época, pode se abeberar do tema em fontes alienígenas, a saber, a Constituição Norte-americana de 1787, considerada o primeiro instrumento normativo a positivar o postulado da irretroatividade, como cânone constitucional.61 É possível assegurar que, com certo exclusivismo, as Constituições citadas a norte-americana e a brasileira, além das Constituições mexicana e norueguesa – hospedam o princípio da irretroatividade, dando-lhe status constitucional, com vistas à consolidação e à segurança das relações jurídicas.62 60 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 5.º, inciso XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; 61 SABBAG, Eduardo. Op. cit., p.144. 62 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. O princípio da irretroatividade da lei tributária. Revista Trimestral de Direito Público n.° 15, v.13/23, pp. 16-7. 50 O princípio da irretroatividade63 é regra no ordenamento jurídico brasileiro, a exceção é o retocesso da lei.64A finalidade primeira é evitar que a lei nova seja aplicada como elemento surpresa,65 em matéria tributária a aplicação da lei nova, que criou ou aumentou o tributo, não vai ser aplicada a fatos pretéritos. 66 A existência desta proteção decorre das tentativas do poder público de criar ou majorar tributos com incidência a fatos geradores pretéritos.67 Este princípio tem por objetivo proteger o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, sendo que se veda que sejam cobrados tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado, ou seja, somente é aplicado a fatos geradores futuros. A lei a ser aplicada é a da data da ocorrência do fato gerador, não podendo retroagir. Assim, a regra é que, quanto às leis em geral, não lhes é dado abranger o passado, alcançando situações pretéritas. Se existem atos a elas anteriores, estes devem ser regidos pela lei do tempo em que foram realizados. Importante ressaltar que o estudo do princípio da irretroatividade decorre, primordialmente, da concepção dinâmica do sistema jurídico. 63 O princípio vedativo da irretroatividade apanha qualquer espécie de regra jurídica, emane de qualquer autoridade estatal, ou ligada ao Estado. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a emenda n.º 1, de 1969. v. 5, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1974. apud ICHIHARA, Yoshiaki. Direito Tributário: atualizado de acordo com as Emendas Constitucionais n.º 3, de 17/03/1993, n.º 10, de 04/03/1996 e n.º 12, de 15/08/1996. Op. cit., p. 57. 64 As leis retroativas são consideradas censuráveis e indesejáveis porque fere nosso sentimento da justiça infligir uma sanção, especialmente uma punição, a um indivíduo por causa de uma ação ou omissão às quais o indivíduo não poderia saber que se vincularia tal sanção. KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 3.ª ed., São Paulo: Editora Martins Fontes, 1998, p. 61. 65 A ação do Fisco deve ser previsível, em nome dessa previsibilidade, a lei cria ou aumenta um tributo não pode alcançar fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor. Sem esse penhor de confiança, toda a vida jurídica do contribuinte perigaria. CARRAZZA, Roque Antonio. Vigência e aplicação das leis tributárias. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. Curso de direito tributário. 7.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 104. 66 Com relação a irretroatividade tributária o que a Constituição pretende, obviamente, é vedar a aplicação da lei nova, que criou ou aumentou o tributo, a fato pretérito, que, portanto, continua sendo não-gerador de tributo, ou permanece como gerador de menor tributo, segundo a lei da época de sua ocorrência. Lei tributária que eleja fatos do passado, como suporte fático da incidência de tributo antes não exigível (...) será insconstitucional, por ferir o princípio da irretroatividade da lei criadora ou majoradora do tributo. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 16.ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 118. 67 O fato histórico de que, apesar daquela garantia de ordem geral, não foram poucas as tentativas das entidades tributantes, em especial da União, de fazer incidir tributos sobre fatos passados, já consumados no tempo, debaixo de plexos normativos segundo os quais os administrados orientaram a direção de seus negócios. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 45. 51 Esta dinâmida do Direito traduz, em verdade, a continua transformação do sistema jurídico ao londo dos tempos, ou seja, o fenômeno da sucessão das normas. Assim, o sistema jurídico está em permanente mutação, com base nas mudanças de valores e ideologias da sociedade, em um determinado tempo e momento. Desta forma, a concepção dinâmica do sistema jurídico trata desde a criação das normas até a sua substituição por outras normas, conforme as propriedades do sistema. Nesse contexto, o referido princípio assume grande importância no seio da comunidade, haja vista que é o instrumento que assegura um mínimo de segurança a seus integrantes no que se refere à suas relações de intersubjetividade. Com efeito, considerando o aspecto dinâmico do sistema jurídico, o princípio da irretroatividade tem o escopo de guarnecer os cidadãos de mudanças abruptas da ordem jurídica, que quase sempre constituem verdadeiros abusos aos direitos fundamentais. Cabe ao referido princípio servir como instrumento de defesa do cidadão, principalmente nos casos em que há tendência à eleiminação da definitividade do mandato judicial, coisa julgada material, por parte do Fisco. Objetiva, portanto, resguardar a estabilidade das relações jurídicas, especialmente as jurídico-tributárias. Na retórica jusrisprudencial brasileira, encontra-se um emblemático voto do Ministro Relator Moreira Alves, proferido na ADIN n.° 493/DF, de 04-09-1992, em que se trava discussão acerca da existência de três graduações, por intensidade, de retroatividade: máxima, média e mínima. Sinteticamente, afirma-se que a retroatividade será máxima quando a lei retroagir para atingir coisa julgada ou fatos jurídicos consumados; será média, se a lei nova apenas atingir os direitos já existentes, mas ainda não integrados ao patrimônio do titular; será mínima, se a lei nova atingir apenas os efeitos dos fatos anteriores verificados após a sua edição.68 68 Neste sentido, voto do Ministro Relator Luiz Fux no Recurso Especial: É que o CTN, ao disciplinar a sistemática da retroatividade da lei mais benéfica, impôs aos demais entes federativos o respeito à disposição, interditando a lei ordinária conflitar com a lei complementar, como sói ser o CTN. Deveras, o CTN manda que seja aplicada a lei mais benéfica ao contribuinte em dispositivo assim redigido: "Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo 52 Frise-se, entretanto, que a Constituição brasileira repudia as três possbilidades. Na ordem jurídica brasileira, a lei nova é inábil a atingir os facta praeterita, os fatos realizados e os facta pendentia.69 O Superior Tribunal de Justiça tem firme jurisprudência no sentido da aplicação da lei mais benéfica ao contribuinte, consoante revelam os seguintes julgados: multa moratória prevista no artigo 35, da Lei n.º 8.212/91, com a nova redação dada pela Lei n.º 9.528/97 por se revelar mais benéfica ao devedor, nos termos do artigo 106, inciso II, letra "c", do Código Tributário Nacional; 70 multas aplicadas por infrações administrativas tributárias devem seguir o princípio da retroatividade da legislação mais benéfica vigente no momento da execução, por força da interpretação a ser dada aos arts. 106, inc. II, letra "c", em c/c o artigo 66, do Código Tributário Nacional, deve ser aplicada à infração, no momento da execução, o artigo 35, da Lei n.º 8.212/91, com a redação da Lei n.º 9.528/97, por se tratar de legislação mais benéfica.71 O princípio da irretroatividade conecta-se à própria ideia de Direito, trazendo à tona a segurança jurídica e as estabilidade dos direitos subjetivos da relação impositivo-tributária. Almeja-se um Estado de Direito atrelado à legalidade em prol da segurança jurídica, não se pode ignorar o fato de que tal lei deve ser sempre aplicada para o futuro. de sua prática." A ratio essendi da norma revela inequívoca intenção do legislador de não obtar a aplicação da lei mais benéfica, impedindo ao intérprete distinguir onde a lei não distingue. Imperioso destacar que se a lei determina que a multa pelo não recolhimento do tributo será menor do que a anteriormente aplicada, a novel disposição beneficia as empresas atingidas e por isso deve ter aplicação imediata, vedando-se, conferir à lei uma interpretação tão literal que conflite com as normas gerais, obstando a salutar retroatividade da lei mais benéfica. (Lex Mitior). Deveras, considerando que o CTN, por ter status de Lei Complementar, não distinguindo os casos de aplicabilidade da lei mais benéfica ao contribuinte, afasta-se a interpretação literal do artigo 35, da Lei n.º 8.212/91, que determina a redução do percentual alusivo à multa incidente pelo não recolhimento do tributo, no caso, de 60% para 40%. A redução aplica-se aos fatos futuros e pretéritos por força do princípio da retroatividade da lex mitior consagrado no artigo 106 do CTN. Isto posto, nego provimento ao Recurso Especial. Ministro Relator Luiz Fux no Recurso Especial n.º 476951 - RS (2002/0144217-0), de 19/05/2003. 69 SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 145. 70 REsp 331.006, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 05/11/2001. 71 REsp 266.676, Rel. Min. José Delgado, DJ de 05/03/2001. 53 A regra é a irretroatividade da lei fiscal, “salvo quando interpretativa ou para beneficiar, é princípio geral de direito do Direito”.72 No Brasil, observa-se, portanto, que o princípio da irretroatividade da lei, apesar do enunciado normativo de proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e a coisa julgada, não tem sido impedimento suficientemente forte para obstar certas iniciativas de entidades tributantes, em especial a União, no sentido de atingir fatos passados, já consumados no tempo, debaixo de plexos normativos segundos os quais os administradores orientam a direção de seus negócios. A partir destas experiências práticas, que marcaram o meio jurídico brasileiro, quando da instalação da Assembleia Nacional Constituinte, foi consignada outra prescrição explícita, dirigida às pretensões tributárias, surgindo então o princípio da irretroatividade da lei tributária como princípio atrelado à segurança jurídica. No que concerne à segurança jurídica da norma tributária, quanto à estabilidade temporal, se requer, além de outros aspectos, determinação objetiva quanto à frequência de exigibilidade dos tributos a cada exercício financeiro, por unicidade, renovação periódica, exigência provisória ou trato sucessivo; clara especificação quanto ao início da vigência das leis e tratamento da vacatio legis; a tipificação, tributo à tributo, incidência por incidência, do critério temporal da regra matriz de incidência, e, igualmente, toda a designação temporal dos atos ao longo dos procedimentos e processos de cobrança do tributo, a exemplo do lançamento, dos casos de extinção ou de suspensão da exigibilidade, inclusive quanto à decadência e prescrição, afora isenções, sanções aplicáveis ou obrigações formais. Desta forma, o direito propõe-se regular as relações no tempo tanto como proibição da retroatividade do não benigno73, quanto em relação àvigência para o futuro. COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 – Sistema tributário. 10.ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 319. 73 Interessante observar que esta formulação foi acolhida por constituições mais recentes e de influência lusófona. O art. 207 da Constituição de Moçambique, de 1990, prevê que “as leis só têm efeito retroactivos quando beneficiam os cidadãos e outras pessoas jurídicas”. De forma menos incisiva, tem-se o art. 96 da Constituição de Cabo Verde, de 1992, como segue: “A lei fiscal não tem efeito retroactivo, salvo se tiver conteúdo mais favorável para o contribuinte”. Para um exame dessas diferenciações. GOUVEIA, Jorge 72 54 Sobre o tema, busca-se com o princípio da segurança jurídica, proteger os cidadãos das constantes mutações jurídicas que ocorrem para o aperfeiçoamento do sistema normativo, vedando alterações inesperadas, que tornem instável a situação do cidadão, conferindo-lhe um mínimo de previsibilidade.74 O princípio da segurança jurídica é, assim, um princípio do Estado de Direito, assumindo valor inestimável no sistema jurídico e cabendo-lhe o papel diferenciado na realização da própria ideia de justiça material. Os princípios, da segurança jurídica e da irretroatividade, são preceitos universal, pois fazem parte da própria ideia do Direito. Com fundamento nestes princípios não pode o legislador, por razões políticas, elaborar leis com cláusulas expressas determinando sua aplicação retroativa. Assim, com amparo na segurança jurídica, para tornar induvidosa a desvalia de normas retroativas, galgou-se este princípio em norma da Lei Maior, segundo a qual é vedada a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da lei que os houver instituído ou aumentado. 1.1.4 O direito à ampla defesa e o devido processo legal É regra basilar do direito brasileiro que a lei assegurará aos acusados em processo judicial e administrativo a ampla defesa, com os recursos a ela inerentes (artigo 5.°, LV,75 da Constituição Federal de 1988). Entende-se, pelo referido Bacelar. A proibição da retroactividade da norma fiscal na Constituição portuguesa. In: CAMPOS, Diogo Leite de. Problemas fundamentais do direito tributário. Lisboa: Vislis, 1999, p. 39. 74 É sabido e ressabido que a ordem jurídica corresponde a um quadro normativo proposto precisamente para que as pessoas possam se orientar, sabendo, pois, de antemão, o que podem fazer, tendo em vista as ulteriores consequências imputáveis a seus atos. O Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da ‘segurança jurídica’, o qual, bem por isto, se não é o mais importante dentro todos os princípios gerais de Direito é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ª ed., São Paulo: Editora Malheiros, 2010, p.119. 75 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 5.º, inciso LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; 55 comando legal, que os acusados (sentido lato) terão instrumentos jurídicos compatíveis à satisfatória defesa de seus direitos, seja na esfera judicial ou administrativa. Considerado no ordenamento jurídico, o princípio maior, fundamental, o princípio do devido processo legal engloba, de certa maneira, os demais princípios processuais, a exemplo dos princípios do acesso à justiça, da ampla defesa e do contraditório. Pressuposto de qualquer Estado de Direito, é o princípio no qual se deve observar necessária e impreterivelmente a legalidade dos atos. Pode ser comparado ao due process of law do direito Norte Americano. Desta feita, é o inafastável princípio do direito processual que preceitua a proteção aos bens jurídicos que, direta ou indiretamente, se referem à vida, à liberdade e à propriedade. As origens do devido processo legal, enquanto princípio norteador da jurisdição, remontam à Magna Charta de João Sem Terra, de 1215, no sistema jurídico inglês, bem como ao Statute of Westminster of the Liberties of London, também conhecido como Lei de Eduardo III ou Lei Inglesa de 1354, também no sistema jurídico inglês. A Magna Charta de 1215 não fazia alusão expressa ao princípio de que ora se trata, conquanto o considerasse sob a ótica estrita, isto é, o devido processo legal processual.76 Além das leis inglesas já citadas, a história do princípio do devido processo legal alude a Constituições dos Estados americanos, anteriormente à Constituição Americana de 1787: Declaração dos Direitos da Virgínia, de 16 de agosto de 1776; Declaração de Delaware, de 02 de setembro de 1776; Declaração dos Direitos de Maryland, de 03 de novembro de 1776; Declaração dos Direitos da Carolina do Norte, de 14 de dezembro de 1776; Constituições dos Estados de Vermont, Massachusetts (25 de outubro de 1780) e New Hampshire (02 de junho de 1784); Constituição de Filadélfia. Com o mesmo significado que due process of law, até 76 COSTA, Wellington Soares da. O devido processo legal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n.º 92, set. 2011. Disponível em: <http://www.ambito juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura& artigo_id=10358. Pesquisado em 15/10/2013. 56 então utilizava-se a expressão law of the land, ou seja, direito da terra, garantindo aos cidadãos o direito a um justo processo legal. O princípio law of the land aparece pela primeira vez na Magna Charta de João Sem Terra, de 1215, em contraposição ao Roman Law (Direito Romano).77 No ordenamento jurídico brasileiro fica assegurado, ainda no artigo 5.°, LV da Costituição Federal, que o devido processo legal, é instrumento básico para preservar direitos e assegurar garantias, tornando concreta a busca da tutela jurisdicional ou a manifestação derradeira do Poder Público, em problemas de cunho administrativo. Torna-se clara no texto constitucional hodierno a equiparação entre os litigantes no processo judicial e no administrativo. 78 A título de exemplificação, tome-se um caso frequente nas lides administrativas, supõe-se que um auto de infração e notificação fiscal (esfera da União) seja lavrado sem que o agente capitule, com precisão, um delito que a Fazenda Pública atribui a responsabilidade ao contribuinte.79 Este, diante da falha omissiva, presume o motivo que induziu o funcionário e oferece artigos de impugnação à exigência, defendendose daquilo que lhe é imputado. As autoridades administrativas, tenuamente sustentadas nas regras dos arts. 59 a 61, do Decreto n.° 70.235/72, fazem prosseguir o feito, entendendo que não fora ferido ou preterido o direito de defesa. No mundo do direito, conforme exemplo acima citado, o ato administrativo sequer existiu, e o que não existe não pode ser válido nem eficaz.80 77 Idem.Ibidem. O jurista Paulo de Barros Carvalho divide em três tópicos o tema abordado: a) necessidade premente de encararmos os atos do procedimento como atos jurídico administrativos, do que advém a responsabilidade de identificá-los, na conformidade dos elementos que lhes são essenciais; b) a determinação imperiosa de prazos fatais para a celebração de atos e termos que cabem à iniciativa da entidade tributante, no fluir da discussão administrativa; c) intimação ou notificação dirigida e entregue, pessoalmente, ao interessado ou, na comprovada impossibilidade, promovida de maneira segura, para garantir a efetiva ciência do destinatário. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 45. 79 De feito, as leis tributárias não têm considerado os atos praticados no curso do procedimento, como autênticos atos administrativos. Na verdade, em obséquio ao procedimento, como um todo, o legislador tem relegado as unidades componentes a plano secundário. Nessa linha, um ato administrativo que nem sequer existe, à luz do direito, por não reunir, coalescentemente, os dados imprescindíveis à sua estruturação, passa a ser considerado até válido e eficaz, como se a validade e a eficácia não trouxessem como pressuposto a existência do ato. Idem.Ibidem., p. 45. 80 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. vol. IV. Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1954, pp. 6-7. 78 57 O princípio da ampla defesa e do contraditório são fundamento da garantia fundamental de justiça: o princípio da audiência bilateral, que encontra correspondência no velho brocardo romano audiatur et altera pars, sempre influente na esfera jurídica das pessoas, que a doutrina moderna o considera inerente à própria noção de processo. O postulado do devido processo legal, que anima a composição de litígios promovida pelo Judiciário, e que garante ampla liberdade às partes para exibir o teor da juridicidade e o fundamento da justiça das pretensões articuladas em Juízo, se aplica com ímpeto de princípio capital também nos procedimentos administrativos e, entre eles, os que ferem matéria tributária.81 Como consequência da ampla defesa e do devido processo legal é necessário que se dê ciência a cada litigante dos atos praticados no processo, efetivando-se o contraditório e possibilitando a ampla defesa. A ciência dos atos processuais pode ser dada, dependendo da espécie do ato, através da citação, da intimação e da notificação. Em decorrência de situações que findem com decisões desta natureza, tem sido sugerido pela doutrina, que o procedimento administrativo tributário seja estruturado com pleno, integral e irrestrito respeito às tradicionais teorias do ato administrativo. Somente desta forma, serão asseguradas a firmeza e robustez do referido procedimento, adquirindo-se equilíbrio e justiça, atributos que nos permitem falar em direito do sujeito passivo à ampla defesa e ao due process of law. 81 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 161. 58 1.1.5 Princípio que prestigia o direito de petição O direito de petição surge na Inglaterra, no período da Idade Média. É o right of petition que resultou das Revoluções Inglesas de 1628, especialmente, mas que já se havia insinuado na própria Magna Carta de 1215. Consolidou-se com a Revolução de 1689 com a Declaração dos Direitos (Bill of Rights) a qual previa a possibilidade dos súditos dirigirem suas petições ao rei.82 Em sua forma originária, o direito de petição foi, um Direito Privado, posteriormente, adquiriu em notórios textos de direito constitucional, um caráter público de garantia (right of petition). No Bill of Rights de 1689, quando o direito de petição apareceu formulado como um direito individual, a estrutura dos poderes não havia chegado à conformidade que adquiriu posteriormente, em especial, a partir do século XVIII, sobre a base de uma nítida distinção entre o Legislativo, Executivo e Judiciário. O rei era, simultaneamente, legislador, governante e juiz e toda outra forma de autoridade emanava do rei por delegação. Os exemplos de autoridade popular foram, ao largo da história, verdadeiros momentos de exceção até o século XVIII. O direito de petição se exercia, pois, originariamente, diante de quem reunia em si todas as faculdade de autoridade. Consistia, inicialmente, em simples direito de o Grande Conselho do Reino, depois o Parlamento, pedir ao Rei sanção das leis. Era hábito consagrado na Inglaterra, de promover encontros para debater e apresentar petições ao Parlamento, isto nos séculos XVIII e XIX. Nessa época, o interesse popular nos assuntos parlamentares crescera, estimulado talvez pela disseminação mais ampla dos jornais. Verifica-se também que a legislação restritiva daqueles períodos revelam que o Executivo estava bastante preocupado com as críticas ao governo.83 82 83 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. Op. cit., p. 387. ACCIOLI, Wilson. Instituições de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1981, p. 547. 59 Foi a partir do princípio da divisão dos poderes, que o direito de petição se desdobrou e assumiu características específicas de cada um desses poderes. Entretanto, não foi previsto na Declaração francesa de 1789. Veio a constar, enfim, das Constituições francesas de 1791 (§ 3.º do Título I : La liberté d’adresser aux autorités constituées des pétitions signées individuellement)e de 1793 (Declaração de Direitos, art. 32: Le droit de présenter des pétitions aux dépositaires de l’autorité publique ne peut, en aucun cas, être interdit, suspendu ni limite).84 Le Chapelier considerava distinta a “La plainte” e “La pétition”, no texto da Constituição francesa de 1791, a primeira correspondia a querela, ou seja, a reclamação de todo indivíduo cujo direito fosse preterido pela autoridade e, a segunda, somente referente aos cidadãos. Nesse sentido, posicionamento contrário teve Robespierre, que combateu esta distinção, entendendo que havia limitação ao direito de petição dos cidadãos e não dos indivíduos. Do mesmo modo, consagra a Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos “o direito do povo de dirigir petições ao governo para a reparação de suas lesões”.85 No ordenamento jurídico brasileiro, importante destacar que o direito de petição esteve presente nas diversas Constituições Brasileiras: na Constuição do Império de 1824, nas Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, Emenda Constitucional de 1969 e 1988.86 84 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. Op. cit., p. 387. ACCIOLI, Wilson. Op. cit., p. 556. 86 Constituição Brasileira do Império de 1824, art. 179, n.º 30 - Todo cidadão poderá apresentar, por escrito ao Poder Legislativo e ao Executivo, reclamações, queixas ou petições, e até expor qualquer infração da Constituição, requerendo perante a competente autoridade a efetiva responsabilidade dos infratores. Constituição do Brasil de 1891, art. 72, § 9.º - É permitido a quem quer que seja representar mediante petição, aos poderes públicos, denunciar abusos de autoridades e promover a responsabilidade dos culpados. Constituição do Brasil de 1934, art. 113, n.º 10 - É permitido a quem quer que seja representar, mediante petição, aos poderes públicos, denunciar abusos das autoridades e promover-lhes a responsabilidade. Constituição do Brasil de 1891, art. 113, n.º 35 - A lei assegurará o rápido andamento dos processos nas repartições públicas, a comunicação aos interessados dos despachos proferidos, assim como das informações a que estes se refiram, e a expedição das certidões requeridas para a defesa de direitos individuais, ou para esclarecimentos dos cidadãos acerca dos negócios públicos, ressalvados, quanto às últimas, os casos em que o interesse público imponha segredo ou reserva.) 85 60 Estabelecendo-se breve análise comparativa entre as referidas normas constitucionais, percebe-se que a Constituição do Império, de 1824, em seu texto, estabelecia limites ao direito de petição com relação aos cidadãos, o que de resto era compatível com a sociedade brasileira de então, dividida entre livres e escravos. Entretanto, a partir da Constituição de 1891 tal exercício foi ampliado, sendo assegurado a partir de então o direito de petição e de representação. Com exceção das Constituições de 1891 e de 1937, no tocante ao direito de obter certidões, , era expresso em disposição autônoma, como se vê das Constituições de 1934, art. 113, 35; 1946, § 36 ; 1967, § 34 e 1969, § 35. Tal direito era extensivo a qualquer poder público e às autoridades estaduais e municipais.87 O direito de petição assegurado no art. 5º , XXXIX da Constituição de 1988 é extensivo à defesa do interesse geral ou público. Já o direito de obtenção de certidões, para defesa de quaisquer direitos, é restrito à situação pessoal. A repartição que há de expedir a certidão não pode apreciar para este efeito a natureza do direito do requerente, mas pode exigir que se declare “qual o direito que se Constituição do Brasil de 1937, art. 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...) 7.º o direito de representação ou petição perante as autoridades, em defesa de direitos ou do interesse geral. Constituição do Brasil de 1946, art. 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 36 - A lei assegurará: I - o rápido andamento dos processos nas repartições públicas; II- a ciência aos interessados dos despachos e das informações a que eles se refiram; IIIa expedição de certidões requeridas para defesa de direito; IV- a expedição das certidões requeridas para esclarecimento de negócios administrativos, salvo se o interesse público impuser sigilo. § 37 - É assegurado a quem quer que seja o direito de representar, mediante petição dirigida aos poderes públicos, contra abusos de autoridades e promover a responsabilidade delas. Constituição do Brasil de 1967, art. 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. § 30 - É assegurado a qualquer pessoa o direito de representação e de petição aos Poderes Públicos, em defesa de direitos ou contra abusos de autoridade. § 34 - A lei assegurará a expedição de certidões requeridas às repartições administrativas para defesa de direitos e esclarecimento de situações. Emenda Constitucional de 1969, art. 153 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 30: É assegurado a qualquer pessoa o direito de representação e de petição aos Poderes Públicos, em defesa de direito ou contra abusos de autoridade. § 35: A lei assegurará a expedição de certidões requeridas às repartições administrativas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações. Constituição Federal de 1988, art. 5.º, inciso XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesses pessoal; 87 GUIMARÃES, Yeves José de Miranda. Comentários à Constituição. Direitos e Garantias Individuais e Coletivas. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1989, p. 57. 61 afirma, para que se saiba qual a matéria que interessa à afirmação e prova dele. A repartição não pode exigir que se declare qual a via que se vai tomar; a fortiori qual a ação”.88 O direito de petiçãoé “o direito que pertence a uma pessoa de invocar a atenção dos poderes públicos sobre uma questão ou uma situação”89, seja objetivando denunciar uma lesão concreta, e pedindo a reorientação da situação, seja para solicitar uma modificação do direito em vigor no sentido mais favorável à liberdade. Há nele, uma dimensão coletiva consistente na busca ou defesa de direitos ou interesses gerais da coletividade.90 Pode ser, pois, utilizado por pessoa física ou por pessoa jurídica; por indivíduo ou por grupos de indivíduos, por nacionais ou por estrangeiros. Mas não pode ser formulado pelas forças militares, como tal, o que não impede reconhecer aos membros das Forças Armadas ou das polícias militares o direito individual de petição, desde que sejam observadas as regras de hierarquia e disciplina. Pode ser dirigido a qualquer autoridade do Legislativo, do Executivo e do Judiciário.91 O referido princípio está vinculado ao direito de opinião, como liberdade individual. A faculdade de representar (right of petition) oriunda da prática inglesa, tem, pois, o caráter solene de garantia constitucional, sendo ainda mais ampla que a ação popular, uma vez que esta é prerrogativa do cidadão e aquela de qualquer pessoa, inclusive estrangeiros, distinguindo-se também ambos os institutos pelo fato de a ação popular invocar diretamente a atividade jurisdicional do Estado e o direito de petição, mediatamente acionando a autoridade superior àquela contra qual se representa e competente para lhe impor sanção, ou o próprio Ministério Público, a fim de iniciar a demanda pleiteada.92 88 Idem.Ibidem., p. 57. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. Op. cit., p. 387. 90 Idem.Ibidem., p. 387. 91 Idem.Ibidem., p. 388. 92 CUNHA, Fernando Whitaker da. O Sistema Constitucional Brasileiro. Editora Espaço Jurídico, 1996, p. 154 89 62 Deve-se destacar que o direito de petição não pode ser destituído de eficácia. Desta feita, não pode a autoridade a quem é dirigido escusar pronunciar-se sobre a petição, quer para acolhê-la, quer para desacolhê-la com a devida motivação. Na concepção de José Afonso da Silva, “a Constituição não prevê sanção à falta de resposta e pronunciamento da autoridade, mas parece certo que ela pode ser constrangida a isso via mandado de segurança, quer quando se nega expressamente a pronunciar-se quer quando se omite; para tanto, é preciso que fique bem claro que o peticionário esteja utilizando efetivamente o direito de petição, o que se caracteriza com maior certeza se for invocado o art. 5.º , XXXIV , “a”. Cabe , contudo, o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, quando a petição visar corrigir abuso, conforme disposto na Lei 4.898/65”.93 Em análise, hodiernamente, observa-se que na Europa e nos países desenvolvidos talvez não tenha tanta importância o referido princípio. No entanto, no países em desenvolvimento ou que sairam de um período nebuloso da ditadura e que estão construindo sua democracia o direito de petição é fundamental para exercícios de direitos, garantindo aos cidadãos, de forma coletiva ou individual, de peticionar perante os órgãos de soberania ou quaisquer autoridades, que devem responder em prazo razoável. No Brasil, o que se observa em várias repartições públicas, é um cerceamento ao exercício do direito de petição, sendo petições e documentos de todos os gêneros barrados ainda no balcão, por autoridade incompetente para a avaliação. Uma berração jurídica em desconexão total com o direito fundamental de acesso a um órgão. Em pleno século XXI a Medida Provisória n.° 232, editada pelo Executivo federal brasileiro em 2004, estabeleceu restrições ao direito de petição criando procedimentos e embaraços aos contribuintes para terem acesso ao Conselho de Contribuintes, criando uma categoria de contribuintes de segunda linha. Neste 93 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. Op. cit., p. 388. 63 aspecto, como garantia do direito do contribuinte é fundamental constar do presente trabalho a analise do direito de petição como extensão dos direitos fundamentais do cidadão. O direito de petição foi objeto de explícita referência por parte do legislador constitucional brasileiro, justamente no artigo 5.°, XXXIV, “a” e “b”. O legislador constitucional consagra na letra “a”, do inciso XXXIV, a garantia à interposição do pedido para a defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. A letra “b”, do mesmo inciso, alude ao pedido de expedição de certidões para defesa de direitos e esclarecimento de situação pessoal. Claras e objetivas são as referidas disposições do texto constitucional, no entanto, infelizmente depara-se com um sistemático processo de descumprimento das referidas disposições legais. São incomuns as notícias que se tem do concreto exercício desse direito tão raro, prático e eficiente na realidade jurídica brasileira. O que se vivencia na maioria das vezes, é a situação em que o agente encarregado do protocolo rejeita o pedido desentranhado, desvinculado do procedimento, aquele que traduza puramente um anseio particular, ou alguma solicitação de justiça para caso especial. É inaceitável e porque não afirmar deplorável assinalar tal situação, principalmente porque trata-se do direito de petição, que é uma das mais notável prerrogativas de um Estado democrático de Direito, e o meio jurídico quase nada tem feito por reabilitá-lo, devolvendo-lhe a força e o prestígio. Sobre as disposições impostas nas letras “a” e “b”, do inciso XXXIV, do artigo 5.°, vislumbra-se situações práticas no dia a dia do cidadão brasileiro. Quanto a primeira, não é raro ver prejudicada a iniciativa pelo parecer nem sempre judicioso e habilitado do próprio funcionário incumbido de receber a petição. No que se refere a segunda, é curioso lembrar que a Fazenda Federal nega certidão relativa ao imposto sobre a renda, caso o contribuinte tenha débitos do imposto sobre produtos industrializados, ou seja, o sujeito passivo nada deve a título de imposto sobre a renda, entretanto, por dever IPI, não se lhe dá certidão negativa de 64 IR. Resta-nos destacar duas entre outras centenas de situações corriqueiras que exemplificam de forma clara a abusividade, o que conside-se inconcebível em uma sociedade globalizada que vislumbra a igualdade social e as garantias individuais do cidadão que trabalha duro para construir o tão sonhado Estado Democrático de Direito. 1.1.6 O princípio federativo em matéria tributária No artigo 1.°, da Constituição Federal brasileira, está previsto o princípio constitucional o qual impede a cobrança de um mesmo tributo por duas entidades da Federação. Tal disposição nada mais é que uma evidente preocupação em proteger o contribuinte dos abusos e da volubilidade da Administração, garantindo-lhe um estatuto onde estará radicada a segurança jurídica. Na visão de Humberto Ávila, as limitações instituem restrições ao poder estatal, entretanto, precisam do seu próprio reconhecimento e intermediação para serem realizadas. Como exemplo, aduz que a efetividade das limitações depende de procedimentos e de instrumentos normativos secundários, estabelecidos pelo próprio Estado, que se verá limitado por eles. Assevera, ainda, que as limitações servem de oposição ao poder estatal, bem como para gerá-lo. Assim, o princípio democrático seria tanto instrumento de resistência ao poder estatal quanto meio de participação nele. Conclui, desta forma, que a limitação forma o poder que vai limitar.94 De acordo com Aliomar Baleeiro, o sistema tributário movimenta-se sob complexa aparelhagem de freios e amortecedores, que limitam excessos acaso detrimentosos à economia e à preservação do regime e dos direitos individuais. 95 94 95 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 4.ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2010, pp. 72-3. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Op. cit., p. 2. 65 Desta forma, a defesa do sistema constitucional tributário, do regime político adotado, assim como dos direito fundamentais é estabelecida por meio de um conjunto de limitações ao poder ativo de tributar. Tanto as imunidades quanto os princípios consagrados na Constituição Federal produzem o efeito de limitar o poder de tributar. Na concepção de Baleeiro, tais limitações são especializações dos direitos e garantias individuais, ou de outros princípios estruturais, como o princípio federativo, considerando-os cláusulas pétreas do sistema constitucional – imodificáveis por emenda, ou por revisão, uma vez que fazem parte do núcleo de normas irredutível prescritas no artigo 60, § 4.º, da Constituição.96 O princípio republicano vivifica em cada artigo da Constituição, irisando-o e fazendo-o portador de sua mensagem de respeito pelo povo e por seus sagrados interesses. E é fundamentalmente no exercício da tributação que a ideia de República deve predominar, para que, contra este mesmo povo, não se cometam injustiças e arbitrariedades. Também no domínio dos tributos devem ser excluídas quaisquer distinções de classe, de casta ou de índole meramente política.97 Deve ser enfatizado que nas Federações costuma haver absoluta igualdade jurídica — enquanto pessoas de direito público interno — entre os Estados federados e entre estes e a União. No Brasil, se verifica que a Constituição Federal de 1988, assevera sobre a igualdade jurídica entre União, Estados membros, Distrito Federal e municípios, desfrutando de autonomia constitucional e legislativa, observados, porém, os parâmetros fixados na própria Constituição da República.98 96 Idem.Ibidem., p.14. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. Op. cit., p. 62. 98 Atinemos ao princípio federativo, como ele se prestigia a autonomia recíproca dos Estados, sob a égide da Constituição Entretanto, dessa postura há de salientar a existência de um direito individual dos contribuintes, em termos de não sujeitar-se a exigências fiscais, simultaneamente formalizadas por duas unidades da Federação, por virtude do acontecimento de um único fato jurídico tributário. E é com base em considerações dessa natureza que podemos asseverar que os direitos e garantias individuais, cujas raízes estão solidamente fincadas no Texto Supremo, se propagam em múltiplos sentidos, aparecem sob aspectos diversificados e assumem proporções dessemelhantes, ao compasso da conjugação de normas que lhes determinam o surgimento. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. Op. cit., p. 63. 97 66 O princípio federativo é identificado também na leitura do artigo 60, § 4.°, inciso I, e artigo 150, VI,99 da Lei Magna, onde mais uma vez fica clara a vontade do legislador de resguardar a forma federativa do Estado e as segurança jurídica nas relações tributárias em proteção ao contribuinte.100 Ainda citando Baleeiro, por fim, entende que assim como outros princípios do sistema constitucional brasileiro, a forma federal de Estado é uma das grandes vertentes que gera “os desdobramentos específicos, limitativos do poder de tributar, e expressamente referidos na Constituição de 1988”101, uma vez que é o princípio federal que “norteia a distribuição de rendas e de poder tributário, positivamente conferido às pessoas estatais, como também dá sentido à imunidade recíproca, que lhes delimita a competência”.102 Assim, importante reafirmar a infringência de direitos e garantias individuais do contribuinte ou de terceiros, ligados à relação jurídico-tributária, sempre que desrespeitado for o princípio da Federação. Desta feita, constata-se pela norma ofertada pela Lei Maior, a garantia do contribuinte sob as vestes da proteção do princípio da Federação. 1.2 Princípios constitucionais tributários 99 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 60, a Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4.° - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; 100 O princípio federativo, inserido no artigo 1.°, da Constituição, está endereçado, inequivocamente, aos legisladores da União e dos Estados-membros. Contudo, não há como negar que enquanto expresse a autonomia recíproca das unidades federadas, sob o pálio da Lei Fundamental, representará fonte inesgotável de direitos e garantias individuais. A experiência brasileira nesse sentido, aliás, é bem sugestiva. Que de vezes, a União tem invadido as províncias da competência estadual, a pretexto de legislar sobre seus impostos privativos, em claro detrimento dos Estados e, em muitas oportunidades, arranhando o patrimônio jurídico dos próprios contribuintes? Cabe ao sujeito passivo, em ocasiões como essa, insurgir-se contra a exigência federal, sobre fundamento de que não fora respeitada a autonomia das unidades federadas, consagrada no artigo 1.°, da Constituição. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 41. 101 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Op. cit., p. 21. 102 Idem.Ibidem., p. 233. 67 1.2.1 O princípio da anterioridade tributária O princípio da anterioridade tributária é no ordenamento jurídico brasileiro considerado um instrumento constitucional de grande relevância, que tem por finalidade garantir o direito do contribuinte à segurança jurídica. Chamado também de princípio da não surpresa é considerado como uma normativa essencial à efetivação do Estado de Direito, em qualquer que seja a sua concepção. Torna-se importante assinalar, na linha do que tem destacado a Suprema Corte brasileira, que o princípio da anterioridade representa, em matéria tributária, “garantia individual do contribuinte”, oponível, por isso mesmo, a qualquer das entidades políticas investidas de competência impositiva. Assim, não se pode ignorar que o princípio da anterioridade das leis tributárias reflete, em seus aspectos essenciais, uma das expressões fundamentais em que se apóiam os direitos básicos proclamados em favor dos contribuintes. No Brasil, o princípio da anterioridade tributária está expresso no artigo 150, III, alíneas “b” e “c”, da Constituição Federal de 1988. Destaca-se como um postulado tipicamente tributário, cujos efeitos direcionam-se para a seara da tributação, seja ela federal, estadual, municipal ou distrital.103 Destaca-se, em tempo, que a alínea “b” referido artigo de lei sempre esteve presente no texto constitucional, enquanto que a alínea “c” foi inserida por mobilização da Emenda Constitucional n.° 42/2003.104 As quatro maneiras que o Direito recepciona e realiza o princípio da não surpresa, com a finalidade de materializá-lo juridicamente: a) pelo princípio da anualidade; b) pelo princípio de postergação genérica da eficácia das leis fiscais; c) pelo princípio de se fixar especificamente por tipo de tributo ou por espécie de 103 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. Op. cit., p. 175. Convergem direitos e garantias individuais, sendo certo que um ponto de arquifrequentes atritos, entre Fisco e contribuinte, reside no instante da ocorrência do fato jurídico tributário. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 50. 104 68 imposto, um lapso de tempo para que a lei produza efeitos que tenham eficácia, no caso das contribuições sociais devem respeitar o princípio nonagesimal (artigo 195, § 6.°, da CF/88); e, d) anterioridade da lei fiscal em relação ao exercício de sua cobrança, a lei que institui ou majora tributo num ano, só pode ser exigido no ano subsequente. Derivado do princípio da anualidade,105 que não mais existe no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da anterioridade consubstancia uma limitação constitucional do poder de tributar. Tendo em vista o disposto no artigo 60, § 4.°, IV, da Constituição Federal de 1988, que veda a edição de emendas constitucionais tendentes a abolir os direitos e garantias individuais, e considerando que o rol dos direitos e garantias individuais não se exaure no artigo 5.°, da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal tem arestos nos quais considera o princípio da anterioridade da lei tributária como integrante do chamado núcleo imodificável da Carta Magna. “O princípio da anterioridade da lei tributária – imune, até mesmo, ao próprio poder de reforma constitucional titularizado pelo Congresso Nacional (RTJ 151/755-756) – representa um dos direitos fundamentais mais relevantes outorgados ao universo dos contribuintes pela Carta da República, além de traduzir, na concreção do seu alcance, uma expressiva limitação ao poder impositivo do Estado. Por tal motivo, não constitui demasia insistir na asserção de que o princípio da anterioridade das leis tributárias – que se aplica, por inteiro, ao IPTU (RT 278/556) – reflete, em seus aspectos essenciais, uma das expressões fundamentais em que se apóiam os direitos básicos proclamados em favor dos contribuintes”.106 O princípio da anterioridade tributária avoca a análise da eficácia da lei tributária, o plano da eficácia da norma possui particularidades temporais que que 105 O princípio da anualidade estava na Constituição de 1946 (art. 141, § 34). Foi abolido pela Emenda Constitucional n.° 18, de 1965, e restaurado pela Constituição de 1967 (art. 150, § 28). Com a Emenda n.° 1, de 1969, o princípio foi mais uma vez abolido, e não obstante seja excelente instrumento de fortalecimento do Poder Legislativo, não foi restabelecido pela Constituição de 1988, que tem entre as suas virtudes precisamente o restabelecimento do prestígio do Congresso Nacional. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit. p. 86. 106 Pet. 1.466, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 25/8/1998, DJ de 2/9/1998, p. 33. 69 transmitem ao destinatário do tributo ondas de segurança jurídica, por meio das quais se saberá o que o aguarda, no plano da tributalidade, amplificando-lhe a confiança no Estado Fiscal.107 A noção de segurança jurídica alastra-se por todo o ordenamento jurídico brasileiro, em todas as direções, influenciando de maneira clara alguns postulados em matéria tributária. O princípio da anterioridade objetiva ratificar o princípio da segurança jurídica, evitando que o contribuinte se veja diante de inesperada cobrança tributária.108 Vê-se, dessarte, que o critério temporal das hipóteses de incidência tributária passa a ter, então, capital importância para se saber da constitucionalidade ou não de uma exigência. Percebe-se mais uma vez a relação, também, do princípio da anterioridade da lei com o princípio da segurança jurídica como mecanismo de proteção ao cidadão, no âmbito das relações jurídicas tributárias.109 Vale mencionar, que apesar de ser fruto de acerbadas críticas na esteira dos fundamentos científicos, a conhecida classificação dos fatos imponíveis, com base no aspecto temporal (fatos instantâneos, continuados e complexivos), desta forma, torna-se lícito asseverar que não resiste à primeira e elementar análise, pois todos os fatos (químicos, físicos, biológicos, históricos, sociais, jurídicos, etc.) são todos eles 107 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. Op. cit., p. 185. O princípio da anterioridade tributária é de fundo axiológico nascido da aspiração dos povos de conhecerem razoável antecedência o teor e o quantum dos tributos a que estariam sujeitos no futuro imediato, de modo a poderem planejar as suas atividades levando em conta os referenciais da lei. COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro: comentários à Constituição Federal e ao Código Tributário Nacional. Op. cit., p. 226. 109 Nesta esteira, jurisprudência firmada pelo Tribunal de Justiça do Ceará: I. O artigo 1.º da Resolução n.º 09, de 05/05/1992, do Senado Federal majorou a alíquota máxima do imposto sobre a transmissão de bens mortis causa para oito por cento, retroagindo a incidência da majoração do tributo para o dia 01/01/1992. II. O artigo 150 da Carta de Princípios erige limitações ao poder de tributar, dispondo, no seu inciso III, alínea a, que é vedada a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a Lei que os instituiu ou aumentou. Trata-se, portanto, de cláusula pétrea constitucional. III. Portanto, a instituição ou o aumento da carga tributária incidente sobre um determinado fato gerador somente pode viger para o exercício seguinte; IV. A cláusula de reserva de plenário, contida no artigo 97 da CF/1988, determina a competência do Tribunal Pleno, ou do Órgão Especial, do respectivo Tribunal para declarar a inconstitucionalidade de Lei ou de ato normativo do Poder Público. V. O acolhimento do incidente de inconstitucionalidade pelo órgão fracionário demanda a suspensão do julgamento recursal até que o órgão competente a declare ou não. TJCE; AC 469930-04.2000.8.06.0000/0; Segunda Câmara Cível; Rel. Des. Ademar Mendes Bezerra; DJCE 12/08/2010 108 70 instantâneos. Não há, portanto, fato que deixe de ocorrer em certa unidade de espaço e num preciso e determinado instante.110 Conquanto o texto constitucional brasileiro se reporta à expressão lei, o princípio da anterioridade da lei tributária aplica-se às normas em sentido amplo, incluindo as instruções normativas, que são normas complementares à legislação tributária, a teor do que preceitua o artigo 100, I,111 do Código Tributário Nacional. Este princípio vem estabelecido no artigo 150, inciso III, alínea ”b”, da Constituição Federal de 1988, sendo proibido aos entes públicos cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada lei que os instituiu ou aumentou, ou seja, o tributo instituído ou aumentado no curso de determinado exercício financeiro somente terá eficácia e poderá ser exigido, a partir do primeiro dia do exercício seguinte. É necessário, porém, prévia autorização orçamentária, ou seja, que o tributo esteja previsto na lei orçamentária para fins de cobrança no exercício seguinte.112 Entende-se, então, que se publica a lei em um ano, vigorando esta apenas no ano seguinte, com a finalidade de que a lei seja conhecida por todos previamente, e que não tome os contribuintes de surpresa. No direito positivo brasileiro, a aplicação do princípio da anterioridade da lei tributária é a regra, sendo exceção os tributos não sujeitos a tal princípio, nestes casos a própria Carta Magna, 110 A fórmula encontrada pela Constituição no que se refere às contribuições do artigo 195 poderia ser estendida às demais espécies tributarias conjugando-a sempre com a irretroatividade. Deste modo, em relação aos impostos cuja hipótese de incidência tivessem sua formação em um período de tempo, estabelecer-se-ia um prazo de vacacio legis, levando em conta o marco inicial da hipótese de incidência. Exemplificando: fixase um prazo de 120 dias para a entrada em vigor da lei tributaria. No caso do imposto de renda, estes 120 dias deveriam anteceder ao primeiro dia do período de apuração do lucro, no caso, o início do ano civil. Com isso, estar-se-iam facilitando a compreensão e a aplicação do principio da não surpresa, dificultando interpretações distorcidas que levam sempre a sua maculação. É bom lembrar que na PEC 175 de reforma tributária cujo relator é o Deputado Mussa Demes, foi inserida a previsão semelhante impondo além do princípio da anterioridade um prazo de noventa dias, a exemplo do que já ocorre com o artigo 196, § 6.°, da CF/88, que na prática significa que se uma lei que introduza ou aumente um tributo seja promulgada em 31/12/00, como geralmente ocorre, seus efeitos serão produzido a partir de 01/04/01. MANEIRA, Eduardo. Direito tributário – principio da não surpresa. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1994, p. 161. 111 Código Tributário Nacional, art. 100. são normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos: I – os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas; 112 O princípio da anterioridade expressa a ideia de que a lei tributária seja conhecida com antecedência, de modo que os contribuintes, pessoas naturais ou jurídicas, saibam com certeza e segurança a que tipo de gravame estarão sujeitos no futuro imediato, podendo dessa forma organizar e planejar seus negócios e atividades. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. Op. cit., p. 94. 71 objetivando dar maior flexibilidade a determinados tipos de impostos, que recebem a denominação de extrafiscais, podem ser alerados as alíquotas dentro dos limites estabelecidos pela lei (imposto de importação e exportação, imposto sobre produtos industrializados, imposto sobre operações de crédito, câmbio, seguros, títulos e valores mobiliários, art. 153, § 1.º, da Constituição Federal de 1988), e pela urgência da situação (empréstimos compulsórios em caso de guerra externa ou calamidade pública, art. 148, I, da Constituição Federal de 1988). O princípio da anterioridade nonagesimal,113 também conhecido anterioridade qualificada, previsto no art. 150, III, "c", da Constituição Federal vigente, estabelece que não haverá cobrança de tributo senão decorridos no mínimo 90 dias após a promulgação da lei que o instituiu. Assim sendo, um tributo só poderá ser cobrado pelo Fisco após 90 dias da publicação, no Diário Oficial da lei que o criou.114 Dessa regra, apenas excetuam-se as situações expressamente indicadas no Texto Constitucional, em seu artigo 159, § 1.°.115 Diversa também é a anterioridade das contribuições destinadas ao financiamento da seguridade social, arroladas no artigo 195, da Constituição Federal de 1988,116 as quais podem ser 113 A Emenda Constitucional n.° 42/2003, a chamada Reforma Tributária, inseriu a alínea c ao artigo 150, inciso III. 114 As contribuições sociais relacionadas com seguridade social – v.g., as contribuições devidas aos INSS e Funrural- poderão ser exigidas após vocatio legis de 90 dias contados da publicação da lei que as houver instituído ou modificado. DENARI, Zelmo. Op. cit., p. 74. 115 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 159, a União entregará: § 1.° - Para efeito de cálculo da entrega a ser efetuada de acordo com o previsto no inciso I, excluir-se-á a parcela da arrecadação do imposto de renda e proventos de qualquer natureza pertencente aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, nos termos do disposto nos arts. 157, I, e 158, I. 116 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 195, a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos. IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. § 1.° - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União. § 2.° - A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos. 72 exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação que as houver instituído ou aumentado, independentemente de tratar-se de novo exercício financeiro.117 São exceções ao princípio nonagesimal o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto de Importação (II), Imposto de Exportação (IE), Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), pela natureza extrafical desses impostos. Embora existam exceções, no geral esse princípio encerra uma das garantias fundamentais do contribuinte, associada igualmente ao princípio da segurança jurídica,118 na medida em que protege contra desembolsos surpreendentes, § 3.° - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. § 4.° - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I. § 5.° - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. § 6.° - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b". § 7.° - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. § 8.° O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. § 9.° As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. § 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos. § 11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei complementar. § 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas. § 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento. 117 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 168. 118 Segurança jurídica tributária significa a garantia dos contribuintes de serem tributados com a observação, por parte dos entes tributantes, de todos os princípios constitucionais tributários, especialmente os princípios da legalidade, da anterioridade, da irretroatividade da lei, da capacidade contributiva e da vedação de utilização do tributo com efeito de confisco, das normas constitucionais que distribuem competência tributária e das demais regras que compõem o estatuto dos contribuintes na Constituição da República, inclusive as normas que negam o poder de tributar, bem como o respeito, por parte do Fisco, da competência e hierarquia de normas do Sistema Tributário Brasileiro. Representa, sobretudo, o direito de os contribuintes serem, previamente, informados por lei de todos aspectos subjetivos e objetivos ou quantitativos dos tributos, de modo a que todos tenham condições de se preparar economicamente para arcá-los. SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Reforma tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. Reforma Tributária. São Paulo: Livraria do Advogado, 2004, p. 45. 73 tanto mais perversos quando impingidos a quem, de regra, não dispõe de recursos válidos para ocorrer a despesas eventuais.119 Segundo o princípio da anterioridade, a vigência da lei que institui ou aumenta tributo deve ficar protraída para o ano seguinte ao de sua publicação, momento em que o ato se insere no contexto comunicacional do direito. O princípio da anterioridade também deve ser observado na instituição de empréstimo compulsório, mas somente no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional. Todavia, nos casos de calamidade pública ou guerra externa, o empréstimo compulsório legalmente instituído terá eficácia imediata, sendo exceção ao referido princípio, tendo em vista a natureza emergencial da arrecadação a exação terá efeitos imediatos, tornando possível à cobrança de tributos, dada a urgência da situação a exigir imediatos recursos (art.148, I) Nota-se, portanto, que tais restrições impostas pela lei quanto ao poder limitado de tributação pelo ente estatal são comuns a grande maioria dos ordenamentos dos Estados Democráticos. Assim, visto que, a segurança jurídica é considerada o bem maior que o direito oferta ao homem em sociedade, e é também o bem mais incômodo à função confiscatória de todos os governos que entendem ser o tributo uma obrigação da sociedade. O princípio da anterioridade tributária é inequívoca garantia individual do contribuinte, implicando que a sua violação ocasionará irremissível vício de inconstitucionalidade. Com base nesta afirmação se fundamentou o Supremo Tribunal Federal quando, ao analisar o artigo 2.°, § 3.°, da Emenda Constitucional n.° 3, de 17/03/1993, que afastara o princípio da anterioridade tributária anual do antigo IPMF, entendeu que teria havido, com tal medida, uma violação à garantia individual do contribuinte.120 O princípio da anterioridade tributária tem por 119 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 5.ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 1346. 120 O princípio da anterioridade da lei tributária, além de constituir limitação ao poder impositivo do Estado, representa um dos direitos fundamentais mais importantes outorgados pela Carta da República ao universo dos contribuintes (...) O respeito incondicional aos princípios constitucionais evidencia-se como dever 74 finalidade essencial evitar que no curso do ano seja o contribuinte surpreendido com um ônus tributário a mais, a dificultar o desenvolvimento de suas atividades. Para o Supremo Tribunal Federal, o princípio da anterioridade da lei tributária representa um dos direitos fundamentais mais relevantes outorgados aos contribuintes pelo texto constitucional brasileiro. Além, é claro, de traduzir explicitamente na concretização do seu alcance, uma expressiva limitação ao poder impositivo do Estado. No Título II, do atual texto constitucional brasileiro, estão dispostos os direitos fundamentais, entretanto, existem outros pulverizados na referida Carta, cabendo a todos nós, cidadãos, identificá-los e interpretá-los. Nesse mister, encontram-se os direitos limitadores ao poder de tributar do Estado, dispostos nos arts. 150 a 152, do Título VI, despontando os princípios e as imunidades tributárias, e mais precisamente o princípio da anteriodidade tributária.121 O princípio da anterioridade tributária, apesar de constar do artigo 150, inciso III, alínea b, tem natureza de direito fundamental, não podendo ser excluído por emenda constitucional, e muito menos por uma lei ou qualquer outro ato normativo, como preceitua o artigo 60, parágrafo 4.º, inciso IV, da Constituição da República. Daí se assegura que, mostrando-se tal postulado como direito e garantia individual estará afastada qualquer tentativa de emenda constitucional tendente a enfraquecer este núcleo imodificável do texto constitucional, configurando-se como claúsula pétrea da Constituição da República brasileira. inderrogável do Poder Público. A ofensa do Estado a esses valores que desempenham, enquanto categorias fundamentais que são, um papel subordinante na própria configuração dos direitos individuais ou coletivos, introduz um perigoso fator de desequilíbrio sistêmico e rompe, por completo, a harmonia que deve presidir as relações sempre tão estruturalmente desiguais entre as pessoas e o Poder. Não posso desconhecer (...) que os princípios constitucionais tributários, sobre representarem importante conquista político-jurídica dos contribuintes, constituem expressão fundamental dos direitos outorgados, pelo ordenamento positivo, aos sujeitos passivos das obrigações fiscais. Desde que existam para impor limitações ao poder de tributar, esses postulados têm por destinatário exclusivo o poder estatal, que se submete, quaisquer que sejam os contribuintes, à impertividade de suas restrições. STF, ADI n.° 939-7, rel. Min. Sidney Sanches, j. 15-121993. 121 Os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem outros de caráter constitucional decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, desde que expressamente previstos no texto constitucional, mesmo que difusamente. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23.ª ed., São Paulo: Atlas, 2008, p.121. 75 No que tange a relação jurídico tributária no Brasil, o respeito incondicional aos princípios constitucionais evidencia-se como dever inderrogável do Poder Público. Portanto, a ofensa do Estado a esses valores - que desempenham, enquanto categorias fundamentais que são, um papel subordinante na própria configuração dos direitos individuais ou coletivos - introduz um perigoso fator de desequilíbrio sistêmico e rompe, por completo, a harmonia que deve presidir as relações, sempre tão estruturalmente desiguais, entre as pessoas, de um lado, leia-se contribuintes, e o Poder, de outro. Os princípios constitucionais tributários, nas relações de antagonismo entre o Fisco e os indivíduos, representarem importante conquista político-jurídica dos contribuintes. Na verdade, constituem expressão fundamental dos direitos outorgados, pelo ordenamento positivo, aos sujeitos passivos das obrigações fiscais. Vez que, existem para impor limitações ao poder de tributar, esses postulados têm por destinatário exclusivo o poder estatal, que se submete, quaisquer que sejam os contribuintes, à imperatividade de suas restrições. 1.2.2 Os princípios da competência privativa (impostos) e comum (taxas e contribuição de melhoria) das pessoas políticas de direito constitucional interno No ordenamento jurídico brasileiro preocupou-se o legislador constutucional em instituir as competências privativas para a criação de impostos, que estão dispostos nos arts. 155, I usque VI; 156, I usque III; 153, I usque VII, da Carta Magna.122 122 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; 76 II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; III - propriedade de veículos automotores. § 1.º O imposto previsto no inciso I: I - relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal II - relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal; III - terá competência para sua instituição regulada por lei complementar: a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior; b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior; IV - terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal; § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal; II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores; III - poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços; IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação; V - é facultado ao Senado Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros; VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais; Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade predial e territorial urbana; II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. § 1.° Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4.° , inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. § 2.° - O imposto previsto no inciso II: I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil; II - compete ao Município da situação do bem. § 3.° Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar: I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas; II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior. III - regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I - importação de produtos estrangeiros; II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III - renda e proventos de qualquer natureza; IV - produtos industrializados; V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; VI - propriedade territorial rural; 77 Já na disposição do artigo 145, incisos II e III,123 consignou o legislador o sistema da competência comum para a decretação de taxas e de contribuição de melhoria. A competência comum é conferida a União, os Estados, o Distrito Federal e aos Municípios para instituir e cobrar os tributos previstos nos artigos 77 (taxas) e 81 (contribuição de melhoria), ambos do Código Tributário Nacional. A referida competência é aquela atribuída a uma ou mais entidades políticas, evidentemente dentro das respectivas competências de atuação. Competência Privativa124 é a competência que a União possui para instituir e cobrar os impostos previstos no artigo 153, da Constituição Federal de 1988; 125 é VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar. § 1.° - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V. § 2.° - O imposto previsto no inciso III: I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei; § 3.° - O imposto previsto no inciso IV: I - será seletivo, em função da essencialidade do produto; II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; III - não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior. IV - terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na forma da lei. § 4.° O imposto previsto no inciso VI do caput: I - será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas; II - não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel; III - será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal. § 5.° - O ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial, sujeita-se exclusivamente à incidência do imposto de que trata o inciso V do "caput" deste artigo, devido na operação de origem; a alíquota mínima será de um por cento, assegurada a transferência do montante da arrecadação nos seguintes termos: I - trinta por cento para o Estado, o Distrito Federal ou o Território, conforme a origem; II - setenta por cento para o Município de origem. Art. 154. A União poderá instituir: I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição; 123 Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. § 1.° - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. § 2.° - As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos. 124 Também existe em relação aos tributos vinculados, pois a competência tributária de cada pessoa política é rígida, privativa e indelegável. A este propósito, as taxas e contribuição de melhoria só podem ser criadas pela pessoa política que: a) possuir competência administrativa para realizar a atuação estatal (que deve 78 também a competência que os Estados e o Distrito Federal possuem para instituir e cobrar os impostos previstos no artigo 155, da Constituição Federal de 1988; 126 e, por fim, é a competência que os municípios possuem para instituir e cobrar os impostos previstos no artigo 156, da Constituição Federal de 1988. 127A competência privativa é a atribuída específica e exclusivamente a um ente político, ou seja, “ocorre quando apenas uma pessoa política pode tributar determinado fato, excluindo-se a competência dos demais entes. Isso equivale dizer que também é excludente, uma vez que constitui uma obrigação negativa para as outras entidades, que não podem invadir aquela área própria e privativa do ente político beneficiado. Ressalte-se, que os serviços públicos, as diligências ensejadas dos atos de polícia e as obras públicas devem estar dentro da faixa de atribuições (da competência administrativa) da pessoa política que instituir os tributos vinculados (taxas e contribuições de melhoria). Estabelece a Constitução Federal que as taxas e, também, a contribuição de melhoria haverão de ter bases de cálculos diferentes daquelas empregadas para compor o arquétipo dos impostos. Fica claro, portanto, a distinção dos impostos estabelecida no texto constitucional brasileiro, conforme explicita o artigo 154, I, ou seja, dois impostos são distintos sempre que tiverem hipóteses de incidência e bases de cálculo diferentes. Neste caso a competência é da União e chamado de competência residual. O que se espera é a eliminação de procedimentos abusivos os quais tem tolhido de forma explícita os princípios constitucionais, no que diz respeito ao relevante plano da tripartição de competências entre as pessoas políticas. consistir, no caso das taxas, na prestação de um serviço público ou no exercício do poder de polícia, e, no caso da contribuição de melhoria, na realização de uma obra pública, que valoriza os imóveis a ela adjacentes) b) tiver regulado, por meio de lei, tal atuação; c) tiver realmente atuado ou, no caso das taxas de serviço e de polícia, estiver em condições materiais de fazê-lo, assim que recolhido o gravame. A falta de um destes três requisitos, o tributo vinculado não pode validamente surgir e ser exigido. CARRAZZA, Roque Antônio. Op. cit., p. 359. 125 Imposto de Importação, Imposto de Exportação, Imposto sobre a Renda, Imposto sobre Produtos Industrializados, Imposto sobre Operações Financeiras e Imposto sobre a Propriedade Rural. 126 Imposto sobre a Transmissão de Bens Causa Mortis e Doação, Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor e Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviço. 127 Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana, Imposto sobre Serviço e Imposto sobre Transmissão de Bens Intervivos. 79 Diante de uma política de garantia e respeito ao contribuinte, tais providências certamente efetivariam os direitos e garantias individuais, diante dos princípios da competência privativa e exclusiva (impostos, empréstimos compulsórios e contribuições sociais) e comum (taxas e contribuição de melhoria). 1.2.3 O princípio da seletividade Seletivo é aquilo que seleciona, imposto seletivo é aquele que seleciona, ou discrimina, onerando diferentemente os objetos sobre os quais incide. Seleciona os bens tributáveis, em razão de certos critérios. Dizer-se que um imposto é seletivo é apenas dizer que ele incide de forma diferente sobre objetos tributados. A razão dessa incidência diferenciada é o que denomina-se critério da seletividade. A seletividade está intimamente ligada ao que se tem denominado função extrafiscal do imposto. Como é sabido, os impostos podem ter natureza fiscal, vale dizer, função arrecadatória de recursos financeiros, e função extrafiscal, ou função de intervenção na economia. Dessa técnica onerando diferentemente os fatos tributáveis, o imposto exerce notável função extrafiscal.128 O princípio da seletividade visa orientar sobre a necessidade de um tributo recair sobre os bens na razão inversa de sua necessidade para o consumo da população.Ser seletivo implica ter alíquotas diferenciadas, sendo que o critério para tal seletividade é o grau de essencialidade do produto/serviço. O referido princípio interfere na política socioeconômica, com o intuito de desestimular o consumo de mercadorias supérfluas por meio da aplicação de maiores alíquotas e tornar as mercadorias essenciais acessíveis a todos, aplicandolhes menores alíquotas ou até mesmo isentando-as. 128 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., pp. 111-2. 80 Considerada uma técnica muito antiga a seletividade já aparecia no segundo império persa, de 226 a 627 da era cristã, deu-se uma reforma cujos pontos mais importantes foram a medição das terras objetivando uma mais justa arrecadação do imposto territorial e a reforma tributária, tendo como elemento central um imposto territorial com alíquotas graduadas segundo as distintas espécies de cultivo.129 Esteve presente como forma de atuação do denominado Estado intervencionista. Predominava na Ciência das Finanças Públicas com instrumento de justiça fiscal.130 A Constituição Federal de 1988 no sentido de instituir um sistema tributário que buscasse a justiça fiscal, preconizou alguns princípios fundamentais da justiça tributária, dentre eles o da seletividade. Nos termos da Constituição Federal brasileira vigente, este princípio é obrigatório para o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e facultativo para o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Comunicação e Transporte Interestadual e Intermunicipal (ICMS), conforme dispõe os artigos 153, IV, 3.° e 155, II, 2.°, ambos da Constituição Federal.131 A razão de da seletividade obrigatória do IPI e facultativa do ICMS decorre de que o ICMS é um imposto muito mais abrangente que o IPI, abrange inúmeros produtos, o que tornaria impossível ser obrigatoriamente seletivo ou seja: ter aliquotas obrigatoriamente diferenciadas. 129 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Op. cit., p. 689. Afirmar que só a despesa tem função social é incorrer em erro. O tributo é um excelente instrumento de justiça social, na medida em que permite distribuir com justiça os encargos da manutenção do Estado, e a história da tributação revela haver nesta escalada em busca da justiça na distribuição desses encargos. DEODATO, Alberto. Manual de Ciência das Finanças, 19.ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 1983. apud MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 112. 131 A Constituição não asseverou que o imposto poderá ser seletivo, e que essa seletividade poderá ser de acordo com a essencialidade das mercadorias e serviços. Não. Se o tivesse feito, tratar-se-ia de norma tola, porquanto todo imposto pode, em princípio, ser seletivo, de acordo com qualquer critério, inclusive a essencialidade do bem tributado. Na verdade o ICMS poderá ser seletivo. Se o for, porém, essa seletividade deverá ocorrer de acordo com a essencialidade das mercadorias e serviços, e não de acordo com critérios outros, principalmente se inteiramente contrários ao preconizado pela Constituição. Em outros termos, a Constituição facultou aos Estados a criação de um imposto proporcional, que representaria ônus de percentual idêntico para todos os produtos e serviços por ele alcançados, ou a criação desse mesmo imposto com caráter seletivo, opção que, se adotada, deverá guiar-se obrigatoriamente pela essencialidade dos produtos e serviços tributados. A seletividade é facultativa. O critério da seletividade é obrigatório. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. A Tributação da Energia Elétrica e a Seletividade do ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário. n.º 62, São Paulo: Dialética, nov./2000, p. 113. 130 81 Este princípio visa assegurar avançada técnica de incidência tributária, permitindo à administração aplicar alíquotas inversamente proporcionais à essencialidade dos produtos.132Ou seja, se for um produto essencial, diminui-se o valor do imposto, se não for de interesse (consumo supérfluo), o valor do imposto será aumentado. Trata-se de um mecanismo de alíquotas seletivas, a seletividade há de ser instituída com o objetivo de diversificação das alíquotas. Preconiza a Constituição Federal de 1988 que a seletividade tem um objetivo determinado, que é estabelecer o ônus tributário tendo em vista a necessidade a ser atendida pelo produto tributado, assim os produtos mais necessários são menos onerados em menor proporção, ou não sejam onerados pelo imposto. Este princípio pretende traduzir o entendimento de que, a tributação nestes impostos pode ser seletiva, como forma de alcançar com alíquotas mais elevadas os produtos e serviços suntuosos, de luxo ou supérfluos, como forma de coibir o consumo exacerbado de determinados produtos e de tributar outros somente consumidos pela população de maior poder aquisitivo. O critério a ser seguido baseia-se no fato de que os produtos mais essênciais devem ser tributados mais levemente, ou não devem ser tributados. Os produtos menos essenciais devem ser mais tributados, na medida em que forem supérfluos, ou menos necessários. Torna-se tarefa impossível dissociar a união de idéias que existem entre a seletividade e a capacidade coontributiva. Fato é que o constituinte preocupou-se com o contribuinte de fato que paga o tributo. Considerando-se que ser seletivo é tornar mais acessível produtos de primeira necessidade a quem realmente precisa deles, não se pode negar que essa é uma das importantes facetas da capacidade contributiva e quiçá, da dignidade da pessoa humana. Em outra análise, a seletividade pertence ao núcleo do princípio da igualdade, como verdadeira proteção estatal ao ser humano, concretizada pelo 132 DENARI, Zelmo. Op. cit., p. 76. 82 Direito Tributário e pela coerência sistemática na interpretação constitucional. Isso se dá em razão da utilização da seletividade do imposto em função da essencialidade do produto, ou seja, quanto maior a essencialidade do produto para o indivíduo ou para a pessoa jurídica, menor deverá ser a imposição tributária sobre o bem ou serviço. O critério é a essencialidade que aquele bem ou serviço tem na vida humana ou na manutenção da pessoa jurídica, daí se estabelece que o comportamento a ser adotado pelo legislador é justamente a adoção de conduta adequada para o fim de promover a igualdade, adotando tributação regressiva em função da importância que daquele bem para a concretização da dignidade humana, da livre iniciativa, da redução de desigualdades e outros valores constitucionais. 1.2.4 O princípio da vedação de tributos com efeito de confisco O instituto do confisco, de previsão milenar, figurou nas narrativas históricas de vários povos, desde o período de Roma Antiga até os tempos hodiernos. Em breve análise histórica, durante a passagem de séculos, constata-se que o confisco esteve vinculado à alto grau de evolução, ligando-se a diferentes contextos fáticos em determinados lapsos temporais, dentre eles pode-se citar, às guerras,ao tenso convívio entre a burguesia e os reis, à crescente proteção da propriedade particular contra a apropriação estatal. Impende salientar, que a ideia de vedação ao confisco surgiu paralelamente à concepção de legalidade, colocando-se ambas como limites ao poder de destruir 83 do Estado que tributa.133 Percebe-se, portanto, que na modernidade este postulado representa a síntese de conquistas históricas em matéria fiscal, denotando mais uma forma de limitar o poder de tributar do Estado Fiscal. No Brasil do Império, sob a égide das Ordenações Filipinas, o confisco era legítimo, mas com um viés punitivo, em face dos crimes de lesa-majestade,134 sem cogitação tributária. No século XIX, o Decreto publicado em 21 de maio de 1821, ao proibir tomar-se a qualquer coisa alguma contra a sua vontade, e sem indenização,foi considerado o primeiro documento legislado no Brasil a respeito do princípio que veda o confisco. A expressa proibição do confisco não constava expressamente nos textos constitucionais anteriores do ordenamento jurídico brasileiro, pois o confisco atenta contra o direito de propriedade e da segurança jurídica. Assim, a tributação jamais poderia ter conotação confiscatória, inclusive sob pena de descaracterizar a natureza tributária e ingressar no campo da punição ou da penalidade. Não se pode deixar de registrar que, ausente a expressa previsão da proibição do confisco nos textos constitucionais anteriores, este se fez garantido de forma implícita, a reboque do direito de propriedade.135 133 Nesse sentido, já no século XVIII, Montesquieu advertia: Não há nada que a sabedoria e a prudência devam regular tão bem quanto a porção que se tira e a porção que se deixa aos súditos. MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das leis. Brasília: Editora UNB, 2008, p. 221. 134 FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. v. 5., São Paulo: Editora Saraiva, 1989, p. 319. 135 A evolução do não-confisco no constitucionalismo brasileiro pode ser assim resumida: 1. Constituição de 1824 (artigo 179, n.° 20): o texto constitucional do Império, ainda que calcado em disposição protetiva – (...) não haverá em caso algum confiscação de bens, (...) foi idealizado por representantes da aristocracia rural, os mais interessados em coibir o confisco de bens, que surgia com inequívoca ideia de penalização, como resultado da prática de um ato ilegal; 2. Constituição de 1934 (artigo113, n.° 29): à semelhança da previsão constante da Carta anterior, o confisco continua sendo vedado, agora em dispositivo igualmente proibitivo de outras situações,v.g., pena de morte, pena de banimento e de caráter perpétuo. Frise-se que, a Carta Magna de 1934, estabeleceu-se,pela primeira vez, a indicação de parâmetros objetivos para a caracterização do efeito de confisco na tributação, conforme se lê no artigo 185: Nenhum imposto poderá se elevado além de vinte por cento do seu valor ao tempo do aumento; 3. Constituição de 1946 (artigo 141, § 31): seguindo a trilha da proibição do confisco, da Carta Política pretérita, este texto, continuando a associar confisco à apropriação de bens, trouxe a possibilidade de sequestro e perdimento de bens nos casos de enriquecimento ilícito na função pública; 4. Constituição de 1967 (artigo 150, § 11) e Emenda Constitucional n.° 1/69 (artigo 153, §§ 11 e 12): acabou por reproduzir a ideia do texto precedente, com pequenas alterações; 5. Emenda Constitucional n.° 11/78 (artigo 153, § 11): afastou o vocábulo “confisco” do dispositivo anterior, que tratava da proibição da pena de morte, banimento e de caráter perpétuo. SABBAG, Eduardo. Op. cit., pp.189-90. 84 Pode-se concluir que o princípio do não confisco faz parte da tradição constitucional brasileira, ainda que sua vertente tributária tenha despontado, com maior ênfase, no texto constitucional de 1934. De difícil configuração, não em relação à ideia de confisco, mas em relação à definição do conceito, na delimitação da ideia, como limite a partir do qual foi inserida a vedação do artigo 150, IV,136 da atual Constituição Federal Brasileira.137 É bastante sólida a conceituação doutrinária do vocábulo a partir da ideia de apreensão da propriedade pelo Estado sem que se ofereça ao destinatário da invasão patrimonial a compensação ou indenização correspectivas.138 É nesse sentido que o interesse público autoriza a tomada da propriedade do particular via tributação, mas indeniza-lhe a perda. E somente quando essa – nebulosa – reciprocidade estiver quebrada, atingir-se-á o efeito de confisco.139 Confisco tributário consiste em uma ação do Estado, empreendida pela utilização do tributo, a qual retira a totalidade ou parcela considerável da propriedade do cidadão contribuinte, sem qualquer retribuição econômica ou 136 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 150, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: IV - utilizar tributo com efeito de confisco; 137 É difícil o entendimento do que seja um tributo com efeito de confisco, a respeito da palavra confisco leciona De Plácido e Silva: Confisco ou confiscação, é vocábulo que se deriva do latim confiscatio, de confiscare, tendo sentido e ato pelo qual se apreendem e se adjudicam ao fisco bens pertencentes a outrem, por ato administrativo ou por sentença judiciária, fundados em lei. Em regra, pois, o confisco indica uma punição. Quer isto dizer que sua imposição, ou decretação, decorre da evidência de crimes ou contravenções praticados por uma pessoa, em virtude do que, além de outras sanções, impõe a lei a perda de todos ou parte dos bens em seu poder, em proveito do erário público. Por esta forma, o confisco ou confiscação pode ser total ou parcial. Total ou geral quando abrange todo o patrimônio do condenado; parcial, quando somente incide sobre uma certa porção de bens. O confisco se efetiva preliminarmente pela apreensão ou pelo sequestro. Mas, não pode ser tomado por nenhuma destas medidas judiciárias. Ele é em verdade, o ato de adjudicação dos bens ao patrimônio do Estado, em virtude de determinação legal ou qualquer outro que o autorize. Em matéria fiscal, o confisco indica o ato de apreensão de mercadoria contrabandeada ou que seja posta no comércio em contravenção às leis fiscais. Dá-se a apreensão, e o poder público a confisca para cobrar-se dos impostos e das multas devidas. Mesmo neste caso, embora não se adjudique ao erário a soma de mercadorias apreendidas, adjudica-se o seu preço, isto é, o seu valor. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 12.ª, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1993, p. 505. 138 En general, la confiscación evoca uma acción mediante la cual el Estado priva de manera forzada a um individuo de bienes de su propriedad, sin que medie indemnización alguna. No cabe la menor duda que la confiscación, junto com las penas corporales, es una de las formas más graves em las que el Estado puede incidir em la esfera jurídico-subjetiva de los ciudadanos, de suerte que sin mayores análisis podemos anticipar que su uso es muy excepcional y debe estar, em cualquier caso, detalladamente reglado y limitado por la Constituición y ningún supuesto y ninguno de sus aspectos, librado a la discrecionalidad administrativa. PITTALUGA, Luis Fraga. Op. cit., p. 61. 139 GOLDSCHIMIDT, Fabio Brum.O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, pp. 46-54. 85 financeira por tal ato.140 É proibida a utilização de tributos com efeito de confisco, visando não se desestimular a tributação. O conceito de confisco tem aparecido, de maneira geral, como absorção da propriedade particular pelo Estado, sem justa indenização. No plano tributário, todavia, o confisco aparece como um tributo inconstitucional. Dessarte, quando a Constituição proíbe a tributação com efeito de confisco (art. 150, IV), o que está a dizer é que a propriedade privada, ao mesmo tempo que fornece o substrato por excelência para a imposição fiscal, exibe a barreira contra o tributo no seu contorno máximo, e que, por isso, para fins dessa proteção constitucional, são confiscatórios os tributos que absorvem parte considerável do valor da propriedade, aniquilam a empresas ou impedem o exercício de atividade lícita e moral.141 O efeito confiscatório do tributo não deve ser avaliado através de um exame da carga tributária representada por cada tributo isoladamente,142 mas pelo somatório de todos os tributos que oneram uma mesma realidade.143 Pretende-se com esse princípio evitar as taxações altas sobre os tributos, onde ensejam sombras de efeitos confiscatórios.144 Nota-se que a problemática se estabelece em afirmar ou não a ocorrência de confisco na análise de cada um dos casos concretos. Para tanto, a depender do fato 140 Confisco tributário consiste em uma ação do Estado, empreendida pela utilização do tributo, a qual retira a totalidade ou parcela considerável da propriedade do cidadão contribuinte, sem qualquer retribuição econômica ou financeira por tal ato. CASTILHO, Paulo César Baria de. Confisco tributário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 39. 141 LIMA NETO, Manoel Cavalcante de. Direitos fundamentais dos contribuintes. Recife: Editora Nossa Livraria, 2005, pp. 230-1. 142 Nesse sentido leciona o Supremo Tribunal Federal: (...) a identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público. Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo – resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal – afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte. STF, Pleno, ADInMC 2010/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 30/9/1999, v.u., DJ de 12/4/2002, p. 51. 143 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Código Tributário Nacional: anotações à Constituição, ao Código Tributário Nacional e às leis complementares 87/1996 e 116/2003. Op. cit., p. 41. 144 (...) el principio de no confiscatoriedad constituye un limite a la progressividad del sistema, siendo la idea de justicia la que debe marcar la frontera entre lo progresivo y ló confiscatório. VIDAL MARÍN, Tomas. Op. cit., p. 130. 86 tributado, da natureza do tributo (direto ou indireto), da forma de incidência, etc., os percentuais considerados confiscatórios podem mudar. Isso não significa, porém, que a vedação não possa ser invocada.145 A vedação constitucional ao confisco tributário nada mais representa que a proibição de qualquer aspiração estatal tendente a levar, na seara da tributação, à injusta apropriação pelo Estado do patrimônio ou das rendas dos contribuintes, de forma a comprometer-lhes, em razão da insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou, também, a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas. Importante destacar que se afere o efeito confiscatório do tributo em função da carga tributária em conjunto, com a verificação da capacidade do contribuinte, considerando a totalidade de sua riqueza, para suportar a incidência de todos os tributos que deverá pagar, dentro de determinado lapso temporal. Não se pode deixar de mencionar, neste estudo do confisco tributário, a relação desse instituto jurídico com o princípio da proporcionalidade, que surge como um limite a ser seguido. Não deixando de se avocar como parâmetro, quando necessário, o princípio da razoabilidade. Neste sentido, o princípio do não-confisco se nos parece mais como um princípio de razoabilidade na tributação.146 Tributar é atividade sujeita à legalidade e, pois, à razoabilidade. O confisco é atividade à margem da lei.147 145 Caberá ao Poder Judiciário, em cada caso concreto, avaliar a sua pertinência. Conforme consignou o Min. Sepúlveda Pertence: (...) esse problema da vedação de tributos confiscatórios que a jurisprudência do Tribunal estende às multas gera, às vezes, uma certa dificuldade de identificação do ponto a partir de quando passa a ser confiscatório. Recorda-me, no caso, o célebre acórdão do Ministro Aliomar Baleeiro, o primeiro no qual o Tribunal declarou a inconstitucionalidade de um decreto-lei, por não se compreender no âmbito da segurança nacional. Dizia o notável Juiz desta Corte que ele não sabia o que era segurança nacional;certamente sabia o que não era: assim, batom de mulher ou, o que era o caso, locação comercial. Também não sei a que altura um tributo ou uma multa se torna confiscatório; mas uma multa de duas vezes o valor do tributo, por mero retardamento de sua satisfação, ou de cinco vezes, em caso de sonegação, certamente sei que é confiscatório e desproporcional. ADI 551/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 24/10/2002, v.u., DJ de 14/2/2003, p.58. 146 O Supremo Tribunal Federal já se posicionou quanto à este tema, entendendo que a ação do Estado deve ser regrada pelo princípio da razoabilidade: (...) O Poder Público, especialmente em sede de tributação (...), não pode agir imoderadamente,pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade. ADIMC n.° 2.010/DF, STF, com julgamento em 30-09-1999. 147 Quando o tributo excede a capacidade contributiva relativa ou subjetiva, passa a ser confiscatório: (...) neste sentido, o princípio do não-confisco se nos parece mais como um princípio de razoabilidade na tributação. Tributar é atividade sujeita à legalidade e, pois, à razoabilidade. O confisco é atividade à margem 87 É evidente o aumento indiscriminado da carga tributária no Brasil, e esta deve estar uniforme com as limitações constitucionais ao poder de tributar, ou seja, os princípios tributários, dentre eles, de forma expressa e representativa, o princípio que veda a confiscabilidade tributária. Apesar da dificuldade encontrada para se conceituar o efeito de confisco, a nota principal repousa na simples advertência ao legislador dos tributos, no sentido de comunicar-lhes que existe limite para a carga tributária, somente isso.148 Este princípio pode encontrar exceção na cobrança do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo quando não cumprida a função social da propriedade, como dispõe o artigo 182, § 4.°, inciso II, 149 da Constituição Federal de 1988. Mesmo na previsão da alíquota progressiva do IPTU, a progressividade não poderá chegar aos limites do confisco. O ordenamento jurídico venezuelano trata o princípio da vedação de tributos com efeito de confisco como garantia ao direito de propriedade e ainda dispõe, que toda pessoa tenha direito ao uso, gozo, desfruto e disposição de seus bens. Mas ao mesmo tempo, a mesma norma aponta que a propriedade estará submetida à contribuições, restrições e obrigações que estabeleçam a lei com fins de utilidade pública ou de interesse geral.150 Nota-se, portanto, que há uma relação entre o não confisco e o princípio da capacidade econômica (contributiva), observando-se que o limite constitucional se estabelece ao resultado da imposição, posto que o que se proíbe não é o confisco, mas justamente que a imposição tenha alcance confiscatório. da lei. COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro: comentários à Constituição Federal e ao Código Tributário Nacional. Op. cit., p. 149. 148 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 118. 149 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 182, a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. § 4.° - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; 150 PITTALUGA, Luis Fraga. Op. cit., p. 63. 88 1.2.5 O princípio da liberdade ao tráfego de pessoas ou bens É vedada a estipulação de tributos interestaduais e intermunicipais, visando à garantia do livre tráfego de pessoas ou bens. A proibição imposta no artigo 150, V, da Constituição Federal Brasileira, é a instituição de tributo em cuja hipótese de incidência seja elemento essencial à transposição das fronteiras do Estado, ou do Município.151 Registra-se que a origem mais remota deste princípio no sistema tributário brasileiro está na época da Regência de Dom Pedro, momento em que se definiu o primeiro orçamento brasileiro, visando imunizar o comércio entre as províncias. “No Império, contudo, criou-se o imposto interprovincial; na República, apesar da vedação constitucional, algumas práticas contornaram o obstáculo”.152 Não obstante, cumpre destacar, que este princípio também encontra respaldo nas garantias constitucionais referentes ao direito de locomoção e ao direito de propriedade, respectivamente estabelecidos nos incisos XV e XXII, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988. Vale ressaltar que o tráfego de pessoas e bens, nos âmbitos interestadual e intermunicipal, será protegido por regra de imunidade, sob a égide do princípio da liberdade ao tráfego de pessoas ou bens, que é uma decorrência natural da unidade econômica e política do território nacional.153 Insta mencionar que o princípio da ilimitabilidade ao tráfego de pessoas e bens não almeja obstar, de modo absoluto, a exigência de impostos sobre a circulação de bens ou pessoas em operações interestaduais ou intermunicipais. Não 151 O que a Constituição veda é o tributo que onere o tráfego interestadual ou intermunicipal de pessoas ou bens; o gravame tributário seria uma forma de limitar esse tráfego. Em última análise, o que está em causa é a liberdade de locomoção (de pessoas ou bens), mais do que a não-discriminação de bens ou pessoas, a pretexto de irem para outra localidade ou de lá virem; ademais, prestigiam-se a liberdade de comércio e o princípio federativo. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. Op. cit., pp. 145-6. 152 Idem.Ibidem., p.145. 153 HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e tributário. 19.ª ed., São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 296. 89 é essa a inteligência do postulado, porquanto quer ele, em verdade, coibir a instituição de tributo que contenha hipótese de incidência lastreada, como seu elemento fundante, na transposição de fronteiras interestaduais ou intermunicipal.154 O referido dispositivo constitucional não proíbe a cobrança de impostos em operações de circulação de mercadorias de um Estado para outro, ou de um Município para outro, desde que tal cobrança não tenha como pressuposto de fato indispensável à transposição das fronteiras. É permitida a cobrança de imposto em circulação interestadual de mercadorias, todavia, desde que também incida o referido imposto na circulação interna.155 Já se teve oportunidade de afirmar, a propósito, que o disposto no artigo 20, III, da Constituição de 1967, com redação que lhe deu a Emenda n.° 1, de 1969, e artigo 9.°, III, do Código Tributário Nacional, não significa devam ser as operações interestaduais imunes a qualquer tributação. O que não pode haver é agravamento do ônus tributário pelo fato de ser interestadual, ou intermunicipal, a operação.156 Esse princípio encontra exceção apenas em relação a cobrança de pedágios, mas apenas quando utilizados para a conservação de vias pelo Poder Público. Sabendo que pedágio não é tributo, não é preço público, não é tarifa. Pedágio é pedágio. O inciso, V, do artigo 150, da Constituição Federal de 1988, não adentra na discussão a respeito da natureza jurídica do pedágio, no entanto, é devido em função da prestação de um serviço público específico e divisível, está inserido no Capítulo da Constituição dedicado ao Sistema Tributário Nacional, e especificamente entre as limitações ao Poder de Tributar, teria uma natureza de taxa, posição já superada no Supremo Tribunal Federal.157 154 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 43. O princípio não impede a cobrança de impostos sobre a circulação de mercadorias em operações interestaduais e intermunicipais, expressamente prevista na própria Lei Maior nem afasta a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público. O que se quer ver é o tributo que tenha como hipótese de incidência o tráfego intermunicipal ou interestadual de pessoas ou bens, o ir e vir dentro do território nacional. CHIMENTI, Ricardo Cunha. Direito Tributário – Sinopses Jurídicas. 13.ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 28. 156 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 151. 157 STF, 2.ª T., RE 181.475/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 4/5/1999, v.u., DJ de 25/6/1999, p. 28. 155 90 1.2.6 O princípio da uniformidade geográfica A uniformidade da tributação é princípio amparado pela Constituição Federal Brasileira, no artigo 151, I, II e III.158 Esse princípio impõe limites à União, que não pode implementar tributos desiguais pelo país, pois estaria ferindo o princípio da isonomia. Se traduz na determinação imperativa de que os tributos instituídos pela União sejam uniformes em todo o território nacional.159 Tal princípio visa que não ocorra nenhuma eventualidade de qualquer distinção ou preferência relativamente a um Estado, a um Município ou ao Distrito Federal em prejuízo dos demais. Somente é permitindo a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País.160 Faz referência, a todos os tributos, entre os quais estão os impostos, são impostos federais, artigo 153, da Constituição Federal de 1988: Imposto de Importação, Imposto de Exportação, Imposto sobre Produtos Industrializados, Imposto sobre Operações Financeiras, Imposto sobre a Renda, Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, Imposto sobre Grandes Fortunas, Imposto Extraordinário de Guerra (artigo 154, II, da Constituição Federal de 1988) e os Impostos Residuais (artigo 154, I, da Constituição Federal de 1988). 158 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 151, é vedado à União: I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País; II - tributar a renda das obrigações da dívida pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como a remuneração e os proventos dos respectivos agentes públicos, em níveis superiores aos que fixar para suas obrigações e para seus agentes; III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. 159 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., pp.118-9. 160 A preservação da unidade nacional recomenda que a União não distinga entre os que habitam o território brasileiro, em razão do Estado ou do Município a que se vinculam. Do contrário, a diferença de tratamento, ao privilegiar alguns em detrimento de outros, gerará forçosamente a discórdia e as dissidências que animarão propósitos secessionistas. FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira, emenda constitucional n.º 1, de 17-10-69. São Paulo: Editora Saraiva, 1975. v.1. apud ICHIHARA, Yoshiaki. Direito Tributário: atualizado de acordo com as Emendas Constitucionais n.º 3, de 17/03/1993, n.º 10, de 04/03/1996 e n.º 12, de 15/08/1996. 7.ª ed., São Paulo: Editora Atlas, 1997, pp. 58-9. 91 Assim, o tributo federal deve conter a mesma alíquota em toda a extensão territorial do país, por essa é a razão pela qual o princípio da uniformidade é também chamado de princípio de postulado da defesa da identidade de alíquotas.161 Em termos práticos, no caso de aumento de alíquotas de tributos federais, essa majoração deverá incidir em todo o Brasil, o contrário, estar-se-á ferindo o princípio constitucional da uniformidade tributária, corolário do princípio do federalismo de equilíbrio,162 vigente em nosso território, como núcleo imodificável, comumente apelidado de cláusula pétrea(artigo 60, § 4.°, I, da Constituição Federal de 1988).163 Dessa feita, fica claro que o princípio da uniformidade não derroga o princípio federativo, pelo contrário, corrobora-o. Percebe-se, portanto, que o disposto legal nada tem a ver com os incentivos fiscais, política hoje amplamente empregada para o desenvolvimento de várias regiões no Brasil. 161 Esse princípio decorre da unidade política do Estado Federal Brasileiro, que faz que o território nacional se apresente como um todo do ponto de vista econômico. Uniformidade de tributo federal não significa que possa haver discriminações, isto é, que todos devem pagar exatamente igual. O que o referido princípio veda é a discriminação de tributo federal em virtude do lugar da ocorrência do fato gerador. Isto quer dizer, por exemplo, que o imposto sobre a renda, que incide sobre os ganhos de capital, deve ser o mesmo no Estado de São Paulo, no Estado do Paraná e em outros, em termos de base de cálculo e alíquota. Entretanto, a Carta Política de 1988, ao contrário das anteriores, ressalva a outorga de incentivos fiscais destinados a promover o desenvolvimento socioeconômico integrado do território nacional como um todo. HARADA, Kiyoshi. Op. cit., p. 296. 162 O federalismo de equilíbrio busca estabelecer mecanismos que mantenham o delicado equilíbrio dos entes federados, a partir de políticas de incentivos fiscais, redistribuição de rendas, sendo: 1) Rigidez constitucional: o pacto federativo está alicerçado em uma constituição rígida, cujo processo de modificação é mais severo do que o previsto para a alteração das normas infraconstitucionais. 2) Poder constituinte derivado decorrente: a autonomia conferida aos Estados-membros de uma federação é materializada na prerrogativa conferida a estes de elaborarem suas próprias constituições. Em assim agindo, os princípios estruturantes da constituição federal, pelo princípio da simetria das formas, devem ser observados pelas ordens estaduais. 3) Indissolubilidade do pacto federativo: característica basilar dos Estados federados é a indissolubilidade do pacto federativo, a inexistência do direito de secessão pelos Estados-membros. 4) Representação dos Estados-membros: a federação apresenta como um dos seus requisitos a participação da vontade dos Estadosmembros na elaboração das normas gerais, base sobre a qual se estruturou o Poder Legislativo bicameral. De um lado tem-se uma casa representativa da vontade popular, de outro lado uma casa representativa da vontade dos entes federados. 5) Tribunal constitucional: a manutenção do pacto federalista pressupõe a existência de um tribunal constitucional, encarregado de dizer o direito quando houver dúvida acerca das competências de determinado ente federado ou mesmo em caso de violação da forma federativa. O Estado Federal é aquele que possui mais de um governo, vale dizer, aquele que se compõe de mais de uma organização política, todas elas politicamente autônomas em consonância com a própria Constituição. Em razão disso, no Estado Federal a autonomia dos governos locais (Estados-membros, Distrito Federal e, no Brasil, Municípios) está a salvo das incursões do governo central (União), tendo em vista que a autonomia dos entes federados está assegurada pela própria Magna Carta. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 2.ª ed., Salvador: Editora JusPodivm, 2008, p. 802. 163 SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 230. 92 O que existe, todavia, a título de exceção, é a possibilidade de a União conceder incentivos fiscais para promover o equilíbrio entre as regiões, será possível que os tributos federais tenham alíquotas diferenciadas, v.g., Manaus, recebeu incentivos fiscais para a instalação da Zona Franca, buscando promover certo equilíbrio entre aquela região e as demais. Não se pode deixar de registrar que qualquer tipo de benesse fiscal tem a natureza da discriminação, porquanto toda tentativa de igualizar os iguais, na relativização da isonomia, provocará uma desigualação entre estes iguais e outros, porventura, desiguais. Se há um intuito de promover uma determinada região com a concessão de incentivos fiscais, a fim de que atraia vultuosos investimentos e o fluxo de grandes empresas, tal benesse não se torna factível para aquela empresa, que até gostaria de para lá migrar, porém não possui recursos bastantes para financiar o deslocamento necessários.164 Daí se dizer que o incentivo fiscal igualiza as grandes investidoras, todavia as desiguala perante as pequenas empresas. É o paradoxo do incentivo fiscal: incentiva, igualizando, de um lado; discrimina, desigualando, de outro.165 Ainda neste sentido, é vedado também à União tributar a renda das obrigações da dívida pública estadual ou municipal e os proventos dos agentes dos Estados e Municípios, em níveis ou percentagens superiores ao adotado pela própria União. Tal restrição também se estende à incidência de impostos sobre os rendimentos e proventos dos servidores, em níveis superiores ou desiguais, seja em razão da função, ou pelo simples fato de serem servidores municipais, estaduais ou federais. De certa forma, tal proibição de tributação federal discriminatória já se encontra prevista no inciso I, do artigo 151, da Constituição Federal de 1988. O legislador constituinte originário quis deixar bem clara a vedação à União que, 164 O artigo 151, I, dispõe sobre a uniformidade dos tributos federais em todo o território nacional e admite a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País. Esta exceção à uniformidade tributária em razão de diferenciações regionais é a dos chamados incentivos fiscais geográficos. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 14.ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 1995, pp.126-7. 165 SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 231. 93 dispondo de poderosa arma arrecadatória – o imposto sobre a renda -, poderia dele se valer para criar situações vantajosas no convidativo campo dos títulos da dívida pública ou mesmo na seleção de servidores públicos.166 Dispõe o inciso III, do artigo 150, da Constituição Federal vigente, que veda à União a concessão de isenção de tributos que refogem a seu plano de competência tributária. Em termos simples, quer-se proibir que a União venha atuar em seara de competência alheia, o que lhe é defeso em virtude da privatividade que demarca a competência tributária, quer na vertente de instituição do tributo quer na de sua exoneração.167 Trata-se de mais uma garantia que visa guarnecer o pacto federativo quando impede a interferência de entes maiores no plano de arrecadação dos menores, colocando em perigo sua autonomia. A uniformização das normas e conceitos tributários visa evitar guerra fiscal entre Estados ou entre Municípios, o que acarretaria tratamento desigual entre seus habitantes. 1.2.7 O princípio da reserva da lei para concessão de isenção, anistia ou remissão Conforme definição disposta no Dicionário Jurídico 168, o princípio da legalidade é originário do Direito Administrativo, o qual é definido como critério que informa toda a conduta da administração pública, no sentido de fazê-la subordinar imperativamente à lei e ao ordenamento jurídico. 166 Como o contribuinte do imposto de renda é a pessoa que a aufere, teve o constituinte o cuidado de vedar a tributação, pela União, das rendas auferidas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em níveis superiores ao da tributação da renda paga por ela própria. É um reconhecimento de que, em face do fenômeno da repercussão, o tributo terminaria por atingir as próprias pessoas jurídicas pagadoras da renda tributável. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 290. 167 O inciso III, do artigo 150: (...) impede que a União isente de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. Essa regra também tem apenas o mérito de eliminar controvérsias, eis que na verdade bastaria o silêncio constitucional, posto que competente para isentar é o titular da competência para tributar. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., pp. 290-1. 168 SIDOU, José Maria Othon. Dicionário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 231. 94 Na atualidade, na busca do bem comum, o Estado vemexercendo suas funções de forma centralizada. Assim, a moderna estrutura estatal é responsável, dentre outras atribuições, pelo monopólio da criação das leis, da aplicação do jus puniendi, da defesa dos cidadãos contra eventuais ataques de outros Estados soberanos e, principalmente, da cobrança de tributos para a arrecadação de recursos necessários à manutenção das atividades desenvolvidas pelo ente estatal nos campos social e econômico. Mister destacar, que necessária e justa se torna a cobrança de benefícios provenientes do Estado, entretanto, esta não pode ser aplicada ao livre arbítrio do Administrador Público, sob pena de incorrer em evidente irregularidade, a qual poderia resultar na cessação do Estado de Direito e consequentemente na total falência das instituições públicas existentes e do próprio direito objetivo. Sob esse aspecto o princípio da reserva legal vem consagrar a garantia que se abriga no conceito de Estado de Direito de que o particular não pode estar à disposição do ente goverante, o qual num ato arbitrário, poderia, a seu critério, confiscar-lhe o patrimônio ou alterar regras de cobrança de tributos. Hodiernamente, muitos são os países democráticos que acolhem no bojo de suas Constituições, o princípio da legalidade, dentre alguns podemos citar: Alemanha (art. 9º), Aústria (art. 64), Cabo Verde (art. 59, h), Suécia (art. 4.º), Costa Rica (art. 121). No ordenamento jurídico brasileiro, o referido princípio aparece de forma expressa desde a promulgação da primeira Constituição, ainda nos tempos do Império(art. 171). E daí em diante, continuou sendo acolhidos nos textos constitucionais pátrios de 1891 (art. 72, § 30), de 1934 (art. 17, VII), de 1937 (art. 13), de 1946 (art. 141, § 34), de 1967 (artigos 20, I e 150, § 2.º e 29), também na Emenda Constitucional n.º 1/1969 (artigos 19, I e 153, § 2.º e 29), e por fim, na Constituição Federal de 1988 (artigos 5.º, II - termos gerais do princípio da legalidade) e 150, I (legalidade tributária). 95 Quanto à origem histórica do princípio da reserva legal, o doutrinador Sacha Calmon situa sua origem nas manifestações dos súditos ingleses no reinado de João-sem-terra, no século XI (1215), que originou a primeira Constituição escrita no mundo ocidental moderno.169 A Constituição de 1967, com a Emenda Constitucional n.° 1, de 1969, em seu artigo 19, § 2.°, fazia disposição contrária ao que dispõe o artigo 151, inciso III, da Constituição Federal de 1988, autorizando a União a conceder, desde que por lei complementar, isenções de tributos estaduais e municipais. Surgiram, entretanto, questionamentos quanto ao que ocorreria com as isenções concedidas validamente sob o regime constitucional anterior, à luz da nova ordem constitucional que os proíbe. Para solucionar essa questão intertemporal deve ser invocado o artigo 41, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Carta de 1988, segundo o qual tais isenções deveriam ser ratificadas por lei estadual ou municipal, conforme o caso, sob pena de desaparecerem em dois anos170 contados da promulgação da Constituição Federal de 1988.171 Ficou ressalvado pelo mesmo artigo 41, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ACDT), o direito adquirido daqueles que estivessem no gozo de tais isenções em virtude do atendimento de condições específicas, e por prazo determinado, hipótese na qual a isenção deve ser reconhecida até o término do prazo pelo qual fora originalmente concedida. Exurge este princípio que somente a lei do ente tributante pode conceder isenção, anistia ou remissão, sendo proibida a interferência na competência tributária de outros entes (art. 159 § 6.°).172 De acordo com a norma constitucional, a União não pode mais interferir. 169 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Sistema Tributário Nacional. 3.ª ed., Editora Forense, 1992, p. 227. As isenções e incentivos previstos em legislação federal e relativos a tributos estaduais, do Distrito Federal e dos municípios vigoraram por dois anos ou até a vigência de legislação local em contrário” (STF, 2.ª T., RE 211728/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 28/11/2000, v.u., DJ de 4/5/2001, p. 36). 171 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Código Tributário Nacional: anotações à Constituição, ao Código Tributário Nacional e às leis complementares 87/1996 e 116/2003. Op. cit., pp. 60-1. 172 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 150, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: 170 96 Assim, em função da importante repercussão que têm os tributos no seio do patrimônio dos administradores, se entende que a criação ou modificação dos mesmos, deve ser realizada por aqueles a quem os cidadãos de um Estado de Direito delegam as faculdades de criação de leis, a fim de se protegerem de interferências arbitrárias e não permitidas pelos governantes que podem afetar sua propriedade.173 Desta feita, o princípio da reserva legal é instrumento garantidor da segurança jurídica essencial na relação entre contribuinte e o Fisco, protegendo o cidadão das arbitrariedades que porventura o Estado possa a vir lhe impor. A deseobediência a essa norma jurídica pode causar prejuízos incalculáveis ao Estado Democrático de Direito, considerando-se que a ofensa a um princípio é muito mais grave que a ofensa à lei propriamente dita, vez que, aqueles são alicerces à ciência jurídica. Não se pode falar em Direito Tributário com a devida segurança do contribuinte sem considerar o princípio da reserva da lei. É, portanto, uma forma de cumprir basicamente uma dupla finalidade: garantir o respeito ao denominado princípio da auto-imposição e cumprir uma clara função garantidora do direito de propriedade e do princípio da segurança jurídica. § 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. 173 Desta forma se posiciona o Tribunal Constitucional espanhol: Como ocurre con otras reservas de ley presentes en la Constitución, el sentido de la aquí establecida [artigo 31.3] no es otro que el de asegurar que la regulación de determinado ámbito vital de las personas dependa exclusivamente de la voluntad de sus representantes, sin que ello excluya la posibilidad de que la ley pueda contener remisiones a normas infraordenadas, pero sí que mediante tales remisiones se provoque, por su indeterminación, una degradación de la reserva formulada por la Constitución a favor del legislador (Sentencia 83/1984, de 24 de julio). Esta garantía de autodisposición de la comunidad sobre sí misma, que en la Ley estatal se cifra (artigo 133.1), es también, en nuestro Estado constitucional democrático, una consecuencia de la igualdad y por ello preservación básica de posición de todos los ciudadanos, con relevancia no menor, de la unidad del ordenamiento (artigo 2 de la Constitución), unidad que —en lo que se refiere a la ordenación de los tributos y, de modo muy especial, de los impuestos— entraña la común prosecución, a través de las determinaciones que la Ley contenga, de objetivos de política social y económica en el marco del sistema tributario justo (artigo 31.1) y de la solidaridad (artigo 138.1) que la Constitución propugna. STC 19/1987 de 17 de febrero, fundamento jurídico 4.º. Pesquisado em http://www.poderjudicial.es/search/documento/TS/6749032/tributario/20130614, 17/06/2014. 97 1.2.8 O princípio da capacidade contributiva O princípio da capacidade contributiva há muito é considerado como norma de justiça. Na consciência contemporânea de todos os povos civilizados, a justiça do imposto confunde-se com a adequação deste princípio da capacidade contributiva.174 O princípio da capacidade contributiva, universalmente consagrado pela Ciência das Finanças, facilmente impressiona o nosso espírito, como regra comum de justiça: o Estado deve repartir a carga tributária de acordo com as possibilidades econômicas de seus habitantes, de modo geral, e, de modo específico, conforme a capacidade econômica de cada indivíduo, poupando, tanto quanto possível, o necessário físico de cada um.175 Na atualidade, é indiscutível a presença do princípio da capacidade contributiva, como norma realizadora da Justiça Fiscal, nas constituições de vários países.176 Na Constituição da República Portuguesa, no artigo 106, no texto de 1967, quando dispõe que “o sistema fiscal será estruturado por lei, com vistas à repartição igualitária da riqueza e dos rendimentos”. Também a Constituição da República da Nicarágua, de 19 de novembro de 1986, quando estabelece no artigo 114, “el sistema tributário deve tomar en consideración la distribuición de la riqueza y las rendas”.A Constituição da 174 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à Ciência das Finanças. Rio de Janeiro: Forense. v. I, 1955, apud MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. Op. cit., p. 65. 175 O princípio da capacidade contributiva como regra de justiça, universalmente consagrado pela Ciência das Finanças, facilmente impressiona o nosso espírito, como regra comum de justiça: o Estado deve repartir a carga tributária de acordo com as possibilidades econômicas de seus habitantes, de modo geral,e, de modo específico, conforme a capacidade econômica de cada indivíduo, poupando, tanto quanto possível, o necessário físico de cada um. SANTOS, Manoel Lourenço dos. Direito Tributário, 3.ª ed., Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1970, p. 96. apud MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. Op. cit., p. 65. 176 (...) el artículo 31.1 de La CE configura el princpio de capacidad económica como criterio básico para ordenar y distribuir los costos de La imposición entre lós distintos contribuyentes, pero en ningún caso como el criterio exclusivo de La tributación, ló cualno puedo ser de otra forma si tenemos en cuenta que en Estado Social de Derecho diseñado por neustra Constitución, el sistema tributário no tiene como única finalidad La consecución del interes fiscal o recaudatorio sino fundamentlamemte la justicia, para cuya consecución se asigna a aquel por nuestra norma fundamental una serie de funciones o fines, de cuya efectiva realización dependerá la justicia del sistema. Si esto es así, es evidente que existirá un interes colectivo o social a la recaudación de ingresos públicos puesto que a trvés de lós mismos el Estado realizará lós fines que tiene impuestos por el marco constitucional y que se concretan, en definitiva, en la realización de la justicia social.] VIDAL MARÍN, Tomas. Op. cit., p. 87-8. 98 República Italiana, no artigo 53, estabelece de forma expressa que “todos têm obrigação de contribuir para as despesas públicas na medida de sua capacidade contributiva”. Em outras constituições, entre as quais a da Venezuela (artigo 223), do Chile (artigo 20), da Argentina (artigo 4.°), do México (artigo 31, IV) e da Grécia (artigo 3.°) encontra-se dispositivos idênticos no que tange ao princípio da capacidade contributiva como norma de justiça fiscal. Na evolução histórica do ordenamento jurídico no Brasil, o princípio da capacidade contributiva apareceu na Constituição Imperial de 1824, no artigo 179, XV, segundo o qual se estipulava que “ninguém será exemplo de contribuir para as despesas do Estado na proporção dos seus haveres”. Na Constituição de 1891, a temática da capacidade contributiva foi suprimida. Na Carta de 1934, o referido tema, retomou a estrutura constitucional brasileira, tratando do postulado em mais de um comando, versando sobre os seguintes pontos: I - a progressividade dos impostos incidentes nas transmissões de bens por herança ou legado (artigo 128); II - a proibição de que nenhum imposto poderia ser elevado além dos 20% de seu valor no instante do aumento (artigo 185); e, III - a proibição de que as multas de mora impusessem ônus exorbitante ao contribuinte, que não poderia superar 10% do valor do imposto ou taxa devidos (artigo 184, parágrafo único). A Constituição de 1937 não tratou do princípio da capacidade contributiva. Já a Constituição democrática de 1946, à luz do artigo 202, disposição mais próxima da que se vê hoje no texto constitucional de 1988: “Os tributos terão caráter pessoal sempre que isso for possível, e serão graduados conforme capacidade econômica do contribuinte”. A Emenda Constitucional n.° 18, de 1965, revogou o artigo 202 quando imprimiu a reforma tributária. No mesmo sentido, houve abstenção de tratamento da referida matéria, pela Constituição de 1967 e pela Emenda Constitucional n.° 1, de 1969. Um vez que, para muitos juristas, a doutrina à época vinha sendo no sentido 99 de aceitar vigente o princípio da capacidade contributiva por mera implicitude no princípio da igualdade. Com o fim do período ditatorial, o princípio da capacidade contributiva ressurgiu, uma vez que, no decurso dos trabalhos da Assembleia Constituinte, não passou ao largo a inquietação sobre o anseio de justeza na distribuição do ônus tributário.177 A capacidade econômica ou contributiva (taxable capacity) é a capacidade de pagar tributo (ability to pay), estando prevista, como importante princípio, no artigo 145, § 1.°,178 da Constituição de 1988. O princípio da capacidade contributiva determina que cada um deve contribuir na proporção de suas rendas e haveres, independentemente de sua eventual disponibilidade financeira.179 Na Constituição atual, o princípio da capacidade contributiva está inserido de forma a ensejar interpretações divergentes. O problema resume-se na impropriedade redacional do, § 1.°, do artigo 145, que dispõe “sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”.A melhor redação seria: os impostos terão caráter pessoal, sempre que possível, e serão graduados segundo...”. Ainda, a melhor interpretação do mencionado dispositivo, não obstante sua impropriedade redacional, é no sentido de que a ressalva, sempre que possível, só diz respeito ao 177 NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. Princípio constitucional da capacidade contributiva. Porto Alegre: Editora Sérgio Antônio Fabris, 2001, p. 38. 178 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 145, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: § 1.° - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. 179 Destacam-se dois tipos de capacidade contributiva: a) Capacidade Contributiva Absoluta (ou Objetiva): é a capacidade identificada pelo legislador, que elege o evento ou fato-manifestação de riqueza, vocacionados a concorrer com as despesas públicas. Aqui se tem um sujeito passivo potencial; b) Capacidade Contributiva Relativa (ou Subjetiva): é a capacidade identificada pelo legislador, que elege o sujeito individualmente considerado, apto a contribuir na medida de suas possibilidades econômicas, suportando o impacto tributário. Nesta capacidade contributiva, desponta o rito gradualístico dos impostos, à luz da progressividade, bem como o respeito ao mínimo existencial e à não-confiscabilidade. COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 3.ª ed., São Paulo: Editora Malheiros, 2003, p. 27. 100 caráter pessoal dos impostos, não se aplicando no que diz respeito à observância do princípio da capacidade contributiva.180 É também conhecido por princípio da pessoalidade e visa tratar aos contribuintes individualmente, de acordo com a capacidade que cada um possui para contribuir. O princípio da capacidade contributiva adverte ao legislador de que, sempre que possível, os impostos deverão ser graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, um princípio cujo núcleo essencial, apesar da abertura semântica do seu enunciado, consegue-se à luz do senso comum, onde vigora, sem contestações, a máxima existencial de que ao impossível ninguém pode ser obrigado.181 É considerado o princípio jurídico que orienta a instituição de tributos impondo a observância da capacidade do contribuinte de recolher aos cofres públicos tais impostos. Nesse contexto, cada cidadão deve contribuir para as despesas da coletividade de acorso com a sua aptidão econômica, ou capacidade contributiva, o ideal de justiça distributiva. Dispõe este princípio que sempre que possível deverá ser observada a capacidade contributiva na cobrança dos impostos, a expressão capacidade contributiva pode ser vista sob dois ângulos – estrutural e funcional –, gerando conceitos distintos. Sob o ângulo estrutural, a capacidade contributiva pode ser definida como aptidão para suportar o ônus tributário; a capacidade de arcar com a despesa decorrente do pagamento de determinado tributo. Sob o ângulo funcional o princípio da capacidade contributiva pode ser visto como critério destinado a diferenciar as pessoas de modo a fazer com que possa identificar quem são os iguais sob o aspecto do Direito Tributário, quem são os desiguais e em que medida se igualam, afim de que se possa aplicar o princípio da igualdade com o justo tratamento a cada um deles.182 180 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. Op. cit., pp. 76-8. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. Op. cit., p. 1348. 182 CONTI, José Maurício. Sistema Constitucional Tributário interpretado pelos tribunais. apud CHIMENTI, Ricardo Cunha. Direito Tributário – Sinopses Jurídicas. 13.ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 17. 181 101 Desta forma, o tributo torna-se justo desde que adequado à capacidade contributiva de cada cidadão que deverá suportá-lo. Não basta que o imposto seja legal, é necessário que o mesmo seja legítimo. Importante ressaltar que, a capacidade contributiva a ser aferida é a capacidade subjetiva do contribuinte, ou seja, a real aptidão de determinada pessoa para recolher ao Fisco. Portanto, do ponto de vista subjetivo, a capacidade econômica somente se inicia após serem deduzidas as despesas necessárias à manutenção de uma existência digna para o contribuinte e sua prole. Tal capacidade corresponde a um conceito de renda ou patrimônio líquido pessoal, livre e disponível para o consumo, assim como, para o pagamento dos tributos. A capacidade contributiva é, de fato, a espinha dorsal da justiça tributária. É um critério de comparação que inspira o princípio constitucional da igualdade.183 O texto constitucional de 1988 empregou o princípio da igualdade de direitos, conjecturando a igualdade de aptidão e possibilidades, ou seja, têm direito ao tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios dispostos pelo ordenamento jurídico, todos os cidadãos. Assim, o que se pretende é a vedação das diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito.184 Desta forma, os indivíduos dão tratados de maneira em que se vejam reconhecidas as suas diferenças, donde lhe será atribuído tratamento adequado à sua condição de desigual. Não é possivel, por meio do sistema constitucional, tornar todos os indivíduos iguais, uma vez que, as pessoas são notoriamente desiguais. O Direito deve considerar estas desigualdades e atribuir um tratamento desigual entre os 183 184 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Op. cit., p. 546. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. Op. cit., p. 62. 102 cidadãos, de modo a fazer com que os efeitos das desigualdades naturais entre estes sejam minimizados. Conforme visto anteriormente, o princípio da igualdade visa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade.185 Pelo princípio da capacidade contributiva, deve-se tratar cada contribuinte segundo a sua capacidade de arcar com o ônus tributário. Ou seja, é uma das maneiras pelas quais se vai tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais no campo do Direito Tributário.186 O princípio da capacidade contributiva aparece como ingrediente fundamental na implementação do princípio da isonomia ou da iguladade, é considerado instrumento da realização da justiça fiscal, que efetivamente desembocará na realização da justiça social. Desta forma, tributar com maior ônus o detentor de maior capacidade contributiva, até no plano econômico, aparece como única forma para se buscar a melhor distribuição da renda e diminuir a desigualdade social.187 No ordenamento constitucional brasileiro, a capacidade contributiva é um princípio auto aplicável, devendo ser observado pelo legislador, que é seu destinatário imediato, mas também pelos operadores do direito. 188 Ao legislador compete graduar a exação, enquanto ao administrador tributário cabe aferir tal graduação.189 Não há dúvida de que o princípio da capacidade contributiva, quando se apresenta constitucionalizado, tem por destinatário o órgão legislativo, o autor da lei 185 CONTI, José Maurício. Op. cit., p. 26. Idem.Ibidem., p. 26. 187 O único elemento para diferenciar as cargas tributárias entre várias pessoas é a sua capacidade econômica: portanto, não seria consentido estabelecer que os loiros devem pagar mais que os morenos ou que todas as pessoas calvas ou míopes devam, enquanto tais, pagar um tributo. UCKMAR, Victor. Princípios comuns de direito constitucional tributário. Tradução de Marco Aurélio Greco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1976, pp. 69-70. 188 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Op. cit., p. 689. 189 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 – Sistema tributário. Op. cit., p. 56. 186 103 fiscal, apresentando-se, materialmente, na forma de norma sobre como fazer a lei. O princípio, todavia, há de ser concretizado não só pelo legislador, mas também pelo aplicador da lei.190 A função do princípio da capacidade contributiva como medida ou proporção de realização por cada um do dever de contribuir com os gastos públicos e também como limite para o legislador na configuração dos tributos.191 Na tarefa de concretizar normativamente o princípio da capacidade econômica, a doutrina contribuiu poderosamente a definir os fatos indicativos da capacidade econômica.192 A finalidade da norma tributária é de não cobrar tributo de quem não tem capacidade contributiva, sentido negativo, deve se contribuir (solidariedade) quem tem capacidade de contribuir, sentido positivo.193 Desta forma, a capacidade contributiva pode ser entendida sob dois sentidos, positivo e negativo, por um fundamenta o direito de contribuir e por outro serve de medida da imposição estatal. Na interpretação das normas tributárias o princípio da capacidade contributiva deve ser visto como princípio de justiça, é considerado a nível 190 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de interpretação e integração do direito tributário. 3.ª ed., Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Renovar, 2000, p. 224. 191 Assim, quem tem mais capacidade econômica, deverá pagar mais tributos e vice e versa, havendo portanto certa proporcionalidade. En la tarea de concretar normativamente el principio de capacidad económica, la doctrina contribuyó poderosamente a definir los hechos indicativos de capacidad económica. GIARDINA, E. Le basi teoriche del principio della capacità contributiva. Milán, Editorial Giuffrè, 1961. In: RODRÍGUEZ, Rafael Luna. El derecho a no autoinculpación en el ordenamiento tributario español. http://tesis.sim.ucm.es:2004/der/ucm-t26079.pdf, pesquisado em 27 de setembro de 2009, p. 16. 192 Giardinaformuló el denominado principio de normalidad, según el cual el legislador, cuando configura una determinada situación como hecho imponible, está atendiendo a un supuesto que, normalmente, sea indicativo de capacidad económica. Lo cual no quiere decir que en todos los casos dicho supuesto sea realmente indicativo de tal capacidad económica. [...] en aquellos casos en que un hecho aparezca configurado como hecho imponible y, sin embargo, no sea indicativo de capacidad económica en ese supuesto concreto, la solución deberá venir por vía de las exenciones o bonificaciones, no por la vía de la exclusión a priori de la norma general. Idem.Ibidem. 193 Segundo lição de Eusébio González Garcia, notável Catedrático da Universidad de Salamanca: El fin de la norma tributaria no es cobrar impuestos donde no hay capacidad contributiva. Consiguientemente, la capacidad contributiva, eje y norte de toda labor interpretativa, está em el fin mismo de la norma que ordena contribuir cuando hay capacidad contributiva, y no contribuir cunado no la hay. Es decir, la capacidad contributiva, entendida em sus dos sentidos, positivo y negativo, fundamenta el hecho de contribuir y sirve, em su caso, de medida de la imposición. Por ello es tan importante que l principio de capacidad contributiva este presente a todo lo largo del processo interpretativo, y solo em la configuración del hecho imponible. La capacidad contributiva debe presidir la configuración del hecho imponible y todo el processo interpretativo que pueda generarse em su aplicación, desde la determinación de la base y el tipo, hasta el resultado final, que es la cuota a pagar por el sujeto pasivo. GARCIA, Eusebio González. La interpretación de las Normas Tributarias. Pamplona (Espanha): Arazandi Editorial, 1997, p.61 apud MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. Op. cit., p. 85. 104 constitucional, uma verdadeira imposição axiológica, devendo ser interpretado de forma expressa sob pena de laborar de forma contrária à Lei Maior. Cumpre destacar, que para se aferir o efeito confiscatório do tributo em função da carga tributária em conjunto deve-se observar a capacidade do contribuinte, verificando-se a totalidade de sua riqueza, a fim de que possa suportar a incidência de todos os tributos que deverá arcar, dentro de um determinado lapso temporal. Desta forma, o princípio da capacidade contributiva deverá ter sua aplicação obrigatória sempre que possível. Com efeito, torna-se necessária uma postura atuante do legislador para que faça valer o comando constitucional e assim se possa garantir que as imposições tributárias sejam criadas de forma a respeitar as particularidades de cada contribuinte, observância essencial para a efetivação de uma tributação mais justa e adequada.194 1.2.9 O princípio da não-cumulatividade Surgida na França, na década de 1950, a não-cumulatividade não era como um substituto de um imposto sobre vendas mercantis, mas um imposto sobre produção. Não se pode afirmar que tenha tido o objetivo de reduzir a carga tributária. O seu objetivo certamente foi viabilizar a integração da Comunidade Econômica Europeia, evitando que o ônus tributário sobre determinado produto fosse maior na medida em que maior fosse o número de etapas em sua circulação econômica, desde a produção até o consumo.195 194 Nesse sentido: Si el principio de capacidad econômica no es el critério único y exclusivo para ordenar la distribución de las cargas públicas, según se desprende de nuestro texto fundamental, resulta evidente que la polémica en torno a si mismo es aplicable a todos y cada uno de lós tributos o bien al sistema tributário en su conjunto, debe resolverse em el sentido de considerar que el precitado principio resulta aplicable al sistam tributário como un todo único. De manera que si determinado impuesto no se conforma de modo íntegro AL principio de capacidad econômica, su deficiência puede resultar compensada por otro impuesto del sistema tributário que si se ajuste decididamente a la capacidad del particular contribuyente. VIDAL MARÍN, Tomas. Op. cit., p.55-6. 195 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 69. 105 A expressão não-cumulatividade do tributo pode ter vários significados, um deles seria o de que sobre o mesmo fato não poderiam incidir vários tributos. Outro seria o de que um tributo sobre fato integrante de uma sucessão de fatos da mesma natureza não pode incidir sobre cada um desses fatos de forma autônoma, acumulando-se cada incidência com as incidências anteriores. É com este segundo significado que a expressão tem sido geralmente empregada no sistema tributário brasileiro.196 O princípio da não-cumulatividade é do tipo limite objetivo: impõe técnica segundo a qual o valor de tributo devido em cada operação será compensado com a quantia incidente sobre as anteriores, mas preordena-se à concretização de valores como o da justiça da tributação, respeito à capacidade contributiva e uniformidade na distribuição da carga tributária sobre as etapas de circulação e de industrialização de produtos. Conforme redação original na Constituição Federal de 1988, o princípio da não-cumulatividade seria adotado apenas para o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Comunicação e Transporte Interestadual e Intermunicipal (ICMS), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e os impostos de competência residual e as contribuições sobre fontes de custeio da seguridade social (arts. 153, § 3.°, II, 155, § 2.°, I, 154, I e 195, § 4.°).197 Entretanto com a Emenda n.° 42/2003, o princípio passou a ser aplicado para determinados setores da economia em relação às contribuições para a 196 Entende-se por não-cumulatividade a qualidade do imposto e o princípio segundo o qual em cada operação o contribuinte deduz do valor do imposto correspondente à saída dos produtos o valor que incidiu na operação anterior, de sorte que reste tributado somente o valor acrescido. Em outras palavras, do valor do imposto que incide na saída dos produtos deduz-se o valor do imposto que incidiu nas operações anteriores sobre os respectivos insumos. Idem.Ibidem., p. 70. 197 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 153, compete à União instituir impostos sobre: § 3.° - O imposto previsto no inciso IV: II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: § 4.° - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I. 106 seguridade social incidentes sobre a receita ou o faturamento (artigo 195, § 12).198 Com fundamento nessa disposição constitucional, as Leis n.° 1.637/2002 e 10.833/2003 instituíram a não-cumulatividade para o PIS e a Cofins, respectivamente. Visa que seja evitado, o efeito cascata, ou seja, a acumulação de um imposto sobre o outro.199 Os objetivos da não-cumulatividade teoricamente seriam simplificar a legislação, ou seja, o regime jurídico do imposto e reduzir o ônus que o imposto impõe à atividade econômica. No sistema tributário brasileiro, todavia, esses objetivos não estão presentes na implantação do princípio da nãocumulativadade. Muito pelo contrário, tem ocorrido notório aumento da complexidade da legislação, e considerável aumento do ônus do imposto. A não-cumulatividade é um princípio quando enunciada de forma genérica, conforme disposição na Constituição Federal de 1988, quando nela se reporta ao IPI e o ICMS, não estabelecendo de forma exaustiva o modo pela qual a nãocumulatividade será efetivada. A técnica da não-cumulatividade é o modo pelo qual se realiza o princípio. Técnica é maneira ou habilidade especial de executar algo.200 Desta forma, a técnica da não-cumulatividade é o modo pelo qual se executa ou se efetiva o princípio. No entendimento dos processualistas, seria feita assim a distinção entre o princípio e a técnica da não-cumulatividade, o primeiro é o conjunto de atos tendentes a um determinado fim, e o segundo é o modo pelo qual tais atos são praticados, e se relacionam para compor um processo. Tendo em vista o disposto no artigo 153, § 3.°, inciso II, da Constituição Federal vigente, sobre o IPI: será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores. 198 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 195, § 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas. 199 Na verdade, o princípio visa assegurar moderna e mais equitativa técnica fiscal de incidência tributária que permite ao contribuinte deduzir do imposto a pagar o montante devido na operação imediatamente anterior. DENARI, Zelmo. Op. cit., p. 75. 200 CUNHA, Antonio Geraldo da. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 759. 107 Ainda, no que concerne à relação do princípio da não-cumulatividade e ao princípio da seletividade de alíquotas do IPI, nota-se que se alguns dos administrados se acham totalmente inibidos de invocar direitos ou de reclamar modificações, outro tanto não sucede com a norma da não-cumulatividade, estabelecida também como módulo para a composição da regra matriz de incidência do imposto. Este procedimento se consolida em razão do imperativo de serem as alíquotas desse gravame seletivas, em função da essencialidade dos produtos, ter sido dirigido ao critério político do Poder Legislativo. Sem dúvida poderá o contribuinte arguir a inconstitucionalidade da lei que vier a fixar alíquotas uniformes para todos os produtos. Nada mais correto e justo que seja estabelecido algum padrão de seletividade, desta forma ficará o particular impedido de que contra ele próprio se rebele um mandamento constitucional. Arguindo os fundamentos jurídicos prevalentes no ordenamento jurídico brasileiro, seria muito difícil encontrar meios de se contestar as alíquotas conferidas aos produtos industrializados,201 valendo-se do argumento relacionado à seletividade.202 Invocando o princípio da igualdade, observa-se que toda lei tem de ser classificatória, a fim de que tratando desigualmente categorias desiguais, possa ser atingida a plena realização da isonomia. Desta forma, em observando-se os 201 Sobre a não-cumulatividade, outra sorte de reflexões pode ser desenvolvida. São repetidas as circunstâncias em que o legislador federal ou, o que é pior, o Executivo da União, institui medidas ou prevê expedientes administrativos que atacam aquele mandamento, seja pela via direta, seja pela forma oblíqua. De qualquer modo, haverá detrimento para o princípio constitucional e inevitáveis danos ao patrimônio de direitos do contribuinte. Prática, até certo ponto comum, tem sido a fixação de penalidades pelo descumprimento de preceitos formais, impossibilitando o direito de crédito do imposto. Parece lógico que nenhuma providência sancionatória, por mais necessária e conveniente, terá o condão de embargar aquilo que o constituinte erigiu em traço fundamental, requisito de essência da espécie tributária. Não se pode transigir com questões dessa envergadura, sob pena de desnaturar o imposto, retirando-lhe atributo que tanto diz com suas perspectivas políticas, sociais e econômicas. Sim, porque a não cumulatividade é um dos pressupostos de adequação da figura impositiva, no contextoeconômico, e irradia importantes efeitos sociais e políticos. Contudo, se nos ativermos tão-só o plano do raciocínio jurídico, e lidarmos com categorias estritamente da Ciência do Direito, vamos encontrar sobejas razões que condenem essa prática. Sob pretexto algum se admite a cumulatividade do imposto, mesmo afigurando o modo hábil para coibir abusos ou instrumentos fácil para obter do contribuinte procedimentos que interessam à operatividade do gravame. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 53. 202 A seletividade da alíquota dos impostos que incidem sobre produtos ou mercadorias exige, em primeiro lugar, uma classificação de tais produtos ou mercadorias, para que, de acordo com o grau de essencialidade, sejam tributados de forma diversa, em respeito à igualdade e à capacidade contributiva. LACOMBE, Américo. Princípios constitucionais tributário. Florianópolis: Editora Obra Jurídica, 1996, p. 30. 108 princípios da seletividade e da não-cumulatividade, será mais fácil atingir o objetivo maior da Constituição Federal de 1988, a preservação dos direitos do contribuinte. Com relação ao princípio da não-cumulatividade e o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e serviços (ICMS), trata o artigo 155, § 2.°, inciso I, também da Constituição Federal atual, será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.203 Enuncia este princípio que não podem estes impostos terem caráter cumulativo, sem que ocorram as devidas compensações sobre o total que foi pago nas operações anteriores nestes tributos. No que se refere ao imperativo do pricípio da não-cumulatividade, guarda certa similitude o ICMS e o IPI, razão pela qual tudo que se firmou sobre o assunto vale aplicar a esse tributo da competência dos Estados-membros. O artigo 155, II, da Constituição Federal de 1988, prevê tributo o qual apresenta sensível diferença com o IPI, quando dispõe que será tributado na exata dimensão em que suas alíquotas serão uniformes para todas as mercadorias, nas operações internas e interestaduais, deferindo-se ao Senado Federal a tarefa de fixar as alíquotas máximas, ex vi do § 2.°, IV e V, da Carta Magna.204 Nesta esteira reside um dos problemas mais comuns de violação dos direitos e garantias individuais do contribuinte na esfera do ordenamento jurídico brasileiro. 203 O princípio, portanto, nada mais faz do que dar operatividade a um mecanismo de compensação, que permite a um operador econômico recolher aos cofres públicos somente o valor diferencial entre o montante devido em determinado período (em razão de operações de saída de mercadorias) e o montante creditado no mesmo período (em razão das operações de entrada de mercadorias). DENARI, Zelmo. Op. cit., pp. 75-6. 204 Reclama especial atenção, também, o sincronismo que preside a existência coalescente de muitas leis sobre o mesmo imposto, com os necessários ajustes na gama imensa de intercursos que se estabelecem entre contribuintes de Estados diferentes. E é precisamente aqui que vamos encontrar área de atrito e campo ilimitadamente fértil para a violação de garantias e direitos individuais. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 43. 109 Estabelece a Constituição Federal vigente, no seu artigo 155, inciso X, alínea “a”, e XII, “e”, que terão imunidade do ICMS, os produtos industrializados que sejam destinados às operações no exterior. Tal acertiva visa claramente o incentivo dirigido a todos aqueles que se dispuserem a exportar produtos industrializados. Inobstante a tal afirmação, todavia, as Fazendas Públicas estaduais pretendem exigir o imposto em operações intermediárias, compreendidas, obrigatoriamente, no ciclo da exportação. Observa-se, no entanto, que um procedimento de tamanho alcance normativo, viria diminuir a força e o sentido de sua abrangência, violando os direitos e garantias do contribuinte. Em consonância com a disposição do texto constitucional brasileiro, a Lei Complementar n.° 84/96, chamada de Lei Kandir, estabelece critérios legais que beneficiam os contribuintes que sejam exportadores, isentando-os do ICMS dos produtos importados. Ainda neste sentido, não se pode preterir de registrar, no ordenamento jurídico brasileiro, a existência de várias leis estaduais que se contrapõem à citada lei, com o intuito de violar os direitos do contribuintes. Para exemplificar tal afirmação podemos enumerar a Lei Complementar n.° 102/00 que limita o uso de crédito de energia e telecomunicações, além de restringir o crédito do ativo imobilizado em 48 meses, e ainda, a Lei Complementar n.° 65/91 que violando os preceitos constitucionais transformou um produto industrializado em um semielaborado. Enfim, percebe-se que são muitas as normas existentes no ordenamento jurídico brasileiro, as quais violam preceitos constituicionais, contrariando as garantias fundamentais do contribuinte. 110 1.3 Breves observações das isenções e dos princípios no Ordenamento Jurídico Espanhol Importante destacar que na Espanha não existe a figura da imunidades, somente é previsto no ordenamento espanhol o intituto da isenção, parcial ou total. No ordenamento jurídico espanhol estarão isentas parcial ou totalmente dos impostos, as entidades jurídicas. Estão totalmente isentas dos impostos de sociedades, o Estado, Comunidades Autônomas e municípios, assim como todos os seus organismos.205 Na Espanha, artigo 22, da Ley n.° 58/2003,206 General Tributária, dispõe que estarão isentos aqueles em que, apesar se realizar o fato imponível, a lei exime do cumprimento da obrigação tributária principal.207 Também pode-se citar as isenções previstas nos Acordos de Cooperação do Estado com a Federação de Entidades Religiosas Evangélidas de Espanha, com a Federação de Comunidades Israelitas de Espanha e com a Comissão Islâmica de Espanha, previstas respectivamente nas Leis n.° 24, 25 e 26, de 10 de novembro de 1992, no artigo 11.3., “a”. Ressaltando-se que segundo tal previsão, os pomares, jardins e dependências dos imóveis enumerados nos ditos preceitos, serão isentos, sempre que não estiverem destinados a indústrias ou a qualquer uso de caráter lucrativo.208 205 Estão isentas parcialmente do imposto, as entidades sem fins lucrativos. Es una exención parcial, porque una entidad que no tenga ánimo de lucro, en un momento determinado puede realizar una actividad económica en una parte de su actividad no económica. En este caso, la entidad realizará una liquidación por la parte que toca a la actividad económica. Por ejemplo, están exentas del impuesto de sociedades, los Colegios Profesionales, Fundaciones sin ánimo de lucro, federaciones deportivas, clubs deportivos sin ánimo de lucro, mutuas de accidente de trabajo, etc. Exenciones en el impuesto de sociedades. http://www.asesores.com/fiscal/is2.htm, pesquisado em 07 de outubro de 2009. 206 Ley n.° 58/2003, artículo 22 - Exenciones. Son supuestos de exención aquellos en que, a pesar de realizarse el hecho imponible, la ley exime del cumplimiento de la obligación tributária principal. 207 “Como es sabido, com estos supuestos se entiende que el hecho imponible se ha realizado, por lo com su realización se considera iniciado un nuevo período de generación a los efectos de computar futuros aumentos de valor como consecuencia de ulteriores transmisiones. Podemos establecer una doble classificación teniendo en cuenta la naturaleza del acto sujeito a tributación (exenciones objetivas) y los obligados al pago del tributo (exenciones subjetivas).” CARRASCO PARRILLA, Pedro José. Derecho Tributário Local. Barcelona: Via Laietana, 2008, p. 258. 111 Estarão isentos, também na Espanha, dos impostos sobre as Sociedades os aumentos de patrimônios a título gratuito que obtenham as Igrejas pertencentes a FEREDE, sempre que os bens e direitos adquiridos se destinem ao culto ou ao exercício da caridade. Na Espanha, os princípios apresentam um caráter de dualidade conceitual que explicitam os deveres e os direitos no âmbito da tributação, tais princípios são os pilares para o cumprimento das obrigacões formais e o respeito dos direitos e garantias dos cidadãos como contribuintes, conforme disposição do artigo 3, da Ley General Tributaria.209 No ordenamento jurídico espanhol, o dever de contribuir deve fazer-se mediante um sistema tributário justo, e a partir dessa característica de justiça, deverá o sistema tributário ser orientado pelos princípios.210 A Constituição da Espanha, no artigo 31.1, dispõe que o sistema tributário deve estar inspirado no princípio da igualdade.211 Portanto é dever de todos os cidadãos contribuir para sustentar os gastos públicos (generalidade) de acordo com 208 Artículo 11.3. Las Iglesias pertenecientes a la FEREDE estarán exentas.A. Del impuesto sobre Bienes Inmuebles y de las contribuciones especiales que, en su caso, correspondan, por los siguientes bienes inmuebles de su propiedad: a. Los lugares de culto y sus dependencias o edificios y locales anejos, destinados al culto o a la asistencia religiosa y a la residencia de pastores evangélicos. b. Los locales destinados a oficinas de las Iglesias pertenecientes a la FEREDE. c. Los seminarios destinados a la formación de ministros de culto, cuando impartan únicamente enseñanzas propias de las disciplinas eclesiásticas. “estarán exentos del Impuesto sobre Sociedades los incrementos de patrimonios a título gratuito que obtengan las Iglesias pertenecientes a la FEREDE, siempre que los bienes y derechos adquiridos se destinen al culto o al ejercicio de la caridad.” 209 Constituição Espanhola artículo 3. Principios de la ordenación y aplicación del sistema tributario. 1. La ordenación del sistema tributario se basa em la capacidad económica de las personas obligadas a satisfacer los tributos y en los principios de justicia, generalidad, igualdad, progresividad, equitativa distribución de la carga tributaria y no confiscatoriedad. 2. La aplicación del sistema tributario se basará em los principios de proporcionalidad, eficacia y limitación de costes indirectos derivados del cumplimiento de obligaciones formales y asegurará el respeto de los derechos y garantías de los obligados tributário. 210 El mandato constitucional del deber de contribuir, según la redacción del artículo 31, debe hacerse mediante un sistema tributario justo. La medida en que el sistema tributario tenga esta característica de justicia, deberá evaluarse por el apego del mismo primordialmente a los principios señalados en ese mismo artículo, sea, en su apartado primero, al de generalidad, igualdad, progresividad y no-confiscatoriedad, en su apartade segundo, a la asignación equitativa de los recursos recaudados bajo la guía de los criterios de eficiencia y economía, y en su apartado tercero, al principio de reserva de ley tributaria. Son estos principios los deben orientar el sistema financiero siendo su causa, y la justicia del sistema su efecto y fin. RODRÍGUEZ, Rafael Luna. Op. cit., p. 16. 211 Artículo 31.1. Todos contribuirán al sostenimiento de los gastos públicos de acuerdo con su capacidad económica mediante un sistema tributario justo inspirado en los principios de igualdad y progresividad que, en ningún caso, tendrá alcance confiscatorio. 112 a sua capacidade econômica mediante um sistema tributário justo, pautado nos princípios da igualdade e progressividade. Não será de nenhuma forma aceito o preceito confiscatório dos tributos, no artigo 9.2, da Constituição espanhola, há a previsão de que os poderes públicos devem promover as condições para que o princípio da igualdade se cumpra.212 Também no artigo 14, da Constituição espanhola, faz-se menção à igualdade com respeito à lei, impossibilitando qualquer discriminação por razão do nascimento, raça, sexo, religião, opinião ou qualquer outra condição ou circunstância pessoal ou social.213 O princípio da igualdade no dirieto tributário espanhol também pode ser verificado na acepção formal e material, a primeira com distintos alcances nos diversos preceitos da Constituição, já na acepção de fato os poderes públicos devem promover situações para a concretude real e efetiva da isonomia.214Vê-se também no ordenamento jurídico espanhol, o princípio da isonomia como um dos principais pilares de todo Estado Social e do Direito.215 Neste aspecto o Superior Tribunal Constitucional Espanhol decidiu que a igualdade é um direito fundamental da pessoa a não sofrer nenhuma discriminação, de ser tratada nas mesmas condições das outras pessoas que estejam em igual situação.216 212 Consituição Espanhola artículo 9.2. Corresponde a los poderes públicos promover las condiciones para que la libertad y la igualdad del individuo y de los grupos en que se integra sean reales y efectivas; remover los obstáculos que impidan o dificulten su plenitud y facilitar la participación de todos los ciudadanos en la vida política, económica, cultural y social. 213 Constituição Espanhola artículo 14. - Los españoles son iguales ante la ley, sin que pueda prevalecer discriminación alguna por razón de nacimiento, raza, sexo, religión, opinión o cualquier otra condición o circunstancia personal o social. 214 “Es, asimismo, un principio constitucional concretado con distinto alcance en diversos preceptos de la Carta Magna: por ejemplo, en le artículo 14 CE, como igualdad formal; en el artículo 9.2 CE, como igualdad de hecho o material que los poderes públicos han de promover para que se haga real y efectiva; o en el artículo 31.1 como principio inspirador de nuestro sistema tributario (reiterado en el art. 3.1 LGT). Finalmente, es un derecho fundamental (susceptible de recurso de amaparo ante el TC), que incluye no sólo la igualdad ante la ley sino también la igualdad en la aplicación de la ley (STC 54/1993, de 15 de febrero, FJ. 1 º.” COLLADO YURRITA, Miguel Angel. Derecho Tributário – Parte General. Barcelona: Atelier, 2006, p. 46. 215 RODRÍGUEZ, Rafael Luna. Op. cit., p.19. 216 Na concepção do Superior Tribunal Constitucional da Espanha: (...) derecho fundamental de la persona a no sufrir discriminación jurídica alguna, esto es, a no ser tratada jurídicamente de manera diferente a quienes se encuentren en su misma situación, sin que exista una justificación objetiva y razonable de esa desigualdad 113 O princípio da legalidade em matéria tributária é considerado um princípio basilar do Estado de Direito espanhol e se encontra informado nos arts. 31.3, 133.1 e 133.3, da Constituição Espanhola.217 São identificadas duas funções ao princípio da isonomia, uma do ponto de vista individual que visa a garantia da liberdade e da propriedade do cidadão frente a vontade voraz do poder público.218 A outra, mais democrática, que trata de garantir que as grandes decisões, do ponto de vista fiscal, sejam tomadas pelos representantes dos cidadãos, realizando-se desta forma o princípio da autoimposição. Ainda, a reserva legal consiste na garantia da igualdade dos cidadãos. 219 Também na Espanha o princípio da legalidade tributária está associado ao princípio da segurança jurídica, como um dos Princípios Gerais do Direito, que constitui um fundamento de justiça. de trato - que -no implica la necesidad de que todos los españoles se encuentren siempre, en todo momento y ante cualquier circunstancia, en condiciones de absoluta igualdad - y que supone -... no soportar un perjuicio - o una falta de beneficio - desigual e injustificado en razón de los criterios jurídicos por los que se guían la actuación de los poderes públicos. STC 8/1986, fundamento jurídico 4.º. Pesquisado em http://publica.webs.ull.es/upload/REV%20ANALES/19-2002/12%20(Marta%20Soriano%20Torres).pdf, 17/06/2014. 217 Constituição Espanhola artículo 31.3. Sólo podrán establecerse prestaciones personales o patrimoniales de carácter público con arreglo a la ley. Artículo 133.1. La potestad originaria para establecer los tributos corresponde exclusivamente al Estado, mediante ley. 3. Todo beneficio fiscal que afecte a los tributos del Estado deberá establecerse en virtud de ley. 218 O princípio da legalidade apresenta funções específicas à sua aplicabilidade: El principio de legalidade há cumplido históricamente dos funciones: una, desde um punto de vista individual, que vendría a garantizar la libertad y la propiedad del ciudadano frente al poder publico. Outra, más coletiva, o si se prefiere, más democrática, pues com ella se trataria de garantizar que las grandes decisiones, desde el punto de vista fiscal, sean tomadas por los representantes de los ciudadanos, realizándose de este modo el principio de autoimposición (no taxation without representation). Así, como há afirmado el TC, el sentido de la reserva de ley tributaria “ no es outro que el de asegurar que la regulación de determinado âmbito vital de las personas dependa exclusivamente de la vontad de sus representates” (FJ 4.° STC n.° 19/1987), sirviendo, “ en última instancia, como uma garantia de la liberdad patrimonial y personal del ciudadano.En el Estado social y democrático de Derecho la reserva cumple sin duda otras funciones, pero la finalidad última, com todos los matices que hoy exige el origen democrática del Poder Ejecutivo, continúa siendo la de asegurar que cuando um ente público impone coactivamente uma prestación patrimonial a los ciudadanos cuente para ello com la voluntária aceptación de sus representates.” (FJ 3.° STC n.° 185/1995). COLLADO YURRITA, Miguel Angel. El principio de reserva de ley tributaria, publicado na Revista Argentina de Derecho Tributário n.° 14, de 2005. 219 Uma terceira função do princípio da legalidade que consiste na garantia da igualdade dos cidadãos: Asimismo, puede hablarse de uma tercera función, consistente em garantizar uma básica igualdade de los ciudadanos. COLLADO YURRITA, Miguel Angel. Derecho Tributário – Parte General. Op. cit., p. 42. 114 O princípio da irretroativadade das normas sancionadoras ou não favoráveis, está tratado nos artigos 9.3,220 da Constituição espanhola e artigo 10,221 todos da Ley General Tributaria. A Constituição espanhola garante os princípios: da legalidade, da hierarquia normativa, da publicidade das normas, da irretroatividade das disposições sancionadoras, sejam elas não favoráveis ou restritivas dos direitos individuais, a segurança jurídica, a responsabilidade e a interdição da arbitrariedade dos poderes públicos. Todas estas disposições visam a garantia dos direitos e deveres fundamentais do cidadão (art. 9.3) O artigo 10, da Ley General Tributaria trata do âmbito temporal das normas tributárias no que diz respeito à sua vigência e irretroatividade. Ainda, com relação ao ordenamento espanhol, a decisão do julgamento referente a inconstitucionalidade da Lei n.° 49/1998, não conheceu que o artigo 9.3, da Constituição espanhola, estabelece um princípio geral de irretroatividade das normas e, geral, mas somente daquelas que são sancionadoras não favoráveis ou limitam direitos individuais. Na Espanha, o princípio da anterioridade tributária está implicitamente disposto nos artigos 9.3, da Constituição espanhola,222 e no artigo 10,223 da Ley General Tributaria, que garante o princípio da legalidade, da hierarquia da norma jurídica, da publicidade e da irretroatividade das disposições sancionadoras não 220 Consituição Espanhola artículo 9.3. La Constitución garantiza el principio de legalidad, la jerarquía normativa, la publicidad de las normas, la irretroactividad de las disposiciones sancionadoras no favorables o restrictivas de derechos individuales, la seguridad jurídica, la responsabilidad y la interdicción de la arbitrariedad de los poderes públicos. 221 Consituição Espanhola artículo 10. Ámbito temporal de las normas tributarias. 1. Las normas tributarias entrarán en vigor a los veinte días naturales de su completa publicación en el boletín oficial que corresponda, si en ellas no se dispone otra cosa, y se aplicarán por plazo indefinido, salvo que se fije un plazo determinado. 2. Salvo que se disponga lo contrario, las normas tributarias no tendrán efecto retroactivo y se aplicarán a los tributos sin período impositivo devengados a partir de su entrada en vigor y a los demás tributos cuyo período impositivo se inicie desde ese momento. No obstante, las normas que regulen el régimen de infracciones y sanciones tributarias y el de los recargos tendrán efectos retroactivos respecto de los actos que no sean firmes cuando su aplicación resulte más favorable para el interesado. 222 Consituição Espanhola artículo 9. 3. La Constitución garantiza el principio de legalidad, la jerarquía normativa, la publicidad de las normas, la irretroactividad de las disposiciones sancionadoras no favorables o restrictivas de derechos individuales, la seguridad jurídica, la responsabilidad y la interdicción de la arbitrariedad de los poderes públicos. 223 Consituição Espanhola artículo 10. 115 favoráveis ou restritivas de direitos individuais, a segurança jurídica e a interdição da arbitrariedade pelos poderes públicos. No ordenamento jurídico espanhol, com relação ao princípio do não confisco, a falta de razoabilidade foi detectada pela jurisprudência espanhola, que demonstrou o reconhecimento pelo Tribunal Superior de Justiça (da Cataluña) do alcance confiscatório do imposto sobre jogos de sorte, que foi majorado em 300% sobre o montante das cotas únicas cobradas sobre as máquinas recreativas.224 A propósito, o princípio que veda o tributo com efeito confiscatório está expresso no artigo 31.1, da Constituição espanhola e reiterado no artigo 3.1 da LGT. Na Espanha este princípio é chamado de principio de no confiscatoriedad e tem características específicas, tais como a proteção ao conjunto do sistema tributário, garantia do direito de propriedade, limite à progressividade. Importante ressaltar que o “principio de no confiscatoriedad”225 exerce projeção sobre cada figura tributária: princípio da proporcionalidade ou proibição de excesso de imposição pelo ente estatal. Tratado no artigo 31.1, da Constituição espanhola,226 de maneira terminante, dispõe que o sistema tributário não terá em nenhum caso alcance confiscatório,227 o que se pode entender como uma clara limitação a uma imposição abusiva ou desmedida da riqueza, razão pela qual, este princípio pode ser considerado como uma consequência do princípio da capacidade econômica. 224 VILLEGAS, Héctor. Curso de direito tributário.Tradução de Roque Antônio Carrazza. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1980, p. 107. 225 Menciona también el Tribunal Constitucional que la relación que tiene la no confiscatoriedad con el principio de capacidad económica y la “exigencia lógica de buscar la riqueza allí donde la riqueza se encuentra”, sin llegar a agotarla “so pretexto del deber de contribuir”, para concluir que “dado que el límite constitucional se establece con referencia al resultado de la imposición, puesto que lo que se prohíbe no es la confiscación, sino justamente que la imposición tenga “alcance confiscatorio”, es evidente que el sistema fiscal tendría dicho efecto si mediante la aplicación de las diversas figuras tributarias vigentes, se llegara a privar al sujeto pasivo de sus rentas y propiedades. STC 150/1990, fundamento jurídico 9.º. http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2012/C-121-12.htm, pesquisado em 17/06/2014. 226 Constituição Espanhola artículo 31. 227 O Tribunal Constitucional da Espanha trata de forma detalhada o confisco em matéria fiscal: a su propio decir, admite que la “cuestión dista de hallarse doctrinalmente clarificada” y que la confiscación en materia fiscal “no supone la privación imperativa, al menos parcial, de propiedades, derechos patrimoniales o rentas sin compensación, ya que este tipo de privación o exacción es, en términos generales, de esencia al ejercicio de la potestad tributaria y al correlativo deber de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos. STC 150/1990, fundamento jurídico 9.º. http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2012/C-121-12.htm, pesquisado em 17/06/2014. 116 No ordenamento jurídico espanhol, em decorrência do princípio da uniformidade geográfica, a uniformização das normas e conceitos, também deve ser observada sob pena de ser declarada inconstitucional, como na Sentença n.° 128/1999, publicada em 1/7/1999, no Diário Oficial n.° 181, proferida pela Corte Constitucional.228 Na Espanha, em observância ao princípio da reserva da lei para concessão de isenção, anistia ou remissão existe expressa disposição no artigo 31.3,229 que somente poderão se estabelecer prestações pessoais ou patrimoniais de caráter público com ajuste à lei.230 O artigo 131.1, da Constituição espanhola, faz indicação de que o poder original para estabelecer os tributos corresponde exclusivamente ao Estado, por determinação legal.231 A Constituição da Espanha, de 27 de dezembro de 1978, no seu artigo 31.1, é mais direta e objetiva quando afirma que “todos contribuirão para as despesas públicas de harmonia com a sua capacidade econômica, mediante um sistema tributário justo, inspirado nos princípios de igualdade e progressividade, que, em caso algum terá alcance confiscatório”.A este mesmo princípio se refere o artigo 3.1 da Ley General Tributaria, que dispõe que “A ordenação do sistema tributário se basea na capacidade económica das pessoas obrigadas a satisfazer os tributos [...]”. Na legislação espanhola, trata-se do princípio de la capacidad económica, segundo o qual, baseado na Constituição Espanhola, há a imposição do dever do contribuinte de sustentar os gastos públicos, entretanto tal obrigação estará de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. É considerado um dos 228 Las necesidades de una rápida aplicación de la normativa comunitaria así lo aconsejan, sin perjuicio de su posterior control por este Tribunal (STC 48/1988) y de que la - nota de estabilidad o generalidad de las normas básicas no es tampoco una exigencia absoluta - (STC 89/1987). La uniformidad que, sin embargo, se impone respecto de los conceptos. http://www.linguee.co/espanol-italiano/traduccion/as%C3%AD+lo+ aconsejen.html, pesquisado em 17/06/2014. 229 Consituição Espanhola artículo 31.3. 230 A reserva de ley tributaria aspira a actuar como garantía de igualdad y unidad en el ordenamiento jurídico, y que la ley tributaria ha de servir como instrumento de justicia tributaria. GONZÁLEZ MÉNDEZ, Alonso. La conformidad del acta inspectora como criterio de graduación, 1993, p. 84. 231 Consituição Espanhola artículo 131.1. 117 principais princípios inerentes aos limites constitucionais e o mais importante aspecto configurador do sistema tributário justo.232 O princípio de capacidad económica tem dois significados diferentes, a capacidade econômica que nada mais é que a aptidão para contribuir e a medida, razão ou proporção de cada contribuição, individual dos sujeitos obrigados ao sustento dos gastos públicos.233 No ordenamento jurídico espanhol, segundo disposição do Tribunal Constitucional, a contribuição tributária se fará de acordo com a capacidade econômica do contribuinte,234 significa que somente se tributará aquele que tenha condições para fazê-lo.235 Destaca-se, portanto, a relação de afinidade entre o princípio da capacidade contributiva e o princípio da proporcionalidade como garantia de um sistema tributário justo.236 Outro ponto importante destacado por Miguel Ángel Collado 232 La medida en que la Constitución impone el deber de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos es de acuerdo con la capacidad económica del contribuyente. Este representa uno de los principales límites constitucionales al deber de contribuir, y uno de los más importantes aspectos configuradores de un sistema tributario justo. Habrá un deber de contribuir cuando el sujeto pasivo tenga una idoneidad contributiva, es decir, tenga capacidad económica. Cuando se demuestra que una persona (física o jurídica) tiene capacidad económica para contribuir, nace aquél deber, que no es sino la individualización o concretización del principio de capacidad económica, por lo que se yergue como un criterio de justicia material del sistema tributario. RODRÍGUEZ, Rafael Luna. Op. cit., p. 16. 233 Por uma parte, es la razón de ser (la ratio) o fundamento que justifica el hecho mismo de contribuir (y del cumplimiento del deber constitucional) y, por tanto, constituye el elemento indisociable de la tipificación legal impositiva que legitima constitucionalmente el tributo. Se debe porque se tiene capacidad econômica para soportar el gravamen tributário. Em este sentido la capacidad econômica es la aptitud para contribuir. Por outra parte, es la medida, razón o proporción de cada contribución, individual de los sujetos obligados al sostenimiento de los gastos públicos. Se debe según la capacidad que se tiene. Lo que há de tener su reflejo em el hecho imponible y em los elementos esenciales que determinan la cuantificación del tributo. Son los dos aspectos que la doctrina, sobre todo italiana, suele distinguir del concepto de capacidad contributiva, la capacidad absoluta y la capacidad relativa. BEREIJO, Álvaro Rodriguez. El sistema tributario en la Constitución (los límites constitucionales del poder tributario en la jurisprudencia del Tribunal Constitucional). In Revista de Direito Tributário, n.° 59, p. 42. 234 Se deriva que quien más capacidad económica tenga, más deberá tributar y viceversa, por lo que se perfila en su seno, un componente de cierta proporcionalidad. RODRÍGUEZ, Rafael Luna. Op. cit., p.16. 235 Segundo palavras do Tribunal Constitucional espanhol: Capacidad económica, a efectos de contribuir a los gastos públicos, tanto significa como la incorporación de una exigencia lógica que obliga a buscar la riqueza allí donde la riqueza se encuentra. STC 27/1981, de 20 de julio, fundamento jurídico 4.°. https://www.uclm.es/cief/Doctrina/Derecho%20financiero.pdf, pesquisado em 17/06/2014. 236 El artículo 31.1, de la Constitución, que al obligar a todos a contribuir al sostenimiento de los gatos públicos ciñe esta obligación a unas fronteras precisas: la de la capacidad económica de cada uno y las del establecimiento, conservación y mejora de un sistema tributario justo e inspirado en los principios de iguladad y pregresividad. A diferencia de otras Constituciones (señaladamente la alemana Ley Fundamental de Bonn de 1949), la española, pues, alude expresamente al principio de la capacidad contributiva y, además, lo hace sin agotar en ella – como lo hiciera cierta doctrina – el principio de justicia en materia contributiva. 118 Yurrita é queo princípio da capacidade econômica é visto também, como limite a retroatividade das normas tributárias.237 Capacidad económica, a efectos de contribuir a los gastos públicos, tanto significa como la incorporación de una exigencia lógica que obliga a buscar la riqueza allí donde la riqueza se encuentra. Pero el servicio de esta lógica no asegura por sí solo “un sistema tributario justo inspirado en los principios de igualdad y progresividad” que pudiera demandar la estimación individualizada de cada caso, con respecto a cada uno de los tributos que integran el sistema tributario y en culaquier supuesto en orden al sistema tributario mísmo, como conjunto, atendidas las variantes circunstancias sociales y económicas” (STC 27/1981). BEREIJO, Álvaro Rodríguez. Op. cit., p.18. 237 “Aunque la Constitución Española no prohíbe la retroactividad de las normas tributarias, ello no significa que éstas sean constitucionalmente legítimas en todo caso y circunstancia, pues legitimidad puede ser cuestionada cuando su eficacia retroactiva entre en colisión con otros principios consagrados en el Texto Constitucional, como los de seguridad jurídica y capacidad económica.” COLLADO YURRITA, Miguel Angel. Derecho Tributário – Parte General. Op. cit., p. 42. 119 CAPÍTULO II. OUTRAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS E LEGAIS AO PODER DE TRIBUTAR Introdução Raramente na história fiscal a tributação foi justa, na medida em que o cidadão paga tributo ao Estado para que este lhe preste serviços públicos. Parte do que o cidadão pagava era destinada a custear os privilégios e a manutenção dos detentores do poder, razão pela qual, a norma tributária é necessariamente uma norma de rejeição social, em face de ser a carga tributária sempre maior do que a necessária para a sustentação dos privilégios de políticos e burocratas. Diante da importância da arrecadação tributária o homem não é confiável no poder e tende a identificar-se com o mesmo, tornando o povo não o destinatário final de seu serviço, mas servidor de seus interesses, e assim não sendo a natureza confiável, Montesquieu formulou a teoria do poder autocontrolável, assim, se o poder não controlado pelo poder, este se corromperá e se deteriorará.238 238 À evidência, o homem no exercício do poder termina por governar, sempre que possível em benefício do povo, mas necessariamente em seu próprio benefício, valendo o gráfico verso de Rotrou a justificar tal exercício e os crimes para lá chegar: “Tous les crimes sont beaux, dont un trône est le prix”. Ora, a imposição tributária oferta a melhor forma de atendimento às necessidades públicas, visto que, das diversas receitas públicas conhecidas na doutrina e na prática, é aquela que mais recursos propicia ao Estado. Ora, se o homem não é confiável no exercício do poder e se tende, neste exercício, a exigir sempre mais da comunidade do que para a comunidade seria desejável, à evidência a carga tributária é necessariamente maior do que a precisa para atender à dupla finalidade de sua arrecadação, ou seja, bem do povo e bem dos detentores do poder. Em outras palavras, a carga tributária é obrigatoriamente desmedida, em qualquer espaço geográfico e período histórico, pela instabilidade do poder e pelo exercício dicotômico deste em duas direções distintas. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Sistema Tributário na Constituição de 1988. 5.ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 1988, pp. 6-7. 120 O poder se apresenta, pois isso, como foi observado ao longo do processo histórico, culmina em arbitrariedades que esfacelam a liberdade, neste sentido, se apresenta para contribuir para instituir e manter sociedades de desiguais.239 A partir desse traço conceitual, deduz-se que o poder, imanente às organizações sociais, dosdobrar-se-á na interação de vontades, com a prevalência de uma sobre a outra. Em outras palavras, o exercente do poder impõe sua vontade a outrem - o subordinado ao poder-, exigindo-lhe dado comportamento.240 Assim, é a capacidade ou possibilidade de produzir efeitos desejados sobre indivíduos ou grupos humanos, um exercendo o poder e outro sobre o qual o poder é exercido. Para que alguém exerça poder é necessário que tenha força.241 Percebe-se que a relação de tributação não é relação de poder-força, mas, sim, uma relação de poder-direito. Desponta sob essa diretriz a relação de tributação com um formato de relação jurídica, o que nos possibilita migrar para a análise da expressão poder de tributar. O poder de tributar é, em verdade, um poder de direito, lastreado no consentimento dos cidadãos, destinatários da invasão patrimonial, tendente à percepção do tributo. Se há em seu emprego uma parcela de força, ela se mostra institucionalizada, dotada de juridicidade.242 O poder de tributar é, portanto, uma decorrência inevitável da soberania que o Estado exerce sobre as pessoas de seu território, ao qual corresponde, por parte dos indivíduos, um dever de prestação.243 Neste sentido é o poder para estabelecer e arrecadar tributos, englobando uma ampla atribuição, desde a competência 239 BOBBIO, Norberto. O significado clássico e moderno de política. In: Curso de Introdução a ciência política. Brasília: Universidade de Brasília, 1982, p. 12. 240 SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 19. 241 BOBBIO, Norberto. O significado clássico e moderno de política. Op. cit., p. 14. 242 Importante destacar, todavia, que a noção de poder (político) não se confunde com a ideia de “força”, e vice-versa. A esse propósito, Noberto Bobbio nos ensina que “o fato de a possibilidade de recorrer à força ser o elemento que distingue o poder político das outras formas de poder não quer dizer que o poder político se resolva através do uso da força. O uso da força é uma condição necessária, mas não suficiente para a existência do poder político (...)”. SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 20. 243 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Direito Tributário: estudo de casos e problemas. São Paulo: Editora Bushatsky, 1973, p. 140. 121 normativa: criação dos tributos e de seus elementos essenciais (art. 97, do Código Tributário Nacional) até a competência de lançamento e arrecadação.244 No que tange ao poder de tributar ele é abstrato, permanente, irrenunciável e indelegável: abstrato, porque não requer o exercício anterior ao cumprimento da obrigação respectiva; permanente, por ser congênito ao ente público e derivado da soberania; irrenunciável, porque o Estado não pode prescindir desse poder essencial, posto que, sem ele, não haveria como subsistir; e indelegável, porque renunciar ao mesmo implicaria desprender-se de um direito de forma absoluta e total (art. 7.°, do Código Tributário Nacional).245 Há grande diversidade quanto às formas dos critérios propostos para determinação de qual o ente político possa utilizar-se do poder de tributar, destacando-se três como os principais: o territorial, político e o econômico. O critério territorial se fundamenta na circunstância de que a pessoa ou a situação tributável resida ou esteja localizada na área territorial do poder tributante. O critério político e também chamado de critério da cidadania se assenta no fato de o contribuinte ser cidadão da entidade instituidora do tributo. O critério econômico se fundamenta no ato, fato ou negócio praticado onde produza efeitos sobre a economia local. Pode-se obtemperar no sentido de que a tributação permite ao Estado a realização de suas atividades essenciais, a fim de permitir a harmonia e o bom convívio social, notadamente de dar cumprimento a todos os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988. “El poder tributario ha de ser entendido como la potestad para establecer, aplicar y recaudar tributos. Esto significa que el poder tributario engloba una amplia gama de atribuciones que comprenden tanto la potestad normativa necesaria para la creación del tributo y la configuración de sus elementos esenciales, a fin de que en un momento posterior ésta pueda traducirse en un ingreso para el ente público correspondiente, así como la aplicación práctica del mismo, a través de la liquidación, inspección y recaudación, por la Administración Tributaria competente mediante actos administrativos singulares, dictados en el curso de un procedimiento, y en el ejercicio de las correspondientes potestades tributarias.” MONTOYA LÓPEZ, Maria del Prado. apud COLLADO YURRITA, Miguel Angel. Derecho Tributário – Parte General. Atelier: Barcelona, 2006, p. 104. 245 Código Tributário Nacional, Lei n.º 5.172/66, art. 7.º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3.º do artigo 18 da Constituição. 244 122 2.1. As limitações ao poder de tributar Introdução O poder de tributar (ius imperium) não é absoluto. Encontra regramentos que vêem refrear o exercício arbitrário da tributação, amoldando-o de acordo com a carga valorativa ínsita ao texto constitucional. Desta forma, a Constituição Federal brasileira de 1988 define o modo de operar (modus operandi) do exercício deste poder, que deverá se dar de forma justa e equilibrada, sem provocar danos à liberdade e à propriedade dos contribuintes. A outorga de competência tributária atribuída pela Constituição Federal de 1988 à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios não é sem fronteiras. Busca demarcar nitidamente as áreas de atuação de cada ente político, com a partilha da competência tributária. O texto constitucional brasileiro fixa vários balizamentos que resguardam valores por ele reputados relevantes, com atenção especial para os direitos e garantias individuais. O conjunto dos princípios e normas que disciplinam esses balizamentos da competência tributária corresponde às chamadas limitações ao poder de tributar.246 Desta forma, as limitações ao poder de tributar integram o conjunto de traços que demarcam o campo, o modo, a forma e a intensidade de atuação do poder de tributar, ou seja, do poder, que emana da Constituição Federal brasileira de 1988, de os entes políticos de criarem tributos.247 As limitações são normas constitucionais que, em vez de conferir competências positivas para tributar, destinam-se a fazer justamente o contrário, isto 246 247 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Op. cit., p. 13. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. Op. cit., p. 107. 123 é, a proibir que determinadas situações por elas descritas sejam colhidas pela força tributária do Estado. Pode-se dizer que as limitações constitucionais ao poder de tributar colaboram para a fixação do campo de competência das pessoas de direito público com capacidade política, no que diz respeito à criação de tributos. No texto constitucional brasileiro há uma seção denominada limitações do poder de tributar (arts. 150 à 152), que cuida dessas inibições do exercício do poder tributário. A Constituição Federal de 1988, estabelece em outros artigos de forma exparsa outras limitações, o que se vê, entretanto, é que nos diversos preceitos que a compõem serão encontrados tanto o que a doutrina considera como princípios constitucionais tributários, como as limitações propriamente ditas. Os princípios gerais seriam as idéias basilares e fundamentais do Direito, que lhe dão apoio e coerência, respaldados pelo ideal de Justiça, que envolve o Direito. Seriam ideias fundamentais de caráter geral dentro de cada área de atuação do Direito, abrangendo tanto os princípios gerais quanto os específicos, relativos a uma determinada área.248 Os princípios constitucionais são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, podem estar positivados ou implícitos.249 Os princípios constitucionais têm papel fundamental no ordenamento jurídico pela sua importância estruturante dentro do sistema jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento.250 248 Quanto à definição e abrangência dos princípios no ordenamento jurídico, notadamente no plural, quer significar as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. E, assim, princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixaram para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. (...) Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio direito. SILVA, De Plácido e. Op. cit., p. 447. 249 Os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie [...] Em toda ordem jurídica existem valores superiores e diretrizes fundamentais que ‘costuram’ suas diferentes partes. Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2001, pp. 147-9. 250 Ainda quanto a importância dos princípios constituicionais da mesma maneira que os princípios éticojurídicos mais gerais, os princípios constitucionais são o ponto mais importante do sistema normativo. Eles são verdadeiras vigas mestras, alicerces sobre os quais se constrói o sistema jurídico. Os princípios 124 Portanto, fica claro que os princípios constituiconais tem função interpretativa e diretiva, atuando como verdadeiros alicerces na aplicação do direito. Pertencem à ordem jurídica positiva e constituem um importante fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo.251 Os princípios constitucionais são de alta estirpe, posto que sua razão está vinculada a valores éticos intrínsecos do Estado, a ponto de receberem respaldo por via das cláusulas pétreas, as imunidades tributárias são feixes de valores jurídicos, depositados na Constituição Federal brasileira de 1988, que permitem construir normas jurídicas que revelam a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para instituir tributos nas situações especificadas no texto constitucional.252 Em análise mais ampla, os referidos princípios também constituem limitações ao poder tributante, no entanto, têm eles algumas características que os distinguem das vedações propriamente ditas. Os princípios têm um caráter genérico e amplo, que se volta mais a fixar parâmetros para a instituição e cobrança dos demais tributos. Não inviabilizam de maneira absoluta a atividade tributária.253 Na verdade, os princípios constitucionais tributários definem circunstâncias e critérios que podem tornar inconstitucional a atividade tributante. Já as vedações constitucionais dão estrutura e coesão ao edifício jurídico. Assim, devem ser obedecidos, sob pena de todo o ordenamento jurídico se corromper. NUNES, Luiz Antônio Rizzatto, O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 37. 251 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 1997, p. 1128. 252 A face mais visível das limitações ao poder de tributar desdobra-se nos princípios constitucionais e nas imunidades tributárias (técnicas por meio da qual, na definição do campo sobre a Constituição autoriza a criação de tributos, se excepcionam determinadas situações, que ficam, portanto, fora do referido campo da competência tributária). Essa matéria é objeto de seção específica da Constituição (arts. 150 a 152), justamente com o título “Das Limitações do Poder de Tributar”, no capítulo relativo ao Sistema Tributário Nacional. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. Op. cit., p. 106. 253 O exercício do poder de tributar supõe o respeito às fronteiras do campo material de incidência definido pela Constituição e a obediência às demais normas constitucionais ou infraconstitucionais que complementam a demarcação desse campo e balizam o exercício daquele poder. Requer a conformação com os princípios constitucionais tributários e a adequação, quando seja o caso, aos limites quantitativos (alíquotas máximas ou mínimas) definidos na Constituição, em leis complementares ou em resoluções do Senado. Idem.Ibidem., pp. 106-7. 125 consagram autênticas imunidades, o que significa dizer que subtraem atos, pessoas ou coisas à força tributante do Estado.254 Em breve análise das Constituições do Brasil de 1824, 1891, 1934, 1937 e 1946 verifica-se que a expressão limitações constitucionais ao poder de tributar não existia como texto de direito positivo, uma vez que não havia nenhuma previsão expressa. Em análise pela visão jurídica e sistemática, entretanto, pode-se verificar que tais limitações não somente existiam como eram evidentes no texto legal, assim como evidente era a sua aplicabilidade. Na obra escrita em 1951 pelo jurista Aliomar Baleeiro, limitações constitucionais ao poder de tributar, sob a égide da Constituição Federal de 1946, o referido autor já fazia menção às normas constitucionais e aos princípios constitucionais como meios de atribuírem competência à União, aos Estados e aos Municípios,255 e ao mesmo tempo de imporem limites do poder de tributar. O segundo inciso faz menção às limitações ao poder de tributar expostos na Constituição, reproduzindo o discurso anterior. Apenas, no texto anterior, a limitação era do poder e não, como no atual, ao poder de tributar. Se a limitação é ao poder de tributar, tal limitação refere-se à faculdade que o poder tributante tem de tributar. Se a limitação fosse do poder de tributar, tal limitação referir-se-ia ao próprio poder tributante. A configuração gramatical, todavia, não altera o produto final da limitação, que impõe restrições, de rigor, à faculdade e ao próprio poder, por decorrência. Tais limitações, todavia, estão no Texto Constitucional, sendo pequeno o âmbito de ação outorgada ao legislador complementar.256 No Brasil, assim como em diversos outros países que adotaram o Estado Democrático de Direito como regime político e de organização do Estado, a 254 O Direito Tributário existe para delimitar o poder de tributar, transformando a relação tributária, que antigamente foi uma relação simplesmente de poder, em relação jurídica. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 21. 255 O Distrito Federal, no texto da Constituição Federal de 1946, não possuía autonomia, que adquiriu com a Constituição Federal de 1988 (art. 18). 256 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários a Constituição do Brasil. v. 6, Tomo I, São Paulo: Editora Saraiva,1990, p. 80. 126 Constituição Federal de 1988 garante os direitos fundamentais do contribuinte257 que não podem ser ignorados nem violados pela lei que institui o tributo nem pela administração quando de sua aplicação, exatamente para disciplinar as relações jurídicas entre o poder de tributar e as garantias constitucionais.258 A tributação é imprescindível para a sobrevivência do Estado e é um dos mais relevantes meios de promoção do bem comum, porém deve ser feita, exatamente, dentro dos limites estabelecidos pela própria Constituição Federal brasileira de 1988. No que se refere ao direito tributário, como os poderes tributantes recebem a competência para instituir tributos da própria Constituição da República de 1988, são eles os detentores do poder impositivo. Esse poder impositivo, entretanto, deve ser exercido nos limites estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, em obediência às garantias asseguradas ao contribuinte, que se traduz na segurança jurídica das relações tributárias.259 A Constituição Federal de 1988 adotou um sistema de valores em favor do contribuinte, que foram corporificados em vários capítulos do texto constitucional, e não apenas nos arts. 5.°, 150 e 152.260 Desta forma, na Constituição Federal de 1988 “El significado del término “contribuyentes”se enmarca, en el contexto general de nuestro sistema tributario, dentro del art. 31 de la Ley General Tributaria. Por contra, la Ley le atribuye un sentido distinto, más amplio, que viene a coincidir con lo que se conoce como “obligados tributarios”. Por ello consideramos que hubiese sido más preciso desde el punto de vista técnico-jurídico utilizar este segundo término, dentro del cual habría que incluir, a los efectos de esta Ley, a otras personas que pueden tener relación com las Administraciones tributarias, por ejemplo, a los obligados a suministrar información o a prestar colaboración a la Administración tributaria.” CARRASCO PARRILLA, Pedro José. Comentarios a la Ley 1/1998 de 26 de febrero, de derechos y garantías de los contribuyentes. Diário La Ley, Sección Doctrina, 1999, Ref. D-55, tomo 1, Editorial LA LEY. 258 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 1°, a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I- a soberania; II- a cidadania; III- a dignidade da pessoa humana; IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa,; V- o pluralismo político. 259 A segurança jurídica encontra-se positivada como um direito fundamental na Constituição Federal de 1988, ao lado dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade, conforme expresso no caput do art. 5.°, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,à segurança e à propriedade (...)”. 260 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 150, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; III - cobrar tributos: 257 127 contém vedações que limita a atuação do legislador infraconstitucional, para exigências tributárias. Ressalta-se essa limitação é rigorosa.261 O poder de tributar é a capacidade de criar e alterar tributos, sendo definido pela Constituição Federal de 1988, no artigo 145,262 dando exclusividade a esta capacidade apenas à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; IV - utilizar tributo com efeito de confisco; V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público; VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. § 1.° A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I. § 2.° - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. § 3.° - As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel. § 4.° - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas. § 5.° - A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços. § 6.° Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.° , XII, g. § 7.° A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. Art. 152. É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino. 261 Quando se refere ao tema de interpretação das normas constitucionais leciona o intérprete atua dentro destes limites, a interpretação de bloqueio pressupõe que os conceitos constitucionais estatuem princípios e finalidade fundamentais; em relação aos quais o intérprete não pode articular sentidos, e objetivos senão aqueles que já estejam reconhecidos ex tunc na própria Constituição. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Interpretação e estudos da Constituição de 1988. São Paulo: Editora Atlas, 1990, pp. 12-3. 262 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 145, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos (...). 128 Assim, é a atribuição para criar, aumentar, diminuir, extinguir ou deixar de arrecadar o tributo de sua competência.263 Desta forma também, apenas a Constituição Federal de 1988 poderá determinar as limitações a este poder, que se traduzem em princípios, imunidades e outras limitações, tratadas dentro do Sistema Tributário Nacional. As limitações constitucionais ao poder de tributar ora aparecem como verdadeiras vedações ou proibições, que se traduzem em imunidades constitucionais, ora aparecem na esteira da proteção dos direitos e garantias individuais, ou ainda, apresentam-se como limitações da competência tributária entre as diversas pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Em razão da bilateralidade do Direito, as limitações constitucionais, quando vistas pelo ângulo estatal, constituem restrições do poder de tributar; entretanto, quando vistas pelo ângulo dos indivíduos (pessoa física ou jurídica), contribuintes dos tributos, representam instrumentos de proteção e de resistência à pretensão estatal. Se colocados em confronto o poder de tributar do Estado e os direitos do contribuinte, o destaque será o estabelecimento dos limites da razoabilidade264 e da constitucionalidade como molduras a serem observadas pelo Estado e pelos contribuintes. As limitações constitucionais ao poder de tributar são garantias do contribuinte contra o insaciável poder fiscal do Estado. Neste sentido, as limitações podem ser gerais e específicas a determinados tributos e os princípios podem ser gerais e tributários, explícitos e implícitos. Não há dúvida de que a limitação ao 263 Ao definir a competência tributária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a Constituição confere a cada uma dessas pessoas o poder de instituir tributos, que serão exigíveis à vista da ocorrência concreta de determinadas situações, das pessoas que se vincularem a essas mesmas situações. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. Op. cit., p. 144. 264 Nesse passo, deve o intérprete, no intrincado trabalho de aquilatar até que ponto o tributo é ou não confiscatório, valer-se da razoabilidade, que lhe servirá de “bússola”para diferenciar aquilo que se põe como confiscatório, em dada conjuntura, sob certa cultura e condição de cada povo, e o que se mostra “razoável”, do ponto de vista da tributação. SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 208. 129 poder de tributar, veiculada no texto maior, visto por outra ótica, importa em assegurar segurança jurídica.265 A inviolabilidade do direito à segurança significa um conjunto de garantias constitucionais destinadas a assegurar o exercício pleno de direitos individuais concernentes à intimidade, à liberdade pessoal, à incolumidade física ou moral, ao patrimônio, renda ou bens, de sorte a exigir que quaisquer medidas tomadas contra os indivíduos guardem conformidade com a lei, isto é, atendam aos princípios constitucionais e as limitações ao poder de tributar do Estado. O reconhecimento constitucional ao poder de tributar decorre da transformação do tributo: concepção liberal odiosa e lesiva ao patrimônio particular para a concepção de solidariedade na qual cada cidadão deve atender conforme a sua capacidade de contribuir para as necessidades públicas.266 Neste sentido cessa a discussão de constitucionalidade das normas tributárias, pois o dever de contribuir também está previsto na própria constituição.267 A Constituição Federal brasileira de 1988, no Sistema Tributário Nacional, outorga competências e estabelece limitaçõese restriçõesao poder de tributar, o que se verifica, pela análise da legislação tributária em vigor, é a existência de um 265 Na Espanha, o dever de contribuir se encontra reconhecido constitucionalmente no artigo 31.1 Constituição, que dispõe: Artículo 31 1. Todos contribuirán al sostenimiento de los gastos públicos de acuerdo con su capacidad económica mediante un sistema tributario justo inspirado en los principios de igualdad y progresividad que, en ningún caso, tendrá alcance confiscatorio. El poder tributario del Estado debe llevarse a cabo respetando los principios constitucionales contenidos en el artigo31 de la CE que representan un mandato al legislador y sirven asimismo de límite a su actuación. Así, en primer lugar nos encontramos con el límite que representa la necesidad de adecuar la regulación de los tributos a las exigencias de justicia material contenida en el artigo31.1 CE. En segundo lugar se encuentran las limitaciones de carácter formal como son las derivadas del principio de legalidad o reserva de ley”. (…) “Un Derecho financiero, en suma, no constituido por normas odiosas, de las que se cuestiona su propio carácter jurídico, antes un sistema de normas fundado en una concepción solidaria de las relaciones políticas y económicas de la comunidad.” RODRÍGUEZ, Rafael Luna. El derecho a no autoinculpación en el ordenamiento tributario español. http://tesis.sim.ucm.es:2004/der/ucm-t26079.pdf, pesquisado em 09/02/2012, p. 15. 266 El reconocimiento constitucional del deber de contribuir viene como consecuencia de una transformación sobre la consideración de los tributos, desde la vieja concepción liberalista, como un instituto odioso y lesivo de la propiedad privada, a uno de solidaridad de todos los ciudadanos a través de la contribución a un ente organizado (Estado), encargado de responder de las diferentes necesidades públicas y colectivas que representan un interés general. ESCRIBANO LÓPEZ, Francisco. La configuración jurídica del deber de contribuir. Perfiles constitucionales, Editorial Cívitas, primera edición, Madrid, 1988, p. 211. 267 De esta manera, se acaba también con la vieja discusión sobre la juridicidad de las normas tributarias, pues al estar reconocido el deber de contribuir en la propia Constitución, se impregna de un profundo fundamento jurídico al desarrollo legislativo que pretende articular el citado deber. RODRÍGUEZ, Rafael Luna. Op. cit., p. 15. 130 campo de incidênciade tributos, dentro do qual encontram-se as imunidades e as isenções. Fora desse campo, o que se vê é a não-incidência tributária. Se o poder tributário permite ao ente público impor deveres coercitivos ao contribuinte, o exercício desse direito não é absoluto, nem irrestrito. De fato, o legislador constitucional estabeleceu vedações ao poder de tributar, limitando o campo de atuação do ente público, por meio das imunidades tributárias, que identificam, no plano subjetivo, quais as pessoas (entidades religiosas ou sem fins lucrativos) ou, no plano objetivo, quais bens (livros, jornais e revistas) que devem ser colocados a salvo da tributação; e por meio dos princípios tributários, que vinculam o poder tributário tanto no momento de legislar sobre a matéria, bem como no momento de cobrar os tributos estabelecidos legalmente. A competência tributária, entretanto, é atribuição do exercício do poder tributário, sendo a autorização para os entes estatais tributarem. 268 A competência tributária consiste em autorização para o exercício do poder tributário. A competência tributária é irrenunciável e indelegável, caso um dos entes políticos não exerça sua faculdade para instituir os tributos, nenhum outro ente poderá tomar o seu lugar.269 As normas apresentadas pela Constituição Federal de 1988 em relação às imunidades tributárias objetivaram metas e limitações constitucionais às competências tributárias.270 As limitações não abrangem apenas as imunidades, mas estas são regras expressas da Constituição Federal do Brasil de 1988 que estabelece a não 268 Neste sentido, o poder, segundo entendemos, é sempre uno e enfeixa-se nas mãos do constituinte, A competência tributária, entretanto, é a atribuição do exercício do poder tributário dentro de faixa delimitada pelo próprio texto constitucional. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Estudos de Direito Tributário. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, p. 16. 269 A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária conferida por uma pessoa jurídica a outra. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 120. 270 Nem toda limitação é uma imunidade, não nos declaramos imunes à tributação de nossas rendas e proventos de qualquer natureza pelo Município, uma vez que tal iniciativa se encontra inequivocamente defesa, nos dizeres da Constituição. Nesse rumo, todos os administrados estariam imunes a exigências tributárias não determinadas por lei, em virtude de existir princípio lapidar que consagra o cânone da estrita legalidade. Idem.Ibidem., p. 123. 131 competência das pessoas políticas da Federação para tributarem certos fatos e situações, delimitando por meio de redução parcial, a norma de atribuição de poder tributário. As limitações do poder de tributar estão determinadas nos artigos 150, 151 e 152, da Constituição Federal brasileira de 1988, e englobam os princípios tributários, que dizem respeito a todos os tributos e as imunidades tributárias, que compreendem, regra geral, apenas os impostos. A não-incidência, imunidade e isenção são considerados institutos jurídico semelhantes,271 entretanto, é possível distingui-los de forma clara e concisa: isenção tributária decorre de lei, é um caso de dispensa do pagamento do crédito tributário (artigo 175, inciso I, do Código Tributário Nacional); imunidade tributária consiste no impedimento constitucional absoluto à incidencia da norma tributária, são as vedações absolutas ao poder de tributar estabelecidas na Constituição Federal brasileira de 1988 em benefício de certas pessoas ou bens; e, não-incidência, tem-se que é o não enquadramento normativo a uma conduta, quando a conduta fática não encontra respaldo ou identificação com nenhuma hipótese normativa, não provocará o nascimento de relação jurídico-tributária.272 Desta maneira, diferentemente do que preceituam a maior parte dos doutrinadores brasileiros, não se deve abordar estes institutos conjuntamente, delineando paralelismos entre eles.273 271 Tratam-se de institutos semelhantes, mas são categorias jurídicas distintas, que não se interpenetram, mantendo qualquer tipo de relacionamento no processo de derivação ou de fundamentação, a não ser em termos muito oblíquos e indiretos. Idem.Ibidem., p. 134. 272 Neste sentido, a isenção é a dispensa do pagamento do tributo devido, excluindo, por meio da lei, a tributação. É uma situação que implica a exclusão do crédito tributário (artigo 175, I, do CNT). O crédito tributário existe; apenas a lei dispensa seu pagamento. Na imunidade, o crédito tributário nem chega a existir, pois é a própria Constituição que determina que não poderá haver a incidência tributária sobre certo fato. A isenção depende, portanto, da lei. A imunidade tem previsão na Constituição. A isenção tem previsão na lei ordinária do ente tributante, que dispensa o recolhimento do tributo. A não-incidência ocorre quando a situação tributária fica fora do campo da tributação, inexistindo a ocorrência do fato gerador, por ter ficado fora da hipótese de incidência tributária. A incidência, pelo contrário, é o fato de a lei ter previsto a hipótese de incidência e, havendo o fato gerador previsto em lei, dar início à obrigação tributária. MARTINS, Sérgio Pinto. Manual de direito tributário. 8.ª ed., São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 131. 273 Imunidade é impossibilidade de incidência, que decorre de uma proibição imanente porque constitucional, impossibilidade de um ente público dotado de poder impositivo, exercê-lo em relação a certos fatos, atos ou pessoas. Portanto, é, tipicamente, uma limitação à competência tributária, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios sofrem por força da Carta Magna, porque os setores a eles reservados na partilha da 132 2.1.1 Não-Incidência, Imunidade e Isenção A Constituição ao definir a competência, excepciona determinadas situações, que se não fossem as imunidades, estariam dentro do campo de competência, mas por força da norma imunitória, permanecem fora do alcance do poder de tributar dado pela Constituição Federal vigente.274 A isenção e a imunidade abarcam fatos que, não fosse previsão normativa expressa na Constituição ou na lei, conforme o caso, integrariam o suporte fático da norma tributante. E ainda vale dizer, que a isenção e a imunidade colhem fatos que estariam naturalmente abrangido pela tributação, em face da compatibilidade que guardam com os fatos tributáveis. A imunidade é uma hipótese de não-incidência constitucionalmente qualificada, já a isenção é uma hipótese de não-incidência legalmente qualificada.275 Esse pensamento se justifica pelo fato de a imunidade estar prevista pela Constituição, sendo que a isenção vem determinada por leis infraconstitucionais. Assim, a imunidade atua no plano da definição da competência e a isenção opera no plano do exercício da competência. competência impositiva já lhes são confiados com exclusão desses fatos, atos ou pessoas. Isenção é a expressa, deliberada e taxativa omissão, pelo ente público que tem competência para instaurar determinado tributo, do exercício dessa competência, quanto a fatos, atos ou pessoas. A lei que emana do próprio ente público dotado de competência, renuncia, em razão de circunstâncias de ordem vária (social, política, econômica), ao respectivo exercício. Não-incidência, embora seja expressão comumente usada com o sentido genérico, abrangedor de todos os casos de inexigibilidade de tributos, tem a significação rigorosa de inexistência de disposição prevendo o fato gerador. CANTO, Gilberto de Ulhôa. Temas de direito tributário. Rio de Janeiro: Alba, 1999, p. 142. 274 Entre imunidade e isenção pode verificar-se: tão somente três sinais comuns, a circunstâncias de serem normas jurídicas válidas no sistema; integrarem a classe das regras de estrutura; e tratarem de matéria tributária. Quando ao mais, uma distância abissal separa as duas espécies de unidades normativas. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 134. 275 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Op. cit., pp. 28-9. 133 2.1.1.1. Não-Incidência O instituto jurídico da não-incidência consiste, tão-somente, na inexistência de uma lei descrevendo um comportamento dado como gerador da obrigação de pagar tributo. Desta forma, os fatos e acontecimentos que não fazem parte da ordem tributária são juridicamente incapazes de gerar obrigação.276 A não-incidência ocorre quando a situação tributária fica fora do campo da tributação, assim, inexistindo o fato gerador do tributo em razão de ter ficado fora da hipótese de incidência tributária.277 A não-incidência configura-se em face da própria norma de tributação, sendo que todos os fatos que não estão abrangidos pela definição legal da hipótese de incidência, são objeto da não-incidência.278 Não incidência é a inexistência de 276 Neste diapasão, decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo: Tratando-se de bem não destinado ao comércio e adquirido por sociedade civil não contribuinte do tributo, afastada está a incidência do imposto. Ademais, demonstrada a utilização do equipamento na prestação dos serviços de diagnósticos médicos realizados pela impetrante. Marcada a inexistência de relação jurídica tributária entre partes. Inaplicabilidade dos termos da EC 33/2001, considerando a figura da imunidade tributária, acobertada pelas Limitações ao Poder de Tributar. "A Associação tem por finalidade promover condições de bem-estar físico, mental e social ao grupo etário pediátrico, que abrange o período do recém-nascido à puberdade, nas áreas de hematologia e de oncologia infantil, propondo-se: 1) promover o diagnóstico, o tratamento e o controle das doenças hematológicas e oncológicas; 2) promover e incentivar a realização de pesquisas científicas nos diversos setores da hematologia e da oncologia, preferencialmente as que abordem as patologias de maior prevalência na área de sua atuação; 3) alocar recursos para a complementação, a expansão e a formação profissional de elementos da saúde, nas áreas de hematologia e de oncologia; 4) ajudar a estimular a atividade docente nas áreas de hematologia e de oncologia, nas faculdades de Medicina e em quaisquer instituições, nas quais se faça necessária a participação de elementos especializados; (...) Demonstrado o ramo de atuação do impetrante, afastada está a sua qualidade de contribuinte do ICMS e desta forma, os equipamentos importados se destinam a prestação dos seus serviços hospitalares não está afeto à cobrança do tributo, diante da inexistência de relação jurídica tributária entre partes. Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação com revisão n° 990.10.021075-0, Voto n° 12.945. Pesquisado em www.stj.jus.br, em 16/06/2014. 277 A não incidência, portanto, deve ser entendida como inelegibilidade do tributo pela ocorrência de fato sem aptidão para gerar obrigação tributária. O contribuinte encontra-se fora do alcance da lei tributária. Com propriedade, o mesmo doutrinador adverte que: É bom assinalar, contudo, que o legislador, com bastante frequência, designa como isenção casos típicos de não incidência e vice-versa. A imprecisão terminológica tem suscitado controvérsias intermináveis, mas aqueles que cultivam o Direito devem analisar e interpretar tais categorias tributárias em sua essência ontológica sem desvirtuá-las num fecundo trabalho de orientação legislativa. DENARI, Zelmo. Op. cit., pp. 161-2. 278 Neste sentido se manifesta Hugo de Brito Machado: Não-incidência é a situação em que a regra jurídica de tributação não incide porque não se realiza a sua hipótese de incidência, ou, em outras palavras, não se configura o seu suporte fático. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 188. 134 disposição prevendo o fato gerador, por não haver previsão legal tipificando aquele fato como tributável.279 Em suma, anotam-se divergências doutrinárias sobre o termo nãoincidência para qualificar as imunidades tributárias, a não-incidência está inserta constitucionalmente, enquanto a incidência está no plano infraconstitucional. 2.1.1.2. Imunidade No Império Romano, os tributos eram denominados munera, pelo caráter de munus público. Passaram a surgir privilégios do munus particular, chamados immnitas, com o sentido de exoneração. Na Idade Média, haviam enormes privilégios para o clero, a nobreza e outras pessoas, que não pagavam impostos, obtendo imunidade. Com o passar dos anos e principalmente nos séculos XVII e XVIII, vieram reformas fiscais visando reprimir esses absurdos.280 Na etimologia imunidade vem do latim immunitas, que significa exoneração. Daí a imunidade passou a integrar os textos constitucionais num sentido de autolimitar o poder tributário do Estado, impedindo a tributação sobre rendas, serviços ou bens públicos, de partidos políticos, de instituições de educação ou de assistência social sem fins lucrativos; templos de qualquer culto; livros; jornais e 279 E ainda distingue a não-incidência pura e simples da não-incidência qualificada: A não-incidência pode ser: I – pura e simples, a que se refere a fatos inteiramente estranhos à regra jurídica de tributação, a circunstância que se coloca fora da competência do ente tributante; II – qualificada, dividida em duas subespécies: a) não-incidência; por determinação constitucional ou imunidade tributária; b) não-incidência decorrente da lei ordinária – a regra jurídica de isenção (total). BORGES, José Souto Maior. Isenções tributárias. Apud FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Estudos de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 40. 280 MARTINS, Sérgio Pinto. Op. cit., p. 128. 135 periódicos; bem como o papel destinado a sua impressão. Tem por fundamento a imunidade em razões políticas, religiosas, morais, culturais ou assistenciais.281 Em breve evolução constitucional do referido instituto jurídico, observa-se que o inciso X, do artigo 17, da Constituição brasileira de 1934, determinava que a imunidade atingia tributos. Na Constituição de 1946 a imunidade recíproca era proclamada ao se utilizar a expressão bens, rendas e serviços uns dos outros (artigo 31, inciso V, “a”). A Emenda Constitucional n.º 18/1965, alterou a classificação dos impostos utilizando a expressão para o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros (artigo 2.º, inciso IV, “a”). Assim, foi confirmado nas Constituições posteriores do Brasil. O inciso III, do artigo 20, da Constituição de 1967, vedava à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios a criação de impostos.282Da mesma forma, tratou do tema o inciso III, do artigo 19, da Emenda Constitucional n.° 1/1969. Na Constituição Federal de 1988, o inciso VI, do artigo 150, vedou à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios instituir impostos.283 Imunidade é uma proteção que a Constituição Federal confere aos contribuintes, em função da pessoa ou do objeto tributado, é uma hipótese de não A norma imunizante, burilada pelo legislador costituinte, em nome do “cidadão-destinatário”, visa preservar valores políticos, religiosos, sociais e éticos, colocando a salvo da tributação certas situações e pessoas ( físicas e jurídicas). SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 239. 282 Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, sobre: a) patrimônio, renda ou serviços uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) o patrimônio, a renda ou os serviços de partidos políticos e de instituições de educação ou de assistência social, observados os requisitos fixados em lei; d) o livro, os jornais e os periódicos, assim como o papel destinado a sua impressão. O disposto na letra “a” é extensivo às autarquias, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais, ou dela decorrentes; mas não se estende, porém, aos serviços públicos concedidos, cujo tratamento tributário é estabelecido pelo poder concedente no que se refere aos tributos de sua competência (§ 1.°, do artigo 20). 283 Constituição Federal brasileira de 1988, sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. O § 2.°, do mesmo artigo, dispõe que a vedação da letra “a” é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel. As vedações disciplinadas nas letras b e c compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas. 281 136 incidência tributária constitucionalmente qualificada,284 por disposição expressa da Lei Maior. Uma regra negativa de competência na Constituição, impedindo a tributação pelo ente público. Trata-se a imunidade como limitação constitucional que suprime o poder de tributar do Estado, é um obstáculo à exigência do tributo. A imunidade é expressa na Constituição Federal 1988 e ocorre quando o constituinte exclui do campo tributável, determinadas situações sobre as quais não deseja que incida o imposto, no Sistema Tributário brasileiro tem como espécies tributárias os impostos, taxas, contribuição de melhoria, contribuições sociais e o empréstimo compulsório, entretanto no que tange às imunidades, estas alcançam somente os impostos conforme disposição expressa da Constituiçao Federal. Desta maneira, o que é imune não pode ser tributado. A visão doutrinária que prevalece no Brasil sobre o instituto da imunidade se reporta a matéria como uma forma de limitação ao poder de tributar, seguindo de forma literal a interpretação do texto do artigo 146, II,285 da Constituição Federal de 1988, juntamente com os princípios que regem o sistema constitucional tributário. Em análise, a imunidade tributária tem raiz constitucional, pois tem o condão de interferir na competência do ente tributante. Tal instituto tem o poder de retirar do âmbito de competência de um determinado ente determinadas situações jurídicas, as blindando da possibilidade de serem tributadas. Há sem dúvida, uma limitação a essa capacidade para instituir tributos. Nesse diapasão, Roque Antonio Carazza, José Souto Maior Borges e Regina Helena Costa vinculam o instituto da imunidade não somente como uma restrição a competência impositiva, mas capitulam o instituto no rol dos direitos e garantias individuais, inseridos por toda a Constituição Federal do Brasil de 1988 e não somente em título próprio. Estes doutrinadores acolhem a ideia da imunidade 284 FALCÃO, Amílcar de Araújo. Conceito de imunidade tributária. Revista de Administração Municipal. Rio de Janeiro: Editora IBAM, n.° 64, 1964, p. 217. 285 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 146, Cabe à lei complementar: II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; 137 como cláusula pétrea, artigo 60, § 4.º, IV,286 não estando, portanto, sujeita a proposta de emenda tendente a aboli-la. Fica claro portanto, que, se as imunidades estão inseridas no campo das limitações do poder de tributar, tratando-se, de hipóteses onde a Constituição não aceita e não permite o poder para tributar, criando a própria negação de competência expressa no texto constitucional. O instituto da imunidade amalgama o rol das garantias e direitos fundamentais que estão inseridas no Titulo II, da Constituição Federal brasileira de 1988, neste sentido, representam a construção política decorrente de um momento histórico-social, de evolução do Estado Democrático de Direito que trilhou o Brasil na década de 1980.287 As imunidades são consideradas como espécie de tutela dos princípios constitucionais sensíveis, relacionada à forma republicana, ao sistema representativo e ao regime democrático de Direito almejado por todos os cidadãos. Neste cenário, daí porque definidas como cláusulas pétreas, cabendo ao Estado e aos legisladores a obrigação de cumprir a norma fundamental dentro da melhor interpretação como direito e garantia ao contribuinte. A imunidade tributária como manifestação das limitações do poder de tributar, se concretiza quando, em caso especial o legislador constituinte protege do ônus fiscal certas pessoas, matéria ou objeto. Muito embora, os casos de imunidade tributária se encontrem devidamente inseridos na hipótese de incidência do tributo, todavia, dela são excluídos por força de determinação constitucional. Assim, a imunidade tributária se efetiva quando a norma constitucional, em razão de circunstância pessoal ou material que envolve o caso específico, deixa-a 286 Constituição Federal de 1988, art. 60, a Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4.º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais. 287 Conceito de imunidade tributária: (...) classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 195. 138 fora do campo de incidência do tributo, tornando-os invioláveis pela legislação tributária. O objetivo da imunidade, portanto, nada mais é que impedir, por motivos considerados de especial relevo pelo constituinte, que os poderes tributantes, pressionados por seus déficits orçamentários, invadam áreas que no interesse da sociedade devam ser preservados, resguardados os direitos e garantias do contribuinte. Verifica-se que cabe à Constituição Federal de 1988 o poder de criar tributos, assim como, o impedimento que retira tal atributo dos entes federativos, e a imunidade tributária faz parte desta exclusão, resguardando incólumes certos princípios, ideias ou postulados, nos quais o legislador constituinte consagra como preceitos básicos do regime político. A imunidade tributária possui seuespaço normativo demarcado na própria Constituição, isto é que a imunidade tributária tem sua origem e eficácia assegurada pelo texto constitucional, o que não poderia ser diferente, já que são consequências expressas dos direitos fundamentais. A imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação.288 É a Constituição Federal que concede o poder de tributar aos entes políticos, sendo assim somente a Constituição pode limitar o exercício do poder impositivo em benefício de determinadas pessoas ou entidades, bens ou serviços, que são declarados inatingíveis pela tributação, pois é a própria Constituição Federal que outorga este poder.289 O sistema tributário brasileiro apóia a sua articulação racional em dois pilares: a discriminação constitucional de competências tributárias e as limitações constitucionais ao poder de tributar. Neste aspecto, se explica a razão pela qual a 288 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 233. A imunidade pode ser considerada como: Um obstáculo posto pelo legislador constituinte, limitador da competência outorgada às pessoas políticas de direito constitucional interno, excludente do respectivo poder tributário, na medida em que impede a incidência da norma impositiva, aplicável aos tributos não vinculados (impostos), e que não comportaria fracionamentos, vale dizer, assume foros absolutos, protegendo de maneira cabal as pessoas, fatos e situações que o dispositivo mencione. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 122. 289 139 imunidade somente pode ser prevista à nível constitucional, pois a norma restritiva deve ser do mesmo nível que a norma concedente, se o poder de tributar é previsto à nível constitucional, sua limitação também deve ser à nível constitucional. Quando disciplina as limitações ao poder de tributar, a Constituição Federal de 1988 contempla uma grande variedade de direitos e garantias individuais em matéria tributária, entre os quais destacam-se além dos fundamentais princípios jurídicos em matéria tributária e as imunidades tributárias. A imunidade tem natureza jurídica de vedação absoluta ao poder de tributar, sendo regra expressa da Constituição Federal brasileira de 1988, portanto, a mais importante das formas tributárias desonerativas. A imunidade tem como função atuar coordenadamente com a norma constitucional que atribui à competência, no sentido de fixar limites ao exercício do poder de tributar, sendo, por conseguinte, instrumento definidor da competência tributária dos entes públicos. Observados estes limites, verifica-se que a competência não é vedada, ela apenas inexiste.290 Por meio da imunidade, a Constituição suprime parcela do poder fiscal, vedando que a União, os Estados e os Municípios criem tributos para certas pessoas, fatos ou coisas. É uma não-incidência de origem constitucional, uma barreira constitucional que impede a exigência do tributo. Deixa de ocorrer o fato gerador da obrigação tributária, pois a Lei Maior determina que o poder tributante não pode exigir o tributo em certos casos nela especificados.291 Não sendo a imunidade renúncia do direito de tributar, portanto, não representa favor fiscal. Como limitação constitucional ao poder de tributar, suas normas devem ser interpretadas ou examinadas como genéricas, adotando-se uma 290 A imunidade tributária é, assim, a qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo em razão da norma constitucional que, visa de alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou-a fora do campo sobre que é autorizada a instituição do tributo. AMARO, Luciano. Imunidades tributárias. apud MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidades Tributárias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 145. 291 MARTINS, Sérgio Pinto. Op. cit., p. 130. 140 exegese ampliativa, pois o legislador infraconstitucional não pode restringir o alcance da Lei Maior.292 O direito é um sistema de limites, fruto e instrumento da racionalidade humana, para a proteção de bens, interesses respaldados pelos direitos subjetivos individuais, coletivos, ou mesmo difusos, quando estão em jogo as necessidades essenciais dos seres humanos, vale dizer, quando diga respeito ao interesse público primário.293 Assim, todas as normas que integram a denominada legislação tributária, em sentido amplo, são limitações ao exercício do poder impositivo. E todas as normas que, na Constituição, tratam da tributação, constituem limitações constitucionais ao poder de tributar. São normas sobre tributação que, mesmo sendo limites, dizem respeito à forma de realização de direito fundamentais.294 A imunidade é de fato uma regra de competência negativa, ou seja, define, ao nível da própria Constituição, algumas áreas em que o Estado não pode exercer a sua competência tributária, a Constituição define valores, em função de condições pessoais e função do objeto suscetível, que não serão tributados, normalmente ligados aos princípios: federativo ou dos direitos fundamentais.295 As limitações ao 292 Idem.Ibidem., p.131. O direito é um sistema de limites ao qual nos submetemos para que nos seja possível a vida em sociedade. Sistema, porque é um conjunto completo e harmonioso de prescrições. O sistema é completo porque nele não existem espaços vazios, desprovidos de regulação. E harmonioso, ou coerente, porque nele não podem existir prescrições contraditórias, na medida em que estabelece mecanismo destinado a superar as contradições que eventualmente possam surgir na produção jurídica. É um sistema de limites, porque sua finalidade essencial é limitar a liberdade de cada um, como forma de garantir a liberdade de todos. Em outras palavras, o direito é o instrumento da partilha da liberdade. MACHADO, Hugo de Brito. Introdução ao estudo do direito. 2.ª ed., São Paulo: Editora Atlas, 2004, p. 23. 294 A Constituição Federal, em matéria tributária, consubstancia um “sistema de limites” articulado com a finalidade precípua de proteger o indivíduo contra o exercício desmedido do poder tributário pelo Estado. As competências tributárias deferidas aos entes políticos são instrumentos de afirmação dos direitos dos indivíduos em face da autoridade estatal e somente se justificam constitucionalmente quando seu exercício se revela compatível com aquela finalidade protetiva. Entre as limitações constitucionais ao poder de tributar destacam-se as imunidades tributárias, normas constitucionais que consagram espaços de intributabilidade, referidos, subjetiva ou objetivamente, a pessoas ou bens e situações, respectivamente. PONTES, Helenilson Cunha. Limitações ao poder impositivo. apud MARTINS, Ives Grandra da Silva. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais - Centro de Extensão Universitária, 2005, p. 266. 295 Levar em consideração que a imunidade se justifica por princípios maiores estampados no próprio texto constitucional. (...) concluir que os casos do artigo 150, VI, representam a extensão de direitos e garantias fundamentais. RODRIGUES, Denise Lucena. A imunidade como limitação à competência impositiva. São Paulo: Editora Malheiros, 1995, p. 61. 293 141 poder de tributar, entre elas as imunidades, são cláusulas pétreas e, como tais, irrevogáveis e intocáveis pelo legislador.296 O artigo 150, inciso VI, da Constituição Federal brasileira de 1988, consagra as imunidades tributárias com relação aos impostos, ao dispor que, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre questões subjetivas e objetivas. A Constituição brasileira de 1988 consagrou um amplo sistema de tutela do contribuinte, que se espalha por todo o seu texto. Isto é, o constituinte adotou um sistema de valores em favor do contribuinte, que contém uma vedação que limita a atuação do legislador infraconstitucional, para exigências tributárias. Ao criar as imunidades tributárias, o legislador visou o interesse nacional, pretendendo retirar do campo de tributação entidades consideradas importantes. Teve como intenção garantir a democracia, a livre expressão e a cidadania, ao estabelecer a imunidade do sindicato dos trabalhadores, a recíproca e religiosa. Além de incentivar o cidadão a suprir suas ineficiências do Poder Público, através das instituições de educação e de assistência social.297 296 A imunidade tributária, que é intributabilidade, impossibilidade de o Estado criar tributos sobre o exercício dos direitos de liberdade, incompetência absoluta para decretar impostos sobre bens ou coisas indispensáveis à manifestação da liberdade, não-incidência ditada pelos direitos humanos e absolutos anteriores ao pacto constitucional. Preexiste ao Estado Fiscal como qualidade essencial da pessoa humana e corresponde ao direito público subjetivo que erige a pretensão à incolumidade diante da ordem jurídica tributária objetiva. Explicita-se no artigo 150, incisos IV, V e VI da Constituição Federal, mas também nela se contém implicitamente, pois é o contraponto fiscal de todos os direitos declarados no artigo 5.° da CF ou por ela reconhecidos (artigo 5.°, § 2.°). MARTINS, Ives Grandra da Silva. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. Op. cit., p. 62. 297 Congrega-se às demais para produzir o campo dentro do qual as pessoas políticas haverão de operar, legislando sobre matéria tributária. Ora, o que limita a competência vem em sentido contrário a ela, buscando amputá-la ou suprimi-la, enquanto a norma que firma a hipótese de imunidade colabora no desenho constitucional da faixa de competência adjudicada às entidades tributantes. Dirige-se ao legislador ordinário para formar, juntamente com outros mandamentos constitucionais, o feixe de atribuições entregue às pessoas investidas de poder político. Aparentemente, difere dos outros meios empregados por mera questão sintática. Enquanto o constituinte declara que compete à União instituir o imposto sobre produtos industrializados, menciona que é vedado a qualquer dos entes dotados de possibilidade legiferante gravar os livros e os periódicos, assim como o papel destinado à sua impressão. São expedientes de técnica legislativa utilizados para talhar, com zelo e segurança, a via por onde deverão fluir as medidas inovadoras daquela pessoa, no que tange aos assuntos tributários. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 87. 142 A regra que imuniza é uma das múltiplas formas de demarcação de competência. A imunidade vem conceituada como vedação ao poder fiscal de instituir impostos.298 Daí a generalização da ideia de que a imunidade só se refere a essa espécie tributária. Entretanto, a Constituição Brasileira de 1988 prevê hipóteses de imunidades de outras espécies tributárias. O artigo 151, I,299 conhecido como princípio da uniformidade geográfica, contempla a imunidade do tributo como gênero. O § 3°, do artigo 155, 300 por sua vez, prescreve a imunidade de qualquer outro tributo nas operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do país, ressalvadas as incidências do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, do Imposto de Importação – II e do Imposto de Exportação - IE. Finalmente, o § 7.°, do artigo 195,301 da Constituição Federal de 1988, imuniza de contribuição social para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social. Quanto à sua classificação pode a imunidade ser dividida em subjetiva e objetiva. A imunidade subjetiva é determinada em razão da pessoa, isto é, ratione personae, como em relação aos sindicatos. Já a imunidade objetiva é prevista em razão do objeto tributado, ou seja, ratione materiae, como no papel destinado à impressão de livros. As imunidades tributárias tratadas no artigo 150, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, abrangem apenas os impostos, desta maneira, a cobrança de taxas 298 HARADA, Kiyoshi. Op. cit., p. 57. Constituição Federal brasileira de 1988, art. 151, é vedado à União: I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País; 300 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 155, compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: § 3.° À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País. 301 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 195, a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: § 7.° - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. 299 143 e contribuição de melhoria é devida, sendo prevista constitucionalmente, não incidindo sobre elas nenhuma espécie de imunidade.302 A regra imunizante é adstrita tão-somente aos impostos, fundamentado na interpretação literal, e não a taxas e contribuições de melhoria, pois a contraprestação ou bilateralidade de tais gravames, no contexto da referibilidade, prevaleceram sobre a regra imunizante.303 No entanto, existe posicionamento diverso, fundamentado na interpretação histórica304 e sistemática,305 afirmando ter a regra imunizante sua incidência também sobre as taxas e contribuições de melhoria. Mister registrar, que atualmente os tribunais têm decidido diferentemente das disposições da Constiuição Federal ampliando a abrangência da imunidade além dos impostos. A corrente doutrinária adotada neste trabalho se fundamenta no princípio da legalidade, que assevera pela interpretação restrita, pois na medida em que a legislação vigente apenas faz menção aos impostos ao se referir às imunidades. Se fosse de interesse conceder imunidade às taxas e contribuições de melhoria, estas viriam mencionadas tanto na Constituição Federal de 1988 quanto nas Emendas à Constituição, quando se referissem sobre as imunidades. 302 Neste sentido as imunidades encontram-se, como já afirmado, dispostas em nível constitucional no que diz respeito aos impostos. Não retirou, por conseguinte, a Constituição, a competência impositiva, no que tange às taxas e contribuições de melhoria, assim, pelo menos, entendemos. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Estudos de Direito Tributário. Op. cit., p. 25. 303 Tendo presente que as imunidades apenas dizem respeito a impostos, resulta ser constitucional a cobrança de taxas entre pessoas jurídicas de direito público ou das entidades civis e religiosas alcançadas pela regra imunitória. Quanto à contribuição de melhoria, somente pode ser cobrada “dos proprietários de imóveis do domínio privado”, nos termos do artigo 2.°, § 3.°, do Decreto-Lei n.° 195, de 20 de fevereiro de 1967. Essa circunstância afasta sua incidência sobre o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público. DENARI, Zelmo. Op. cit., pp. 164-5. 304 Da mesma maneira, o dispositivo que aparece em todas as Constituições desde a de 1891, refere-se a tributo e, portanto, compreende, por definição legal e não apenas teórica, os impostos, as taxas, e a contribuição de melhoria. BALEEIRO, Aliomar. apud CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18.ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 128. 305 Querem quase todos, que a imunidade seja uma instituição jurídica que diga respeito unicamente aos impostos, forrando-se a ela as taxas e a contribuição de melhoria. Nada mais infundado! A redução é descabida, transparecendo como o produto de exame meramente literal (e apressado) ou como o resultado de considerações meta jurídicas, que não se prendem ao contexto do direito positivo que vige. A proposição afirmativa de que a imunidade é instituto que só se refere aos impostos carece de consistência veritativa. Traduz exacerbada extensão de uma particularidade constitucional que pode ser facilmente enunciada mediante a ponderação de outros fatores, também extraídos da disciplina do Texto Superior. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., pp. 127-30. 144 Assim, ante a previsão constitucional das imunidades, inciso IV, do artigo 150, cumpre observar os tipos imunitários previstos, subjetivos: reciprocamente União, Estados, Distrito Federal e municípios, partidos políticos, entidades sindicais dos trabalhadores, de educação e assistência social; e objetivas: templos de qualquer natureza, livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. a. Tipos de Imunidades a.1. Imunidade Recíproca Por iniciativa do eminente jurista Ruy Barbosa, no ordenamento jurídico brasileiro, a imunidade recíproca foi introduzida expressamente na primeira Constituição Republicana de 1891, que adotou a forma federativa de Estado. Foi inspirada em instituto similar existente no Direito Norte-Americano desde 1819, a partir de decisão da Suprema Corte, vez que a Constituição Americana de 1787, por ser enxuta, não previa as imunidades fiscais expressamente. Importante destacar, que a Constituição Brasileira é a única que trata especificamente das várias espécies de imunidades. Disposta na alínea “a”, do inciso VI, do artigo 150, da Constituição Federal de 1988, a imunidade recíproca preceitua que as pessoas jurídicas de direito público estão proibidas de se tributarem reciprocamente, ou seja, de instituírem impostos sobre patrimônio, renda ou serviços umas das outras, como forma de garatir a organização do Estado. São consideradas pessoas jurídicas de direito público são a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.306 306 A imunidade recíproca é uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado Brasileiro e pela autonomia dos Municípios. Idem.Ibidem., p. 135. Resguardando a imunidade recíproca, qualquer emenda que porventura autorizar a União a cobrar qualquer tributo dos Estados, ou dos Municípios, ou autorizar qualquer destes a cobrar qualquer tributo da União, ou 145 Considerada como corolário do princípio constitucional básico do sistema federativo, a imunidade recíproca possibilita que União, Estados, Distrito Federal e Municípios sejam dotados de autonomia política, administrativa, legislativa e financeira, conforme expresso no texto da Constituição Federal brasileira de 1988.Com isto, visa a imunidade recíproca evitar que as unidades da federação sejam forçadas a pagar impostos umas as outras, impedindo eventuais cobranças mútuas entre si, comprometendo a unidade política essencial ao perfeito funcionamento do regime federativo. Tais imunidades decorrem da própria forma federativa de Estado, e como tal visam o fortalecimento do federalismo e a divisão harmônica e descentralizada do poder estatal, em seus aspectos político e financeiro. A imunidade recíproca é genérica, pois atinge todos os impostos, incondicionada, por não depender de regulamentação pelo legislador infraconstitucional e subjetiva, pois diz respeito a pessoas e não objeto da tributação.307 Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto a imunidade recíproca, especificamente para vedar a tributação dos Estados e dos Municípios pela União Federal, acórdão fundamentado no postulado da igualdade, estrutura federativa do Estado brasileiro, bem como autonomia dos Municípios.308 Veda-se a tributação, com impostos, sobre patrimônio, rendas e serviços das entidades de direito constitucional, que abrangem as pessoas de direito público interno expressamente nomeadas, com intuito de não onerar as unidades políticas da Federação, o fundamento é a liberdade em homenagem aos direitos fundamentais dos cidadãos, que seriam feridos com o enfraquecimento do federalismo e da de qualquer outro Estado, ou Município, é inconstitucional. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 237. 307 A imunidade recíproca, prevista no artigo 150, VI, “a”, da Constituição é uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado brasileiro e pela autonomia dos Municípios. Na verdade, encerraria imensa contradição imaginar o princípio da paridade jurídica daquelas entidades e, simultaneamente, conceder pudessem elas exercitar suas competências impositivas sobre o patrimônio, a renda e os serviços, umas com relação às outras. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 199. 308 (...) uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado brasileiro e pela autonomia dos Municípios. STF, AI 174.808-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 1/7/1996. 146 separação dos poderes, bem como a relação jurídico-tributária é a que mais conflitos gera entre as partes, comprometendo o princípio federativo da convivência harmônica entre os entes componentes da Federação.309 Outro fundamento da imunidade recíproca é o de que o ente público não se sujeita ao princípio da solidariedade no pagamento do imposto, porque já pertence à coletividade.310 No que se refere à abrangência da imunidade recíproca, ela é restrita aos tributos não vinculados, ou seja, os impostos. Afinal, no caso dos tributos vinculados, sua exigência não configura o exercício de supremacia de um ente político sobre o outro, porque os tributos vinculados correspondem a uma atuação estatal específica, geralmente concedida ao particular que presta o serviço público.311 Quanto aos empréstimos compulsórios, desde que não vinculados a uma atuação estatal específica, são atingidos pela imunidade recíproca.312 309 Sabe-se que o fenômeno da tributação foi a causa direta ou indireta de grandes revoluções ou transformações sociais. A própria Inconfidência Mineira, genuíno movimento de afirmação da nacionalidade, teve como motivação principal a sangria econômica provocada pela Metrópole, com o aumento da derrama. 310 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Op. cit., p. 301. 311 Em análise, conforme disposições acerca da imunidade recíproca acórdão da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerias, APCV 2513581-04.2008.8.13.0024; Rel. Des. Belizário Antônio de Lacerda; Julg. 24/08/2010; DJEMG 14/09/2010: Tributário. ICMS. Energia elétrica. Município. Imunidade recíproca. - A imunidade recíproca tributária é um instituto de fomento garantido pela CF em relação às pessoas jurídicas de direito público a título de vedação de lançamento tributário de uma sobre a outra.- A cobrança de ICMS feita pelo Município sobre o fornecimento de energia elétrica não se insere no instituto da imunidade tributária recíproca, mesmo porque o imposto não incide sobre o patrimônio, a renda ou serviços do Município como quer a dicção do artigo 150, inciso VI, alínea ''a'' da CF.- Exegese do instituto da imunidade recíproca. VOTO - A imunidade recíproca está consagrada na norma do artigo 150, inciso VI, alínea 'a', da Constituição da República, dispositivo que estabelece que: "sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda, bens ou serviços uns dos outros." No caso em tela, fundamentando-se no princípio da imunidade recíproca, infirma o município a cobrança do ICMS sobre seu consumo de energia. Todavia, em se tratando de fornecimento de energia elétrica o município não é o contribuinte de direito do ICMS, mas sim o contribuinte de fato, o qual não se beneficia com a imunidade recíproca. A imunidade recíproca tributária é um instituto de fomento garantido pela CF em relação às pessoas jurídicas de direito público a título de vedação de lançamento tributário de uma sobre a outra. A cobrança de ICMS feita pelo Município sobre o fornecimento de energia elétrica não se insere no instituto da imunidade tributária recíproca, mesmo porque o imposto não incide sobre o patrimônio, a renda ou serviços do Município como quer a dicção do artigo 150, inciso VI, alínea "a" da CF. Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerias, APCV 2513581-04.2008.8.13.0024; Rel. Des. Belizário Antônio de Lacerda; Julg. 24/08/2010; DJEMG 14/09/2010. 312 2. A jurisprudência do Supremo firmou-se no sentido de que a imunidade de que trata o artigo 150, VI, a, da CF/88, somente se aplica a imposto incidente sobre serviço, patrimônio ou renda do próprio Município. 3. Esta Corte firmou entendimento no sentido de que o município não é contribuinte de direito do ICMS, 147 Essa vedação recíproca de tributação entre entes tributantes é imperativo do regime, cujas entidades políticas componentes não podem ficar expostas às fontes de discórdia e conflitos, resultantes de livre tributação entre si.313 Quanto ao patrimônio, a renda ou os serviços do próprio poder tributante inexiste imunidade em relação aos impostos de sua competência. O que existe, na hipótese, é a impossibilidade de incidência fiscal, é uma proibição imanente ditada pela natureza das coisas. Não tem sentido a tributação do poder tributante sobre si próprio. Haveria confusão quando a mesma pessoa fosse credora e devedora de si mesma. Por outro lado, há a impossibilidade lógica no fato de uma única pessoa figurar em ambos os polos (ativo e passivo) de uma mesma relação jurídica. Esta imunidade ainda estende-se, abrangendo as autarquias e fundações mantidas pelo Poder Público, mas apenas no que está vinculado à suas atividades essenciais. A própria Constituição Federal do Brasil de 1988 determina em seu artigo 150, § 2.°, que: A vedação do inciso VI, “a”, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. Tal imposição legal tem sua razão, pois a autarquia integra o organismo estatal, como uma longa manus do Poder Público. Mesmo antes da expressa disposição constitucional, a jurisprudência estendia às autarquias a imunidade recíproca dos entes públicos, nos limites das finalidades essenciais para cujo desempenho tenham sido criadas.314 descabendo confundi-lo com a figura do contribuinte de fato e a imunidade recíproca não beneficia o contribuinte de fato. Agravo regimental a que se nega provimento. STF - AI 671412 AgR/SP; Rel. Min. Eros Grau; DJ 01.04.08. 313 Fortalecendo tais disposições legais, rica jurisprudência é firmada nos Tribunais brasileiros: 1. A imunidade recíproca dos entes políticos, prevista no artigo 150, VI, 'a', da CF/88, e extensível às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, conforme se depreende do § 2.º do mesmo artigo, diz respeito tão-somente a impostos não se estendendo à multa decorrente do pagamento oportuno de contribuições. 2. A aplicação de multa moratória a ente público em razão de inadimplemento ou atraso no pagamento de contribuição previdenciária, encontra respaldo legal (artigo 35 da Lei n.º 8.212/91 e artigo 61 da Lei n.º 9.430/96). 3. Apelo conhecido, mas desprovido. TRF 5.ª R.; AC 489632; Proc. 2009.83.02.000547-0; PE; Segunda Turma; Rel. Des. Fed. Barros Dias; DJETRF5 24/09/2010. 314 Neste sentido ampla jurisprudências nos Tribunais de Justiça brasileiros: I. A imunidade tributária recíproca dos entes políticos art. 150, VI, a, é extensiva às autarquias no que se refere ao patrimônio, à renda 148 Este privilégio, porém, não é extensivo às entidades paraestatais, ou seja, sociedades de economia mista e empresas públicas, por serem estas pessoas jurídicas de direito privado, que desempenham funções públicas delegadas pelo Estado. A imunidade é tratada como princípio da ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, visando a livre concorrência (art. 170, IV, da Constituição Federal de 1988). As empresas concessionárias de serviço público também estão excluídas, devido à sua natureza privatística. Estas entidades sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive ao que concerne às obrigações trabalhistas e tributárias. Havendo exigência de contraprestação, a atividade é considerada de natureza econômica, excluindo, assim, a imunidade.315 Desta forma, não estão imunes as atividades prestadas pela pessoa jurídica de direito público em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. Não se aplica porém, a imunidade recíproca, aos serviços públicos concedidos, nem exonera promitente comprador da obrigação de pagar o imposto que grave a promessa de compra e venda de bens imóveis.316 e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. ; II. O Instituto de Previdência do Estado de Sergipe como é sabido é uma autarquia estadual, o imóvel de sua propriedade está acobertada pela imunidade tributária referente á cobrança do IPTU em razão da finalidade previdenciária a que se destina; beneficiando-se ainda da presunção relativa de que o imóvel de sua propriedade atende aos seus objetivos. III. Recurso improvido. TJSE; AC 2010204697; Ac. 9196/2010; Segunda Câmara Cível; Rel. Des. Cezário Siqueira Neto; DJSE 24/09/2010; Pág. 14. O STJ firmou o entendimento de que o ônus de provar que o patrimônio da autarquia está desvinculado dos seus objetivos institucionais e, portanto, não abrangido pela imunidade tributária prevista no artigo 150, § 2.º, da Constituição recai sobre o município. Por se tratar o departamento estadual de infra-estrutura rodoviária de Sergipe. Der/se de autarquia estadual, incide a presunção juris tantum de que faz jus à isenção legal, que só cede diante de prova concreta em sentido contrário, cujo ônus incumbe à municipalidade, nos termos do artigo 333, inc. II, do Código de Processo Civil. Apelo conhecido e provido. TJSE; AC 2009209855; Ac. 8977/2010; Segunda Câmara Cível; Rel. Des. Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima; DJSE 17/09/2010; Pág. 30. 315 De acordo com Hugo de Brito Machado: Basta a cobrança para qualificá-la como de natureza econômica. Havendo cobrança de contraprestação, de preços ou de tarifas, não há imunidade, seja qual for a natureza da atividade desenvolvida pala entidade estatal. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 235. 316 A imunidade prevista na alínea “a”, do inciso VI, do artigo 150, da Constituição, (patrimônio) não exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel que permanece registrado em nome de pessoa jurídica de direito público. CHIMENTI, Ricardo Cunha. Op. cit., p. 30. 149 Se o adquirente do imóvel for sujeito de direito privado, este não gozará da exclusão constitucional do imposto sobre transmissão de imóvel, pois a imunidade é exclusiva da autarquia ou fundação pública.317 A imunidade recíproca não é aplicada quando as atividades estiveram relacionadas com a exploração de atividades econômicas aplicáveis a empreendimentos privados e quando houver contraprestação de pagamento de tarifas ou de preços pelo usuário, pois nestes casos, implicaria tratamento privilegiado, contrário ao princípio da liberdade de iniciativa. Dispõe, neste aspecto, o artigo 150, § 3.°, da Constituição Federal de 1988, que: As vedações do inciso VI, “a”, não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar impostos relativamente ao bem imóvel. Assim, existem duas situações em que o patrimônio, a renda e os serviços das entidades públicas não são imunes: i) quando relacionados com a exploração de atividades econômicas, regulada pelas normas aplicáveis às empresas privadas; e, ii) quando relacionados a atividades em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. A primeira se justifica pelo fato de existirem empresas privadas exercendo as mesmas atividades econômicas que estas empresas públicas, porém, que gozam de imunidade, das quais são cobrados impostos. Desleal e injusto seria se as empresas públicas ao exercerem as mesmas atividades, não pagassem impostos. Este tratamento privilegiado poderia até acarretar o fim das atividades destas empresas. 317 Isto se justifica, o imóvel objeto de promessa de compra e venda na realidade sai do patrimônio do promitente vendedor e se integra no patrimônio do promitente comprador, se não como um bem, juridicamente considerado, pelo menos como expressão econômica. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 235. 150 A segunda se resume no fato de que um serviço, mesmo não considerado atividade econômica, não será imune se houver cobrança de contra prestação, de preço ou tarifado do usuário. Neste sentido, mister destacar que, apesar da restrição constitucional, a doutrina não é pacífica em defender que a imunidade recíproca não alcança as empresas estatais delegatárias de serviço público, nem as empresas privadas, na qualidade de concessionárias ou permissionárias de serviço público. Entretanto, a polêmica pode ser respondida deve ser perquerida a natureza das imunidades recíprocas, se subjetiva, estabelecidas em função das pessoas políticas, ou, se objetivas, estabelecidas em razão do objeto a ser tributado. No presente quastionamento a resposta é no sentido de que as imunidades recíprocas são genéricas e subjetiva, pois diz respeito a pessoas e não objeto da tributação. a.2. Imunidade Religiosa A imunidade religiosa tem como objetivo a proteção dos valores espirituais. O povo brasileiro tem como um dos mais acentuados traços característicos, a religiosidade. No plano histórico, é importante frisar, de início, que o Brasil é um país majoritariamente católico, porém laico (ou leigo),318 isto é, aquele que não professa uma dada religião de Estado dita religião oficial.319 318 O Brasil é um país com Estado laico, pois na Constituição Federal de 1988 o inciso VI, do artigo 5.°, prevê: VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias, há também no Brasil a separação entre Estado e Igreja. Diferentemente da Espanha que é um Estado aconfesional, conforme o artigo 16.3, da Constituição Espanhola, de 1978: Ninguna confesión tendrá carácter estatal. Los poderes públicos tendrán en cuenta las creencias religiosas de la sociedad española y mantendrán las consiguientes relaciones de cooperación con la Iglesia Católica y las demás confesiones. 319 SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 277. 151 O fato do Brasil ser um Estado laico não significa que deixa-se de ser teístas. Como é sabido, o Brasil é laico e teísta. É que o próprio preâmbulo, do texto constitucional faz menção à proteção de Deus sobre os representantes do povo brasileiro, nossos legisladores constituintes originários, indicando que estes partiram da premissa de que um Ser Supremo existe, sem que isso significasse uma reaproximação do Estado com a Igreja, nem mesmo com uma específica religião, porquanto no decorrer de todo o texto fundamental o constituinte “se mantém absolutamente equidistante, seguindo o princípio da neutralidade e garantindo o pluralismo religioso”.320 Em razão destes traços históricos é que se justifica que em todas as Constituições brasileiras, nos respectivos preâmbulos, encontram-se referências invocando a proteção de Deus. A imunidade dos templos de qualquer culto já se encontrava consignada antes da reforma tributária de 1965, conforme alínea “b”, do inciso V, do artigo 31, da Constituição de 1946. Com o anteprojeto da Emenda Constitucional n.° 18/1965, procurou-se restringir a imunidade apenas à expressão orientada pela jurisprudência que trazia o verdadeiro alcance da norma constitucional, restringindo eventuais ampliações indevidas de seu espírito. O objetivo da Constituição era o de respeitar a liberdade de consciência, não privando ninguém de aprender, cultuar e praticar a sua fé. Para isso, considera por igual todas as religiões, não privando pessoa alguma da prática de seus cultos. Pelo contrário, todos os indivíduos podem exercer livremente sua fé, seja qual for a religião a ser seguida.321 Quanto ao fator de desoneração tributária, esta prevê a intributabilidade das religiões como um direito e garantia fundamental da pessoa, afastando dos templos 320 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. v. III. 12.ª ed., Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2005, p. 277. 321 O elemento teleológico que justifica a norma em contento atrela-se à liberdade religiosa (artigo 5.º, VI ao VIII, CF) e à postura de “neutralidade ou não identificação do Estado com qualquer religião” (artigo 19, I, CF). Idem.Ibidem., p. 240. 152 os impostos, independentemente da extensão da igreja ou do seu número de adeptos. Desta forma, a liberdade religiosa significa que o cidadão poderá professar a fé, no culto e templo que lhe aprouverem, ou, ainda, não devotar preces a nenhuma religião, em livre escolha.322 É nesse contexto, à luz da laicidade, que exsurge a regra imunitória, a qual prevê a desoneração de impostos dos templos de qualquer culto. Protegida pelo inciso VI, do artigo 150, da Constituição Federal de 1988, em sua alínea “b”, esta modalidade de imunidade abrange os templos de qualquer culto, tendo como fundamento a liberdade religiosa, prevista o inciso VI, do artigo 5.°, da Carta Magna. Nota-se jurisprudência no sentido de que, havendo o enquadramento no conceito de templo de qualquer culto, deverá ser reconhecida a imunidade.323 Entende-se que a expressão templo utilizada para concessão de imunidade religiosa abrange não apenas o edifício, que por si só nada representa, mas tudo que esteja relacionado ao exercício desta atividade, para reafirmar o princípio da liberdade de crença e assegurar a livre prática religiosa. O conceito de templo (do latim templu) detém larga amplitude semântica. A doutrina tem enfrentado dificuldades em reduzi-lo a planos cartesianos, e a prática tem mostrado uma inaudita expansão das igrejas pelo mundo frustando a tentativa de precisa definição do papel que tais entidades vêm ocupando, de fato, na realidade hodierna.324 Em breve incursão conceitual, seria possível afirmar que culto é a manifestação religiosa cuja liturgia adstringe-se a valores consonantes com o 322 Idem.Ibidem., p. 239. A imunidade tributária conferida pela norma constitucional aos templos religiosos é ampla, não podendo a Municipalidade impor nenhuma restrição, nem estabelecer requisitos ou condições para a concessão do benefício. Havendo nos autos prova robusta de que o imóvel sobre o qual incide o IPTU destina-se ao culto, deve ser reconhecida a imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, alínea b, da Constituição Federal. TJMS; AC-Or 2008.034722-5/0000-00; Campo Grande; Primeira Turma Cível; Rel. Des. Joenildo de Sousa Chaves; DJEMS 30/06/2009; Pág. 17. 324 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Op. cit., p. 282. 323 153 arcabouço valorativo que se estipula, programática e teleologicamente, no texto constitucional.325 Assim, a imunidade dos templos é para qualquer edifício, tenha ou não a forma característica de igreja, casa ou qualquer outra também ao local destinado à prática de atos religiosos, ao funcionamento de um culto de uma seita qualquer.326 Desta maneira, nenhum imposto incide sobre atos religiosos, ou seja, missas, cultos, batizados e outros, nem sobre qualquer bem que esteja a serviço destes. Porém, sobre bens pertencentes à Igreja, desde que não sejam instrumentos desta, poderá incidir imposto. A Constituição Federal de 1988 colocou sob a proteção da imunidade tributária, o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais dos templos (§ 4.°, do artigo 150). Não estendendo o benefício às atividades decorrentes de finalidades essenciais, como ocorre na hipótese de imunidade recíproca, isto quer dizer que determinado prédio de propriedade de uma igreja, que não esteja sendo utilizado para fins religiosos, sujeita-se, por exemplo, à incidência do Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana - IPTU, não importando saber se o produto do aluguel desse prédio está ou não sendo aplicado na consecução de finalidade religiosa. Podem ser tributados prédios alugados, bem como os respectivos rendimentos. Mais os edifícios utilizados para atividades religiosas ou para residência dos religiosos, como a casa paroquial, a casa pastoral ou o convento. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, “b”, da Constituição Federal do Brasil de 1988 não se estende a imóveis ou templos nos quais não são realizadas as celebrações religiosas e as 325 Idem.Ibidem., p. 281. Nesta esteira firma-se jurispudência nos tribunais pátrios: Ocorrência da imunidade tributária caso haja destinação da renda obtida com o imóvel para as finalidades essenciais da entidade religiosa. Entendimento consolidado no STF (Súmula n.º 724) em casos análogos, relativos às entidades de assistência social. Apresentação de documentos pela executada quanto à destinação das rendas. Ausência de prova em sentido contrário apresentada pelo exequente. Recurso conhecido e improvido. Decisao unanime. TJSE; AC 2009209983; Ac. 9063/2010; Primeira Câmara Cível; Rel.ª Juíza Conv. Iolanda Santos Guimarães; DJSE 21/09/2010; Pág. 25. 326 154 dependências que servem diretamentepara estes fins.327 Desta forma, conclui-se que deve ser verificado se o patrimônio, a renda e os serviços estão realmente relacionados às finalidades essenciais nela mencionadas.328 No entanto, existe posicionamento divergente deste no judiciário brasileiro, que extendeu a imunidade tributária à residência dos religiosos. 329 A amplitude do instituto não incide somente em relação ao prédio físico onde é celebrado o culto religioso, mas, sim, sobre o patrimônio pertencente à instituição, desde que voltados à suas finalidades institucionais, além de suas rendas e serviços (artigo 150, § 4.°, da Constituição da República Federativa do Brasil).330 327 A imunidade protege o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais do templo. Assim, não pode incidir imposto (a imunidade não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias nem o pagamento de taxas, contribuições de melhoria e outros tributos) sobre o imóvel que sirva para a realização de atividade religiosa (igreja, casa paroquial, convento, etc), sobre as rendas decorrentes das contribuições dos fiéis e sobre os serviços prestados pela entidade. CHIMENTI, Ricardo Cunha. Op. cit., p. 31. 328 Neste sentido pode-se observar jurisprudência firmada também pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região: I. A Mitra Arquidiocesana não se constitui templo, local onde se realizam cultos religiosos, mas o bispado, como pessoa jurídica, ou seja, território da jurisdição espiritual do bispo, não sendo a ela aplicável a imunidade assegurada aos templos religiosos. II. Documentação insuficiente a possibilitar a comprovação dos pressupostos aptos a ensejar a incidência da regra imunizante constitucionalmente prevista nos arts. 150, VI, "c" e 195, § 7.º da Constituição Federal. É indispensável a demonstração da consecução das finalidades assistenciais da entidade. III. Ausência de comprovação do enquadramento da Mitra Arquidiocesana e suas extensões interna corporis nas categorias constitucionais que definem a pessoa jurídica de direito público ou de direto privado prestadora de serviço público. lV. Honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa a cargo da autora. TRF 3.ª R.; AC 455685; Proc. 1999.03.99.008032-2; Rel. Juiz Fed. Conv. Miguel Di Pierro; DEJF 13/01/2009. 329 Entretanto, noutro sentido, ainda firma-se jurisprudência conforme esta, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, na qual concedeu imunidade tributária à residência de pastores: Os imóveis destinados à residência de pastores ou sacerdotes de templos religiosos está imune de tributação, pois dito patrimônio está relacionado com as finalidades essenciais de tais entidades. TJMS; EI-AC-Or 2005.004955-7/0001-00; Campo Grande; Segunda Seção Cível; Rel. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo; DJEMS 26/01/2009; Pág. 18. 330 Ainda neste sentido, Acórdão da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Desembargadora Maria Elza de Campos Zettel: Com a finalidade de proteger a consciência e os valores espirituais, a Constituição de 1988, assim como a anterior, instituiu a imunidade tributária dos templos de qualquer culto. A amplitude de tal amparo não incide somente em relação ao prédio físico onde é celebrado o culto religioso, mas, sim, sobre o patrimônio pertencente à instituição, desde que voltados à suas finalidades institucionais, além de suas rendas e serviços (artigo 150, § 4., da Constituição da República Federativa do Brasil). VOTO - Reconhecida a imunidade tributária do artigo 150, inc. VI, 'b', da Constituição da República Federativa do Brasil, a Municipalidade apela para este Tribunal de Justiça. A parte autora é instituição religiosa, sem fins lucrativos, cujos objetivos institucionais são a propagação da doutrina espiritual, beneficência, educação e assistência social, conforme se depreende de seu estatuto social às f. 30/34-TJ. Com a finalidade de proteger estes valores, a Constituição de 1988, assim como a anterior, instituiu a imunidade tributária dos templos de qualquer culto. A amplitude de tal amparo não incide somente em relação ao prédio físico onde é celebrado o culto religioso, mas, sim, sobre o patrimônio pertencente à instituição, desde que voltados à suas finalidades institucionais, além de suas rendas e serviços (artigo 150, § 4., da Constituição da República Federativa do Brasil). Acórdão da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, AC-RN 1.0521.06.047489-2/002; Rel.ª Des.ª Maria Elza de Campos Zettel; Julg. 29/03/2007; DJMG 24/04/2007. 155 Assim, a imunidade não protege somente o imóvel onde é realizado o culto religioso. O imóvel visando a instalação de templo religioso, por conseguinte, não pode a Municipalidade exigir o pagamento de Imposto sobre Propriedade Terrirorial Urbana - IPTU e Imposto sobre Transmissão de Bens Intervivos – ITBI, bem como sobre o patrimônio adquirido pela instituição, mormente considerando a sua vinculação com as finalidades institucionais. Logo, o afastamento da imunidade somente se possibilita na hipótese de vinculação do patrimônio a atividades econômicas ou não institucionais. 331 Visando dar a maior amplitude à proteção da consciência religiosa, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que mesmo o imóvel alugado a terceiros merece a imunidade, considerando que os alugueres serão destinados à finalidade protegida pela Constituição.332 A lei não estabelece nenhum requisito específico, basta que se trate de culto religioso e esteja relacionado com suas finalidades essenciais.333 As dependências Neste sentido, colaciona-se abalizada doutrina: A imunidade protege o patrimônio das entidades religiosas, compreendendo bens móveis e imóveis. O prédio onde se pratica o culto, o lugar da liturgia, o convento, a casa do padre ou do ministro, o cemitério, os aviões e embarcações utilizados na catequese. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito financeiro e tributário. Op. cit., pp. 242-3. Sobre o imóvel onde o culto se realiza incidiria o imposto predial e territorial urbano (IPTU); sobre o serviço religioso, o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS); sobre as esmolas (dízimo, espórtulas, doações em dinheiro etc), o imposto sobre a renda; sobre a aquisição de bens imóveis, o imposto sobre a transmissão "inter vivos", por ato oneroso, de bens imóveis (ITBI); e assim avante. Nenhum destes impostos - nem qualquer outro - pode incidir sobre os templos de qualquer culto, em consequência da regra imunizante agora em estudo. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. Op. cit., p. 641. 331 A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais corrobora o referido entendimento. Se não, veja-se: A imunidade tributária insculpida no artigo 150, VI, 'b', da CF/88, abrange não somente os imóveis destinados ao culto religioso, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades mencionadas. Sentença mantida em reexame necessário. TJMG, 5. Câmara Cível, Ap. 1.301.05.019354-1/001, rel. Des. Cláudio Costa, julgado em 13/07/2006, DJ 18/08/2006. Mandado de Segurança. ITBI. Templos de qualquer culto - Imunidade - Possibilidade - Sentença confirmada em reexame obrigatório. TJMG, 5. Câmara Cível, Ap. 1.0000.00.321310-5/001, rel. Des. José Francisco Bueno, julgado em 12/06/2003, DJ 14/08/2003. 332 Vejamos: Recurso extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, "b" e § 4.º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade prevista no artigo 150, VI, "b", CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços "relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas". 5. O § 4.º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas "b" e "c" do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso extraordinário provido. STF, Tribunal Pleno, RE 325822/SP, rel. Ministro Ilmar Galvão, julgado em 18/12/2002, DJU 14/05/2004. 333 Note-se acórdão do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança proferido pelo Ministro Herman Benjamin: 1. A imunidade dos templos, prevista no artigo 150, VI, "b", da CF, visa a garantir a liberdade de 156 anexas ao templo não gozam de imunidade tributária, pois o texto constitucional apenas se refere ao templo, e as normas de exoneração tributária, por exigência das regras de hermenêutica, devem ser interpretadas literalmente. Por último, a imunidade não é extensiva – consoante pacífico entendimento – aos terrenos bens ou rendas da cúria ou do templo.334 Entendendo ser acertado o primeiro posicionamento, tendo em vista ser descabido dar imunidade apenas ao templo (construção principal) e se onerar as demais dependências. Não faria nenhum sentido. Assim, deve ser considerado imune tudo que esteja relacionado ao exercício da prática religiosa. culto e impede que a tributação reduza o patrimônio e as rendas, ou que onere as atividades religiosas. Pretende-se, com isso, assegurar o exercício desse direito fundamental. 2. A imunidade, entretanto, não aproveita a terceiros. 3. Contribuintes do ICMS são as empresas fornecedoras de energia elétrica e de serviços de comunicação, e não a instituição religiosa que os adquire. Ainda que, no caso dos tributos indiretos, o ônus econômico seja transferido para o consumidor final (contribuinte "de fato"), não se pode desconsiderar que o sujeito passivo da tributação são as concessionárias de serviço público. 4. Precedentes do STF e aplicação de sua Súmula 591, por analogia. 5. Em caso semelhante que envolve município (não templo): "Esta Corte firmou entendimento no sentido de que o município não é contribuinte de direito do ICMS, descabendo confundi-lo com a figura do contribuinte de fato e a imunidade recíproca não beneficia o contribuinte de fato" (AI 671.412, Relator Ministro Eros Grau, Segunda Turma, j. 1/4/2008, DJe-074 25-042008). 6. A Suprema Corte tem entendido que a tributação somente é afastada se a entidade imune é sujeito passivo "de direito" do ICMS. Nesse sentido, reconhece a imunidade do ICMS nos casos de importação de bens incorporados ao patrimônio. 7. Isso não ocorre na hipótese de consumo de energia elétrica e de serviços de comunicação, em que o recorrente é simples contribuinte "de fato". É inviável estender a imunidade em proveito das concessionárias-fornecedoras (contribuintes "de direito" não imunes). 8. Inaplicáveis, in casu, os precedentes do STJ relativos à inexistência de legitimidade passiva das concessionárias para os pleitos de restituição do ICMS. Nesses julgados (v.g. AgRg no REsp 797.826/MT, Relator Ministro Luiz Fux, j. 3.5.2007, DJ 21.6.2007), o STJ afasta a prestadora de serviço do pólo passivo da demanda por considerá-la simples retentora e repassadora dos valores ao Fisco estadual. 9. Na espécie em exame, não se discute a legitimidade passiva processual da concessionária, apenas se afirma que a prestadora de serviço é contribuinte de direito para fins de afastar a legitimidade ativa do templo. 10. A Segunda Turma tem precedente que reconhece como contribuintes de direito do ICMS as concessionárias de energia e de comunicação, e não os consumidores finais. 11. "Os contribuintes do ICMS incidente sobre essas operações com energia e comunicação são as respectivas concessionárias, que destacam o valor do imposto na emissão da nota fiscal. As empresas consumidoras desses serviços não participam da relação jurídica-tributária e, portanto, não detêm legitimidade para questionar a obrigação de recolher o ICMS na espécie nem para postular eventuais créditos existentes, embora eventualmente possam suportar os reflexos econômicos da tributação" (RMS 23.571/RJ, Relator Ministro Castro Meira, j. 6/11/2007, DJ 21/11/2007). 12. Se se adotasse a tese defendida pelo recorrente, vedar-se-ia a incidência de ICMS sobre a venda de mercadorias destinadas a entidades imunes (templos, partidos políticos, sindicatos, entidades educacionais e assistenciais sem fins lucrativos, União, Estados, Distrito Federal e Municípios), além de serviços de comunicação e transporte intermunicipal e interestadual. Não parece ter sido essa a intenção do constituinte. Recurso Ordinário em Madado de Segurança n.° 22582 – CE ( 2006/0187914-3), Ministro Herman Benjamin, de 24/03/2010. 334 As dependências anexas ao templo não gozam de imunidade tributária, pois o texto constitucional apenas se refere ao templo, e as normas de exoneração tributária, por exigência das regras de hermenêutica, devem ser interpretadas literalmente. Por último, a imunidade não é extensiva – consoante pacífico entendimento – aos terrenos bens ou rendas da cúria ou do templo. DENARI, Zelmo. Op. cit., p. 167. 157 Este direito é assegurado pela Constituição Federal de 1988 no artigo 5.°, inciso VI: É Inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção ao locais de culto e as sua liturgias.335 A imunidade religiosa visa assegurar o princípio da liberdade de crença e prática religiosa, na medida em que nenhum empecilho deva ser criado para impedir ou dificultar o direito que possui todo cidadão de livre expressão. a.3. Imunidade Concedida aos Partidos Políticos, ao Sindicato dos Trabalhadores e às Instituições de Educação e de Assistência Social As pessoas tributantes não podem atingir com seus impostos o patrimônio, a renda e os serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações. Tal imunidade se dá em razão da imprescindibilidade de sua autonomia, a fim de que se possa impedir que qualquer forma de imposição fiscal venha a coibir sua liberdade de manifestação que lhes é inerente. Também gozam de imunidade as entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social. O artigo 150, inciso VI, alínea “c”, institui a imunidade dos partidos políticos, do sindicato dos trabalhadores e das instituições de educação e de assistência social. A imunidade tributária conferida às instituições sem fins lucrativos, disposta na atual Constituição Federal do Brasil de 1988, no artigo 150, VI, "c", possui raízes de ordem social que se revela na preocupação do legislador constituinte desde a democrática Constituição Federal de 1946 e veio se 335 Prescindível dizer que o interesse da coletividade e todos os valores fundamentais tutelados pela ordem jurídica concorrem para estabelecer os limites de efusão da fé religiosa e a devida utilização dos templos onde se realize. E quanto ao âmbito de compreensão destes últimos (os templos), também há de prevalecer uma exegese bem larga, atentando-se, apenas, para os fins específicos de sua utilização. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 136. 158 aperfeiçoando até hoje no sentido de preservar essas entidades da cobrança de impostos incidentes sobre o patrimônio, a renda e os serviços, com o evidente propósito de assegurar-lhes condições mínimas para o seu pleno desenvolvimento e, por via de consequência, o cumprimento das nobres finalidades a que estão voltadas.336 A imunidade prevista no artigo 150, VI, “c” é mais ampla do que aquela tradicionalmente reconhecida pelas Constituições anteriores, limitada a partidos políticos e a entidades de assistência social e de assistência educacional. Essa imunidade abrange as fundações instituídas pelos partidos políticos e as entidades sindicais dos trabalhadores.337 Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei, trata-se de cristalina evidência que a lei a que se reporta o comando constitucional é a lei complementar, mais precisamente aquela prevista no artigo 146, II,338 da Constituição da República Federativa de 1988. A Constituição Federal vigente, a exemplo do que fez em relação aos templos de qualquer culto, restringiu o gozo da imunidade ao patrimônio, à renda e 336 Trata-se de imunidade fiscal que consta de nossa retórica constitucional desde a Carta Magna de 1946 (artigo 31, V, “b”), mantendo-se presente nos textos constitucionais que a sucederam – Carta de 1967/69 (artigo 19, III, “c”) e na Constituição atual (artigo 150, VI, “c”). O elemento teleológico que sustenta tal imunidade é a liberdade política (artigo 1.°, V, CF). Com efeito, o partido político é criatura constitucional que dá sustentação e autenticidade ao regime democrático e ao liberalismo, situando-se entre as dimensões estatal e não-estatal, em um campo intemediário de “quase-estabilidade”, porém com fins marcadamente públicos. SABBAG, Eduardo. Op. cit., pp. 304-5. 337 Os partidos são células de capital relevância para a organização política da sociedade, saindo de seus quadros os representantes dos vários setores comunitários, que dentro deles discutem e aprovam os programas e as grandes teses de interesse coletivo. As instituições de educação e de assistência social desenvolvem uma atividade básica, que, a princípio, cumpriria ao Estado desempenhar. Antevendo as dificuldades de o Poder Público vir a empreendê-la na medida suficiente, o legislador constituinte decidiu proteger tais iniciativas com a outorga da imunidade. Tanto uns quanto outras, não sofrendo imposições por tributos não vinculados, mas na condição de observarem os quesitos estabelecido em lei. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 138. 338 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 146, cabe à lei complementar: II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; 159 aos serviços, relacionados com as finalidades essenciais dessas entidades (§ 4.°, do artigo 150). Os bens e serviços, não vinculados às finalidades essenciais, ainda que delas decorrentes, não estão protegidos pela imunidade.339 Se a renda, entretanto, obtida com a locação desses imóveis for aplicada exclusivamente na consecução dos objetivos estatutários, essa renda ficará a salvo da tributação pelo imposto sobre a renda, porque vinculada à finalidade essencial dessas entidades, como prescreve a Constituição Federal de 1988. No caso em questão, a renda do imóvel, e não o imóvel, está vinculada à finalidade essencial. A distinção é sutil, mas ela existe; ignorá-la seria equiparar a imunidade genérica à hipótese de imunidade recíproca, estatuída diferentemente pelo legislador constituinte, que imuniza tanto o patrimônio, as rendas e os serviços, vinculados às finalidades essenciais, como também aqueles delas decorrentes. Cumpre ressaltar, que o gozo da imunidade depende do preenchimento, pelas entidades beneficiadas, de requisitos da lei, que são aqueles estabelecidos no artigo 14, do Código Tributário Nacional.340 Desta forma, cada uma das circunstâncias de desoneração fiscal prevista no artigo 150, VI, letra "c", merece uma análise, ainda que ligeira, face os objetivos do próprio instituto das imunidades e sua aplicação no âmbito dessas instituições, levando em conta que as primeiras têm um alcance limitado a determinados contribuintes, a exemplo dos partidos políticos e as entidades sindicais dos trabalhadores, enquanto as outras, como as instituições de ensino e as entidades de assistência social sem fins lucrativos, manifesta-se numa visão mais ampla dentro dos interesses da sociedade como um todo. 339 Assim, os imóveis alugados por entidades assistenciais, sujeitam-se ao IPTU. Código Tributário Naciona, art. 14, o disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9.º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. § 1.º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1.º do artigo 9.º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício. § 2.º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9.º são exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos. 340 160 a.3.1. Imunidade dos Partidos Políticos Os partidos políticos são entidades constituídas na forma da lei civil, de caráter privado, que visam resguardar a soberania nacional, o regime democrático e os interesses fundamentais da pessoa humana. A Lei n.° 5.682/1971, declarava serem os partidos políticos pessoas jurídicas de direito público interno, mas com o nova feição dada pelo artigo 17, § 1.º, da Constituição Federal brasileira de 1988, constituem, hoje, pessoas jurídicas de direito privado. O que não lhes retirou a condição de imunes em relação aos impostos vinculados às suas atividades essenciais, face a sua necessária importância na ordem constitucional do país, que tem como um dos fundamentos da república o pluralismo político. A Constituição do Brasil de 1967 e a Emenda Constitucional n.° 1/1969, determinavam a imunidade para “o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos”. Já a Constituição de 1988, na alínea “c”, do inciso VI, do artigo 150: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI - instituir impostos sobre: c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações (...), atendidos os requisitos da lei. O elemento teleológico que sustenta tal imunidade é a liberdade política (artigo1.°, inciso V, da Constituição Federal de 1988). Com efeito, o partido político é criatura constitucional que dá sustentação e autenticidade ao regime democrático e ao liberalismo, situando-se entre as dimensões estatal e não-estatal, 161 em um campo intermediário de quase-estatalidade, porém com fins marcadamente públicos.341 O pluralismo político é um dos fundamentos de nossa República, daí a sinalização do texto constitucional que ratifica a desoneração destas entidades, quanto aos impostos. Entretanto,vale ressaltar, que uma das exigências para a aquisição da imunidade pelos partidos políticos é estar regularmente constituídos, e com o registro dos seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral - TRE. Não se estendendo aos partidos políticos de origem criminosa, ou ocultos, ou que venham de encontro aos seguintes preceitos: I) caráter nacional; II) proibição de recebimento de recursos financeiros de entidades ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; III) prestação de contas à Justiça Eleitoral; e funcionamento parlamentar de acordo com a lei. Do mesmo modo, as fundações mantidas pelos partidos políticos, também devem obedecer a critérios de regularidade, além das exigências prévias de caráter de assistencial. O fundameto constitucional de proibir os partidos políticos de receberem financeiros de entidades ou governo estrangeiros, é um preceito que constitui um desdobramento do dever de resguardo da soberania nacional. Importante ressaltar ainda, que a imunidade concedida aos partidos políticos e suas fundações não constitui um privilégio dos seus destinatários imediato, tem um cunho sócio-político de grande relevo nacional, favorecendo de forma racional essas unidades para a realização de suas atividades institucionais. A referida imunidade é de notável importância na concretização do Estado Democrático de Direito, a justificativa da imunidade é facilitar, por meio da exclusão de encargos tributários, a sua autonomia, para se possa impedir que qualquer forma de imposição fiscal venha a coibir sua liberdade de manifestação que lhes é inerente. 341 SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 305. 162 As vedações expressas na alínea “c”, do inciso VI, do artigo 150, da Constituição Federal brasileira de 1988, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas. O que amplia a regra contida no § 2.°, do artigo 14, do Código Tributário Nacional, que somente se referia a serviços.342 Veda a Constituição Federal de 1988 que sejam cobrados impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive de suas fundações, desde que relacionados com as finalidades essenciais dos partidos políticos. Nota-se que o referido dispositivo constitucional estabelece que a imunidade tributária ficou restrita aos impostos,343 especificamente com incidência sobre o patrimônio, a renda e os serviços dos entes ali enumerados, não alcançando o campo genérico dos tributos, dentre os quais se situam as contribuições previdenciárias.344 Ao dar imunidade aos partidos políticos, o legislador visou serem estas entidades fundadas e mantidas exclusivamente para fins públicos, como órgãos imediatos e complementares da organização estatal. Assim, é concedida imunidade aos partidos políticos por se revestirem da mesma natureza que possuem os órgãos do governo. 342 Destaque-se que a imunidade em estudo se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, mas estes são, exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais da entidade imune previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 239. 343 A imunidade prevista no artigo 150, VI, "c", da Constituição da República é relativa a eventuais rendimentos auferidos pelo partido político, e não em relação a rendimentos do trabalhador assalariado, ao qual incide o previsto no artigo 46 da Lei n.º 8.541/92. Tribunal Regional do Trabalho, 3.ª Região, AP 00027-2005-139-03-00-6, Segunda Turma, Relator Juiz Conv. Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto, de 06/02/2007; AP 00027-2005-139-03-00-6, Segunda Turma, Relator Juiz Conv. Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto, de 06/02/2007. 344 Nesta linha de pensamento, a Constituição Federal tratou de dispensar aos partidos políticos uma série de benefícios e vantagens, como esta, de não poderem ser alvo de impostos. Mas quais impostos? O imposto sobre a renda, enquanto auferem rendimentos; o imposto predial e territorial urbano, sobre os imóveis onde funcionam; o imposto sobre serviços, em relação aos serviços que prestarem a terceiros; o imposto sobre a transmissão, “inter vivos”, por ato oneroso, de bens imóveis (ITBI), enquanto adquirem imóveis, onde vão desenvolver suas atividades típicas; e assim, por diante CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário.Op. cit., p. 628. 163 a.3.2. Imunidade do Sindicato dos Trabalhadores São também imunes de impostos as entidades sindicais dos trabalhadores, entendendo-se, com isso, que o legislador quis também favorecer a sindicalização da classe trabalhadora de todos os setores, envolvendo os sindicatos de base, as federações, confederações e as centrais sindicais, estas últimas, representando a junção de várias entidades sindicais da classe dos trabalhadores. Ainda no que concerne a inclusão das centrais sindicais, é entendimento doutrinário, não revestem a natureza nem de sindicatos (primeiro grau), nem de federações (segundo grau), nem de confederações (terceiro grau) de trabalhadores. Fica claro portanto, que a Constituição Federal de 1988 prestigiou ao máximo os direitos dos trabalhadores. Neste aspecto pretendeu o constituinte incentivar a sindicalização dos trabalhadores, mormente dos que desempenham atividades mais humildes, pois se tais sindicatos tivessem que suportar a carga tributária, restariam inviáveis e não atenderiam às suas finalidades essenciais na defesa dos direitos e interesses, coletivos ou individuais, de uma categoria profissional, bem como manter serviços de orientação sobre direitos trabalhistas e defender os direitos dos associados. Em síntese,as centrais sindicais, tanto quanto as entidades sindicais de trabalhadores que as formam, não podem ser alcançadas pelos impostos. As entidades sindicais dos trabalhadores, para usufruírem da imunidade, deverão comprovar os requistos formais para tal finalidade.345 Observe-se, 345 Conforme decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Goias, Relator Desembargador Hélio Mauricio de Amorim: I. As determinações contidas no artigo artigo 150, inciso VI, c, da Constituição Federal, abrange as imunidades genéricas ou gerais, cabendo à Lei complementar estabelecer as limitações constitucionais ao poder de tributar. II. Segundo dispõe o parágrafo 8.º, do artigo 7.º, do Código Tributário municipal, as entidades sindicais dos trabalhadores, para usufruírem da imunidade, deverão apresentar a declaração de reconhecimento da imunidade, expedida pela secretaria de finanças III. Se a entidade sindical não apresenta declaração e reconhecimento da imunidade, obitida via procedimento próprio de controle, não satisfaz a exigência constante do parágrafo 8.º do artigo 7.º do CTN, estando sujeita, pois, ao pagamento do IPTU. Apelo conhecido e desprovido. TJGO; AC-ExFisc 200903143458; Goiânia; Rel. Des. Helio Mauricio de Amorim; DJGO 18/05/2010; Pág. 390. Nesta linha pode-se observar decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Relatora Desembargadora Maria Helena P. M. Martins: A imunidade consiste em limitação ao poder de tributar do ente público 164 entretanto, que a imunidade prevista na alínea “c”, do inciso VI, do artigo 150, da Constituição Federal do Brasil de 1988, deve ser lida conjuntamente com o § 4.º, do mesmo dispositivo.346 Sendo assim, tem-se que não basta que o imóvel pertença ao sindicato, federações, confederações e centrais sindicais de trabalhadores para fazer jus à imunidade tributária, é imprescindível sua relação com as finalidades essenciaisda entidade.347 Pelo disposto na Constituição, parece claro que a imunidade que abrange o sindicato dos trabalhadores não é extensiva ao sindicato patronal.348 Isto acontece pelo fato de o sindicato patronal ser representante da classe que detém um patrimônio maior e o sindicato dos trabalhadores ser um sindicato com contribuições menores. Também se deve ao fato de os filiados ao sindicato dos empregadores possuírem condições financeiras maiores que a classe dos trabalhadores.349 instituída pela Constituição da República, consoante artigo 150, VI, alínea "c". Uma vez configurada a imunidade, inexiste a relação jurídico-tributária, a obrigação tributária não chega a se instaurar e, por conseguinte, o tributo não é devido. O mero ato administrativo do Poder Público municipal de reconhecimento da imunidade tributária não possui o condão de, por si só, atribuir a qualquer entidade a qualidade de imune. Somente a Constituição Federal tem o poder de conferir tal qualificação. Recurso desprovido. TJRJ; AC 2005.001.39304; Sexta Câmara Cível; Rel.ª Des.ª Maria Helena P. M. Martins; Julg. 28/03/2006. 346 § 4.º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas. 347 Nessa medida, vasta jurisprudência tem-se firmado nos Tribunais pátrios, a exemplo, a decisão de Apelação Cível, do Tribunal de Justiça de São Paulo: Apelação Cível. Ação anulatória fiscal. IPTU lançado sobre imóvel utilizado como colônia de férias de sindicato de trabalhadores. Imunidade tributária que alcança apenas o patrimônio vinculado às atividades essenciais do sindicato. Recursos voluntário e oficial providos. Apelação Cível, do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 18/08/2010. Assim também, já decidiu Décima Quarta Câmara de Direito Público, do Tribunal de Justiça de São Paulo, relatado pelo eminente Desembargador Márcio Marcondes Machado, in verbis: Imunidade prevista no artigo 150, inc. VI, letra "c" da Carta Magna. Imóvel destinado à colônia de férias. Lazer não é finalidade essencial do sindicato. Tributo devido. Apelação não provida. Décima Quarta Câmara de Direito Público, no Agravo de Instrumento n. 757.102-5/0-00, relatado pelo eminente Desembargador Márcio Marcondes Machado, e julgado em 29/05/2008. Confira-se, também nesse diapasão, a decisão do Supremo Tribunal Federal, que exibe a seguinte ementa: 2. Afirmado pelo acórdão recorrido que a colônia de férias não é destinada às finalidades essenciais do sindicato, para se chegar a entendimento diverso seria necessário o reexame dos fatos e das provas, inadmissível no recurso extraordinário (Súmula 279). Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 245.093-6, Supremo Tribunal Federal, 1.ª Turma, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, j. 14/11/2006. 348 O elemento teleológico que justifica este comando imunitório exsurge da proteção, na relação laboral, do polo considerado hipossuficiente, isto é, aquele ocupado pelo empregado. Ademais, tal proteção vem ao encontro dos direitos sociais previstos na Carta Magna (artigo 8.°). SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 306. 349 Neste sentido, excluindo o sindicato patronal da imunidade, merece destaque a decisão do extinto Tribunal de Alçada do Paraná: Embargos à Execução – Entidade sindical dos trabalhadores - Imunidade ou isenção – Impossibilidade de interpretação extensiva. O artigo 150, inciso VI, Letra “c”, da Constituição Federal é peremptório que: “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos 165 Há controvérsias quanto ao alcance da expressão trabalhadores que é utilizada, se exclui as entidades sindicais dos empregadores e que a imunidade deve abranger as entidades sindicais em geral.350 Apesar de não existirem dúvidas quanto à imunidade abranger apenas o sindicato dos trabalhadores e não o sindicato patronal, visto ser regra expressa na Constituição Federal de 1988, que mais correto seria se a imunidade alcançasse a todos os sindicatos. Neste aspecto, o fato de apenas o sindicato dos trabalhadores ser protegido, não constitui discriminação, vez que o princípio da igualdade foi atendido no aspecto de tratar os desiguais de forma desigual, pois o sindicato patronal é possuidor de maior renda e patrimônio. Sendo justo impor deveres e direitos diferentes entre ambos, princípio da isonomia, desta forma, o legislador constituinte acertou na aplicação da régua igualitária. a.3.3. Imunidade das Instituições de Educação e Assistência Social A imunidade das instituições de educação, no contexto histórico do ordenamento jurídico brasileiro, se faz presente desde a Carta Magna de 1946 (artigo 31, V, “b”), mantendo-se presente nos textos constitucionais que a sucederam, Carta de 1967/69 (artigo 19, III, “c”) e na Constituição Federal brasileira atual (artigo 150, VI, “c”). Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre: o patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação, e da assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei. Assim não há possibilidade de interpretação extensiva para abranger os sindicatos patronais. Recurso desprovido. AC. 8.872 do TAPR, 3.ª Cam. Cív. AC 106.838.000 – Maringá, Juiz conv. Eugenio Achille Grandinetti, j. de 198-1997, publ. em 5-9-1997, Juiz, Saraiva, n.°17. 350 A letra do dispositivo constitucional refere-se apenas a entidades sindicais dos trabalhadores, o que revela o seu caráter demagógico. Estariam os sindicatos patronais sujeitos a tributação? Poderia o Estado esmagálos com impostos? A liberdade de associação seria assegurada apenas aos trabalhadores? Qual abrangência da palavra trabalhadores, no texto em questão? Parece-nos que a imunidade deve abranger as entidades sindicais em geral, mas o dispositivo constitucional esta aí, a desafiar a argúcia dos hermenêutas que não pretenderem ficar com a sua literalidades MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 238. 166 Justifica-se como elemento teleológico deste tipo de imunidade, a proteção à educação e ao ensino (arts. 205, 208 e 214,351 todos da Constituição Federal de 1988). A imunidade tributária conferida às instituições de educação sem fins lucrativos, conforme disposição constitucional, traz uma visão social de extrema relevância, no sentido de preservar essas entidades da cobrança de impostos incidentes sobre o patrimônio, a renda e os serviços, com o fim de assegurar-lhe condições mínimas para o seu pleno desenvolvimento e, por via de consequência, o cumprimento das elevadas finalidades a que estão voltadas, qual seja: a arte de educar.352 351 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 205, a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. § 1.º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2.º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. § 3.º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola. Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à: I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do País. 352 Neste sentido, decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que acentua a necessidade de comprovação da finalidade não-lucrativa da entidade de ensino para fins de cencessão da imunidade tributária: Exigências constitucionais e legais não atendidas pela instituição que almeja ser beneficiada com a benesse constitucional - Ausência de requerimento à autoridade administrativa para o reconhecimento da finalidade não-lucrativa da entidade de ensino - Prosseguimento da execução fiscal - Recurso provido. TJMS; AC-Ex 2009.028035-1/0000-00; Naviraí; Quarta Turma Cível; Rel. Des. Atapoã da Costa Feliz; DJEMS 21/09/2010; Pág. 39. Ainda, neste sentido: 1. O recurso de apelação da União Federal é intempestivo. Até 16 de julho de 2004 (quando passou a vigorar a alteração trazida pela Lei n.º 10.910/04 ao disposto no artigo 3.º da Lei n.º 4.348/64), a notificação da sentença era feita à autoridade coatora, contando-se a partir daí o prazo para a 167 Em outras palavras, é inaceitável que se cobre o imposto sobre uma atividade que, na essência, equipara-se à própria ação do Estado, substituindo-a no mister que lhe é próprio e genuíno. Equipare a uma cobrança de um imposto sobre a seara tributável por outro imposto.353 A intributabilidade se justifica porquanto a entidade imune exerce uma ação por bem dizer paralela à do próprio Estado, uma obra qualitativamente equiparável à que o Poder Público impende exercer no provimento das necessidades coletivas.354 Desta feita, pode-se definir as instituições de educação como aquelas que auxiliam o Estado na consecução dos ditames dos artigos 205usque214, da Constituição Federal vigente, objetivando o desenvolvimento pleno da pessoa, preparando-a para o exercício da cidadania e para o ingresso qualificado no mercado de trabalho. Somente através da educação o indivíduo que provêm das classes mais pobres, principalmente nos Países em desenvolvimento, irá mudar a sua realidade e de seus entes próximos. Conceder a imunidade tributária as instituições de ensino interposição de apelação. 2. Para gozar da imunidade estipulada no artigo 150, os contribuintes devem ser entidades de educação e assistência social sem fins lucrativos. Devem, ainda, preencher os requisitos estipulados no artigo 14 do CTN. 3. Enquadrando-se nos patamares estabelecidos, a instituição tem direito à imunidade, não podendo, o ente público, exigir dela outros pressupostos além desses já previstos em lei. 4. O parágrafo primeiro do artigo 12 da Lei n.º 9.532/97 impede, expressamente, que a imunidade compreenda os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável. 5. A vedação, entretanto, além de conter vício formal por disciplinar limitação ao poder de tributar por meio de lei ordinária, contém uma visão distorcida sobre as aplicações financeiras realizadas pelas instituições sem fins lucrativos. 6. A pessoa jurídica não pode ter como finalidade ou objetivo lucrar, mas isso não significa que esteja impedida de otimizar suas atividades, auferindo renda que possa ser revertida para proveito e incremento da própria instituição. 7. O STF pacificou o entendimento de que o § 1.º do artigo 12, assim como o artigo 13, caput, e o artigo 14 da Lei n.º 9.532/97 não podem ser aplicados ao suspender a eficácia de tais dispositivos legais. 8. Apelação da União Federal não conhecida. Remessa oficial desprovida. TRF 3.ª R. ; AMS 197449/SP, 2000.03.99.000722-2, 3.ª T.; Rel. Des. Fed. Márcio Moraes , DJU 08/02/2006. 1- É defeso a incidência de imposto de renda sobre aplicações financeiras das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, que atendam aos requisitos de lei, conforme determina o artigo 150, VI, "c", da CF/88. 2- O Egrégio STF, quando do julgamento da ADIn n.º 1802-3/DF, ao apreciar o pedido liminar na medida cautelar, decidiu suspender, até decisão final da ação, a vigência do § 1.º do artigo 12 da Lei n.º 9.532/97, inexistindo, pois, qualquer distinção entre os impostos de que estão imunes as instituições de assistência social. A tutela em controle abstrato tem eficácia erga omnes (STF, RE 442.638 Agr/MG, rel. Min. Carlos Velloso, DJU 04/10/05, p. 58; STF, Rcl 2256/RN, rel. Min. Gilmar Mendes, DJU 30/4/04, p. 34), que dispensa a incidência ao artigo 97 da Constituição Federal, por força do parágrafo único do artigo 481 do CPC. 3- Apelação e remessa improvidas. TRF 2.ª R.; AMS 98.02.36538-6, 4.ª T.Esp.; Rel.ª Des.ª Fed. Lana Regueira , DJe 18/01/2010, p. 76. 353 SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 306. 354 BRAGA, Leopoldo. Do conceito jurídico de instituições de educação ou assistência social. Rio de Janeiro: s/ed., 1971, p. 89. 168 sem fins lucrativos é um dos mecanismos de suprir a carência estatal neste setor desamparado em todos os aspectos, em especial nas regiões brasileiras menos favorecidas, locais onde sobram os rescaldos da violência, da alienação, da fome, do desemprego, das carências de todas as formas de vida humana digna, das brutalidades cometidas contra etnias indígenas, menores infratores, mulheres; locais onde impera somente a subnutrição, o analfabetismo, a miséria, o sofrimento e a morte. É cediço, que a educação não abrange apenas o conhecimento formal, mas também aquele que permite ao indivíduo conviver em harmonia com seus semelhantes, na busca constante de uma sociedade mais justa e melhor para todos. Quanto à imunidade das entidades de ensino, cabe esclarecer que o constituinte não teve a intenção de beneficiar economicamente os dirigentes ou proprietários das instituições de educação, mas sim, cooperar com esses núcleos como forma de incentivo ao processo de busca de uma melhor qualidade de ensino e aumento de vagas nas escolas e universidades, que refletem na liberdade de aprender, ensinar e divulgar o pensamento, a cultura e o saber. Com este processo de socialização do acesso à educação permite-se o desenvolvimento intelectual, moral e social do ser humano, além do desenvolvimento do próprio Estado, posto que o desenvolvimento da nação depende do nível intelectual de seu povo, do seu preparo para o exercício da cidadania, da garantia dos valores relativos a dignidade da pessoa humana, e do investimento para a sua qualificação profissional pelo Estado e pela família. A educação e a possibilidade de acesso a ela não podem ser ignorados pelos Poderes Públicos, pois trata-se de interesse social de grande relevância na construção do Estado Democrático de Direito. E de acordo com a Constituição Federal de 1988, chamada de “Constituição Cidadã”, não poderia ser de outro modo, visto que, a educação é tida como um direito de todos e um dever do Estado, carecendo de constante incentivo, de modo a 169 proporcionar o pleno desenvolvimento das pessoas. Afinal, sem educação o povo não tem como progredir e o próprio Estado deixa de aprimorar-se. Desta forma, é incontestável a relevância e o valor da educação na solidificação de uma nação, e em face das deficiências do Estado nessa esfera, houve por bem, o constituinte autorizar que fosse o ensino proporcionado também por meio de instituições privadas. Com efeito, o artigo 209, da Constituição Federal vigente declara textualmente ser o ensino livre à iniciativa privada, bastando que ela: i) cumpra as normas gerais da educação nacional, ii) tenha autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. Necessário esclarecer que a educação aqui mencionada, não se trata de convencional transmissão de conhecimentos, através de aulas expositivas, inclusive em cursos de pós-graduação (stricto e lato sensu), é mais ampla, abrange toda e qualquer forma de acesso a cultura e à ciência. A educação na verdade, vai muito além das atividades acadêmicas, compreendendo à pesquisa; à realização de perícia a órgãos ou instituições públicas ou privadas; à análise de áreas de risco, para fins de acionamento da defesa civil; à certificação da higidez, para fins de exportação, de produtos fabricados por micro e pequenas empresas; e extensão.355 355 O ensino é a transmissão de conhecimento ou de informações úteis à educação. Esta deve ser compreendida de modo lato, incluindo, de um lado, a proteção à educação formal ou curricular, por meio de entidades que têm um objetivo estritamente didático, com currículos aprovados pelo Governo (v.g.,escolas, faculdades, universidades etc.) e de outro, a guarida à educação informal ou extracurricular, abrangendo instituições culturais que não se propõem precipuamente a fornecer instrução (bibliotecas, associações culturais, centros de pesquisa, museus, teatros, centros de estudos etc). TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Op. cit., p. 257. Para Osiris Lopes Filho: a exigência constitucional é a de que tais instituições não tenham 'fins lucrativos'. A proibição de que elas obtenham remuneração pelas suas atividades é irreal e inconstitucional. A finalidade delas é que não pode ser a de obter lucros. Mas é elementar que, para prestar serviços gratuitos aos necessitados, elas têm de ter recursos para cobrir o custeio dessa gratuidade. Essa nova exigência é inconstitucional, não apenas por impossibilitar a sobrevivência dessas instituições, mas também por invadir a esfera de atuação da lei complementar por instrumento legal inidôneo, a MP. Com efeito, a CF, em seu artigo 146, II, dispõe que cabe a lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. É inequívoco que a imunidade, como proibição constitucional de fazer incidir imposto, é uma restrição ao poder de tributar. O Código Tributário Nacional, que tem natureza de lei complementar, em seu artigo 14 já disciplina a matéria. A terapêutica governamental é cavalar. Para eliminar a doença (os desvios de finalidade), mata-se o paciente. LOPES FILHO, Osiris. Volúpia inconstitucional. São Paulo: Folha de São Paulo, edição de 07/12/1997, Seção Dinheiro, p. 2. Ainda neste sentido, com efeito, lembra Ricardo Lobo Torres: (...) o conceito de instituições de educação abrange assim as que se dedicam à instrução formal, como as que promovem a formação extracurricular, bem como as instituições de fins culturais. As instituições de assistência social são as que socorrem a maternidade, a infância, a velhice e a pobreza. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12.ª ed., Rio de Janeiro: Editora Renovar Ltda, 2005, p. 65. 170 Quanto à imunidade das entidades de assistência social, trata-se de imunudade fiscal que consta da retórica constitucional brasileira desde a Carta Magna de 1946 (artigo 31, V, “b”), mantendo-se presente nos textos constitucionais que a sucederam, Carta de 1967/69 (artigo 19, III, “c”) e na Constitução de 1988 (artigo 150, VI, “c”). A imunidade das entidades de assistencia social têm como elemento teleológio justificar a proteção à assistência social (artigo 203 e 204,356ambos da Constituição Federal de 1988), que se concretiza, em direitos humanos inalienáveis e imprescritíveis, tendentes à prescrição do mínimo existencial.357 As instituições de assistência social são aquelas que auxiliam o Estado (artigo 204, inciso II, da Constituição Federal de 1988) no atendimento dos direitos sociais (artigo 6.°,358 da Constituição Federal de 1988), tais como a saúde, a segurança, a maternidade, o trabalho, a moradia, a assistência aos desamparados etc. Nota-se, portanto, que a vedação de tributação a essas entidades, é espécie de incentivo à iniciativa privada em cooperar com as ações governamentais na 356 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 203, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. Parágrafo único. É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: I - despesas com pessoal e encargos sociais; II - serviço da dívida; III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados. 357 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Op. cit., p. 308. 358 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 6.º, são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 171 consecução dos seus objetivos assistenciais, seja através de proteção à família, integração ao mercado de trabalho, saúde, segurança, previdência social, proteção aos desamparados, tudo no sentido de promover a dignidade da pessoa humana, enquanto relevante instrumento de representatividade do Estado democrático. É nesse diapasão que as instituições de assistência social, sem fins lucrativos, prestam um favor à sociedade, realizando o que era de obrigação estatal, e, por falta de estrutura adequada e recursos, infelizmente, não faz. Assim, a imunidade, no caso em questão, é uma pequena compensação do muito que estas entidades altruisticamente fazem em favor dos mais necessitados. É bem verdade, que as instituições de assistência social, sem fins lucrativos, foram declaradas, pela Costituição Federal, imunes a impostos exatamentem porque secundam o Estado na realização do bem comum. Desta forma, tais instituições avocam para si aquelas atribuições que são típicas do Estado, portanto é louvável que usufruam de certos benefícios, como o de não serem obrigadas a pagar impostos.359 359 Ampla é a jurisprudência firmada nos tribunais brasileiros, neste sentido. Valendo a transcrição de trecho de acórdão do Agravo de Instrumento, Relator Desembargador Celso Bonilha: Não se pode olvidar, ademais, a autora invocou como fundamento da ação principal estar amparada por imunidade tributária, o que, se efetivamente aplicável ao caso em tela, importa reconhecer que, a alteração introduzida pela Emenda Constitucional no 33/01 não tem qualquer efeito na hipótese vertente. Já decidiu esta colenda Oitava Câmara de Direito Público, em caso parelho ao dos autos, por v. acórdão da lavra do ilustre Desembargador Paulo Travain, que: 'A agravante é uma Fundação, entidade sem fins lucrativos, que tem por finalidade a educação, a assistência social e a proteção aos necessitados, voltada à manutenção de ambulatório médico, escola, sanatório, asilo, etc. (fls. 31/35). Por isso, foi declarada de utilidade pública pelos Governos do Estado de São Paulo (fls. 40) e da União (fls. 41/42), e reconhecida pelo Conselho Nacional de Assistência Social (fls. 47/48). Assim, está imune ao ICMS em face do disposto no artigo 150, inc. VI, letra 'c' da CF, dispositivo plenamente vigente. A Emenda Constitucional n.° 33, de 11 de dezembro de 2001, na verdade, apenas alterou a letra "a", do inc. IX, do par. 29, do artigo 155, da CF, para ali incluir a 'pessoa física' ao lado da pessoa jurídica, 'ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade ...'. O que o legislador constituinte fez foi explicitar que o ICMS é devido no caso de importação de bens ou mercadorias pela pessoa física, mesmo que não seja contribuinte habitual, e isto em virtude da controvérsia jurídica decorrente da grande quantidade de importação de veículos, móveis, etc. que vinha ocorrendo. Logo, a referida Emenda (EC n° 33) em nada alterou a situação da recorrente e das demais entidades referidas na letra 'c', do inc. VI, do artigo 150. Este dispositivo cuida de imunidade desta entidades e consta da Seção II, afeta às Limitações do Poder de Tributar. Por isso, a questão não deve ser analisada à luz do artigo 155, par. 29, inc. IX, letra 'a', da CF, porque inserido na Seção IV, que cuida genericamente dos impostos dos Estados, e esclarecendo quando incide o ICMS. Mas, a incidência fica afastada nas hipóteses de imunidade, logicamente. Assim, são equivocados os argumentos da agravada'. Agravo de instrumento n° 263.279.5/0, publicado in JTJLex 255/280. Ainda reforçando tal posicionamento jurisprudencial: Mandado de segurança - ICMS - Entidade Beneficente de Assistência Social. Pretensão de reconhecimento de imunidade nas operações de aquisição de bens importados (CF, artigo 150, inciso VI, alínea "C") e de isenção (RICMS, Anexo I, artigo 38). 172 Importante mencionar a posição jurisprudencial firmada, quanto à necessidade de que tais entidades tenham o desenvolvimento de sua atividade voltada aos hipossuficientes, com a prestação do serviço, que certamente seria função do Estado.360 Admissibilidade. Cumprimento dos requisitos do artigo 14 do CTN. Comprovação da destinação dos bens médico-hospitalares aos fins essenciais da entidade. Presença de direito líquido e certo. Segurança concedida. Reexame necessário e apelação não providos. AC. n° 374.677.5/0-00, Santa Casa de Misericórdia de Piracicaba, rei. Des. Antônio Celso Aguilar CortezJ. 19.10.2009. Apelação- Mandado de Segurança - ICMS – Instituição sem fins lucrativos. Importação de equipamento médico-hospitalar, destinado a integrar o patrimônio fixo da entidade. Incidência do artigo 150, inciso VI, alínea "a", da Constituição Federal – Imunidade reconhecida. Precedentes. Sentença mantida. Recursos improvidos. AC. n° 609.396.5/4-00, relator Des. Sérgio Gomes, j . em 05/11/2008. 360 1. No julgamento da ADIN 2028, o STF se posicionou sobre quais são as entidades abrangidas pela imunidade do artigo 195, § 7.º, da CF, afirmando que elas são aquelas beneficentes de assistência social, não estando restrito o preceito, portanto, às instituições filantrópicas. Indispensável, é certo, que se tenha o desenvolvimento da atividade voltada aos hipossuficientes, àqueles que, sem prejuízo do próprio sustento e o da família, não possam se dirigir aos particulares que atuam no ramo buscando lucro, dificultada que está, pela insuficiência de estrutura, a prestação do serviço pelo Estado. 2. A cláusula inscrita no artigo 195, § 7.º, da Carta Política - não obstante referir-se impropriamente à isenção de contribuição para a Seguridade Social - contemplou com o favor constitucional da imunidade tributária, desde que preenchidos os requisitos fixados em Lei. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal já identificou, na cláusula inscrita no artigo 195, § 7.º, da Constituição da República, a existência de uma típica garantia de imunidade (e não de simples isenção) estabelecida em favor das entidades beneficentes de assistência social. 3. Dispondo o referido § 7.º do artigo 195 da Constituição Federal sobre limitação constitucional ao poder de tributar, cumpre a sua regulamentação à Lei Complementar, nos precisos termos do inciso II do artigo 146 da mesma Constituição. 4. Confirma essa regra o entendimento que compatibiliza o seu enunciado com a possibilidade de veiculação por Lei ordinária das exigências específicas para o alcance às entidades beneficentes de assistência social do benefício de dispensa do pagamento de contribuições sociais para a Seguridade Social, na forma do já mencionado § 7.º do artigo 195 da Constituição Federal. 5. Assim, fica reservado o trato a propósito dos limites do benefício de dispensa constitucional do pagamento do tributo, com a definição do seu objeto material, mediante a edição de Lei Complementar, pertencendo, de outra parte, à Lei ordinária o domínio quanto às normas atinentes à constituição e ao funcionamento das entidades beneficiárias do favor constitucional. 6. Constitucionalidade dos artigos 55 da Lei n.º 8.212/91, 5º da Lei n.º 9.429/96, 1.º, da Lei n.º 9.528/97 e 3.º, da MP n.º 2.187/01, o primeiro na sua integralidade e os demais nos tópicos em que alteraram a redação daquele, os quais versam sobre os requisitos necessários à fruição do benefício constitucional de dispensa do pagamento de contribuições sociais para a Seguridade Social, contemplado no § 7.º do artigo 195 da Constituição Federal em favor das entidades beneficentes de assistência social. Recente jurisprudência do Excelso Supremo Tribunal Federal, bem como da Colenda Corte Especial deste Tribunal (Incidente De Arguição De Inconstitucionalidade na AC N.º 2002.71.00.005645-6/RS, Rel. Des. Federal Dirceu De Almeida Soares, Rel. para acórdão Desª. Federal Marga Inge Barth Tessler, D.E. Publicado em 29/03/2007). 7. Ainda tomando-se por base a corrente intermediária adotada pelo Egrégio STF e pela Colenda Corte Especial deste Regional, também é possível concluir-se que a necessidade de obtenção e renovação dos certificados de entidade de fins filantrópicos é requisito formal para a constituição e funcionamento das entidades e, portanto, constitui matéria que pode ser tratada por Lei ordinária. Precedente desta Turma. 8. Não há direito adquirido a regime tributário, ainda que a entidade tenha sido reconhecida como de caráter filantrópico na forma do Decreto-Lei n. 1.572/1977. Inteligência da Súmula do STJ verbete de n.º 352. 9. Não comprovados os requisitos exigidos em Lei, a parte autora não faz jus ao reconhecimento da imunidade pretendida. 10. Verba honorária fixada em 10% sobre o valor atribuído à causa, em favor da União, nos termos do artigo 20 §§ 3.º e 4.º, do CPC. TRF 4.ª R.; AC 0001867-02.2008.404.7113; RS; Segunda Turma; Rel.ª Juíza Fed. Vânia Hack de Almeida; Julg. 14/09/2010; DEJF 24/09/2010; Pág. 98. 1- O benefício fiscal erigido em favor das entidades filantrópicas tem contornos de isenção e não de imunidade quanto às condições legais para seu gozo, pois o legislador constitucional ressalvou expressamente o atendimento "às exigências estabelecidas em lei" (CF, artigo 195, § 7.º) sendo válidas, 173 Também são consideradas instituições assistenciais as instituições fechadas e de previdência privada, também conhecidos como fundos de pensão, que, por sua natureza orgânica e finalidades estão abrangidas pelo benefício constitucional, já que não possuem animus dstribuendi, muito embora, por vezes, tenham anumis lucrandi, preencham os requisitos da universalidade (generalidade), ainda que restrita a uma categoria de pessoas e miram o interesse público. Tais instituições fazem jus a imunidade, desde que atendam os requisitos do artigo 14, incisos I, II e III, do Código Tributário Nacional. Na disposição constitucional que trata da imunidade das instituições de educação sem fins lucrativos e de assistência social, é manifesta a prudência e o senso de justiça do legislador constituinte ao determinar que a imunidade em questão seja dirigida apenas às instituições sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei, ficando, portanto, a cargo da Lei Complementar definir as condições necessárias para levar a efeito a execução dessa imunidade. O principal requisito legal para ser reconhecida entidade sem fins lucrativos é que lucro auferido não seja distribuído aos sócios, nada impede que as entidades venham a desempenhar atividade econômica, e obtenham lucro, com a condição de que este lucro apurado seja revertido na promoção de seus objetivos assistênciais. E a lei regulamentadora da espécie é o próprio Código Tributário Nacional, e a Lei Complementar n.º 104/2001, que alterou as disposições contidas no artigo 9.º, IV, alínea "c",361 e o artigo 14, I, do CTN, cujo texto elege como requisitos portanto, as disposições insertas no artigo 12 da Lei n.º 9.532/97 e no artigo 55 da Lei 8.212/91. Descabe exigir-se a edição de lei complementar para tanto. 2- O Plenário do Supremo Tribunal Federal, na ADI-MC 1.802/DF, suspendeu a vigência apenas do § 1.º, do artigo 12, da alínea f do § 2.º e dos arts. 13 e 14 da combatida Lei n.º 9.532/1997, permanecendo válidos os demais requisitos, cujo preenchimento não restou comprovado pela autora. 3- Apelação da autora improvida. TRF 3.ª R.; AMS 197449/SP-2000.03.99.0007222, 3.ª T. ; Rel. Des. Fed. Márcio Moraes, DJU 08/02/2006, p. 624. 361 Código Tributário Nacional, art. 9.º, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: IV - cobrar imposto sobre: c)o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo; 174 configuradores da ausência de lucro das instituições de ensino ou assistência social.362 Pelos requisitos do artigo 14, incisos I, II e III, do CTN, a entidade não poderá distribuir parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, devendo manter as suas receitas integralizadas, sem a distribuição de lucros, dividendos ou bonificações a seus dirigentes os associados. Quanto a obrigação de aplicar integralmente os seus excedentes financeiros no País, e em projetos voltados ao investimento dos seus objetivos institucionais, nesse sentido o alcance da imunidade tem como interesse nacional estimular ações internas.363 Configura-se hodiernamente, este o entendimento esposado pela melhor doutrina, pois a noção que se tem das entidades de assistência social, remete a ideia de uma organização permanente voltada à realização de atividades sociais, sem intuito de lucro ou vantagem econômica. Dentro do conceito de instituição de assistência social estariam incluídas as instituições de previdência privada fechada que, por força de lei, não tem finalidades lucrativas, embora se formem mediante contribuição de seus filiados e atinjam um círculo restrito de beneficiários.364 362 Código Tributário Nacional, art. 14, o disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9.º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. § 1.º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1.º do artigo 9.º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício. § 2.º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9.º são exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos. 363 (...) beneficente é aquela entidade que atua a favor de outrem que não seus próprios instituidores ou dirigentes, podendo ser remunerada por seus serviços. Filantrópica é entidade com idêntico escopo, mas cuja atuação é inteiramente gratuita, ou seja, nada cobra pelos serviços que presta. O constituinte ao outorgar a "imunidade" dos impostos não falou em "filantropia, mas em entidades beneficentes de "assistência social e de educação" e, ao cuidar das contribuições sociais, cuidou de entidades beneficentes e não apenas das entidades filantrópicas. (...) A condição essencial para que uma entidade seja beneficente é, a meu ver, cumprir o disposto no artigo 14 do CTN, que, na sua redação original, exigia apenas, a aplicação dos recursos no país, a não distribuição de benefícios a seus diretores e a escrituração regular. As alterações da LC 104/201 não atingiram, todavia, o âmago do perfil nem poderia fazê-lo continuando a haver a distinção entre entidades filantrópicas e beneficentes. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. Op. cit., p. 83. 364 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Op. cit., p. 58. 175 O sistema de previdência privada tem por finalidade garantir aos seus segurados quanto seus dependentes meios de manutenção em casos de incapacidade física, desemprego involuntário, idade avançada, morte ou tempo de serviço e é organizado sob a forma de dois regimes: Regime Geral de Previdência Social, integrado por qualquer cidadão e o Regime Próprios de Previdência Social, para funcionários públicos e militares. Ocorreu um aumento no número de planos de previdência privada complementar no Brasil devido ao aumento da expectativa de vida e pela crise da previdência social. Dessa forma, o objetivo do legislador quando concede imunidade tributária a previdência privada e equipará-la a previdência social, e garantir a proteção aos trabalhadores e manter o padrão de vida do trabalhador durante a sua aposentadoria, equiparando ambas. Assim, a partir desse raciocínio as entidades de previdência privadas, denominados fundos de pensão, limitadas a certos ramos de atividade ou profissão, na forma do artigo 149, da Constituição Federal de 1988, se ajustam perfeitamente aos ditames da imunidade previsto no artigo 150, IV, “c”, também da Carta Maior. Em breve análise, por outro lado, a Constituição Federal atual, no Título VIII, Capitulo II, Seção IV, que cuida da Assistência Social disciplina que: A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (art. 203). Observa-se que o sentido de assistência social previsto na parte referente ao sistema tributário, no artigo 149,365 e assistência social prevista no artigo 203, 365 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 149, compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, 176 ambos da Constituição Federal vigente, não tem a mesma identidade, posto que na hipótese do artigo 149 a seguridade social é promovida pelos próprios servidores ou grupos profissionais de determinadas categorias através do pagamento de contribuições, visando a garantia dessa assistência; enquanto que assistência social prevista no artigo 203, é promovida através da iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinados a realização dos objetivos traçados nos seus incisos I usque IV, acima elencados.366 Prevista na Constituição Federal brasileira de 1988, a imunidade condicionada engloba as instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos e que atendam aos requisitos da lei.367 como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6.º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. § 1.º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União. § 2.º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; II - incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços; III - poderão ter alíquotas: a)ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada. § 3.º A pessoa natural destinatária das operações de importação poderá ser equiparada a pessoa jurídica, na forma da lei. § 4.º A lei definirá as hipóteses em que as contribuições incidirão uma única vez. 366 Em relação ás entidades de assistência social, cujo perfil da imunidade desenhada pela jurisprudência abrange inclusive as entidades fechadas de previdência social, o constituinte optou por duas conformações de assistência social. A conformação lato sensu, que abrange previdência, saúde e assistência social propriamente dita, e a stricto sensu, que só hospeda a assistência social, fora das hipóteses previdenciárias e de saúde. O Artigo da Assistência stricto sensu está no artigo 203 no capítulo da Seguridade Social. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. Op. cit., p. 84. 367 Firma-se vasta jurisprudência acerca desta temática nos Tribunais pátrios: 1- Prescrição quinquenal, com termo inicial na data do pagamento e final no ajuizamento da ação. 2- O artigo 195, § 7.º, da CF, não dispõe sobre imunidade, mas, sim, sobre isenção, tanto que sujeitou a regulamentação da matéria ao estatuto ordinário da "lei". 3- A Constituição Federal - Além de imputar à lei a disciplina da isenção, para as "entidades beneficentes de assistência social" (art 195, § 7.º) - Foi expressa ao tornar intangível à tributação Verbis: "independentemente de contribuição à seguridade social" (artigo 203, "caput") - O sujeito passivo da benemerência, ou seja: "quem dela necessitar" (idem). 4- O Texto Maior não veta a possibilidade do legislador ordinário conferir a gratuidade também ao prestador da assistência social. Trata-se de potencial medida de política pública. A proteção da política constitucional é garantia, tão só, de "quem dela necessitar". 5- A contestação quanto aos requisitos legais da gratuidade exclusiva, em certas circunstâncias, e da proporcionalidade da isenção em relação à contrapartida, em outras, não vai além das alegações genéricas, isoladas de prova bastante e suficiente a demonstrar a impossibilidade da manutenção da prestação de serviço de assistência social. 6- Se não há prova do quanto seja objeto de alegação, a falta de razoabilidade da lei não se presume. A definição de políticas públicas pelos Poderes Legislativo e Executivo não pode ser atalhada pelo Poder Judiciário. 7- Apelação e remessa oficial parcialmente providas. TRF 3.ª R.; Ap-RN 2002.61.03.000060-7/SP, 4.ª T.; Rel. Des. Fed. Fabio Prieto, DJe 15/07/2010, p. 979. 177 A expressão sem fins lucrativos não significa que as entidades mencionadas devam limitar a entrada de recursos às suas despesas e aos seus custos operacionais, elas apenas não podem distribuir os lucros, que devem ser investidos na própria instituição. Todas as disponibilidades devem ser aplicadas na manutenção de seus objetivos institucionais.368 Quando o dispositivo menciona aos requisitos da lei, faz referência à lei complementar prevista no artigo 146, inciso II,369 da Constituição Federal do Brasil de 1988.370 Estes requisitos estão previstos no artigo 14, do Código Tributário Nacional, exige este diploma que as instituições de educação e de assistência social, para gozarem da imunidade, não distribuam nenhuma parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação no seu resultado; apliquem I- Consoante o "caput" e § 1.º-A, do artigo 557, do Código de Processo Civil, o Relator está autorizado, por meio de decisão monocrática, na hipótese de manifesta inadmissibilidade, improcedência ou confronto com a jurisprudência dominante da respectiva Corte ou de Tribunal Superior a negar seguimento ou dar provimento ao recurso. II- As entidades de educação ou assistência social, sem fins lucrativos, comprovadas essas qualidades, gozam da imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, "c", da Constituição da República de 1988. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e desta Corte. III- O artigo 12, § 1.º, da Lei n.º 9.532/97, que retira das instituições de educação ou assistência social a imunidade com relação aos ganhos de capital e rendimentos auferidos em operações financeiras, teve a eficácia suspensa pela Suprema Corte, por ocasião da apreciação da Medida Cautelar na ADI 1.802/DF, deixando, pois, de ter aplicação. IV- Inexistente ofensa à cláusula de reserva de Plenário (CR/1988, artigo 97) porquanto a decisão agravada não declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais apontados, apenas deixou de aplicar norma de eficácia suspensa, pelo Excelso Pretório, por reconhecida afronta à Lei Fundamental (ADI-MC 1.802/DF). V- No julgamento ADI-MC 1.802/DF o Supremo Tribunal Federal não determinou a suspensão dos processos em tramitação sobre a matéria, tendo já manifestado no sentido da improcedência do sobrestamento do feito, em razão da referida decisão cautelar (STF, 2T, AI 508567 AgR, Min. Ellen Gracie, DJe 27.08.2009). VI- Agravo legal improvido. TRF 3.ª R.; AG-AC 1999.03.99.077560-9/S, 6.ª T., Rel.ª Des.ª Fed. Regina Costa, DJe 06/07/2010, p. 679. 368 Em relação às entidades educacionais e assistenciais, há que se esclarecer que não ter finalidades lucrativas não significa que a entrada de recursos deve ser limitada aos custos, pois as entidades podem e devem obter recursos destinados ao seu desenvolvimento CHIMENTI, Ricardo Cunha. Op. cit., p. 34. Com efeito, quando se fala em entidade sem fim lucrativo, está-se querendo significar aquela cujo criador (ou instituidor, ou mantenedor, ou associado, ou filiado) não tenha fim de lucro para si, o que, obviamente, não impede que a entidade aufira resultados positivos (ingressos financeiros, eventualmente superiores às despesas) na sua atuação. Em suma, quem cria a entidade é que não pode visar lucro. A entidade (se seu criador não visou lucro) será, por decorrência, sem fim de lucro. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. Op. cit., p. 149. 369 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 146, cabe à lei complementar: II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; 370 A lei a que se refere a alínea deve ser entidade não como lei ordinária, mas como lei complementar. Duas razões principais sustentam essa assertiva. Em primeiro lugar, tratando-se de “limitação do poder de tributar”, cabe à lei complementar a função precípua de regular a matéria, “complementando” a disciplina constitucional (artigo 146, II). Em segundo, a imunidade abrange um largo espectro de tributos, de competência de diferentes entes políticos; há de haver, portanto, norma uniforme, geral, que se aplique às diversas esferas de poder, o que, no campo tributário, também é assunto de lei complementar. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. Op. cit., p. 148. 178 integralmente no país os seus recursos, na manutenção dos seus objetivos institucionais; e mantenham escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.371 Esses requisitos impostos pela lei para concessão de imunidade às entidades educacionais e de assistência social são suficientes para se verificar a finalidade da concessão, na medida em que estas entidades não possuem fim lucrativo, devendo observar a regra do artigo 14, do Código Tributário Nacional, qual seja, a não distribuição de patrimônio ou renda a título de lucro ou participação no seu resultado. Assim, percebe-se que a imunidade das instituições de educação e de assistência social somente ocorre se respeitados os requisitos do artigo 14,372 do Código Tributário Nacional, daí porque é conhecida por imunidade condicionada. O referido artigo do Código Tributário Nacional enumera os requisitos de legitimação para a fruição da benesse constitucional. Na medida em que a pessoa jurídica que consta da alínea “c”, do inciso VI, do artigo 150, da Constituição Federal de 1988, cumprir os requisitos do artigo 14, do Código Tributário Nacional, terá direito à imunidade. Neste aspecto tem-se duas modalidades de imunidades: incondicionada e condicionada. As imunidades incondicionadas, que não dependem do cumprimento de certos requisitos, veiculados em normas distintas daquelas definidoras da 371 A exemplo, jurisprudência firmada pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região: A imunidade, como regra de estrutura contida no texto da Constituição Federal, estabelece, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e determinadas. Pela análise dos autos, logrou o impetrante provar o cumprimento dos requisitos previstos no artigo 14 do Código Tributário Nacional, de forma a amparar o gozo da imunidade tributária sobre o IOF e Imposto de Renda Retido na Fonte incidente sobre ganhos e rendimentos obtidos pelas aplicações financeiras de renda fixa ou variável. Afastada a aplicação da norma inscrita no artigo 12 da Lei n.º 9.532/97, em face da jurisprudência sedimentada do STF, em decorrência do julgamento pelo seu plenário na Medida Cautelar na ADI 1802-3-DF, ReI. Min. Sepúlveda Pertence. Remessa oficial não provida. TRF 3.ª R.; RN 1999.03.99.106768-4/SP, 3.ª T.; Rel. Des. Fed. Nery Junior, DJe 06/07/2010, p. 358. 372 Código Tributário Nacional, art. 14, o disposto na alínea “c” do inciso IV, do artigo 9.º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III- manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. 179 imunidade. E e as imunidades condicionadas, vinculadas ao cumprimento de requisitos previstos na própria Constituição ou na legislação infraconstitucional, normalmente, são identificadas em função do cumprimento de requisitos estabelecidos em leis infraconstitucionais. Neste passo, é preciso verificar se a conduta, o comportamento, a dinâmica social da pessoa física ou jurídica realiza-se de certa forma ou de certo modo posto pela Constituição, assim, um mesmo bem, atividade ou operação poderia ser imune ou não, tudo dependendo da forma como foi empregado ou utilizado, conforme critério posto diretamente no texto constitucional. Exemplo é do art. 150, inciso VI, alínea “c” da Constituição Federal, encontra-se a prescrição da imunidade, quanto aos impostos, o § 4.°, estabelece, que a imunidade está relacionada com as finalidades essenciais das entidades, sendo: (a) patrimônio, renda ou serviços; (b) relação dos aspectos anteriores com as finalidades essenciais; (c) entidade sindical de trabalhador; partido político, incluindo suas fundações; instituição de educação ou de assistência social; (d) ausência de finalidade lucrativa; (e) atendimento dos requisitos legais. A importância do cumprimento das exigências legais é tão relevante que o Código Tributário Nacional cunhou o instituto da suspensão do gozo da imunidade tributária. O gozo da imunidade está condicionada ao atendimento de certos requisitos ou condições, assim, a presença das condições ou condicionamentos de sede constitucional. Sendo denominadas normas de conduta, uma vez dirigidas aos beneficiados da imunidade, visam regular o iter procedimental a ser percorrido pelos interessados em usufruir as benesses da imunidade. Não servem, portanto, para complementar o arquétipo da norma imunizante, modificando-lhe a essência. Não podem restringir, deturpar, limitar ou anular o mandamento constitucional. Só disciplinam a fruição ou forma de gozo do benefício. Seria atentório ao princípio da hierarquia das leis permitir que uma lei complementar viesse a condicionar, com restrições, o texto constitucional.373 373 SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 313. 180 A legislação vincula a concessão de imunidade às entidades desde que o patrimônio, renda ou serviços sejam relacionados às finalidades essenciais destas entidades e não a qualquer atividade exercida, Isto acontece, pois, se a imunidade abrangesse qualquer atividade exercida pelas entidades imunes e não apenas as atividades essenciais, seria possível a estas entidades explorar atividade pertencente ao setor privado, tendo em vista que não pagariam impostos, sendo então desleal frente às entidades do setor privado, que não gozam de imunidade, tendo portanto que pagar impostos. A imunidade deveria abranger mesmo aquelas instituições de educação que possuem fins lucrativos.374 No entanto, este posicionamento não prospera tendo em vista que a imunidade desaparece, à vista do descumprimento dos requisitos exigidos, independentemente de qualquer ato da autoridade.375 Para gozar de imunidade, as entidades de educação e assistência social devem constituir-se como instituições.376 Verifica-se, portanto, que as imunidades dessas instituições 374 As instituições de educação deveriam ser imunes incondicionalmente. A importância social da atividade de educação o exige. Sendo a atividade educacional, como inegavelmente é, socialmente tão importante, sua prática deveria ser estimulada, até porque isto certamente atrairia a pressão decorrente da grande demanda e da insuficiente oferta de vagas nas escolas. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 238. 375 Pretendeu condicionar o gozo da imunidade dos partidos políticos, das entidades de educação e de assistência social ao cumprimento de suas obrigações como responsáveis pelos tributos que lhes caiba reter na fonte, e à prática dos atos previstos em lei, assecuratórios do cumprimento de obrigações tributárias por terceiros. Esse dispositivo (§ 1.°, do artigo 14) é aberrante, sob vários aspectos, o menos importante dos quais é ter chamado a imunidade de “benefício”, noção inadequada para expressar uma norma definição (negativa) da competência tributária. O outro dislate, este gravíssimo, está em supor que a imunidade seja algo que possa ser “suspenso” pela autoridade fiscal, como se esta pudesse dispor sobre matéria constitucional. Com efeito, o que fez o indigitado parágrafo, na hipótese, por exemplo, de um partido político ou de uma entidade assistencial descumprir algum dos requisitos do artigo 14 ou desatender o § 1.°, do artigo 9.°, foi conceder à autoridade administrativa autorização para “suspender a aplicação do benefício”. (...) E mais: o preceito faz supor que a autoridade tenha o poder discricionário de aplicar ou não a “pena” de suspensão do “benefício” pois o Código diz que ela “pode” fazê-lo. Ora, não é assim que se disciplina matéria de tamanho relevo. O que compete ao legislador (complementar) é explicitar os requisitos necessários para que se implemente a situação imune desdobrando o que já está implícito na Constituição ( ou seja, que inexistia fim de lucro, que isso seja aferível mediante escrituração contábil regular, etc.). Em caso de não preenchimento desses requisitos por esta ou aquela entidade, o que se dá é a não realização da hipótese de imunidade, do que decorre a submissão da entidade ao tributo gerado pelos fatos geradores a que venha ligar-se como contribuinte. (...) a imunidade desaparece, à vista do descumprimento dos requisitos exigidos, independentemente de qualquer ato da autoridade. Absurdo seria que a entidade passasse, por exemplo, a distribuir lucros e mantivesse a imunidade até o momento em que a autoridade, tomando ciência do fato, resolvesse “suspender” o “benefício”. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. Op. cit., pp. 149-50. 376 O Texto Supremo se refere a “instituições”, não a empresas. Assim, as entidades de educação ou de assistência social, para receber a imunidade fiscal, devem, antes de mais nada, apresentar-se como INSTITUIÇÕES, isto é, como entidades sem finalidade lucrativa e especulativa, como acontece com as casas de caridade, sociedades de socorro mútuos ou estabelecimentos de fins humanitários ou assistenciais. Não 181 abrangerá apenas o que se refere aos serviços, exclusivamente com objetivos das instituições de educação e de assistência social. Vale ressaltar que a norma existe para delimitar limites, mas imprescindível que seja aplicada no intuito de resguardar de forma efetiva direitos e deveres do cidadão. Sob o ponto de vista constitucional a imunidade tributária é uma iniciativa negativa (non facere), quando observadas em face de suas finalidades e consequências, tem por escopo, de acordo com as previsões constitucionais, fundamentos pré-estabelecidos na própria Constituição, aduzindo, dentre eles, a promoção do bem de todos, garantia à cidadania e dignidade dos seus cidadãos e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Dentre os fundamentos, expõem-se a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, assim como o pluralismo político, sendo tais valores pressupostos à própria substância do Estado e subsistência da democracia. Quanto ao mérito das imunidades, tem-se na hipóteses do art. 150, VI, “a” da CF, a determinação de que as pessoas políticas não podem se tributar reciprocamente por meio de impostos, atuando como forma impositiva de respeito mútuo entre os entes e de garantia à solidez da federação. A imunidade dos Templos, por sua vez, empreende a isenção do Estado em face da liberdade religiosa, inclusive na esfera tributária, evitando discriminações de qualquer sorte. A desoneração tributária dos Partidos Políticos garante o livre exercício da democracia, na pessoa dos representantes do povo, afinal de contas, é dele que todo o poder deve emanar (Art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988). Quanto as organizações sindicais dos trabalhadores, é a imunidade um mecanismo para que as organizações alcançem melhores condições de trabalho, reconhecendo os valores do trabalho e emprego como fundamento do Estado Brasileiro. podem elas apresentarem-se com intuitos econômicos. MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. 3.ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1995, pp. 474-5. 182 As instituições de educação sem fins lucrativos encontram na imunidade tributária um incentivo do Estado, para que contribuam na promoção da instrução e desenvolvimento intelectual dos cidadãos. No mesmo sentido, as Entidades de Assistência Social, na busca de alcançar os objetivos afiançados no art. 203 da Constituição Constituição Federal de 1988. Assim, frente a todo o exposto, pode-se concluir que a imunidade tributária consubstancia-se em hipótese de não incidência tributária, constitucionalmente definida, cujo conteúdo enseja caráter ora de princípio, ora de regra, a vedar o exercício da competência tributária, com a finalidade de promover o alcance às finalidades do Estado e garantir o livre exercício de direitos fundamentais. a.4. Imunidade Objetiva O texto constitucional de 1988, estabeleceu duas ordens de imunidade, algumas de natureza objetiva e outras de natureza subjetiva as quais definem os diversos campos do domínio prático e das atividades volitivas na execução das imunidades. A imunidade objetiva é aquela concedida aos livros, jornais e periódicos, bem como ao papel destinado à impressão destes. Está instituída no artigo 150, inciso VI, alínea “d”, da Constituição Federal brasileira de 1988. Está inserida no conceito de imunidade objetiva,377 a imunidade de livros, jornais, periódicos e papel destinado a sua impressão, tal fato se dá, no sentido de 377 A imunidade do livro, jornal e periódico: (...) A imunidade, aqui, é tipicamente objetiva. Não importa a pessoa a quem pertença o livro, o jornal ou periódico, ou o papel. Este último tem a imunidade condicionada à destinação. A imunidade do livro, jornal ou periódico, e do papel destinado a sua impressão, há de ser entendida em seu sentido finalístico. E o objetivo da imunidade poderia ser frustrado se o legislador pudesse tributar qualquer dos meios indispensáveis à produção dos objetos imunes. Ou qualquer ato que tenha por fim colocar esses objetos em seu destino final. A venda ou distribuição, a qualquer título, de livro, jornal ou periódico, não podem ser tributadas. Assim, a imunidade, para ser efetiva, abrange todo o material necessário à confecção do livro, do jornal ou do periódico. Não apenas o exemplar deste ou daquele, materialmente considerando, mas o conjunto. Por isto nenhum imposto pode incidir sobre qualquer insumo, ou mesmo sobre qualquer dos instrumentos, ou equipamentos, que sejam destinados exclusivamente à produção desses objetos. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 272. 183 que a imunidade alcança somente os impostos incidentes sobre a importação - II, a produção industrial – IPI e a circulação de mercadorias ICMS, mas não os impostos incidentes sobre a renda e o patrimônio, os quais devem ser pessoais. Estabelecendo como objetivo principal incentivar a cultura em geral378 e garantir a livre manifestação do pensamento e do direito de crítica.379 A imunidade é objetiva: todo jornal, livro ou periódico, assim como o papel destinado a impressão estão livres de tributação, independendo do assunto, ou da finalidade perseguida através de objetos imunes, devendo ser interpretada restritivamente quanto à extensão do manto da regra imunizadora a insumos diversos do papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos.380 378 Neste sentido ampla jurisprudência firmada pelos Tribunais pátrios: I. A imunidade conferida pelo art. 150, IV, d, da Constituição Federal visa proteger a liberdade de expressão e de idéias que são fundamentais para o desenvolvimento cultural de uma sociedade, garantindo uma circulação maior e conseqüente barateamento desse material, objeto da mencionada imunidade. II. Em que pese o reconhecimento à interpretação restritiva que tem sido dada pela Suprema Corte à imunidade prevista no dispositivo constitucional acima mencionado, a hipótese dos autos diz respeito à importação de fascículos compostos pela parte impressa e pelo material demonstrativo que o acompanha, tratando-se de um conjunto em que estão integrados os fascículos que ensinam como montar um sistema de testes e as peças que constituem o demonstrativo prático para montagem desse sistema, conjunto esse abarcado pela referida imunidade tributária. III. Apelação e remessa necessária improvidas. TRF 2.ª R., AMS 2002.51.01.015892-9, 3.ª T.Esp., Rel.ª Des.ª Fed. Tânia Heine, DJU 09/06/2006. Ainda em referência à citação anterior, insta destacar os seguintes trechos do voto do nobre Relator: O fundamento da imunidade conferida pelo art. 150, IV, d, da Constituição Federal é político cultural, na medida em que visa à liberdade de expressão e de idéias que são fundamentais para o desenvolvimento cultural de uma sociedade, garantindo uma circulação maior e conseqüente barateamento desse material, objeto da mencionada imunidade. Em que pese o reconhecimento à interpretação restritiva que tem sido dada pela Corte Suprema à imunidade prevista no dispositivo constitucional acima mencionado, a hipótese em tela diz respeito a um livro, ou seja, fascículo composto pela parte impressa e pelo material demonstrativo que o acompanha. Trata-se de um conjunto, em que estão integrados fascículos que ensinam como montar um sistema de testes e as peças que constituem o demonstrativo prático para montagem desse sistema, peças essas que são indispensáveis para a informação contida nos fascículos explicativos, estando, portanto, esse conjunto abarcado pela referida imunidade. TRF 2.ª R., AMS 2002.51.01.015892-9, 3.ª T. Esp., Rel.ª Des.ª Fed. Tânia Heine, DJU 09/06/2006. 379 A imunidade tributária prevista no art. 150, inc. VI, “d”, da Constituição Federal brasileira de 1988 destina-se a facilitar, através da redução do preço final do produto, o acesso da população à cultura, à informação e à educação, e, também, que se cumpram, sem embaraços, o exercício da liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, como se consagra no inc. IX do art. 5º da CR/1988. O material educativo que acompanha a publicação facilita o aprendizado, estimulando a divulgação do saber, ao se colocar em prática os conhecimentos obtidos na teoria. Apelação e remessa necessária improvidas. TRF 2ª R., AMS 2002.51.01.010762-4, 3.ª T.Esp., Rel.ª Des.ª Fed. Tania Heine, DJU 31/03/2006, p. 195. 380 Tal posicionamento se nota nas jurisprudências abaixo relacionadas: A imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal brasileira de 1988, que veda a instituição de imposto sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão, não abrange tinta especial para jornal. Tal imunidade atinge, tão-só, os materiais relacionados com o papel, segundo a jurisprudência do STF. Com base nas decisões do Tribunal, a Turma deu provimento ao recurso extraordinário da União interposto contra decisão do Tribunal de Justiça do Paraná. RREE 204.234; 203.859; RE 273.308-SP, Rel. Min. Moreira Alves, 22/08/2000. 184 Desta forma, a pretensão de se obter o reconhecimento da imunidade para a tinta importada destinada à impressão de jornais não encontra guarida no ordenamento jurídico brasileiro, pois a imunidade é objetiva, se limitando ao uso do papel.381 No entanto, tribunais brasileiros já decidiram de forma divergente, podendo ser objeto de ataque por recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, com fundamento de afronta ao texto constitucional.382 Deve a imunidade, portanto, ser interpretada restritivamente, sendo expressamente impedida a utilização de analogias na seara tributária, com exceção prevista no artigo 108, do Código Tributário Nacional.383 Ressalta-se que é cediço que a inteligência do art. 150, IV, “d”, da Constituição Federal atual excepcionou apenas o papel para estes fins e não os demais insumos que integram a sua composição.384 381 Ainda nesta mesma linha de pensamento, quanto a não interpretação ampliativa da imunidade objetiva no que se refere à tinta utilizada nas impressões: 1. A imunidade prevista no Texto Constitucional é considerada pela doutrina ‘imunidade objetiva’, na medida em que instituída em razão do objeto. 2. A Constituição Federal não estende a imunidade à tinta utilizada na impressão de livros, jornais e periódicos. 3. Tratando-se de matéria de cunho eminentemente constitucional, vale ressaltar que o posicionamento do Pretório Excelso é no sentido de que a imunidade prevista no art. 150, inciso IV, alínea d, da Carta Magna não deve ser interpretada de maneira ampla. 4. Nesse sentido, o Excelso Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que apenas os materiais relacionados com o papel estão abrangidos pela imunidade prevista no artigo art. 150, VI, “d”, da Carta Magna, que não se estende à tinta. 5. Apelo a que se dá provimento e à remessa necessária. TRF 2.ª R.; AMS 18360 – (97.02.11966-9); 4.ª T. Esp.; Rel. Des. Fed. Luiz Antonio Soares; DJU 07/06/2006. 382 Trazemos à baila mais julgados correlatos ao assunto: I – Além do próprio papel de impressão, a imunidade tributária conferida aos livros, jornais e periódicos somente alcança o papel fotográfico – filmes não impressionados. II – A imunidade tributária do art. 150, VI, “d”, CF, não abrange as capas duras autoencadernáveis utilizadas na distribuição de obras para o fim de incrementar a venda de jornais. III – RE conhecido e provido. Agravo não provido. STF, RE-AgRg 325334, SP, 2.ª T., Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 19/09/2003, p. 28. 1. A imunidade prevista no texto constitucional é considerada pela doutrina ‘imunidade objetiva’, na medida em que instituída em razão do objeto. 2. A Constituição Federal não estende a imunidade às chapas de alumínio utilizadas na impressão de livros, jornais e periódicos. 3. Tratando-se de matéria de cunho eminentemente constitucional, vale ressaltar que o posicionamento do Pretório Excelso é no sentido de que a imunidade prevista no art. 150, inciso IV, alínea d, da Carta Magna não deve ser interpretada de maneira ampla. 4. Nesse sentido, o Excelso Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que apenas os materiais relacionados com o papel estão abrangidos pela imunidade prevista no art. 150, VI, d, da Carta Magna, que não se estende, portanto, aos bens importados pela apelada. 5. Apelo e remessa necessária que se dá provimento. TRF 2.ª R. – AMS 96.02.14270-7/RJ – (15645); 4.ª T.Esp.; Rel. Des. Fed. Luiz Antonio Soares; DJU 13/12/2006. 383 Código Tributário Nacional, art. 108, na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I - a analogia; (...) § 1.º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei. 384 Não obstante o posicionamento já consagrado por nossa mais alta Corte brasileira, importante observar os apontamentos do ilustre Professor Hugo de Brito Machado, que com propriedade leciona: Com efeito, em ordenamentos como o brasileiro, erguidos a partir de uma Constituição rígida, papel ainda mais importante adquire a interpretação constitucional. Diante de freqüentes mudanças na realidade, a norma constitucional começa a ter a cada dia menor utilidade, se imobilizada por uma interpretação literal, e rapidamente se fará necessária sua reforma, abrindo-se oportunidade para modificações indesejadas na norma constitucional, com 185 Atualmente, a jurisprudência dominante na Corte Suprema brasileira, é no sentido de que a imunidade alcança os insumos gráficos destinados à impressão dos livros, jornais e periódicos, destacando-se, ainda, em relação ao jornal.385 A imunidade tem por função íntima de proteção aos meios de comunicação de ideias, ponto de vista, teoria, doutrina, opinião, produção e divulgação de informações, conhecimento, enfim, meios de expressão do saber que são de interesse sócio cultural. Neste caso, a imunidade tem como alicerce proteger a liberdade de expressão intelectual e a liberdade de informação. Assim, a possibilidade de maior difusão da atividade intelectual sem o gravame dos impostos, sem o peso da carga tributária, que poderia incidir de tal um conseqüente prejuízo para a segurança jurídica. Por outro lado, se é certo que não devemos interpretar a norma constitucional segundo os métodos da hermenêutica tradicional, induvidoso é que não se pode admitir a prevalência do método, ou elemento literal, sabidamente de franciscana pobreza, e por isto mesmo insuficiente, mesmo para a interpretação das normas infraconstitucionais. E, na verdade, só através de uma interpretação literal se pode conceber a limitação da imunidade do art. 150, VI, d, aos livros de papel. Os elementos histórico, sistêmico e teleológico, cada um e todos conduzem ao resultado oposto. De todo modo, mesmo sem apelar para outros aspectos da doutrina do moderno constitucionalismo, a razão parece estar com Afonso Arinos, segundo o qual a técnica de interpretação constitucional é predominantemente finalística, isto é, tem em vista extrair do texto aquela aplicação que mais se coadune com a eficácia social da lei constitucional. Esta interpretação construtiva permite, em determinadas circunstâncias, verdadeiras revisões do texto, sem que seja alterada a sua forma. Reconhecendo embora a existência de manifestações doutrinárias divergentes em torno da natureza jurídica das contribuições de seguridade social, já afirmamos ser ‘induvidosa, hoje, a natureza jurídica dessas contribuições’. E na verdade não se pode ter dúvidas a este respeito. A COFINS é prestação pecuniária. É compulsória. É instituída em lei. Não constitui sanção de ato ilícito e é cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Ostenta, pois, todos os elementos conceituais do tributo, expressamente afirmados pelo art. 3º do Código Tributário Nacional. Ressalte-se que o argumento essencial dos que sustentam a natureza não tributária das contribuições de seguridade social consiste em que tais contribuições estariam ligadas a uma espécie de seguro social, teriam natureza de contraprestação do serviço da seguridade. MACHADO, Hugo de Brito. Imunidades tributárias. In: Ives Gandra das Silva Martins (Coord.). Imunidades tributárias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 94. 385 O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que a garantia constitucional da imunidade tributária inserta no art. 150, VI, "d", da Constituição do Brasil, estende-se, exclusivamente - Tratando-se de insumos destinados à impressão de livros, jornais e periódicos - A materiais que se mostrem assimiláveis ao papel, abrangendo, em consequência, para esse efeito, os filmes e papéis fotográficos. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. STF – AgRg-RE 497.028; Rel. Min. Eros Grau ; DJe 25/06/2010, p. 69. O Supremo Tribunal Federal, ao interpretar, restritivamente, o alcance da cláusula inscrita no art. 150, VI, "d", da Constituição da República, firmou entendimento no sentido de que a garantia constitucional da imunidade tributária, tratando-se de insumos destinados à impressão de livros, jornais e periódicos, estendese, apenas, a materiais que se mostrem assimiláveis ao papel, abrangendo, em conseqüência, para esse efeito, os filmes e papéis fotográficos. Precedentes - Posição do Relator sobre o tema: o Relator, Ministro CELSO DE MELLO, embora reconhecendo a possibilidade de interpretação extensiva do postulado da imunidade tributária (CF, art. 150, VI, "d"), ajusta o seu entendimento (pessoal e vencido) à orientação prevalecente no Plenário da Corte (RE 203.859/SP), em respeito ao princípio da colegialidade - Considerações em torno da imunidade tributária, notadamente daquela estabelecida em favor de livros, jornais, periódicos e papel destinado à sua impressão. Significado e teleologia da cláusula fundada no art. 150, VI, "d", da Constituição da República: proteção do exercício da liberdade de expressão intelectual e do direito de informação. STF – AgRg-RE 327.414; Rel. Min. Celso de Mello; DJe 12/02/2010; p. 111. 186 forma a impedir o pleno exercício dessa garantia constitucional de expressão do pensamento386 (artigo 5.º, IV),387 e de expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação, independente de censura previa ou licença (artigo 5.º, IX).388 A Súmula n.° 657, do Supremo Tribunal Federal,389 dispõe que a imunidade prevista no artigo 150, VI, “d”, da Constituição Federal brasileira de 1988 abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos.390 A imunidade tem como meta a redução do custo do produto, favorecendo a veiculação de informações, do ensino e da cultura, por isso está destinada, em primeiro lugar, a beneficiar o consumidor que sofrerá, finalmente, pelo mecanismo dos preços, a transferência do encargo financeiro dos impostos incidentes sobre a produção e a comercialização do papel, do livro, dos jornais e periódicos independentemente de seu intuito moral, ou obsceno. Gozam de imunidade todos os livros,391 jornais392 e periódicos,393 independentemente do seu conteúdo, desde que não sirvam apenas de instrumento para a entrega de mercadorias.394 Dessa forma, a ausência de ônus tributário sobre o valor dos elementos elencados no artigo 150, VI, “d”, visa garantir que as pessoas com menos recursos financeiros possam ter acesso a cultura, informação e conhecimento, podendo dedicar-se a elaboração de estudos, pesquisas, objetivando sempre a disseminação de ideias, entre outros objetivos. 387 IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; 388 Em decisão sobre esta matéria, o Ministro Sepúlveda Pertence, se manifesta da seguinte forma: (...) a finalidade é a proteção ao direito básico de manifestação do pensamento. Julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 939. 389 Súmula n.° 657 - A imunidade prevista no art. 150, VI, "d", da Constituição Federal abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos. 390 “O correto sentido dos preceitos imunitórios só pode ser obtido mediante exegese que vá ao encontro dos valores prestigiados pela Constituição: informação, educação, cultura, desenvolvimento da pessoa, liberdade e oportunidade para aprender. BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na lei. 2.ª ed., São Paulo: Dialética, 2005, pp. 88-92. 391 Livro é proveniente do latim libru, liber, libri. Conceito: “reunião de folhas impressas ou manuscritas em volume’; “reunião de cadernos cosidos entre si e brochados ou encadernados”; “reunião de folhas ou cadernos, soltos, cosidos ou por qualquer outra forma presos por um dos lados, e enfeixados ou montados em capa flexível ou rígida” Dicionário Aurélio. http://www.aureliopositivo.com.br/, pesquisado em 16/06/2014. 392 Jornal vem do italiano giornale, que é o diário. 393 Periódico vem do latim periodicu, diz respeito a período, é o que se repete em intervalos regulares, tem também o significado de publicação. 394 Os catálogos, anúncios, prospectos de firmas particulares não gozam obviamente dos privilégios imunitórios, pois a norma constitucional visa tutelar a educação e cultura, mas os manuais técnicos que acompanham os produtos eletrodomésticos e os veículos automotores, são imunes à tributação, por serem informativos. DENARI, Zelmo. Op. cit., p. 167. 386 187 Não se questiona, para conceder imunidade objetiva, se a frequência da edição é pequena ou grande, que tenha o livro características especiais ou se o papel utilizado é o mais indicado para a impressão, basta ser qualquer livro ou periódico que haverá a imunidade. Recentemente discutiu-se a respeito da inclusão das listas telefônicas no âmbito de alcance da imunidade objetiva.395 A jurisprudência atual superou aquela que exigia que o conteúdo dessas publicações se revestissem de caráter jornalístico, literário, artístico, cultural ou científico, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a imunidade alcança inclusive os periódicos que apenas fornecem informações genéricas de utilidade pública, mesmo aqueles que sem caráter noticioso ou filosófico veiculam publicidade paga, a exemplo das listas telefônicas – RE 101.441-5-RS. Embora hajam entendimentos contrários, limitando a imunidade, alguns doutrinadores e tribunais396 defendem que a imunidade deve ser compreendida em 395 É fácil perceber o manifesto descabimento da pretensão fazendária. Certificado que as listas telefônicas têm periodicidade, que no caso é anual, não pode prosperar qualquer hesitação no reconhecimento da imunidade. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 138. Ainda neste sentido é o entendimento do Ministro Cordeiro Guerra e do Ministro Sydney Sanches: "A imunidade visa proteger, na mais alta extensão, livros, periódicos etc., e já estendemos isso também às telecomunicações - há acórdãos meus e do Ministro Cunha Peixoto. (...) A finalidade da Constituição é propiciar o desenvolvimento da circulação das idéias, da cultura e a expensão dos meios de educação." Voto no Recurso Extraordinário n. 102.141-RJ. Ministro Cordeiro Guerra. STJ 116/273. "Imunidade Tributária (ART. 19, III, 'D', DA C.F.). I.S.S. - Listas Telefônicas. A edição de listas telefônicas (catálogos ou guias) é imune ao I.S.S., (art. 19, III, 'd', da C.F.), mesmo que nelas haja publicidade paga. se a norma constitucional visou facilitar a confecção, edição e distribuição do livro, do jornal e dos 'periódicos', imunizando-se ao tributo, assim como o próprio papel destinado a sua impressão, é de se entender que não estão excluídos da imunidade os 'periódicos' que cuidam apenas e tão-somente de informações genéricas ou específicas, sem caráter noticioso, discursivo, literário, poético ou filosófico, mas de 'inegável utilidade pública', como é o caso das listas telefônicas. Recurso Extraordinário conhecido, por unanimidade de votos, pela letra 'd' do permissivo constitucional, e provido, por maioria, para deferimento do Mandado de Segurança." Ementa no Recurso Extraordinário n. 101.441-RS. Relator Ministro Sydney Sanches. 396 Ainda neste sentido, decisão do ilustre Desembargador Alberto Nogueira, do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região: Trata-se de verificar se a imunidade tributária instituída pela norma do artigo 150, VI, “d”, da CF, alcança as peças de eletrônica que acompanham as publicações periódicas do Curso de Eletrônica Modular importado pela Impetrante. A imunidade tributária está inserida nas limitações ao poder de tributar, constituindo uma exceção à regra, de modo que devem ser interpretadas restritivamente. Assim, não é possível estender esta imunidade a objeto ou sujeito não compreendidos pela referida norma constitucional, mediante uma interpretação extensiva. Os fascículos do curso de eletrônica estão incluídos na imunidade prevista no artigo 150, VI, “d” da CF, uma vez enquadrados na categoria de periódicos, porém, as peças que o acompanham, com vistas à montagem de um laboratório de eletrônica, não se enquadram em nenhuma das categorias objeto da referida imunidade tributária. Desembargador Alberto Nogueira, no julgado do dia 29/06/2010, do Tribunal Regional Federal, 2.ª Região, n.º 14289331. 188 seu sentido finalístico, abrangendo inclusive os meios indispensáveis à sua produção.397 O Supremo Tribunal Federal já dirimiu está questão afirmando que as normas limitativas do poder de tributar do Estado configuram exceção e devem ser interpretadas restritivamente, assim, decidiu pela impossibilidade de se estender imunidade a objeto ou sujeito não albergado pela norma constitucional, mediante simples interpretação extensiva.398 Não destoa o entendimento o Supremo Tribunal Federal nas questões sobre máquinas e aparelhos importados por empresa jornalística, afirmando não estarem abrangidos pela imunidade tributária, inscrita no artigo 150, VI, “d”, da Constituição Federal vigente.399 Apesar de a imunidade do livro ser de natureza objetiva, como reconhece a doutrina, a tendência da jurisprudência é no sentido de sua ampliação, a exemplo do que vem ocorrendo com a imunidade do papel destinado à impressão, considerada 397 O objetivo da imunidade poderia ser frustado se o legislador pudesse tributar qualquer dos meios indispensáveis à produção dos objetos imunes. Ou qualquer ato que tenha por fim colocar esses objetos em seu destino final. A venda ou distribuição, a qualquer título, de livro, de jornal ou periódico, não podem ser tributadas. Assim, a imunidade, para ser efetiva, abrange todo o material necessário à confecção do livro, do jornal ou do periódico. Não apenas o exemplar deste ou daquele, materialmente considerado, mas o conjunto. Por isto nenhum imposto pode incidir sobre qualquer insumo, ou mesmo sobre qualquer instrumento, ou equipamentos, que sejam destinados exclusivamente à produção desses objetos. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 239. Posição contrária possui Vittorio Cassone: Com efeito, não vejo possível estender a imunidade às máquinas e instrumentos produtores do jornal, do livro, do periódico, quando se sabe que a Constituição refere expressamente “e ao papel destinado a sua impressão”, papel esse que pode também ser entendido “e o material destinado a sua impressão”, numa extensão possível. Mas não as máquinas, aparelhos e instrumentos que produzem ou imprimem esses veículos de informação, educação e cultura. CASSONE, Vittorio. Imunidades tributárias. apud MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. v. 6, t. 1. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 257. 398 O Supremo Tribunal Federal, já anteriormente, havia dirimido está questão em outras decisões: - As normas limitativas do poder de tributar do Estado configuram exceção e devem ser interpretadas restritivamente. - Impossibilidade de se estender imunidade a objeto ou sujeito não albergado pela norma constitucional, mediante simples interpretação extensiva, sendo necessário, para afastar o poder de tributar do Estado, a expressa previsão constitucional. - A despeito de serem vendidos em conjunto, e de um produto destinar-se a complementar o outro, os fascículos e os cd-roms são coisas diversas, que têm diverso tratamento tributário, sendo que uma está amparada pela norma de imunidade, e a outra não, devendo sofrer a incidência dos impostos devidos. - Remessa necessária e apelação da União a que se dá provimento. AMS n.º 2001.51.01.001550-6/RJ, Relator Juiz Federal Convocado Guilherme Diefenthaeler, Quarta Turma Especializada, DJ 27/08/2008. O Plenário do Supremo Tribunal entendeu que a imunidade prevista no artigo 150, VI, “d”, da CF, abrange somente o papel e os filmes fotográficos destinados à composição de livros, jornais e periódicos (RREE 174.476-SP, 190;761-SP e 178.863-SP). Recurso Extraordinário conhecido e provido. STF, RE 226441 – Recurso Extraordinário, Relator (a): Min. Octavio Galloti, Primeira Turma, DJ 21/08/1998. 399 RE 203.267-RS, Min. Carlos Velloso, Plenário, 11/12/1996. 189 como abrangente de qualquer material suscetível de ser assimilado ao papel utilizado no processo de impressão. A imunidade do papel tem suscitado algumas dificuldades na prática, como o papel imune não mais contém linhas d'água, visíveis por transparência, o fisco, às vezes, tem exigido do fabricante a prova de que o material vendido foi utilizado na impressão de livro, jornal, revista ou periódico, o que caracteriza um procedimento ilegal e abusivo. A imunidade é objetiva, não incluindo, portanto, a empresa jornalística, a empresa editorial, o autor, o livreiro, nem outros que estejam relacionados, que em observância ao princípio da igualdade e da capacidade contributiva devem pagar seus impostos sobre o rendimento que obtiverem com o livro, com o jornal ou com o periódico.400 Outro setor de grande relevância relativo à imunidade objetiva consiste no questionamento em que, frente ao atual desenvolvimento informático, esta imunidade engloba ou não os livros eletrônicos chamados e-books. O questionamento era no sentido de que eles cumpriam o mandamento constitucional, qual seja, disseminar a cultura, caso afirmativo, os mesmos deveriam alcançar a imunidade tributária dos livros, jornais e periódicos.401 400 A imunidade visa baratear a produção das obras e não enriquecer seus produtores, atingindo o IPI e o imposto de importação sobre o papel imprensa, além do ICMS sobre o jornal e o livro impresso. Outros impostos e contribuições, tais como o PIS, a Cofins, o IR, as contribuições sociais e o IOF, incidem sobre as empresas jornalísticas. CHIMENTI, Ricardo Cunha. Op. cit., p. 36. 401 Neste aspecto existiam duas correntes as quais se posicionam de formas diferentes em relação a imunidade, um favorável e outra não: • Favorável a imunidade: Imposto – Imunidade tributária – Obra produzida em “CD-ROM”- Expressão “livros” do artigo 150, inciso VI, letra “d” da Constituição Federal, que deve ser entendida como o gênero, que tem por espécies tanto o livro convencional impresso em papel, como o chamado livro eletrônico – Aplicabilidade – Embargos acolhidos. EI 28.579-5-SP, 8.ª Câmara de Direito Público, Rel. Paulo Traivan, 1.º - 9 – 1999, m.v., Juiz, Saraiva, n.° 21. • Contra a imunidade: Impostos – CD-ROM – Imunidade tributária – Inexistência – Privilégio de natureza constitucional- Irrelevância da destinação do bem e da qualificação da entidade que o produz – Hipótese não contemplada no artigo 150, inciso VI, “d”, da CF – Interpretação não extensiva – Recurso Provido entretanto, não é qualquer papel que está imune à tributação de imposto, mas apenas aquele destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, descabendo estender-se o benefício de natureza constitucional a outras hipóteses não contempladas pela Constituição, vale dizer, para abranger outros insumos, bem assim sobre legislação informatizada em forma de cdroom e mais programa de computador – Software. As imunidades configuram privilégios de natureza constitucional e não podem estender-se além das hipóteses expressamente previstas na Constituição. TJSP, AC 28.579 – 5 - São Paulo, 8.ª Cam. Dir. Publ., Rel. Celso Bonilha, j. de 16-12-1998, m.v., Juiz. Saraiva, n.° 17. 190 Por interpretação analógica, o preceito é extensivo aos livros eletrônicos, e demais produtos culturais da informática.402 Se por longo estágio da ciência o papel foi o mais importante meio físico para registro, preservação e divulgação de obras literárias, artísticas e científicas, e nesse contexto histórico se firmou a expressão da imunidade constitucional, não se pode esvaziar o conteúdo desta diante da evolução tecnológica, que leva o mesmo bem protegido pela imunidade (ou seja, a obra) a expressar-se através de outra estrutura física. A imunidade portanto, deve ser referida a obra e não ao meio físico que a contenha.403 A imunidade tributária consagrada no artigo 150, VI, “d”, da Constituição Federal de 1988, considerando os objetivos fundamentais da República e princípios pertinentes a formação educacional e cultural do cidadão, alcança o livro eletrônico desde que com o mesmo conteúdo e a mesma finalidade do livro feito com papel.404 Todo objeto com conteúdo de informações culturais, informacionais ou educacionais devem gozar de imunidade tributária. Nas apreciações sobre este tema tem-se firmado o entendimento sobre a extensão das imunidades tributárias aos livros eletrônicos. As decisões têm sido favoráveis, entendendo de forma teleológica e sistemática, dando efetividade aos princípios constitucionais da livre 402 Toda imunidade tem por fim a realização de um princípio que o constituinte considerou importante para a nação. A imunidade dos livros, jornais e periódicos tem por fim assegurar a liberdade de expressão do pensamento e a disseminação da cultura. Como é inegável que os meios magnéticos, produtos da moderna tecnologia são hoje de fundamental importância para a realização desse mesmo objetivo, a resposta afirmativa se impõe. O entendimento contrário, por mais respeitáveis que sejam, e são, os seus defensores, leva a norma imunizante a uma forma de esclerose precoce, inteiramente incompatível com a doutrina do moderno constitucionalismo, especialmente no que concerne à interpretação especificamente constitucional. É certo que o constituinte de 1988 teve oportunidade de adotar expressamente mais abrangente para a norma imunizante então o fez. Isto, porém não quer dizer que o intérprete da Constituição, não possa adotar para a mesma norma a interpretação mais adequada, tendo em vista a realidade de hoje (...). Não pode, pois, o intérprete, deixar de considerar essa evolução nem esperar que o legislador modifique o texto. O melhor caminho, sem dúvida para o Direito cumpra o seu papel na sociedade, é a interpretação evolutiva. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., pp. 240-1. 403 Se por longo estágio da ciência o papel foi o mais importante meio físico para registro, preservação e divulgação de obras literárias, artísticas e científicas, e nesse contexto histórico se firmou a expressão da imunidade constitucional, não se pode esvaziar o conteúdo desta diante da evolução tecnológica, que leva o mesmo bem protegido pela imunidade (ou seja, a obra) a expressar-se através de outra estrutura física. A imunidade portanto, deve ser referida a obra e não ao meio físico que a contenha. AMARO, Luciano. Imunidades tributárias. Op. cit., p. 146. 404 A finalidade do livro eletrônico deve ser a mesma do livro convencional para que haja imunidade tributária consagrada no artigo 150, VI, d, da Constituição Federal de 1988, considerando os objetivos fundamentais da República e Princípios pertinentes a formação educacional e cultural do cidadão, alcança o livro eletrônico desde que com o mesmo conteúdo e a mesma finalidade do livro feito com papel. CASSONE, Vittorio. Op. cit., p. 259. 191 manifestação do pensamento, de expressão da atividade intelectual, comunicação e de acesso à informação.405 É o finalidade desta imunidade tributária é a proteção da liberdade de manifestação do pensamento e da comunicação jornalística,406 de modo a impedir que o poder tributário seja utilizado pelo Estado como um instrumento de limitação indevida de tais liberdades, assim, a comunicação jornalística veiculada através da internet (sendo esta apenas um novo meio para a manifestação da liberdade de informação jornalística) está protegida pela imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, “d”, da Constituição Federal brasileira de 1988.407 Os tribunais408 tem decidido no sentido de que a limitação ao poder de tributar encontra respaldo na comercialização em meio eletrônico por processamento de dados, com pertinência exclusiva ao seu conteúdo cultural.409 405 Realmente, não se deve interpretar uma norma imunizante como se interpreta norma instituidora de isenção. A norma imunizante de que se cuida foi encartada no texto constitucional para a proteção de valor fundamental da humanidade, que é a liberdade de expressão, sem a qual não se pode falar de democracia. Em vista disso, ‘deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê.’ CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6.ª ed., Coimbra: Almedina, 1996, p. 227. Para Hugo de Brito Machado: (...) concluímos que o disposto no art. 150, inciso, VI, alínea “d”, aplica-se também a livros contidos em CD-Rom, disquetes, na Internet, ou em qualquer outro suporte físico. E, ainda, que da mesma forma como o papel destinado a impressão de livros, jornais e periódicos é imune, também estão albergados pela imunidade os suportes físicos dos livros, jornais e periódicos eletrônicos (CDs, DVDs, disquetes ou similares que sejam destinados a sua gravação. MACHADO, Hugo de Brito. In: Tributação na Internet. Coordenador - Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Editora RT, 2001, p. 99. 406 Um cidadão bem informado é um cidadão que participa do desenvolvimento do país, exercendo a cidadania e a consciência política. Esse é o objetivo da norma constitucional ao conceder a imunidade tributária aos jornais. O que deve ser considerado é o conteúdo de veículo de divulgação é a sua finalidade e não os suportes físicos dos meios de divulgação utilizados. RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. In: Tributação na Internet. Coordenador - Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Editora RT, 2001, p. 400. 407 Ainda neste posicionamento favorável, encontra-se na jurisprudência pátria: (...) o CR-ROM, o disquete, assim como papel, que me apresentam um livro, um jornal,um periódico, acabado, sem dúvida alguma, é alcançado pelo referido dispositivo constitucional. Um livro gravado em um disquete não deixa de ser um livro só por esta circunstância. Um periódico gravado em CD-ROM não perde a sua condição de periódico, pelo fato da gravação em CD. O jornal que leio, via Internet, jornal é. TRF da 2.ª R. – 4.ª T. – REO em MS 98.02.02873-8 – Rel. Des. Fed. Rogério Vieira de Carvalho – j. 18/3/1998 – v.u. – DJ de 18/3/1999, p. 124 – Repertório IOB de Jurisprudência 1 – n.º 10/99 – p. 285. 408 Constitucional. Tributário. Imunidade. Jornal. CD-Rom. 1- O fato de o jornal não ser feito de papel, mas veiculado em CD-Rom, não é óbice ao reconhecimento da imunidade do artigo 150, VI, d, da Constituição Federal, porquanto isto não desnatura como um dos meios de informação protegidos contra a tributação. 2 Interpretação sistemática e teleológica do texto constitucional, segundo a qual a imunidade visa a dar efetividade aos princípios da livre manifestação de pensamento, de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, de acesso à informação aos meios necessários para tal, o que deságua, em última análise, no direito de educação, que deve ser fomentado pelo Estado visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, havendo liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art., 5º, IV, IX, 192 Portanto, não merece prosperar o argumento contra a imunidade do livro eletrônico baseado nos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, onde teria sido rejeitada proposta de adoção de uma fórmula lingüística mais ampla para a referida imunidade.410 Com efeito, não pode ser esquecido o fenômeno da mutação constitucional, também chamado de interpretação constitucional evolutiva.411 O que se almeja é a atualização do discurso do constituinte, e não a aplicação por analogia da norma constitucional.412 Em síntese, nada mais é que se atualizar a consideração quanto à forma, consequência inevitável em razão do avanço tecnológico, preservando-se a XIV, 205, 206, II, etc.). Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, Processo nº 1998.04.01.090888-5, Relator: Juiz João Pedro Gebran Neto. 409 Apelação Cível. Mandado de Segurança. Imunidade concernente ao ICMS. Inteligência do artigo 150, VI, d, da Constituição Federal. Comercialização do dicionário Aurélio Eletrônico por processamento de dados, com pertinência exclusiva ao seu conteúdo cultural - “software”. A lição de Aliomar Baleeiro: “Livros, jornais, e periódicos transitem aquela idéias, informações, comentários, narrações reais ou fictícias sobre todos os interesses humanos, por meio de caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda, por signos Braile destinado a cegos”. A limitação ao poder de tributar encontra respaldo e inspiração no princípio “no tax on knowledges”. Segurança concedida. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Apelação Cível 1996.001.01801. 410 Somente livros, jornais e periódicos impressos em papel estão imunes, não as publicações em meios eletrônicos. Durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte foi rejeitado projeto que expressamente estendia a imunidade aos livros, jornais e periódicos veiculados em meios diversos do papel (cd-rom, disquete, fita cassete, fita de vídeo etc.), o que inviabiliza a alegação de que estes meios somente não estariam previstos na Constituição por praticamente inexistirem ou serem muito pouco difundidos à época de sua promulgação. Portanto, a extensão da imunidade a softwares, cd-roms, fitas de vídeo, enfim, qualquer meio de divulgação de conhecimento que não o papel, representaria caso de interpretração por analogia, uma vez que o legislador constituinte não previu, e não quis prever, tais hipóteses. É, todavia, pacífico ser absolutamente inadequada a utilização de métodos de integração para a aplicação de normas que excepcionam o direito comum, como é o caso das normas concessivas de imunidades. ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Tributário na Constituição e no STF. Rio de Janeiro: Impetus, 2001, p. 80. 411 Já se expôs, um pouco mais atrás, a prevalência, na moderna doutrina, da concepção objetiva da interpretação, pela qual se deve buscar, não a vontade do legislador histórico (a mens legislatoris), mas a vontade autônoma que emana da lei. O que é mais relevante não é a occasio legis, a conjuntura em que editada a norma, mas a ratio legis, o fundamento racional que a acompanha ao longo de toda a sua vigência. Este é o fundamento da chamada interpretação evolutiva. As normas, ensina Miguel Reale, valem em razão da realidade de que participam, adquirindo novos sentidos ou significados, mesmo quando mantidas inalteradas as suas estruturas formais. BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 144. 412 Buscam-se sentidos ou significados mais amplos, postos pela realidade, para as estruturais formais adotadas pelo legislador. Convém destacar que a operação levada a efeito não afronta os chamados significados mínimos da norma e não viola os princípios fundamentais do sistema jurídico. Com efeito, cuida-se fundamentalmente de uma adjetivação, de uma evolução na forma do bem efetivamente tratado pelo constituinte. A realidade regulada juridicamente é essencialmente a mesma. As mudanças de forma, formato ou padrão tecnólogico da realidade inequivocamente regulada viabilizam, assim como a presença de conceitos indeterminados, o manuseio da mutação constitucional ou interpretação constitucional evolutiva. CASTRO, Aldemario Araújo. A imunidade tributária do livro eletrônico. http://www.aldemario.adv.br/livroelet.htm, pesquisado em 15/02/2012, p. 04. 193 interpretação da norma constitucional, dentro dos limites materiais ou substanciais daquilo que fora objeto da atenção normativa do constituinte. Existe posicionamento diverge, no entanto, ressalta-se minoritário, firmado em posicionamentos legalistas e datados da década de 1990, afirmando que a imunidade tributária consagra no artigo 150, VI, “d”, da Constituição de 1988, não alcança o livro eletrônico, em CD-Rom, disquetes, etc. visto não ser impresso em papel como exige o conceito de livro adotado pela Constituição para efeitos de imunidade (impresso em papel).413 Ainda quanto ao posicionamento contrário encontra-se no despacho monocrático do Ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Grau, ressalta-se que este ministro já se aposentou da Corte maior, “que entretanto analisa a questão como se tratasse de mera incidência de impostos sobre programas de computador, sem apreciar o detalhe presente quando tais programas veiculam livros”.414 Estes posicionamentos, minoritários e ultrapassados, fundamenta-se na legalidade, e afirmam que caso o constituinte quisesse que os meios eletrônicos gozassem de imunidade, teria incluído no dispositivo constitucional a seguinte expressão: “inclusive quando se empregar meio eletrônico”, porém não o fez. Isso significa que a imunidade não se estende à criação por meio eletrônico. Ainda neste sentido, que a finalidade da Constituição não seria estender a imunidade ao livro eletrônico, pois em outubro de 1988 já existiam computadores e meios eletrônicos, mas o legislador constituinte nada mencionou sobre o tema. 413 A não-incidência constitucional (artigo 150, VI, d) só protege os livros e jornais impressos em papel, não se projetando da “cultura tipográfica” para a “cultura eletrônica”, nem do espaço público para o espaça cibernético. Segue-se daí que não se estende ao CR-Rom, ao hipertexto para navegação nas redes de computadores e aos “livros eletrônicos”, metáfora que compreende tanto o CD-Rom como o hipertexto na network. TORRES, Ricardo Lobo. Imunidades tributárias. apud MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Imunidades tributárias, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 204. O chamado “livro eletrônico” o é de espécie diversa do impresso, destacado pela Constituição como imune. Apenas os livros, jornais e periódicos impressos em papel são imunes a tributos. ROCHA, Valdir de Oliveira. Problemas do processo judicial tributário. São Paulo: Editora Dialética, 1996, p. 317. 414 RE 285.870-6, j. em 3/12/2004, DJ de 3/2/2005, RDDT 116/189. Entretanto, antes mesmo da Constituição Federal de 1988 Aliomar Baleeiro definia, para fins tributários: Livros, jornais e periódicos são todos os impressos ou gravados por quaisquer processos tecnológicos, que transmitem aquelas ideias, informações, comentários, narrações reais ou fictícias sobre todos os interesses humanos por meio de caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda, por signos Braille destinados a cegos. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Op. cit., p. 61. 194 Frente a toda a argumentação favorável, a imunidade objetiva abrange sim os livros eletrônicos, pois diante do avanço informático não seria correto entender como livro apenas o impresso em papel. Desta forma, atualmente, firma-se entendimento jurisprudencial pacífico pela possibilidade da imunidade tributária aos livros eletrônicos. Toda vez que estiver em jogo o exercício de liberdades, conforme preceituao artigo 5.º, IX,415 da Carta Magna brasileira, não deverá haver a incidência de impostos, qualquer que seja o meio através do qual esta liberdade venha a ser exercida. Os dispositivos constitucionais devem ser interpretados a fim de se conceder máxima efetividade às suas normas, não se olvidando de adequar suas normas à nova realidade, a fim de garantir sua rigidez e sua supremacia, sob pena de suas regras restarem estioladas com o decorrer do tempo. Assim, os livros eletrônicos estão protegidos pela imunidade, como estão os livros impressos, pois a estes equivalem, o que importa é assegurar a vontade do legislador, que visou à liberdade de expressão, informação e cultura, não sendo essencial à forma com que aparecem estes livros. a.5. Outras Imunidades no Sistema Tributário Constitucional Além das hipóteses de imunidades previstas no inciso VI, do artigo 150, da Constituição Federal atual, merecem menção aquelas dispostas de maneira esparsas no texto constitucional. 415 Constituição Federal brasileira de 1988, inciso IX, do art. 5.º, é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; 195 O artigo 153, § 3.°, inciso III,416 concede imunidade aos produtos industrializados destinados ao exterior.417 O § 4.°,418 do artigo 153, trata da imunidade sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore, só ou com a sua família, o proprietário que não possua outro imóvel. Gozam ainda de imunidade, de acordo com o artigo 155, § 2.°, inciso X, alíneas “a”, “b”, e “c”,419 as operações que destinem ao exterior de produtos industrializados, excluídos os semi-elaborados definidos em lei complementar; as operações que destinem a outros Estados, oriundas de petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica; e o ouro, mas apenas nas hipóteses definidas no artigo 153, § 5.°.420 416 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 153, compete à União instituir impostos sobre: § 3.° - O imposto previsto no inciso IV: III - não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior. 417 A empresa optante do SIMPLES não pode gozar das imunidades previstas nos arts. 149, § 2.º, I, e 153, § 3.º, III, da CF, porquanto se sujeita a regime unificado de recolhimento das exações, o qual não permite a individualização da parcela referente a cada exação. Admitir a pretensão implicaria conjugar dois benefícios fiscais incompatíveis, concebendo sistema híbrido, o que não pode ser admitido. TRF 4.ª R. – AC 2005.72.01.004337-1/SC; Rel. Otávio Roberto Pamplona; DJe 10/12/2008; p. 168. 418 § 4.° O imposto previsto no inciso VI do caput: I - será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas; II - não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel; III - será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal. 419 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 155, compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: § 2.° O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: X - não incidirá: a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores; b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica; c) sobre o ouro, nas hipóteses definidas no art. 153, § 5.° ; 420 Consituição Federal brasileira de 1988, art. 153, compete à União instituir impostos sobre: § 5.° - O ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial, sujeita-se exclusivamente à incidência do imposto de que trata o inciso V do "caput" deste artigo, devido na operação de origem; a alíquota mínima será de um por cento, assegurada a transferência do montante da arrecadação nos seguintes termos: I - trinta por cento para o Estado, o Distrito Federal ou o Território, conforme a origem; II - setenta por cento para o Município de origem. A exemplo da disposição constitucional prevista no artigo 155, § 2.°, inciso X, alínea “a”, firma-se jurisprudência nos tribunais brasileiros: É possível o enquadramento desta mercadoria no art. 155, § 2º, inciso X, ‘a’, da CF, o que ensejaria a isenção do tributo, pela consideração de produto industrializado e não semi- 196 O texto constitucional de 1988 manteve a imunidade quanto aos produtos industrializados remetidos ao exterior, acrescentando, todavia, uma ressalva quanto aos produtos semi-elaborados de tal regra. De todo modo, tanto no Supremo Tribunal Federal como no Superior Tribunal de Justiça, firmou-se posicionamento no sentido de que, para que os bens em referência sejam considerados como semi-elaborados, estes deverão apresentar os atributos contidos no art. 1.º,421 da Lei Complementar n.º 65/91.422 Quanto à imunidade prevista no artigo 155, § 2.°, inciso X, alínea “b”, é legal o procedimento do fisco tendente a antecipar, via instituto da substituição tributária, a cobrança de ICMS nas operações interestaduais de petróleo e seus derivados, pois não foi instituída em favor do consumidor final, mas do Estado membro de destino dos produtos em causa, ao qual caberá, em sua totalidade, o ICMS sobre eles incidente, desde a remessa até o consumo. elaborado. Paralelamente a isto, deve haver a plena demonstração do encargo do tributo na forma do art. 166 do CTN. A inclusão do tributo no preço implica em que o consumidor assuma o mesmo, não cabendo a utilização do ICMS destacado na nota fiscal. Ação improcedente. Recursos procedentes. TJSP – AC 124.0795/2-00; 1ª CDPúb.; Rel. Des. Danilo Paniza; DJSP 22/05/2003; p. 45 421 Lei Complementar n.º 65/91, art. 1.° é compreendido no campo de incidência do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal, e de comunicação (ICMS) o produto industrializado semi-elaborado destinado ao exterior: I - que resulte de matéria-prima de origem animal, vegetal ou mineral sujeita ao imposto quando exportada in natura. II - cuja matéria-prima de origem animal, vegetal ou mineral não tenha sofrido qualquer processo que implique modificação da natureza química originária. III - cujo custo da matéria-prima de origem animal, vegetal ou mineral represente mais de sessenta por cento do custo do correspondente produto, apurado segundo o nível tecnológico disponível no País. 422 É o que se verifica do teor do voto do Ministro Relator Marco Aurélio, na ADIn nº 600-2/MG proposta pelo Governador de Minas Gerais, que assim estatui: O simples fato de o produto industrializado semielaborado estar sujeito à incidência desde que resulte de matéria-prima de origem animal, vegetal ou mineral sujeita ao imposto quando exportada in natura revela, per si, abrangência, a tornar supérfluos os dois incisos seguintes, no que impõem a necessidade de as citadas matérias-primas não terem sofrido qualquer processo que haja implicado modificação da natureza química originária (inciso II) e de apresentarem, no custo do produto, mais de 60% (inciso III). Ministro Relator Marco Aurélio, na ADIn nº 600-2/MG. 1- A análise de questão cujo deslinde reclama a apreciação de matéria de natureza constitucional é estranha ao âmbito de cabimento do recurso especial (artigos 102, inciso III, e 105, inciso III, da Constituição Federal). Precedentes. 2- A questão da inclusão das contribuições ao PIS e à COFINS na base de cálculo de créditos do ICMS apurados em operação de exportação implica, inarredavelmente, o exame do alcance da imunidade assegurada às operações que destinem mercadorias ao exterior, disposta no artigo 155, parágrafo 2º, inciso X, alínea "a", da Constituição Federal. 3- Agravo regimental improvido. STJ – AgRg-EDcl-REsp 1.116.191 – (2009/0006175-2); 1.ª T.; Rel. Min. Hamilton Carvalhido; DJe 05/05/2010; p. 1047. A prova pericial demonstra que as mercadorias exportadas e comercializadas pela embargante são produtos acabados, e não semi-elaborados, sendo aplicável ao caso a imunidade para a exportação prevista no art. 155, II e §2º, X, 'a' da CR/88. Embargos rejeitados. TJMG – EI 1.0000.00.301180-6/004; 7.ª C.Cív.; Rel. Belizário de Lacerda; DJe 05/02/2010. 197 Conforme art. 155, § 2.°, inciso X, alínea “c”, ainda no que concerne à imunidade, neste caso específico sobre o ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial.423 Dispõe o artigo 155, § 3.°,424 sobre a imunidade das operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do país, podendo incidir apenas o Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços, o Imposto de Importação e o Imposto de Exportação. Não incidirá imposto, conforme determinação do artigo 156, § 2.°, inciso I, sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em relação de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, 423 1- O ouro, definido como ativo financeiro, se sujeita ao IOF exclusivamente na operação de origem, nos termos do disposto no art. 153, § 5º, da CF, sendo inconstitucional a incidência, prevista no inciso II da Lei nº 8.033/90, do IOF sobre a posse ou transmissão do ouro (STF, RE 190.363-5, Rel. Min. Carlos Velloso). 2Inconstitucionalidade da incidência do IOF sobre a transmissão de ações de companhias abertas (inciso IV do art. 1º da Lei nº 8.033/90) reconhecida pelo Órgão Especial desta E. Corte, no julgamento da argüição de inconstitucionalidade na AMS 164.856/SP (Reg. 95.03.056130-2), rel. J. Lúcia Figueiredo. 3- O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do inciso V, do art. 1º da Lei nº 8.033/90, por entender que o saque efetuado em caderneta de poupança não configura "operação de crédito, câmbio ou seguro ou relativa a títulos ou valores mobiliários", conforme previsão do artigo 153, inciso V, da Constituição Federal, não podendo haver instituição do IOF sobre saque em poupança. 4- Direito à restituição dos valores indevidamente recolhidos constantes das guias DARF, não havendo que se falar em parcelas prescritas, considerando a data do ajuizamento da ação. 5- Correção monetária do montante a ser restituído segundo os critérios do Provimento 561/07 do CJF, inclusive com a aplicação dos índices expurgados e da taxa SELIC a partir de 1996, vedada acumulação com qualquer índice de juros ou correção monetária. 6- Honorários advocatícios elevados para 10% sobre o valor da condenação, consoante entendimento desta E. Sexta Turma. 7- Apelação da União Federal e remessa oficial desprovidas. Recurso adesivo provido. TRF 3ª R. – Ap-RN 2001.03.99.022450-0/SP; 6ª T.; Rel. Des. Fed. Lazarano Neto; DJe 30/06/2010; p. 260. 1- O ouro, definido como ativo financeiro, se sujeita ao IOF exclusivamente na operação de origem, nos termos do disposto no art. 153, § 5.º, da CF, sendo inconstitucional a incidência, prevista no inciso II da Lei nº 8.033/90, do IOF sobre a posse ou transmissão do ouro (STF, RE 190.363-5, Rel. Min. Carlos Velloso). 2Reconhecimento do direito à restituição dos valores indevidamente recolhidos a título de IOF, devidamente comprovados através de guias DARF. 3- Correção monetária do montante a ser restituído segundo os critérios do Provimento 561/07 do CJF, inclusive com a aplicação dos índices expurgados e da taxa SELIC a partir de 1996, vedada acumulação com qualquer índice de juros ou correção monetária. 4- Honorários advocatícios fixados em R$ 10.000,00 (dez mil reais), diante do valor atribuído à causa e consoante entendimento desta E. Sexta Turma. 5- Apelação da União Federal e remessa oficial parcialmente providas. TRF 3.ª R. – AC 2000.03.99.015580-6/SP; 6.ª T.; Rel. Des. Fed. Lazarano Neto; DJe 05/04/2010; p. 411. 424 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 155, compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: § 3.° À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País. 198 nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.425 Também gozam imunidade as entidades de assistência social, nas formas previstas no artigo 195, da Constituição Federal de 1988.426 No caput deste artigo se 425 Quando pessoas pretendem desenvolver atividades civis ou mercantis, de forma estruturada e por intermédio de terceira pessoa, faz-se necessário aportar recursos numa entidade, que terá vida própria e personalidade jurídica distinta da de seus sócios criadores. São noções cediças estas, que não espertam maiores dúvidas ou controvérsias. Ao capitalizar determinados recursos nessa pessoa, denominada jurídica, eles passam a pertencer a esta última, e não mais às pessoas fundadoras. Em contrapartida, as pessoas que levaram bens ao capital social da referida sociedade passam a deter participações societárias desta e, como tais, recebem o título de sócios. Os sócios nada mais fazem do que permutar seus bens. Exemplificando para melhor esclarecer, deixam de ser proprietários de determinados montantes de dinheiro para serem proprietários de quotas sociais. (...) Muito bem: assim como a incorporação de um bem imóvel à sociedade é imune ao ITBI, entendemos que o fenômeno oposto, isto é, a retirada de um bem imóvel do patrimônio da empresa (que poderíamos chamar de desincorporação) também o é. (...) Por outro lado, sendo a imunidade ampla e indivisível, uma vez presente, ela é insusceptível de meios-termos. Assim, a imunidade em análise vai da incorporação (fenômeno máximo) de pessoa jurídica à extinção (fenômeno mínimo) de pessoa jurídica, passando pela desincorporação (fenômeno intermediário entre a incorporação e a extinção). A transferência da propriedade imobiliária segundo o artigo 1.245 do Código Civil de 2002 se dá apenas pelo registro do título no Registro de Imóveis. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. Op. cit., p. 730. 426 Consituição Federal brasileira de 1988, art. 195, a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos. IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. § 1.° - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União. § 2.° - A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos. § 3.° - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. § 4.° - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I. § 5.° - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. § 6.° - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b". § 7.° - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. § 8.° O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. 199 estabeleceu duas formas de financiamento da seguridade social: mediante recursos provenientes dos orçamentos dos entes políticos, ou seja, o chamado financiamento indireto, e o financiamento direto, que ocorre, por exemplo, com a cobrança das contribuições sociais dos trabalhadores. Observa-se que o legislador enumerou nos incisos várias espécies de contribuições sociais destinadas à seguridade social, que em regra geral, somente podem ser instituídas pela União. A exceção se dá nas contribuições previdenciárias para o custeio do sistema securitário, Estadual e municipal, dos Regimes Próprios de Previdência Social - RPPS (art. 149, § 1.°, da Constituição Federal de 1988),427 mediante Lei Ordinária. Portanto, a União é o sujeito ativo dessas contribuições, através da Secretaria da Receita Previdenciária – SRP (art. 195, I “a” e II da CF)428 e da Secretaria da Receita Federal – SRF para demais contribuições. Assim, as imunidades tributárias são objeto de seção específica da Constituição Federal de 1988 (arts. 150 usque 152), com o título - Das Limitações § 9.° As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. § 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos. § 11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei complementar. § 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas. § 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento. 427 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 149, compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. § 1.º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União. 428 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 195, a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201. 200 do Poder de Tributar, no capítulo do Sistema Tributário Nacional. No entanto, existem imunidades tributárias que encontram-se dispostas fora da seção das limitações constitucionais ao poder de tributar, trazendo requisitos formais ou materiais, limites quantitativos, características específicas deste ou daquele tipo de tributo, que foram inceridas de forma esparsa na Constituição, tais como: os direitos e garantias individuais, da seguridade social e da ordem econômica, o que significa que os limites da competência tributária não se resumem aos que estão definidos no texto constitucional. Importante destacar que tais imunidades, chamadas de específicas são aquelas previstas pelo legislador, de maneira individualizada para determinados tributos. Mas esta classificação não se refere aos efeitos, apenas à abrangência da regra. Desta forma, as imunidades genéricas previstas no art. 150, inciso VI, aplicam-se a todos os impostos. Seu âmbito de aplicação é amplo. Já as imunidades específicas aplicam-se a determinados tributos, previstos individualmente, mas da mesma forma constituem poder de tributar, e buscam proteger os direitos e garantias do cidadão. 2.1.1.3 Isenção A isenção é fenômeno jurídico que já não transcorre à nível constitucional, mas sim no plano das leis, as quais especificarão as condições e requisitos, assim como o tributo a que se aplica e o prazo de sua duração. Depois de criados, pode a pessoa jurídica que criou os tributos, excluir certas situações da incidência da lei. A isenção pressupõe a competência429 (artigo 151, III, da Constituição Federal de 1988).430 Não faz sentido imaginar-se um poder tributante conferir isenção para algo que ele não tinha poder de tributar.431 429 Sabido e ressabido que o poder de isentar é corolário do poder de tributar. Só pode isentar quem tem poder de tributar. HARADA, Kiyoshi. Op. cit., p. 299. 430 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 151, é vedado à União: 201 Conforme o artigo 150, § 6.°, da Constituição Federal de 1988, a isenção deve ser concedida por lei especificamente editada para esse fim, ou então pela lei que consolide o disciplinamento do tributo. Não é válida a norma, relativa à isenção (deferimento, revogação etc.) que venha inserida como “um rabilongo” no meio de outras matérias completamente diferentes.432 Sendo matéria reservada à lei formal, não pode esta delegar ao Poder Executivo a concessão de isenções, anistias ou remissões, ainda quando se tratar de isenção ou anistia individuais, a depender do preenchimento de requisitos específicos, a serem verificados pela autoridade administrativa em cada caso, a lei deve descrever todos os citados requisitos, limitando-se a autoridade a declarar seu atendimento por parte do contribuinte, se for o caso. III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. 431 Quanto à isenção e à anistia afirma o renomado jurista: A exclusão do crédito tributário, por meio da isenção e anistia, consiste na inviabilidade de sua constituição, ou seja, são situações em que, mesmo ocorrido o fato gerador e a obrigação tributária, não haverá lançamento e, consequentemente, não haverá o crédito tributário. A isenção e a anistia são normas desonerativas de deveres patrimoniais do contribuinte, atingindo-se o tributo, no caso de uma lei isentante (isencional ou isentiva) ou multa (no caso de uma lei anistiadora). Em palavra simples, “isenta-se o tributo”, “anistia-se a multa” É fato que o motivo que leva o legislador a pretender isentar um tributo não é o mesmo que o move a anistiar uma penalidade. A isenção justifica-se no plano socioeconômico da realidade social qua a avoca, enquanto a anistia encontra motivação no intuito do legislador em retirar o timbre de impontualidade do inadimplente da obrigação tributária. SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 815. E ainda assevera Sabbag: É cediço que o poder se isentar ou anistiar é correlato ao poder de criar tributos ou exigir penalidade, devendo haver uma simetria no plano da competência tributária, na esteira dos binômios “instituir-isentar”ou ‘instituir-anistiar. Idem.. Ibidem., p. 816. 432 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Código Tributário Nacional: anotações à Constituição, ao Código Tributário Nacional e às leis complementares 87/1996 e 116/2003. Op. cit., p. 54. A finalidade dessa restrição foi explicada pelo Ministro Nelson Jobim, no voto proferido quando do julgamento do RE 350.446/PR: (...) evitar no processo legislativo – barganhas parlamentares quanto a benefícios tributários. Era relativamente ocorrente que, em projeto sobre assunto qualquer, do interesse do governo ou de uma maioria, parlamentares apresentassem emendas que beneficiam categorias, regiões ou situações específicas. Todas com “fotografia”. A partir daí esse grupo condicionava o seu voto ou, mesmo, a desobstrução da sessão da Casa Legislativa, à aprovação de sua emenda. A experiência legislativa, anterior a 1988/1993, é riquíssima de exemplos. Daí a exigência de (...) ”lei específica, (...),que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou correspondente tributo ou contribuição, (...)” É uma regra limitadora indireta do direito parlamentar de oferecer emendas. Está na mesma linha daquelas que disciplinam as emendas aos projetos orçamentários (CF, artigo 166, § 3.°). Pleno, Rel. Min. Nelson Jobim, j. em 18/12/2002, m.v., DJ de 6/6/2003, p. 32. Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum. § 3.° - As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso: I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias; II - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre: a) dotações para pessoal e seus encargos; b) serviço da dívida; c) transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal; ou III - sejam relacionadas: a) com a correção de erros ou omissões; ou b) com os dispositivos do texto do projeto de lei. 202 Para que haja a isenção, é necessário que ocorra um fato ou acontecimento capaz de gerar a obrigação tributária.433 A isenção está disciplinada nos artigos 175 a179,434 do Código Tributário Nacional, sendo modalidade de exclusão de crédito tributário.435 A isenção não é dispensa de pagamento, pois apenas se pode dispensar algo que já existe, e se incidir norma de isenção, não incidirá a de tributação. Na hipótese da existência da norma de isenção, a obrigação não surge. E não porque, ao invés de incidir a norma de tributação, incidiu, isso sim, a da isenção.436 A isenção somente pode ser concedida por lei das pessoas jurídicas de direito público competentes para tributar, não sendo aceito a interferência na competência tributária dessas pessoas jurídicas pela União. Esta não interferência é 433 A isenção situa-se, portanto, dentro do campo de incidência da obrigação tributária. É apenas uma exclusão do crédito tributário, ou seja, da obrigação de pagamento de imposto quando devido pelo contribuinte. ALVES, Francisco de Assis. Imunidades tributárias. apud MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidades Tributárias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 269. 434 Código Tributário Nacional, art. 175, excluem o crédito tributário: I - a isenção; II - a anistia. Parágrafo único. A exclusão do crédito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja excluído, ou dela consequente. Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração. Parágrafo único. A isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares. Art. 177. Salvo disposição de lei em contrário, a isenção não é extensiva: I - às taxas e às contribuições de melhoria; II - aos tributos instituídos posteriormente à sua concessão. Art. 178 - A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104. Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para concessão. § 1.° Tratando-se de tributo lançado por período certo de tempo, o despacho referido neste artigo será renovado antes da expiração de cada período, cessando automaticamente os seus efeitos a partir do primeiro dia do período para o qual o interessado deixar de promover a continuidade do reconhecimento da isenção. § 2.° O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155. 435 Regra de direito excepcional, vez que subtrai pessoas ou bens ao princípio da generalidade da tributação. A norma que isenta constitui exceção à regra da generalidade da tributação. BORGES, José Souto Maior. Isenções tributárias. Op. cit., p. 26. 436 Idem.Ibidem., p. 36. A isenção atua noutro plano, qual seja, o do exercício do poder de tributar: quando a pessoa política competente exerce esse poder, editando a lei instituidora do tributo, essa lei pode, através da técnica da isenção, excluir determinadas situações que, não fossem a isenção, estariam dentro do campo de incidência da lei de tributação, mas, por força da norma isentiva, permanecem fora desse campo. AMARO, Luciano. Imunidades tributárias. Op. cit., p. 145. 203 uma limitação ao poder de tributar e é tratada como princípio na Constituição Federal de 1988, no artigo 151, III, onde é vedado à União a instituição de tributos não pertencentes a sua competência tributária. Para que a isenção seja revogada, depende de nova lei que a suprirá ou do descumprimento de requisitos legalmente estabelecidos. Sendo necessário, ainda, titularidade atual sobre a matéria já promovida e que esta seja disponível por inexistência de direitos subjetivos, de situações constituídas. Também é preciso que seja observado o princípio da anterioridade para que ocorra esta revogação, a lei que revoga uma isenção somente poderá ser aplicada no exercício vindouro à sua publicação, ou seja, somente poderia ser cobrado o tributo no exercício financeiro seguinte àquele em que revoga o favor fiscal que fora publicado. Porém, o Supremo Tribunal Federal tem decidido de forma contrária, onde a revogação da isenção tem eficácia imediata, podendo ser cobrado o tributo no mesmo exercício em que foi revogada a isenção, não sendo, portanto, uma ofensa ao princípio da anterioridade, ressalvadas as hipóteses previstas no artigo 104, inciso III (imposto sobre o patrimônio e a renda) e artigo 178 (isenção com prazo certo ou sob condição onerosa), ambos do Código Tributário Nacional. Assevera a Súmula n.° 615, do Supremo Tribunal Federal, revogada a isenção, o tributo volta a ser imediatamente exigível, sendo impertinente a invocação do princípio da anterioridade (RMS 14473, informativo 46, do STF). A teor do artigo 150, § 6.°, da Constituição Federal de 1988, isenções e outros benefícios somente podem ser concedidos por lei específica do ente tributante correspondente, excepcionado apenas o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, cujo procedimento para concessão de isenções é objeto de maiores entraves e controles, no ordenamento jurídico brasileiro. A Súmula n.° 95, do Superior Tribunal de Justiça, dispõe que a redução da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados ou do Imposto de Importação 204 não implica redução do ICMS.437 O pagamento do crédito tributário, tem como escopo a garantia constitucional do acesso à justiça, compreendendo a isenção de todas as taxas judiciárias (artigo 3.º, Lei n.° 1.060/50), excluído as hipóteses não 437 Ampla jurisprudência firmada pelos Tribunais pátrios acerca da isenção: 1. O benefício da justiça gratuita, nos moldes como estabelecido na Lei 1.060/50, é favor legal concedido em prol do hipossuficiente e tem como escopo a garantia constitucional do acesso à justiça, compreendendo a isenção de todas as verbas e despesas estabelecidas no seu artigo 3º, que inclui as taxas judiciárias, emolumentos e custas, honorários de advogado e peritos e exames de DNA nas ações de investigação de paternidade. 2. A isenção de custas concedida pelo benefício da gratuidade somente admite seja desconsiderada na hipótese de superveniente alteração da situação de hipossuficiência no curso do processo ou nos cinco anos posteriores ao trânsito em julgado da sentença que veicula a condenação, nos termos do artigo 12 da Lei 1.060/50. 3. É defeso ao juízo de origem determinar a intimação pessoal do agravado para o recolhimento de custas, em flagrante afronta à isenção legal decorrente do benefício da assistência judiciária que lhe fora concedido, bem como a adoção de medidas visando a constituição do crédito tributário, quando incidente hipótese de sua exclusão em decorrência da gratuidade deferida, e que emerge como impeditiva do lançamento, consoante previsão expressa do artigo 175 do Código Tributário Nacional. 4. Agravo de instrumento provido. TRF 3.ª R. – AG 2006.03.00.022544-7 – (263999); 9.ª T. ; Relª Desª Fed. Marisa Santos; DJU 07/12/2006; p. 574. Segundo o Acordo Internacional, a reciprocidade é apenas em relação ao Imposto de Renda; O que não abrange a COFINS, espécie distinta de imposto. A isenção pretendida pela autora é hipótese de exclusão do crédito tributário (art. 175, I, do CTN), pelo que não é passível de interpretação extensiva, no sentido de criar isenção em relação a outros tributos (COFINS), uma vez que a legislação deve ser interpretada restritivamente, na conformidade com o disposto no artigo 111 do CTN. Não há como admitir que a COFINS seja substancialmente semelhante ao imposto de renda, haja vista que o tratamento do imposto de renda e seus objetivos não são os mesmos das contribuições sociais. Além disso, inexiste primazia hierárquica entre tratado e lei interna, devendo-se aplicar o critério cronológico para solução de antinomias. Assim vem decidindo o excelso Supremo Tribunal Federal no sentido de que os tratados e convenções internacionais guardam estrita relação de paridade com as leis ordinárias internas. Mesmo que se admitisse a extensão da isenção da COFINS, se estaria diante de uma antinomia entre tratado e lei infraconstitucional, sendo, pois, aplicável o critério cronológico, prevalecendo a norma posterior, que, no caso, é a lei complementar. Ressalte-se que os casos de isenção da COFINS estão previstos na própria lei que a instituiu, a qual foi posteriormente alterada, em parte, pela Lei Complementar 85, de 15/02/96, não estando a pretendida pela apelante entre esses casos. Cabível a isenção tão-somente após a edição da MP 2.158/2001, quando passa a ser expressamente reconhecida a isenção da COFINS sobre a prestação de serviços de transportes aéreos internacionais. Custas e honorários compensados. TRF 2.ª R. – AC 1998.51.01.009629-3 – (324383); 4.ª T.Esp.; Rel. Des. Fed. Alberto Nogueira; DJe 05/03/2010; p. 124. Incabível a cobrança: "A Lei n.º 9.317/96 elenca expressamente as contribuições que não são alcançadas pelo sistema diferenciado que introduz, cuidando a Instrução Normativa nº 9/1999, da Secretaria da Receita Federal, apenas de regulamentar a norma legal, preservando-lhe o objetivo, sendo certo que a isenção conferida está em consonância com o que estabelece o art. 176, do Código Tributário Nacional. Assim, optando a empresa pela inscrição no "Simples", é incabível a cobrança da contribuição sindical patronal (§ 4.º, do art. 3.º, da Lei n.º 9.317/96)". 2- Contribuição Assistencial Patronal – "O artigo 513, incisos “b” e “e”, da CLT, deve ser interpretado em consonância com o que estabelece a Carta Constitucional, afastando qualquer violação aos princípios nela instituídos, notadamente o da liberdade de associação. Aplicável à hipótese, por analogia, o Precedente Normativo nº 119, da SDC, do c. TST". Recurso ordinário a que se nega provimento. TRT 2.ª R. – RO 01623200604702006 – (20080743131); 11.ª T.; Rel.ª Des.ª Fed. Dora Vaz Treviño; DJe 08/09/2008. Recolhimento determinado pelo juízo a quo – Assistência judiciária assegurada constitucionalmente àqueles que comprovarem insuficiência de recursos que não compreende a isenção do imposto em causa – Dispensa do pagamento do tributo devido, outrossim, que depende sempre de expressa previsão legal (art. 176 do CTN), inexistente na espécie – Agravo não provido. TJSP – AG 211.834-4/4-00; 9.ª CDPriv.; Rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti; DJSP 28/11/2001; p. 44. 205 abrangidas pela assistência gratuita. Só deve existir a mencionada isenção se lei a conceder, conforme o art. 176,438 do Código Tributário Nacional.439 Ressalta-se que não se tratando de isenção concedida por prazo certo ou em virtude de condições determinadas, é permitido ao legislador revogá-la a qualquer tempo, como dispõe o art. 178, do Código Tributário Nacional.440 Ademais, é cediço que o Supremo Tribunal Federal, em 03 de dezembro de 1969, editou a Súmula n.º 544, na qual assentou entendimento de que as isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas.441 Os Tribunais brasileiros já pacificaram o entendimento de que inexiste direito à isenção baseado em ato internacional, mas tão somente as mercadorias importadas em decorrência de tratados internacionais acham-se isentas do pagamento do Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante - AFRMM, 438 Código Tributário Nacional, art. 176, a isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração. Parágrafo único. A isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares. 439 Sobre o pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doção (ITCMD), Maria Helena Diniz esclarece: Encerrado o inventário, ouvidas as partes sobre as declarações finais do inventariante no prazo de 10 dias, seguir-se-á o processo preparatório da partilha, ordenando o juiz que se proceda ao cálculo do imposto de transmissão causa mortis (CPC, art. 1.012) (...), remetendo-se, então, os autos ao contador do juízo, que deverá ater-se à legislação fiscal, atendendo, obviamente, à natureza da sucessão, ao valor dos bens, às dívidas passivas, às despesas judiciais, à existência dos bens colecionados, que são excluídos do cálculo, ao regime de bens do casamento, se casado o inventariado. (...) Cumprindo o despacho, o juiz julgará o cálculo do imposto (CPC, art. 1.013, § 2.º) por sentença e mandará expedir guias para o seu pagamento. Uma vez pago o tributo, seguem-se os pedidos de quinhões, o despacho e a deliberação da partilha e a partilha. O inventário encerra-se, portanto, com uma sentença de mérito, que é o julgamento do cálculo do imposto, dando início à partilha.DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro. 24.ª ed., V. 6., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 309. 440 A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104 (art. 178 do CTN). Uma vez prorrogada a isenção (Lei n.º 4.239/63), através da Lei nº 8.874/94, até o exercício financeiro de 2001, a empresa beneficiada não pode ser atingida pela redução da isenção parcial do imposto de renda e de adicionais não restituíveis, dada a situação definida da empresa autora, com isenção de prazo certo e em função de determinadas condições já reconhecidas e declaradas. Apelação provida. TRF 5.ª R. – AC 276.095/PE; 1.ª T.; Rel. Des. Fed. Ivan Lira de Carvalho; DJU 19/12/2002; p. 595. 441 Como criatura da lei que a isenção é, a qualquer momento ao alvedrio do legislador, pode ser ab-rogada ou revogada parcialmente (derrogada), o que implica sua modificação redutiva. Visa o art. 178 a preservar aquelas que foram concedidas por prazo certo e em função de determinadas condições, ressalvando-as dessa prerrogativa de liberdade legiferante de que os Parlamentos são portadores, dentro dos limites constitucionais. Tais isenções, de conformidade com o texto escrito do Código Tributário Nacional, estariam a salvo de ab-rogações ou derrogações da lei. Apesar disso, temos para nós que havendo a justa indenização advinda dos prejuízos do inadimplemento contratual, também as concedidas por prazo certo e mediante condições podem ser revogadas totalmente (ab-rogação) ou de forma parcial (derrogação). O interesse público deve prevalecer sobre o dos particulares (princípio implícito da supremacia do interesse público). CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 491. 206 previsto no Decreto Lei n.º 2.404/87, espécie de hipótese de isenção individual a que se aplica o disposto no artigo 179,442 do Código Tributário Nacional.443 Quanto à classificação da isenções no ordenamento jurídico brasileiro podem ser: objetivas (ou reais) e subjetivas (ou pessoais), consoante a lei qua as conceda tenha levado em conta peculiaridades da própria situação material, ou tenha considerado a condição pessoal do indivíduo (pessoa física ou pessoa jurídica) ligado à situação material. Pode-se afirmar ainda, a existência de isenções chamadas de regionais (institutidas para diminuir as desigualdades regionais) quando atingem apenas uma parte do território da entidade tributante, referidas no inciso I, do artigo 151, da Constituição Federal de 1988, como exceção ao princípio da uniformidade geográfica, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País. São isenções setoriais as que contemplam determinado setor de atividade econômica (por exemplo, pesca, florestamento, turismo etc.) Isenções condicionadas são as que dependem do cumprimento de certos requisitos por quem 442 Código Tributário Nacional, art. 179, a isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão. § 1.º Tratando-se de tributo lançado por período certo de tempo, o despacho referido neste artigo será renovado antes da expiração de cada período, cessando automaticamente os seus efeitos a partir do primeiro dia do período para o qual o interessado deixar de promover a continuidade do reconhecimento da isenção. § 2.º O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155. 443 Neste diapasão, figura-se decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, tendo como Relator, o renomado jurista Alberto Nogueira: O eg. STJ já pacificou o entendimento de que inexiste direito à isenção baseado em ato internacional. Em princípio, as mercadorias importadas em decorrência de tratados internacionais acham-se isentas do pagamento do AFRMM, nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 2.404/87, com a redação dada pelo DL n.º 2.414/88. Trata-se, porém, de hipótese de isenção individual a que se aplica o disposto no artigo 179 do CTN. Tal isenção está subordinada, segundo o artigo 4.º do Decreto n.º 429, de 17/01/92, ao encaminhamento do pedido à apreciação do Departamento Nacional de Transportes Aquaviários, do Ministério da Infraestrutura - Até 19 de janeiro de 1992, pelo Decreto n.º 97.945, de 11/07/89, a competência era do Ministério das Relações Exteriores, que apreciará se o pedido se encontra amparado por normas jurídicas específicas. Não há prova nos autos de que a Autora tenha requerido a pretendida isenção ao órgão competente, conforme exige a lei, pelo que não há como afastar a exigência do AFRMM. TRF 2.ª R. – AC 1999.02.01.046892-7 – (212666); 4.ª T. Esp.; Rel. Des. Fed. Alberto Nogueira; DJe 18/06/2010; p. 262. 207 a elas se queira habilitar. Esse tipo de isenção geralmente é concedido por prazo certo, o que as qualifica também como isenções temporárias.444 Portanto, isenção é a hipótese de não incidência legalmente qualificada, sendo a limitação do âmbito de abrangência de critério do antecedente ou do consequente da norma tributária, que impede que o tributo nasça, já a imunidade é uma limitação constitucional ao poder de tributar, alcançando somente os impostos e as diversas hipóteses de imunidade que a Constituição Federal de 1988 prevê expressamente. 2.2. Instrumentos legais na defesa do contribuinte Os princípios constitucionais são considerados, no ordenamento jurídico pátrio, como as maiores garantias do contribuinte, tidos como verdadeiras garantias pró-contribuinte. Com o objetivo de proteger as relações tributárias, principalmente quanto a sua instituição, essa série de princípios elencados constituiem os fundamentos basilares da segurança jurídico-tributária.445 Nomeados pela Carta Magna como fundamentais, são eles os direitos e garantias mais eminentes, os mais dignos de serem questionados no ordenamento jurídico brasileiro.446 Fala-se, ainda, por oposição às isenções “totais”, em isenções “parciais”, querendo-se, com essa qualificação, expressar as situações em que a lei reduz o gravame fiscal sobre certa situação. XAVIER, Alberto. Manual de direito fiscal. v. 1. Lisboa: [s.n.], 1981, p. 289. 445 A segurança tributária não se reduz a ponderação trivial de um princípio em especial mas sintaticamente dependente de outros direitos e garantias constitucionais. Nenhuma segurança sem justiça tributária; nenhuma segurança sem legalidade, etc. O privilegiamento da enunciação desses direitos não exclui contudo outros direitos e garantias que a CF adota. BORGES, José Souto Maior. Princípio da isonomia e sua significação na Constituição de 1988. Revista de Direito Público. São Paulo, n.° 93, ano 23, jan/mar., 1990, pp. 34-40. 446 Os direitos fundamentais do homem não foram elencados na Constituição apenas para serem formalmente reconhecidos, mas para serem concretamente efetivados. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Eficácia das Normas Constitucionais sobre Justiça Social. São Paulo: Editora Malheiros, 2009, p. 19. 444 208 A partir dessa afirmação são consideradas inconstitucionais as normas jurídicas que, a pretexto de exercitarem competências tributárias, impedirem ou tolherem o pleno desfrute dos direitos públicos subjetivos dos contribuintes. Não somente dos direitos fundamentais dispostos na Constituição Federal pode-se encontrar exemplos de segurança jurídica do contribuinte, que visam a preservação da sua defesa. Não é só a Constituição que deve respeitar os direitos do contribuinte, mas a lei que não pode ferir qualquer comando constitucional.447 Encontra-se no Código Tributário Nacional, alguns exemplos de legislações esparsas, as quais apresentam status de lei complementar, que objetivam a proteção dos direitos do contribuinte. Um clássico exemplo no ordenamento jurídico brasileiro, trata da disposição do artigo 142, no qual assegura que o crédito tributário somente poderá ser constituído por autoridade administrativa, por meio do lançamento, ou seja, o procedimento de emissão de notificação ou auto de infração. Desta forma, pode-se afirmar que nenhuma outra forma poderá ser utilizada pelo ente tributante para constituir ou exigir seu crédito, a não ser o lançamento ou procedimento administrativo, o qual lhe é constituído como competência privativa. Configura-se, portanto, procedimento ilegal a aplicação das chamadas sanções políticas, que na realidade prática, são as diversas formas de se exigir o tributo, as quais abordar-se-á nos capítulos seguintes. Existem ainda, em outros Códigos, que não apenas o Código Tributário Brasileiro, diversos preceitos que corroboram na garantia da defesa dos interesses do contribuinte.448 A prática mencionada é conhecida como excesso de exação ou cobrança de tributo exarcebada.449 Nota-se que contra esta prática abusiva, que fere os direitos e 447 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários a Constituição do Brasil. Op. cit., p. 65. Código Penal Brasileiro artigo 316, exigir, para si ou para outrem, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: §1.°. Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança de meio vexatório ou gravoso que a lei não autorizou. 449 Pode a exigência consistir, também, no colocar o pagamento de determinado tributo como condição para o atendimento de pretensão do contribuinte junto ao ente público. MACHADO, Hugo de Brito. Excesso de Exação. In: Revista Consulex, ano III, n.° 27, 1999, p. 32. 448 209 garantias do contribuinte, pode ele, se quiser, acionar judicialmente o Estado, pleiteando perdas e danos, e ainda dano moral e créditício, uma vez que na maioria dos casos em epígrafe, a exação é objeto de inscrição no Cadin,450 que é o órgão responsável por restringir o crédito em bancos oficiais e de impedir o contribuinte de participar de licitações públicas. Hodiernamente, no ordenamento jurídico brasileiro não se encontra vasta discussão e exploração sobre essa questão no aspecto doutrinário, entretanto, a jurisprudência registra precioso precedente do Supremo Tribunal Federal, em que em seu julgado, condenou o Fisco a indenizar dano causado ao contribuinte, por indevida resposta à consulta que este lhe formulara.451 A partir de julgados como esse citado anteriormente, é que se pode verificar o fortalecimento de questões norteadoras da efetivação dos direito e garantias do contribuinte no Brasil. 2.2.1.Instrumentos legais processuais A Carta Magna de 1988 introduziu algumas inovações no que se refere aos direitos e garantias fundamentais, com a finalidade de efetivar a instrumentalização dos referidos direitos. Além de todos os institutos jurídicos analisados anteriormente, pode-se destacar alguns instrumentos processuais próprios, que visam o reconhecimento destes direitos, e que são verdadeiras armas a favor do contribuinte. 450 CADIN, Cadastro Informativo de créditos não quitados do setor federal, é um banco de dados que contém os nomes: a) de pessoas físicas e jurídicas com obrigações pecuniárias vencidas e não pagas para com os órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta e indireta; b) de pessoas físicas que estejam com inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) cncelada e de pessoas jurídicas que sejam declaradas inaptas perante o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). 451 RE 131.741-SP, rel. Min. Marco Aurélio Mello, julgado em 09/04/96. Ementa publicada no DJU. de 24/05/96, pp. 174-5. 210 Dentre esses instrumentos processuais garantidores dos direitos do contribuinte, pode-se citar: o mandado de segurança individual e coletivo; o mandado de injunção; repetição de indébito; ação declaratória e a ação anulatória de débito fiscal. 2.2.1.1. Mandado de segurança individual e coletivo A partir da crise iniciada com a revisão da doutrina brasileira do habeas corpus, no processo da reforma constitucional de 1926, fica evidente a necessidade de adoção de um instrumento processual-constitucional adequado para a proteção judicial contra lesões a direitos subjetivos públicos não protegidos pelo habeas corpus.452 Assim, a Constituição brasileira de 1934 consagrou, ao lado do habeas corpus, e com o mesmo processo deste, o mandado de segurança para a proteção de direito certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade (artigo 113, 33). Contemplado pelos textos constitucionais posteriores, com exceção da Carta de 1937, na Constiuição de 1946, artigo 141, § 24; na Constituição de 1967/69, artigo 153 § 21, o mandado de segurança individual é assegurado pela atual Constituição em seu artigo 5.°, LXIX,453 e o mandado de segurança coletivo, à luz do mesmo artigo, inciso LXX, “a” e “b”.454 452 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança e ação popular. 8.ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 36. 453 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 5.°, inciso LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; 454 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 5.°, inciso LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados; 211 O conceito de mandado de segurança encontra-se disciplinado na Lei n.° 12.016, de 07/08/2009 (que revogou a Lei n.º 1.533/51) e no inc. LXIX, artigo 5.°, da Constituição Federal de 1988. Conjugando esse dispositivo com o inc. LXX, verifica-se que o mandado de segurança coletivo é o remédio jurídico posto à disposição dos partidos políticos com representação no Congresso Nacional, das organizações sindicais, das entidades de classe ou das associações legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados, visando resguardar direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, inclusive em caso de delegação.455 O novel instrumento pode ser conceituado como um instituto de direito processual constitucional, cujo objetivo precípuo diz com a verificação da inconstitucionalidade ou ilegalidade de ato de agente do Poder Público, ou a ele equiparado, responsável pela sua efetuação.456 455 Pela própria definição constitucional, o mandado de segurança tem utilização ampla, abrangente de todo e qualquer direito subjetivo público sem proteção específica, desde que logre caracterizar a liquidez e certeza do direito, materializada na inquestionabilidade de sua existência, na precisa definição de sua extensão e aptidão para ser exercido no momento da impetração. Embora destinado à defesa de direitos contra os atos de autoridade, a doutrina e a jurisprudência consideram legítima a utilização do mandado de segurança contra ato praticado por particular no exercício de atividade delegada. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança e ação popular. 8.ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988, pp. 36-7. 456 Conceito de mandado de segurança coletivo como sendo o remédio constitucional que visa à proteção de direito líquido e certo, não amparado por ‘habeas corpus’ e ‘habeas data’, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício das atribuições do Poder Público, a ser utilizado por partidos políticos com representação no Congresso Nacional, organizações sindicais, entidades de classe ou associações legalmente constituídas e em funcionamento há mais de um ano, em defesa do interesse de seus membros. KATO, Evandro Takeshi. Diferenças entre o mandado de segurança individual e o mandado de segurança coletivo. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. n.° 89, 1994, p. 258. Na sistemática constitucional, pode ser conceituado como ação judicial impetrada por partido político, organização sindical, entidade de classe ou associação constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, fundando-se em direito líquido e certo de seus membros ou associados, ameaçado ou violado por ato ilegal, inconstitucional ou praticado com abuso de poder, imputado a autoridade pública. Ainda sob o enfoque do direito constitucional, o mandado de segurança coletivo pode ser visto como garantia deferida pela Lei Maior ao cidadão para proteção dos direitos individuais, sociais e coletivos. Coloca-se essa nova garantia – ao lado do ‘habeas data’, mandado de injunção e declaração de inconstitucionalidade por omissão, figuras criadas e introduzidas em nossa ordem jurídica pela CF/88 – como aperfeiçoamento ao já existente sistema de controle de constitucionalidade. DANTAS, David Muniz. Mandado de segurança coletivo. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1994, p. 16. 212 Nesse sentido, pode-se afirmar que o mandado de segurança é urna ação que visa proteger o titular de direito subjetivo lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade pública, em que os fatos e situações são demonstrados de plano, isto é, que tenham sido comprovados de início. Desta forma, consagra-se como finalidade principal do mandado de segurança, a correção de ato ou omissão das autoridades, para sanar-lhes das doenças da ilegalidade ou do abuso de poder. Considera-se ponto relevante nesse remédio constitucional, a identificação da autoridade coatora. Assim, é necessário destacar que o ato coator constitui a ação ou omissão da autoridade pública no exercício de atribuições do Poder Público que ameace ou viole direito líquido e certo, independentemente de se tratar de ato vinculado ou discricionário. Portanto, considera-se autoridade coatora aquela que detiver o poder de “mando”, ou seja, a competência ou atribuição para realizar ou modificar ato. Ou ainda, é a autoridade que detenha, somente ela, o poder de realizar a pretensão do autor da ação. Considerado técnica constitucional de proteção dos direitos individuais, o mandado de segurança é instrumento indispensável para o funcionamento e aprimoramento do Estado de Direito. O mandado de segurança coletivo é um instrumento com garantia constitucional e processual, cujo objeto é a tutela dos interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos. No ordenamento jurídico brasileiro, do mandado de segurança coletivo e do tradicional mandamus singular, o primeiro se presta somente para a defesa dos direitos coletivos, enquanto o mandado de segurança tradicional para a defesa dos direitos individuais.457 457 A nova Constituição criou a figura do mandado de segurança coletivo, de maneira completamente inovadora, embora interprete o inciso LXIX e reconheça, como condições peculiares ao mandado de segurança coletivo as mesmas referentes ao mandamus tradicional. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Perfil do mandado de segurança coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 7. O exame dos antecedentes legislativos levam, desse modo, à convicção de que o mandado de segurança coletivo, como simples tipo da espécie de mandado de segurança, absorve, por sua natureza, os caracteres e 213 O objeto do mandado de segurança é a correção de ato comissivo ou omissivo de autoridade, marcado pela ilegalidade ou abuso de poder.458 Não se admite o mandado de segurança contra atos meramente normativos (leis), enquanto não produzirem efeitos operativos in concreto, contra a coisa julgada e atos interna corporis de órgãos colegiados. Analisando a disposição do texto constitucional (artigo 5o, LXIX e LXX), sob o prisma processual, chega-se à conclusão que houve apenas uma modificação na legitimação ativa do Mandado de Segurança, ou seja, alterou-se a forma de impetração, possibilitando legitimidade para agir aos partidos políticos, organizações sindicais, entidades de classe e associações. requisitos comuns, diferençando-se apenas pela legitimidade ativa. PACHECO, José da Silva. O mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas. 3.ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 249. O mandado de segurança coletivo difere do mandado de segurança singular apenas no que diz respeito a natureza dos impetrantes (...). Advirta-se, desde já que o mandado de segurança coletivo, assim como o singular, protegem direitos (...). CRETELLA JÚNIOR, José. Do mandado de segurança coletivo. 2.ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1991, p. 3. Acompanhando as atuais tendências de socialização do processo, destacadas no início desta pesquisa, no sentido de admissão de controvérsias supra-individuais sobre relação jurídica, não estreitamente individualizada, mas versando acerca de grupos ou categorias de pessoas, o legislador constituinte brasileiro, no inciso LXX do artigo 5.° da atual Constituição Federal, ampliou o âmbito de atuação do mandado de segurança (...). TUCCI, José Rogério Cruz e. Class action e mandado de segurança coletivo. São Paulo: Editora Saraiva, 1990, p. 37. Há portanto, no direito brasileiro atual, duas espécies de mandado de segurança: o individual e o coletivo. O primeiro já conta com meio século de aplicação, é de largo uso e está regulamentado pela Lei n.° 1.533/51. O segundo é de origem recente, só havendo a seu respeito a norma constitucional que o instituiu. Ambos têm pontos comuns e diferença específica. São pontos comuns: – a existência do mesmo instrumento de tutela jurídica de direito líquido e certo e a garantia constitucional. Distinguem-se entre si, no entanto, quer pela legitimidade ativa, quer pelo objeto, quer pela natureza do direito ou do interesse jurídico tutelado. Para não expô-los ao risco da legislatura ordinária, que poderia eliminá-los ou restringir-lhes o campo de aplicação, ambos foram elevados à iminência de garantia constitucional. BUZAID, Alfredo. Considerações sobre o mandado de segurança coletivo. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 5. Se o termo coletivo veio dizer respeito às regras processuais de legitimidade, e as regras materiais se encontram no inciso pertinente ao mandado de segurança tradicional, é porque o direito que ambos podem tutelar são os mesmos. Assim, o mandado se segurança tradicional – não coletivo se presta para a defesa de direitos individuais, coletivos ou difusos, só que o legitimado desta ação será um sujeito individual. Aliás, outro não poderia ser o entendimento até porque as regras de direito material, que determinam a atuação do mandado de segurança, repousam no inciso LXIX do artigo 5.° da Constituição Federal de 1988, e dentre estas regras vem estabelecido que tal instituto será usado para proteger direito líquido e certo. Não especifica, todavia, qual tipo de direito, de forma que todo e qualquer direito poderá ser tutelado. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; ABELHA RODRIGUES, Marcelo; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Direito processual ambiental brasileiro. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1996, pp. 196-7. 458 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular e ação civil pública, mandado de injunção, hábeas data. Op. cit., p. 14. 214 São pressupostos constitucionais do instituto: a) o direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data; b) ato praticado por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições públicas. Cumpre destacar que os requisitos previstos para o mandamus individual são também exigidos para admissibilidade do coletivo. Neste sentido, responde afirmativamente Lúcia Valle Figueiredo,459 Hely Lopes Meirelles,460 Maria Sylvia Zanella Di Pietro,461 Luiz Alberto Gurgel de Faria462 e Carlos Mário da Silva Velloso.463 Contudo, há opiniões abalizadas em sentido contrário, como a de José Afonso da Silva.464 No entanto, entende-se que o mandado de segurança coletivo é ação mandamental, busca provimento jurisdicional que seja capz de constranger a autoridade coatora à realização ou abstenção de determinado ato. Os requisitos para a propositura do mandado de segurança coletivo, são os mesmos do mandado de segurança individual, com o acréscimo da legitimidade ativa diferenciada. Assim, o que se resolve por esse instrumento é a relação de direito pública, definidade pelo dever legal da autoridade e pelo direito correlato de se lhe exigir o cumprimento desse dever. Não importa, a qualquer direito, seja de que natureza for, pode ferir um excesso de poder da autoridade, por omissão ou comissão, seja ele real, pessoal ou personalíssimo. As questões para a previsão do mandado de segurança coletivo são,o acesso à justiça e a economia processual e quiçá a garantia da segurança jurídica. 459 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Perfil do mandado de segurança coletivo. Op. cit., p. 9. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular e ação civil pública, mandado de injunção, hábeas data. Op. cit., p. 13. 461 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23.ª ed., São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 456. 462 FARIA, Luiz Alberto Gurgel de. Mandado de segurança coletivo – legitimação e interesse. ano 82, n.° 687, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 34. 463 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Conceito de direito líquido e certo. apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de mandado de segurança. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1986, p. 114. 464 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. Op. cit., p. 397. 460 215 a) Do Direito Líquido e Certo A delimitação do que seja direito líquido e certo tem ensejado inúmeras controvérsias na doutrina e na jurisprudência. A expressão direito líquido e certo, utilizada pela Carta Política de 1998, ao disciplinar o mandado de segurança remonta à Constituição de 1946. O direito líquido e certo foi adotado na Constituição de 1946 (artigo 141, § 24) e mantida pelas posteriores, inclusive pela de 1988 e pela Lei n.° 1.533/51. O conceito de direito líquido e certo, doutrina e jurisprudência firmaram o entendimento, é a necessidade de prova documental e inexistência de controvérsia factual. O direito deve ser deduzido de plano, documentalmente, na petição inicial, afim de que seja deduzida, ab initio, a sua extrema plausibilidade. Direito líquido e certo é aquele que não desperta dúvidas, que está isento de obscuridades, que não precisa ser aclarado com exame de provas em dilações, que é de si mesmo concludente e inconcusso, pode ser reconhecido apenas pela apreciação do modelo jurídico próprio com o fato nele adequado, sem necessidade de se socorrer de provas que não seja a documental, em princípio, induvidosa.465 Por ser uma das condições da ação de segurança, direito líquido e certo será aquele plausível – verificado de plano, e, simultaneamente, certo, porquanto provado documentalmente, sem recurso a dilações probatórias. Compreenda-se a expressão como um todo, isto é, como plausível e existente. O prioritário é a certeza quanto aos fatos, os quais devem ser comprovados, com documentos, na petição inicial. Mas, se os fatos forem controversos, será descabida a ação de segurança, porquanto não haverá a convicção da sua extrema plausibilidade. Frise-se bem, a existência de prova documental é imprescindível à caracterização da terminologia. Comprovados os fatos alegados, documentalmente, delineia-se a certeza e liquidez do direito. Em resumo, a fim de ser possível a impetração do mandado de segurança individual ou coletivo, impende que o fato, perquirido como suporte de aplicação, se apresente, documentalmente, certo, deduzido de plano com a inicial, ensejando ao Juiz a convicção da sua extrema incontestabilidade. BULOS, Uadi Lâmego. Mandado de segurança coletivo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996, p. 38. O que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se a sua existência for duvidosa; se a sua extensão ainda não estiver delimitada; se o seu exercício depender de situações de fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais. Quando a lei alude a ‘direito líquido e certo’, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para o seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, ‘direito líquido e certo é direito comprovado de plano´. Se depender de comprovação posterior não é líquido nem certo, para fins de segurança. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular e ação civil pública, mandado de injunção, hábeas data. Op. cit., pp. 10-1. 465 216 Direito líquido e certo, ou que assim deva ser declarado, situa-se no plano jurídico da obrigação certa quanto à sua existência, determinada quanto ao seu objeto e líquida na prestação exigida.466 É tipicamente processual, pois atende a um modo de ser de um direito subjetivo no processo, a circunstância de um determinado direito subjetivo realmente existir não lhe dá a caracterização de liquidez e certeza, esta só lhe é atribuída se os fatos em que se fundar puderem ser provados de forma incontestável, certa, no processo.467 466 NUNES, Castro. Do mandado de segurança. 5.ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense. apudBULOS, Uadi Lâmego. Mandado de segurança coletivo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996, pp. 37-8. Direito líquido e certo é o que se apresenta devidamente individualizado e caracterizado, para que não haja dúvida alguma quanto aos exatos limites que se pede. WALD, Arnoldo. apud BULOS, Uadi Lâmego. Mandado de segurança coletivo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996, p. 38. Alfredo Buzaid, a respeito do assunto, assegurou que “líquido não quer dizer o ‘quantum debeatur’ da obrigação. Quer dizer, ao contrário, um direito extremado de dúvida, isento de controvérsia”. BUZAID, Alfredo. apud BULOS, Uadi Lâmego. Mandado de segurança coletivo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996, p. 38. Lúcia Valle Figueiredo conceitua direito líquido e certo como aquele: (...) suficiente para possibilitar o ‘writ’, é o que não se submete a controvérsias factuais. Da mesma forma no que diz respeito ao mandado de segurança individual. Em outro falar: o direito deve ser certo quanto aos fatos, muito embora possa haver – e efetivamente haja – controvérsia de direito. Portanto, se incertos os fatos, não se ensejará a via augusta do mandado de segurança, neste particular. Por isso mesmo, parece-nos que, obstante não tenha o inc. LXX do prefalado artigo 5.° tornado a se referir a direito líquido e certo, é incontroversa sua necessidade. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Mandado de segurança. 6.ª ed., São Paulo: Editora Malheiros, 2009, p. 25. Carlos Mário da Silva Velloso leciona: O conceito, portanto, de direito líquido e certo, ensina CELSO BARBI, lição que é, também, de LOPES DA COSTA e SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, é processual. “Quando acontecer um fato que der origem a um direito subjetivo, esse direito, apesar de realmente existente, só será líquido e certo se o fato for indiscutível, isto é, provado documentalmente e de forma satisfatória. Se a demonstração da existência do fato depender de outros meios de prova, o direito subjetivo surgido dele existirá, mas não será líquido e certo, para efeito de mandado de segurança. Nesse caso, sua proteção só poderá ser obtida por outra via processual. VELLOSO, Carlos Mário da Silva. As novas garantias constitucionais: o mandado de segurança coletivo, o habeas data, o mandado de injunção e a ação popular para defesa da moralidade administrativa. Revista Forense, n.° 306, ano 85, abr./jun. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1989, p. 36. J.M. Othon Sidou, tece a seguinte opinião: O sentido prático do brasileiríssimo “direito líquido e certo” consiste apenas em significar que, do modo como se apresentam as coisas (um direito agravado por ilegalidade ou abuso de poder, por parte de autoridade), tal agravo terá reparação pela via específica, enquanto outros direitos não evidenciados dessa forma, isto é, sem título líquido e certo, podem ter reparação por via das ações em geral, onde e quando (fase ‘condemnari oportere’) sua evidência será sopesada por meio de provas. Aí está por que o mandado de segurança é dispensado sumariamente sempre, embora não o previna expressamente a Constituição. SIDOU, José Maria Othon. Habeas corpus, mandado de injunção, habeas data, mandado de segurança, ação popular: as garantias ativas dos direitos coletivos. 5.ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998, p. 189. 467 BARBI, Celso Agrícola. apud BULOS, Uadi Lâmego. Mandado de segurança coletivo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996, p. 38. Esta ótica processualista é que tem sensibilizado os Tribunais Pátrios, como se percebe da jurisprudência anotada por Theotônio Negrão: Direito líquido e certo é o que resulta de fato certo, e fato certo é aquele capaz de ser comprovado de plano (RSTJ 4/1.427, 27/140), por documento inequívoco (RTJ 83/130, 83/855, RSTJ 271/69), e independentemente de exame técnico (RTFR 160/239). É necessário que o pedido seja apoiado “em fatos incontroversos, e não em fatos complexos, que reclamam produção e cotejo de provas” 217 A expressão coletivoempregada no inc. LXX do artigo 5.°, da Constituição Federal brasileira de 1988, diz respeito a forma de exercer a pretensão mandamental, e não ao interesse ou direito buscado pelo mandado de segurança coletivo. Portanto, coletivo é a ação mandamental e não o mérito, ou objeto, ou o direito pleiteado. Os requisitos do direito material para concessão do mandado de segurança coletivo continuam a ser os mesmos do inc. LXIX do artigo 5.°, da Constituição Federal vigente, que diz: proteção contra ameaça ou lesão contra direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, por ato ilegal ou abusivo da autoridade. Evidencia-se que é imprescindível o requisito do direito líquido e certo para impetração de mandado de segurança coletivo, pois a dilação probatória é (RTJ 124/948; neste sentido: STJ-RT 676/187). Não se admite a comprovação “a posteriori” do alegado na inicial (RJTJESP 112/225); “com a inicial, deve o impetrante fazer prova indiscutível, completa e transparente de seu direito líquido e certo. Não é possível trabalhar à base de presunções” (STJ-2.ª Turma, RMS 929-SE, rel. Min. José de Jesus Filho, j. 20.5.91, negaram provimento, v.u., DJU 24.6.91, p. 8.623, 2.ª col.). Permite-se, todavia, o pedido liminar de exibição de documento (v. artigo 6.°, § ún.). “A complexidade dos fatos não exclui o caminho do mandado de segurança, desde que todos se encontrem comprovados de plano” (STF-RT 594/248). NEGRÃO, Theotônio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 28.ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 1117. Sob este aspecto observa David Diniz Dantas: Todavia, cremos que essa concepção processualista, que limita o direito líquido e certo à existência de fato indiscutível, provado documentalmente e de forma satisfatória, não atende aos casos em que a matéria fática da segurança é de escassa relevância, mas a matéria que constitucional constitui o verdadeiro cerne das razões da parte em buscar socorro na via mandamental. Essa hipótese é bastante comum nas seguranças preventivas deduzidas por contribuintes contra autoridades fazendárias – antes, pois, de qualquer lançamento ou auto de infração –, visando se abster do recolhimento de tributos que reputam inconstitucionais. Nesses casos, praticamente não há dúvida quanto aos fundamentos de fato da demanda, que no mais das vezes restringem-se à qualificação do impetrante como contribuinte; mas a questão fulcral da solicitação de ordem mandamental – e que deverá ser examinada pelo magistrado, tanto para deferimento da liminar como para decisão do mérito –, refere-se à constitucionalidade de dispositivos legais. Ora, não será possível dizer que o impetrante tem direito líquido e certo verificando-se apenas documentalidade da prova dos aspectos de fato da lide. Não há dúvida que o alvo da cognição do juiz – ainda que sumária e inicial, por ocasião do exame da admissão da ação e da possibilidade de deferir a liminar – será a questão constitucional. Se assim não fosse, bastaria ao impetrante demonstrar com a inicial sua condição de potencial sujeito passivo ou responsável por exigência tributária para automaticamente ter direito líquido e certo, por mais implausível que fosse sua alegação de inconstitucionalidade. Daí Alfredo Buzaid observar que “o que esclarece o conceito de direito líquido e certo é a ideia de sua incontestabilidade, isto é, uma autoridade pública, que pratica um ato ilegal ou de abuso de direito. Ele tem, na realidade, dois polos: um positivo, porque se funda na Constituição ou na lei; outro negativo, porque nasce da violação da Constituição ou da lei. Ora, a norma constitucional ou legal há de ser certa em atribuir à pessoa o direito subjetivo, tornando-o insuscetível de dúvida. Se surgir a seu respeito qualquer controvérsia, quer de interpretação, quer de aplicação, já não pode constituir fundamento para a impetração de mandado de segurança. DANTAS, David Muniz. Op. cit., pp. 65-6. 218 incompatível com a celeridade que deve caracterizar o mesmo, muito embora possa ocorrer controvérsia de direito. Observa-se entretanto, que no que concerne à interpretação extensiva, e por que não, construtiva, a noção de direito líquido e certo se enriquece continuamente, ao contato da realidade, sempre renovada. Não há nesse campo, conceitos absolutos, nem tampouco, delineamentos definitivos e inalteráveis. b) Da autoridade pública ou agente de pessoa jurídica As autoridades coatoras serão as mesmas para o mandado de segurança individual e o coletivo, ou seja, aquelas enumeradas no artigo 5 o, inc. LXIX, da Constituição Federal de 1988: autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público, inclusive quando desempenha atividade delegada. Esta integra o polo passivo do mandamus como substituta processual e sobre a pessoa jurídica que vão refluir as consequências jurídicas do ato reputado ilegal e/ou abusivo praticado pela mesma. Assim, destaca-se que o mandado de segurança é um dos institutos jurídicos que estão inseridos no rol dos mecanismos de efetivação e instrumentalização dos direitos e garantias fundamentais, inclusive na esfera tributária. Por muitas vezes, utilizado atualmente o mandado de segurança tem sido o remédio mais eficaz contra a voracidade do Fisco em impor suas exigências ilegais em face dos contribuintes.468 468 Conquanto seja ação tributaria imprópria, como o são praticamente todos os meios de que dispõe o contribuinte para insurgir-se contra exigências fiscais, o mandado de segurança se constitui, até mesmo em termos estatísticos, num dos meios mais eficazes para o contribuinte se insurgir contra o Fisco. Isto, por vários motivos: 1) a liminar em mandado de segurança, como dito, constitui-se em causa de suspensão de exigibilidade do crédito tributário; 2) cabe mandado de segurança (preventivo) mesmo que ainda não tenha sido efetuado o lançamento, tanto bastando que tenha ocorrido ou esteja em vias de ocorrer, no mundo fenomênico, o fato subsumível a hipótese de incidência normativa, pois sendo o lançamento atividade obrigatória sob pena de responsabilidade funcional (artigo 142 do CTN), ocorrida a hipótese de incidência normativa no mundo fenomênico, outra alternativa não resta à autoridade administrativa, senão a de proceder ao lançamento; 3) além disso, considere-se que o mandado de segurança for inadmitido, sem que seja prolatada sentença de mérito, isto não inibe que o contribuinte lance mão de outro meio processual para insurgir-se contra o Fisco, como por exemplo, a ação anulatória de débito fiscal; 4) finalmente, ha que se ter presente, ao lado disso, a celeridade do rito do mandado de segurança. ALVIM, Eduardo Arruda. Mandado de segurança. Rio de Janeiro: GZ Editora Ltda, 2009, p. 28. 219 De certo modo, este poderoso instrumento, tem favorecido o contribuinte quando pode este, reaver os tributos exigidos inconstitucionalmente, e que não lhes são devolvidos pelo Fisco. Como de praxe, na legislação brasileira a via ordinária tem se mostrado extremamente morosa em virtude do precatório, desse modo, tem-se caminhado pela via mandamental para constituir o crédito contra a Fazenda, e consequentemente compensá-lo com o que for devido, agilizando-se a repetição dos pagamentos indevidos. Fica evidente que a Constituição Federal de 1988, no capítulo dedicado aos Direitos e Garantias Fundamentais assegura o instituto do mandado de segurança como uma das principais garantias do cidadão/contribuinte. Ao estabelecer no artigo 5.°, LXIX, o insituto do mandado de segurança e no inciso XXXV,469 do mesmo artigo, a obrigatoriedade do judiciário analisar todas as lides, torna-se evidente que se trata de garantias de direitos individuais, não sendo necessária a efetividade da lesão ou dano, bastando a simples ameaça de violação de direito para ter apreciada a questão pelo Poder Judiciário. O mandado de segurança caracteriza-se como um meio de requerer em Juízo a obtenção de uma prestação in natura e não um ressarcimento de uma prestação com equivalência econômica. Aquele que se vale do mandado de segurança está buscando resguardar e defender seu direito, o direito subjetivo, reconhecido e protegido pela lei. Mister ressaltar, que o mandado de segurança não pode ser utilizado para investir contra lei em tese, mas utilizado sim para a proteção do direito subjetivo, constituído por uma relação entre a lei e o fato. É a proteção do direito líquido e certo. Funda-se como condição específica da ação, mandado de segurança, que haja ilegalidade ou abuso de poder no ato impugnado. Esclarece-se em tempo, que o ato ilegal é aquele contraveniente à lei, contrário ao ordenamento jurídico; com 469 A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito. 220 relação a assertiva praticado com abuso de poder, caracteriza-se pelo uso do poder além da medida legal, com exorbitância, que excede o poder.470 Conquanto, o mandado de segurança assume definitivamente uma roupagem de garantia dos direitos do cidadão de forma efetiva e eficaz, no que concerne às ilegalidades e por ventura, também, abuso de poder. 2.2.1.2. Mandado de Injunção Conforme o inciso LXXI, do artigo 5.º, da Constituição Federal brasileira de 1988, o mandado de injunção pode ser concedido sempre que a falta de norma regulamentadora tornar inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Cuida-se de instrumento de processo constitucional voltado para a defesa de direitos subjetivos em face de omissão do legislador ou de outro órgão incumbido de poder regulatório. O constituinte, no louvável propósito de impedir que omissões do Legislativo tolhessem a plena eficácia de normas constitucionais, criou a figura do mandado de injunção, que é considerado uma das boas novidades introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro pela Carta de 1988. A Constituição de 1988 abriu possibilidade para o desenvolvimento sistemático da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade, na medida em que atribuiu particular significado ao controle de constitucionalidade da chamada omissão do legislador.471A declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade tem o efeito de impedir que os tribunais, a administração e 470 Ilegalidade é gênero de que abuso de poder é espécie. Não há um só caso de abuso de poder que não configure também ilegalidade. Pode, no entanto, haver caso de ilegalidade em que não figure, necessariamente, abuso de poder. CRETELLA JÚNIOR, José. Os Writs na Constituição de 1988. São Paulo: Editora Forense Universitária, 1989, p. 50. 471 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. Op. cit., p.1205. 221 quaisquer outros órgãos estatais apliquem a norma inconstitucional a partir da data da decisão, observando rigorosamente a censura constante da parte dispositiva do julgado. A lei declarada inconstitucional não dispõe, portanto, de eficácia vinculante, não lhe devendo submissão nem o indivíduo nem as autoridades ou os Tribunais. Qualquer ato praticado com base na lei inconstitucional é, igualmente, inconstitucional. São três pelo menos as conseqüências da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade: dever de legislar; suspensão de aplicação da lei inconstitucional; eventual aplicação da lei inconstitucional.472 Importante mencionar, desde logo, que não há no Direito Comparado nenhum instituto semelhante ao mandado de injunção, então inserido na legislação brasileira pela Constituição em vigor. A própria injunctiondo Direito norteamericano, que inspirou o nome da ação constitucional em pauta, com ela não guarda nenhuma semelhança.473 O mandado de injunção é uma ação constitucional, cujos lineamentos básicos estão apontados na própria Carta da República.474 Na efetivação do mandado de injunção não há necessidade de lei especial definindo-lhe o processo, caso esta lei venha a ser editada, poderá apenas vir a dar maior operatividade ao instituto do mandado de injunção. Vale registrar, todavia, que nada de essencialmente novo poderá lhe ser adicionada ou, muito menos, retirada. Assim, fica claro que o mandado de injunção não depende da edição de nenhuma lei processual para poder ser impetrado. Destarte, à luz artigo 5.°, LXXI, da Constituição Federal atual já veicula uma norma constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata, como, aliás, estabelece o precitado artigo 5.°, § 1.°, da Carta Magna. 472 MENDES, Gilmar Ferreira. A Declaração de Inconstitucionalidade sem a Pronúncia da Nulidade na Ação Direta de Inconstitucionalidade e no processo de Controle abstrato da omissão. http://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/index.php/cadernovirtual/article/viewFile/49/26, pesquisado em 12/01/2014. 473 FIGUEIREDO, Marcelo. O Mandado de Injunção e a Inconstitucionalidade por Omissão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, pp. 29-32. 474 SILVA, José Afonso da. Mandado de Injunção e Habeas Data. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989, p. 9. 222 O exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas objeto desse remédio também não caduca.475 Vaga semelhança se percebe do mandado de injunção com a ação de inconstitucionalidade por omissão, apenas no que se refere a este aspecto especialmente.476 O Judiciário, todavia, ao conceder o mandado de injunção, não legisla, nem executa, mas declara o direito do impetrante, com força mandamental.477 Os direitos expressamente apontados na Constituição, ou que não dependem de norma infraconstitucional para poderem ser desfrutados, rendem ensejo à impetração de mandado de segurança e não de mandado de injunção. 478 Logo, o mandado de injunção somente será cabível quando da inexistência de norma regulamentadora tornar-se impossível ou inviável o exercício de direitos constitucionais.479 É manifesto que o mandado de injunção presume uma omissão. Se incorrer essa falta, como por exemplo, na hipótese de haver regulamentação, ainda que injusta, o mandado não será concedido.480 475 Idem.Ibidem., p. 9. Tudo leva a crer que será igualmente admitida a titularidade ativa, a órgãos públicos despersonalizados e universalidades patrimoniais, desde que haja capacidade processual para a defesa dos interesses dos impetrantes. O importante e fundamental no mandado de injunção é a criação de uma norma individual, no caso concreto, para a realização de um direito já consagrado na Constituição. FIGUEIREDO, Marcelo. Op. cit., pp. 72-7. No entendimento de Celso Bastos: (...) o provimento judicial (no mandado de injunção) deve ser feito valer tão-somente no caso concreto, isto é: ao órgão judicante compete tão-somente expedir aqueles comandos e diretrizes que confiram satisfação ao requerente do mandado, sem qualquer possibilidade de que o decidido beneficie terceiros não integrantes do feito. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito financeiro e de direito tributário. 4.ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 1995, p. 358. 477 O mandado de injunção, portanto, não á remédio certificador de direito, sim de atuação de um direito já Certificado. Seu objeto é exclusivamente definir a norma regulamentadora do preceito constitucional aplicável ao caso concreto, dada a omissão do poder constitucionalmente competente, originariamente, para isso. Age o Judiciário substitutivamente, exercitando a função que seria do legislador, mas limitado ao caso concreto. PASSOS, Calmon de. Mandado de Segurança Coletivo. Mandado de Injunção. Habeas Data Constituição e Processo. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1989, pp. 98-9. 478 TEMER, Michel. Limites do mandado de injunção. In: Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, p. 112. 479 O direito invocável por meio de mandado de injunção é aquele dependente de intermediação normativa, cuja ausência causa prejuízo. Se o direito constitucional não depende de uma norma infraconstitucional para produzir efeitos, qualquer lesão ou ameaça de lesão a este direito e amparável por meio de mandado de segurança. O mandado de injução cabe justamente quando, por não existir norma infraconstitucional regulamentadora, o direito constitucional não alcança seu beneficiário. Idem.Ibidem., p. 113. 480 Mandado de injunção é manifesto que o mandado de injunção presume uma omissão. Se inocorrer essa falta, como, por exemplo, na hipótese de haver regulamentação, ainda que injusta, o mandado não será concebido. PORTO, Odyr. Mandado de injunção. São Paulo: Editora Lex, 1992, p. 32. 476 223 A injunção não é um modo de tomar de fato respeitadas as normas de eficácia plena, mas sim de tomar plenamente eficazes as de eficácia limitada.481 Se, por um lado, os direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata (artigo 5.°, § 1.°, da Constituição Federal de 1988), por outro, é muito comum não poderem, na prática, serem exercitados, à falta de norma legal que os regulamente. É ai que cabe o mandado de injunção, exatamente para torná-los plenamente executáveis.482 É parte legítima para impetrar o mandado de injunção toda pessoa, física ou jurídica, que por falta de uma regulamentação se veja impedida de exercitar direito constitucionalmente previsto sobre o qual tenha interesse direto, sendo que o Supremo Tribunal Federal vem admitindo o mandado de injunção coletivo proposto por entidades associativas na defesa dos interesses de seus filiados (artigo 5.º, inc. XXI, da Constituição Federal em vigor483 e RTJ 160/743). O sujeito passivo é o órgão competente para a iniciativa da norma regulamentadora necessária para o exercício do direito constitucionalmente previsto. Assim, o Presidente do Senado não é parte legítima para figurar no polo passivo do mandado de injunção se a omissão decorre da falta de lei de iniciativa do Presidente da República (STF-RDA 179/201). Importante destacar que entende-se que norma reguladora é toda e qualquer medida necessária a tornar um direito ou uma garantia protegidos via mandado de injunção plenamente exercitável, medida que pode ser uma lei ou uma simples portaria. A falta de atos concretos, a exemplo da construção de escolas ou da contratação de médicos, não dá causa a mandado de injunção, já que esse visa suprir omissões normativas. 481 SUNDFELD, Carlos Ari. Mandado de injunção. Revista de Direito Público, n.° 94, p. 146. CARRAZA, Roque Antônio. Op. cit., p. 253. 483 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 5.°, inciso XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; 482 224 Diante da qualificação do sujeito passivo, a competência originária para o julgamento do mandado de injunção pode ser do Supremo Tribunal Federal (artigo 102, inciso I, “q”, da Constituição Federal de 1988),484 do Superior Tribunal de Justiça (artigo 105, inciso I, “h”, da Constituição Federal de 1988)485 ou dos demais Tribunais. Dessa forma, conforme interpretação do constituinte originário é competência do Supremo Tribunal Federal julgar o recurso ordinário contra decisões dos Tribunais Superiores que denegarem, em única ou última instância, o mandado de injução. Quanto ao conteúdo da decisão do mandado de injução, há inúmeras controvérsias no ordenamento jurídico brasileiro: alguns defendem que compete ao Judiciário a outorga direta do direito reclamado (posição concretista), suprindo a omissão normativa, defendida pelo jurista José Afonso da Silva; outros (posição não concretista) sustentam que ao Judiciário compete tão-somente reconhecer a ocorrência da falta de regulamentação e, assim, determinar que o órgão omisso tome as providências necessárias, sob pena de serem verificadas as consequências possíveis, entendimento da grande maioria dentre eles: Celso Bastos, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Walter Ceneviva, Hely Lopes Meirelles. Acredita-se que a razão está com José Afonso da Silva, pois sua interpretação dá eficácia ao instrumento cujo objetivo é garantir o exercício de um direito. A Constituição Federal previu o Mandado de Injunção como remédio para a proteção de direitos e liberdades constitucionais, tornando essa proteção efetiva. Há hoje interpretação do Supremo Tribunal Federal no que tange aos efeitos do 484 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 102, compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal; 485 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 105, compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal; 225 Mandado de Injunção, dando maior concreção a esse importante instrumento, o que somente se podia fazer por meio de assunção de funções políticas pelo Judiciário. No entanto, esse exercício de uma atribuição eminentemente política, que é associada a outro poder do Estado, não significa uma violação ao princípio da separação dos poderes. Ao contrário, pode-se afirmar que essa assunção de função política pelo Judiciário integra os contornos que a Constituição Federal quis dar ao referido princípio. Na verdade, o costituinte quis que o Judiciário desse concreção aos direitos e liberdades constitucionais, regulamentando-os quando, instado a tal, constatar a inércia legislativa. Cogita-se inclusive, que o exercício desse importante instrumento é um exemplo dos controles mútuos entre os poderes, a que se convencionou denominar sistema de freios e contra-freios. As decisões do mandado de injunção têm efeitos inter partes e não erga omnes, ou seja, a decisão somente produzirá efeitos às partes litigantes. Em regra, o Supremo Tribunal Federal entende que a decisão do mandado de injunção guarda similitude com a decisão decorrente da inconstitucionalidade por omissão, cabendo ao Poder Judiciário tão-somente dar ciência ao órgão omisso. Assim, reconhecida a procedência da ação, deve o órgão legislativo competente ser informado da decisão, para as providências cabíveis. Se se tratar de órgão administrativo, está ele obrigado a preencher a lacuna dentro do prazo de trinta dias. No que diz respeito ao rito de procedimento do mandado de injunção, por ora, ante a falta de disciplina específica sobre o tema, o referido instituto segue o rito do mandado de segurança, conforme expressamente prevê o artigo 24, parágrafo único,486 da Lei n.° 8.038/90. 486 Lei n.° 8.038/90 art. 24. Na ação recisória, nos conflitos de competência, de jurisdição e de atribuições, na revisão criminal e no mandado de segurança, será aplicada a legislação processual em vigor. Parágrafo único. No mandado de injunção e no habeas data, serão observadas, no que couber, as normas do mandado de segurança,enquanto não editada legislação específica. 226 2.2.1.3. Repetição de Indébito O Código Tributário Nacional, além dos prazos tradicionalmente conferidos à Fazenda (decadência e prescrição, nos arts. 173 e 174),487 cuida de lapsos temporais voltados para o contribuinte, que deseja a restituição de quantias pagas indevidamente. Define-se repetição de indébito como o direito que se confere ao sujeito passivo à devolução das quantias indevidamente recolhidas aos cofres públicos a título de tributo. A repetição de indébito se sustenta no campo da ética jurídica, no fundamento de que a ninguém é permitido se enriquecer sem justa causa. A máxima é um princípio geral de direito conhecido como a impossibilidade do enriquecimento sem justa causa. A regra regulamentadora do pagamento indevido se encontra no artigo 165, do Código Tributário Nacional, que concede direito ao sujeito passivo de pedir a restituição do tributo pago indevidamente, independentemente de ter havido prévio protesto. O conceito de tributo é aquele expresso no artigo 3.º, do Código Tributário Nacional, tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. 487 Código Tributário Nacional, art. 173, o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento. Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe: I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; II - pelo protesto judicial; III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor. 227 Desta forma, o pagamento de tributo indevido é uma prestação indevida e sua devolução, portanto, não caracteriza-se como tributo, mas sim, uma prestação pecuniária de fato. Para aqueles que seguem essa linha de raciocínio, tributo é somente o devido, pois no momento que é extinta a obrigação tributária por qualquer forma, a relação jurídica advinda dele não tem índole tributária. No entanto, diverso é o posicionamento dos juristas Paulo de Barros Carvalho e José Souto Borges, que consideram que os valores exigidos pelo Estado, ou seja, pela figura do auto-lançamento, tem identidade tributária estabelecida pelo mesmo artigo 3.º, do Código Tributário Nacional. Entendem ainda, que a sua devolução não descaracteriza sua natureza de tributo, pois tal procedimento preenche todos os requisitos essenciais desse dispositivo legal. Quanto ao contribuinte de fato, que por vezes suporta o ônus do tributo, deve o legislador ordinário conceber disciplina legal que torne justa a relação de direito privado entre os assim chamados contribuintes de fato e de direito, dando elementos que tornem eficaz o exercício dos direitos de ambos. Não pode o poder público infirngir o princípio consttucional da estrita legalidade. A caracterização de tributo devido ou indevido dependerá da norma tributária válida, absoluta ou relativa, respectivamente. Tanto uma como outra satisfará os requisitos para caracteriza-se como tributo.488 Assim, enquanto não for revogada do sistema a norma tributária individual e concreta, não se poderá empregar a terminologia tributo indevido. O tributo decorre da lei e não da vontade das partes, sendo isto mesmo irrelevante o fato de haver sido pago voluntariamente, na verdade, o pagamento do tributo só é voluntário no sentido da inocorrência de atos objetivando compelir 488 O campo especulativo do Direito Tributário alcança todas as situações relacionadas direta ou obliquamente ao conceito restrito de tributo, dentre elas as relativas à repetição do indébito tributário, disciplinada que é por normas jurídicas integrantes do Sistema Tributário Brasileiro. Ademais, o campo especulativo do Direito Tributário não vai rigorosamente apenas da criação à extinção do tributo; alcança também todas as situações ainda pendentes ou passíveis de alteração. CERQUEIRA, Marcelo Fortes de. Repetição do Indébito Tributário. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 237. 228 alguém a fazê-lo. Mas é óbvio que o devedor do tributo não tem alternativas, está obrigado por lei a fazer o pagamento.489 Seria desnecessário fazer o registro do segundo fundamento, se o panorama do direito privado no Brasil não caminhasse de forma diversa. Para tanto, é exigido para a restituição do que se pagou indevidamente, que se prove que o fez por erro. Basta ao sujeito passivo que prove que pagou sem causa jurídica, uma vez que o ônus da prova recai sobre quem alega ter indevidamente pago o gravame. Nesse passo, o pagamento indevido ou maior será restituído (administrativa ou judicialmente), independentemente de provas demasiadas. Há muito vem se discutindo no ordenamento jurídico brasileiro, acerca do direito de o contribuinte pleitear judicialmente, a restituição do pagamento indevido de tributos. Em razão da falta de normas específicas de direito tributário, os intérpretes têm se valido das normas de direito civil, o que leva à exigência da prova de que o contribuinte pagara o tributo indevidadamente por erro. Atualmente, essa interpretação está totalmente superada, pela natureza compulsória do tributo, é entendimento da doutrina e jurisprudência que, aqueles que os pagam não têm escolha, pois um tributo só é devido, se for legal. Vale salientar que, o direito que o contribuinte tem de requerer em juízo a repetição de indébito não está condicionada ao esgotamento das vias administrativas, uma vez que o mencionado direito é derivado da Constituição Federal de 1988.490 489 Faz-se necessário registrar que há, no ordenamento jurídico pátrio, um segundo fundamento que inspira a ação questionada e que foi, muito bem explanado por Hugo de Brito Machado: (...) o tributo decorre da lei e não da vontade, sendo isto mesmo irrelevante o fato de haver sido pago voluntariamente. Na verdade, o pagamento do tributo só é voluntário no sentido da inocorrência de atos objetivando compelir alguém a fazêlo. Mas é óbvio que o devedor do tributo não tem alternativas. Está obrigado por lei a fazer o pagamento. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 103. 490 Nesse sentido entende o Superior Tribunal de Justiça: Frise-se, ainda, que o particular não está obrigado a primeiro postular na órbita administrativa para, após, recorrer à via judicial. Aliás, para o STJ, o prazo para a repetição de indébito não se interrompe e/ou suspende, em face de pedido formulado na esfera administrativa. AgRgAg 629.184/MG, 1.ª T., rel. Min. José Delgado, j. 03-05-2005. 229 As hipóteses que poderão ensejar a procedência da ação de repetição de indébito ou ação repetitória, como é comumente chamada, encontram-se dispostas no artigo 165, do Código Tributário Nacional.491 O Código Tributário Nacional, ao mencionar sujeito passivo como titular do direito, abrange as figuras do contribuinte e do responsável (artigo 121, parágrafo único, I e II).492 Quanto ao rito da ação de repetição de indébito, insta mencionar é o ordinário, podendo-se adotar a forma do procedimento sumário, se o valor da causa for igual ou inferior a 60 vezes o salário-referência maior vigente no país. O prazo prescricional que incide sobre a ação é de cinco anos, contados, quer da data da extinção do crédito tributário, quer da data em que se tornar definitiva a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória (artigo 168, do Código Tributário Nacional).493 No tocante, ainda, ao problema da prescrição, merece ser lembrado o artigo 169, do Código Tributário Nacional.494 A doutrina e a jurisprudência divergem quanto à natureza jurídica desse prazo, se é ele de decadência ou de prescrição. Com base no conteúdo disciplinar do 491 Código Tributário Nacional, art. 165, o sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4.º do artigo 162 nos seguintes casos: a) cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; b) erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; c) reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória. 492 Código Tributário Nacional, art. 121, sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada no pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II- responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa em lei. 493 Código Tributário Nacional, art. 168, o direito de pleitear a restituição extingui-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados: I - nas hipótese dos incisos I e II do Art. 165, da data da extinção do crédito tributário; II – na hipótese do inciso III do Art. 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória. 494 Prescreve em 2 (dois) anos a ação anulatória da decisão administrativa que denegar a restituição. Parágrafo único. O prazo de prescrição é interrompido pelo início da ação judicial, recomeçando o seu curso, por metade, a partir da data da intimação validamente feita ao representante judicial da Fazenda Pública interessada. 230 artigo 168, do Código Tributário Nacional, fica claro que, sem dúvida alguma, tratase de extinção de direito por decurso de prazo. Assim, nota-se que é decadencial, ou seja, instituto que atinge diretamente o direito e por via oblíqua, ou reflexa, extingue a ação. Diferentemente da prescrição, que atinge diretamente a ação e por via oblíqua faz desaparecer o direito por ela tutelado. Frise-se que a decadência atinge diretamento o direito, enquanto que, a prescrição atinge a ação. Outro ponto importante, a ser destacado é o que faz referência àqueles impostos em que o encargo é transferido pelo sujeito do direito para o contribuinte de fato, repercussão do tributo, figura do responsável tributário. Nestes casos, o autor deverá provar que assumiu o referido encargo ou que está autorizado a receber o valor, por aquele que o assumiu.495 A responsabilidade por tranferência deve ser visto não como uma regra destinada a impedir a restituição, mas sim como uma regra relativa para pleitear a restituição. O contibuinte de direito, quando prove não haver o ônus, ou estar autorizado pelo contribuinte de fato, e a este último nos demais casos como regra geral, a ação deve ser extinta por ilegitimidade ad causam.496 Cuida-se o dispositivo legal dos chamados tributos indiretos. Apesar do Código Tributário Nacional não ter adotado a classificação dos tributos em diretos e indiretos, resta fixar, que o tributo é direto, quando o respectivo ônus financeiro é suportado pelo próprio contribuinte; e indireto, quando esse ônus é transferido para terceiros.497 495 O artigo 166, do Código Tributário Nacional, disciplina tal procedimento estipulando que: (...) a restituição de tributos que comporte, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la. 496 2. A distribuidora de bebidas, ao adquirir o produto industrializado da fabricante para posterior revenda ao consumidor final, suporta o encargo financeiro do IPI, cujo valor vem, inclusive, destacado na nota fiscal da operação. A fabricante, portanto, ostenta a condição de contribuinte de direito (responsável tributário) e a distribuidora a de contribuinte de fato. Nessa condição, a distribuidora tem legitimidade para questionar judicialmente a composição da base de cálculo do tributo (para ver dela abatidos os descontos incondicionais), bem como para pleitear a repetição dos valores pagos indevidamente a tal título. REsp 817323/CE, Relator Ministro Teori Albino Zavascki. 1.ª Turma, DJ 24/04/2006, p. 377. 497 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 105. 231 A matéria de repetição de indébito com relação aos tributos vem-se pacificando gradualmente no ordenamento jurídico brasileiro. Anteriormente ao advento do artigo 166, do Código Tributário Nacional, o problema da restituição dos tributos indiretos foi pauta de muitos debates entre os juristas brasileiros. O Supremo Tribunal Federal, à época, entendia inicialmente não caber a restituição do tributo indireto em virtude da Súmula n.º 71, na qual o STF havia pacificado que embora pago indevidamente, não cabe restituição de tributo indireto. A partir desse entendimento, ficou evidente que havia sempre a translação para o consumidor, e que era impossível a restituição. Entendimento que foi modificado pela Súmula n.º 546, do STF, na qual assevera-se que cabe restituição do tributo pago, indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantum respectivo. O artigo 166, do Código Tributário Nacional, representa uma evolução no entendimento consagrado nas Súmulas 71 e 546, ambas do Supremo Tribunal Federal, mas, mesmo assim, é bastante criticado pela doutrina, pois termina inviabilizando, em muitos casos, a restituição de tributos reconhecidamente indevidos. Em análise, de fato o referido artigo não guarda conformidade com as normas do Sistema Tributário, sejam as constitucionais ou inconstitucionais, o que demanda que as Cortes Superiores devem rever o seu entendimento, a fim de que, se possibilite ao contribuinte de direito a concessão da repetição de indébito, independentemente da prova de ter ele, suportado o ônus econômico. 2.2.1.4. Ação Declaratória A ação declaratória objetiva a obtenção de certeza jurídica da existência ou inexistência do fato e das consequências jurídicas a este relacionadas. Assim, 232 mostra-se adequada nos casos em que há divergência de interpretação que produza a incerteza objetiva quanto à vontade concreta da lei.498 Sua propositura demanda um ato concreto, de que se possa inferir o propósito do Fisco de instaurar a ação fiscal.499 O sujeito passivo da obrigação tributária visa estabelecer em seu favor uma decisão judicial aplicável aos casos futuros e a novas demandas, decisão esta que lhe declare a inexistência da obrigação tributária em casos concretos, e é a ação declaratória o mecanismo jurídico utilizado para esse fim. Desta forma, a ação declaratória constitui importante meio processual na proteção do particular diante dos atos da Administração Pública. O Poder Judiciário não pode ser instado a declarar a existência de uma relação jurídica ante um fato que se proteja no futuro, tão incerto ao acontecer quando a suposta relação jurídica de cuja natureza se pretende a declaração judicial, no momento.500 Nesse sentido, a ação declaratória não veicula pretensão relativa à nulidade de débito fiscal, plasmado em lançamento tributário, pois tal temática se adstringe à ação diversa, ou seja, uma ação desconstitutiva ou constitutiva negativa, na qual está sempre implícita a postulação de anulação ou desconstituição de débito fiscal constituído, qual seja, a ação anulatória de débito fiscal. A bem verdade, ao contribuinte é concedido agir preventivamente em face do Fisco, por meio da ação declaratória, principalmente quando não se trata da invocação de um direito considerado como líquido e certo, ferido ou ameaçado de violação. Nesse passo, tem por objeto a ação declaratória o pronunciamento da Justiça (declaração por sentença) no sentido da existência ou não de relação jurídica, a finalidade da ação declaratória é esclarecer se o autor possui ou não determinado direito. 498 RE 90.875-7/SP-1979. FELIPE, Jorge Franklin Alves. Direito tributário na prática forense. 3.ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999, p. 80. 500 Embargos na Apelação Cível n.° 76.542/SP – 1984, Ementário, v. 58, p. 29. 499 233 A previsão básica da ação declaratória, encontra-se no artigo 4.°, incisos I e II e parágrafo único, do Código de Processo Civil,501 em tese a ação declaratória se presta a conferir certeza jurídica acerca da existência ou inexistência de obrigação tributária, e bem assim, se houver relação jurídico tributária, a referida ação determinará qual a sua intensidade. A ação declaratória no direito processual tributário submete-se aos pressupostos gerais do Código de Processo Civil, quanto ao interesse de agir (necessidade correta de eliminar ou resolver a incerteza de direito) e o procedimento utilizado é o ordinário (arts. 291 e segs. do CPC)502 Devendo o autor atentar para os compulsórios requisitos da petição inicial (artigo 282 CPC),503 que serão o pilar da logicidade. É importante mencionar que a ação declaratória deve ser proposta antes que o tributo seja pago. É aquela ação através da qual o autor busca a declaração de inexistência da relação obrigacional tributária, ou a declaração quanto a determinados aspectos do referido vinculo. Portanto, o interesse de agir surge da 501 Código de Processo Civil, art. 4.°, o interesse do autor pode limitar-se à declaração: I - da existência ou da inexistência de relação jurídica; II - da autenticidade ou falsidade de documento. Parágrafo único. É admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito.” 502 A ação declaratória, cuja amplitude é pacificamente admitida pela doutrina e jurisprudência, é, por isso mesmo, plenamente aplicável ao direito processual tributário. A sua aplicabilidade ao direito processual tributário submete-se aos pressupostos gerais. Dado que a ação declaratória vem prevista no Código de Processo Civil, e tendo em vista a circunstância de que qualquer lei de natureza processual-tributária existe respeitantemente ao procedimento de tal ação, aplica-se integralmente ao direito processual tributário o processo civil. E, no caso do processo civil, o procedimento da ação declaratória é o procedimento padrão ou ordinário (arts. 291 e segs. do CPC),dado que aí não se reservou procedimento especial algum a ação declaratória. A ação declaratória, aplica-se o procedimento ordinário do CPC. ALVIM, Arruda. Manual de Processo Civil. 10.ª ed. v.1., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 347. Bernardo Ribeiro de Moraes, leciona: A ação declaratória previne litígios mediante o aclaramento de relação jurídica obscura e duvidosa. Um dos pressupostos da ação é o interesse de agir (necessidade correta de eliminar ou resolver a incerteza de direito), que deve ficar ao lado da legitimatio que causam e da existência da vontade da lei cuja declaração se pleiteia. O rito da ação declaratória é o ordinário, semelhante a das demais ações. Trata-se de uma ação ordinária, que visa uma sentença de efeitos meramente declaratórios, sem fins constitutivos. Da sentença em ação declaratória cabe recurso de apelação. MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. Op. cit., p. 187. 503 Código de Processo Civil, art. 282, a petição inicial indicará: I - o juiz ou tribunal, a que é dirigida; II- os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu; III- o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; IV- o pedido, com as suas especificações; V- o valor da causa; VI- as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII- o requerimento para a citação do réu. 234 incerteza jurídica objetiva e da existência do dano ou da ameaça de dano. Para a sua caracterização exige-se a ocorrência do fato a que a norma empresta efeito jurídico, sob pena de transformar a declaratória em instrumento de consulta sobre lei em tese. É utilizada normalmente em período anterior ao lançamento, exatamente para que este seja utilizado de acordo com os limites da relação obrigacional que se pretende sejam declarados pelo julgador. No caso do contribuinte já tenha recolhido aos cofres públicos o tributo indevido, a ação adequada será a de repetição de indébito, devendo o contribuinte ser restituído.A ação de repetição de indébito tem natureza condenatória, onde se busca a condenação a devolução pela Fazenda, do que recebeu indevidamente. A ação declaratória, na esfera do direito tributário, poderá ser utilizada nos mais diversos casos: declaração da inexistência de obrigação tributária; fixação da obrigação tributária em quantia menor; fixação da obrigação de tributo nos casos de não-incidência tributária; declaração de imunidade ou isenção fiscal etc. Vale mencionar ainda, que em matéria fiscal, a ação declaratória poderá ser utilizada no âmbito de quaisquer espécies tributárias, à luz da pentapartição do sistema tributário atual, na visão do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se, assim, aos impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições. 2.2.1.5. Ação Anulatória de Débito Fiscal A ação anulatória de débito fiscal, também conhecida por ação de lançamento tributário (ou ainda, da forma como é intitulada na Lei n.° 6.830/80, por ação anulatória do ato declarativo da dívida), tem como objetivo a anulação do lançamento tributário. Em outras palavras, o pressuposto dessa ação é que exista um precedente crédito tributário constituído pelo lançamento e passível de anulação. 235 A referida ação é considerada como um mecanismo jurídico eficaz na defesa dos direitos do contribuinte, assim como um dos remédios judiciais mais utilizados para anulação de lançamentos tributários ou decisões administrativas. Na ação anulatória de débito fiscal, busca o sujeito passivo da obrigação tributária, invalidar o lançamento efetuado contra si ou a decisão administrativa que não acolheu as suas razões de impugnação da pretensão da Fazenda Pública.504 É uma ação desconstitutiva negativa ou constitutiva negativa, na qual está sempre implícita a postulação de anulação ou desconstituição de débito fiscal constituído. Fica assegurado ao contribuinte que tal procedimento poderá ser pleiteado a qualquer momento, seja após a lavratura do auto de infração, abrindo mão da via administrativa, porventura em curso, ou mesmo após o exaurimento da esfera administrativa. Segundo a Súmula n.° 247, do antigo Tribunal Federal de Recursos, não constitui pressuposto da ação anulatória de débito fiscal o depósito de que cuida o artigo 38, da Lei n.° 6.830/80. Desse modo, a ausência do depósito não inibirá o normal processamento da ação, permitindo, naturalmente, que o Fisco promova, em via paralela, a cobrança judicial do tributo por meio de execução fiscal, em face da não suspensão do crédito tributário (artigo 151, V, do Código Tributário Nacional).505 Assim, o ajuizamento da ação anulatória, desacompanhado de depósito, não inibirá a fazenda pública de intentar a ação de execução fiscal, e então ter-se-á dois processos com idêntico objeto. O procedimento da ação anulatória de débito fiscal, como regra, é o procedimento comum ordinário. Nas ações ordinárias, o polo passivo será identificado a partir do tributo que for objeto da lide: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. 504 CAMPOS, Djalma de. Curso de direito financeiro e orçamentário. 4.ª ed., São Paulo: Editora Atlas, 2006, p. 83. 505 Código Tributário Nacional, art. 151, suspendem a exigibilidade do crédito tributário: V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; 236 O Código Tributário Nacional, no artigo 169, dispõe acerca da ação anulatória de débito fiscal, no qual faz referência ao instituto como ação anulatória da decisão administrativa, que denegar restituição. Este mecanismo jurídico servirá, no ordenamento jurídico pátrio, para se pelitear a anulação de lançamento tributário ou auto de infração, por irregularidade formal; anulação de débito fiscal indevido em razão de não-incidência do tributo ou não ocorrência de fato gerador da respectiva obrigação tributária; anulação de débito fiscal indevido em razão de isenção tributária de base de cálculo incorreta ou por falta de lei anterior. Na visão do STF, em matéria fiscal a ação anulatória poderá ser utilizada no âmbito de quaisquer espécies de tributárias, à luz da pentarepartição do sistema tributário atual, aplicando-se assim, aos impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais. Desta forma, o polo passivo nos tributos federais é a União, nos tributos estaduais é o Estado e o Distrito Federal e nos tributos municipais é o Município e o Distrito Federal. Ressalte-se que de acordo com o artigo 121, I e II do CTN os sujeitos passivos (contribuintes) poderão buscar o provimento anulatório tanto em relação às obrigações tributárias principais quanto em relação às acessórias. Assim, a ação anulatória constitui-se valioso instrumento jurídico de defesa do contribuinte, permitindo ao aplicador do Direito questionar o ato administrativo de constituição do crédito editado pelo Estado-Fisco. 237 CAPÍTULO III - AS INJUSTIÇAS COMETIDAS PELO FISCO EM RELAÇÃO AO CONTRIBUINTE Introdução No contexto social e econômico brasileiro torna-se importante o poder de convencimento do Fisco em relação ao cidadão, contribuinte, no sentido de conscientizá-lo para a função socioeconômica dos tributos. Trata-se de uma relação, Fisco e contribuinte, que deve ser pautada em base éticas e uma relação de mútua confiança e colaboração. Por um lado o Fisco deve facilitar ao contribuinte o conhecimento da lei, orientando-o no cumprimento de seus deveres fiscais, e não somente se portando apenas como o fiscal da lei que espera o mínimo deslize do cidadão para puni-lo. Deve-se levar em conta que o contribuinte é, antes de tudo, um cidadão, impelido a contribuir para o financiamento do setor público, por meio da arrecadação. Entretanto, o dever de contribuir, de ser tributado, deve se dar a partir das garantias constitucionais que lhes são asseguradas. Eis a razão pela qual a relação entre contribuinte e o Fisco deve estar baseada na legalidade, e quiçá também na lealdade e boa-fé, sem manobras astuciosas ou eivadas de malícia e ilegalidades. Nesse sentido, almeja-se que se desenvolva a consciência crítica da sociedade para o exercício do controle social, assim como de fortalecer a educação e informação como mecanismos de transformação. Essa conscientização deve vir acompanhada de uma melhor noção de bem público como parte integrante do patrimônio comum de todos. Em contrapartida, necessário se faz aumentar a eficiência e principalmente a transparência do Estado nos procedimentos de tributação. 238 O Estado deve ser eficiente no desempenho de suas funções, conforme disposição do texto constitucional brasileiro, art. 37, mas a arrecadação eficiente significa não só arrecadar todo o tributo permitido pela lei, mas arrecadar o tributo de acordo com a lei. Essa transparência dos atos do Governo é corolário necessário à construção do verdadeiro Estado Democrático de Direito. 3.1. Os principais equívocos do fisco em face do contribuinte Na atualidade, no que tange ao ordenamento jurídico brasileiro, caracterizam-se como os principais equívocos cometidos pelo poder tributante, aqueles relacionados à alteração de conceitos para ampliar a base de cálculo, ou criar fato gerador diverso do estipulado pela Constituição Federal em vigor. a) Uso indevido de Lei Ordinária ao invés de Lei Complementar Inicialmente cumpre afirmar que uma diferença básica entre a lei complementar para a lei ordinária é o quorum para a sua aprovação, na primeira é de maioria absoluta, enquanto na segunda maioria relativa. Nesse sentido, pode-se destacar, outro equívoco também empregado com frequência, que é a instituição de tributo por via diversa do comando constitucional no que tange a forma, a lei complementar e a lei ordinária, em síntese, são mecanismos que tentam romper as barreiras das limitações constitucionais ao poder de tributar. Observa-se na realidade tributária brasileira, que não raros são os tributos que deveriam ser instituídos ou aumentados pela via da lei complementar, entretanto, o meio utilizado para tal, passa a ser a lei ordinária. 239 O questionamento que se estabelece no âmbito doutrinário quanto à existência de subordinação entra lei complementar e lei ordinária, ainda é fervoroso no meio jurídico brasileiro. Alguns doutrinadores como Pizoli Junior e Batalha, 506 entendem não haver a referida subordinação. A maioria, entretanto, citando dentre eles, Ives Gandra, Amaral e Cruz507 entendem haver subordinação da lei complementar à Constituição Federal e da lei ordinária à lei complementar.508 Um tributo, portanto, somente poderá ser criado ou aumentando por meio de lei complementar, por meio de disposição constitucional, e de nenhuma outra forma.509 É fácil perceber que para aprovação de uma lei complementar demanda um quorum mais qualificado, portanto, requer maior esforço, o que a torna, naturalmente, mais estável, em face da eventual tentativa de modificação ulterior. Em relação à competência tributária, deve ela respeitar os princípios e as normas constitucionais bem como a hierarquia das leis tributárias (artigo 6.°, do Código Tributário Nacional), daí o princípio da indelegabilidade da competência (artigo 7.°, do Código Tributário Nacional).510 506 PIZOLI JUNIOR, Reinaldo; BATALHA, Célio de Freitas. Revista dos Tribunais n.° 9, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 91. 507 MARTINS, Ives Gandra da Silva; AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do e CRUZ, Diniz Ferreira da. Op. cit., p. 85. 508 A lei complementar é norma de integração entre princípios gerais da Constituição e os comandos de aplicação da legislação ordinária, razão pela qual, na hierarquia das leis, posta-se acima destes e abaixo daqueles. Nada obstante alguns autores entendam que tenha campo próprio de autuação, no que tem razão, tal esfera não pode, à evidência, nivelar-se àquela outra pertinente à legislação ordinária. A Lei Complementar é superior à lei ordinária servindo de teto naquilo que é de sua particular área mandamental. Idem. Ibidem., p. 85. 509 Tem-se afirmado na doutrina que as leis complementares visam “complementar”o texto constitucional. De um modo geral observa-se que o constituinte, originário ou reformador, atrela à lei complementar certas matérias de especial importância, tendentes a um dado grau de polemização, para cujo regramento seria prudente a obtenção de uma maior consenso entre os parlamentares (...) Assim, evidencia-se que a lei complementar se põe como instrumento de utilização excepcional, o que faz com que o legislador constituinte, pretendendo que tal matéria seja por ela disciplinada, estabeleça previsão explícita no texto constitucional, ressalvados os casos esparsos, que avocam um interpretação sistemática. SABBAG, Eduardo. Op. cit., pp. 326-7. 510 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. Op. cit., p. 266. 240 b) Uso de medida provisória Pode-se mencionar ainda, outro aspecto de cunho abusivo no âmbito formal, que é a instituição e majoração de tributos via medida provisória. Apesar de já ter passado de forma positiva pelo crivo do Judiciário,511 esta questão retrata um grande retrocesso ao almejado Estado Democrático de Direito. Tal afirmativa se funda na razão de que o centro do conceito de lei está em seus pressupostos básicos, ou na possibilidade de ser originado pelo Poder Legislativo. Historicamente, pode-se registrar, que momento semelhante, foi a insurreição dos nobres à época do rei João Sem Terra que, cansados de verem tributos criados e aumentados a todo instante, resolveram se reunir e exigir que, a partir daquele momento, tal prática teria que passar primeiramente pelo Conselho dos Nobres, para depois então ser exigida de seus súditos.512 Quando se permite que normas veiculadas mediante medidas provisórias, ainda que indiretamente, sejam tratadas de forma equivalente à lei, está evidente grave violação de incontáveis fundamentos da Carta Magna, dentre elas pode-se destacar a usurpação do Poder Legislativo e sua função pelo Executivo; a quebra da tripartição de poderes insculpida na Carta Magna; a renúncia - mesmo por omissão tácita - da competência constitucional outorgada ao Poder Legislativo; a delegação ao Executivo para impor tributos e outras exigências nessa seara. A prática legislativa do Presidente da República na utilização imoderada deste poder excepcional de editar medidas provisórias, merece desdobramentos importantes (art. 62, da Constituição Federal de 1988).513 Assim se pronunciou o 511 ADIN 1.417-0/DF liminar, pelo Plenário do STF, mar/1996. SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 57. 513 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 62, em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1.º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I - relativa a: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; 512 241 Ministro Celso de Mello, no Recurso Extraordinário n.° 239.286-6/PR, à crescente apropriação institucional do poder de legislar, pelo Presidente da República, que tem permitido a degradação da medida provisória em nítida desmedida provisória.514 II - que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; III - reservada a lei complementar; IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República. § 2.º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada. § 3.º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. § 4.º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional. § 5.º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais. § 6.º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. § 7.º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. § 8.º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados. § 9.º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. § 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. § 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. § 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto. 514 ADI 1.135-DF, Rel. p/ o acórdão Min. Sepúlveda Pertence, repudia a possibilidade constitucional de o Presidente da República, mediante edição de medida provisória, dispor sobre a instituição ou a majoração de qualquer tributo. A crescente apropriação institucional de legislar, pelo Presidente da República, tem despertado graves preocupações de ordem jurídica em razão de a utilização excessiva das medidas provisórias causar profundas distorções que se projetam no plano das relações políticas entre os Poderes Executivo e Legislativo. O exercício dessa excepcional prerrogativa presidencial, precisamente porque transformado em inaceitável prática ordinária de Governo, torna necessário – em função dos paradigmas constitucionais, que, de um lado, consagram a separação dos poderes e o princípio da liberdade e que, de outro, repelem a formação de ordens normativas fundadas em processo legislativo de caráter autocrático – que se imponham limites materiais ao uso da extraordinária competência de editar atos com força de lei, outorgada, ao Chefe do Poder Executivo da União, pelo artigo 62 da Constituição da República. É natural – considerando-se a crescente complexidade que qualifica as atribuições do Estado contemporâneo – que se lhe concedam meios institucionais destinados a viabilizar produção normativa ágil que permita, ao Poder Público, em caso de efetiva necessidade e de real urgência, neutralizar situações de grave risco para a ordem pública.(...) Cumpre ter presente, bem por isso, no que se refere ao poder de editar medidas provisórias, a advertência exposta em autorizado magistério doutrinário (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. “Do Processo Legislativo”, 3.ª ed., Saraiva, item n.° 152, 1995, p. 235): “Trata-se de um grave abuso. Ele importa no mesmo mal que se condenava no decreto-lei, isto é, importa em concentração do poder de administrar com o poder de legislar, uma violação frontal à separação dos poderes.” Esse comportamento governamental 242 Nesse sentido, subsiste terreno fértil para críticas severas à possibilidade trazida pela Emenda Constitucional n.° 32/2001, que consoante o comando inserto no artigo 62, § 2.°, Constituição Federal de 1988, permite a utilização de medida provisória em matéria tributária, no exercício de uma função típica de lei – criar e aumentar imposto. A corrente majoritária na doutrina não admite a medida provisória como ato normativo que acata os princípios constitucionais tributários, dentre as quais se destacam o princípio da legalidade tributária, o princípio da anterioridade tributária e o princípio da segurança jurídica. Hugo de Brito Machado515 e Luciano Amaro516 não nutrem simpatia pela medida provisória na seara tributária, argumentando que a medida provisória não é lei, e só esta pode instituir ou aumentar tributo. No mesmo sentido, com relação à tese de imprestabilidade da medida provisória como veículo implementador do princípio da legalidade, destacando o aspecto de sua suprema negatividade, que raia pelo âmbito da insensatez e do disparate constitucional,517 seguem os doutrinadores Luiz Emygdio Franco Rosa Junior,518 Yoshiaki Ichihara519 e Clélio Chiesa.520 O que se deve observar, no entanto, é que na Constituição Federal há a previsão explícita dos princípios norteadores do direito. E que as medidas provisórias detêm requisitos de grande importância, relevância eurgência, demonstrando a impossibilidade de tal medida veicular tributos. Desta forma, sua aplicação viola os princípios da legalidade e anterioridade, afrontando o ordenamento jurídico. Fica portanto, evidente que não se pode instituir ou majorar faz instaurar, no plano do sistema político-institucional brasileiro, uma perigosa práxis descaracterizadora da natureza mesma do regime de governo consagrado na Constituição da República, como pude enfatizar, em voto vencido, no Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento, em 1997, da ADI 1.687 – DF. (...). Decisão proferida no DJU de 18-11-1999, no Informativo n.° 171, de 15 a 19 de novembro de 1999, com voto transcrito no clipping de DJ de 19 de novembro de 1999. 515 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p.85. 516 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. Op. cit., p.175. 517 VIEIRA, Luiz Roberto. Legalidade tributária e medida provisória: mel e veneno. In: FISCHER, Octávio Campos (Coord.). Tributos e direito fundamentais. São Paulo: Editora Dialética, 2004, pp. 175-216. 518 ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio Franco. Manual de direito financeiro e direito tributário. 12.ª ed., Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1998, p. 172. 519 ICHIHARA, Yoshiaki. Princípio da legalidade tributária na Constituição de 1988. São Paulo: Editora Atlas, 1995, p. 106. 520 CHIESA, Clélio. Medidas provisórias: o regime jurídico constitucional. Curitiba: Juruá, 1996, p. 49. 243 tributos através de medidas provisórias, pois estaria violando o texto constitucional, atentando contra a segurança jurídica de nosso ordenamento jurídico. Insta destacar que a Emenda Constitucional que afronta os princípios constitucionais tributários, decorrencial e reflexamente, desfalece direitos e garantias individuais, ferindo de morte, no artigo 60, § 4.°, Constituição Federal brasileira de 1988,521 o núcleo imodificável ou cláusula pétrea, da qual o poder de reforma não pode olvidar.522 Este preceptivo hospeda matérias que sob nenhuma hipótese podem ser modificadas para pior.523 A Emenda Constitucional n.° 32/2001, afrontando os princípios da legalidade e da anterioridade tributárias,524 atinge o núcleo axiológico de tais postulados, como a segurança jurídica, incorrendo em inconstitucionalidade.525 Assim, cabe ressaltar que as medidas provisórias são atos administrativos lato sensu, dotados de alguns atributos da lei, que o Presidente da República pode expedir em casos de relevância e urgência.526 521 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 60, a Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4.° - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. 522 NIEBUHR, Joel de Menezes. O novo regime constitucional da medida provisória. São Paulo: Editora Dialética, 2001, p. 118. 523 SCHIER, Paulo Ricardo. Direito constitucional: anotações nucleares. Curitiba: Editora Juruá, 2002, p. 91. 524 VIEIRA, José Roberto. Op. cit., pp. 210-2. 525 Todavia, obtemperamos que tal Emenda Constitucional, na parte pertinente às medidas provisórias, afronta o princípio da legalidade tributária e, por via de consequência, a autonomia e independência do Poder Legislativo. Viola, pois, a claúsula pétrea do artigo 60, § 4.°, III, que estabelece que nenhuma emenda constitucional poderá sequer tender a abolir a separação de Poderes. Como se isso não bastasse, a mesma EC n.° 32/2001 – sempre no que concerne às medidas provisórias – atropela o direito fundamental dos contribuintes de só serem compelidos a pagar tributos que tenham sido adequadamente ‘consentidos’ por seus representantes imediatos: os legisladores. Invocável, portanto, na espécie, também a claúsula pétrea do artigo 60, § 4.°, IV, da CF, que veda amesquinhamento, por meio de emenda constitucional, dos direitos e garantias individuais ‘lato sensu’. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 22.ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 247. 526 Segue-se que têm de ser judicialmente controlados, sob pena de ignorar-se o balizamento constitucional da competência para editar medidas provisórias (...) Logo, o Judiciário (...) fulminará as medidas provisórias, por extravasamento dos pressupostos que a autorizam, nos casos de ‘certeza negativa’ e reconhecer-lhes á condição de válida irrupção nos demais. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Perfil constitucional das medidas provisórias. Revista de Direito Público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, n.° 95, jul./set. 1991, p. 32. 244 O texto constituicional não concedeu ao Presidente da República, autonomia total para baixar medidas provisórias. Ao contrário, sua competência é muito restrita, e está vinculada a possibilidade de adotá-las estritamente em casos de relevência e urgência,conforme disposição sistemátiva do artigo 62,§ 1.°, e incisos, da Constituição Federal do Brasil de 1988. O texto constitucional limitou a competência do Presidente da República em editar medidas provisórias por qualquer motivo, resguardando o possível excesso do poder de legislar.527 Torna-se evidente que segundo a própria dicção constitucional, sem relevância e urgência não há que se cogitar em medidas provisórias.528 Há muito, o Supremo Tribunal Federal pacificou a questão, firmando orientação no sentido de que a aferição dos pressupostos de relevância e urgência reveste-se de caráter político, cabendo sua apreciação, em princípio, aos Poderes Executivo e Legislativo, ou seja, ao chefe do Poder Executivo e ao Congresso Nacional.529 Se um ou outro pressuposto mostrar-se descabido, no controle judicial, o Poder Judiciário deverá decidir pela ilegitimidade constitucional da medida provisória. Dessarte, deve haver, em primeiro lugar, o juízo de discricionariedade, de oportunidade e de valor, a ser feito pelo Presidente da República, sem embargo 527 Se relevância e urgência fossem noções só aferíveis concretamente pelo Presidente da República, em juízo discricionário incontrastável, o deliniamento e a extensão da competência para produzir tais medidas não decorreriam da Constituição, mas da vontade do Presidente, pois teriam o âmbito que o Chefe do Executivo lhes quisesse dar. Assim, ao invés de estar limitado por um círculo de poderes estabelecido pelo Direito, ele é quem decidiria su própria esfera competencial na matéria, ideia antinômica a tudo que resulta do Estado de Direito. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. Op. cit., p. 100. 528 Sempre com apoio na Constituição, que só há urgência, a autorizar a edição de medidas provisórias, quando, comprovadamente, inexistir tempo hábil para que uma dada matéria, sem grandes e inilidíveis prejuízos à Nação, venha a ser disciplinada por meio de lei ordinária. Ora, é perfeitamente possível, nos termos dos §§ 1.° e 2.°, do artigo 64 da CF, aprovar-se uma lei ordinária no prazo de 45 dias contados da apresentação do projeto. Logo, em nosso direito positivo, só há urgência se realmente não se puder aguardar 45 dias para que uma lei ordinária venha a ser aprovada, regulando o assunto. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. Op. cit., p. 186. 529 Nada justifica, entretanto, que se caracterize como puramente político – isto é, insuscetível de controle jurisdicional – o juízo de existência dos pressupostos constitucionais autorizadores da edição de medidas provisórias (...) E ainda que esses pressupostos tenham sido expressos, através de termos de significado vago e impreciso, é função indelegável do Supremo Tribunal Federal – encarregado precipuamente da guarda da Constituição (artigo 102) – dar a palavra final sobre a sua interpretação. MARIOTTI, Alexandre. Medidas provisórias. São Paulo: Editora Saraiva, 1999, pp. 76-7. 245 do ulterior e excepcional controle judiciário quando houver excesso do poder de legislar.530 Em âmbito tributário, a questão de relevência e urgência parece ter sido tratada pelo constituinte, nas situações excepcionais de beligerância e calamidade pública, no âmbito do imposto extraordinário de guerra (artigo 154, II, da Constituição Federal de 1988)531 e dos empréstimos compulsórios de emergência (para guerra externa ou calamidade pública, artigo 148, I, da Constituição Federal de 1988).532 Desta forma, apesar da possibilidade de adoção da medida provisória estar prevista no texto constituional, artigo 62, da Constituição Federal brasileira de 1988, não se pode negar que fere o princípio da legalidade tributária. Nesse passo, a preocupação maior é a reedição desmedida das medidas provisórias, sem que o Judiciário, como guardião que é da Carta Magna, não impusesse limite a esta prática. Outrossim, também o Poder Legislativo, de certa forma, vem adotando medidas cujo objetivo é restringir a edição de medidas provisórias. A normativa do artigo 264, da Constituição Federal do Brasil de 1988, retrata em tese essa limitação quando veda a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1.° de janeiro de 1995, até a promulgação da Emenda Constitucional n.° 32/2001, inclusive. 530 Posteriormente o Supremo Tribunal Federal ratificou o entendimento, amenizando certo rigor do anterior: Os requisitos de relevância e urgência para edição de medida provisória são de apreciação discricionária do Chefe do Poder Executivo, não cabendo, salvo os casos de excesso de poder, seu exame pelo Poder Judiciário. Entendimento assentado na jurisprudência do STF.” (ADIn 2.150-MC, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 23/03/2000) (Nesse sentido, também seguiu o Pretório Excelso, em duas ADI’s: I) ADIMC n.° 1.397/DF – Pleno, rel. Min. Carlos Velloso, j. 28/04/1997 e II) ADI n.° 1.417/DF – Pleno, rel. Min. Octavio Gallotti, j. 02/08/1999). 531 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 154, a União poderá instituir: II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação. 532 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 148, a União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; 246 Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.° 293-DF, em que figuravam como parte requerente o Procurador Geral da República e requerido o Presidente da República, o Supremo Tribunal Federal, considerou que as medidas provisórias configuram, no direito constitucional positivo brasileiro, uma categoria especial de atos normativos primários emanados do Poder Executivo, que se revestem de força, eficácia e valor de lei. Como a função legislativa ordinária pertence ao Congresso Nacional que a exerce por direito próprio, com a observância da estrita tipicidade constitucional que define a natureza das atividades estatais, torna-se imperioso assinalar - e advertir que a utilização da medida provisória, por constituir exceção derrogatória do postulado da divisão funcional do poder, subordina-se, em seu processo de conversão legislativa, à vontade soberana do Congresso Nacional. (RTJ n.° 146/707-738).533 c) Uso de sanções políticas Pode-se afirmar com tranquilidade, que sem dúvida alguma, a prática mais frequente de injustiças cometidas pelo Fisco contra o contribuinte são as chamadas sanções políticas.534 Conquanto, qualquer que seja a restrição que implique em cerceamento da liberdade de exercer atividade lícita é inconstitucional, uma vez que contraria o preceito exarado no texto constitucional brasileiro. 533 O que justifica a edição das Medidas Provisórias é a existência de um estado de necessidade, que impõe ao Poder Executivo a adoção imediata de providências de caráter legislativo, inalcançáveis segundo as regras ordinárias de legiferação, em face do próprio periculum in mora que certamente decorreria do atraso na concretização da prestação legislativa. A medida provisória, idealizada para o regime político parlamentarista, não se afeiçoa ao regime presidencialista e está longe de representar o ideal de segurança jurídica nesse regime político. Por isso mesmo devia conscientizar-se o Congresso Nacional que não pode e não deve retardar a sua apreciação e a disciplina das relações jurídicas decorrentes daquelas que não foram convertidas em lei, o que é essencial à manutenção da ordem jurídica. MELEGA, Luiz. Ação direta de inconstitucionalidade: reflexões e anotações. Repertório IOB de Jurisprudência: Tributário, Constitucional e Administrativo: São Paulo, v.1, n.° 20, out. 2000, p. 137. 534 Sanções Políticas são restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial fiscalização, entre outras. MACHADO, Hugo de Brito. Sanção Tributaria. In: artigo publicado no Caderno de Pesquisas Tributarias, n.° 9, 1999, p. 46. 247 Pode-se exemplificar a referida restrição, quando há a negativa de autorização para a impressão de blocos de notas fiscais, tal procedimento caracteriza uma sanção administrativa, que tem por objetivo obrigar o contribuinte ao pagamento de tributo, uma vez que o inadimplemento do contribuinte é um dos motivos para esta negativa. Este reflexo indireto de forçar o pagamento do tributo é chamado de sanção política. A jurispridência sumulada pelo Supremo Tribunal Federal é no sentido de serem inconstitucionais as sanções políticas, para reforçar este posicionamento pode-se citar algumas Súmulas da Corte Maior, Súmula n.° 70, que disciplina ser inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo; Súmula n.° 323 que dispõe sobre a inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributo; Súmula n.° 547 que assevera não ser lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais. No contexto histórico brasileiro, as sanções políticas obstante serem inconstitucionais, remontam aos tempos da ditadura de Getúlio Vargas, e, infelizmente vêm se concretizando a cada dia em maior número e cada vez mais arbitrárias. Nesse sentido, consubstanciam-se as mais diversas formas de restrições aos direitos do contribuinte, como forma oblíqua de obrigá-lo ao pagamento de tributos, ou por vezes, como forma de retaliação contra o contribuinte que se vale da tutela jurisdicional para pleitear proteção contra cobranças ilegais. Nessa esteira, pode-se citar alguns dos mais comuns exemplos de sanções políticas, quais sejam: a apreensão de mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a comprovação do que o Fisco aponta como ilícito; o denominado regime especial de fiscalização; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes, tais como a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e senão o cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros. 248 Sabe-se que todas as práticas acima mencionadas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, porque: implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo artigo 170, parágrafo único, da vigente Constituição Federal de 1988; configuram cobrança sem conceder ao contribuinte o exercício do princípio do devido processo legal, com grave violação ao direito de ampla defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência do tributo é ou não legal. Nesse sentido, são comuns os casos em que o fisco utiliza-se das sanções políticas como meio coercitivo para pagamento de tributos. Tal prática, entretanto, é vigorosamente repelida pelos Tribunais, pois o contribuinte não pode ser impelido de exercer as suas atividades pelo fato de estar inadimplente, especialmente quando entende ser o tributo indevido. Está consagrado na Constituição Federal, art. 5°, inciso XII, como direito fundamental, a liberdade profissional, ao afirmar que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendida as qualificações que a lei estabelecer. E também no art. 170, parágrafo único do texto constitucional, quando assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo os casos previstos em lei. Fica evidente o quanto os contribuintes são prejudicados pela sanha arrecadadora do Estado, pois dentre muitos cidadãos lesados, apenas alguns poucos exigirão o cumprimento de seus direitos e a observãncia das leis. Na realidade jurídica brasileira, não se justifica a suspensão e o cancelamento da inscrição no cadastro fazendário, fato que implica em verdadeira proibição do exercício da atividade econômica pelo contribuinte. Ora, tão restrição viola expressamente o preceito do artigo 5.°, inciso XIII, da Constituição Federal vigente, posto que destaca dentre os direitos fundamentais a liberdade profissional, a dispor que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. E ainda 249 quando no artigo 170, parágrafo único, da Lei Maior, disciplina que é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo os casos previstos em lei. No dispositivo do artigo 5.°, inciso XIII, da Constituição Federal em vigor, consagra-se a liberdade de exercício profissional, estabelecendo como condição para tal exercício, se houver exigência legal, a capacidade profissional. No artigo 170, parágrafo único, do texto constitucional está consagrado a liberdade de exercício de atividade econômica. Nesta disposição mais ampla, a ressalva contida no final do dispositivo diz respeito a certas atividades que, por questões de segurança, dependem da autorização estatal, como por exemplo, a fabricação e comercialização de determinadas armas e munições. d) Uso do Abuso de Poder Sabe-se da existência de abusos contra o contribuinte, consubstanciados em exigências previstas na legislação, que por vezes, se caracterizam por evidentes desvios de finalidade. Um exemplo corriqueiro é a exigência de certidão de quitação das Fazendas Públicas, como condição para concessão do habite-se de um determinado imóvel. Ora, a Administração Pública ao conceder o habite-se nada mais faz, senão assegurar que o imóvel está em condições de ser habitado. Na realidade estes inúmeros abusos contra os contribuintes estão muitas vezes autorizados por lei, entretanto, a inconstitucionalidade de tais preceitos, está flagrante. É práxis, de forma especial no âmbito da fiscalização federal, que os contribuintes sejam intimados a fornecer aos fiscais, demonstrativos dos mais diversos tipos, ou seja, verdadeiros relatórios de certas atividades desempenhadas. Tais exigências fundam-se em razão dos fiscais não terem que ter o trabalho, de 250 extrair dos livros e documentos mantidos pelo contribuinte, por exigência legal, as informações que desejam. Neste caso, ficam os contribuintes obrigados a atender tais exigências, porque assim, estariam cumprindo obrigação acessória, ou seja, o dever de informar. Importa, pois, determinar-se o que efetivamente constitui objeto de uma obrigação acessória, e o que configura abuso do poder-dever de fiscalizar. A obrigação tributária acessória está prevista na legislação tributária, e configura-se como exemplo a escrituração de livros e a emissão de documentos. Desta feita, inexistem obrigações acessórias instituídas, caso a caso, a desejo dos agentes fiscais. Resta, portanto, a obrigação acessória que consiste no dever de informar, ou de prestar esclarecimentos. Nesse ponto, se concentra a questão de se estabelecer parâmetros que definam até onde vai a obrigação tributária acessória e onde começa o dever de fiscalizar, certo é que o sistema de fiscalização dos tributos repousa, fundamentalmente, na tessitura das obrigações acessórias.535 Importante ressalvar que, no caso de inobservância da obrigação acessória, esta converte-se em obrigação principal, ex vi do artigo 113, § 3.°, do Código Tributário Nacional. A obrigação principal, agora convertida em tributo, deverá respeitar o princípio da legalidade tributária. Concluí-se, que a norma instituidora da obrigação acessória somente poderá ser derivada de disposição legal, sob pena de ser inexigível. As questões aqui mencionadas são a razão de grande volume de processos que tramitam pelos tribunais brasileiros, abarrotando o Poder Judiciário, e cerceando, por vezes, o acesso à justiça por falta de estrutura funcional para atender tal demanda. Não se pode deixar de mencionar também, o prejuízo do país, em razão de emperrarem o desenvolvimento econômico fator garantidor da efetivação da justiça social. 535 Idem.Ibidem., pp. 64-5. 251 Na realidade política brasileira observa-se, por vezes, que o legislador falha no que tange aos direitos fundamentais do cidadão, em especial do contribuinte, muitas legislações tributárias são constantemente alvo de alterações.536 e) Uso de Normas Inconstitucionais ou Ilegais Nesse passo, muitos são os exemplos de legislações inconstitucionais ou ilegais que permeiam a estrutura jurídica do Brasil. Elaboradas pelo Poder Executivo ou pelo Poder Legislativo, muitas vezes, intrincada à tais normativas está a defesa de interesses em causa própria, sem que haja nenhuma preocupação com a técnica jurídica ou com os preceiros exarados pela Carta Magna. Surgem neste contexto, alguns exemplos de legislações que são verdadeiros atentados contra os direitos fundamentais do contribuinte. Em alguns Estados brasileiros, a legislação faculta a suspensão, e até mesmo o cancelamento da inscrição no cadastro de contribuintes, como forma de punição. Por exemplo, no Estado do Ceará, a legislação tributária admite a suspensão das inscrições de contribuintes que praticarem determinadas infrações. Faz menção até mesmo à cassação da inscrição, na hipótese de não solução das pendências no prazo de 60 dias.537 Em Pernambuco, a seu turno, a legislação estabelece o cancelamento da inscrição como forma de punição das infrações que menciona, chegando ao cúmulo de colocar entre os casos de cancelamento outras hipóteses previstas em portaria do Secretário da Fazenda.538 536 Quando os senhores encontrarem uma lei tecnicamente falha, com traços de ilegalidade ou inconstitucionalidade, não é porque somos falhos ou incompetentes, mas, houve um acordo partidário para que a redação fosse aprovada. JOBIM, Nelson. Palestra no XI Encontro do Advogados do Estado de Santa Catarina. Blumenau 09/1994. 537 Decreto n.º 24.569, de 31/07/97, artigos 101-103. 538 Decreto n.º 14.876, de 12/03/ 91, artigo 77. 252 No Rio Grande do Sul, a legislação estabelece tratamento curioso para o problema, determina que o deferimento da inscrição como contribuinte desse imposto fica condicionado à prestação de fiança idônea, cujo valor será equivalente ao imposto calculado sobre operações ou prestações estimadas para um período de seis meses, caso o interessado, tendo sido autuado por falta de pagamento de impostos estaduais, tenha deixado de apresentar impugnação no prazo legal ou, se o fez, tenha sido julgada improcedente, estendendo-se o aqui disposto, no caso de sociedades comerciais, aos sócios ou diretores.539 Estabelece, ainda, o regulamento do Rio Grande do Sul, que a garantia exigida como condição para inscrição do contribuinte não ficará adstrita à fiança, podendo ser exigida garantia real, ou outra fidejussória e mais, deverá ser complementada sempre que exigida e, sempre que se tratar de garantia fidejussória atualizada a cada seis meses.540 O referido regulamento, menciona que a inscrição do contribuinte do ICMS poderá ser cancelada, entre outras hipóteses também inadmissíveis, se este não prestar a fiança exigida. Inscrição que somente poderá ser novamente concedida se comprovado terem cessado as causas que determinaram o cancelamento e satisfeitas as obrigações dela decorrentes.541 As disposições acima mencionadas estabelecem como condição para o exercício da atividade econômica o pagamento do tributo, o que é considerado um grande absurdo. É claro que a inscrição no cadastro de contribuintes não pode ser transformada em autorização para exercer a atividade econômica. Nem tampouco o seu cancelamento ser instado como forma de obrigar o contribuinte a cumprir seus deveres para com o Estado. Nem mesmo o contribuinte mais reincidente na prática de infrações à lei tributária não pode ter coibido o seu direito de comerciar. É cediço que até mesmo o cidadão que tenha sido condenado, no juízo criminal competente, 539 Art. 30. do Regulamento aprovado pelo Decreto n.º 37.699, de 26/08/97. Art. 3.º, parágrafo único, alíneas “a” e “b”, do Regulamento aprovado pelo Decreto n.º 37.699, de 26/08/97. 541 Art. 6.º, inciso I, e parágrafo único, do Regulamento aprovado pelo Decreto n.º 37.699, de 26/08/97. 540 253 por prática de crime de sonegação de tributos, tem o direito de continuar exercendo o comércio, uma vez que a lei não comina a pena de proibição do exercício do comércio aos que cometem esse tipo de crime. Aliás, até mesmo a lei penal, lei ordinária federal posto que à União compete legislar em matéria penal, não pode cominar a pena de cancelamento da inscrição do contribuinte, vez que estaria instituindo pena de caráter perpétuo, o que é vedado pela Constituição (artigo 5.º, XLVII, alínea “b”, da Constituição Federal de 1988).542 Nesse passo, a ilicitude de não pagar os tributos devidos não exclui o direito de exercer a atividade econômica, que é direito fundamental. A atividade econômica lícita, é certo, mas a ilicitude do não pagamento de tributo não faz ilícita a atividade geradora do dever tributário. Deve-se separar, uma coisa é a ilicitude de certa atividade; outra, bem diversa, é a ilicitude consistente no descumprimento da obrigação tributária, principal ou acessória. Mesmo incorrendo nesta última hipótese, aquele que exercita atividade econômica continua protegido pela garantia constitucional. No que se refere ao regulamento de ICMS do Estado de Santa Catarina, pode-se verificar verdadeira afronta ao princípio da ampla defesa e do contraditório pleno, em disposição incerta no artigo 141, do Regulamento das Normas Gerais do Direito Tributário de Santa Catarina.543 Ora, em análise ao referido dispositivo, entende-se que ao contribuinte é vedada a possibilidade de questionar eventuais erros formais, caso hajam, das notificações fiscais. Tal acertiva, caracteriza verdadeiro abuso, uma vez que é defeso ao contribuinte, à luz do princípio da ampla defesa e contraditório pleno, usar de toda matéria útil em sua defesa, tanto as de cunho material como formal. 542 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 5.º, inciso XLVII - não haverá penas: b) de caráter perpétuo; Lei n.° 6.830/80, art. 141, não cabe reclamação contra Notificação Fiscal referente a crédito tributário lançado pelo sujeito passivo, mediante o respectivo registro nos livros fiscais próprios, ressalvadas as hipóteses de: I - deposito prévio, em dinheiro, de seu montante integral; II- apresentação do documento de arrecadação relativo ao tributo exigido. 543 254 Outro exemplo de inconstitucionalidade, no ordenamento jurídico brasileiro, é o artigo 40, da Lei n.° 6.830/80 (Lei das Execuções Fiscais) que estabelece que o juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. O referido dispositivo legal não está estribado em nenhuma motivação de cunho consistente, ferindo a tradição jurídica brasileira, e ademais é inconstitucional. No direito positivo brasileiro, são considerados imprescritíveis as ações que viabilizam os direitos personalíssimos, quais sejam, o direito à vida, à honra, à liberdade, ao nome, à reprodução da imagem, à segurança pessoal, dentre outros.No Direito Brasileiro, as ações que dão eficácia aos direitos patrimoniais prescrevem em 5, 10, 15 ou 20 anos, não se pode aceitar, na seara do direito tributário, que uma dívida fique pendente, em aberto, por tempo indeterminado, ad eternum. Neste mesmo passo, estão as obrigações tributárias, que prescrevem quando o contribuinte livra-se de seus débitos tributários, pela inação do Fisco durante certo lapso temporal. A prescrição é causa extintiva do crédito tributário. Desta forma, a ação de cobrança dos tributos baseia-se não numa renúncia do Fisco ao seu direito, porquanto a obrigação tributária é indisponível, mas sim na necessidade de proteger o interesse público da incerteza e instabilidade das relações econômicas. Até mesmo, os créditos tributários não podem se eternizar, mais dia, menos dia, devem desaparecer. Inaceitável, a pretensão implícita no artigo 40, da Lei n.° 6.830/80, que em linhas gerais pretende introduzir, a imprescritibilidade de determinadas dívidas tributárias, o que caracteriza disposição inconstitucional. Há que se mencionar ainda, outra questão que viola direitos e garantias do contribuinte, o imposto de importação, sobre o qual foi reconhecida inconstitucionlidade pelo Tribunal Federal Regional da 3.ª Região, com base nos princípios constitucionais: do direito adquirido, do ato jurídico perfeito (artigo 5.º, 255 XXXVI, da Constituição Federal de 1988), da irretroatividade da lei fiscal (artigo 150, III, “a”, da Constituição Federal de 1988), do devido processo legal (artigo 5.º, LIV, da Constituição Federal de 1988), da razoabilidade e da motivação das decisões administrativas (artigo 5.º, LV, XXXV, e X, da Constituição Federal de 1988), da boa-fé, da livre iniciativa e da não intervenção no setor privado (artigo 174, da Constituição Federal de 1988).544 Nesse sentido, proferiu a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, decisão concedendo Mandado de Segurança impetrado em caráter preventivo, contra o Sr. Inspetor da RFSP, arguindo incidentemente, a inconstitucionalidade da aplicação dos dispositivos do Decreto n.° 1.490/95, revogado pelo Decreto n.° 2.376/97, que se refere à importação de veículo cujo embarque no exterior e entrada no território nacional ocorreram sob a vigência do Decretos n.° 1.391/95, de 10/02/95.545 Registre-se que exemplos como esse ora citado, são verdadeiras lições onde os princípios fundamentais em conjunto suplantaram uma norma isolada da Constituição Federal vigente, em manutenção à segurança jurídica em favor do contribuinte. Exemplo que deverir servir de referência para outros tribunais, em 544 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 174, como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 1.° - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. § 2.° - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo. 545 Em excepcional lição de cidadania, quanto à garantia dos direitos do contribuinte, proferiu voto a Desembargadora Lúcia do Valle Figueiredo, nos seguintes termos do acórdão: Tributário. Importação de Veículos. Majoração de Alíquota. Negócio Jurídico Concretizado antes da Vigência do Decreto n.° 1.427 de 30.03.95 que elevou a Alíquota para 70%. Ausência de Motivação. Violação dos Princípios Constitucionais do Direito Adquirido e da Irretroatividade da Lei. Não-Observância do Princípio da Lealdade e da Boa Fé. Embora o artigo 153, § 1.°, da Constituição Federal permita ao Executivo aumentar as alíquotas do imposto de importação, há que se observar os princípios constitucionais garantidores da segurança jurídica, devendose respeitar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. A alteração das alíquotas do imposto de importação deve ser motivada para a validade da majoração e não pode atingir situações consumadas ao abrigo do planejamento anterior. A irretroatividade integra princípio basilar da Constituição, verificando-se esta apenas diante de motivação suficiente. O ato administrativo, consubstanciado no decreto majorador de n.° 1.427/95 não observou os princípios da segurança jurídica, da lealdade e da boa fé. Irrelevante o exame do momento de ocorrência do fato imponível do imposto de importação, diante dos superiores princípios constitucionais. Desembargadora Lúcia do Valle Figueiredo. TRF 3.ª - Apelação em Mandado De Segurança: AMS 992 SP 96.03.000992-0. 256 análise às situações de violação dos princípios constitucionais, inclusive na esfera tributária. Em se tratando de legislações inconstitucionais, não se deve deixar de comentar o abuso cometido pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), no que tange ao procedimento de execução das contribuições previdenciárias no âmbito da Justiça do Trabalho. O Plano de Custeio da Previdência Social, instituído pela Lei n.° 8.620, de 05/01/93, no seu artigo 43, disciplinou que nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social. Dispõe ainda, no parágrafo único, do artigo 43, da referida lei, que nas sentenças judiciais ou nos acordos homologados em que não figurarem, discriminadamente, as parcelas legais relativas à contribuição previdenciária, esta incidirá sobre o valor total apurado em liquidação de sentença ou sobre o valor do acordo homologado. Acrescente-se que, não obstante constitucionalizado pela Emenda Constitucional n.° 45/2004, que incluiu ao artigo 114, inciso VIII, da Constituição Federal em vigor, que atribuiu competência à Justiça do Trabalho para executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no artigo 195, I, “a”, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir. Insta destacar que esta prática é condenável, uma vez que é atribuição específica do Poder Executivo arrecadar tributo, e não do Poder Judiciário. Como é sabido, tal prática contraria a disposição do artigo 142, do Código Tributário Nacional,546 e se afasta dos aspectos formais da constituição do crédito tributário, que prevê o lançamento da inscrição na dívida ativa e a sua execução por meio de lei própria, a Lei n.° 6.830/81. 546 Código Tributário Nacional, art. 142, compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional. 257 Infelizmente, na realidade jurídica brasileira, pode-se exemplificar um grande número de leis inconstitucionais em matéria tributária. Sem deixar de mencionar, alguns dos mais conhecidos temas de inconstitucionalidade já declarados pela Corte Maior do Estado brasileiro, tais como o Finsocial (fundo de investimento social), o PIS (programa de integração social), Pró-Labore, a Contribuição Social sobre o Lucro no ano de 1989, o ILL (imposto de renda retido na fonte sobre o lucro líquido) e tantos outros. f) Utilização da Taxa Selic Ainda, na esteira das arbitrariedades cometidas pelo Fisco em relação aos contribuintes, destaca-se também a utilização da taxa Selic, que tem como finalidade a aplicação dos juros moratórios. No contexto do desenvolvimento econômico do Brasil, com ausência da famigerada inflação, que de certa forma alimentava a máquina pública, e auxiliava no pagamentos de suas despesas, foi criada pelo Fisco outro mecanismo de financiamento da dívida interna. Selic é a sigla para Sistema Especial de Liquidação e Custódia, criado em 1979, pelo Banco Central e pela Andima (Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto), com o objetivo de tornar mais transparente e segura a negociação de títulos públicos. A taxa básica de juros da economia brasileira, como também é conhecida, é definida nas reuniões do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom).547 A taxa Selic é a média de juros que o Governo Brasileiro paga por empréstimos tomados dos bancos, pode-se dizer que ela é originada de taxas de juros efetivamente observadas no mercado. A taxa pode ser decomposta, em duas parcelas: taxa de juros reais e taxa de inflação no período considerado. O indicador 547 Pesquisado em http://www.bcb.gov.br, 01/03/2010. 258 é importante para a política econômica, porque o Governo usa essa taxa como instrumento de controle da inflação.548 Assim, quando existe aumento da taxa Selic, os bancos preferem emprestar dinheiro ao Governo porque ele paga bem e, quando a referida taxa cai, preferem emprestar dinheiro ao consumidor e conseguir um lucro maior. Desta forma, quanto maior a taxa, mais caro fica o crédito que os bancos oferecem aos consumidores. Quanto mais alta for, menos dinheiro se terá circulando no mercado, consequentemente menos procura por produtos e serviços. E mais uma vez o contribuinte fica penalizado. Necessário se faz estabelecer a diferança entre os juros remuneratórios e os juros compensatórios. Os juros remuneratórios são derivados de uma atividade específica, que é o empréstimo de um bem, geralmente o dinheiro, o qual em troca será remunerado em valor contratado pelas partes, ocorrendo assim a entrega do valor para restituição futura. Os juros compensatórios, por sua vez, são aplicados quando a obrigação não é paga no prazo determinado, sendo o credor compensado pelo valor que lhe ficou indisponível daquela data até quando ocorreu efetivamente o cumprimento da obrigação.549 Os juros são frutos (acessórios) decorrentes da utilização do capital alheio (principal). Assim como o trabalho gera salário, o arrendamento, o aluguel e o capital produz juros, trata-se de prestações devidas pelo devedor ao credor como fruto civil do crédito.550 548 Idem.Ibidem. Entende-se por juros o que o credor pode exigir pelo fato de ter prestado ou de não ter recebido o que se lhe devia prestar. Numa e noutra espécie, foi privado de valor, que deu, ou de valor, que teria de receber e não recebeu. Os nossos tempos quase só cogitam de interesses ou juros em dinheiro, porém nada obsta a que se estipulem interesses em natura, tratando-se de dívidas de outras coisas fungíveis. Dois elementos conceituais dos juros são o valor da prestação, feita ou a ser recebida, e o tempo em que permanece a dívida. Daí o cálculo percentual ou outro cálculo adequado sobre o valor da dívida, para certo trato de tempo. É o fruto civil do crédito; no plano econômico, renda do capital. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. vol. XXIV. n.° 1. Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1959, p. 2887. 550 Classifica os juros quanto às suas espécies: Quanto ao aspecto subjetivo do crédito, os juros podem ser de três espécies: “remuneratórios, compensatórios ou moratórios. Remuneratórios são aqueles decorrentes da convenção, da lei ou da sentença, a título de rendimento do capital ou do bem do credor utilizado pelo devedor. Compensatórios são os devidos para indenizar os danos ocasionados pelo devedor no caso de 549 259 Neste sentido, reafirmando essa diferença doutrinária no direito brasileiro, dispõe a Súmula n.° 12, do Superior Tribunal de Justiça que em desapropriação são cumuláveis juros compensatórios e moratórios e a Súmula n.° 102, da mesma Corte, que essa cumulação nas ações expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei.551 Os chamados juros compensatórios não se constituem propriamente em juros - remuneração de capital - mas em verba destinada a compensar a perda antecipada do imóvel.552 São incidentes até o efetivo pagamento porque, neste ponto, ocorre a perda da propriedade pelo expropriado e a simultânea aquisição pelo expropriante, cessando a compensação devida.553 Por outro lado, os juros moratórios, devem incidir sobre o total do quantum indenizatório, incluindo, portanto, a verba compensatória, tendo como termo inicial o trânsito em julgado da sentença que os fixar devidos em razão da demora no pagamento. Dada a natureza das verbas, não há a pretendida capitalização de juros. Neste sentido, pelas mesmas razões, permite-se a cumulação. Tanto têm os juros compensatórios a gênese jurídica de indenização, e não de rendimento ou apropriação compulsória de bens do credor. Moratórios são os decorrentes do atraso culposo do devedor no cumprimento de determinada obrigação. Seja qual for a espécie, entretanto, os juros fazem parte integrante do principal (CPC, artigo 293, e Súmula no 254, do STF). Exemplo: “A” empresta a “B” uma soma em dinheiro, pagável em prazo certo. Durante o curso do empréstimo são ajustados juros remuneratórios. Vencida a dívida e não paga no seu vencimento, passam a fluir juros moratórios sobre o seu montante (empréstimo + juros remuneratórios), durante o período da inadimplência. O mesmo se dá com os juros compensatórios, quando o devedor se apropria de bens do credor, durante um determinado lapso de tempo, sem lhe proporcionar a remuneração devida. MATTOS, Aroldo Gomes de. A incidência da Taxa Selic como juros na compensação tributária. Revista Dialética de Direito Tributário, n.° 43, abr./1999, pp. 7-11. 551 Os juros compensatórios destinam-se a indenizar o desapropriado pelo fato de não usar mais o bem, enquanto que os juros moratórios visam a, de algum modo, amenizar a normal demora no pagamento do estabelecido na sentença, após o trânsito em julgado. LIMA, Jesus Costa. Comentários às Sumulas do STJ. Brasília: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1992, p. 73. 552 Neste contexto, entretanto, existe distinção conceitual de juros: No primeiro caso (juros ‘compensatórios’) tem-se definição redundante, pois é implícito ao instituto da taxa de juros seu caráter compensatório, oriundo de um direito daquele que abre mão de parcela de seu patrimônio (voluntariamente ou não) em favor de outro, o qual se obriga a devolver o numerário cedido de um determinado percentual, percentual este que é o estimulo para o empréstimo de dinheiro. Já os juros ‘moratórios’ induzem o interprete a erro, imputando um caráter punitivo ao instituto, o que não existe. Em ambas as espécies de juros inexiste qualquer pena, mas mera recomposição econômica do valor emprestado, não recolhido ou a ser devolvido. Portanto, a distinção sustentada por alguns entre juros ‘compensatórios’ e ‘moratórios’ contraria, frontalmente, o princípio lógico da identidade, pois ‘o que é, é’. A taxa de juros tem sempre a mesma função, inexistindo espécies diferenciadas deste instituto. Destarte, entendo ser mais correta a utilização do signo juros’ sem qualquer adjetivação, haja vista ser instituto idêntico’. IBRAHIM, Fabio Zambitte. Repertorio IOB de jurisprudência, São Paulo, 1/14386, 3/2000, p. 85. 553 ROCHA, César. Embargos de Divergência em Recurso Especial. n.° 28.259-1 - São Paulo, 1999. 260 remuneração, que o antigo Tribunal Federal de Recursos decidiu serem intributáveis pelo imposto de renda, já que no caso não ocorre acréscimo, mas recomposição patrimonial.554 Em análise dos juros compensatórios dá-se importância ao efeito, o objetivo dos juros no recolhimento em atraso, ou a recepção de tributo indevido pelo Estado, ou seja, a recomposição financeira destes valores, a compensação da parte prejudicada. Já em relação aos juros moratórios têm ênfase a causa da aplicação de juros aos valores recolhidos em atraso ou devolvidos pelo Estado, quando recebidos indevidamente, ou seja, o porquê da aplicação de juros ao valor recolhido ou repetido.555 Esta divisão entre espécies de juros é muito utilizada para dar sustentação à afirmação de que a restituição vence juros não capitalizáveis, a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva que a determinar (artigo 167, parágrafo único, do Código Tributário Nacional). Trata-se apenas, dos juros moratórios, enquanto os compensatórios seriam devidos desde o recolhimento indevido. Insta destacar afinal, o quanto absurda é a possibilidade do Fisco pagar juros somente após a decisão definitiva sobre a restituição. Sendo assim, o que se deve buscar é a arguição da inconstitucionalidade deste dispositivo, independentemente de haver tipos de taxas de juros. No que se refere ao pagamento indevido de tributos e contribuições recolhidos mediante lançamento por homologação, o que se almeja, é que deva 554 Compondo os juros compensatórios a indenização, sobre a qual não incide o imposto de renda, curial que não sejam eles, igualmente, tributados. Não há como admitir se destaque uma parcela do todo indenizatório, para submetê-la à tributação. FERRANTE, Miguel Jerônimo. Apelação em Mandado de Segurança , n.° 94.744-SP, 6.ª Turma, Rel. unânime, in DJ 19/05/83, p. 6933. Aroldo Gomes de Mattos leciona: Os juros compensatórios visam remunerar o capital à disposição do mutuante ou de outrem (como o Estado, no caso de recolhimento indevido), enquanto os juros de moratórias objetivam indenizar dano causado a determinada pessoa (no caso de contribuições e tributos não recolhidos à época própria, o Estado). Há espécies distintas de juros quanto ao aspecto subjetivo do crédito. MATTOS, Aroldo Gomes de. Op. cit., pp. 7-8. 555 Assim, percebe-se similitude destes conceitos os juros de mora possuem a natureza compensatória, pois visam a evitar a deterioração do crédito pelo decurso do tempo, garantindo à Fazenda os frutos correspondentes ao capital retido pelo contribuinte. MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. v. 2, São Paulo: Editora Saraiva, 1998, p. 349. 261 ocorrer a correta devolução destes valores, com incidência de juros desde o mês subsequente ao recolhimento indevido. A partir deste raciocínio conclui-se que os juros no direito tributário são compensatórios e não remuneratórios, visto que, ao contribuinte nenhum valor foi entregue. Nesse diapasão, o que se espera que ocorra é uma compensação ao Fisco,em razão de ter ficado indisponibilizado do quantum que lhe era devido na data determinada. É patente, que esta questão é importante para se definir a taxa de juros aplicável em casos de inadimplências de cunho tributário. O artigo 161, do Código Tributário Nacional556 disciplina que os juros moratórios são na ordem de 1% ao mês, a exemplo do que ocorre no ordenamento constitucional, no artigo 193, da Constituição Federalde 1988.557 Também, igualmente controversa é a validade jurídica da taxa Selic, principalmente no que diz respeito ao seu aspecto constitucional. Inaplicável, portanto a taxa Selic, no que se refere à garantia dos direitos dos contribuintes, apesar de haver no ordenamento jurídico brasileiro, corrente majoritária que tenha entendimento favorável à respectiva taxa. Segundo o Banco Central Brasileiro, define-se Taxa Selic como a taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para títulos federais. Para fins de cálculo da taxa, são considerados os financiamentos diários relativos às operações registradas e liquidadas no próprio Selic e em sistemas operados por câmaras ou prestadores de serviços de compensação e de liquidação (art. 1° da Circular n° 2.900, de 24 de junho de 1999, com a alteração introduzida pelo art. 1° da Circular n° 3.119, de 18 556 Código Tributário Nacional, art. 161, o crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária. § 1.° Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês. § 2.° O disposto neste artigo não se aplica na pendência de consulta formulada pelo devedor dentro do prazo legal para pagamento do crédito. 557 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 193, a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. 262 de abril de 2002). Essa taxa é cobrada pela Fazenda Nacional, havendo inclusive, previsão constitucional, art. 163, inciso II. Entretanto, trata-se de uma norma constitucional de eficácia contida, ou seja, tem aplicabilidade imediata, mas necessita de uma lei infraconstitucional que a regulamente. Todavia, a ausência desta norma não desnatura o exercício imediato do direito. Desta forma, como medida provisória não é lei, mas tem força de lei, vigendo por um período de 60 dias, podendo ser prorrogada por mais 60 ( art. 62, §7°, CF), seria necessário uma lei que regulamentasse de forma definitiva a SELIC. Desarte, veio a lume a Lei n.°9.065/95, e posteriormente, surgiu a Lei n.°9.250/95, que estendeu a aplicação da SELIC à Fazenda Nacional. Em síntese, um verdadeiro abuso, em se tratando de uma taxa, que se sabe será aplicada sobre aqueles que estão inadimplentes e que, em sua maioria, não o fazem por livre vontade, mas por dificuldades de fluxo de caixa, ou por concorrência desleal (abertura de importações de produtos com carga tributária inferior). g) Uso de multas abusivas Mais uma vez, aumenta-se a carga tributária que já está no limite da capacidade contributiva do cidadão brasileiro. Não menos odioso é a prática abusiva da aplicação de multas, que mais se assemelham a verdadeiros confiscos, que ferem incisivamente os princípios gerais constitucionais e os princípios constitucionais tributários. Não há, em nenhuma hipótese, atividade econômica capaz de gerar capacidade contributiva ou econômica para suportar tamanha carga tributária, o que acaba atingindo diretamente o direito à propriedade caracterizando-se assim em confisco. 263 É praxe que o Estado imponha a seus governados normas regulamentadoras quanto à aplicação de multas e o percentual máximo permitido para cobrança de juros em suas relações particulares. O Fisco, todavia, como órgão integrante do Estado, continua, na realidade tributária brasileira, aplicando multas altas e intoleráveis para um Estado de Direito. Verdadeiro abuso e desrespeito aos cidadãos. Vê-se violado o princípio da segurança jurídica que é indissociável do valor da justiça e o princípio da igualdade, que visa equivaler os direitos na relação jurídica e garantir uma tributação justa. Quando se abate a insegurança jurídica se coopera com a obra de não se acompanhar o desenvolvimento econômico que se projeta. Ademais, infelizmente, no Brasil, os “fins” (arrecadação a qualquer custo) justificam os “meios”(com adoção de qualquer procedimento,argumento ou forma). E o mais representativos desses fatos encontra-se nos modelos de multas excessivas, aplicadas principalmente nos estados, tanto no valor, quanto nas razões de sua cobrança. A suposta gravosidade vem desprovida de exame de conduta dos contribuintes, como a boa-fé, o erro escusável ou a falta de prejuízo ao erário. Ora, entende-se que a imposição de deveres instrumentais, assim como das respectivas sanções pelos seus descumprimentos, deve estar em conformidade com os princípios constitucionais, dentre eles, o da legalidade, segurança jurídica, não-confisco, razoabilidade, proporcionalidade e moralidade administrativa. Assim, a imposição de multasabusivas, sobretudo se decorrentes da inobservância de deveres instrumentais, viola frontalmente tais princípios. Não se pode dar guarida a esses excessos na aplicação das multas, não podem persistir sanções tão gravosas. O CTN alinhado com os fundamentos constitucionais da pessoalidade das sanções, estabelece que, em caso de dúvida, a lei tributária deverá ser interpretada de modo favorável ao contribuinte. 264 O Estado de Direito requer justiça e, também que a liberdade seja respeitada pela tributação. Não se pode desvirtuar os deveres a ponto de as respectivas sanções serem transformadas no objeto precípuo da arrecadação, como modalidade preponderante de receitas tributárias. Não é objetivo deste trabalho adentrar no mérito da discussão quanto à natureza jurídica da multa, e nem tampouco na famigerada discussão inerente ao artigo 3.° e o artigo 113, do Código Tributário Nacional,558 em conhecer se multa é ou não tributo. Cabe, então, a aplicação de outro princípio constitucional preceituado no artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal brasileira de 1988, o princípio da vedação de tributos com efeito de confisco. Não se pode, portanto, admitir o confisco por via de uma penalização tributária que é fato consequente ao tributo e decorrente, exclusivamente, do descumprimento de seus preceitos específicos e de suas correlatas obrigações. Muito embora não se tenha um marco definidor do que seja considerado efetivo confisco, seja em face da falta de sistematização legal, no que se refere ao assunto, seja em face das mais divergentes opiniões em matéria tributária. No que tange à sua real e efetiva caracterização, esta assume feição confiscatória toda vez que a penalidade vai além de qualquer limite razoável daquilo que se poderia admitir como proveito obtido com o cometimento ilícito, e, assim, tem-se configurado o confisco sendo invocável a proteção constitucional.559 558 Código Tributário Nacional, art. 3.º, tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1.° A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2.° A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3.° A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária. 559 MACHADO, Hugo de Brito. Sanção Tributaria. Op. cit., p. 256. Em se tratando da tentativa de definir e delimitar a atuação confiscatória, em matéria fiscal, são poucos os tributaristas que conseguiu sintetizar de forma clara o assunto. Nesse diapasão cita-se Ives Grandra: Como então enfrentar o problema no próprio direito tributário onde inexiste um parâmetro ou termo delimitador entre a penalidade legítima e a exigência constitucional? Entendemos que o parâmetro encontra-se na base de calculo que deu origem ao fato gerador da obrigação tributária plena (tributo e penalidade), não podendo esta superar dois limites essencias, a saber: a) valor superior da operação ou bem que serviu de base de calculo ao 265 Não menos importante, tem sido a questão da denúncia espontânea, prevista no artigo 138, do Código Tributário Nacional,560 que constantemente tem sido renegada pelo Fisco, que parece desconhecer esta prática, e tem exigido do contribuinte seu cumprimento, mesmo quando este espontaneamente recolhe o tributo. A questão em análise tem sido fulminada nos Tribunais brasileiros, mesmo quando o contribuinte de forma espontânea confessa sua divida, efetuando, inclusive, parcelamento.561 Com o intuito de afastar a exigência da multa, que tem seu marco na denúncia espontânea, mesmo considerada quando da efetuação do parcelamento junto à administração fiscal, esta somente se finda quando do início do procedimento de constituição do crédito tributário.562 Alterado pela Lei Complementar n.° 104, de 10/01/2001, o artigo 155-A, do Código Tributário Nacional.563 tributo ou penalidade; b) nos casos de valor superior do tributo ao bem ou operação (possível no campo dos tributos indiretos), a penalidade necessariamente teria que se limitar ao valor do próprio bem ou operação. Na tentativa de lançar ideias para o estudo do problema dever-se-ia considerar que toda penalidade é justa na medida em que as próprias forças da operação ou bens inquinados possam responder por elas, sendo confisco tudo que ultrapassar aqueles limites. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 2005, pp. 286-7. 560 Código Tributário Nacional, art. 138, a responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração. Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração. 561 Neste sentido, pode-se citar o julgado do Superior Tribunal de Justiça: 1. Procedendo o contribuinte à denúncia espontânea de débito tributário em atraso, com devido recolhimento do tributo, ainda que de forma parcelada, é afastada a imposição da multa moratória. Resp. nr. 180700/SC (98/0048902-9), Rel. Min. José Delgado. Esta decisão não é isolada no contexto do ordenamento jurídico brasileiro,se assemelha a tantas outras: - Na hipótese de denúncia espontânea. realizada formalmente, com o devido recolhimento do tributo, é inexigível a multa de mora incidente sobre o montante da divida parcelada por força do disposto no artigo 138 do CTN. Resp n. 111.470/SC, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 19/05/97. 562 Se o contribuinte denuncia, espontaneamente, o fato de que comercializou no Brasil, mercadoria importada em regime draw back é de se lhe reconhecer o beneficio outorgado pelo Artigo 138 do CTN. Contribuinte que denuncia, espontaneamente, débito tributário em atraso e recolhe o montante devido, com juros de mora, fica exonerado de multa moratória (CTN art 138). Resp nr. 36.796-4/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 22/08/94. A denúncia espontânea da infração, com o recolhimento do tributo e os acréscimos devidos, afasta a imposição da multa. Resp n.° 84.413/SP, Rel. Min. Helio Mosimann, DJ de 01/04/96. 563 Código Tributário Nacional, art. 155-A, o parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica. § 1.° - Salvo disposição de lei em contrário, o parcelamento do crédito tributário não exclui 266 Entende-se que, havendo disposição legal, que prevê a exclusão da multa (artigo 138, do Código Tributário Nacional),564 não pode existir, portanto, sua aplicação, uma vez que há dispositivo em contrário. Há, nesta situação, no mínimo, uma antinomia, um paradoxo, por fim, em análise do disposto no artigo 106, do Código Tributário Nacional,565 conclui-se pela não cobrança de multa.566 Desta feita, caberá ao intérprete conciliar dispositivos de uma mesma lei, garantindo assim, os direitos do contribuinte e buscando pela verdadeira justiça. h) Abuso da Lei Complementar n.º 104 da norma antielisão Outro aspecto a ser analisado, e que caracteriza mais uma das injustiças cometidas pelo Fisco em relação ao contribuinte, é a Lei Complementar n.º 104, que introduziu algumas alterações no Código Tributário Nacional. Dentre as mencionadas alterações, a a que tem despertado maior interesse, no meio jurídico a incidência de juros e multas. § 2.° - Aplicam-se, subsidiariamente, ao parcelamento as disposições desta Lei, relativas à moratória. 564 Código Tributário Nacional, art. 138, a responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração. Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração. 565 Código Tributário Nacional, art. 106, a lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; II - tratando-se de ato não definitivamente julgado: a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática. 566 A questão se resume de forma simples: Ao intérprete, é bom notar, deve esforçar-se por conciliar dispositivos de uma mesma lei. Como é sabido, podem fazer jus ao parcelamento tanto o contribuinte que admite espontaneamente o descumprimento de normas tributárias (ou seja: procede à ‘denúncia espontânea da infração’) quanto o contribuinte que silencia mas não consegue impedir a atuação do Fisco a propósito da possibilidade de promover o lançamento de ofício. Assim, em geral, caso celebrado tal parcelamento, incluise a multa moratória no cômputo da dívida, ante o preceito do artigo 155-A, § 1.° , do Código Tributário Nacional. Agora: caso se trate de parcelamento resultante de ‘denúncia espontânea da infração’, não se inclui no cômputo a multa moratória, por força do disposto no artigo 138 do Código Tributário Nacional (v., a respeito, nosso ‘Reconhecimento voluntário da existência de dívida tributária e pagamento em parcelas sem multa moratória’, outubro de 2000). MONTEIRO NETO, Nelson. Repertorio IOB Jurisprudencia, 1/15839, 7/2001, p. 193. 267 brasileiro, é a inclusão do parágrafo único, no artigo 116,567 albergando a denominada norma antielisão. Alguns outros artigos também forma alterados: 1) o artigo 9.°, inciso IV, alínea “c”, e o artigo 14, inciso I, concernentes à imunidade das instituições sociais sem fins lucrativos; 2) o artigo 43, com inclusão de dois parágrafos relativos à incidência do imposto de renda; 3) o artigo 116, que trouxe a possibilidade da autoridade administrativa desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência de fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária; 4) o artigo 151, em seus incisos, concernentes a hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário; 5) foi incluído o artigo 155-A, cuidando do parcelamento de créditos tributários; 6) o artigo 156, inciso XI, incluindo a dação em pagamento em bens imóveis, como forma de extinção do crédito tributário; 7) foi incluído o artigo 170-A, vedando a compensação com aproveitamento de tributo objeto de contestação judicial, enquanto não transitar em julgado a sentença; 8) os artigos 198 e 199, relativos ao sigilo fiscal, com descabido alargamento das exceções admitidas. A propósito, tem-se de admitir que uma norma geral antielisão nada mais é do que um reforço aos poderes da Administração Tributária. 567 Código Tributário Nacional, art. 116, salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. 268 A norma geral antielisiva pretende tributar por analogia fato jurídico extratípico, que alcance resultado econômico equivalente ao de fato jurídico típico, sem contudo produzir as mesmas consequências tributárias. Desta forma, tal norma colocada em texto de lei complementar poderá ter sua constitucionalidade contestada, pois colide com o princípio da legalidade, que tem como um de seus pilares essenciais a tipicidade. Vale ressaltar ainda que, há exigência de definição em lei, da situação específica, cuja concretização faz nascer o dever de pagar tributo.568 Frise-se que a leitura atenta do próprio artigo 116, do Código Tributário Nacional, demonstra que a questão da elisão fiscal deve ser resolvida pelo legislador ordinário, ao definir a hipótese de incidência dos tributos. Desta forma, define-se a hipótese de incidência tributária como uma situação, que de fato afasta, desde logo, quaisquer questionamentos jurídicos, que a questionada norma antielisão possa resolver. O aplicador da lei tributária neste caso, deve simplesmente cogitar da configuração, ou não, daquela situação de fato, para exigir, ou não exigir tributo. 568 A própria noção de Estado Democrático de Direito repele uma norma antielisão no perfil meramente atributivo de competência ao Fisco para desqualificar operações dos contribuintes para o fim de assegurar de forma absoluta a capacidade contributiva. O fato gerador é qualificado pela lei e uma pura norma de competência não convive com a tipicidade, ainda que aberta. GRECO, Marco Aurélio. Para uma Norma Geral Antielisão. Revista IOB, out/99. São Paulo, 1999, p. 10. Hugo de Brito Machado se posiciona a respeito: Aliás, ainda que residente em norma da própria Constituição, nesta introduzida por Emenda, a norma antielisão, considerada como ampliação da competência tributária, capaz de amofinar o princípio da legalidade, pode ter sua validade contestada em face da cláusula de imodificabilidade albergada pelo artigo 60, § 4.° , inciso IV, segundo a qual não será objeto de deliberação proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais. E segue afirmando o referido autor: Dir-se-á que a norma geral antielisão constituí simplesmente uma diretriz hermenêutica. Apenas aponta um caminho para o intérprete, que deve dar maior importância à realidade econômica do que à forma jurídica. Essa norma simplesmente deixaria expressamente autorizada a denominada interpretação econômica, que já foi objeto de profundas divergências na doutrina dos tributaristas, no Brasil como em outros países. MACHADO, Hugo de Brito. Repertório IOB de Jurisprudência, 1/15840, 7/2001, p. 198. 269 i) Uso da Quebra do Sigilo Ainda, em se tratando das injustiças cometidas pelo Fisco em relação ao contribuinte, tem-se que analisar pelo crivo da abusividade, a Lei Complementar n.º 105/01, a qual permitiu a quebra do sigilo bancário dos contribuintes. Caracteriza-se efetivo absurdo e quebra de cláusula pétrea constitucional, estatuída no artigo 5.°, da Constituição Federal do Brasil de 1988, que assim dispõe no inciso X, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; inciso XII, é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual. No contexto histórico do ordenamento jurídico brasileiro, pela primeira vez, o sigilo de dados, veio integrar o rol dos direitos e garantias individuais, pelo texto constitucional de 1988 (artigo 5.°, XII). Conforme a doutrina, configura tal preceito, desdobramento do direito fundamental à privacidade (artigo 5.°, X), o qual integra a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, em seu artigo 12. De certa forma, em oposição ao público-político, que é dominado pelos princípios da transparência, da publicidade e da igualdade; o social-privado, na acepção atual, rege-se pelo princípio da diferenciação, da exclusividade e da faculdade de resistir ao devassamento, de negação de comunicação.569 É defeso ao cidadão-cliente não querer divulgar determinados fatos que, atualmente, são reconhecidos como constituidores de um reflexo e de uma projeção de sua personalidade. 569 O sigilo bancário se enquadra no conceito mais amplo do segredo profissional, que tem merecido uma proteção muito ampla, ensejando sua violação caracterização como crime (artigo 154 do Código Penal). WALD, Arnold. O Sigilo Bancário no Projeto de Lei Complementar de Reforma do Sistema Financeiro e na Lei Complementar n.° 70. In: Revista dos Tribunais. n.° 1, São Paulo, Caderno de Direito Tributário e Finanças Públicas, 1992, pp. 196-209. 270 Não se pode ignorar outra modalidade de flagrante desrespeito ao contribuinte de gerenciar seus negócios e ter respeitado seu sigilo bancário, tal prática é a chamada penhora on line, que é oriunda do processo trabalhista, mas ameaça se alastrar para o processo de execução fiscal. A penhora on line consiste em bloqueio inicial de todas as contas bancárias do contribuinte, através de encaminhamento via internet de solicitação do magistrado ao Banco Central e deste a toda rede bancária. A referida prática constitui um dos mais gravosos meios de execução no contexto do ordenamento jurídico brasileiro. Fere a privacidade das contas bancárias, e no primeiro momento, atinge valores que excedem a importância objeto da execução, uma vez que o bloqueio se faz em cada uma das várias contas do contribuinte pela importância do débito, tantas vezes quantas forem às contas desse contribuinte.570 A prática da penhora on line é ainda mais contrária aos princípios do direito quando o bloqueio é realizado sem o conhecimento prévio do contribuinte. Este somente terá conhecimento da referida penhora, ao pretender movimentar sua conta bancária e se deparar com a insuficiência de saldo, o que lhe acarretará certamente, uma série de transtornos, inclusive fiscais. Nada mais justo e recomendável que, a exemplo do bill of taxpayer’s rightsamericano,571 a instituição bancária fosse obrigada a dar conhecimento prévio da efetivação da penhora ao contribuinte, inclusive, com prazo suficiente para que possa ele organizar seus negócios ou tomar as providências junto ao juízo que achar conveniente. Na visão do profissional, por sua vez, este considera a discrição como elemento primordial no seu fundo de comércio e, por outro lado, os nomes dos 570 TAVOLARO, Agostinho Tofoli. Estatuto do Contribuinte. Campinas, 2004. Pesquisado em http://www.tavolaroadvogados.com.br/doutrina/cs505.pdf, 02/03/2010. 571 Nos Estados Unidos da América a penhora somente se efetivará após 21 dias da comunicação. Fonte: US Tax Code, TITLE26, Subtitle F, CHAPTER 64, Subchapter D, Sec. 6332, “c”. 271 clientes constituem um verdadeiro segredo comercial e integram o seu fundo de comércio.572 Em se tratando de terceiros, obrigados a informar ou fornecer dados próprios do contribuinte úteis ao lançamento, a recusa pode estar legal ou constitucionalmente fundamentada na proteção da intimidade e no segredo profissional, inclusive bancário. Tal matéria encontra sutentáculo no artigo 52, X e XII, da Constituição Federal de 1988; no Código Comercial, artigo 17 a 19; no Código Civil, artigo 144; no Código de Processo Penal, artigo 207; no Código Penal, arts. 325 e 154; na Lei n.º 4.595, de 1964, que regula o dever legal de observância do segredo bancário, arts. 37 e 38, com graves penas à infringência do sigilo; na Lei n.º 4.728, de 1965, que disciplina o mercado de capitais; no Código Tributário Nacional, arts. 195 e 197; na Lei n.° 7.492, de 1982, que define os crimes contra a ordem financeira, impondo penalidades à violação do sigilo bancário e na Lei Complementar n.° 75, de 20 de maio de 1993.573 Cabe ressaltar que, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2397, no Supremo Tribunal Federal, que discute o artigo 3.°, § 3.°, Lei Complementar n.º 105. Apesar de não haver manifestação conclusiva, tem-se conhecimento que, a maioria dos Ministros não têm simpatia à Lei Complementar n.º 105, em razão de não haver, na referida 572 O sigilo bancário constitui as pilastras do crédito e a garantia de uma economia sadia, e complementa o seu entendimento: O indivíduo e as instituições podem decidir por si, quando, como e até que ponto uma informação sobre eles pode ser comunicada a outrem. Assim, o direito à privacidade abrange atualmente o de impedir que terceiros, inclusive o Estado e o Fisco tenham acesso a informações sobre o que se denominou ‘área de manifestação existencial do ser humano. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. Op. cit., p. 63. Assim, complementa Arnold Wald: Na realidade, a grande distinção entre o Estado de Direito e o Estado totalitário consiste na garantia das liberdades e dos direitos individuais, ou seja, no direito de fazer tudo que a lei não proíbe e de só ter que fazer aquilo ao qual está obrigado em virtude de lei. WALD, Arnold, Op. cit., p. 202. 573 O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre o assunto e rechaçou sua prática: Inexistentes os elementos de prova mínimos de autoria de delito, em inquérito regularmente instaurado, indefere-se o pedido de requisição de informações que implica quebra do sigilo bancário. Lei n.° 4.595, de 1964, artigo 38. Supremo Tribunal Federal. Pet 577 QO / DF - Distrito Federal. Questão de Ordem na Petição. Relator(a): Min. Carlos Velloso. Julgamento: 25/03/1992. 272 lei, previsão da autorização judicial como pressuposto para a quebra do sigilo bancário.574 Nesse diapasão, há grande possibilidade de que a Lei Complementar n.º 105, seja julgada inconstitucional, e assim, as autoridades fazendárias e a Advocacia Geral da União para terem acesso às movimentações financeiras de pessoas, físicas e jurídicas, devam requerer a quebra do sigilo bancário ao Poder Judiciário, o que seria extremamente salutar, realçando o paradigma constitucional do estado democrático de direito. 3.2. A complexidade das normas na realidade jurídico-tributária brasileira A legislação brasileira é muito extensa, e a cada dia essa realidade vem piorando. Estudos realizados pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), desde que a Constituição Brasileira foi promulgada, em outubro de 1988, já foram editadas 4,35 milhões de novas leis e normas federais, estaduais e municipais no país. A legislação brasileira torna-se um emaranhado de assuntos que gera grande instabilidade e insegurança jurídica para os cidadãos, e também para as empresas. O setor que mais cria leis é o tributário, segundo o IBPT, a cada dia no 574 Pode-se concluir como situações imprescindíveis à quebra do sigilo bancário o direito fundamental à privacidade e à intimidade são então: o princípio da objetividade material (que exige início de prova quanto à existência de um delito e de sua autoria); o princípio da pertinente adequação (que supõe relação lógica entre o objeto penal investigado e os documentos pretendidos); o princípio da proibição de excesso (que exige a demonstração da imprescindibilidade da prova para o êxito da investigação e a inexistência de outros meios menos danosos ou limitativos). O Supremo Tribunal Federal, ao direcionar o tema segundo os princípios referidos, posiciona-se, ao lado de outras Cortes Constitucionais, e da legislação de outros povos, na posição moderada ideal: o direito à proteção à intimidade não e absoluto, não prevalecendo para proteger o crime. Mas residindo sua essência no direito à resistência à devassa e no interesse coletivo de saúde do sistema financeiro e de crédito, é mister que se determine sua quebra apenas em juízo e se observe a presença de requisitos materiais mínimos e imprescindíveis a serem obedecidos, caso a caso. (grifos da autora). DERZI, Misabel de Abreu. 2.° Seminário IOB sobre Crimes Contra a Ordem Tributaria, São Paulo, mar./1996. 273 Brasil são editadas 33 novas normas tributárias. Isso significa que, pelo menos uma nova regra tributária entra em vigência no país por dia.575 A grande complexidade do sistema tributário impõe aos contribuintes um enorme esforço para conseguir cumprir integralmente as normas que lhes são impostas. A pressão para o cumprimento estrito de todas as regras e obrigações acessórias é real e eficiente. Eficiência que não está explicita em ações sociais que beneficiem o cidadão quanto à aplicação dos recursos recolhidos através da enorme carga tributária. Com resultados danosos se tem um alto custo da burocracia tributária e cada vez mais grandes injustiças causadas indiretamente pelo fisco ao contribuinte. Em retrospectiva histórica, já na década de 60, o jurista Alfredo Augusto Becker em sua consagrada obra, Teoria Geral do Direito Tributário, na parte introdutória dá início ao seu texto, cujo título é Manicômio Jurídico Tributário, onde cita, desde aquela época, o problema das numerosas alterações na legislação brasileira.576 No Brasil, já foram criadas muitas leis, entre decretos-leis e regulamentos que fizeram alterarações à legislação do imposto de renda. E ainda, hoje leis continuam sendo criadas para alterar a referida normatização. Esta mutabilidade causa grande desorientação aos contribuintes, que por vezes, infringem a legislação tributária, não com a intenção de fraudá-la, mas em razão da desinformação e falta de tempo hábil para conhecê-las e aplicá-las de forma correta.577 575 Gazeta do Povo. http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/conteudo.phtml?id=1183765. Pesquisado em 12/01/2014. 576 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 4.ª ed. São Paulo: Editora Noeses, 2007, p. 13. 577 Tão defeituosas costumam ser as leis tributárias que o contribuinte nunca está seguro das obrigações a cumprir e necessita manter uma dispendiosa equipe de técnicos especializados, para simplesmente saber quais as exigências do Fisco. BECKER, Augusto. Gazeta Mercantil, seção legislações tributarias, 16/08/1996. 274 Na década de 1980, o problema do excesso de leis continuava a incomodar o jurista Becker,578 bastante inspirado e um tanto irônico, lançou outra obra sobre esse tema, denominada “Carnaval Tributário”.579 A quantidade de impostos mascarados de outros nomes (contribuições, empréstimos, taxas etc) era tamanha que formava um verdadeiro bloco carnavalesco. Passaram-se trinta anos e os temores se verificaram e confirmaram, estimase que no Brasil a carga tributária tenha crescido aproximadamente dez pontos percentuais, segundo os institutos de pesquisa e estatísticas mais renomados do país. Embora varie de setor para setor, de produto para produto, a carga tributária do Brasil atinge atualmente média acima de 36% do Produto Interno Bruto (PIB), é a mais alta de tota a história brasileira, e uma das mais elevadas do mundo. Um dos maiores problemas no Brasil é o excesso de leis tributárias, existe no Brasil a União Federal, vinte e seis Estados membros, o Distrito Federal e 5.563 municípios, legislando em matéria tributária. Mas não é só. Há, ainda, em todos esses entes federativos, uma instabilidade na legislação, que sofre constantemente mudanças radicais. A realidade jurídica brasileira nos mostra que há excessivo número de tributos, cuja imposição se faz através de uma legislação extremamente complexa, inconstitucional, incoerente, inadequada, de interpretação e aplicabilidade duvidosas; sujeita a constantes alterações, principalmente elevação de alíquotas com vistas ao suprimento de caixa do poder público dificultando o cumprimento das obrigações tributárias principais e acessórias. É em razão dessa confusão, complexidade e inadequação da legislação tributária que continuadamente são provocadas contestações judiciais acerca das normas. 578 Idem.Ibidem. Imaginem Becker nos dias de hoje o que comentaria com as cerca de 5,6 milhões de legislações publicadas pelas três esferas tributantes. Boletim Jurídico. Pesquisado em http://boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1062, 02/03/2010. 579 275 A crise do Judiciário é o itinerário na contramão adotado pelo Estado, quando se trata de resolver conflitos em que figure como parte ou interessado, o que, em síntese, revela verdadeira negativa da cidadania e desrespeito à Constituição Federal de 1988.580 Têm-se considerado como uma das relevantes razões que contribuíram de forma determinante para acelerar a dinâmica do processo de alterações na legislação, a criação de sucessivos planos de estabilização econômica. É reprovável a realidade na política brasileira, que em busca do aumento da arrecadação, improvisa-se, ao final de cada exercício, uma série de projetos de lei, e essa situação tem se agravado ano a ano. Em verdade, as constantes alterações da legislação, implicando por sua vez, na edição de uma profusão de atos administrativos normativos (portarias, instruções normativas, ordens de serviço etc.), dificultam enormemente o trabalho do fisco e desorientam o contribuinte. É sabido que a própria Receita Federal assume que seus Auditores Fiscais sentem grande dificuldade em se manterem atualizados por conta de todas essas alterações. Há que se mencionar ainda, quanto à instabilidade da legislação, que nos últimos anos, se tentou resolver o problema da arrecadação no Brasil através de constantes acréscimos de alíquotas. O recurso utilizado é considerdo perverso, e 580 Por outro lado, os pretórios superiores enfrentam o abuso do Poder Público, que insiste em desconhecer a jurisprudência reiterada dos tribunais, mediante a multiplicação de recursos protelatórios sem a mínima possibilidade de êxito. Dos 77.629 processos julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 1996, 27.613 (ou seja, 35% deles) tiveram como parte o INSS. De acordo com dados do STJ, a Administração Pública reclamada mais de 60% da atividade daquela Corte. Já no Supremo Tribunal Federal (STF), dos processos distribuídos de 1991 a 1996 o maior cliente é a União Federal, com 35.898 recursos ou agravos, na condição de recorrente ou recorrida. Dos 138.246 processos distribuídos pelo STF, nesse mesmo período, 104.498 deles (ou seja, 73%) são da União Federal, INSS, Estados, municípios e os Bancos do Brasil e estaduais. ZAKAREWICZ, Luiz Fernando. Revista Jurídica CONSULEX. Ano I, n.° 3. Brasília: Consulex, 31/03/1997, p. 4. Outro problema responsável pela morosidade na solução dos conflitos é a questão dos recursos, que os próprios juizes entendem haver em grande quantidade. É necessário eliminar os recursos protelatórios e excessivos, limitar as instâncias, difundir a não-prática da litigiosidade forense e aplicar sanções àqueles que procuram retardar o cumprimento das decisões judiciais, como é o caso do precatório. A legislação de aplicabilidade duvidosa é um fator indutor de sonegação. A multiplicidade de normas e o excessivo número de tributos tornam penoso o pagamento, de um lado, e o controle de outro. ZAKAREWICZ, Luiz Fernando. Conclusões do Congresso Nacional sobre a CPI da Sonegação Fiscal. São Paulo: Revista dos Tribunais, n.° 9, 1998, p. 31. 276 muito tem sido empregado na história tributária recente do Brasil, trazendo péssimos reflexos no meio econômico-social, e de certa forma, incentivando a sonegação. Em decorrência desta instabilidade, as obrigações tributárias são tantas e tão complexas, e as mudanças dos documentos controladores da Receita Federal é tão frequente, que exigem das empresas a contratação de grande número de funcionários para atendê-las corretamente. Além disso, as inúmeras querelas fiscais decorrentes da legislação imperfeita produzem o entupimento do Poder Judiciário. Impostos como o ICMS e o IPI são altamente sonegáveis, defeito da maioria dos 51 tributos existentes no Brasil.581 Os litígios no Judiciário revelam fato interessante: existem mais ações contra o Poder Público (basicamente a União) do que ações de cobrança. São litígios não resolvidos decorrentes da legislação que tentou dar eficácia ao sistema tributário da atual Constituição.582 A legislação muda muito rapidamente, não se consegue, em tempo hábil, que ela seja assimilada pelo contribuinte, o que gera o seu descumprimento, muitas vezes involuntário. É sabido que o sistema tributário brasileiro é muito complexo. Muitos estudiosos lecionam, com certa insistência, que a redução do número de tributos seria uma forma de simplificação do sistema tributário. No entanto, certo é que a complexidade da legislação eleva muito o custo, tanto para o Governo, quanto para os contribuintes. Em estudos realizados nesse sentido, foram revelados que são altíssimos esses custos. No Brasil, fala-se, em percentual próximo a 1% do PIB (produto interno bruto). Analisando-se apenas esse custo, já se justificaria um enxugamento efetivo das imposições fiscais. Não se deve deslumbrar, contudo, que a tão pretendida simplificação poderia levar à eliminação de todas as chamadas 581 Idem.Ibidem., p. 13. CAMPOS, Roberto. Conclusões do Congresso Nacional sobre a CPI da Sonegação Fiscal. São Paulo: Revista dos Tribunais, n.° 9, 1998, p. 32. 582 277 obrigações acessórias, as quais são cumpridas para se pagar os tributos, e representadas por preenchimentos de guias, formulários, notas fiscais, etc.583 Estes documentos não podem deixar de existir, ainda que o número de imposições fiscais fosse sensivelmente reduzido, pois em caso contrário, o Fisco perderia os instrumentos de controle de que dispõe para fiscalizar. No caso específico do imposto de renda, a complexidade para sua apuração não se evidencia por conta exclusiva desse tributo. Ao contrário, independentemente das exigências fiscais, é necessário que seja realizado controle sobre valores patrimoniais e financeiros, consignados nos respectivos registros contábeis. A mesma complexidade, entretanto, existente para apuração do lucro que vai servir de base para o imposto de renda das empresas, também existe para a apuração do lucro a ser distribuído aos sócios e acionistas. Como exemplo, pode-se citar o caso do sistema de correção monetária que acarretava grande complexidade nos registros contábeis. O sistema de correção monetária no Brasil, funcionava para neutralizar os efeitos inflacionários nos elementos patrimoniais, e na apuração dos resultados, tanto para efeitos fiscais, quanto para efeitos societários. Mesmo sem o imposto de renda, a complexidade dos registros contábeis não desapareceria. Considera-se plausível que considerável simplificação do sistema tributário do Brasil poderia ser realizada na área das contribuições sociais. As contribuições sociais destacam-se como as mais importantes, do ponto de vista do volume de arrecadação, elas são as relevantes, as que pesam nos bolsos e recheiam os cofres do Estado.584 O que se pretende evidenciar, é que os tributos existentes já estão assimilados pelos contribuintes, assim como pelos agentes do Fisco e, portanto, não 583 LOPES FILHO, Osiris. Conclusões do Congresso Nacional sobre a CPI da Sonegação Fiscal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, n.° 9, 1998, p. 33. 584 SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 472. 278 se deve alterá-los, sob pena de perda de arrecadação no período necessário a que contribuintes e Fisco se adaptem aos tributos novos. Sabe-se que, certamente há um exagero quanto à esses inovações tributárias. Assim como evoluem a sociedade, os sistemas econômicos, os métodos produtivos, a tecnologia, enfim todas as áreas de conhecimento, também os sistemas tributários devem modernizar-se para se adaptar às novas realidades, porém devem configurar estabilidade e segurança jurídica tributária aos contribuintes. Em breve análise evolutiva, não se pode deixar de destacar a excelência do sistema tributário implantado no Brasil, por meio da reforma tributária que ocorreu em 1965/1967. O referido sistema, todavia, envelheceu e também, sofreu graves distorções, especialmente quando houve necessidade emergente de recursos pelo Estado, agregando-se ao sistema sérios desvios que alteraram a harmonia e a funcionalidade introduzida por aquela reforma. Nesse contexto, várias tentativas, no sentido de melhorá-lo, foram propostas e introduzidas, entretanto, nem sempre foram bem sucedidas. Razão pela qual, é praticamente unânime entre os tributaristas brasileiros, a ideia de que se deve rever o sistema tributário brasileiro, aproveitando-se o que ele tem de bom, mas livrandose de seus inconvenientes, que infeliamente, são muitos. A realidade é que vive-se num ciclo vicioso, o contribuinte sonega porque a carga tributária é elevada, e o Fisco não reduz a carga tributária porque considera que a sonegação é prática cultural do contribuinte brasileiro, e entende que mesmo que a reduzisse, a sonegação persistiria. No âmbito das relações empresariais, o norte é que, na concepção do Fisco, os empresários não tem do que reclamar quanto à carga tributária, uma vez que, o empresário não paga tributo e de certa forma esta obrigação repercute, e esse ônus é transferindo ao consumidor final. Na realidade hodierna, entretanto, não é mais o empresário que fixa valores, preço, mas sim o mercado, em razão da globalização e da competitividade. 279 É fato que, na realidade econômica atual, os empresários têm se tornado contribuintes de fato e de direito, motivo pelo qual se faz urgente a redução da carga tributária e a eliminação das obrigações acessórias ao mínimo necessário. Realmente, o sistema tributário brasileiro não garante segurança alguma aos contribuintes diante de tantas alterações, de inúmeras novas normas tributárias, tornando-se quase impossível acompanhar este emaranhado legislativo-tributário. Por fim, não se pode olvidar que apesar desta pesada carga tributária, não se tem o retorno social das fabulosas arrecadações. Atualmente, está a população brasileira, ou seja, os contribuintes, sobrecarregados nas infinitas exigências fiscais, mas também abandonados quanto aos requisitos para a verdadeira cidadania. O Brasil, em recente pequisa na revista britânica, The Economist, aparece no ranking sobre qualidade de vida em 39.° lugar e em 62.° lugar no Índice de Desenvolvimento Humano, numa relação de 111 países.585 É necessário que se tenha consciência do peso da carga tributária que tem sido atribuída a todos os contribuintes brasileiros. É uma dura realidade, mas só a partir desse movimento de cidadania, poderá se cobrar do Governo e do Congresso Nacional, que haja uma redefinição das legislações tributárias. Será a partir dessa conscientização que se poderá também exigir o retorno social gerado pela carga tributária justa, para a construção do verdadeiro Estado Democrático de Direito. 585 The Economist - World News, Politics, Economics, Business & Finance. Pesquisa realizada em www.economist.com. Pesquisado em 17/06/2014. 280 281 CAPÍTULO IV - O CÓDIGO DE DEFESA DO CONTRIBUINTE - ESTATUTO DO CONTRIBUINTE Introdução Em análise da expressão Estatuto do Contribuinte denota-se um conjunto de normas que regula a relação entre o contribuinte e o ente tributante. Nesse sentido, busca-se a aplicação por um lado de normas garantistas de direitos dos contribuintes e por outro limitativa do poder de tributar, v.g., imunidades, isenções, apoiadas em princípios quer gerais quer constitucionais. É cediço que no ordenamento jurídico brasileiro, no que tange às normas garantidoras dos direitos dos contribuintes, há evidente descompasso entre o que é previsto pelo direito positivo e o que se aplica pelo poder público. A sociedade brasileira, quiça mundial, hodierna está insatisfeita com muitos excessos cometidos ao longo de décadas em desfavor do cidadão/contribuinte. Desta feita, o principal objetivo que se pretende com a aprovação de um Estatuto (Lei ordinária) que contemple os direitos e garantias dos contribuintes é o fortalecimento do princípio da segurança jurídica, bem como o equilíbrio das situações jurídicas ente o tributante e os contribuintes, com a finalidade de favorecer o melhor cumprimento das obrigações. Assim, a aprovação de um Código de Defesa do Contribuinte é considerado tema de interesse social. É necessário imprimir um comportamento ético nas relações impostas entre fisco e o contribuinte, é condição impreterível para o início da reforma tributária tão almejada pelo povo brasileiro, para a efetivação do verdadeiro Estado de Direito. 282 4.1. Aspectos relevantes O Direito é um complexo de normas que regem a conduta dos homens em sociedade, entretanto, não é estático, abriga uma realidade histórico-cultural e a partir dela deve ser modelado, sob o impacto de novas ideias, sedimetado, sobretudo, na experiência cultural da comunidade. É sabido que desde os tempos remotos os direitos individuais do homem estiveram em segundo plano, sobrepujados pelo poder do Estado. A sociedade humana surgiu e evolui no sentido de se auto preservar, compondo-se de forma organizada e vendo o indivíduo como mero componente de um todo. Em verdade, o grupo tinha importância suprema e o indivíduo era considerado apenas parte funcional de um todo. A partir daí, se estabelece o interesse da coletividade e do Estado, que por sua vez, sempre foi preponderante, e é criada a ciência do direito, a jurisprudência, com o objtivo de tutelar esses direitos. O direito nasce como instrumento de controle social, não era tão somente mutatis mutandis, a regra que deveria ser obedecida para a preservação da sociedade, primava pelo controle e pela imposição de regras que deveriam ser obedecidas por todos. Em 1215, com o advento da Magna Carta Inglesa, e depois com o surgimento das Constituições, é que o poder do Estado começa a encontrar os primeiros limites. A partir de então, começam a ser delineados os primeiros direitos individuais. Esta orientação se acentuou com os adventos respectivamente, da Constituição Americana, da Declaração dos Direitos do homem e do cidadão (Revolução Francesa) e posteriormente com a evolução do Estado de Direito. Inicia-se um perído em que passa-se a tutelar com mais rigor os direitos do indivíduo em face dos direitos do Estado. Já não era mais admitido pela norma 283 constitucional, o arbítrio. O direito deixa de servir exclusivamente ao Estado, e passa definitivamente a tutelar também o indivíduo. O Brasil não deixou de observar em seu universo jurídico o registro de todos esses momentos de criação de direitos, e num processo iniciado há décadas, busca-se a cada dia, que interesses cada vez mais específicos sejam tutelados, e em consequência há a necessidade da criação de estatutos para estes fins. Neste sentido, surge a necessidade de se criar um estatuto para tutelar os direitos do contribuinte, dado que a tributação constitui um dos terrenos mais áridos, onde as investidas do Estado são a cada dia mais lesivas e frequentes. Cumpre ressaltar, todavia, que algumas normas para a proteção do contribuinte já são realidade no ordenamento jurídico brasileiro em nível constitucional e infraconstitucional. Não constitui novidade a existência destas previsões legais, no entanto, a novidade seria, a codificação destas normas em um documento único, buscando orientar o sujeito passivo de seus direitos e garantias frente a voracidade do fisco, visando uma cidadania fiscal.586 Torna-se, portanto, imprescindível que se efetive a concretização prática e real destes direitos, cristalizados no ordenamento sob a forma de um verdadeiro estatuto, a ser rigorosamente observado. Neste sentido, o economista Kautya, há dois milênios, lecionava que a base de todo empreendimento é a finança, de sorte que ao destino do Estado se acham indelevelmente jungidas a despesa e a receita, sabendo esta provem da arrecadação realizada muitas vezes contrariando as regras e princípios que norteiam o direito tributário.587 Não há dúvida de que o tributo, na sua mais ampla acepção, constitui a maior fonte, para a satisfação das necessidades públicas, submetido, porém, à rígida 586 Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar de solenes declarações, eles sejam continuamente violados. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier Editora, 2004, p.31. 587 TELLES JR., Goffredo da Silva. Discriminação constitucional de fontes da receita. RDP 4/125, São Paulo: Editora Malheiros, 2004, p. 35. 284 disciplina do primado da legalidade e da disposição, inicialmente inserida na Carta Magna do rei João Sem Terra: no taxation without representantion, do qual o Estado Moderno não pode e não deve se afastar.588 Assim, o Estado fiscal, tão perverso, não deve, se sobrepor ao Estado legalista e justo. Importante ressaltar, que é cediço que, uma carga tributária exagerada e um sistema tributário em frangalhos, conduzem ao caos e à mais desenfreada corrupção e injustiça, fatores que alimentam, inequivocamente, a sonegação. Efeito demonstrado na Teoria da Curva de Laffer que estuda a relação entre a arrecadação e a alíquota média tributária, tendo como resultado potencial que aumentando as alíquotas além de certo ponto torna-se improdutivo, à medida que a receita também passa a diminuir. Isso ocorre devido a um desestímulo à atividade produtiva. Impõe-se, assim, o aprimoramento e a simplificação do sistema tributário, arrancar dinheiro do povo, de forma brutal, não é novidade,589 a ideia é um indivíduo aceita entregar parte de sua renda ao Estado, mas somente uma determinada parcela dessa renda. Alíquotas muito altas estimulam a sonegação e a evasão fiscal. No Brasil são cobrados impostos diretos (sobre as pessoas) e indiretos (sobre os bens), instituindo-se tributos ou contribuições extraordinárias sobre uma infinidade de coisas e situações. Tornou-se prática comum a criação ou elevação dos tributos, e seus fins desconhecidos, com a justificativa inverídica, do aspecto social, entretanto, o que se pode observar, é a ostentação do poder, ainda nos tempos atuais. Alguns fatores corroboram para fortalecer este problema, a superestrutura do poder executivo e a facilidade em legislar por meio de medidas provisórias, tornou fácil o equilíbrio orçamentário, entretanto, caótico a segurança jurídica na esfera da tributação. Basta instituir ou simplesmente aumentar a alíquota do tributo. Tal mecanismo concedeu ao o Fisco poder, e torna-o a cada dia mais temeroso. Por 588 589 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. Op. cit., p.183. MEIRA, Silvio. Sistema Tributário Romano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982, p. 47. 285 outro lado, encontra-se o contribuinte, diminuído e lesado em seus direitos e garantias constitucionalmente assegurados, tendo como única solução o ineficiente Poder Judiciário, abarrotado de processos e deficiente em sua estrutura organizacional. É a partir desta realidade que inspirou a necessidade da criação de uma norma que pudesse estabilizar as relações entre Fisco e contribuinte, assegurando um ambiente de igualdade. É necessário que se preserve os direitos voltados a favor do contribuinte, enquanto cidadão, e que se estabeleçam limites efetivos ao poder do Fisco, poder este, que deverá ser enquadrado no verdadeiro conceito da competência. É cediço que apesar da Constituição Federal de 1988 possuir vários princípios, muitos deles explícitos, em prol do contribuinte, o problema no ordenamento jurídico brasileiro recai em sua interpretação ou mesmo na operacionalização.590 O Código Tributário Nacional que foi recepcionado pela Constituição Federal não considera o contribuinte como titular de direitos, mas como simples devedor de obrigações.591 Dessarte, inconstitucionais percebe-se que administrativas não poucas tomadas vezes, pelo são poder as decisões público ou interpretação/aplicação destas que subtraem do contribuinte seus direitos e 590 A Constituição Cidadã de 1988, contém um verdadeiro padadoxo na parte tributária. O sistema tem uma dupla base: uma base autoritária - embora tecnicamente bem estruturada - e uma base democrática, ou seja, dois sistemas paralelos: o antigo e o novo - que não chegou a ser incrementado". (...) o sistema que deveria transformar a estrutura anterior autoritária acabou não acontecendo. NOGUEIRA, Alberto. Palestra proferida no Curso de Aperfeiçoamento e Especialização dos Magistrados Federais de 1.ª Instância (CAE), da Escola de Magistratura Regional Federal da 2.ª Região – EMARF. Pesquisado em http://www2.trf2.gov.br/noticias/materia.aspx?id=1236, 02/03/2010. 591 Analisando a realidade brasileira atual, a nação nunca teve e não tem até hoje efetivamente um Estatuto Tributário, mas sim um Estatuto do Fisco: No Plano Federal, temos o Decreto n.° 70.235 que unificou os antigos procedimentos administrativos de natureza do contencioso fiscal e que foi instituído pelo próprio Fisco, o que foi um grande avanço, mas tal como o Código Tributário Nacional - CTN, ele integra o Estatuto do Fisco. Em suma, o CTN não considera o contribuinte como titular de direitos, mas como devedor de obrigações. Disciplina alguns aspectos que podem propiciar a sua defesa, mas o contribuinte sempre figura na posição subalterna. Na estrutura atual do Brasil, se qualquer excesso for praticado pelo agente da administração tributária, o contribuinte só pode obter uma reparação por danos que lhe tenham sido causados, por via judicial, o que traz inevitavelmente um novo ônus, quando ele deveria ter uma reparação plena e imediata, na medida em que se detectou a ocorrência de um dano ao seu patrimônio ou a seus interesses. Idem.Ibidem. 286 garantias, em virtude da inobservância de legislações próprias, que na maioria das vezes, contrariam a Constituição Federal em vigor. O Código de Defesa do Contribuinte como instrumento normativo deve trazer limitações em relação ao Fisco, às chamadas sanções políticas, que hoje, estão entre as mais graves violações aos direitos dos contribuintes. No entanto, tal instrumento não deve apenas servir de escudo contra o poder fiscal, mas trazer dispositivos concernentes aos interesses dos contribuintes. No Brasil foram propostos vários projetos de lei que têm por objetivo a criação de dispositivos que protejam o contribuinte contra eventuais abusos e arbitrariedades do Fisco. Atualmente, tramitam no Senado Federal o Projeto de Lei Complementar n.º 646/99, de iniciativa do Senador Jorge Bornhausen, e simultaneamente, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei Complementar n.º 38/2007, de iniciativa do Deputado Federal Sandro Mabel, ambos propondo a criação de um Estatuto do Contribuinte.592 Uma vez aprovado, o Estatuto do Contribuinte, se juntaria à Constituição Federal e ao Código Tributário Nacional, o que se tornariam os três grandes pilares de proteção do cidadão-contribuinte no Brasil.593 A criação de instrumento protetivo do contribuinte não é novidade no ordenamento jurídico de vários países, que buscando consolidar o quadro dos direitos do contribuinte face àadministração fiscal, no último quarto do século que 592 O Projeto de Lei Complementar n.º 646/99 no Senado Federal, de iniciativa do Senador Jorge Bornhausen encontra-se arquivado desde 10/01/2011. O Projeto de Lei Complementar n.º 38/2007 na Câmara de Deputados, de iniciativa do Deputado Federal Sandro Mabel, foi arquivado finda a legislatura em 30/01/2011, entretanto foi feita solicitação de desarquivamento pelo Deputado Sandro Mabel em 08/02/2011, tendo sido desarquivado em 16/02/2011. 593 Com relação a implantação do Estatuto do Contribuinte no Brasil: (...) é um contraponto para se estabelecer um equilíbrio entre os interesses do Fisco - aqui entendido como representante da sociedade - e os do contribuinte. O objetivo é permitir que o contribuinte tenha o seu instrumento, algo semelhante ao Código de Defesa do Consumidor a fim de coibir eventuais ilegalidades dos agentes do Fisco, como também arbitrariedades, excessos, abusos, violências e ilícitos, passando a representar uma verdadeira proteção no plano político, jurídico e administrativo. NOGUEIRA, Alberto. Op. cit., 02/03/2010. 287 passou e no iníciodeste século XXI, introduziram normas codificadoras de direitos do contribuinte, dando o seu Estatuto.594 Insta destacar, à título de breve estudo comparado, o Estatuto do Contribuinte da Espanha, chamada Ley de Derechos y Garantias de los Contribuyentes ( Lei n.° 1, de 26 de fevereiro de 1998). Enumera a lei espanhola como direitos gerais dos contribuintes, a saber: a) Observância da capacidade econômica e dos princípios de justiça, generalidade, igualdade, progressividade, equitativa distribuição da carga tributária e proibição do confisco; b) Aplicação do sistema tributário basear-se-á nos princípios da generalidade, proporcionalidade, eficácia e limitação dos custos indiretos do cumprimento das obrigações acessória; c) Direito de informação e assistência pela Administração Fiscal; d) Direito a conhecer o estado dos procedimentos de que seja parte; e) Direito a certidões e cópias das declarações apresentadas; f) Direito de não apresentar documentados já apresentados e que estejam em poder da Administração; g) Confidencialidade; h) Respeito e consideração por parte da Administração; i) Consulta; j) Prazo máximo de decisão dos procedimentos de seis meses, salvo disposição legal distinta; k) Prazo prescricinal de 4 anos; l) Prazo de duração da fiscalização de 12 meses, prorrogável por igual período, nos casos justificados; m) Direito ao duplo grau de jurisdição.595 No ordenamento jurídico espanhol a Ley de Derechos y Garantias de los Contribuyentes que regula os direitos e garantias básicas dos contribuintes em suas relações com as Administrações tributárias, é considerada, segundo sua Exposição de Motivos, um marco de inegável transcendência no processo de reforço do princípio da segurança jurídica característico das sociedades democráticas mais avançadas, permitindo, ademais, aprofundar a ideia de equilíbrio das situações Assim é que dentre outras pode-se enumerar: Canadá – Declaration of Taxpayer Rights – 1985; Estados Unidos da América – Taxpayer Bill of Rights – 1998; Espanha – Ley de Derechos y Garantias de los Contribuyentes – 1998; Itália – Statuto del Diritti del Contribuente – 2000. TAVOLARO, Agostinho Tofoli. Estatuto do Contribuinte. Campinas, 2004. Pesquisado em http://www.tavolaroadvogados.com.br/doutrina/cs505.pdf, pesquisado em 02 de março de 2010. 595 Idem.Ibidem., 02/03/2010. 594 288 jurídicas da Administração tributária e dos contribuintes, com a finalidade de favorecer a estes o melhor cumprimento voluntário das obrigações.596 Assim, realizar-se-á análise acerca das propostas hoje existentes de normatização dos direitos do contribuinte no Brasil, o chamado Estatuto do Contribuinte, quais sejam, o Projeto de Lei Complementar n.º 646/99, do Senado Federal e o Projeto de Lei Complementar n.º 38/2007, da Câmara dos Deputados. Basicamente os projetos estruturam a Lei de Direitos e Garantias do Contribuinte em sete capítulos, a saber: das disposições preliminares, das normas fundamentais, dos direitos do contribuinte, das consultas em matéria tributária, dos deveres da administração fazendária, da defesa do contribuinte e das disposições finais. Far-se-á sugestões quanto ao alcance dos direitos que poderão ser incluídos nos projetos de criação do Estatuto do Contribuinte no Brasil, destacando os pontos positivos e os pontos lacunosos existentes nos propostas. 4.2. Analise dos Projetos n.° 646/99 e 38/2007 - Código de Defesa do Contribuinte 4.2.1. Pontos relevantes A proposta de criação do Código de Defesa do Contribuinte, por meio dos referidos projetos, abre no ordenamento juídico brasileiro, a página de uma cidadania fiscal. Neste sentido, o cidadão-contribuinte passa a ter uma relação de 596 Justificativa do Projeto de Lei Complementar n.º 646/1999. 289 igualdade jurídica com o Fisco para, mediante co-responsabilidade cívica, tratarem juntos, e com transparência democrática, da origem e da aplicação da arrecadação pública.597 Tornam-se mútuos os deveres e os direitos, nada se presume negativamente contra um ou outro, o quanto se decidir, a favor de um ou outro, será mediante expressa indicação dos fatos e motivada declinação do direito.598 Neste contexto, tais propostas implicariam, substancialmente, em uma revolução cultural na compreensão da Constituição Federal, imprimindo a este instrumento normativo, diretrizes mais sólidas e corajosas no reconhecer e tornar eficazes os direitos da cidadania.599 Insta destacar que se faz necessário se estabelecer uma releitura da Constituição Federal em face de novos fatos políticos e de novas demandas sociais, objetivando que a partir daí, sejam projetados os princípios fundamentais implícitos no texto constitucional e, destarte, seja dada solução justa sem ruptura institucional, sem cismas sociais e sem a necessidade de sucessivas e infindáveis emendas.600 É, portanto, a concretização dos mecanismos de igualdade jurídica concebidos pelo constituinte originário, que fundamentalmente, revivificam os ideais de justiça social da sociedade civil. Em outra análise, é cediço que o mundo vive hoje a era dos direitos legislados. O conceito de cidadania não se satisfaz com meras declarações de direitos. Longe está o tempo de ter o cidadão seus direitos fundamentais subordinados à discricionariedade do Estado mediante cláusulas de eficácia contida ou não-auto-aplicáveis ou apenas programáticas. Em verdade, os projetos não se limitam a revisitar os direitos e garantias fundamentais dispostos na Constituição Federal, mas, também e principalmente, 597 Idem.Ibidem. Idem.Ibidem. 599 Idem.Ibidem. 600 Idem.Ibidem. 598 290 deles extrair seus consectários necessários para, daí, condicionar a interpretação e a jurisprudência do direito tributário. Objetiva o referido Estatuto protecionista do contribuinte por fim a rixas doutrinárias e resolver as divergências de jurisprudência, harmonizando a aplicação do direito com o objetivo de conferir previsibilidade e estabilidade à relação jurídica do contribuinte em relação ao Fisco. O propósito do Código de Defesa do Contribuinte é interpretar o direito tributário brasileiro nos moldes libertários da Constituição de 1988 e da jurisprudência dela resultante, cujo objeto maior é harmonizar, sob condições de igualdade jurídica, os interesses individuais e coletivos em face do Estado. De acordo com as propostas de lei, tornar-se-á eficaz a relação do cidadãocontribuinte com o Fisco, na ordem de valores normatizados no sistema constitucional brasileiro. Nesse diapasão, põe a sociedade civil em pé de igualdade legal com os administradores estatais na busca e consecução dos grandes ideais de justiça social e redistribuição da riqueza mediante a tributação. A partir da Constituição de 1988 percebe-se que vem havendo grande fortalecimento dos direitos fundamentais; nessa perspectiva, os direitos fundamentais do contribuinte passam a ter nova relevância. Outro fator a ser observado é que reafirma-se a preocupação com a justiça fiscal, que, uma vez considerda especial emanação da ideia de justiça social, necessita de princípios positivados que a instrumentalizem. Assim esses dois vetores, os direitos fundamentais do contribuinte e a busca da justiça fiscal, passam a vincular o direito hodierno no plano nacional e no internacional.601 601 Em análise ao Projeto de Lei Complementar n.° 646/99: Considero o projeto de Lei, - comparando-o com os Estatutos de outros países -, limitado. No entanto, seria um primeiro passo importantíssimo já que é necessário que se faça uma revisão completa em todos os textos a fim de adequar a legislação tributária aos chamados direitos fundamentais de baixo para cima. NOGUEIRA, Alberto. Op. cit., 02/03/2010. 291 Pode ser ressaltado avanços obtidos pelos contribuintes nos países que colocaram em prática o Estatuto do Contribuinte, como os Estados Unidos, a Itália, a Espanha e o México.602 O Código de Defesa do Contribuinte que está sendo proposto no ordenamento jurídico brasileiro tem, portanto, como objetivo a criação da cidadania fiscal, complementando as normas constitucionais pertinentes e compatibilizando a legislação brasileira com a internacional num momento de globalização e expansão das economias nacionais. Outro importante ponto a ser analisado, é que os referidos projetos foram formulados através de Lei Complementar, o que os fará interagir com o Código Tributário Nacional e o com próprio sistema tributário do Brasil, no que concerne à sua limitação e competência. A forma como foi dada ao Código de Defesa do Contribuinte, fará um elo entre a Constituição e o operador de direito.603 Desta forma, o seu conteúdo e grau hierárquico não poderão ser contestados, grarantindo-se além do seu conteúdo a sua eficácia, ainda, sua modificação também deve se dar por quorum qualificado. Fica evidente a prposta de efetiva interação com a Constituição Federal quando trata de respaldar os princípios constitucionais, como pilares da justiça tributária. 602 Os avanços obtidos pelos contribuintes nos países que colocaram em prática o Estatuto do Contribuinte, como os Estados Unidos, a Itália, a Espanha e o México: Nesses países, o Estatuto institui regras de defesa do Contribuinte, regulamenta e disciplina a atuação do Fisco, além de estabelecer mecanismos que garantam a reparação imediata de eventuais prejuízos causados aos contribuintes, criando, inclusive, o chamado 'Advogado do Contribuinte', figura independente, com mandato e que atua em escritório dentro da própria Receita Federal, tendo poder de fazer representações, de afastar funcionários e de obrigar o Fisco a dar respostas rápidas aos contribuintes. Em suma, o Estatuto põe no mesmo plano o Contribuinte e o Fisco. Idem.Ibidem. 02/03/2010. 603 MARINS, James. Palestra proferida no VIII Simpósio de Direito Tributário do IET, tema Código de Defesa do Contribuinte, Porto Alegre, nov/2000. 292 4.2.2. Análise de alguns pontos abordados pelos projetos Algumas das disposições dos projetos ora analisados, destacam-se por afetarem de forma mais efetiva a relação do cidadão-contribuinte com Fisco e mais por demandarem o repensar de práticas consagradas no nosso direito público. A conceituação de justiça tributária, numa abordagem aos princípios constitucionais da isonomia, da capacidade contributiva, da equitativa distribuição da carga tributária, da generalidade, da progressividade e da não-confiscatoriedade, estabelece parâmetros para a validade dos tributos, tanto para a concepção do Fisco que o institua, quanto para o contribuinte que o conteste. Desta forma, fica garantida a eficácia no exame de cada caso concreto, seja no plano administrativo ou no processo judicial. Assim as normas em análise, em combinação com aquelas que dispõem sobre o processo administrativo-tributário e a fundamentação dos atos da administração fazendária, abre campo novo à relação do cidadão com o agente estatal. Importante ponto presente nos projetos, é a conceituação do termo contribuinte, que complementou o dispositivo do artigo 121, do Código Tributário Nacional. Com esta abordagem conceitual é possível se ter uma expansão do significado do termo contribuinte, albergando contribuintes de fato e de direito. É entendimento de muitos juristas, que as empresas não são contribuintes, mas meros repassadores da carga tributária aos preços do produto. Tal entendimento funda-se em mero engano, fosse assim quando a empresa vendesse um produto e não conseguisse recebê-lo, como acontece cotidianamente, ela poderia ressarcir o valor dos tributos que pagou na venda deste produto. No entanto, não há, no ordenamento jurídico brasileiro, legislação neste sentido, o que acarreta um ônus tributário a mais para a empresa que terá de suportá-lo. 293 Em trabalho denominado Contribuição do Fórum Nacional do Fisco ao Debate sobre o Código de Defesa do Contribuinte, publicado pelo Sindicato Nacional dos Fiscais (Sinafisco), de forma incisiva, este critica a expansão do conceito de contribuinte: O § 1.° altera o significado, já pacificado na legislação, jurisprudência e doutrina, do termo contribuinte, acarretando assim, de forma temerária, uma expansão do seu significado. Lembra-se que o termo contribuinte indica a pessoa, física ou jurídica, que arca com o ônus financeiro do custo dos tributos, seja pela renda, patrimônio ou consumo. Portanto, verificamos que as empresas não são na verdade contribuintes, no sentido puro dos tributos embutidos nos custos de seus produtos, seja mercadorias ou serviços, já que o contribuinte de fato é o adquirente dos mesmos. Esta ampliação do termo contribuinte, abarcando os diversos tipos de sujeição passiva tributária, somente estenderá os benefícios deste projeto de lei, provocando assim a protelação na cobrança dos tributos. O presente Código deveria defender o interesse de quem realmente arca com o ônus financeiro dos tributos, ou seja, a sociedade brasileira.604 Editada em 7 de abril de 2000, pela Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, a Lei n.º 13.515, que é chamada de Código de Defesa do Contribuinte, em âmbito estadual, também fez referência ao conceito de contribuinte, in verbis: Para efeitos do disposto neste Código, contribuinte é a pessoa física ou jurídica que a lei obriga ao cumprimento de obrigação tributária e que, independentemente de estar inscrita como tal, pratique ações que se enquadrem como fato gerador de tributos de competência do Estado. Percebe-se que o conceito de contribuinte é ainda mais ampliado, no dispositivo da lei acima citada, quando menciona que é também considerado contribuinte, aquele que, independentemente de estar inscrito como tal, pratique ações que se enquadrem como fato gerador de tributos de competência do Estado. Os projetos em análise trazem o conceito de contribuinte em sua acepção mais ampla. Nesta esteira, introduz-se dispositivo de grande alcance para a 604 http://www.afrem.org.br/codigo-defesa-cont.htm, pesquisado em 13/08/2001. 294 justificativa ético-jurídica da tributação, determinando-se que a instituição de tributos atenda ao princípio da justiça tributária. a) Do princípio da estrita legalidade O princípio da estrita legalidade também foi foco dos referidos projetos, objetivando a sedimentação da questão da incidência tributária, buscando aperfeiçoar a doutrina já existente e evidenciando todos os aspectos nucleares da materialidade da obrigação tributária. Cuida-se, portanto, evitar que sejam criados tributos que não tenham um núcleo que dê suporte, ou que se assemelhe aos já existentes. O princípio da estrita legalidade apresenta-se carregado de carga valorativa, e ideais de segurança jurídica e justiça. Na realidade tributária brasileira, não são raros os tributos que disfarçadamente tentam arrecadar do contribuinte com exação, cujo conteúdo não se assemelha a tributo ou se aperfeiçoa como tal por ausência de pressupostos de seus aspectos, materiais, temporais, espaciais e territoriais. A antecipação do prazo para recolhimemto do tributo, a alteração de condições que, de qualquer forma, onerem o contribuinte, bem como a estipulação de requisitos que modifiquem os meios ou modos operacionais de apuração do débito tributário somente poderão ser estabelecidos por lei, respeitado o princípio da anterioridade. Neste disposivo, é estabelecida competência exclusiva à lei para alteração do prazo para recolhimento de tributo em caso da antecipação de incidência do mesmo. Desta forma, cria-se vedação quanto a alteração do prazo para recolhimento do tributo por meio de decreto ou outra legislação que emane do Poder Executivo. Ainda neste sentido, pressupõe-se a estipulação expressa de todos os elementos indispensáveis à incidência, quais sejam, descrição objetiva da 295 materialidade do fato gerador, a indicação dos sujeitos do vínculo obrigacional, da base de cálculo e da alíquota, bem como dos aspectos temporal e espacial da obrigação tributária. Além da legalidade formal, a transparência, a moralidade e a economicidade ficam explícitos na relação de direito entre os sujeitos ativo e passivo da relação tributária. Outro ponto que merece destaque, é a limitação à criação de taxas no âmbito da Administração tributária. O que infelizmente, é atualmente, uma realidade comum na tributação brasileira. Muitas vezes, essas taxas estão em desconformidade com o texto constitucional, e com o próprio conceito de taxa, ora são confundidas com o tributo, ora despidas da materialidade da hipótese de incidência. Esta afirmativa se comprova nas reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal, quando julga improcedentes essas leis. A regulamentação quanto à modificação legislativa em matéria tributária, trazida nos projetos ora analisados, é outro avanço que facilita a vida do operador do direito diante do cáos jurídico-tributário que se apresenta o sistema tributário no Brasil. Fica, portanto, disposto de forma clara que as leis, regulamentos e demais normas jurídicas que modifiquem matéria tributária deverão indicar, expressamente, aquelas que estejam sendo revogadas ou alteradas, identificando, com clareza, o assunto, a alteração e o objetivo desta alteração. Cumprindo o que já preceitua o art. 9.° da Lei Complementar n.° 95/1998, que estabelece a cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas. Nesse passo, tem-se as medidas provisórias que com frequência são reeditadas, sem referência às suas alterações, e por muitas vezes, trazendo alterações à várias legislações ou conteúdo diverso do seu enunciado. Nota-se uma limitação considerável à esta prática que viola os direitos do contribuinte. 296 b) Do princípio da informação O princípio da informação também é tema abordado de forma satisfatória nos projetos de lei, assegurando aos contribuintes o pleno acesso às informações acerca das normas tributárias e à interpretação que oficialmente lhes atribua. Ora, é evidente que é obrigação do Fisco fornecer informações ao contribuinte, entretanto nos dias de hoje, isso não é parte da realidade tributária brasileira. O excesso de legislações e as suas constantes alterações impedem o seu acompanhamento, até mesmo por parte da administração fazendária, o que impossibilita ou dificulta que os agentes possam dar informações com precisão, e em razão disso torna-se impraticável o seu cumprimento pelos contribuintes. Um dos aspectos abordados que considera-se crucial à cidadania fiscal e à construção constitucional é a disposição inerente aos efeitos da decisão transitada em julgado. Cuida-se o referido disposto, em conferir estabilidade e previsibilidade à relação jurídica já consolidada entre o contribuinte e o Fisco, valor essencial à ordem jurídica. Há disposição nos projetos, a qual permite somente ao Poder Judiciário desconsideração da personalidade jurídica do contribuinte. Em verdade, a desconsideração da pessoa jurídica, disregard of legal entity doctrine, visa punir o abuso de direito e a fraude mediante o uso de personalidade jurídica. É bom salientar, que o objetivo desta disposição nos projetos analisados, é de prevenir a manipulação e o mau uso desse mecanismo de compreensão e análise dos negócios de uma pessoa jurídica pela administração fazendária como forma de coagir o contribuinte, no processo administrativo-tributário, o qual se desenvolve sem o controle e a condução isenta do terceiro imparcial, o Juiz, perante quem os pedidos de requisição de documentos hão de ser justificados e submetidos ao crivo do contraditório. 297 c) Da presunção de boa-fé do contribuinte A presunção de boa-fé do contribuinte em relação à administração fazendária e inversão do ônus da prova também são pontos relevantes que merecem destaque. É sediço que muitas notificações realizavam-se com indícios de suposição, criando uma ficção legal do crédito tributário. Não menos real, as provas ilícitas que compunham a constituição do crédito tributário, sem que houvesse condições de defesa por parte do contribuinte diante da sua fragilidade perante o Fisco. Homenageando o princípio constitucional de que ninguém será privado de seus bens e direitos sem o devido processo legal, outras disposições relevantes foram abordadas nos projetos. Uma delas assegura a proibição da interdição de estabelecimentos, a proibição de transacionar com repartições públicas, a instituição de barreiras fiscais e outros meios coercitivos para a cobrança extrajudicial de tributos. Nesse mesmo sentido, em razão de processo administrativo ou judicial, em matéria tributária, não ficará impedido o contribuinte de fruir de benefícios e incentivos fiscais ou financeiros, ou de ter acesso a linhas oficiais de crédito ou de participar de licitações. À administração fazendária fica vedada recusar, em razão de débitos tributários pendentes, autorização para o contribuinte imprimir os documentos necessários ao desempenho de suas atividades, bem como bloquear, suspender ou cancelar inscrição do contribuinte sem a observância dos princípios do contraditório e da prévia e ampla defesa. Não menos importante, a vedação à administração fazendária quanto ao uso de força policial nas diligências ao estabelecimento do contribuinte, salvo se com autorização judicial na hipótese de justo receio de resistência. 298 A admissibilidade de recurso, respeitados os requisitos de prazo, forma e competência estão assegurados ao contribuinte. No entanto, os projetos em questão, trouxeram um ampliação em relação a essa questão, vedando à legislação tributária estabelecer qualquer outra condição que limite o direito à interposição de impugnações ou recursos na esfera administrativa, e ainda, estabelecendo a inexigibilidade de fiança, caução ou aval ou qualquer outro ônus a ser exigido do contribuinte, para este fim. Positivas as referidas disposições, no sentido de que, asseguram ao contribuinte de forma efetiva, a ampla defesa e o contraditório, princípios basilares da Carta Magna. Ponto relevante dos projetos, apesar de obstaculizado pela PEC n.° 175/95 (Projeto de Emenda Constitucional) proposta pelo Deputado Mussa Demes, é a questão da condição de procedibilidade na ação penal em relação ao contribuinte, pela eventual prática de crime contra a ordem tributária, assim como a ação de quebra de sigilo, as quais somente poderá ser proposta a denúncia, após o encerramento do processo administrativo que comprove a irregularidade fiscal. Não menos representativa é a disposição acerca do prazo de fiscalização, que deverá ter o seu termo de início obrigatoriamente circunscrito, com precisão acerca de seu objeto, vinculando a administração fazendária. Devendo, ainda, constar no termo o prazo máximo para a ultimação das diligências, que não poderá exceder a 90 dias, prorrogável justificadamente uma única vez e por igual período. Ímpar esta garantia, uma vez que é fato comum no dia a dia das empresas, serem fiscalizadas por prazos, ilegais e infindáveis à vontade do Fisco, inclusive com a ausência de motivação obrigatoriamente exigida pelo ordenamento jurídico para a prática dos atos administrativos. Hodiernamente, esse abuso de poder, fundamenta-se na Portaria da SRF (Secretaria da Receita Federal) n.º 1.265/99 revogada pela Portaria da SRF n.º 3007/2001, que, além de determinar o prazo máximo de 120 dias para o encerramento dos procedimentos fiscalizatórios no âmbito federal, permite ao Fisco, a seu juízo, prorrogar uma fiscalização tantas vezes quantas necessárias. 299 Os efeitos decorrentes da consulta administrativa também foram devidamente abordados, nesse sentido, os contribuintes e as entidades que os representam poderão formular consultas à administração fazendária acerca da vigência, da interpretação e da aplicação da legislação tributária. Deverão ser observados alguns aspectos tais como, o prazo para a resposta que será de 30 dias prorrogável por igual período e principalmente quanto a seu efeito, que caso não respondido neste lapso temporal pela administração fazendária, implicará aceitação, pela administração fazendária, da interpretação e do tratamento normativo dado pelo contribuinte à hipótese objeto da consulta. No que concerne aos efeitos das consultas relativas a uma mesma matéria, fundadas em idêntica norma jurídica, terá o contribuinte direito à igualdade entre as soluções. Nos casos em que haja diversidade de tratamento administrativonormativo a hipóteses idênticas, fica permitido ao contribuinte a adoção do entendimento que lhe seja mais favorável. E, quanto à publicidadade das respostas, estas serão publicadas na íntegra no jornal oficial ou periódico que o substitua. Dentre o elenco de direitos do contribuinte assegurados nos projetos, um dos pontos em destaque, constitui-se problema frequentemente enfrentado pelos contribuintes, a exibição de documento que se encontre em poder da administração pública. Configura-se verdadeiro absurdo a exigência do Fisco para com o contribuinte, exigindo-lhe seja apresentado documento, que outrora já havia sido disponibilizado ao Fisco. Com a feliz proposta ora discutida, fica o contribuinte desobrigado de exibir documento que já se encontre em poder da administração pública. Os projetos ora analisados, dada sua natureza de lei complementar, resolvem ainda a compreensão do melhor sentido do quanto disposto nos artigos 150, inciso VI, alínea “c” e 195, § 7.°,605 da Constituição Federal de 1988, os quais 605 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 150, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI - instituir impostos sobre: 300 remetem à lei a criação das exigências e dos requisitos de fruição das imunidades tributárias nela previstas. Cuida-se, conforme a melhor leitura para a eficácia substantiva da Constituição, de lei complementar, nunca de lei ordinária, porquanto, sabidamente, é da lei complementar a competência para regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (artigo 146, II, da Constituição Federal de 1988).606 Desta feita, encerra-se uma antiga rixa doutrinária pelo Congrasso Nacional em virtude da relevância social e política dos partidos políticos e suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos. O mandamento da lei complementar explicitado nos projetos é exatamente aquele acolhido pelo Supremo Tribunal Federal, em processo no qual aquela Corte confirmou medida liminar antes deferida pelo Ministro Marco Aurélio, sustando os efeitos de lei ordinária que pretendera atuar no campo do artigo 146, inciso II, da Constituição Federal brasileira de 1988. 4.2.3. Pontos Negativos Muito ainda se discute sobre a necessidade, conveniência e efeitos da aprovação do Estatuto do Contribuinte no Brasil. Não há um consenso na esfera política, nem tão pouco esta pacificada entre os juristas. c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: § 7.° - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. 606 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 146, cabe à lei complementar: II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; 301 A divergência de opiniões decorre principalmente das diferentes análises sobre os efeitos que o Estatuto do Contribuinte traria à realidade fiscal brasileira, enquanto alguns defendem a ideia de que o Estatuto viria para eliminar abusos da atividade fiscal e adequá-la à realidade do Estado Democrático de Direito, outros firmam posição argumentando que a adoção do referido diploma beneficiaria tão somente os sonegadores de impostos e dificultaria a atividade do Fisco. Na esfera jurídica o maior questionamento está na necessidade de positivação do Estatuto, pois os preceitos constitucionais bastariam para tutelar os direitos do contribuinte, não se justificando outra norma para regular dispositivos já existestes no texto constitucional brasileiro. O grau de estabilidade jurídica de um país tem reflexos determinantes no estímulo ou desestímulo de investimentos externos. Assim, é de suma importância a positivação de garantias ao contribuinte, bem como a fixação de condutas a serem observadas pelo Estado de forma a realizar as garantias e direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição. É cediço que as normas constituicionais detêm alto grau de abstração e generalidade, visam tão somente fornecer um contorno, um limite para o ordenamento jurídico. Desta forma, torna-se fértil as possibilidades de interpretação, e necessária a concretização dos valores constitucionais conforme os interesses e bens jurídicos tutelados em nossa sociedade. A Constituição Federal positivou muitos valores, todavia, ainda tem-se enfrentado grandes dificuldades com a falta de entendimento do conteúdo dos princípios constitucionais de proteção aos contribuintes. A polêmica continua, e uma vez que o Código de Defesa do Contribuinte é ordenamento jurídico, considera-se ainda, que este deveria contemplar todos os direitos disponíveis em defesa do contribuinte. No entanto, alguns doutrinadores questionam não terem sido abordados muitos pontos relevantes, ou ainda, se abordados, o foram de forma incompleta ou ainda inconcisa. 302 4.2.3.1. Pontos Questionáveis a) Da proteção ao princípio da anterioridade Nos projetos em análise, objetivando a garantia do princípio da anterioridade, almeja-se por fim a uma prática quase comum da Administração Tributária, a alteração de lei para instituir ou aumentar tributo no último dia do ano. Com efeito, considera-se completamente equivocado esta disposição, pois o princípio da anterioridade objetiva ratificar o sobreprincípio da segurança jurídica, evitando-se que o contribuinte se veja diante de inesperada cobrança tributária. Na esteira da segurança das relações jurídicas entre a Administração e os administrados, alcança-se o valor elevado da certeza,607 e o que se enfatiza é a proteção do contribuinte contra a surpresa de alterações tributárias.608 Nesse passo, objetiva-se que o contribuinte possa calcular o impacto tributário e os custo que terão seus produtos a fim de reformular toda a sua estrutura comercial. O Poder Público utiliza-se do mecanismo de instituir o tributo no dia 31 de dezembro, e tão logo exigi-lo no dia 1.° de janeiro seguinte, violando o princípio da não surpresa. Ora, o princípio da anterioridade tributária é idealizado da aspiração dos povos de conhecerem com razoável antecedência o teor e o quantum dos tributos a que estariam sujeitos no futuro imediato, de modo a poderem planejar as suas atividades levando em conta os referenciais legais.609 Insta destacar, que melhor redação traz a PEC n.º 175, que limita a instituição de tributo no prazo de 90 dias após a publicação da lei, independentemente do princípio da anterioridade. Parece ser esta uma prática menos 607 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., pp. 148-9. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. Op. cit., p. 123. 609 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Op. cit., p. 226. 608 303 penosa ao contribuinte, pois mesmo que o Fisco instituísse tributo dia 31 de dezembro, este teria efeito somente a partir de 1.° de abril, suavizando o efeito surpresa e o impacto do aumento da carga tributária ao contribuinte. b) Do fornecimento de Ceridão Negativa de Débito (CND) Outro ponto que não ficou claro nas propostas de lei, é quanto ao fornecimento de Certidão Negativa de Débito (CND). Apesar de ter sido mencionado em mais de um dispositivo, faltou esclarecimento quanto a forma do contribuinte obtê-la, e ainda quais os impedimentos que poderiam acarretar a inviabilidade de emissão da certidão. Nota-se que a redação de um dos dispositivos, não é adequada, dando a entender que o contribuinte não precisaria estar em dia com as obrigações tributárias. Ora, é certo que não cabe ao contribuinte levar provas ao Fisco que comprovem a sua regularidade fiscal, pois cabe à Administração Pública o controle de sua arrecadação. Não cabe ao contribuinte, cada vez que desejar uma Certidão Negativa de Débito, dirigir-se ao órgão arrecadador com uma pilha de documentos, como ocorre atualmente. Esta prática selaria a tese constitutivista do crédito tributário. Outro aspecto inadequado, está relacionado com o prazo para fornecimento da Certidão Negativa de Débito. A atual legislação brasileira estabelece à Administração Tributária o prazo de dez dias para fornecimento da certidão, enquanto que nos dispositivos das propostas em análise, este prazo é de 30 dias. Total absurdo em se tratando um Código de Defesa do Contribuinte, uma vez que é práxis a exigência deste documentos para inúmeros fins, tais, como concorrências públicas, tomar empréstimos, enfim, os atos negociais dificilmente se apresentam de forma tão prévia, que se possa aguardar trinta dias até se consumarem. Ao contrário, vive-se num mundo globalizado, e os atos são constantes e instantâneos. Desta forma, entende-se que para resguardar os direitos do contribuinte acerca da obtenção da Certidão Negativa de Débito (CND), todas as informações 304 necessárias deveriam estar concentradas e contempladas em um único dispositivo de lei, dentre estas informações destacam-se: a inexigibilidade de documentos que comprovem a sua regularidade fiscal; a sua concessão independentemente da situação fiscal de seu representante legal ou empresas onde participe como sócio, a inexigibilidade de quaisquer garantias, mesmo quando parcelado o débito, a concessão independente da causa extintiva ou de sua inexigibilidade e o prazo máximo de dez dias para sua concessão. Considera-se fator de maior relevância que as condições para obtenção da Certidão Negativa de Débito, é a sua finalidade. Hodiernamente, este documento é exigido para quase todos os atos negociais da pessoa jurídica, o que causa, na maioria das vezes, um verdadeiro cerceamento do direito da livre iniciativa, assegurado pelo artigo 170, da Carta Magna. Neste sentido, o que se deveria restringir, de certa forma, é o uso deste documento. Sua exigência deveria limitar-se à transferência de bens imóveis, incluindo-se a homologação de inventários e arrolamentos de bens. Justifica-se a limitação apenas para a transferência de bens imóveis e homologação de inventários e arrolamentos em razão de que em tais procedimentos há a mudança de titularidade dos bens imóveis, e torna-se necessária a comprovação de que o imóvel está livre de quais quer ônus que possam recair sobre o direito de propriedade. Assim, nota-se que quaisquer outras exigências para apresentação da Certidão Negativa de Débito configura sanção política, ou seja, forma indireta de cobrar o crédito tributário. O objetivo maior na criação de um Estatuto, como nos projetos citados, sem dúvida, é que sejam impostas normas voltadas aos interesses, nestes casos específicos, dos contribuintes, levando-se em consideração a lógica jurídica e a boa relação entre administrando e administrado. Mais uma vez, percebe-se que na redação de alguns dispostivos dos mencionados projetos, este propósito não é considerado. É cediço que, a doutrina e a jurisprudência brasileiras, têm repelido esta prática, pois considera-se haver um 305 desencontro com o nascimento da obrigação tributária, principalmente em relação ao fato gerador do tributo. Em razão disto, tem-se aceitado a presunção fiscal, em casos extremos, quando não há nenhum elemento capaz de identificar o fato gerador. Em se tratando de espécie de presunção fiscal, cujo caráter maior é de antecipação, está a substituição tributária, devidamente constitucionalizada através da Emenda Constitucional n.° 03/93, que alterou o artigo 150, fazendo constar no § 7.°,610 ressalvado o contido no parágrafo único, com relação ao direito do contribuinte em reaver a presunção praticada. Alvo de muitas críticas pela doutrina brasileira, tem sido a Emenda Constitucional n.° 03/93, pelo fato de não coadunar com a ideia de presunção. É sempre bom reafirmar-se que o princípio da segurança jurídica está ligado com os direitos individuais e suas garantias. É, assim, cláusula pétrea e, nessa medida, não poderia ter sido amesquinhado por emenda constitucional (artigo 60, § 4.°, da Constituição Federal de 1988).611 Os ordenamentos civil, comercial e administrativo aceitam as presunções e ficções, no entanto, a Constituição Federal de 1988 veda que isso seja realizado presunções e ficções matéria penal e tributária,612 decorrente do princípio da estrita legalidade.613O Poder Judiciário também tem se posicionado de forma contrária à prática da substituição tributária e, portanto, da presunção fiscal.614 610 Constituição Federal brasileira de 1988, art. 150, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. 611 Estou disposto a aceitar tributação de fato futuro, como se prevê nessa Emenda Constitucional. Estou disposto a aceitar que um fato que ainda não aconteceu possa ser um fato gerador de obrigação tributária. Posso aceitar isso, estou disposto, no instante em que também se emende a Constituição para dizer que nós poderemos, cidadãos, ser punidos por crimes que ainda não cometemos. ATALIBA, Geraldo. Palestra realizada no VII Congresso Brasileiro de Direito Tributário, São Paulo de 15 a 17 de setembro de 1993. Publicada em portal.cjf.jus.br/...congresso-brasileiro-de-direito-tributario. Pesquisado em 17/06/2014. 612 Em nenhum momento a Constituição abre espaço à criação de tributo sobre fato presumido. Reporta-se, tão somente, a fatos concretamente realizados, até para dar efetividade, no campo tributário, ao magno princípio da segurança jurídica. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. Op. cit., p. 278. 613 A afirmação acima citada, reafirma a posição deste jurista em repudiar a presunção tributária e penal, e em suas obras assim já havia se pronunciado: (...) se, de um modo geral, as leis civis, comerciais, 306 Entende-se que seria acertado a inexistência de presunção fiscal, principalmente para constituir tributo em matéria tributária. Desta forma, o disposivo ora inserido nos projetos analisados, ao invés de moldar a prática de utilização de técnicas presuntivas, deveria expressamente inibí-las. Outro ponto encontrado nos projetos, quando mencionam a pauta fiscal, tanto os tribunais615 quanto a doutrina616 rechaçam seu uso, nada mais é que respaldo administrativas, podem prementemente estabelecer presunções e ficções, a Constituição veda que isso seja feito em matéria penal e tributária (nullum crimen, nullum tributum sine lege). Isto integra o artigo 5.° e está protegido pelo § 4.°, do artigo 60. Além do mais, o §1.°, do artigo 145 – mero desdobramento do artigo 5.°, I, e por isso expletivo – refere-se a capacidade econômica, como critério de tratamento igual dos contribuintes. Ora, essa capacidade econômica, atribuível a cada contribuinte, em cada caso, revela-se e realiza-se pela exigência de que todo fato tributável tenha conteúdo econômico mensurável. Ora, esse conteúdo há de ser real, efetivo, comprovado, concreto. Não pode ser presumido. Não pode resultar de ficção, do mesmo modo que não pode punir alguém por crime não cometido. Não se tributa por fato provável, plausível, possível. Somente o fato ocorrido, consumado. ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. Revista de Direito Tributário, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 10, n.° 35, 1997, p. 162. 614 Para que seja regular a substituição tributária é necessário que já exista o substituído, daí por que a vinculação só pode se dirigir para o futuro, para as operações subsequentes. Se por mais não fosse seria até mesmo por uma imperiosidade lógica, visto que um contribuinte só poderá ser substituir um outro se já estiver configurado como tal numa operação considerada. Min. César Asfor Rocha. STJ, Resp. 37.361-1-SP, DJU 23.5.94. 615 Também o Superior Tribunal de Justiça, tem reiteradamente, se manifestado de forma contrária à prática da pauta fiscal: 1 - Está consolidado na jurisprudência da 1.ª Seção, deste Superior Tribunal de Justiça, que é impossível, segundo as regras do ordenamento jurídico tributário, prestigiar-se a cobrança de ICMS com base no valor da mercadoria apurado em pauta fiscal. 2 - Não merece guarida o argumento da agravante de que o teor do artigo 148, do CTN, confere legalidade ao arbitramento da base de cálculo do ICMS, eis que, in casu, não se discutiu, em momento algum, a idoneidade dos documentos e a veracidade das declarações prestadas pelo contribuinte. 3 - O artigo 148, do CTN, somente pode ser invocado para estabelecimento de bases de cálculo, que levam ao cálculo do tributo devido, quando a ocorrência dos fatos geradores é comprovada, mas o valor ou preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos registrados pelo contribuinte não mereçam fé, ficando a Fazenda pública autorizada a arbitrar o preço, dentro de processo regular. Invocação desse dispositivo somente é cabível, como magistralmente comenta Aliomar Baleeiro, quando o sujeito passivo for omisso, reticente ou mendaz em relação a valor ou preço de bens, direitos, serviços: (...) Do mesmo modo, ao prestar informações, o terceiro, por displicência, comodismo, conluio, desejo de não desgostar do contribuinte, etc., às vezes deserta da verdade ou da exatidão. esses casos, a autoridade está autorizada legitimamente a abandonar os dados da declaração, sejam do primeiro, sejam do segundo e arbitrar o valor ou preço, louvando-se em elementos idôneos de que dispuser, dentro do razoável. (Misabel Abreu Machado Derzi, in Comentários ao Código Tributário Nacional, 1998). AGRESP 119337/MG 16/08/99 Rel. Min. Jose Delgado. 1. Constitui ilegalidade a cobrança do ICM baseada em Pauta Fiscal, com manifesto desprezo do critério natural do valor da operação (Decreto-Lei n.° 406/68, artigo 68) A pré-determinação de valores nas pautas pode causar vedada majoração de tributo (artigo 97, § 10, CTN). RESP 199524/SP 08/03/2000 Rel. Min. Milton Luiz Pereira. 1. Legitimidade passiva do Secretario da Fazenda, a quem tocou a elaboração da pauta fiscal, para responder pelo writ que questiona a legalidade dos valores fixados, considerando preços acima dos reais. 2. Reiterado entendimento do STJ, quanto à ilegalidade da utilização via pauta fiscal - REsp n.° 33.808/SP. REsp n.° 33.808/SP. 616 A ideia de utilização da pauta fiscal nem podia mesmo ser diferente, porque a utilização de pauta como presunção legal absoluta, ou como ficção legal, é absolutamente inadmissível em face do dispositivo constitucional que, ao conceder competência aos Estados, reporta-se a imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, e a prestação de serviços de transporte interestadual ou intermunicipal e de comunicação. Havendo assim, especificação desse âmbito do imposto, não se pode admitir a ficção legal, 307 à prática da presunção fiscal pela administração fazendária. É cediço que a pauta fiscal é visivelmente uma prática presuntiva já repelida pelo Supremo Tribunal Federal, que vedou a sua prática, pois fere o núcleo do fato gerador.617 Importante ressaltar, a necessidade de isolar esta prática na esfera tributária brasileira, que vicia a constituição do crédito tributário e viola direitos e garantias do contribuinte. As propostas de lei analisadas dispõem em relação à situações, em que a administração tributária não pode agir em detrimento dos direitos do contribuinte. Entretanto, há um ponto omisso no dispositivo, quando não elencou um dos pontos mais comuns nas relações Fisco versus contribuinte, a questão da transferência societária. Portanto, conforme norma em vigor, havendo débito fiscal o contribuinte não pode efetuar alteração no seu quadro societário. Configura-se mais uma das conhecidas sanções políticas, ou seja, via indireta para a cobrança do crédito tributário.618 O Supremo Tribunal Federal sumulou sua jurisprudência também no sentido de serem inconstitucionais as sanções políticas, Súmula n.º 70,619 Súmula n.º 323620 e Súmula n.º 547.621 nem a presunção legal absoluta, pois isto significaria dar condições ao legislador para violar a norma atributiva de competência tributária, definindo como base de cálculo do ICMS valores inteiramente divorciados do valor da operação e da prestação tributável. MACHADO, Hugo de Brito. Aspectos Fundamentais do ICMS. São Paulo: Editora Dialética, 1997, p. 92. 617 Não pode ser licito ao legislador estadual inovar quanto a esse aspecto (artigo 18, § 1.°, da E.C. n.° 1, de 1969). A predeterminação de valor para as operações pode contrariar essa disposição, implicando, por outro lado, em majoração do imposto (artigo 97, § 1.°, do CTN). Aplicação do artigo 148, do CTN. A pauta fiscal só se legitima quando em processo regular, não ficar demonstrado o valor real da operação de que decorrer a saída da mercadoria reconhecido e provido. Supremo Tribunal Federal. RE 78577/SP 13/12/74 Rel. Cordeiro Guerra. 618 Sanções políticas são restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de fiscalização, entre outras. Qualquer que seja a restrição que implique cerceamento da liberdade de exercer atividade lícita é inconstitucional, porque contraria o disposto nos artigos 5.°, inciso XIII e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do País. MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. Op. cit., p. 48. 619 Súmula n.º 70 do Supremo Tribunal Federal: “é inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.” http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_001_100, pesquisado em 17/06/2014. 620 Súmula n.º 323 do Supremo Tribunal Federal: “é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributo.” 308 Nesse diapasão, torna-se necessário a inclusão no dipositivo ora analisado, de normativa que proíba a prática da sanção política como forma de penalizar o contribuinte. Se faz necessário destacar outro ponto mencionado nos projetos, trata-se da proibição de inscrição do devedor à qualquer cadastro ou órgão que sirva de base para operações comerciais do contribuinte, a exemplo do que hoje ocorre no Brasil com o Cadin.622 Tal prática caracteriza-se como mais um nítido exemplo de sanção política, uma vez que, tem restringido a captação de recursos financeiros em instituições financeiras oficiais, entre outros entraves burocráticos que se pode citar. O Cadin teve origem quando da criação pelos comerciantes de uma entidade chamada Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), nele ficam registrados os nomes das pessoas (físicas e jurídicas) que não pagaram suas dívidas, já que os instrumentos normais de cobrança não são suficientemente rápidos ou eficazes para atender suas necessidades. A partir daí inspirado no SPC, o Estado institui o Cadastro de Informativo dos Créditos de Órgãos e Entidades Federais Não Quitados - Cadin, com o intuito de resguardar sua atividade de concessão de crédito praticada pelas instituições financeiras oficiais. Criado pelo Poder Executivo da União pelo Decreto n.º 1.006/93, revogado pelo Decreto n.º 5.913/2006, o Cadin tem como objeto o cadastro informativo dos devedores de obrigações pecuniárias vencidas e não extintas pelo pagamento, ou outra modalidade de liquidação de crédito. Ocorre que, o legislador, durante a trajetória de regulamentação do Cadin, decidiu, através de Medidas Provisórias, outras finalidades que não fosse a proteção ao crédito. Essa alteração introduziu http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_001_100, pesquisado em 14/06/2014. 621 Súmula n.º 547 do Supremo Tribunal Federal: “não é licito a autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.” http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_001_100, pesquisado em 14/06/2014. 622 CADIN, cadastro informativo de créditos não quitados do setor público federal, é um banco de dados que contém os nomes das pessoas físicas e jurídicas que sejam responsáveis por dívidas vencidas e não pagas a órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta ou indireta; que estejam com a inscrição do CPF (Cadastro de Pessoas Físicas) suspensa ou cancelada; ou sejam decalradas ineptas perante o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CGC/CNPJ. Pesquisado em http://www.bacen.gov.br, pesquisado em 09/03/2010. 309 instrumento de garantia do crédito tributário, através de cadastro dos inadimplentes de tributos e contribuições federais. Isso serviria como meio de coagir o devedor a saldar o seu debito tributário, gerando, como consequência, restrições aos direitos dos cidadãos, à livre iniciativa e ao livre exercício da atividade econômica.623 No entanto, a Medida Provisória n.º 1.442, de 10 de maio de 1996, originada da Medida Provisória n.º 1.110 de 30 de agosto de 1995, que dispôs sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais, foi sucessivamente reeditada, sob diversos números, sendo que, a partir de dezembro de 1996, fixou-se o n.° 1.542, seguido do número correspondente à reedição. Em outubro de 1997 já se estava na vigésima oitava reedição. Desta feita, contra tal medida provisória foi ajuizada pelo Supremo Tribunal Federal a ADIN n.° 1.454-4. O Supremo Tribunal Federal, em sede de liminar, por maioria de votos, na sessão plenária realizada em 19 de junho de 1996, suspendeu a eficácia do artigo 7.° e seus parágrafos, que dispõe que a existência de registro no Cadin há mais de trinta dias constitui fator impeditivo para a celebração de qualquer dos atos previstos no artigo 6.°, quais sejam, realização de operações de crédito que envolvam a utilização de recursos públicos, concessão de incentivos fiscais e financeiros, celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso de recursos públicos. Em 20.06.2007, a ADIN foi julgada prejudicada pela Ministra Helen Gracie, em razão da derrogação da Medida Provisória n.º 1.490/96, pela Lei n.º 10.522, de 19 de julho de 2002. Registre-se, entretanto, que anteriormente, o Supremo Tribunal Federal já havia se pronunciado sobre a matéria, mas apenas em sede de liminar, nos autos da ADIN n.° 1.178-2, que combatia o Decreto Federal n.° 1.006, de 09/12/1993. A decisão monocrática do Min. Marco Aurélio, que suspendia a eficácia de todo o Decreto, foi referendada em parte pelo Plenário, em fevereiro de 1995, que limitou a suspensão aos arts 4.°, 5.°, 6.° e 7.°, da referida medida provisória. 623 BORGES, José Cassiano; AMÉRICO, Maria Lúcia dos Reis. Funções do CADIN e seus Reflexos sobre a Livre iniciativa. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.° 42, mar./1999. 310 Nota-se, portanto, que permanece a lacuna criada por meio das medidas provisórias possibilitando a aplicação de sanções políticas contra os contribuintes. c) Dos processos administrativos perante à Aministração Fazendária Outro ponto que não pode passar despercebido nos dispositivos dos referidos projetos de lei, é o que se refere aos processos administrativos perante à administração fazendária. Sabe-se que dentre os princípios que regem o processo administrativo destaca-se o princípio da informalidade. A defesa em processo administrativo exercida pelo contribuinte é desprovida de formalidades, as quais são características presentes no processo judicial. Entretanto, há disposições nos projetos ora analisados, as quais causam certa confusão, quiçá contradição, em relação aos procedimentos no processo administrativo. No que se refere aos critérios a serem adotados nos processos administrativos perante a administração fazendária, destacam-se dois, totalmente contraditórios, o que cria uma enorme lacuna na interpretação e aplicação dos dispositivos. Enquanto num dos incisos menciona-se a observância das formalidades necessárias, essenciais à garantia dos direitos dos contribuintes, noutro destaca-se a adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos contribuintes. Percebe-se que o primeiro, caso fosse suprimido, pouco interferiria nas garantias e direitos do contribuinte evitandose confusões futuras. Ainda, neste sentido outra disposição infeliz, trata da obrigatoriedade da inscrição do crédito tributário na dívida ativa no prazo de até 30 dias contados de sua constituição definitiva, sob pena de responsabilidade funcional pela omissão. Há explícita confusão neste artigo, os projetos em análise visam a defesa do 311 contribuinte, e tal disposição parece estar inserida como um preocupação do credor e não do devedor. Importante para o contribuinte seria a definição do prazo decadencial e prescricional em relação à matéria tributária ora discutida. 4.2.3.2. Pontos Ausentes a) Da prescrição e da decadência Um questão extremamente debatida e controvertida aplicada ao sistema tributário e que não foi abordada nos projetos, é a prescrição e decadência. 624 Faz-se necessário, a inclusão de dispositivo que fixe expressamente o inicio e o término do prazo decadencial e prescricional, como forma de garantir os direitos do contribuinte.625 Tais institutos estão intimamamente realacionados à segurança jurídica e à garantia da ordem social, tanto em relaão aos direitos individuais ou coletivos e geram efeitos extintivos. Em análise pela melhor doutrina, o prazo prescricional deve ser fixado em cinco anos, contados da data do fato gerador; mesmo período seria fixado no caso da decadência, que teria início na data de ciência ao contribuinte da constituição do crédito tributário, seguindo-se enunciado artigo 156, V,626 do Código Tributário Nacional. O prazo de cinco anos, tanto para a prescrição como para a decadência, 624 O verdadeiro fundamento da decadência é a paz social, a estabilidade das relações jurídicas e a própria segurança jurídica, uma vez que as coisas não podem arrastar-se indefinidamente. Em regra geral, a decadência (do latim cadeus, de cadere, na acepção de “perecer, cair ou cessar”) é uma forma extintiva de direito subjetivo (do sujeito ativo), constante numa relação jurídica de direito material, substantivo ou substancial. SABBAG, Eduardo. Op. cit., pp. 719-20. 625 Decadência e prescrição não são formas de se fazer justiça. São formas concretas que o direito encontrou para conviver com esse deus tão poderoso: o tempo. SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário – aspectos teóricos e práticos e análise das decisões do STJ. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.° 62, nov. 2002, p. 36. 626 Código Tributário Nacional, art. 156, extinguem o crédito tributário: V- a prescrição e a decadência. 312 seria em respeito aos artigos 173 e 174 do CTN, que estabeleceu esse lapso temporal. Em decisão aos Embargos de Divergência no Recurso Especial n.º 146.213/SP, no qual figurou como relator o Ministro José Delgado, e em recurso que foi movido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o Superior Tribunal de Justiça definiu a questão relativa à decadência do direito de o Fisco poder lançar tributo. Até então, configurava-se como entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que o Fisco tinha o prazo de até dez anos para poder realizar a constituição de um tributo, por meio do seu lançamento tributário e para os tributos cujo lançamento se verificava pelo regime de homologação, entendendo-se que o lançamento fiscal que atende ao regime da homologação é aquele por meio do qual o contribuinte realiza o recolhimento do imposto na forma que entende correta, cabendo ao Fisco considerá-la adequada e, a posteriori, homologando o lançamento. Neste sentido, o Código Tributário Nacional, em disposição do artigo 150, estabelece o que se deve entender por lançamento tributário feito por homologação, é aquele o qual se verifica quanto aos tributos cuja legislação dispõe caber ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento respectivo e sem que a autoridade administrativa realize seu exame. Estabelece ainda, no parágrafo 4.°, que se a legislação não dispuser sobre o prazo de homologação, ele deverá ser de cinco anos contados da data da ocorrência do respectivo fato gerador. E, passado esse prazo sem que o Fisco tenha se pronunciado a respeito, será considerado homologado o lançamento tributário, extinguindo-se o crédito, sem que o Fisco possa exigí-lo posteriormente, exceto quando comprovada a ocorrência de fraude, simulação ou dolo. A Lei n.° 5.172, de 25.10.1996, Código Tributário Nacional, que é considerada legislação complementar à Constituição Federal de 1988, estabelece em seus artigos 173 e 174 os prazos relativos à decadência e à prescrição tributária. 313 O Código Tributário Nacional, no artigo 173, incisos I e II, dispõe que o direito de o Fisco constituir o crédito tributário extingue-se após decorridos cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que poderia ter sido feito o lançamento, ou, conforme o caso, da data na qual tenha transitado em julgado a decisão a qual haja anulado o lançamento anteriormente feito e em razão da ocorrência de vicio formal. Tal matéria diz respeito à decadência tributária. O artigo 174, do Código Tributário Nacional, versa sobre matéria inerente à prescrição tributária, ou seja, estabele o prazo que o Fisco tem para exigir e para cobrar o tributo constituído em definitivo, anteriormente, e ainda, os meios legais e cabíveis para este fim. Na esfera jurídica tributária no Brasil, sabe-se que o Imposto de Renda de Pessoa Física ou Jurídica (IRPF ou IRPJ), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSSL), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), assim como as contribuições para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), são tributos que estão sujeitos aos lançamentos por homologação. Neste sentido o Fisco dispunha de prazo de dez anos para analisar os fatos e, eventualmente realizar a exigência tributária caso considerasse indevido o lançamento, de acordo com entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, anterior à decisão do citado tribunal nos Embargos de Divergência no Recurso Especial n.° 146.213/SP. Desta forma, considera-se que os contribuintes foram beneficiados com a mudança de orientação sobre a matéria atribuída pelo Superior Tribunal de Justiça, uma vez que o Fisco passa a ficar obstado de realizar o lançamento de tributo após decorridos cinco anos, conforme disposição do artigo 173, incisos I e II, do Código Tributário Nacional. 314 b) Da fiscalização No Brasil, outro grande problema hoje encontrado pelos contribuintes é como saber lidar com a fiscalização. Por vezes, não é raro encontrar fiscais, que no gozo de sua função, adentram as empresas de forma arbitrária, criando barreiras ao contribuinte no exercício de suas atividades laborais, vasculhando todo o estabelecimento sem nenhum respeito e urbanidade, para somente depois anunciarem o que realmente desejam fiscalizar. Não se pode negar que esta prática é abusiva e viola os direitos e garantias do contribuinte no exercício de suas atividades como cidadão e empresário. Visando que se possa cessar com esta prática causadora de tamanho constrangimento, considera-se correta a apresentação do termo de início de fiscalização, no qual contivesse a data de retorno para a fiscalização, nunca inferior a cinco dias, tempo suficiente para o contribuinte levantar a documentação ora requerida para a averiguação fiscal. Desta forma, estaria garantido aos contribuintes terem conhecimento antecipado de que seriam fiscalizados, podendo assim preparar um espaço físico para tal evento e disponibilizando pessoas para o acompanhamento da fiscalização, evitando-se todos os efeitos do elemento surpresa que de uma forma ou de outra acarretam uma descontinuidade dos seus negócios, ainda que temporária. Nas propostas dos Projetos de Lei Complementar n.º 646, de 1999 e n.º 38, de 2007, existem previsão quanto ao termo de início da fiscalização, que deverá obrigatoriamente circunscrever precisamente seu objeto, vinculando a administração fazendária. Há ainda previsão do prazo máximo para a ultimação das diligências, que não poderá exceder a 90 dias, prorrogável justificadamente uma única vez e por igual período. Ficam omissas, entretanto, informações importantes que garantiariam direitos do contribuintes, tais como a de que nenhuma fiscalização poderá ser realizada sem a apresentação do termo de início de fiscalização, o qual deverá ser 315 apresentado ao contribuinte e nele conterá os documentos e procedimentos necessários à fiscalização que será procedida nunca antes de cinco dias da data de seu conhecimento. Excepcionado desta regra a fiscalização aduaneira e a de mercadorias em trânsito. Nota-se que seria importante a inserção destes pontos acima mencionadas no dispositivo em análise, tais informações se justificam como forma de o contribuinte se cercar de providências quanto aos documentos e procedimentos necessários à fiscalização, o que lhe propiciaria uma prévia organização para este procedimento. c) Do ônus de sucumbência Observa-se que outro ponto omisso dos projetos está relacionado com o ônus da sucumbência. Não raras vezes, a administração tributária constitui de forma equivocada o crédito tributário. Necessário se faz então, que o contribuinte providencie sua defesa, o que na maioria das vezes, lhe é imputada a necessidade de contratar profissional especializado, o que lhe gera muitos gastos. Em razão disto, seria mais justo que o Estado arcasse com as despesas da sucumbência, nos casos em que fosse perdedor em processo administrativo. Neste sentido, seria necessário a alteração no dispositivo dos projetos, incluindo além da instância judicial também a instância administrativa, quando dispõe que sem prejuízo dos ônus da sucumbência, o contribuinte será reembolsado do custo das fianças e outras garantias da instância judicial, para a suspensão do crédito tributário, quando este for julgado improcedente. O crédito tributário seria a forma de pagamento desta sucumbência, passível de compensação com o débito vincendo e teria como base de cálculo um percentual sobre o valor da demanda. 316 Talvez com esta disposição legal, a administração fazendária fosse mais criteriosa na hora de proceder à constituição de seu crédito em relação ao contribuinte, pois como dito anteriormente, não é raro que a administração fazendária atue de forma excessiva na fiscalização e equivocada na constituição do crédito tributario, colocando o contribuinte em situação de fragilidade. d) Do crédito tributário Ainda em análise aos pontos omissos dos projetos, insta mencionar ponto importante à garantia desses direitos, que está relacionado com o crédito tributário do contribuinte. No afã de buscar recursos para fazer frente a seus gastos a Administração Tributária tem imposto ao contribuinte uma carga tributária cada vez maior, criando novos tributos em sua maioria ilegais ou inconstitucionais. Na realidade jurídica brasileira, os entraves jurídicos avolumam os tribunais e hoje representam grande percentual do movimento de processos no Poder Judiciário. O que se constata, é que o resultado desta prática são créditos tributários a favor do contribuinte em virtude dos pagamentos que realizou, enquanto vigorava a cobrança de tributo julgado ilegal ou inconstitucional. Assim, resta ao contribuinte se valer do indébito ou ainda da prática mais utilizada, a compensação, que pode ser viabilizada por meio de mandado de segurança, hoje admitido pelos tribunais, e que é a forma mais ágil de recuperar o crédito. Todo este procedimento implica na devolução dos valores pagos, nos mesmo moldes do aplicado pela administração fazendária como disposto nos projetos. Trata-se, portanto, de crédito tributário que é pagamento de valor devido pelo Estado, independente da forma como é realizado, se em espécie (via precatório) ou compensação como devido. Por esta razão é de se estranhar a redação 317 de dispositivo do projeto, que reconhece os juros somente da data da decisão que reconheceu o crédito. Ora não há dúvida, de que dois dos dispositivos dos projetos são dicotômicos, fugindo da interpretação mais apurada, provocando uma antinomia na norma dos direitos do contribuinte. É cediço que os tribunais tem entendido que, no caso de compensação, a aplicação dos juros é da data da condenação, mas a doutrina é unânime em respeitar os direito de equidade. Afinal de contas, o Fisco cobra o seu crédito da data em que o pagamento deveria ter ocorrido. Nesse passo, o juro compensatório é devido da data do seu pagamento, pois, foi a partir desta data que o credor ficou indisponibilizado dos seus recursos, e portanto, deve ser compensado por esta indisponibilização. Esta é a melhor doutrina da aplicação dos juros compensatórios, além de ser a mais justa. Diante destas observações, entende-se que se faz necessária a alteração da redação do dispositivo para fazer constar a incidência de juros da data do pagamento indevido. Também o crédito extemporâneo do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), é outra questão omissa nos projetos, dever-se-ia inserir dispositivo idêntico ao artigo 6.°, da Lei n.° 13.515, Código de Defesa do Consumidor do Estado de Minas Gerais, em que assegura ao contribuinte a possibilidade de recompor sua conta gráfica quando for detectado erro que não resulte em recolhimento atrasado de imposto, bem como escriturar créditos a que tiver direito, não apropriados na época própria. Ressalte-se que, não há nenhum dispositivo de implementação do código bem como o dever do Estado em criar um órgão de orientação permanente do 318 contribuinte, ou anda, que possa fomentar a aplicação deste código, a exemplo do que ocorre no código de Defesa do Contribuinte de Minas Gerais, no artigo 13.627 O ideal seria que fosse instituído um órgão subordinado ao Conselho de Contribuintes, que deveria ser autônomo, e que tivesse um departamento de orientação permanente ao contribuinte. Desta forma, o conselho formado por entidade de classe destacaria um representante para atender ao departamento de informação e orientação ao contribuinte. Seria, portanto, mais um mecanismo de informação e garantia aos direitos do contribuinte no esfera tributária brasileira. 4.3. O equilíbrio necessário entre o fisco e o contribuinte na realização da justiça fiscal Atualmente, o Brasil vive sob a ege de um Estado Constitucional de Direito, onde todos são iguais perante a lei. Trata-se de um Estado Democrático de Direito regido por um regime republicano. Desta forma, está-se vinculado à uma relação de direitos e deveres mútuos e não somente a uma relação de poder, de arbítrio ou ditatorial. Não se pode admitir, nos tempos de hoje, um Estado de força, de poder, ainda que seja de forma disfarçada, como desejam alguns. Impende salientar, que o direito tributário, como parte da Ciência do Direito, do ramo do direito público, não está a serviço dos interesses econômicos ou arrecadatórios. Ressalte-se que ele exprime uma relação obrigacional, de deveres Defesa do Contribuinte de Minas Gerais, artigo 13.° - Cabe ao Estado: I – Implantar, no prazo de cento e oitenta dias contados da data de publicação desta lei, um serviço gratuito e permanente de orientação e informação ao contribuinte, subordinado à Secretaria de Estado da Fazenda, na forma que dispuser o regulamento; 627 319 equivalentes, justos e não uma relação de poder do Fisco em relação ao contribuinte.628 É oportuno mencionar, que o Direito Tributário visa projetar o contribuinte e o Fisco em uma mesma plataforma de igualdade, à qual se aplica, isonomicamente, a lei, trazendo a segurança jurídica que imantará o elo jurídico.629 Infelizmente a relação, que existe hoje entre Fisco e contribuinte é de tal vileza, que se questiona realmente a necessidade do Estado. Remonta-se à época de Hobbes em sua famosa obra Leviatã, na qual se questionava a necessidade do Estado no controle da vida do cidadão. É fato que a relação jurídico-tributária hodierna deve-se pautar no respeito à vida, à liberdade e, principalmente, à propriedade. Tal reflexão nos leva a referendar os valores e a teoria de Immanuel Kant, o retorno dos valores como forma de superar a crise do positivismo. É evidente que não se pode resolver o problema de relacionamento entre Fisco versus contribuinte, pela vontade do contribuinte em recolher tributo pois este, é algo odioso. Pode ser citado 5 (cinco) motivos que levam os contribuintes a rejeitarem os tributos e consequentemente causar o descrédito o poder público, principalmente dos políticos: necessidades públicas mal elaboradas; utilização dos recursos públicos com mordomias, ocasionando escandâlos com o uso do dinheiro público; desigualdade de tratamento entre os contribuintes; deficiência da máquina fiscalizadora; cobrança de tributos por cada entre tributante como se fosse único buscando o aumento da arrecadação.630 628 O Direito Tributário é o ramo do direito que se ocupa das relações entre Fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos do poder. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 49. 629 O Direito Tributário continua ordenando segundo os princípios do Estado de Direito e então, em contrapeso à exigência e à coação unilateral do Fisco, é posto à disposição do obrigado um processo definitivo, por meio de vários remédios jurisdicionais disciplinados pelo próprio Estado, que outorgam ao obrigado uma tutela jurídica adequada para poder opor-se à exigência que considere injustificada. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. Op. cit., p. 115. 630 Muitos são os motivos que leva o contribuinte a rejeitar o pagamento de tributos: a. Objetivos e necessidades mal definidos, decorrentes da eleição de prioridades inadequadas ou contrárias ao interesse da comunidade (que estariam a reclamar outras satisfações), já que a experiência tem mostrado que a definição destas prioridades esta mais voltada aos interesses dos detentores do poder, (obras faraônicas, suntuosas, sensacionalistas etc.), sempre tendentes a buscar obter, em retribuição, o voto de eleitores incautos, que, por 320 Ademais, o conceito hodierno de cidadania exige da administração pública um tratamento respeitoso, cortês e que tenha como premissa a boa-fé do contribuinte, com uma comunicação ágil e em linguajar de fácil entendimento. O abuso do poder muitas vezes leva o cidadão a um comportamento de cumprimento cego de um dever que poderia ser discutido e se tornar menos gravoso, ou pior, à sonegação de tributos, pela falta de clareza da legislação. Não se pode deixar de mencionar, há impostos demais no Brasil, não se sabe quanto paga, no meio de tantos impostos, taxas, empréstimos compulsórios e contribuições, a organização tributária no Brasil é muito complexa. A sociedade contemporânea, de massa, é complexa, e isto se reflete na tributação. Existe um emaranhado de normas de diferentes hierarquias, emanadas por todas as esferas estatais. Quanto mais complicado o sistema, mais difícil é para o cidadão comum entender quanto paga, para quem paga e por que paga, acarretando a sonegação tributária. Outra variável importante na determinação da evasão tributária é alíquota do tributo, a relação entre evasão e alíquota é bem representada pela Curva de Laffer. De acordo ela, as receitas tributárias do governo crescem com o aumento da alíquota de um tributo, atingem um máximo e começam a declinar a partir de um determinado ponto. A arrecadação tributária poderá ser elevada através de da elevação da alíquota de tributação, mas com a elevação da alíquota chega-se a um tais empreendimentos, se deixam seduzir. b. Utilização dos recursos com gastos de escancarada superfluidade ou mesmo para custeio de condenáveis mordomias, já institucionalizadas, para a satisfação de pequena casta de políticos e outros setores ligados ao governo, em detrimento da grande massa de desassistidos que campeia em nosso país. c. Desigualdade de tratamento entre os contribuintes, com a criação de incentivos fiscais e outros benefícios tributários para setores determinados da economia, sempre a dotar de privilégios inaceitáveis empresas de grande porte, sem que tais benesses sejam, igualitariamente, estendidas à grande massa de contribuintes. d. Deficiência da máquina fiscalizadora e adoção de critérios específicos de recolhimento tributário, o que enseja revolta nos que pagam, porque não podem deixar de fazê-lo (Descontos já em fontes pagadoras, antecipações tributárias, etc.), enquanto outros (até de possibilidade contributiva mais expressiva), deixam de pagar e sonegam, sistematicamente, o tributo em virtude da inexistência de mecanismos correlatos e da ineficácia do aparato fiscal do Estado. e. Tendência sempre crescente, entre os entes tributantes, de buscar o aumento da tributação com vistas a cobrir os “furos” causados pelos grandes sonegadores, agigantando, destarte, a já insuportável carga tributária dos que já vêm pagando o tributo, deixando-os na posição sedutora de optar até pela criticada ‘desobediência civil’, já que sabedores de que, se Fisco buscasse recuperar as receitas perdidas junto aos grandes sonegadores, tomar-seia desnecessária a instituição de tributo novo ou da majoração dos já existentes. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. Op. cit., p. 266. 321 nível no qual o contribuinte prefere ariscar sonegar os tributos, tendo em vista que a carga tributária é muita alta e incentiva a evasão.631 O que se busca ansiosamente para o fortalecimento desta relação é a justiça. Neste passo, preleciona John Rawls,632 é um resgate dos valores pregados por Kant para aproximar a ética e o direito. Desta forma, os valores possuem premissas que aproximam os polos de uma relação e tornam as partes igualitárias e compromissadas.633 Na concepção de Miguel Reale “o valor jurídico é um valor franciscano competindo-lhe ser o suporte de todos os outros valores”.634 O conceito de justiça tributária abarca também a segurança jurídica ou segurança dos direitos fundamentais, ou ainda segurança tributária.635 Assim, a ideia de segurança jurídico tributária, está na garantia e na preservação dos direitos de ambos os polos da relação tributária, tanto do Fisco quando exige o tributo, como do contribuinte na defesa de seu patrimônio. A segurança dos direitos individuais do sujeito passivo ou obrigado tributário é valor fundamental do Estado Democrático de Direito. Esta ideia está relacionada à limitação ao poder de tributar, garantias do contribuinte, insculpidas na Constituição Federal de 1988, nos artigo 145 usque 156.636 Segurança jurídica é certeza e garantia dos direitos.637 631 Foi encontrada uma relação positiva entre a alíquota marginal e o valor da renda não declarada. Para uma redução de 10% na alíquota marginal, haveria uma redução entre 5% e 8% da renda não declarada, dependendo do tipo de atividade exercida pelo contribuinte. In:http://www.ceag.unb.br/ceag/public/arquivos/biblioteca/f1492dd89ca671048b8ac1cec55ba279.pdf, pesquisado em 17/05/2013. 632 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1997, p. 68. 633 Por isso é premente a necessidade de uma justiça tributária ou justiça fiscal. Segundo Ricardo Lobo Torres, o pioneiro desta ideia, foi Klaus Tipke que em 1981 escreveu a sua obra “Ordenamento Jurídico Tributário”, na qual ele examina a relação entre a ética e o Direito. TORRES, Ricardo Lobo. Justiça Tributaria. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Renovar Ltda, 2005, p. 683. 634 REALE, Miguel. O direito como experiência. São Paulo: Editora Saraiva, 1978, p. 118. 635 Segurança jurídica é decorrência de fatores sistêmicos que utilizam a certeza do direito de modo racional e objetivo, mas dirigido à implantação de um valor específico, qual seja o de coordenar o fluxo das interações inter-humanas, no sentido de propagar no seio da comunidade social o sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta.Tal sentimento tranquiliza os cidadãos, abrindo espaço para o planejamento de ações futuras, cuja disciplina jurídica conhecem, confiantes que estão no modo pelo qual a aplicação das normas do direito se realiza. (...) a segurança jurídica das relações jurídicas é indissociável do valor justiça, e sua realização concreta se traduz numa conquista paulatinamente preseguida pelos povos cultos. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 158. 636 O Estado ao exercer a tributação deve observar os limites que a ordem constitucional lhe impôs, inclusive no que atina com os direitos subjetivos públicos das pessoas e principalmente aos direitos fundamentais estatuídos no artigo 5.°. da CF/88. CARRAZZA, Roque. Curso de direito constitucional tributário. Op. cit., p. 238. 322 A segurança aqui mencionada se afirma contra o Estado, principalmente no que se refere à proteção do Judiciário, que constitui o status positivus libertatis. É evidente que os direitos fundamentais também amparam o contribuinte contra os Poderes do Estado, inclusive do Poder Legislativo. Nessa esteira, todo o Capítulo I, do Titulo II, da Constituição Federal brasileira cuida em delimitar o exercício das competências tributárias das pessoas políticas, impedindo-as de ingressarem nas áreas reservadas aos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade dos contribuintes. Também os direitos consagrados no artigo 5.º e incisos, da Costituição Federal de 1988, são tão ou mais relevantes do que os recebidos pela União, pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito Federal para instituir impostos, taxas e contribuição de melhoria.638 O estatuto do contribuinte é ao fundamento de nossa realidade jurídicopositiva, como a somatória, harmônica e organizada, dos mandamentos constitucionais sobre matéria tributária, que, positiva ou negativamente, estipulam direitos, obrigações ou deveres do sujeito passivo, diante das pretensões do Estado (aqui utilizado na sua acepção mais ampla e abrangente – entidade tributante – União, Estado membro, Distrito Federal e municípios). E quaisquer desses direitos, deveres ou obrigações, porventura encontrados em outros níveis da escala jurídico normativa, terão de achar respaldo de validade naqueles imperativos supremos, sob pena de flagrante injuridicidade.639 A esse propósito, percebe-se que a expressão estatuto do contribuinte que significa um conjunto de normas que venham a regular a relação entre o contribuinte e o ente tributante, o Fisco. Sua utilização tem ligação direta com a 637 Ainda, nesse sentido, segurança jurídica é certeza e garantia dos direitos. É paz. Como todos os valores jurídicos é aberta, variável, bipolar e indefinível, é sobretudo segurança dos direitos fundamentais. Liga-se essencialmente à liberdade: são duas faces da mesma moeda, diferentes aspectos jurídicos da mesma coisa: da vida, da liberdade da pessoa, da propriedade e de outros bens privados. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 686. 638 Estes direitos fundamentais verdadeiros lides aos Poderes do Estado, formam no que atina à tributação, o chamado estatuto do contribuinte (Louis Trotabas). PALLIERI, Giorgio Balladore. Curso de Direito Constitucional Tributário. Milão, 1998apud CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 22.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 265. 639 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Op. cit., p. 35. 323 garantia dos direitos dos contribuintes e com a limitação ao poder de tributar do Estado. É imperioso destacar que, a positivação dos direitos e garantias do contribuinte e do poder de tributar do ente fiscal, demonstrou no decorrer dos tempos, a necessidade de uma carta de direitos do contribuinte, com o objetivo principal de obrigar a Administração a um maior respeito pelo cidadão que pretende cumprir corretamente o seu dever fiscal, dificultado debaixo de um aluvião de textos legislativos pouco compreensíveis. Desse modo, o estatuto do contribuinte impõe limitações aos Poderes Públicos, inibindo-os de desrespeitarem os direitos subjetivos das pessoas que devem pagar tributos. Caso inexistissem tais normas inibidoras, o legislador, poderia, por meio de uma tributação arbitrária, até espoliar as pessoas. Por outro lado, a Fazenda Pública, à mingua deste estatuto do contribuinte, não poderia ser impedida de fazer o mesmo.640 Nota-se que justiça tributária passa então pelo respeito à propriedade, na exata dimensão entre a necessidade do Estado e a capacidade do contribuinte.641 Esta é uma medida que todos os cidadãos procuram, e que a sociedade jurídia se debruça para tentar resolvê-la. A capacidade contributiva642 é aferida mediante a relação que se estabelece entre a riqueza de um indivíduo e a carga tributária por ele suportada, ainda, 640 O estatuto do contribuinte exige que a tributação, livre de qualquer arbitrariedade, realize a ideia de Estado de Direito. Às várias possibilidades de atuação da Fazenda Pública há de corresponder a garantia dos direitos de cada contribuinte. Quanto mais gravosa a intervenção tributária, tanto mais cuidadosamente deverá ser protegida a esfera de interesses dos indivíduos. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. Op. cit., p. 239. 641 A competência tributária é a soma da autorização e limitação para o exercício de funções tributárias. Sem autorização, nenhuma limitação, sem limitação, nenhuma autorização. Logo, a segurança tributária é um produto da consorciação entre ambas. Mas a segurança é estrada de mão dupla: sem dever, nenhum direito, sem direito, nenhum dever. Essa relação é admiravelmente expressa pela função social da propriedade. Não é, a função social da propriedade, ao contrário do que ingenuamente se supõe, uma limitação à propriedade no sentido de que corresponderia a uma restrição à disponibilidade e utilização do bem pelo seu proprietário. E nem é sequer apenas um limite do direito de propriedade. E também, numa perspectiva de visão mais atenta, uma garantia da preservação do direito de propriedade. Propriedade legitima é a que responde à sua função social. Expressa então a justiça tributária à vinculação da propriedade à sua função social. BORGES, José Souto Maior. Princípio da isonomia e sua significação na Constituição de 1988. Op. cit., pp. 34-40. 642 Capacidade contributiva é a soma de riqueza disponível depois de satisfeitas as necessidades de existência, riqueza essa que pode ser absorvida pelo Estado sem reduzir o padrão de vida do contribuinte e 324 determinada renda ou capital de um indivíduo e a carga tributária por ele suportada, e por fim, renda ou capital presumido deve ser renda ou capital acima do mínimo indispensável.643 Por todas estas razões, é que atualmente vive-se uma constante crise de relacionamento entre Fisco e o cidadão contribuinte.644 De um lado está o Fisco detentor de poder superior em relação ao contribuinte, que figura do outro lado, como sujeito mais fágil desta relação, e que constantemente, tem atingido pelo Fisco, um dos seus pontos nevrálgicos, o patrimônio. Por essa via de mão dupla, devem ser destacados os caminhos que vinculam os deveres jurídicos tributários645 e os direitos subjetivos do contribuinte.646 Por vezes, é cediço que a desconsideração da função social da propriedade privada abre brechas à tributação extrafiscal; a consideração descomedida do direito do contribuinte introduz ao império de individualismo jurídico e sua insensibilidade congênita para as aspirações sociais. E por conseguinte, a consideração exclusiva dos deveres sinaliza e arrasta para a hipertrofia do Estado, inviabilizando o tão almejado Estado Democrático de Direito.647 sem prejudicar as suas atividades econômicas. SOUZA, Rubens Gomes de. Princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Editora Malheiros, 1994, p. 21. 643 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. Op. cit., p. 497. 644 Quando se alude à supremacia do interesse público sobre o privado não se está pleiteando existir uma relação de ‘poder’. Ou seja, não se trata de relações acima ou fora do direito. Aliás, se diversamente fosse, inexistiriam relações jurídicas de direito público (expressão que constituiria uma contradição em termos). No campo tributário, essa superioridade de interesse público externa-se no conteúdo da relação jurídica, que é orientada a favorecer e a beneficiar o sujeito ativo, não por especial consideração a ele, mas por ser ele o veículo de potencialização do interesse público (...). Evidentemente, o poder jurídico e a superioridade do sujeito ativo são definidos nos estritos termos da lei, à qual incumbe definir tipificadamente tanto a hipótese de incidir como o mandamento (...). JUSTEN FILHO, Marçal. Repertorio IOB de Jurisprudência, n.° 01/2001, 2001, p. 43. 645 A relação de tributação não é relação de poder-força, mas, sim, uma relação de poder-direito. Sob essa diretriz, desponta a relação de tributação, assumindo um formato de “relação jurídica”, e não de “relação de força”. SABBAG, Eduardo. Op. cit., p. 19. 646 Como sujeito passivo da relação tributária, o Fisco exerce a sua função submetendo-se às mesmas leis a que estão sujeitos os contribuintes, cumprindo-as nos seus estritos termos, o que vem caracterizar a relação tributária como uma relação jurídica e, não uma relação de poder. SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Estudo de procedimento administrativo fiscal. Repertório IOB de Jurisprudência. 1/14292, 2000, p. 41. 647 Já se vê pois que a virtude está no meio. E a virtude, na relação tributária, identifica-se com a igualdade de tratamento, o justo equilíbrio, a ponderação equilibrada das relações isonômicas entre Fisco e contribuinte no plano normativo. Justiça fiscal é também ela a arte de dar a cada um (v.g., Fisco/contribuinte), o que é seu. O estatuto tributário é não só do contribuinte. É do Fisco e contribuinte numa relação isônoma. Ao Fisco o que é do Fisco, mas só o que é dele. Ao contribuinte somente o que lhe pertence. Só vive honestamente, só não lesiona ninguém quem dá a cada um o que é seu. BORGES, José Souto Maior. Princípio da isonomia e sua significação na Constituição de 1988. Op. cit., p. 28. 325 Torna-se evidente que esta superioridade jurídica do sujeito ativo decorre da necessidade de consecução do interesse público. É o meio pelo qual o Direito vislumbra realizável o interesse público.648 A função do Fisco de apurar, de determinar o valor do tributo (acertamento e liquidação do tributo) e de exigí-lo do respectivo devedor, compõe um conjunto de atribuições próprias de um Órgão da Administração Pública, cujo exercício não se equipara a um mero direito subjetivo exigível por um credor.649 Torna-se imperioso o equilíbrio entre as partes que deve ser encontrado em qualquer ordenamento jurídico. Na esfera tributária brasileira, portanto, o Estatuto do Contribuinte vem exatamente no intuito de equilibrar estas forças. O referido instrumento normativo, o Estatuto do Contribuinte, deverá aperfeiçoar todo o ordenamento jurídico garantidor de direitos e liberdades públicas: os direitos constitucionais, o código do consumidor, a legislação trabalhista etc., repercutindo como onda propagadora de direitos humanos no ordenamento brasileiro. Ele poderá civilizar a lei tributária, mas para que isto aconteça é necessário que contribuintes e profissionais, se façam paladinos do estatuto, e que invoquem a aplicação eficaz da norma pela administração fazendária e na interpretação dos juízes neste sentido. É certo que a própria Constituição Federal possui normas de garantia e defesa em prol do cidadão contribuinte, mas a criação de um Estatuto de Defesa do Contribuinte, vem aproximar o operador do direito à Constituição Federal. Claro é a superioridade normativa da Constituição que traz ínsita, em sua noção conceitual, a ideia de um estatuto fundamental de um fundamental law, cujo incontestável valor jurídico atua como pressuposto de validade de toda a ordem positiva instituída pelo Estado. Mas o contribuinte, diante da força do Estado, é 648 Isso bem se define quando se adita a indisponibilidade do interesse público, para indicar que não é dado ao sujeito ativo arbitrariamente valer-se dos poderes jurídicos que lhe são concedidos (...). Curvando-se às normas legais idealmente impostas pelo Poder Legislativo, o Fisco, como departamento do poder executivo, situa-se na relação tributária como um órgão público, encarregado de uma específica função administrativa (aplicação, de ofício, das leis tributárias) não possuindo poder normativo originário frente ao contribuinte, não sendo, também, um mero credor de uma determinada obrigação. JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 43. 649 Uma análise minuciosa e articulada do fenômeno já obrigou a examinar a posição subjetiva ativa da entidade impositora, não propriamente em termos de direito de crédito, mas sim de potestade de imposição. MICHELI, Antonio. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1978, p. 121. 326 reconhecidamente vulnerável e hipossuficiente. Assim, em vários dispositivos constitucionais, se encontra a base onde está amparada a tutela dos direitos do contribuinte brasileiro, e o Estatuto do Contribuinte viria para aproximar e inovar o ordenamento jurídico brasileiro na esfera da tributação. No ordenamento jurídico brasileiro, nem sempre a mera previsão constitucional é suficiente à garantia do direito por ela referido. Muitas vezes é essencial a adoção de uma norma reguladora para atribuir eficácia ao dispositivo constitucional. É neste prisma que se enxerga o ponto de inserção do Estatuto do Contribuinte no sistema jurídico tributário nacional. O referido estatuto viria a lume para atribuir eficácia aos preceitos constitucionais fundamentais que, apesar de inscritos na Lei Maior, não podem, sem auxílio de norma especial, atingir todo o seu âmbito de abrangência. Indo mais além, teria o Estatuto do Contribuinte, o desiderato maior de, desdobrando os princípios constitucionais e tornando-os mais específicos, verdadeiramente trazer à superfície alguns direitos cuja inteligência ainda não esteja devidamente compreendida.650 Nesta esteira, a positivação do Estatuto do Contribuinte viria então basicamente para coroar e tornar efetiva esta ideia, impondo à atividade fiscal a observância aos limites constitucionais e garantindo maior segurança jurídica à seara tributária. Seria um auxílio relevante na aplicação das normas constitucionais e mais um passo na consolidação do estado democrático de direito. O que se observa atualmente é que não raras vezes o servidor público deixa de aplicar um princípio constitucional em prol de uma Instrução Normativa. Percebe-se, portanto, uma vez mais a necessidade de um Estatuto do Contribuinte como forma de Lei Complementar para normatizar esta prática. Faz-se necessário o Estatuto do Contribuinte com o objetivo de trazer a segurança jurídico tributária num plano mais próximo do cotidiano do contribuinte, e também, de regular isonomicamente essa relação de poder entre o Fisco e o 650 CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit., p. 580. 327 contribuinte. Tarefa fácil é compreender o porque do Fisco ter mais poder do que o contribuinte, ao Fisco foi dada competência para fiscalizar e cobrar o tributo, ele está no polo ativo da relação. Esta competência originária da própria Constituição, é delegação de poder, portanto, não é apenas uma faculdade de cobrar tributo, mas um dever. E como quem exerce o poder tende a dele abusar. 651 Configura-se aí, não raras vezes, o abuso de poder por parte do Fisco em relação ao contribuinte, o que torna esta relação desequilibrada e, por vezes, injusta. Analisando-se o conteúdo do Estatuto do Contribuinte, fica claro que ele como está sendo proposto tende a equilibrar e limitar o uso deste poder do Estado, diminuindo a zona de atrito entre os dois polos, Fisco e contribuinte. Desta forma, objetiva-se criar um escudo capaz de defender os direitos já cristalizados nos princípios constitucionais, retomando-se a segurança jurídica nas relações tributárias. Esta questão está centrada na falta de observância dos princípios constitucionais quando da elaboração das leis, tanto por parte do Poder Executivo como do Poder Judiciário. Infelizmente, é praxe na realidade brasileira, se pensar unicamente em interesses próprios quando da elaboração das leis tributárias, sem que se tenha preocupação com a necessidade de uma análise técnica precisa. Esta prática espelha a realidade brasileira na elaboração dos textos legais, que mesmo formado por especialistas, acaba contaminado por interesses particulares e políticos. É importante observar que enquanto a criação e alteração da legislação ocorrer unilateralmente, sem a participação de uma comissão técnica especializada e comprometida, o problema não será solucionado. E consequentemente ter-se-á mais e mais legislações ilegais e inconstitucionais, criadas sem técnica e por vezes em razão de aspectos políticos, provocando uma enxurrada de ações, sobrecarregando o Poder Judiciário, e cada vez mais aumentando a carga burocrática do Estado. 651 MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. Op. cit., p. 64. 328 Como exemplo desta infeliz realidade brasileira, pode-se exemplificar com os inúmeros planos econômicos elaborados pelo Poder Executivo.652 E o que se observa é que para cada um desses planos, há um grande número de ações no Poder Judiciário. Em análise de toda esta problemática, entende-se que deveria ser criada uma comissão, a qual fosse representada pelos dois polos, de um lado com a participação do ente tributante do legislativo, e do outro com a participação dos representantes do contribuinte. Esta seria uma forma de amenizar este que é o maior problema na relação Fisco versus Contribuinte. O Estatuto do Contribuinte ainda não é uma realidade no Brasil, apesar dos projetos de lei n.º 646/99 e 38/2007 estarem em tramitação no Senado e na Câmara Federal. Diante de tantas críticas e incertezas, é cediço de qual é o papel do Estatuto do Contribuinte, quais os seus propósitos e o quão importante seria a conquista do seu espaço de inserção no ordenamento tributário brasileiro. Neste sentido, o Código de Defesa do Contribuinte deve evoluir no sentido de controlar a aplicação dos recursos públicos fazendo revigorar o princípio da anualidade. Deve trazer à lume o exemplo do que ocorre em outros países como a Espanha, que já evoluiu no sentido de proteger o contribuinte, limitando os gastos do governo quanto à necessidade da arrecadação em relação a seus gastos, colocando em prática a verdadeira relação tributária em busca da tão almejada justiça tributária. Como se nota, no confronto entre o poder de tributar do Estado e os direitos fundamentais do contribuinte, nenhum deles deve ser totalmente suprimido em função do outro. Observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, deve-se buscar ponderadamente garantir os direitos do contribuinte sem prejudicar a atividade fiscal, e vice-versa. 652 Os planos econômicos no Brasil Cruzado (Fevereiro/1986), Bresser (Julho/1987), Verão (Janeiro/1989), Collor I (Março/1990), Collor II (Janeiro/1991) e Real (Junho/1993). 329 Existem previsões na Constituição Federal de 1988 quanto aos direitos e garantias individuais e, dentre estas, está clara a proteção ao contribuinte, entretanto, tais previsões nem sempre são suficientes à garantia dos referidos direitos. Torna-se necessária então, uma norma que venha instrumentalizar e trazer eficácia ao dispositivo constitucional. Positivando-se o Estatuto do Contribuinte, este viria se juntar à Constituição Federal e ao Código Tributário Nacional, diplomas que constiuem a base do sistema tributário brasileiro, para formar a tríade onde estariam elecados os direitos e garantias do contribuinte. Seria um mecanismo relevante na aplicação das normas constitucionais e mais um passo na consolidação do Estado Democrático de Direito. 330 331 CONCLUSÃO A Constituição Federal brasileira, também chamada de Carta Democrática e Social promulgada em 1988 trouxe em seu texto os direitos e garantias fundamentais, subdivididos em cinco capítulos: direitos individuais e coletivos; direitos sociais; nacionalidade; direitos políticos e partidos políticos. No que tange aos direitos e garantias fundamentais em relação ao contribuinte, a Carta Magna não deixou a mercê a devida proteção, abrangendo as garantias básicas e os limites da tributação. O Brasil, assim como outros países que adotaram o Estado Democrático de Direito como regime político e de organização do Estado, utilizam mecanismos legais que visam disciplinar as relações jurídicas entre o poder tributante e as garantias constitucionais quanto ao ente tributado, que se traduz na segurança jurídica das relações tributárias. A Carta Magna em seu art. 5º contemplou os direitos e garantias individuais e coletivos, os quais constituem os verdadeiros direitos fundamentais.Com efeito, sem caráter taxativo, o § 2.º do referido artigo, dispõe que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotadaos, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Tais direitos e garantias não estarão suscetíveis de supressão por meio de emenda constitucional, conforme preceitua o art. 60. § 4.º do texto constitucional. Com a instauração do Estado Democrático de Direito, por meio da Constituição de 1988, os direitos e garantias preceituados no art. 5.º se tornaram fundamentais, inalienáveis, mas não absolutos. Outrossim, tem aplicação imediata as normas que definem direitos e garantias fundamentais (art. 5.°, § 1.°, da CF), o que não quer dizer, que tenham eficácia plena. A eficácia plena dos direitos fundamentais postula fatores jurídicos, institucionais e táticos; alem disso, tais direitos são disciplináveis ou restringíveis, 332 de modo que "se tudo é regulamentável e, mais que isso, depende de regulamentação para produzir todos os seus efeitos. perde sentido qualquer distinção que dependa da aceitação ou rejeição de regulamentações a direitos; logo, não se pode distinguir entre normas de eficácia plena e normas de eficácia limitada"653 Depreende-se na expressão “garantias do contribuinte” os direitos, garantias, direitos fundamentais, direitos humanos, sempre que estiverem relacionados com a tributação. Dentre tais garantias do contribuinte estão: legalidade, isonomia, anterioridade, irretroatividade, não confisco e, também, tributação justa segundo a capacidade contributiva, tutela jurisdicional efetiva em matéria tributária, devido processo legal, segurança jurídica, etc. Assim, “os direitos fundamentais relacionam-se com a tributação: se há o direito de propriedade, está vedado tributo com o efeito de confisco; se ha direito a intimidade e à privacidade, então há limites para a atuação do Estado no campo da fiscalização tributária; se ha direito ao mínimo existencial, então esta proibida a tributação. Conseqüência da relação entre os direitos fundamentais e o direito tributário: a pretensão fiscal não deve assim exceder os limites da razoabilidade”, assinala Souto Maior Borges.654 Na concepção de Ricardo Lobo Torres “o poder de tributar nasce no espaço aberto pelos direitos humanos e por eles e totalmente limitado. O Estado exerce o seu poder tributário sob a permanente limitação dos direitos fundamentais e de suas garantias constitucionais”.655 Dentre as garantias efetivas do contribuinte estão as limitações constitucionais ao poder de tributar (arts. 150, 151 e 152 da CF), assim como os direitos e garantias: os constantes no art. 5.° da CF, os direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Carta Magna, os direitos e 653 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais.São Paulo: Malheiros, 2009, p. 246-247. MARTINS, Ives Gandra da Silva. A ética no direito e na economia. In: FISCHER, Octavio Campos. Tributos e direitos fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004, p. 21. 655 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário, v. III. 12.ª ed., Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2005, p.14. 654 333 garantias aprovados por tratado internacional recepcionado pelo direito nacional, assim como os direitos fundamentais “garantidos como um todo, como é o caso da proteção da família, da propriedade e da liberdade".656 De acordo com o texto do CTN nos arts. 121 e 122, 657 em sentido lato, o termo contribuinte aparece como sujeiro passivo da obrigação tributária principal e acessória. Em análise nos termos dos arts. 166 do CTN e 150, § 5.° da CF, será considerado contribuinte de fato, aquele que, apesar de não integrar a relação jurídica tributária, suporta, de fato, o encargo financeiro do tributo. Assim, também considera-se na classe dos contribuintes, aqueles que tenham o dever de suportar a fiscalização tributária e colaborar com o Fisco, não obstante não serem sujeitos passivos da obrigação tributária. Sob a ótica de um Estado Democrático de Direito, o poder de tributar deve ser idealizado de forma que, assegure a justiça social e alcance o objetivo constitucional de uma vida digna para todos os cidadãos, sempre respeitando os direitos e garantias fundamentais previstos na lei. Desta feita, tal necessidade se legitima no sentido de que o Estado, com o objetivo de atender o bem comum, e como organizador da soberania, tem de dispor do aparelhamento indispensável à sua organização, destinada a atender os interesses do bem comum, para tanto carece de meios para cumprir seus fins. Assim, caracteriza-se como um dos prismas da soberania de um Estado é o seu poder de transpor no patrimônio dos particulares, exigindo-lhes as contribuições de que necessita, conforme previsão legal. 656 Na concepção de Humberto Ávila: A rigidez específica das normas tributárias é também direta e indiretamente instituída, algumas são denominadas garantias (art. 150: legalidade, igualdade, irretroatividade, anterioridade, proibição de um tributo com efeito de confisco, imunidades): outras normas mantêm relação com os princípios fundamentais (principio federativo, democrático e da separação dos Poderes) ou com os direitos e garantias individuais cuja modificação é vedada. Vale dizer: mesmo que os direitos não estejam previstos no Titulo II da constituição, que regula os direitos e garantias individuais, eles estão incluídos na proibição de modificação se forem decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição ou dos tratados internacionais em que a Republica Federativa do Brasil seja parte (art. 5.°, § 2.°, CF). Isso vale não apenas para as limitações ao poder . tributar previstas no art. 150 e denominadas 'garantias', mas também para os direitos fundamentais garantidos pela Constituição como um todo. como e o caso da proteção da família, da propriedade e da liberdade". ÁVILA, Humberto. Op. cit., p. 110. 657 Art. 122. Sujeito passivo da obrigação acessória e a pessoa obrigada as prestações que constituam o seu objeto. 334 O poder de tributar se emprega para designar a ação estatal, derivada na necessidade e obrigação de “contribuir”, para ação do contribuinte, obrigação de prestar contribuição ao Estado ou a entidade não estatal designada em lei. De forma concisa, o poder de tributar é a atribuição legalmente conferida ao Estado, em caráter de exclusividade, para criar, aumentar, diminuir ou extinguir tributos, a fim de arrecadar recursos para a consecução de suas finalidades. Desta forma, o poder de tributar nada mais é que uma parcela da soberania do povo transferida para o Estado. Para conseguir realizar seus fins sociais, o Estado necessita de recursos financeiros, desta feita, a tributação é o principal instrumento estatal para a obtenção destes recursos. Não obstante, os tributos não podem ser instituídos ou majorados pelo simples interesse do Estado, o que geraria insegurança jurídica e a possível supressão dos direitos fundamentais. Para garantir que a tributação não seja arbitrária e ilimitada, será prevista em lei, garantindo os direitos fundamentais dos cidadãos e delimitando o poder de tributar do Estado. Assim, a partir deste poder foram estabelecidos limites para a proteção e garantia do contribuinte, assegurando assim a segurança jurídica no âmbito fiscal. Essa limitação objetiva demarcar, delimitar, fixar fronteira ou limites ao exercício do poder de tributar, assim, são considerados instrumentos definidores ou demarcadores. A limitação ao poder de tributar é determinada pelo texto constitucional de modo a protecer o contribuinte contra a voracidade fical do Estado. No ordenamento jurídico brasileiro apenas a Constituição Federal poderá determinar as limitações a este poder, que se apresentam nos princípios, nas imunidades e em outras limitações. Apenas a Carta Magna possui a capacidade para delimitar a competência tributária. Tais limitações ao poder tributante aparecem como vedações ou proibições, ou seja, as imunidades constitucionais, que são como verdadeiras limitações da 335 competência tributária das pessoas jurídicas de direito público; e como sistema de proteção dos direitos e garantias individuais. As imunidades tributárias são consideradas formas de limitação ao poder de tributar. São preceitos constitucionais que antecedem o momento de incidência do tributo. É a renúncia fiscal ou vedação de cobrança de tributo estabelecida em sede constitucional. Assim, em se tratando dessas limitações ao poder de tributar, importante ressaltar que a imunidade, a isenção e a não-incidência são institutos distintos, não se podendo confundi-los. A imunidade é uma limitação ao poder de tributar e ocorre quando o constituinte exclui do campo tributário determinadas situações e entidades. O que é imune não pode ser tributado, ou seja, não pode ser atingido pelo tributo. As imunidades tributárias, regra geral, abrangem apenas os impostos, não incidindo sobre as taxas, contribuições de melhoria, contribuições sociais e o empréstimo compulsório. Nesse sentido, as imunidades podem ser compreendidas como a intributabilidade que ocorre em razão das liberdades preexistentes. Constituem um direito fundamental constitucionalmente garantido ao contribuinte. Portanto, têm um papel delimitador do campo tributário, demarcando negativamente as competências tributárias das pessoas políticas, e ainda, vinculando-se aos direitos humanos, o que acaba por conferir aos destinatários um direito público subjetivo de não serem tributados, o que não pode ser objeto de revogação nem mesmo por emenda constitucional. A Constituição Federal de 1988, no artigo 150, inciso VI, tratou das imunidades sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; os templos de qualquer culto; o patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; os livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. 336 No § 2.º, do mesmo artigo, trata da vedação sobre o patrimônio, renda ou serviços, que é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel. As imunidades tributárias foram concedidas para preservar valores considerados de especial relevância, próprios do Estado Democrático de Direito. Uma vez conceituado o instituto da imunidade, importante diferenciá-lo do da isenção. A primeira, atua no plano da definição da competência tributária, é prevista pela Constituição Federal e é considerada uma hipótese de não-incidência qualificada. Já a segunda, atua no plano do exercício da competência tributária, é definida por lei infraconstituicional, e é considerada hipótese de exclusão do crédito tributário. Importante destacar que a primeira e principal diferença a ser apontada entre a imunidade e a isenção é alusivo ao fato de que a imunidade interfere na definição de competência e a isenção no seu exercício. Por conseguinte, a isenção é uma exclusão do crédito tributário, ou seja, é apenas uma exclusão da obrigação de pagamento do imposto, quando este é derivado pelo contribuinte. Para que ocorra a isenção é necessária à existência de um fato ou acontecimento capaz de gerar a obrigação tributária. A isenção está disciplinada nos artigos 175 a 179 do Código Tributário Nacional, sendo modalidade de exclusão de crédito tributário. No que se refere às isenções no ordenamento jurídico espanhol consideramse isentas parcial ou totalmente dos impostos, as entidades jurídicas. Haverá isenção total dos impostos de sociedades, do Estado, Comunidades Autônomas e municípios, assim como todos os seus organismos. E as entidades sem fins lucrativos gozarão de isenção parcial do imposto devido. Quanto a não-incidência trata-se da inexigibilidade do tributo pela ocorrência de fato que não gera obrigação tributária, ou seja, ocorre quando os fatos 337 e acontecimentos que não fazem parte da ordem tributária são juridicamente incapazes de gerar obrigação. Logo, tem-se que a não-incidência é o não enquadramento normativo a uma conduta, ou seja, quando a conduta fática não encontra respaldo ou identificação com nenhuma hipótese normativa, não provocará o nascimento de relação jurídico tributária. Então, na não incidência, o fato não pode ser contemplado legalmente como gerador de determinado tributo. As limitações, entretanto, não abrangem apenas as imunidades, engloba-se também, como meio de defesa do contribuinte, os princípios constitucionais gerais e tributários, considerados verdadeiros vetores do sistema e que têm um papel mais abrangente, estabelecem como diretriz o objetivo de limitar mais o poder de tributar do que as simples regras constitucionais. O princípio é a regra básica implícita ou explícita que, por sua grande generalidade, ocupa posição de destaque no ordenamento jurídico e, por isso, vincula o entendimento e a boa aplicação, seja dos simples atos normativos, seja dos próprios mandamentos constitucionais. Demonstra regra superior, memso que não positivada, à qual devem se amoldar as disposições legais. Os princípios são importantes na medida em que ditam as normas a serem seguidas para que haja um bom andamento da órbita jurídica tributária assegurandose os direitos do contribuinte e preservando-se a segurança jurídico-tributária. Sempre que houver uma dupla interpretação da norma ou uma interpretação dúbia, deve-se recorrer aos princípios a fim de encontrar a solução interpretativa. Dos princípios constitucionais gerais podemos destacar o princípio da isonomia, da legalidade, da irretroatividade da lei tributária, o direito à ampla defesa e o devido processo legal, o princípio que prestigia o direito de petição e o princípio federativo em matéria tributária. O princípio da isonomiaveda o tratamento desigual aos contribuintes que estão em situação equivalente, visa coibir discriminação entre os cidadãos, sendo 338 imperiosa a sua observação e cumprimento por todos, é corolário na prática democrática. O princípio da legalidade proíbe expressamente à União Federal, aos Estados, incluindo o Distrito Federal, e aos Municípios exigir ou aumentar o tributos sem que a lei o estabeleça. A lei é a base deste princípio e garantia aos cidadãos. O princípio da irretroatividade da lei tributária é o instrumento de que dispõe a ordem jurídica para salvaguardar a estabilidade das relações jurídicas das transformações constantes do sistema jurídico. Infere-se que o princípio da irretroatividade possui grande relevância e é um dos princípios basilares que respaldam o exercício do poder de tributar, garantindo os direitos dos contribuintes. O princípio do direito à ampla defesa compreende às partes a garantia de amplamente argumentarem, ou seja, além de participarem da construção do contraditório, têm direito de formularem todos os argumentos que entenderem necessários para a formação da decisão. É a garantia que permite ao autor e réu a participarem de maneira ampla, trazendo todos os elementos que acharem pertinentes para auxiliar o julgados a melhor compreender as teses oferecidas. O princípio do devido processo legal é considerado como fundamental, ele visa nortear o ordenamento jurídico, haja vista englobar, de certa maneira, os demais princípios. É o princípio segundo o qual o processo deve observar necessária e impreterivelmente a legalidade, pressuposto de qualquer Estado de Direito. O princípio que prestigia o direito de petição objetiva assegurar a qualquer indivíduo dirigir-se formalmente a qualquer autoridade do Poder Público, a fim de levar-lhe uma reivindicação, uma informação, queixa ou mesmo simples opinião de algo relevante para o interesse próprio, de um grupo ou de toda a coletividade. Esse princípio tem como finalidade garantir o exercício das prerrogativas do Estado Democrático de Direito. O princípio federativo em matéria tributária expresso no texto constitucional visa a proteção ao contribuinte dos abusos e da volubilidade do ente 339 estatal, a fim de lhe garantir segurança jurídica. Nesse princípio fica clara a preocupação do legislador em defender a forma federatida do Estado e a segurança jurídica nas relações tributárias como forma de blindar o contribuinte. Em relação ao princípios constitucionais tributários podemos apontar o da anterioridade tributária; da competência privativa e comum das pessoas políticas de direito constitucional interno; da seletividade; da vedação de tributos com efeito de confisco; da liberdade ao tráfego de pessoas ou bens; da uniformidade geográfica; da reserva da lei; da capacidade contributiva e da não-cumulatividade. O princípio da anterioridade tributária é garantia aos contribuintes de tomarem conhecimento das alterações tributárias antes de sua vigência, a vedação da cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro e antes de decorridos noventa dias da publicação da lei que instituiu ou aumentou o tributo. No princípio da competência privativa e comum das pessoas políticas de direito constitucional interno a entidade tributária terá sua atividade restrita àquela matéria que lhe for constitucionalmente destinada, obediência irrestrita à Constituição. O princípio da seletividade garante que a tributação deve ser maior ou menor, de acordo com a essencialidade do bem. O princípio da vedação de tributos com efeito de confisco estabelece a vedação na utilização do tributo com efeito de confisco, assim, não pode o Estado, com o pretexto de cobrar tributos, se apossar indevidamente de bens do contribuinte. O princípio da liberdade ao tráfego de pessoas ou bens tem como objetivo vedar que o Estado estabeleça limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, salvo a cobrança de pedágios pela utilização de vias mantidas pelo poder público. O princípio da uniformidade geográfica com o propósito de favorecer a integridade do território nacional, esse princípio proíbe à União Federal instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional, ou que implique 340 distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou ao Município, em detrimento de outro.Objetiva igualar os estados embora com diferentes dimensões econômicas ou territoriais. O princípio da reserva da lei nada mais é que uma efetiva limitação ao poder punitivo estatal, onde ninguém é privado de suas vontades senão em virtude da lei. O princípio da capacidade contributiva dispõe que os impostos, sempre que possível, deverão ter caráter pessoal e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte. O princípio da não-cumulatividade institui a compensação do que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas operações anteriores pelo mesmo ou outro Estado Membro ou pelo Distrito Federal. Desta forma, conclui-se que os princípios constitucionais tributários são limitações ao poder de tributar, limitam e regulam a prática de competência tributária, trazendo melhor efetividade de alguns valores no ordenamento jurídico. O texto constitucional de 1988 trouxe algumas inovações no que se refere aos direitos e garantias fundamentais, a finalidade maior era efetivar a instrumentalização desses direitos. Desta forma, pode-se destacar alguns instrumentos legais processuais que visam o reconhecimento destes direitos, e que são considerados verdadeiras armas a favor do contribuinte. Dentre esses instrumentos legais processuais garantidores dos direitos do contribuinte, estão o mandado de segurança individual e coletivo; o mandado de injunção; repetição de indébito; ação declaratória e a ação anulatória de débito fiscal, que também compõem o rol de mecanismos juídicos de proteção aos direitos e garantias do contribuinte. O mandado de segurança individual e coletivo tem o condão de dissipar os obstáculos do acesso à justiça e visando à celeridade processual na defesa de direitos individuais e coletivos, o remédio processual recebeu, ao longo dos anos, 341 delineamento consubstanciado em instrumento de efetivação da tutela útil. Previsto nos incisos LXIX e LXX do art. 5.º da Constituição Federal de 1988, o mandado de segurança individual e coletivo salvaguarda o direito líquido e certo, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, sempre que o fato perquirido não enseje amparo por meio da impetração de habeas corpus e habeas data. O mandado de injunção, outro instrumento processual, é utilizado para se pedir a regulamentação de uma norma da Constituição Federal, quando os Poderes competentes não o fazem. O objetivo é garantir o direito de indivíduo prejudicado particularmente pela omissão. Desta forma, apenas quem pode editar leis poderá figurar como sujeito passivo da referida ação. Disposto no art. 5.º, inciso LXXI e no art. 102, inciso I, alínea “q” da Constitução Federal de 1988, é classificado como uma ação civil constitucional. A inexistência da norma regulamentadora torna inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania popular e à cidadania. É o caso das chamadas normas de eficácia limitada, que são as espécies de normas que dependem de regulamentação. A repetição de indébito trata-se da possibilidade e direito do contribuinte de pleitear, junto às autoridades fazendárias, a devolução de tributo pago indevidamente ou nas demais hipóteses listadas pela Lei. É uma modalidade de enriquecimento sem causa, fundamentada na inexistência da dívida e um pagamento indevido por um objeto lícito. Apesar de todas esses mecanismos garantidores dos direitos do contribuinte introduzidas pelo texto constitucional de 1988, da Constituição denominada Cidadã, muito ainda se tem que fazer para a realização da verdadeira justiça fiscal. É real que no Brasil hodiernamente vive-se uma verdadeira batalha entre Fisco e contribuinte, o primeiro buscando arrecadar cada vez mais e para tanto se valendo de todas as formas de instituição ou majoração dos tributos, e o segundo 342 buscando formas e mecanismos legais com o intuito de minimizar o impacto desse aumento da carga tributária. Percebe-se que todos os esforços do legislador na elaboração do texto constitucional de 1988, no que se refere aos direitos e garantias do contribuinte, foram válidos, entretanto ainda passíveis de violações quanto a efetiva aplicação dos mesmos. O problema no ordenamento jurídico brasileiro recai em sua interpretação ou mesmo na operacionalização. É cediço, que com extraordinária frequência, o Fisco tem se utilizado de normas para contrariar os princípios constitucionais gerais e tributários, mecanismos de defesa do contribuinte, o que caracteriza verdadeira violação jurídica. A possibilidade do Fisco legislar em proveito próprio, editando e reeditando ilimitadamente Medidas Provisórias, têm-se tornado o maior dos abusos cometidos pelo poder tributante e face do contribuinte. Em razão de todos esses abusos do poder tributante, torna-se necessário a efetivação da concretização prática e real destes direitos, cristalizados no ordenamento sob a forma de um verdadeiro estatuto que objetivasse a estabilização das relações entre Fisco e contribuinte, assegurando um ambiente de igualdade. Este instrumento não deve apenas servir de escudo contra o poder fiscal, mas trazer dispositivos concernentes aos interesses dos contribuintes. Apesar de parte da doutrina constitucional estabelecer uma total efetividade normativa dos princípios constitucionais, assim como a consequente desnecessidade de edição de atos infra-constitucionais para a produção de seus efeitos, é fato que, com a criação de um estatuto do contribuinte, um conteúdo mínimo estaria sendo delineado de forma a preencher necessidades basilares da segurança jurídica. A partir desse cenário, surgiria para dar real efetividade aos princípios constitucionais e garantias individuais dos contribuintes, vinculando de forma mais eficaz o comportamento da Administração, evitando-se interpretações nocivas aos anseios da sociedade. 343 Neste sentido, denota-se a relevância dos projetos de Lei Complementar n.º 646/99 e n.º 38/2007, ambos propondo a criação de um Estatuto do Contribuinte, nos quais o objetivo maior é a criação de dispositivos que protejam o contribuinte contra eventuais abusos e arbitrariedades do Fisco. Assim, estariam estabelecidos os três grandes pilares de proteção do cidadão-contribuinte no Brasil: a Constituição Federal, o Código Tributário Nacional e o Estatuto do Contribuinte. Muitas são as críticas quanto à criação do Estatuto do Contribuinte que ainda não constitui realidade no ordenamento jurídico tributário brasileiro. E verdadeiramente os projetos necessitam de algumas revisões, mas não se pode negar que seria mais um instrumento favorável à concretização dos mecanismos de igualdade jurídica, revivificando os ideais de justiça social da sociedade civil e a concretização do Estado Democrático de Justiça. Na Espanha a Ley de Derechos y Garantias de los Contribuyentes (Lei n.° 1, de 26 de fevereiro de 1998), é considerada um marco no processo de reforço do princípio da segurança jurídica, que se constitui em uma norma de defesa do contribuinte que inclui o controle dos gastos públicos, ou a aplicação dos recursos obtidos pela arrecadação dos tributos, num sistema mais equilibrado e justo no âmbito fiscal, inegável característica das sociedades democráticas mais avançadas. É inegável que a relação existente entre a imposição tributária do ente estatal e a garantia dos direitos do contribuinte deve ocorrer de forma equilibrada e harmoniosa, sem arbitrariedades e abusos. Enfim, é de fundamental importância a existência de mecanismos de proteção ao poder tributante do Estado, como garantia social, na proporção em que protegem contra abusos da tributação e estabelecem os direitos e garantias do contribuinte, buscando-se a segurança jurídica, para a realização da verdadeira Justiça Fiscal. O objetivo maior, sem dúvida, é a garantia da democracia, da livre expressão e da cidadania. 344 345 CONCLUSIÓN La ConstituciónFederal de Brasil, también llamada la Carta Democráticay Socialpromulgada en 05 de outubre de 1988 ha traído en su textolos derechos y garantías de los contribuyentes, divididos en cincocapítulos:derechos individualesy colectivos,derechossociales, nacionalidad,derechos políticosy partidos políticos. Con respecto alos derechosy garantías fundamentalesen relación conel contribuyente, la Constituciónno dejó a la merced laadecuadaprotección ocupándose de las garantías básicasy los límites dela tributación.EnBrasil, así como en otrospaísesque han adoptado elEstado Democrático de Derecho como régimen políticoyla organización del Estado, utilizanlos mecanismos legales con objetivo de disciplinar las relacionesjurídicas entre elpoder tributarioy las garantías constitucionales,que se traduce enseguridadjurídica de las relaciones tributarias. La Carta Magnaen su artículo5.º contempló los derechos y garantíasindividuales y colectivas, que son los verdaderosderechosfundamentales, sincarácter exhaustivo en el §2.º, de dicho artículo,establece quelos derechos y garantíasexpresadasen la Constituciónno excluyen otrosderivados del régimenylosprincipios por ella adoptadoso los tratadosinternacionales en quela RepúblicaFederativa delBrasilsea parte. Estos derechos ygarantíasno son susceptibles desupresión porenmiendaconstitucional, según lo dispuesto en el art.60, §4.º, de la Constitución Federal de 1988. Con el establecimiento del Estado democrático dederecho, a través de la Constitución de 1988, losderechosy garantías previstos en el art.5.ºse convirtieron enfundamentales,inalienables,pero no absolutos. Además, cuenta con aplicación inmediata las reglas que definen los derechosy garantías fundamentales(art. 5.°, §1.°, de la Constitución), lo cual no quieredecir que tengan eficacia plena. 346 Entre las garantíasdel contribuyente estan: legalidad, igualdad, anterioridad, no retroactividad,noconfiscación ytambiénla tributaciónequitativa conforme a lacapacidad contributiva,tutela jurisdiccional efectivaen el ámbito fiscal, debido proceso legal, seguridad jurídica, etc. Los derechos fundamentales se relacionan con la tributación, crear tributo confines confiscatorios es prohibido; si existeel derecho a laintimidad y la privacidad, existen límites ala acción del Estadoen elcampo de la fiscalidad tributaria;si existeel derechoal mínimoexistencial, entonces está prohibida la tributación que no respete dicho límite.Consecuencia de larelación entre los derechosfundamentales yderecho tributario: la pretensión tributaria no debe exceder loslímites de la razonabilidad. El poder de tributar nacio en el espacio abiertode los derechos humanosy por ellos es totalmentelimitado, elEstado ejerce supotestad tributariaen permanente limitaciónde los derechos fundamentales ysus garantíasconstitucionales. Entre las garantías efectivas de los contribuyentes estan las limitaciones constitucionales dela potestad tributaria(artículos150,151y152de la Constitución), así como: los derechos constanteen el art. 5.° de la ConstituciónFederal, los derechos y garantíasen virtud del régimenylos principios adoptados porla Constitución, los derechos ygarantías aprobadospor tratadointernacional, también son derechos fundamentales los garantizados como un conjunto, como es elcaso de la protecciónde la familia, la propiedad y la libertad. Según el textoCódigo Tributario Nacional en los artículos121 y122,en el sentido amplio, la expresión contribuyenteaparece como sujeto pasivo dela obligación tributaria principaly accesoria.En análisis a las expresiones de los artículos166 Código Tributario Nacionaly150,§5.° de laConstitución Federal,serán considerados contribuyentesde hecho, aquél que, a pesar de no integrar larelación jurídicatributaria, soporta de hecho, la carga tributaria del impuesto. 347 Así también es consideradoen la clasedelos contribuyentes, aquellos que tienen el deber de soportar la fiscalización tributariay cooperarcon las autoridades fiscales, a pesar de noser sujetos pasivosdela obligación tributaria. Desde la perspectiva deun Estado democrático, la potestad tributariadebe ser creada de forma que se garanticela justicia socialy llegue al objetivo constitucionalde unavida dignapara todos los ciudadanos, en el respeto delosderechos y garantías fundamentales previstospor la ley. Eslegítimo queel Estado, a fin de satisfacerel bien común, ycomo organizadorde la soberanía, tenga quedisponerde los medios necesariospara su organización, diseñado para satisfacerlos intereses delbien común, por lo tanto carece delos medios necesarios paracumplir suspropósitos. Por lo tanto,se caracteriza por seruno de los prismasdela soberanía de unEstadoes supoder para afectar elpatrimoniode las personas físicas, que les exige contribucionesque necesitan, de acuerdo con las disposiciones legales. Lapotestad tributariaes la asignaciónlegalmenteconferida alEstado, con carácter exclusivo, para crear, aumentar, disminuiro extinguir los tributos con el fin derecaudar fondos parael logrode sus propósitos.Por lo tanto, la potestad tributariano es más queuna partede la soberanía populartransferidaal Estado. Para lograrsus fines sociales, el Estado necesita recursosfinancieros,esta vez, la tributaciónesel principal instrumentodel Estado parala obtención de estosrecursos. Sin embargo, los tributos no pueden ser creados o incrementados porel interéssimple del Estado, lo que generaríainseguridad jurídica yla posiblesupresión de los derechosfundamentales.Para asegurarse deque el tributo no sea arbitrario y sin límites, será previsto por la ley,la garantía de losderechosfundamentales de los ciudadanosy la definición delapotestad tributariadel Estado. Así, deeste poderse establecieronlímites paralaprotección y garantía delos contribuyentes, asegurando la seguridad jurídicaen el ámbito fiscal. Estalimitación 348 tiene por fin demarcar,delimitar, fijarla frontera olímite el ejercicio dela potestad tributaria, por lo tanto, se consideran instrumentos definidores o demarcadores. La limitación de lapotestad tributaria es determinadapor la Constitución paraprotegerel contribuyentecontra lavoracidad fiscaldel Estado. En el ordenamiento jurídico brasileñosólola ConstituciónFederal puededeterminarlos límites deeste poder. Sólola Carta Magna tiene la capacidad dedelimitarla potestad tributaria. Estas limitaciones delpoder tributarioaparecencomo prohibiciones, es decir, las inmunidadesconstitucionales, que son como verdaderas limitaciones de lacompetenciafiscal de las entidadesjurídicas de derecho público,y como un sistema deprotección de los derechosy garantías individuales. Las inmunidadesfiscales son consideradas formas de limitarel poderde tributar, sondisposiciones constitucionales que son anteriores al momento dela incidenciadel tributo.Es una renuncia fiscal o vedación de recaudación de tributo establecidaen nivel constitucional. Así, enel caso deestas limitaciones dela potestad tributaria, importante señalarque la inmunidad, exención yno incidência son institutos distintosy no se puedenconfundir. La inmunidad esuna limitación de lapotestad tributariay se produce cuandoel constituyenteexcluye del ámbito tributario determinadassituaciones yentidades. Esinmune yno puedesometerse a imposición, es decir, no puede ser alcanzadopor eltributo.Las inmunidadestributarias por lo generalsólo cubrirán losimpuestos, no incluyen lastasas, contribuciones de mejoras, las contribuciones sociales yel préstamoobligatorio. En este sentido, las inmunidades pueden entenderse comola no tributación que ocurre en función delas libertadespreexistentes.Constituyen un derecho fundamentalconstitucionalmente garantizado para el contribuyente. Por lo tanto,tienenun papeldelimitadordelámbito fiscal, demarcando negativamentelas facultadesfiscales de laspersonaspolíticas,y, sin embargo, 349 vinculándose a los derechoshumanos, que en última instancia, confiere a los destinatarios un derecho público subjetivo de no soportar imposición, que no puede ser modificada porenmienda constitucional. La Constitución Federal de1988, el artículo 150,VI, tratade las inmunidades con relación al patrimonio,ingresos o servicios, delos templos decualquier culto, el patrimonio, ingresos o serviciosde los partidos políticos, incluyendo susfundaciones,delos sindicatos de trabajadores, las instituciones educativas ylos servicios sociales,sin fines de lucro, que cumplen losrequisitos de la ley, así como de los libros, periódicos y papelpara suimpresión. En el §2.º,del mismo artículo, establece la misma prohibición de imposición fiscal con relación a lopatrimonio,ingresos o serviciosque se extiendea los municipiosy fundacionesinstituidas y mantenidaspor el Poder Público relacionados conla exploración de las actividades económicasque se rigen porlas normas aplicables alas empresas privadas, oque tiene contraprestaciones o pago de precios o tarifaspor parte del usuario. Se concedieron lasinmunidades tributarias para preservar los valoresconsideradosparticularmente relevantes propios delEstado Democrático de Derecho. Una vezconceptualizadoelinstituto dela inmunidad, es importante diferenciarlo de laexención. La inmunidad actúa en el plande definición de la potestad tributaria,está prevista por la Constitución yse considerala hipótesis deno incidencia calificada. Laexención actúa en el plan delejercicio dela potestad tributaria, es definida por la leyinfra constitucional, y es consideradauna hipótesisde exclusióndel crédito fiscal. Es importante destacar quela primera y principal diferencia para ser señalada entre la inmunidady la exenciónalude al hecho deque la inmunidadinterfiera conladefinición de la potestad y la exención en su ejercicio. Por lo tanto, la exenciónesuna exclusión delcrédito fiscal, es decir, sólo es una exención de laobligación depago del impuestocuando éste es debido por el contribuyente.Parala ocurrencia de la exenciónes necesariala existencia de unhecho 350 o acontecimientocapaz de generarla obligación tributaria.La exenciónes disciplinada en los artículos175 a 179del Código Tributario Nacional, siendo un tipo de exclusión del crédito fiscal. La no incidencia es la inexigibilidad deltributopor la ocurrencia deun hechoque no generala obligación tributaria, es decir, ocurre cuando los hechosy acontecimientos que no forman partede la orden tributariason jurídicamente incapaces de generarobligación. Se deduce que la no incidencia es el no encuadramiento normativopara una cierta conducta, es decir, cuando la conducta de hechono tiene soporteo identificación concualquier hipótesisnormativa,no hará elnacimiento de la relación jurídicatributaria.Por lo tanto, en la no incidencia, el hechono puedeser contempladolegalmente comogenerador de determinado tributo. Laslimitaciones no incluyen solamente lasinmunidadesabarcantambién, los principiosconstitucionales generalesy fiscales, considerado verdaderos vectoresdel sistemay tienenun papel más importante, establecidos como directriz con fin de limitarmás la potestad de tributar quelas simples normas constitucionales. El principioes la regla básicaimplícita o explícitaque, engrangeneralidad,ocupa una posicióndestacada enel sistema jurídico y, por lo tanto, vincula lacomprensióny la aplicación correcta, ya sea de los actosnormativos, sea de losmandamientosconstitucionales. Losprincipios son importantes de forma que dictan lasnormas que deben seguirsepara garantizar la buenamarcha dela órbitajurídica tributaria,garantizando los derechos delos contribuyentesy la preservación dela seguridadjurídica y fiscal. Siempre que hay unadoble interpretación deuna norma o una interpretacióndudosa, deben utilizarse losprincipioscon el fin deencontrar la solucióninterpretativa. De los principiosconstitucionales generalespodemos destacarel principio de igualdad (isonomia), legalidad, irretroactividad de laley tributaria, elderecho a la defensay al debido proceso legal, el principio delderecho de petición yel principio federativo en materia tributaria. 351 El principio de igualdad (isonomia) prohíbe el tratodesigual alos contribuyentes quese encuentren en situaciónequivalente, tiene como objetivo frenarla discriminaciónentre los ciudadanos, siendo obligatoria su observación ycumplimientopor parte de todos, es un corolariodela práctica democrática. El principio de legalidadprohíbe expresamente la Unión, los Estados, incluido el DistritoFederal y losmunicipios ejigir oaumentar los tributos sin que la leyestablezca.Laley es la basede este principio y garantía a los ciudadanos. El principio de la irretroactividad de laley fiscal es elinstrumento de que disponela orden jurídica para salvaguardar laestabilidad de las relacionesjurídicas dela constante transformacióndel sistema juridico.Se infiereque el principio deirretroactividades muy relevantey es uno delos principios básicos quesustentanel ejercicio dela potestad tributaria, garantizando los derechos de los contribuyentes. El principiodel derecho a ladefensa amplia comprende la garantía a las partes para discutir, es decir,además de participar en de la construccióndel principio contradictorio, tienen el derecho de formulartodas las alegacionesque consideren necesariaspara la formación dela decisión.Esto garantiza quedemandante y demandadoparticipen en un sentido amplio, con lo que todos los elementosque estimen pertinentespara asistir aljuiciopara entender mejorlas tesisofrecidas. Elprincipio del debido proceso legal es considerado como fundamental, tiene como objetivo orientarel ordenamiento jurídico, sea por abarcar,en cierto modo,los demás principios. Esel principio de queel proceso debeobservarnecesario yen cualquier caso la legalidad, para la presuposiciónde cualquierEstado de Derecho. El principio de derecho de peticióntiene por objeto garantizarque cualquierindividuo pueda formalmente dirigirse a cualquier autoridad del Poder Público, con el fin depresentar una reivindicación, requerir una información, queja oinclusosimple opinióndealgo relevante parasu propio interés, un grupo otoda la comunidad.Este principiotiene por objeto garantizarel ejercicio delas prerrogativas delEstado Democrático de Derecho. 352 Elprincipio federativo en materia fiscalexpresada enla Constituciónbusca proteger al contribuyente de los abusosy de la voracidad del ente estatal con el fin degarantizar la seguridad jurídica. Esteprincipio es clave en el interés del legisladorpara defender la forma federativadel Estado brasileño yla seguridad jurídicaen las relacionesfiscalescomo una forma deproteger alos contribuyentes. Con relación a los principiosconstitucionales tributarios puede señalarsela anterioridad tributaria, la potestad privativa ycomún de las personas políticasdel derechoconstitucional interno, selectividad, vedación de tributos confines de confisco, libertad de tránsito depersonas o bienes, la uniformidadgeográfica, lareserva de ley, lacapacidad de pagoy la no cumulatividad. Elprincipio de la anterioridad tributaria es una garantíapara los contribuyentes para que tengan conocimiento delos cambios fiscalesantes de su vigencia, la prohibición de larecaudación de tributos en el mismo añofiscal yel plazo de noventadías a partir dela publicación de la ley queinstituyóoaumentóel tributo. El principio de la competencia privativa y común de las personas políticas de derecho constitucional interno a la entidad fiscaltendrá suactividad restricta aquella materia quele sea constitucionalmente prevista, la obediencia irrestrictaa la Constitución. El principio de la selectividadaseguraque la tributacióndebeser mayor o menor, de acuerdo con la esencialidaddel bien. El principio de la prohibición de tributos con efectoconfiscatorio establece la vedación de utilizarse el tributo con fines confiscatorios, así, no puede el Estado,bajo el pretexto dela recaudación de tributos, apoderarse indebidamente de bienes de los contribuyentesbienes. Elprincipio de librecirculaciónde personas omercancías tiene con objetivo prohibir que elEstado imponga limitaciones de circulación de las personas obienes,por medio de tributos interestaduais ointermunicipales, con excepción de los peajes en las vías conservadaspor el Poder Público. 353 El principiode la uniformidadgeográfica tiene como fin ayudar a aumentar laintegridad del territorionacional,este principioprohíbe la Unión establecer untributoque noes uniforme en todoel territorionacional oque implicauna distinción opreferencia con respecto aun Estado, el Distrito Federalomunicipioen detrimentode otro. Su objetivo es allanar todos los 26 Estados y lo Distrito Federal, sin embargo los 5.570 municipios brasileño, pero con diferentes dimensiones económicaso territoriales. El principio de la reserva legal no es más queuna efectiva limitaciónalpoder punitivodel Estadoen el que nadiese vea privadode suvoluntad, sinobajo la ley. El principio decapacidad de pago establece que los impuestos, siempre que sea posible, debe tener carácter personal y deven ser valorados de acuerdo conla capacidad económicadel contribuyente. Elprincipio de no cumulatividad introduce una compensación con relación al que es debido encada operaciónrelativa a lacirculación de mercancíaso prestaciones de servicios con elimporte cobradoen las operaciones anteriorespor elmismo o en otroEstado miembroo en el DistritoFederal. Por lo tanto, se concluye que los principiosconstitucionalestributarios sonlimitaciones ala potestad tributaria, limitan y regulan la práctica de la competencia tributaria, incrementando mejor eficaciadealgunos valoresen el ordenamiento jurídico. La Constitución Federal de1988 he traído algunas innovaciones conrespecto a los derechosy garantías fundamentales, el principal objetivo fue llevar a cabo la instrumentalización de esosderechos.De esta manera, podemos destacar algunosinstrumentos jurídicosprocesales que visan al reconocimientode estos derechos, y que son considerados verdaderas armas a favordel contribuyente. Entreestosinstrumentos jurídicosprocesales garantes delos derechos del contribuyente estan el writ ofmandamus (mandado de segurança) individual y colectivo, el mandamusinterdictum (mandado de injunção), la repetición del pago indebido, laacción de anulación de duda fiscal, que también integran lalista 354 demecanismosjurídicosdeprotección delosderechos y garantías delos contribuyentes. El writ ofmandamus (mandado de segurança) individual o colectivo tiene el poder dedisiparlosobstáculos del acceso ala justicia ycon el objetivo deceleridaden la defensa delos derechos individuales ycolectivos, recurso legal recibidoen los últimos años, un diseño instrumento deprotección de efectivación de la tutela eficaz. Previsto en los incisos LXIXyLXXdel art.5.º de la ConstituciónFederal de 1988, writ ofmandamus individual o colectivo, tiene como objetivo la salvaguardia el derecho líquido y cierto cuando elresponsable por la ilegalidado abuso de poderes una autoridadopersona jurídica en el ejercicio de las atribuiciones del Poder Público, siempre que el hechoperquirido no sea amparado a través de lapetición de hábeas corpusyhábeas datas. Lo mandamusinterdictum (mandado de injunção), otro instrumento procesal, es utilizado para solicitarla reglamentación de una norma de la Constitución, cuandolos poderes que tienen potestad para hacer no lo hacen.El objetivo esgarantizar el derecho detodoindividuoperjudicado particularmente por la omisión. Por lo tanto, sólo aquellos que pueden editar leyespueden aparecer como sujeto pasivo de esa acción, dispuesto en el art. 5, inciso LXXIy el art.102,inciso I, letra qde la ConstituciónFederal de 1988 es clasificado comouna acción civilconstitucional.La no existencia dela norma reguladora hace imposible el ejercicio delos derechos ylibertadesconstitucionales yde las prerrogativasinherentesa la nacionalidad, la soberanía populary la ciudadanía. Es el caso de las llamadas normas deeficacia limitada, que son los tipos dereglas que dependen dereglamentación. La repetición depago indebido esla posibilidad y el derechodel contribuyente de peticionar solicitando, ante las autoridades fiscales, ladevolución del tributo pago indebidamente.Esun modo deenriquecimientosin causa, en base a la ausencia dedeuda ypago indebido porun objeto lícito. 355 A pesar de todosestosmecanismosgarantesdelos derechos del contribuyenteintroducidos porla Constitución Federal de1988, es mucho lo quetiene que hacerse aun parael logrode la verdadera justicia fiscal. Es común en Brasil ennuestros tiempos una pelea entre las autoridades fiscalesy los contribuyentes, laprimeratratando de recaudarmás y para lo tanto aprovechando de todas las formas deinstitución oaumento de los tributos, y el segundobuscando formasy mecanismoslegales paraminimizarel impacto del aumentode la carga fiscal. Podemos ver todos los esfuerzos que el legislador tuve en la redacción dela Constitución Federal de1988 con relación a losderechos y garantías delos contribuyentes, fue válidos, aunque aún probrable de violaciones en cuanto a la efectiva aplicación de los mismos. El problemaen el ordenamiento jurídico brasileñoradica en suinterpretación o mismo en la aplicación. Confrecuencia la autoridad fiscal viene utilizadonormaspara contrarrestar losprincipios constitucionales generalesyfiscales que ofreceauténticaviolaciónlegal a los mecanismos de defensa delcontribuyente.La posibilidad de quelas autoridades fiscalesde legislaren beneficio propio editando yreeditando ilimitadamente Medidas Provisionales, han convertido enel mayor de losabusos cometidos por elpoder tributario contra los contribuyentes. Debido a todos estosabusos delpoder tributario, es necesario llevar a cabo la efetivación de la concretización práctica deestos derechos, cristalizados en el ordenamiento jurídico diseñado en un estatuto que tiene por objetivo laestabilización de las relacionesentre las autoridadestributarias y los contribuyentes, asegurando un ambiente de igualdad.Este instrumentono sólodebe servir comoun escudocontra el poder fiscal, pero traer aparatos a cerca de losintereses de los contribuyentes. Desdeeste escenario, parecen darreal eficacia alos principiosconstitucionales y garantías individuales delos contribuyentes, unindo de 356 manera más efectivael comportamientode la Administración Pública, evitandose interpretacionesperjudicialesa las expectativas dela sociedad. En este sentidodenota larelevancia de los proyectosdeLey Complementaria n.°646/99y 38/2007, ambos proponiendo la creación deun Estatutodel Contribuyenteen los qué el objetivo principal esla introducción demedidas para proteger elcontribuyentecontra cualquierabuso o arbitrariedadde las autoridades fiscales. Asíquese estableceríanlos tresgrandes pilaresde protección de los ciudadanos-contribuyentes en Brasil:la ConstituciónFederal, el Código Tributario Nacional y el EstatutodelContribuyente. Muchas son las críticas cuanto a la creación del Estatutodel Contribuyenteque todavía noes una realidaden el ordenamiento jurídico fiscal brasileño. Y en verdad losproyectos requierenalgunas revisiones, pero no se puede negarque seríaun instrumento positivoparala concretización de losmecanismos de igualdadjurídica, revivificandolosideales de justicia socialde la sociedadcivil y concretización del Estado Democratico de Derecho. En España, laLey deDerechos yGarantías de los Contribuyentes(Leyn.°1de 26 defebrero de 1998), es considerada un marco enel proceso de mejorarel principio deseguridad jurídica, queconstituye una normade defensa de los contribuyentesque incluye elcontrol del gasto público, o la aplicaciónde los ingresos dela recaudación de tributos, un sistema másequilibrado y justoen el ámbito fiscal, innegablecaracterística de lassociedades democráticasmás avanzadas. Es innegable quela relaciónentre la imposiciónfiscal dela entidad estatalyla garantía de losderechos de los contribuyentesdebería llevarse a cabode una forma equilibraday armoniosa, sin arbitrariedady el abuso. Por último, esde fundamental importanciala existencia de mecanismos de protección contra la potestad tributariadel Estado, como garantía social,en la medida enqueprotegecontra los abusos de la tributación yestablecen los derechosy garantías 357 delos contribuyentesque buscanlaseguridad jurídica para la realización de la verdaderaJusticia Fiscal. El objetivo final, por supuesto, es la garantíade la democracia, la libertad de expresióny la ciudadanía. 358 359 BIBLIOGRAFIA Doutrina ACCIOLI, Wilson. Instituições de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1981. ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Tributário na Constituição e no STF. Rio de Janeiro: Impetus, 2001. ALVES, Francisco de Assis. Imunidades tributárias. apud MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidades Tributárias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. ALVIM, Arruda. Manual de Processo Civil. 10.ª ed. v.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. ALVIM, Eduardo Arruda. Mandado de segurança. 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Lazarano Neto; DJe 30/06/2010; p. 260. www.trf3.jus.br, pesquisado em 16/06/2014. 4.ª R. – AC 2001.71.00.002463-3/RS – 1.ª T.; Rel. Des. Fed. Luiz Carlos de Castro Lugon; DJU 29/01/2003; p. 239. www.trf4.jus.br, pesquisado em 16/06/2014. 4.ª R. – AC 2005.72.01.004337-1/SC; Rel. Otávio Roberto Pamplona; DJe 10/12/2008; p. 168. www.trf4.jus.br, pesquisado em 16/06/2014. 4.ª R. – AC 0001867-02.2008.404.7113; RS; Segunda Turma; Rel.ª Juíza Fed. Vânia Hack de Almeida; Julg. 14/09/2010; DEJF 24/09/2010; Pág. 98. www.trf4.jus.br, pesquisado em 16/06/2014. 4.ª R. – Processo nº 1998.04.01.090888-5, Relator: Juiz João Pedro Gebran Neto. 5.ª R. – AC 276.095/PE; 1.ª T.; Rel. Des. Fed. Ivan Lira de Carvalho; DJU 19/12/2002; p. 595. www.trf5.jus.br, pesquisado em 16/06/2014. 387 5.ª R. – AC 489632; Proc. 2009.83.02.000547-0; PE; Segunda Turma; Rel. Des. Fed. Barros Dias; DJETRF5 24/09/2010. www.trf5.jus.br, pesquisado em 16/06/2014. Tribunais Regionais do Trabalho 2.ª R. – RO 01623200604702006 – (20080743131); 11.ª T.; Rel.ª Des.ª Fed. Dora Vaz Treviño; DJe 08/09/2008. www.trt2.jus.br, pesquisado em 16/06/2014. 3.ª R. – AP 00027-2005-139-03-00-6, Segunda Turma, Relator Juiz Conv. Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto, de 06/02/2007; AP 00027-2005-139-03-00-6, Segunda Turma, Relator Juiz Conv. Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto, de 06/02/2007. www.trt3.jus.br, pesquisado em 16/06/2014. Legislação Constituição Federal de 1988 da República Federal do Brasil. Decreto n.º 14.876, de 12/03/ 91, artigo 77. Decreto n.º 24.569, de 31/07/97, artigos 101-103. Decreto n.º 37.699, de 26/08/97. Projeto de Lei Complementar n.º 646/1999.
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