Artigo talento_a pratica
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Artigo talento_a pratica
Talento – A prática como caminho obrigatório Álvaro C. Martins* “Na sua infância quantas horas dedicavas, por dia, a prática de Futebol? Cruyff – de 5h a 6h; Laudrup – 5h; Messi – Todas” Ruiz, L. O talento nasce ou é construído? Como treinadores, temos quase uma obrigação moral de acreditar que a resposta para esta pergunta se encontra muito mais na segunda opção do que na primeira. Se pensarmos que Messis, Ronaldinhos e Neymares simplesmente “nascem”, significa que não acreditamos no poder da prática, seja ela completamente informal ou formal, e, de fato, não acreditamos que ela pode moldar como os jogadores jogarão no futuro, seja ele próximo ou ainda muito distante. Daniel Coyle (2009) diz que “A teoria da excelência através do talento natural, priva as pessoas e as instituições da motivação para se mudarem a si mesmas e às sociedades.”. Isso aumenta nossa argumentação quanto a necessidades dos treinadores e professores verem o treino e a prática como questão obrigatória para o sucesso, e não só no Futebol! Como o autor põe, quando se entende mal a questão do talento, leva a que as pessoas se tornem conformistas já que não acreditam na mudança, não acreditam na melhoria e não acreditam que se tivessem trabalhado muito poderiam ter sido qualquer coisa. É muito dificil compreender isso, de certo modo, é assumir os próprios erros. Garganta (2014) afirma que o Talento Potencial pode existir antes do treino, mas o jogador só existe depois disso. O Talento Potencial citado pelo Prof. nesta frase significa que pode haver determinadas potencialidades e predisposições genéticas que podem contribuir para que uma criança se torne no futuro um talento real, um jogador, assim como pode haver determinadas influências, vivências e experiências que levaram alguém a ser um Talento Potencial. Temos que lembrar que muitos Talentos Potenciais o são apenas em determinadas idades e depois, por diversos motivos, acabam não potencializando esse talento e deixando, eventualmente, de o ser. Consequentemente deixando de se tornar um jogador. Mas o que a frase realmente tenta passar, não é que existe esse potencial, mas que o jogador só existe depois da prática, não há uma opção em que o potencial se tranforme em jogador sem praticar. O autor põe isso como condição obrigatória para e com muito sentido. Como dissemos anteriormente um indivíduo pode ter predisposições que facilitarão ou farão com que as suas experiências sejam vividas de maneira diferente dos outros. Lai (2006) afirma que a diferença de altura entra os indivíduos é definida de 60% a 80% geneticamente. Esse autore afirma que há influência genética em determinados fatores que compõem a morfologia do indivíduo, logicamente, afetando como esse irá viver suas experiências. Mas não pensem que as coisas acabam aqui. Hebb, em 1949, realizou experiências com crianças muito novas, sem deficiências e afirmou que elas só conseguem compreender os objetos depois de um treinamento arduo e prolongado. Antes do treinamento elas só conseguiam ver os objetos, sem conseguir compreendê-los e identificá-los. Sendo capazes posteriormente de fazer assossiações de cores e formas com objetos nunca vistos antes por elas. Por exemplo, as crianças estavam treinando para compreender o que era um triângulo vermelho e um quadrado verde. Depois do treino e de conseguir compreender os conceitos de “triângulo”, “quadrado”, “vermelho” e “verde”, elas, mesmo sem nunca ter visto antes, conseguiam compreender um quadrado vermelho e um triângulo verde porque passaram a utilizar os conceitos de forma separada. Como se transformassem a ideia inicial de que há um objeto “triângulo vermelho” em duas novas ideias que podem ser usadas separadamente: o “triângulo” e o “vermelho”. Hebb (1949) afirma que “essa é uma evidência clara que a transferência de conceitos é fruto da aprendizagem; a percepção dos padrões é específica e limitada no início e generalizada apenas depois de muita prática.”, confirmando mais uma vez que a prática é essencial para qualquer aprendizagem. Além disso, no artigo anteriormente citado, de Lai, que fala da influência genética na altura das pessoas, ele ainda afirma que o meio influencia de 20% a 40% na estatura do indivíduo. Até um pesquisador mais focado na parte genética e biológica nos alerta sobre a importante influência do meio, até em aspectos morfológicos que nos parecem ser “100% hereditários”. Se já em idades muito baixas pode-se notar que há uma aprendizagem mesmo em termos de compreensão, acham que os mais velhos também podem melhorar e aprender? Toni Kroos diz que sim: “Ele (Pep) está sem dúvida entre os melhores treinadores que eu já tive. Ele me ajudou muito no meu desenvolvimento como jogador.”. Se um jogador de 24 anos, campeão mundial pode melhorar, creio que todos podem. Além dele, Cristiano Ronaldo, o melhor do mundo também acha que treinar ajuda: “Treino três ou quatro horas por dia. Costumo deitar-me cedo para estar bem no dia a seguir.”. A prática é essencial em todas as idades para que alguém se torne um talento ou até mantenha-se como talento. Laureano Ruiz (2013), conta-nos em um de seus livros o que dizia aos treinadores do Barcelona F.C quando lá chegou em 1972: “Os treinadores consideravam que na Catalunha havia um alto nível de vida e por esse motivo os meninos não se dedicavam ao Futebol e praticavam outras modalidades. Eu lhes disse que jogaríamos com meninos catalães – poderiam existir exceções, mas só porque possuiam uma grande qualidade – porque na realidade podemos forjar jogadores em qualquer lugar, eles só precisam de uma grande paixão, muita vontade de praticar com a bola e bons professores.”. Mais um treinador que acredita fielmente no poder das vivências e dos contextos. Utilizando o conceito de transferência já citado anteriormente, uma pessoa pode aprender como se comporta uma pedra, uma latinha ou uma bola de meias quando é chutada e isso poderá se transferir para como o indivíduo vai compreender o movimento da bola. Mas o Futebol é claramente um jogo cultural, ele não está adquirido pelo nosso corpo quando nascemos, tem que ser aprendido, tanto em termos de regras como na forma como se joga! É tão claro que há influências culturais na maneira de jogar Futebol que podemos olhar para o Futebol Inglês, o Futebol Brasileiro e o Futebol Italiano e vemos 3 “Futebóis” completamente diferentes, influenciados pela forma como aquele país viu e vê o Futebol. Nós temos nossas vivencias e nossas experiências. Vivemos isso com a morfologia que temos e é com ela que temos que aprender a lidar com o meio. No Futebol é a mesma coisa, os mais baixos podem se apoiar mais em dribles curtos, em enganar o outro, enquanto os maiores podem se destacar pelo forte jogo aéreo ou pela velocidade. Na verdade, podem se destacar por qualquer coisa, mas a morfologia vai influenciar claramente a maneira de jogar. Outrora havia um Cristiano Ronaldo mais driblador, agora há um muito mais objetivo e finalizador. Da mesma forma que o Romário e o Ronaldo Fenômeno já jogaram numa velocidade inacreditável com dribles de todas as maneiras imagináveis e mais próximo do fim da carreira jogaram de forma diferente. O importante é entender que os jogadores têm que conseguir lidar com o meio e adaptar-se com o que o corpo pode ou não dar-lhes. O Futebol é muito mais complexo que um “triângulo vermelho” e mesmo o triângulo precisa ser aprendido. Ainda acha que alguém “nasce jogador de Futebol”? E passada essa barreira da necessidade do treino, há uma pergunta ainda mais complicada de responder: Garganta 2014: Que condições levam a que o talento possa despontar e evoluir? *Graduando na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP) *Treinador da formação do Boavista FC - Portugal Bibliografia Coyle, D. The talent code. 2009 Garganta, J. Anotações das aulas ministradas em Metodologia I – Futebol. 2014 Goal. Toni Kroos. 2014. Disponível em: http://www.goal.com/en/news/12/spain/2014/07/18/4966860/guardiola-has-made-me-abetter-player-says-kroos?ICID=HP_BN_1 Hebb, D. The organization of behavior: A neuropsychological theory.1949 Lai, C., 2006. Disponível em: http://www.scientificamerican.com/article/how-much-ofhuman-height/ PT Jornal. Cristiano Ronaldo. 2014. Disponível em: http://www.ptjornal.com/2014012120542/geral/desporto/cristiano-ronaldo-em-entrevistatreino-quatro-horas-por-dia.html Ruiz, L. El auténtico método del barça. 2013.