da Proclamação da República à Revolução de 1930

Transcrição

da Proclamação da República à Revolução de 1930
ESCOLA DE COMANDO E ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO
ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO
Ten Cel Cav HUMBERTO SILVEIRA DE ALMEIDA
A participação do Exército na evolução política do Brasil da Proclamação da República à Revolução de 1930
(INTENCIONALMENTE EM BRANCO)
Rio de Janeiro
2014
Ten Cel Cav HUMBERTO SILVEIRA DE ALMEIDA
A participação do Exército na evolução política do Brasil da Proclamação da República à Revolução de 1930
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército, como requisito
para a obtenção de certificado de pósgraduação lato sensu em Ciências
Militares.
Orientador: Ten Cel Art GUSTAVO JOSÉ BARACHO DE SOUSA
Rio de Janeiro
2014
A 447p Almeida, Humberto Silveira de.
A participação do Exército na evolução política do Brasil –
da Proclamação da República à Revolução de 1930.
Humberto Silveira de Almeida. 2014.
169 f. 29,7 cm.
Trabalho de Conclusão de Curso – Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2014.
Bibliografia: f. 168-169.
1. Exército Brasileiro 2. Participação 3. Evolução 4.
Política.
CDD 355.033
Ten Cel Cav HUMBERTO SILVEIRA DE ALMEIDA
A participação do Exército na evolução política do Brasil da Proclamação da República à Revolução de 1930
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército, como requisito
para a obtenção de certificado de pósgraduação lato sensu em Ciências
Militares.
Aprovado em 21 de julho de 2014.
COMISSÃO AVALIADORA
___________________________________________
GUSTAVO JOSÉ BARACHO DE SOUSA - Ten Cel
Presidente
_____________________________
RICKMANN SCHMIDT – Ten Cel
Membro
______________________________________
ANSELMO RANGEL DOS ANJOS – Ten Cel
Membro
Às minhas amadas Flores, esposa Ana
Paula e filha Manuela, que tiveram
compreensão, paciência e boa vontade de
animar-me em todos os momentos deste
trabalho.
Agradeço ao meu orientador neste
trabalho, tenente-coronel Gustavo José
Baracho de Sousa, pela atenção e
compreensão dispensada.
Si vis pacem, para bellum.
Se queres a paz, prepara-te para a guerra.
Publius Flavius Vegetius Renatus
RESUMO
Este trabalho de conclusão de curso tem por objetivo conhecer a relevância da
participação do Exército Brasileiro na evolução política do Brasil, entre a
Proclamação da República e a Revolução de 1930. É comum referir-se ao Exército e
aos militares como protagonistas dos vários eventos históricos do período.
Questiona-se, porém, até que ponto a instituição e a classe militar tiveram condições
de agir de acordo com suas convicções ou se foram arrastados pelos interesses e
acontecimentos de então. Para atingir o objetivo, procurou-se apresentar os diversos
atores e fatos históricos, com atenção especial aos militares que tiveram relevância.
Também se abordou as dificuldades que esses militares tiveram para manter a
nação coesa, modernizar o Exército e para implantar o serviço militar obrigatório. No
contexto da República Velha, dominada pelas elites políticas e antigas oligarquias
agrárias, este trabalho procura caracterizar a atuação das novas gerações de
oficiais, “doutores”, Jovens Turcos, “Tenentes”, que buscariam confrontar o velho e o
novo Brasil, a fim de mudar-lhe o futuro e colocá-lo de vez no século XX.
Palavras-chave: Exército Brasileiro, Participação, Evolução, Política.
ABSTRACT
This course conclusion work aims to understand how the involvement of the Brazilian
Army in the political evolution of Brazil, between the proclamation of the Republic and
the 1930’s Revolution. It's common to refer to the Army and the military as
protagonists of various historical events period. Wonders, however, how far the
military institution and the class were able to act according to their convictions or
were swept away by the interests and events of that time. To achieve the goal, we
tried to present the various actors and historical facts, with special attention to the
military that had relevance. Also addressed the difficulties that these military had to
maintain a cohesive nation, modernize the Army and to deploy mandatory military
service. In the context of the Old Republic, dominated by political elites and old
agrarian oligarchies, this paper aims to characterize the performance of the new
generations of officers, “doctors”, Young Turks , "lieutenants", who seek to confront
the old and the new Brazil, in order to change it the future and put it again in the
twentieth century.
Keywords: Brazilian Army, Participation, Evolution, Politics.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 12
1.1 O PROBLEMA ............................................................................................................ 12
1.2 OBJETIVOS ................................................................................................................ 13
1.3 HIPÓTESE .................................................................................................................. 14
1.4 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO .................................................................................... 14
1.5 RELEVÂNCIA DO ESTUDO ...................................................................................... 14
2 A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA ........................................................................ 15
3 O GOVERNO DO MARECHAL DEODORO DA FONSECA .................................... 20
4 O GOVERNO DO MARECHAL FLORIANO PEIXOTO ............................................ 24
4.1 A REVOLTA DA ARMADA E A REVOLTA FEDERALISTA ................................... 24
5 A GUERRA DOS CANUDOS ....................................................................................... 30
5.1 O GOVERNO DE PRUDENTE DE MORAIS E OS MILITARES ........................... 30
5.2 O CONFLITO NO SERTÃO ....................................................................................... 31
6 O EXÉRCITO E O BRASIL NOS PRIMEIROS ANOS DO SÉCULO XX ................ 36
6.1 A SITUAÇÃO CLAMA POR REFORMAS ................................................................ 36
6.2 A VIDA MILITAR NA NAQUELES TEMPOS ........................................................... 37
6.3 O MINISTÉRIO MALLET E OS ESFORÇO PARA REFORMAR O EXÉRCITO .. 39
7 A QUESTÃO DO ACRE ............................................................................................... 41
8 CRISE SOCIAL E REVOLTA NA ESCOLA MILITAR .............................................. 45
8.1 O MINISTRO ARGOLLO E A DEFESA DO BRASIL .............................................. 45
8.2 A REVOLTA NA ESCOLA MILITAR ......................................................................... 46
9 NOVAS TENTATIVAS DE REFORMAR O EXÉRCITO E O SERVIÇO MILITAR . 48
9.1 A EDUCAÇÃO DOS OFICIAIS.................................................................................. 48
9.2 O MINISTÉRIO HERMES DA FONSECA ................................................................ 48
9.3 INSTRUÇÃO MILITAR ESTRANGEIRA .................................................................. 52
10 O GOVERNO DO MARECHAL HERMES ................................................................ 54
10.1 O MOVIMENTO SALVACIONISTA ........................................................................ 58
11 A GUERRA DO CONTESTADO................................................................................ 66
12 A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL IMPÕE MUDANÇAS ....................................... 79
12.1 AS FORÇAS ARMADAS E A SOCIEDADE .......................................................... 79
12.2 O SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO .................................................................. 83
12.3 OS SARGENTOS SE REBELAM ........................................................................... 85
12.4 O ESFORÇO PELO SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO................................... 85
12.5 MATERIAL DE EMPREGO MILITAR E A INDÚSTRIA NACIONAL ................... 87
12.6 AS REFORMAS DO EXÉRCITO E DA NAÇÃO ................................................... 90
12.7 OS JOVENS TURCOS IMPÕEM SUA VISÃO ...................................................... 92
13 O EXÉRCITO E O PROFISSIONALISMO ................................................................ 94
13.1 A RETOMADA DE UMA MISSÃO MILITAR ESTRANGEIRA ............................. 94
13.2 O MINISTRO CARDOSO DE AGUIAR E OS FRANCESES ............................... 95
13.3 A MISSÃO FRANCESA E O GENERAL GAMELIN .............................................. 96
13.4 AS INICIATIVAS POR UMA INDÚSTRIA MILITAR .............................................. 98
14 AS AGITAÇÕES DA DÉCADA DE 1920................................................................ 100
14.1 OS TENENTES REVOLUCIONÁRIOS ................................................................ 100
14.2 O AMBIENTE APÓS A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL ................................... 101
14.3 O MINISTÉRIO CALÓGERAS E O GENERAL BENTO RIBEIRO .................... 102
14.4 A SITUAÇÃO DO EXÉRCITO ............................................................................... 104
14.5 O BRASIL NOS ANOS 20 ..................................................................................... 104
14.6 O SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO ................................................................ 106
14.7 LIDERANÇA E ORGANIZAÇÃO DO EXÉRCITO ............................................... 106
14.8 A OFICIALIDADE ................................................................................................... 110
14.9. AS ESCOLAS DE OFICIAIS ................................................................................ 111
14.9.1 A ESCOLA MILITAR DO REALENGO .............................................................. 111
14.9.2 A ESCOLA DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS ..................................... 112
14.9.3 A ESCOLA DE ESTADO-MAIOR ...................................................................... 113
14.10 A MISSÃO FRANCESA ....................................................................................... 114
14.11 OS QUARTÉIS DE CALÓGERAS ...................................................................... 116
15 A REVOLUÇÃO DE 30 ............................................................................................. 119
15.1 AS REVOLTAS TENENTISTAS ........................................................................... 119
15.2 A REVOLTA DOS TENENTES EM SÃO PAULO ............................................... 123
15.3 A ASCENSÃO DE GÓES MONTEIRO ................................................................ 127
15.4 A REVOLUÇÃO AVANÇA ..................................................................................... 130
15.5 O GOLPE DOS GENERAIS NO RIO DE JANEIRO ........................................... 139
16 DISCUSSÃO DA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ..................................................... 146
17 CONCLUSÃO ............................................................................................................ 164
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 168
12
1. INTRODUÇÃO
1.1 O PROBLEMA
O Exército Brasileiro, desde sua gênese no século XVII, participou com
destaque da evolução política do Brasil, até o fim dos governos militares, em
meados da década de 1980. Porém, no período entre os eventos da Proclamação
da República e da Revolução de 1930, a Força Terrestre e muitos militares, de
forma isolada ou agindo em conjunto, foram protagonistas em várias ocasiões e, em
maior ou menor grau, influenciaram nos destinos políticos do Brasil.
De modo geral, podem-se citar diversos eventos da evolução política brasileira,
a partir do fim do século XIX. À Proclamação da República, em 1889, seguiram-se
os governos militares, a “República da Espada”: do Marechal Deodoro da Fonseca,
que renunciou em 1891, após enfrentar a Crise do Encilhamento e a falta de apoio
do Poder Legislativo; e do Marechal Floriano Peixoto, entre 1891 e 1894, que
enfrentou a Revolta da Armada (1891) e a Guerra Civil (Revolta Federalista). Esta
teve início em 1893 e se prolongou até 1895, já no governo do civil Prudente de
Morais, que negociou o seu fim. Além de parte da Guerra Civil dos Federalistas, o
sucessor do Marechal Floriano também se deparou com a crise civil e militar de
Canudos, entre 1896 e 1897.
Após o fim da Guerra de Canudos, seguiu-se um período de relativa
estabilidade, instaurando-se a “Política dos Governadores”, durante o governo de
Campos Sales, que teve em seus dias a Questão Acreana, com a Bolívia. Seu
sucessor – Rodrigues Alves, porém, enfrentou a Revolta da Escola Militar da Praia
Vermelha, em novembro de 1904, no contexto da Revolta da Vacina. A sequência
de presidentes civis foi interrompida pelo governo do Marechal Hermes da Fonseca,
entre 1910 e 1914, que implantou a malograda Política de Salvações, pretendendo
moralizar a política nacional, por meio de intervenções nas oligarquias estaduais.
Entretanto, o Marechal enfrentou, já nos primeiros dias do seu governo, a Revolta da
Chibata e, no meio do mandato, a grave crise do Contestado.
O período seguinte teve o retorno dos presidentes civis das oligarquias
agrárias, com Venceslau Brás, entre 1914 e 1918, vivendo ainda a Guerra do
Contestado por quase dois anos e tendo a pequena participação militar do Brasil nos
conflitos da Primeira Guerra Mundial. Os demais governos que se seguiram, com o
13
presidente interino Delfim Moreira (novembro de 1918 a julho de 1919), Epitácio
Pessoa (1919 a 1922), Artur Bernardes (1922 a 1926) e Washington Luis (1926 a
1930), testemunharam o surgimento e a atuação do Tenentismo e seus movimentos:
a Revolta no Rio de Janeiro (1922), a Revolta em São Paulo e a Comuna de
Manaus, ambas de 1924, e a Coluna Miguel Costa – Prestes. Os movimentos
tenentistas deram força à Revolução de 1930 que, com o apoio de militares, impediu
a posse do presidente eleito – Júlio Prestes, pôs fim à República Velha das
oligarquias e inaugurou a Era Vargas.
Este trabalho se propõe a expor, por meio de uma revisão bibliográfica, as
características da história e da participação do Exército na evolução política do
Brasil, da Proclamação da República à Revolução de 1930. Além disso, pretende-se
caracterizar o ambiente que antecedeu o processo que culminou com a queda da
Monarquia e a participação das forças armadas e de militares nos seguintes
eventos: a Proclamação e a Consolidação da República, os governos militares, a
Revolta da Armada e a Guerra Civil Federalista, as rebeliões da 1ª República
(Canudos, Contestado, Chibata), a Questão Acreana, a Revolta da Escola Militar, a
Política de Salvação Nacional, a Primeira Guerra Mundial, o Tenentismo e as
revoltas dos “Tenentes” no Rio de Janeiro, em 1922, e em São Paulo, em 1924,
quando também se estabeleceu a Comuna de Manaus, a Coluna Miguel Costa –
Prestes, e a Revolução de 1930.
Feita sucinta apresentação dos eventos históricos que envolvem o período em
estudo neste trabalho, pode-se inferir que houve participação intensa do Exército
Brasileiro e de militares, individualmente, ou no âmbito da Força, na evolução
política nacional. Entretanto, este estudo propõe o seguinte problema: a participação
do Exército nessa evolução política foi relevante para provocar uma alteração nos
rumos que se seguiram?
1.2 OBJETIVOS
Objetivo Geral: Expor, por meio de uma revisão bibliográfica e documental, as
características da participação militar na Evolução Política do Brasil, da Proclamação
da República à Revolução de 1930, destacando sua relevância.
Objetivos específicos:
14
a. Caracterizar o ambiente que antecedeu o processo que culminou com a
Proclamação da República;
b. Caracterizar a participação do Exército e de militares nos seguintes eventos:
a Proclamação e a Consolidação da República, os governos militares, a Revolta da
Armada e a Revolução Federalista, as rebeliões da 1ª República (Canudos,
Contestado, Chibata), a Questão Acriana, a Revolta da Vacina, a Política de
Salvação Nacional, a Primeira Guerra Mundial, o Tenentismo e a Revolta dos
Dezoito do Forte de Copacabana, a Revolta Paulista, a Comuna de Manaus e a
Coluna Miguel Costa – Prestes, e a Revolução de 1930.
1.3 HIPÓTESE
A participação do Exército na evolução política do Brasil, da Proclamação da
República à Revolução de 1930, foi relevante para os rumos tomados pelo país, no
período? A instituição e os militares agiram de acordo com suas convicções ou
foram instrumentos nas mãos de interesses políticos e sociais da época?
1.4 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO
Os eventos históricos já abordados neste trabalho serão estudados por meio de
uma pesquisa qualitativa às fontes bibliográficas disponíveis tomando-se por foco a
relevância da participação das forças armadas e de militares, dentro ou fora do
contexto destas instituições, na evolução política do Brasil, entre 1889 e 1930.
1.5 RELEVÂNCIA DO ESTUDO
O assunto é importante para a educação militar, uma vez que busca detalhar
exposições das características da participação militar em período importante da
História do Brasil. Pretende-se com o trabalho atingir pesquisa histórica de
relevância que contribua para disseminar conhecimentos a respeito do tema.
15
2 A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA
Koshiba e Pereira (2003, p. 323) observam que “a partir de 1850, com a
abolição do tráfico [de escravos], começou no Brasil um processo de profunda
transformação econômica e social”. Houve crescimento da população, a indústria
têxtil cresceu, o transporte melhorou, aumentou a urbanização e, na produção
agrícola, os escravos foram substituídos trabalhadores livres (imigrantes). De acordo
com Sena (1995, p.19), “[...] a partir da década de 1870 começou o declínio do
Império [...] a Guerra da Tríplice Aliança chegava ao fim, inaugurando-se nova fase
do Exército Brasileiro, após cinco anos de contato de nossos oficiais com militares
de repúblicas vizinhas.”. Nelas, os militares geralmente estavam no poder. Para
agravar o sentimento de grande parte da oficialidade do Exército em relação à
Monarquia, D. Pedro II tratava as questões da instituição com descaso.
Depois da Guerra do Paraguai, os militares tomaram consciência de sua
importância e gradativamente começaram a manifestar insatisfação pelo
tratamento recebido do governo imperial. (KOSHIBA; PEREIRA, 2003, p.
327).
Arruda e Piletti (2004, p. 317) afirmam que “até hoje pairam dúvidas sobre as
intenções do marechal Deodoro da Fonseca ao ocupar o Ministério da Guerra.
Grande amigo do imperador, pretendia ele acabar com a Monarquia ou apenas
forçar a mudança do Ministério?” Alguns historiadores especulam que Deodoro teria
sido convencido a depor o gabinete do visconde de Ouro Preto (MCCANN, 2009, p.
28), de quem era desafeto, e que o “viva” dado à frente da tropa, no Campo de
Santana, teria sido dirigido ao Monarca.
Não há dúvida, porém, de que o gabinete imperial reunira-se durante toda a
noite de 14-15 de novembro no Ministério da Marinha, buscando modos de
salvar-se e, ao amanhecer, mudara-se para um refúgio supostamente mais
seguro no quartel-general do Exército, sendo logo confrontado por unidades
da guarnição do Rio de Janeiro. (MCCANN, 2009, p. 28).
Fato é que, no dia seguinte, publicava-se no Diário Oficial o texto da
Proclamação da República (ARRUDA; PILETTI, 2004, p. 317). McCann (2009, p. 28)
questiona: “Quem teve o papel mais importante, Deodoro ou o tenente-coronel
Benjamin Constant, propagandista republicano nas escolas do Exército?” A
passagem histórica do fim da Monarquia brasileira é cheia de incertezas. Prossegue
McCann (2009, p. 28): “O comandante do Exército, [...] marechal-de-campo Floriano
16
Peixoto, estava sinceramente tentando defender o regime em seus últimos dias
[...]?”.
Essas incertezas geraram um espaço histórico que os criadores de mitos
tratam alegremente de preencher. A lacuna historiográfica em torno de 1889
é mais do que curiosa; é um dos aspectos bizarros da história brasileira
moderna e, ela própria, digna de estudo. (MCCANN, 2009, p. 28).
Arruda e Pilleti (2004, p. 317) assinalam que o movimento de 15 de novembro
resultou da iniciativa de uma nova elite que queria chegar ao poder implantando o
novo regime. Segundo o autor, o Exército teria servido apenas como uma força
capaz de concretizar o objetivo. Também destaca a falta de participação popular. O
ministro do Governo provisório, Aristides Lobo, teria dito que “o povo assistiu
bestializado” ao movimento que pôs fim à Monarquia.
Na década de 1880, o governo imperial percebia uma queda na lealdade do
Exército. Uma nova geração de oficiais, mais instruídos e mais urbanos, dava-lhe
novo aspecto. Nos escalões superiores, havia muitos veteranos da Guerra do
Paraguai, sentindo-se à margem do regime, da sociedade e do ambiente dos oficiais
subalternos. O sistema de promoções, moroso e sujeito à influência política e ao
apadrinhamento, refletia no orgulho profissional e na queda do poder aquisitivo
baseado no soldo. (MCCANN, 2009, p. 28).
McCann (2009, p. 29) destaca também a diminuição do número de altos oficiais
em posições elevadas no gabinete imperial, que passaram a ser ocupadas por
bacharéis das faculdades de direito, os “casacas”. Isto gerava um sentimento de
distanciamento e desvinculação do governo monárquico.
Outro aspecto que, segundo McCann (2009, p 29), na época, gerava grande
frustração dentre a oficialidade e reflexos negativos para a imagem do Exército era o
funcionamento do serviço militar. Apesar de ter sido aprovada uma lei, em 1874,
proclamando o alistamento universal para um sorteio militar, o sistema era, na
realidade, utilizado pelo Império como penitenciária.
No campo político:
Jovens oficiais, particularmente, sentiram-se atraídos pelo Partido
Republicano após sua formação, em 1870, e um deles [...] ajudara a redigir
o célebre manifesto republicano daquele ano e participara do jornal A
República. A Escola Militar tornou-se um fértil campo de debates e
conversões para a causa republicana. (MCCANN, 2009, p. 28).
17
O movimento abolicionista ganhou fôlego e associou-se à insatisfação militar.
Joaquim Nabuco, na Câmara dos Deputados, declarou que o governo estava
empregando o Exército “em um fim completamente estranho a tudo o que há de
mais nobre para o soldado [...] como capitães-do-mato na pega de negros fugidos”.
A esse debate, somou-se uma questão de segurança nacional a respeito da
possibilidade de guerra contra a Argentina pela disputa de área de fronteira entre as
Missões e Santa Catarina. O gabinete do Partido Conservador queria aumentar os
gastos militares, mas o Exército, com apoio de parlamentares aliados, negava-se a ir
à guerra com escravos, como foi contra o Paraguai. Assim, a abolição passou a ser
vista como medida de defesa nacional. (MCCANN, 2009, p. 30).
Oficiais, e até mesmo unidades inteiras, haviam se associado ao movimento
abolicionista. Houve casos de militares negando-se a cumprir ordens de perseguir
escravos fugidos e de um batalhão que, ao ser declarado sociedade abolicionista, foi
transferido de sede. Quando o governo, por meio da princesa Isabel, aboliu a
escravidão, a propaganda republicana associada à abolicionista já havia sido
assimilada e se infiltravam nas escolas militares, como solução para fazer do Brasil
uma pátria livre. (MCCANN, 2009, p. 31).
O imperador generalíssimo estava cada vez mais enfermo e distante dos
assuntos de Estado. Os altos oficiais não despachavam mais com o seu
comandante, um soldado como eles, mas com políticos civis, maculados por
alianças partidárias. (MCCANN, 2009, p. 33).
A Questão Militar da Década de 1880, segundo McCann (2009, p. 33), agravou
o distanciamento do Exército em relação ao sistema político vigente. Oficiais foram
punidos por criticar publicamente o governo, fato que, em 1886 e 1887, uniu-os,
provindos de diferentes afiliações políticas, em defesa dos interesses militares. Disto
resultou o cancelamento das punições e a fundação do Clube Militar, em junho de
1887, totalmente independente da estrutura do Exército e destinado a debates que
se alinhavam ao pensamento da classe média urbana e se afastavam de modo
intuitivo das instituições imperiais, principalmente o Escravismo da oligarquia agrária.
Em novembro de 1888, o estado de espírito da oficialidade e de Deodoro da
Fonseca parece ter sido abalado por um acontecimento que feriu-lhes o brio: o
descumprimento pelo ministério da Guerra de ordem do imperador para acatar
decisão da Justiça Militar de limpar a ficha de oficiais que foram punidos por
manifestar publicamente suas opiniões. Diante da desobediência institucional,
18
Deodoro, então ocupante do posto de quartel-mestre-general, escreveu a D. Pedro II
por duas vezes pedindo-lhe para interceder, utilizando termos incisivos o bastante
para resultar na sua demissão do segundo maior cargo da hierarquia do Exército. O
general voltou a escrever ao imperador, de forma mais contundente e ameaçando
renunciar à farda se não fosse atendido. O ministro da Guerra, então, queria
reformar Deodoro, mas D. Pedro II não permitiu. Assim, o ministro pediu demissão e
o seu substituto providenciou o atendimento ao pleito dos militares. (MCCANN,
2009, p. 33).
Mas a recusa dos oficiais em fazer as petições de limpeza das fichas, por
entenderem que não estavam errados, reacendeu os ânimos, que se agravaram
quando o governo proibiu os oficiais de usar linhas telegráficas, a fim de impedir
manifestações solidárias de colegas de outras províncias. Diante dessa situação, o
marechal honorário José Antônio Corrêa da Câmara - o visconde de Pelotas escreveu a Deodoro que não era mais possível recuar sem comprometimento da
honra e do moral. (MCCANN, 2009, p. 34). E para McCann (2009, p. 35) “a
identidade individual e os sentimentos de autoestima e satisfação de um soldado
estão vinculados a um senso de participação e integração em uma identidade
coletiva maior”.
Testemunhos apontam que a intenção inicial de Deodoro era substituir o
gabinete imperial. Antes, porém, de encerrar o dia ele teria sido manipulado para
proclamar a República, cujas ideias não aprovava para os brasileiros, que careciam
de educação e respeito para viabilizá-la. Além disto, o general dedicara sua vida
inteira à Monarquia. Ao proclamar a República, os oficiais estavam “reivindicando
um status especial que lhes conferia uma ligação supragovernamental com a Pátria.
[...] Talvez os oficiais houvessem adquirido uma nova perspectiva comum sobre o
modo como a Pátria devia ser ordenada”. (MCCANN, 2009, p. 37).
A República foi “produto de um corpo de oficiais que defendeu seus interesses
particulares e se aliou a uma minoria política”. A parcela que participou diretamente
foi motivada pelo temor por sua instituição ou pelo seu bem estar social, enquanto
outros oficiais ansiavam por estar atualizados com a tendência internacional que a
ideologia republicana representava. (MCCANN, 2009, p. 44).
O fato que precipitou a ação de Deodoro, no dia 15 de novembro de 1889, foi
menção feita por D. Pedro II de nomear o senador Gaspar da Silveira Martins, arquiinimigo do general, para formar um novo gabinete. Diante da pressão dos
19
republicanos e não vendo outro modo de impedir que seu adversário chegasse ao
poder, mesmo enfermo e exausto, o ofendido “Deodoro, um monarquista, destinou o
Império ao esquecimento e fez do Brasil uma República”. (MCCANN, 2009, p. 33).
Entre os oficiais do Exército e da Marinha que não participaram do golpe, o
elemento surpresa e o sucesso do movimento desencorajaram possíveis
reações contrárias, se é que estas chegaram a ser pensadas. Não que
houvesse um consenso na “classe militar”. (CASTRO, 1995, p. 192).
Mas os primeiros anos do Brasil republicano não seriam tão pacíficos quanto o
movimento que derrubou a Monarquia. O país viveria uma década sangrenta e
sofrida, que resultaria na conservadora República Velha, resistente a mudanças
políticas e sociais, pródiga em empregar o Exército em papel repressivo. (MCCANN,
2009, p. 38).
A República, vinda por meio de um golpe, afirmar-se-ia pelo uso da Força,
demorando a expor-se ao voto popular por não ter adquirido a legitimidade
necessária para arriscar-se em eleições. O voto, que nos tempos monárquicos
baseava-se na renda e era restrito aos homens, continuou longe do povo nos
primeiros anos da República. A restrição imperial ao sufrágio limitou sua legalidade e
deu valor desproporcionalmente maior à voz política dos militares. (MCCANN, 2009,
p. 44).
Para Castro (1995, p. 7), o ano de 1889 foi emblemático para a ascensão dos
militares como atores na política brasileira. “Não apenas estiveram no governo
durante os cinco anos seguintes, como também, no período republicano que se
iniciava, o Brasil sofreria vários outros golpes militares”.
A República foi obra, basicamente, dos partidos republicanos –
notadamente o de São Paulo -, unidos os militares de tendência positivista.
Tão logo o grande objetivo foi atingido, porém, ocorreu a cisão entre os
“republicanos históricos” e os militares. As divergências giraram em torno da
questão federalista: os civis defendiam o federalismo e os militares eram
centralistas, partidários de um poder central forte. (KOSHIBA; PEREIRA,
2003, p. 380).
20
3 O GOVERNO DO MARECHAL DEODORO DA FONSECA
Proclamada um ano depois da abolição da escravatura, a República teve,
como principais personagens, além dos grandes proprietários rurais
(cafeicultores), os militares. Nos primeiros cinco anos da vida republicana,
estes dominaram a cena política, razão pela qual o período foi chamado de
“República da Espada”. (KOSHIBA; PEREIRA, 2003, p. 337).
Segundo Arruda e Piletti (2004, p. 317), “presidido por Deodoro, o governo
provisório suspendeu a Constituição de 1824 e passou a governar por meio de
decretos-leis”.
Para McCann:
A instabilidade política e militar e a violência da década de 1890 resultaram,
em parte, da falta de consenso entre as elites civis quanto ao modo como o
país devia ser governado; analogamente, os oficiais militares não
conseguiram chegar a um consenso quanto a seu status, sua relação com o
regime político ou seus objetivos institucionais. Além disso, estavam
divididos por rivalidades pessoais e visões conflitantes do futuro do Exército
e do país. Sua desunião e o desacordo entre as elites civis quanto ao papel
das Forças Armadas na sociedade explicam, em parte, por que não se
estabeleceu uma ditadura militar prolongada, como desejavam alguns
oficiais positivistas (MCCANN, 2009, p. 45).
A proclamação da República causou a deposição e substituição dos
governadores das províncias por oficiais ou aliados republicanos. Com o tempo,
tornaram-se comuns as lutas pelo controle dos estados, agravadas por rixas locais e
pela ausência de uma estrutura política para a nova ordem vigente. O novo governo,
que antes defendera a liberdade de expressão dos oficiais, agora tolhia a imprensa
oposicionista com a “lei dos suspeitos”. Estava longe de ser a República que seus
proponentes sonharam. (MCCANN, 2009, p. 45).
A frágil unidade da “classe militar”, forjada pouco antes do golpe entre a
“mocidade militar” liderada por Benjamin Constant e um pequeno grupo de
oficiais troupiers, próximos a Deodoro, desfez-se em pouco tempo.
Benjamin não permaneceu muito tempo no Ministério da Guerra [...],
passando Floriano Peixoto a ocupar [o cargo]. (CASTRO, 1995, P. 197).
Ao mesmo tempo, oficiais passaram a criticar Deodoro publicamente,
comprometendo a hierarquia e a disciplina, tomados de presunção e ambições
encorajadas pelo prestígio que lhes era dado. Houve promoções em massa e sem
critérios e o aumento dos soldos no mês seguinte ao golpe. Nesse contexto,
cedendo a uma conspiração palaciana, o novo presidente foi aclamado
generalíssimo das Forças Armadas brasileiras, título antes pertencente ao
imperador. O governo chegou a conceder títulos militares honorários a membros
21
civis do gabinete e figuras eminentes, no que pareceu a vontade de substituir a
nobreza imperial por outra, republicana. (MCCANN, 2009, p. 45).
O recém-promovido general-de-brigada Benjamin Constant, positivista e líder
intelectual do movimento republicano, fora nomeado ministro da Guerra. Entretanto,
devido à sua tolerância com a indisciplina de oficiais, em março de 1890, Deodoro
substituiu-o pelo general Floriano Peixoto, que retomou a autoridade do governo
sobre o Exército. Por seu desempenho, Floriano foi nomeado para substituir o vicepresidente demissionário Rui Barbosa. (MCCANN, 2009, p. 47).
O motivo mais visível da disputa entre Benjamin e Deodoro – e os grupos
de militares a eles ligados – são acusações recíprocas de favorecimento em
promoções e nomeações. Por trás disso, no entanto, não é difícil perceber o
afloramento de diferenças irredutíveis entre oficiais de orientação “científica”
e troupiers. (CASTRO, 1995, p. 197).
A situação nos estados ficou muito complicada. Das vinte unidades, metade
era governada por oficiais. O governo central usava as Forças Armadas para
expurgar monarquistas dos estados, obtendo êxito limitado em razão da
inexperiência dos políticos republicanos, como em São Paulo. Em muitas províncias
a proclamação da República foi uma surpresa. Houve ensaios de resistência em
algumas delas. O irmão de Deodoro, general Hermes da Fonseca, comandante
militar em Salvador, foi um exemplo. Porém, antes do fim do ano, ele já era o
presidente do estado da Bahia. No Rio Grande do Sul a disputa entre ex-liberais do
Império e republicanos foi tamanha que, no período de um ano, dezoito homens
ocuparam o cargo de presidente estadual. Nesse contexto, Júlio de Castilhos
ascendeu politicamente, mas a situação se complicou tanto que explodiu em uma
guerra civil, entre 1894 e 1895. (MCCANN, 2009, p. 47).
Também no Rio de Janeiro os desentendimentos eram agudos. As
discordâncias sobre como governar o país fizeram surgir repetidas ameaças de
renúncia pelo presidente e membros do gabinete, como Rui Barbosa e Benjamin
Constant. Nesse ambiente, oficiais positivistas passaram a apelar para a Assembleia
Constituinte, na redação de uma nova carta constitucional, a partir de novembro de
1890. Dentre eles, estava o jovem tenente Augusto Tasso Fragoso, que viria mais
tarde a ter papel de destaque no Exército. Desejavam a concentração do poder nas
mãos do presidente, um “governo forte e responsável”. (MCCANN, 2009, p. 47).
Na Assembleia, os adeptos desse pensamento eram chamados Jacobinos e
tinham como opositores os oficiais da Marinha – ressentidos da perda do prestígio
22
que tinham no Império – e civis – principalmente paulistas – que achavam que
somente a soberania do Legislativo poderia preservar seus interesses. Mas os
delegados da Assembleia Constituinte, que comporiam o Congresso Nacional após
a promulgação, foram escolhidos por critérios nada democráticos e muitos sob a
promessa de eleger Deodoro presidente. Um quarto deles era oficial militar e boa
parte era desconhecida nos estados que representavam. (MCCANN, 2009, p. 48).
A maior parte da guarnição do Rio de Janeiro estava disposta a aclamar
Deodoro ditador caso não fosse eleito pela Assembleia. Mas havia a oposição do
almirante Custódio de Mello e de oficiais da Marinha, que apoiaram o civil paulista
Prudente de Morais e planejaram uma revolta da Armada para garantir sua posse,
se fosse eleito. Entretanto, em 25 de fevereiro de 1891, Deodoro saiu vencedor, mas
foi ofuscado pelo vice-presidente eleito, general Floriano Peixoto, que teve mais
votos. Na cerimônia de posse, da mesma forma, enquanto Deodoro foi recebido em
silêncio, Floriano foi aclamado, indicando que este logo eclipsaria o presidente.
(MCCANN, 2009, p. 48).
Arruda e Piletti (2004, p. 318) afirmam que “a primeira constituição da
República [...] foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891. Inspirada na [...] norteamericana, instituía a República Federativa [...], o presidencialismo [...] e o regime
representativo”.
A nova constituição foi redigida pelo gabinete do governo e submetida à
aprovação pela Assembleia como um pacote. As Forças Armadas tiveram destaque.
A carta declarava que eram instituições permanentes, responsáveis por manter a lei
e a ordem e garantir os três poderes constitucionais. O corpo de oficiais foi o único
grupo constitucionalmente determinado da elite nacional. Às Forças Armadas era
determinada uma obediência, com ressalvas, ao presidente, “nos limites da lei”,
termos que preocuparam Deodoro e alguns oficiais em relação à disciplina. Este
detalhe da obediência militar passaria intacto pela carta de 1934, sendo modificado
na Constituição do Estado Novo, que impôs aos militares a obediência
inquestionável ao presidente. (MCCANN, 2009, p. 49).
Deodoro teve dificuldades para se adaptar à nova situação de governar
compartilhando o poder com o Congresso Nacional. Nos quinze meses anteriores
governara sem restrições e agora se via diante de críticas a atos polêmicos do
governo, no campo econômico, além de especulações, fraudes, inflação galopante.
A oposição cresceu tanto quanto caiu sua popularidade. Frustrado, o idoso
23
generalíssimo dissolveu o Congresso, em novembro de 1891, o que causou a
deposição do seu aliado no Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos, e uma rebelião
com parte da frota da Armada na baía da Guanabara, liderada pelo almirante
Custódio de Mello. (MCCANN, 2009, p. 51).
De acordo com Arruda e Piletti:
A reação dos oposicionistas não demorou muito. [...] Ferroviários
desencadearam movimento grevista no Rio de Janeiro. O líder era o
deputado José Augusto Vinhaes, militar ligado [...] a Floriano Peixoto, que
apoiava veladamente a oposição. (ARRUDA; PILETTI, 2004, p. 319).
O Exército ficou dividido: alguns oficiais, como o coronel Fernando Setembrino
de Carvalho, reprovaram o ataque de Deodoro à Constituição, cogitaram depô-lo e
apoiaram a tomada de posse por Floriano. Outros, porém, como o general João
Nepomuceno de Medeiros Mallet, haviam apoiado o presidente. (MCCANN, 2009, p.
51).
Temendo uma guerra civil ou a derrota, Deodoro renunciou, deixando para o
vice-presidente Floriano Peixoto o desafio de resolver a crise. Apesar de parecer, à
primeira vista, que a sucessão respeitava a constituição recém-promulgada, nela se
previam novas eleições no caso de o presidente não ter completado dois anos de
mandato. (MCCANN, 2009, p. 49).
24
4 O GOVERNO DO MARECHAL FLORIANO PEIXOTO
De acordo com Arruda e Piletti (2004, p. 319):
No governo, Floriano premiou Custódio de Melo com o Ministério da
Marinha e reabriu o Congresso. [...] Colocou políticos paulistas em altos
postos. Com o apoio [...] paulista e da população carioca, governou de
forma autoritária e atraiu contra si diversos setores políticos e militares.
O primeiro e principal problema da presidência de Floriano Peixoto foi a
carência de legalidade. Para manter-se no cargo, o vice-presidente manteve este
título, apenas oficialmente. Nos estados em que se exigiram novas eleições, os
governos foram derrubados por golpes locais, ocasionando várias lutas pelo poder.
Nas Forças Armadas e fora delas muitos pediam eleições para legitimar o regime.
Dentre eles, a maioria havia perdido seus cargos na renúncia de Deodoro.
(MCCANN, 2009, p. 50).
Floriano não convocou nova eleição e permaneceu no firme propósito de
concluir o mandato do presidente renunciante. Alegava que a lei só se
aplicava aos presidentes eleitos diretamente pelo povo. (KOSHIBA;
PEREIRA, 2003, p. 381).
Chegou-se a planejar um golpe de Estado, a ocorrer em 1º de abril de 1892, o
que não aconteceu. Mas treze oficiais-generais das duas Forças Armadas
assinaram um manifesto pedindo a Floriano a realização das eleições. O vicepresidente acusou-os de incitar a desordem e descumprir seus deveres de “defender
a honra da Pátria”, afastou-os da ativa e mandou prendê-los. Altos oficiais,
congressistas, jornalistas e outros adversários também foram presos. Alguns foram
desterrados em Tabatinga, na remota Amazônia. (MCCANN, 2009, p. 50).
Desta forma, Floriano dava o tom do modo como manteria o novo regime,
enfrentando rancor, ressentimentos e uma guerra civil que quase liquidou a frota da
Armada e derramou muito sangue nos estados do Sul. (MCCANN, 2009, p. 51).
4.1 A REVOLTA DA ARMADA E A REVOLTA FERDERALISTA
A insistência de Floriano em depor todos os presidentes de estados que
apoiaram Deodoro na crise de novembro do ano anterior desencadeou uma onda de
violência pelo Brasil. No Rio Grande do Sul, os ex-monarquistas – agora o Partido
Federalista, liderados por
Gaspar Silveira Martins, voltaram-se contra os
25
republicanos de Júlio de Castilhos. Nessa situação, unidades do Exército se
posicionaram de ambos os lados, com a maioria apoiando os republicanos, aliados
do vice-presidente. O conflito logo se espalhou pelos outros dois estados da região
Sul. (MCCANN, 2009, p. 51).
De acordo com Koshiba e Pereira (2003, p. 382), “a inabalável firmeza de
Floriano frustrou os sonhos do contra-almirante Custódio de Melo, que ambicionava
a presidência”.
[...] Em setembro de 1893, o almirante Custódio de Melo, que havia se
afastado do governo por se considerar injustiçado, encabeçou mais uma
rebelião, a Revolta da Armada. (ARRUDA; PILETTI, 2004, p. 319).
E entre 1893 e 1895, partes do Exército e da Armada, no Rio de Janeiro, se
enfrentaram em um conflito que se vinculou à guerra civil meridional. Apesar das
forças que estiveram envolvidas, as lutas pareceram mais “rixas em grande escala
do que uma guerra convencional”, em que os opositores se acusavam de traidores
da Pátria e reservavam aos prisioneiros a degola. Alguns dos oficiais que apoiaram
Deodoro na crise que culminou com sua renúncia, e não foram presos por Floriano,
como o coronel Antônio Carlos da Silva Piragibe, lutaram ao lado dos rebeldes
federalistas, uma vez que haviam sido expulsos do Exército. (MCCANN, 2009, p.
51).
Quando Floriano declarou seu apoio a Júlio de Castilhos na disputa gaúcha
pelo poder, a questão tomou proporções nacionais. Além disso, mesmo que os
rebeldes estivessem contra Castilhos, e não contra Floriano ou a República,
pegavam em armas contra unidades regulares do Exército. (MCCANN, 2009, p. 52).
Os acontecimentos da guerra civil deixariam marcas no Exército, sentidas nas
primeiras décadas do século XX. A coesão dos oficiais foi seriamente afetada em
razão dos ressentimentos deixados pela guerra. “Os federalistas foram chamados de
infames inimigos da República” em razão dos cercos a Bagé e à Lapa e da
contratação de mercenários estrangeiros para invadir a Pátria, sob o pretexto de
uma guerra civil. Mas os dois lados foram cruéis. A mutilação dos corpos de
Gumercindo Saraiva e Saldanha da Gama e as execuções de prisioneiros
comprovam a carnificina da “mais cruel guerra civil brasileira”. (MCCANN, 2009, p.
52).
Floriano, o Marechal de Ferro, não foi generoso na vitória. Do mesmo modo
agiram seus comandantes, “inebriados pela vitória”. Todos passaram a se
26
considerar “os monopolizadores do ideal republicano e do patriotismo”. Ao lutar com
“unhas e dentes pela Pátria”, o vice-presidente, para os brasileiros, personificou o
nacionalismo. Entretanto, sua sobrevivência no cargo se deveu, em parte, ao apoio
dos Estados Unidos da América, conseguido pelo embaixador brasileiro em
Washington – Salvador de Mendonça, e que forneceu “crucial apoio naval contra a
Armada rebelde”. (MCCANN, 2009, p. 52).
McCann (2009, p. 54) destaca a influência estrangeira dos comandantes de
marinha presentes na baía da Guanabara, na ocasião da revolta da Armada. Apesar
de terem dito ao almirante Custódio que não tolerariam qualquer ataque à capital e,
com isso, terem convencido o governo brasileiro a retirar baterias de costa
posicionadas contra os rebeldes, negaram a entrada de navios de suprimento para
Floriano. O vice-presidente, por sua vez, rechaçou as intenções de desembarque de
tropas estrangeiras para proteger seus cidadãos e considerou que os oficiais
estrangeiros, principalmente os britânicos, estavam favoráveis a Custódio.
Os estadunidenses, porém, agiram de forma diferente. Reconheceram
imediatamente o regime republicano, apesar da consideração que o presidente
Benjamin Harrison e aquela nação tinham por D. Pedro II. Consideravam que a
inexistência de eleições comprometia a natureza democrática do regime. Mas,
apesar das críticas, viam-no como mais vantajoso aos seus interesses do que o
Império que o antecedeu. Ademais, um tratado de reciprocidade celebrado por
Deodoro e aceito por Floriano, entre os dois países, fazia parte de uma estratégia de
aproximação. Como nenhum outro estado sul-americano, o Brasil via o Panamericanismo e a Doutrina Monroe como gesto de boa vontade de uma ex-colônia
congênere e não como ameaça imperialista. (MCCANN, 2009, p. 54).
McCann (2009, p. 55) ressalta que Marinha e Exército estavam afastados. Os
oficiais da Marinha desfrutavam de prestígio durante o Império e no novo regime
sentiam-se em posição inferior quanto a promoções, remunerações e cargos
políticos. A disputa pela vice-presidência, com o general Floriano de um lado e o
almirante Eduardo Wandenkolk do outro, caracterizou a cisão. Além disso, Floriano
devia, em parte, a renúncia de Deodoro à Revolta da Armada liderada pelo almirante
Custódio de Mello. Mas este não foi recompensado com nenhuma parcela do poder
que ambicionava. No aspecto material, porém, não havia motivo para frustrações
pela Força Naval. O Brasil possuía bom número de belonaves de aço, sendo
considerado um dos poucos países com armada moderna.
27
A Revolta da Armada teve início em 6 de setembro de 1893, com a tomada de
quinze navios de guerra e nove embarcações comerciais e com a tentativa frustrada
de cortar o acesso à cidade do Rio de Janeiro pela Estrada de Ferro Central do
Brasil. O almirante Custódio de Mello obteve apoio dos financistas importantes da
capital, uma vez que foram prejudicados por reformas florianistas no mercado
acionário e nos bancos. Tanto Custódio quanto Wandenkolk tinham laços de
amizade com esses financistas. Estes, por sua vez, possuíam laços com os
capitalistas europeus, onde foram arrecadar fundos. (MCCANN, 2009, p. 56).
Os revoltosos fizeram uma demonstração de fogos, sem causar muitos danos.
Floriano, ao contrário da revolta de 1891, sentiu-se com os brios feridos pelo ataque
e por ter perdido sua frota, um depósito de munição no interior da baía e a ilha do
Governador. Mas o presidente não podia contar com tropas situadas em outras
províncias, devido à falta de estradas e ferrovias. Observadores estrangeiros viam
Custódio em vantagem. (MCCANN, 2009, p. 56).
Custódio alegou defesa à Constituição e ao governo civil, contra o militarismo,
para justificar sua rebelião. Também criticou o veto de Floriano a um projeto de lei
que encerraria seu mandato em novembro de 1894, sem possibilidade de reeleição,
que já era proibida pela Constituição, acusando-o de pretender instaurar uma
ditadura. Se o intento de Custódio era impedir o governo autocrático, não teve êxito.
Floriano decretou lei marcial, prendeu supostos opositores, censurou a imprensa e o
telégrafo, restringiu as movimentações internas pelo território e suspendeu as
eleições parlamentares de outubro. (MCCANN, 2009, p. 56).
A partir de então, no Rio de Janeiro, oficiais do Exército recrutaram membros
de clubes republicanos e treinaram batalhões patrióticos. Os republicanos mais
exaltados - os Jacobinos - deram tom patriótico à luta contra os revoltosos e
relacionaram-na aos imigrantes portugueses. A relação dos rebeldes com os
capitalistas europeus serviu de material para propaganda de instigação da opinião
pública contra o movimento rebelde e para obter maior apoio dos Estados Unidos,
sempre atentos às investidas do Velho Continente na América. (MCCANN, 2009, p.
57).
Apesar de a situação econômica ter sido agravada pelo aumento de impostos,
dias depois de eclodir o movimento, o povo, depois de breve manifestação abafada
pela polícia, pareceu ter associado tal situação à revolta. Teria identificado os
rebeldes como gente da elite, apoiada por interesses estrangeiros. É possível,
28
também, que Floriano tenha conquistado a simpatia do povo carioca com seu jeito
simples, postura nacionalista e por ter aumentado os empregos públicos. (MCCANN,
2009, p. 57).
A vantagem inicial que Custódio aparentemente estabelecera, algum tempo
depois, foi reduzida pela chegada à baía da Guanabara de uma flotilha
estadunidense de doze navios. Washington levou em conta o favoritismo britânico
pelos rebeldes e as tensões que vivia com Londres naquele momento. Mais uma vez
a atuação do ministro Salvador de Mendonça foi crucial para a obtenção do apoio,
desta vez reforçado pelo capitalista norte-americano Charles Flint, que foi
determinante ao obter para sua frota crédito de investidor britânico, que também
apoiou os revoltosos no Brasil. (MCCANN, 2009, p. 58). O autor destaca:
O governo Cleveland foi além de facilitar a formação da frota de Flint para
demonstrar seu apoio a Floriano. Despachou para o Rio, nas palavras do
secretário adjunto da Marinha, William McAdoo, “a mais poderosa frota que
já representou nossa bandeira no exterior”. Os cinco grandes cruzadores
tinham mais poder de fogo e de manobra que os navios rebeldes e
estrangeiros na baía de Guanabara. (MCCANN, 2009, p. 59).
O comandante estadunidense na baía, almirante Andrew Benham, serviu de
mediador do conflito. Os rebeldes impuseram, como condição para cessar a luta, a
renúncia de Floriano e a eleição de um presidente civil. As frotas de Flint e da
Marinha dos Estados Unidos arrefeceram o ímpeto revoltoso no Rio e em Santa
Catarina. Diante disto, Floriano tornou o Quatro de Julho feriado nacional e o
Congresso mandou cunhar moeda com as efígies de Floriano e Cleveland. Além
disso, cidades de fronteira em Santa Catarina e na Amazônia foram batizadas de
Clevelândia. “Os alicerces da aliança tácita da década seguinte estavam firmemente
assentados”. Mas o marechal marcou eleições para 1º de março do ano seguinte,
sendo eleito Prudente de Morais. (MCCANN, 2009, p. 58).
A Revolta da Armada terminou em abril de 1894, mas a Revolução
Federalista se prolongaria até agosto de 1895, quando, já sob a presidência
de Prudente de Morais, um acordo colocaria fim ao conflito. (ARRUDA;
PILETTI, 2004, p. 319).
Floriano, exausto, passou o cargo para Prudente de Morais e, pouco depois,
em junho de 1895, faleceu. Antes, porém, influenciou grupos de jovens republicanos:
“Dizem e repetem que a República está consolidada e não corre perigo. Não vos
29
fieis nisto nem deixeis apanhar de surpresa. O fermento da restauração agita-se em
uma ação lenta, mas contínua e surda. Alerta, pois [...]”.(MCCANN, 2009, p. 60).
Essas palavras exaltaram os alunos da Escola Militar no Rio de Janeiro, que
passaram a manifestar publicamente, em arruaças, insultos ao seu comandante
antiflorianista. Depois da morte de Floriano, estudantes militares, tanto oficiais
quanto cadetes, passaram a se considerar os mais puros e patriotas veículos da
salvação nacional. Esta postura contrastou com a divergência na eleição de
Deodoro em 1891. Naquela ocasião, oficiais ocuparam as galerias do Congresso,
para intimidar os parlamentares a votar no marechal, enquanto os alunos estavam
dispostos a pegar em armas para que os congressistas tivessem liberdade de
escolha. (MCCANN, 2009, p. 60).
A mudança de postura dos alunos se explica pelas diferenças entre os dois
generais. Se para Deodoro a República era uma vingança pelos ultrajes à honra do
Exército, para Floriano era uma nova técnica de governo que deveria ser imposta ao
Brasil. Então, para os estudantes militares, “Floriano Peixoto personificava a causa
republicana”. Na Revolta da Armada, em 1893, a Escola Militar apoiou o governo
com oficiais para treinar batalhões patrióticos, combatentes, mensageiros e escoltas.
(MCCANN, 2009, p. 60).
30
5 A GUERRA DOS CANUDOS
5.1 O GOVERNO DE PRUDENTE DE MORAIS E O MILITARES
Em novembro de 1894, o presidente eleito Prudente de Morais assumiu o
cargo, caracterizando o retorno do poder à elite agrária e a perda gradual de
influência da classe média urbana. (MCCANN, 2009, p. 61).
Fazendeiro paulista, [Prudente de Morais] procurou atingir dois objetivos:
recuperar a economia, que ainda sofria consequências do Encilhamento [de
Deodoro da Fonseca] e pacificar o Sul, anistiando os revoltosos da
Revolução Federalista. Teve pela frente, porém, a Guerra de Canudos.
(ARRUDA; PILETTI, 2004, p. 323).
Nesse contexto, os alunos da Escola Militar da Praia Vermelha, que viveram os
anos anteriores envolvidos em grande ativismo político, sentiam a frustração da
rotina. Não demorou a haver episódios de indisciplina. Em janeiro de 1895, o
comandante, general Mendes Ouriques, que era antiflorianista, precisou expulsar
oficiais alunos diante de uma crescente onda de insubordinação. Mas diante disso,
os estudantes manifestaram-se na imprensa, contra as autoridades, e nas janelas da
escola, com vaias ao comandante e ao governo e vivas a Floriano. Houve novas
expulsões e a ocupação do prédio por forças leais ao governo, para coibir as
manifestações. A situação ficou tão grave que não houve aulas naquele ano, o corpo
docente foi disperso, os alunos foram expulsos e os oficiais alunos foram presos.
(MCCANN, 2009, p. 61).
Apesar de a escola ter sido renovada no seu comando e nos corpos, novas
revoltas ocorreriam, em 1897 e 1904. Isso indicava que os estudantes permaneciam
com a tradição linha-dura florianista, que teve seu componente emocional exaltado
com a morte do marechal, em junho de 1895. (MCCANN, 2009, p. 61).
Prudente de Morais buscou conduzir a guerra civil no Sul a um fim negociado.
Anistiou os rebeldes, readmitiu os oficiais, inclusive generais, que Floriano expulsara
e, para enfraquecer os arquirrepublicanos do Exército, impulsionou as carreiras dos
antiflorianistas. (MCCANN, 2009, p. 62).
Com isso, o presidente queria diminuir o peso político do Exército, encontrando
apoio de oficiais, como o ministro da Guerra, general Bernardo Vasques, que
pensava ser necessário construir uma força profissional, capaz de manter a ordem e
a soberania, com profissionais apolíticos. Mas, na visão do general florianista
31
Francisco de Paula Argollo, a missão do Exército era sustentar “as instituições
conquistadas pelo movimento patriótico de 15 de novembro de 1889”. Por este
pensamento, o general foi demitido do cargo de ministro da Guerra, por Prudente de
Morais. (MCCANN, 2009, p. 62).
Entretanto, os generais Vasques e Argollo concordavam que o Exército tinha
de ser modernizado para ser eficaz. E a base dessa modernização seria um EstadoMaior do Exército inspirado no alemão, para conectar os vários setores de sua
administração, e a criação de uma seção de quartel-mestre, cuja falta seria sentida
nos conflitos em Canudos. O general Vasques alertou, ainda, para a necessidade de
se convencer a população do dever de prestar à Pátria o serviço militar. Aludiu que
um exército pequeno atendia ao país em tempo de paz. Mas tinha de ser bem
organizado, treinado e equipado para que, com rápida mobilização, com base em
uma reserva formada por meio de um serviço militar obrigatório, expandisse sua
capacidade. (MCCANN, 2009, p. 62).
Vasques também destacou a decadência da educação militar. As escolas eram
numerosas, com programas copiados de outras, excessivamente teóricos e
afastados da instrução militar e do convívio com a tropa. Para tentar iniciar a urgente
reforma, o governo enviou à Europa o general-de-brigada João Vicente Leite de
Castro, para inteirar-se das instalações e dos armamentos e manobras em uso.
Resultaram modificações que incluíram novo fardamento e renovações no corpo de
transporte. (MCCANN, 2009, p. 63).
5.2 O CONFLITO NO SERTÃO
No final do século XIX e início do século XX, a expansão do capitalismo
provocou importantes transformações em todo o mundo. Por toda parte, as
antigas formas de convívio social sofreram o impacto da modernização.
Como reação, em várias regiões do mundo eclodiram movimentos de
resistência às mudanças nas sociedades rurais, nas quais as relações
sociais continuavam baseadas nos laços de fidelidade pessoal. (KOSHIBA;
PEREIRA, 2003, p. 391).
McCann (2009, p. 63), por sua vez, afirma que o tenso ambiente político que
predominou na década de 1890 fez com que uma “inofensiva colônia religiosa” no
interior da Bahia fosse considerada pelas autoridades federais “uma horda
monarquista pronta para atacar”.
32
Naquele momento, o Exército vivia a desordem dos primeiros anos da
República e tentava se reorganizar. Nos anos que se seguiram ao conflito, as
lembranças de Canudos perturbariam muitos soldados que lá estiveram e deixariam
“uma cicatriz na psique institucional”. Cinco mil soldados pereceram na guerra, em
menos de um ano. (MCCANN, 2009, p. 63).
As oligarquias da região foram [...] afetadas por [...] migração em massa de
sertanejos para Canudos. Os latifundiários porque perdiam trabalhadores.
Os coronéis porque, além de trabalhadores, perdiam eleitores e influência
política sobre a população local. Além disso, os ataques de Antônio
Conselheiro à República incomodavam as autoridades da Bahia e,
sobretudo, do Rio de Janeiro. (ARRUDA; PILETTI, 2004, p. 325).
McCann
destaca
(2009,
p.
64)
que
o
conflito
teve
origem
nos
desentendimentos entre as autoridades políticas e religiosas da região e o líder do
reduto religioso, Antônio Maciel, o Conselheiro. Tendo seus interesses contrariados
pela existência de Canudos, os políticos locais “apelaram ao poder militar do
Estado”. A intervenção federal contou, inicialmente, com três expedições
“sucessivamente maiores”, que foram derrotadas pelos sertanejos. No Rio de
Janeiro,
os republicanos julgaram tratar-se
de
uma
“grande
conspiração
monarquista”, cujo centro era Canudos. O governo enviou, então, uma quarta
expedição, mais poderosa, que “pulverizou a cidadela do sertão”. Nas palavras de
McCan:
Foi um momento deplorável para o Exército brasileiro. Justamente quando a
instituição estava prestes a passar por uma grande reestruturação, a
diminuir seu papel ativo na política e a curar feridas da guerra civil, quase
por acaso, e com certeza desnecessariamente, o mundo místico e o político
travaram no Brasil uma luta mortal”. (MCCANN, 2009, p. 64).
A derrota na terceira expedição causou grande repercussão e acusações do
Clube
Militar
ao
vice-presidente
Manuel
Vitoriano,
que
se
defendeu
responsabilizando o “herói morto” - o coronel Moreira César, comandante morto na
terceira expedição - por não ter levado mais tropas, que lhes teriam sido
disponibilizadas. Logo houve boatos na imprensa de que o movimento baiano de
Conselheiro era restaurador, sendo um centro do movimento monarquista.
Entretanto, “é possível que os florianistas tenham usado a ameaça monarquista
como pretexto para ações destinadas a desmoralizar o governo, em prelúdio para
imporem uma ditadura bonapartista”. (MCCANN, 2009, p. 77).
33
Dentre os conspiradores, havia o ajudante-general do Exército, general-dedivisão Bibiano S. Macedo de Fontoura Costallat, aliado ao barão de Jeremoabo.
“Talvez os laços com os proprietários de terras da região, como o barão, tenham
sido o que levou os florianistas a envolver a honra do Exército nessa luta [...]”, numa
onda de individualismo e irracionalidade. (MCCANN, 2009, p. 77).
Afastado da presidência até aquele momento, Prudente de Morais saiu-se bem
da situação por poder afirmar que nada tivera com a “malsinada expedição”. Para
acalmar seus críticos, convidou o florianista general Francisco de Paula Argollo para
ser o ministro da Guerra. Aquiesceu também com a escolha de outro “ferrenho
florianista” para o comando de uma quarta expedição a Canudos, o general Arthur
Oscar de Andrade Guimarães. Mas os desentendimentos entre Prudente e Argollo
não tardaram. O presidente reclamou de receber informes de assuntos do governo
depois da imprensa e, com isso, aceitou a demissão do ministro. Para seu lugar,
chamou um velho adversário do florianismo, o marechal Carlos Machado Bittencourt,
que era ministro do Superior Tribunal Militar. (MCCANN, 2009, p. 78).
Bittencourt garantiu o controle sobre a administração do Exército por meio de
transferências. O florianista general Costallat foi substituído do importante cargo de
ajudante-general pelo general João Thomaz Cantuária, que comandava a 3ª Região
Militar, em Salvador. O novo ministro contou também com o general João
Nepomuceno de Medeiros Mallet, que havia sido expulso por Floriano e anistiado
por Prudente em 1895. “Prova da extrema turbulência de 1897 foi o fato de que, em
onze meses, haveria quatro ministros da Guerra e três ajudantes-generais”.
(MCCANN, 2009, p. 78).
Bittencourt e Cantuária adotaram medidas para enfraquecer os florianistas.
Desarmaram a Escola Militar, enviando 50 mil cartuchos de Mauser para os
depósitos no Sul, sob o pretexto de proteger a fronteira de uma revolta que ocorria
no Uruguai. Porém, em 27 de maio de 1897, os estudantes resistiram à ordem
aprisionando seu comandante. O coronel Hermes da Fonseca, sobrinho de Deodoro
e muito respeitado por suas atitudes profissionais, demoveu a ideia de resistir dos
estudantes. Treze oficiais e 321 praças de pré foram expulsos, além de 356
estudantes da escola de Fortaleza, que declararam solidariedade aos colegas, e 117
alunos da Escola de Sargentos, que foi fechada no final do ano, por supostamente
não atender às expectativas do governo. (MCCANN, 2009, p. 79).
34
Para formar a tropa do general Arthur Oscar, o governo, contrariando a
Constituição de 1891, realizou o recrutamento forçado. “Policiais [...] limpavam as
ruas e praças dos vadios e desordeiros e os jogavam no Exército”. Foram, então,
transformados em “voluntários”. Os civis que lutaram na guerra civil nos batalhões
patrióticos, mesmo oferecendo seus préstimos, foram dispensados, pois o
presidente não confiava neles. “E o Exército não queria parecer dependente [...] e
preferia vingar a morte de Moreira César por conta própria e recorrer ao
recrutamento compulsório [...]”. As unidades do Exército, então, tinham excesso de
oficiais de baixa patente, alferes, que eram soldados na guerra civil e haviam sido
promovidos. Para compensar o excesso de oficiais, havia 8125 soldados a menos
que o número autorizado. Nessas circunstâncias, até presos da justiça foram
recrutados. (MCCANN, 2009, p. 80).
Não há dúvida que essa selvageria impiedosa manchou a honra do Exército
com sangue e expôs ao escárnio a “santidade” da causa pela qual lutava.
(MCCANN, 2009, p. 96).
O próprio ministro da Guerra seguiu para Monte Santo, de onde providenciou a
remessa regular de suprimentos para as tropas em Canudos. “Bittencourt
transmudou um conflito enorme em uma campanha regular”. Antônio Conselheiro
morreu de causas naturais, no altar da igreja, e, tempos depois, seu reduto foi
destruído. (MCCANN, 2009, p. 97).
“O Exército, vitorioso, estava em frangalhos”. 42% das praças e 32% dos
oficiais estiveram na campanha. Estima-se que morreram 5000 militares. 4193 foram
feridos. Considerando-se as perdas de ambos os lados, sem números exatos, não
houve nada igual na história do Brasil, desde então. (MCCANN, 2009, p. 99).
Em 5 de novembro, o presidente Prudente e o vice-presidente Manuel Vitoriano
reuniram-se com várias autoridades militares e parlamentares, no Arsenal de Guerra
do Rio, para a recepção das tropas vindas de Canudos, a comando do general
Barbosa. Durante o evento, o soldado Marcelino Bispo dos Santos, ferido no conflito,
lançou-se contra Prudente, empunhando um revólver. Foi contido pelos que o
circundavam, mas sacou uma faca e feriu mortalmente o marechal Bittencourt. O
soldado fora incitado por Jacobinos, que planejavam um golpe para implantar um
governo radical. O editor do jornal O Jacobino aguardava o desfecho da ação,
reunido com oficiais conspiradores no quartel do 1º Regimento de Cavalaria.
(MCCANN, 2009, p. 100).
35
Prudente saiu com prestígio do episódio. A tentativa de assassiná-lo partira de
uma conspiração na cúpula. O vice-presidente Manuel Vitorino e o ex-líder do
governo no Congresso estavam envolvidos, além de um grupo de oficiais que
participou da revolta na Escola Militar em maio de 1897 e outros dois que haviam
conspirado no Clube Militar. “Congressistas e oficiais foram presos, o Clube Militar
foi fechado, e políticos cerraram fileira em torno do presidente”. O atentado não teve
êxito e serviu para fortalecer Prudente e terminar com qualquer possibilidade de os
florianistas usarem a vitória em Canudos para enfraquecê-lo. Além disso, permitiu a
realização de eleições em 1898 e a transmissão do cargo para Campos Sales, em
novembro. (MCCANN, 2009, p. 100).
Também os generais antiflorianistas, como João Nepomuceno de Medeiros
Mallet, consolidaram seu poder no Alto-Comando do Exército e puderam retirar de
cena oficiais inconvenientes. Mallet seria ministro da Guerra no governo seguinte,
dando início à lenta reconstrução do Exército, enquanto o general Arthur Oscar
aguardaria, em vão, ser recompensado pela República. (MCCANN, 2009, p. 101).
Se alguns esperavam que Canudos ensejasse uma República dominada
pelos militares, o resultado foi oposto. O desastre reforçou o controle dos
oficiais que almejavam reformar e profissionalizar o corpo de oficiais e dos
políticos civis que desejavam reduzir a influência militar sobre o governo.
(MCCANN, 2009, P. 101).
36
6 O EXÉRCITO E O BRASIL NOS PRIMEIROS ANOS DO SÉCULO XX
6.1 A SITUAÇÃO CLAMA POR REFORMAS
Com o Exército em ruínas depois do conflito em Canudos, os líderes militares
ressentiam-se da falta de recursos, até para pequenos reparos. Percebia-se o
desinteresse da sociedade civil brasileira pela questão. Mas alguns episódios como
a crise do Acre, a ameaça intervencionista dos Estados Unidos, o incidente Panther
[desembarque não autorizado de uma canhoneira alemã, em Itajaí, em 1905, à
procura de um desertor alemão] e o crescente militarismo mundial “geraram
demandas por reforma”. Mas a falta de continuidade nos trabalhos dos sucessivos
ministros da Guerra, que em parte foi um reflexo da economia política brasileira,
tornou o processo moroso durante a República Velha. (MCCANN, 2009, p. 102).
A economia nacional não era integrada. Cada região possuía sua economia,
exportando as produções para o exterior, em um contexto de sistema de transportes
inter-regionais carente, que também dificultava “a coesão política e a atuação
militar”. A relevância política estava diretamente condicionada pela economia local.
O Nordeste declinara com a perda de mercados externos do açúcar para a
concorrência caribenha. A Amazônia vivia o auge da extração da borracha, que
colapsaria após 1912. O Sul começava a se destacar, principalmente o Rio Grande
do Sul, orientando sua produção mais modesta, porém constante, para o mercado
nacional. Paraná e Santa Catarina exportavam mate para a bacia do Prata e países
andinos. A maior parte das exportações brasileiras provinha dos estados cafeeiros
do Centro-Sul, que viveriam “o auge do controle do governo nacional pela elite
cafeicultora paulista”. (MCCANN, 2009, p. 103).
A guerra civil de 1893-95 e especialmente o desastre de Canudos, em
1897, extinguiram a capacidade das Forças Armadas para desempenhar
um papel moderador que, segundo alguns, haviam herdado ao derrubar a
Monarquia. (MCCANN, 2009, p. 103).
Findo o mandato de Prudente de Morais, em 1898, as oligarquias agrárias
dominavam o cenário político. Os grandes proprietários conseguiam até impedir que
seus peões fossem convocados pela lei do serviço militar obrigatório. O Brasil
abastecia 75% do mercado mundial de café. Mas o aumento da oferta mundial
trouxe queda constante dos preços e crise ao setor. O governo desvalorizou a
moeda para manter os preços competitivos. Com isso, a importação de manufaturas
37
ficou mais cara e diminuiu, junto com as receitas do governo, que dependia muito da
arrecadação de impostos sobre importados. Havia também uma pesada dívida
externa, posteriormente negociada, cujos juros oneravam as contas. Em 1900,
metade dos bancos brasileiros faliu. (MCCANN, 2009, p. 103).
Nesse contexto, a visão da oligarquia agrária, na defesa dos próprios
interesses, era reduzir a indústria e infraestrutura nacionais ao mínimo necessário
para atender a economia agrícola. A população era vista como fonte de trabalho de
baixo custo. Não havia, pela elite agrária, interesse pelo ensino público. (MCCANN,
2009, p. 104).
Os vários planos de reforma militar [...] seriam frustrados pela visão limitada
das oligarquias estaduais, o que [...] acabou transformando os oficiais mais
impacientes em reformistas revolucionários. (MCCANN, 2009, p. 104).
Politicamente, “o que parecia uma democracia representativa constitucional
era, na verdade, o governo por uma aliança oligárquica”. Nesse sistema de
participação política limitada, cabia às Forças Armadas manter a lei e a ordem. Isso,
porém, afastava-se dos “ideais de profissionalismo” trazidos da Europa por oficiais, o
que viria a contribuir para a rebelião. Mas nos anos seguintes, o presidente Campos
Sales estabeleceria a “Política dos Governadores”, com autonomia dos estados, e
manteria o Exército leal, tendo Mallet à frente, com algumas pequenas revoltas.
(MCCANN, 2009, p. 104).
Campos Sales (1898-1902), paulista e [...] fazendeiro, acreditava que os
problemas econômicos do Brasil estavam na moeda desvalorizada.
Procurando valorizá-la, renegociou a dívida externa [...]. Mas acabou
aceitando pesadas exigências dos banqueiros internacionais. Em seu
governo ainda teve início a política dos governadores. (ARRUDA; PILETTI,
2004, p. 323).
6.2 A VIDA MILITAR NAQUELES TEMPOS
A lei do serviço militar obrigatório, de 1874, não surtira efeito. Nem as juntas de
alistamentos nem os registros civis eram levados a sério pelos cidadãos.
A
burguesia detestava a vida na caserna e a oligarquia agrícola queria seus peões
longe do Exército. O alistamento forçado que vigorara desde o século XIX deixara
péssima
impressão.
Os
“voluntários”
provinham dos desempregados,
dos
38
interessados em teto e comida e dos capturados pela polícia. Predominavam o
analfabetismo e doenças, como malária, subnutrição. (MCCANN, 2009, p. 110).
A disciplina, baseada nos costumes e num misto de regulamentos antigos, e
não num código estabelecido, era “brutal”. Confundia-se o “dever de punir com o
direito de castigar”. As surras com espadas ou varas flexíveis, diante da tropa, eram
usuais. Aplicavam-se também o marche-marche (andar por horas sobre juncos de
telhas), a solitária a pão e água por semanas, a palmatória, o estaqueamento com
amarras ao solo, a surras. (MCCANN, 2009, p. 111).
Eram comuns os suicídios e a rebelião da tropa contra o tratamento brutal. Mas
“a brutalidade era o único modo que os oficiais concebiam para transformar em
soldados aqueles deploráveis espécimes humanos”. Os alojamentos eram ruins, em
quartéis improvisados, sem adequação sanitária. A alimentação também era
precária e motivava reclamações e rebeliões. (MCCANN, 2009, p. 112).
Os soldos e gratificações se prestavam apenas para as necessidades mais
básicas. A variação excessiva de preços, decorrente de inflação e crises frequentes,
depreciava os soldos, que se mantinham comparativamente constantes. “A inflação
e a agitação resultantes sem dúvida afetaram o Exército e formaram um pano de
fundo contra o qual devemos analisar as várias revoltas e conspirações militares”.
(MCCANN, 2009, p. 114).
O ensino público era subdesenvolvido. A prioridade dos oficiais era “ensinar
aos soldados as habilidades básicas de leitura e matemática elementar”. A
assistência à saúde dos dependentes não era prioritária. Ao menos estes recebiam
remédios. (MCCANN, 2009, p. 117).
McCann (2009, p. 118) ressalta que o Exército participou do esforço brasileiro
para trazer modernos métodos de análise e pesquisa. Um laboratório de microscopia
e bacteriologia, implantado no Rio de Janeiro em 1896, foi importante para entender
a origem de um surto de peste bubônica, trazida por imigrantes. Uma equipe do
laboratório, que também realizava exames de urina e radiológicos, conduziu
pesquisas pioneiras sobre as doenças mais comuns da tropa. Porém, o Corpo de
Saúde do Exército era pequeno e “deixava a desejar”.
As classes média e alta, brancas e urbanas não queriam ver seus filhos no
serviço militar como praças. “Mostravam mais entusiasmo pela carreira de oficial”.
Além disso, a educação gratuita atraía jovens para o corpo de oficiais.
39
A disciplina dispensada aos estudantes candidatos a oficial foi mais branda que
a empregada aos soldados. Eram comuns as anistias, após as expulsões,
autorizando o reingresso nas escolas. Assim ocorreu em 1897 e 1904. Isso criou um
corpo discente heterogêneo, com alunos contando entre 15 e 45 anos de idade. As
anistias decorrentes da rebelião de 1904 contribuiriam para a disposição dos
estudantes militares a participar de revoltas, como em 1922 e 1924, e para a
agitação que culminou com a Revolução de 1930. (MCCANN, 2009, p. 121).
Toda essa situação vigente no Exército na virada do século XX indicava a
necessidade urgente de reformas. As atenções de uma parte de seus líderes
estariam voltadas para “diversos projetos de remodelação”. (MCCANN, 2009, p.
121).
6.3 O MINISTÉRIO MALLET E OS ESFORÇOS PARA REFORMAR O EXÉRCITO
O general gaúcho João Nepomuceno de Medeiros Mallet participou da Guerra
do Paraguai, viu a queda da Monarquia e foi governador do Ceará. “Sua oposição a
Floriano acarretou sua expulsão do Exército. Anistiado em 1895, participou da
regulamentação do novo Estado-Maior do Exército (EME) e do serviço de quartelmestre”. Foi quartel-mestre-general, ajudante-general e, durante o governo de
Campos Sales, ministro da Guerra, inaugurando uma era de “recomeço”, por não ter
participado diretamente das guerras Civil e de Canudos. (MCCANN, 2009, p. 106).
Segundo McCann, (2009, p. 107) Mallet nomeou para o recém-criado EME o
seu antecessor na pasta da Guerra, o general João Thomaz Cantuária. Incumbiu-lhe
de dar corpo a ideias de:
Mudar a composição das unidades, centralizar nomeações, reorganizar a
educação militar, enfatizar a importância do treinamento de tiro ao alvo,
executar manobras rotineiramente, regularizar o planejamento, melhorar os
critérios de promoção e elevar o nível intelectual do corpo de oficiais. Além
disso, os quartéis e outras instalações do Exército precisavam ser
remodelados e as unidades careciam de armamento moderno. (MCCANN,
2009, p. 107).
Mas o governo de Campos Sales (1898-1902) impunha grandes restrições
monetárias “em resposta à vultuosa dívida externa brasileira”. Assim, foi impossível
implementar, de imediato, o que ficou conhecido como o “Projeto Mallet”, que seria
40
“a base intelectual para as iniciativas de reforma até a Primeira Guerra Mundial”.
(MCCANN, 2009, p. 107).
Provavelmente a maior contribuição de Mallet para o pensamento militar
brasileiro tenha sido sua insistência na necessidade de constantes
manobras de treinamento para criar um verdadeiro exército. (MCCANN,
2009, P. 110).
41
7 A QUESTÃO DO ACRE
A crise que passou a “fermentar” na porção ocidental da Amazônia aumentou a
crescente “sensação de insegurança” que marcava o início do século XX. A indústria
automobilística fazia crescer a demanda por borracha para pneus. Os interesses se
voltaram para a única fonte de borracha natural do mundo. Parte dela provinha do
Acre boliviano, reconhecido pelos países fronteiriços em 1867 por meio de um
tratado. Mas no documento pairavam dúvidas sobre a demarcação de uma região
entre os rios Madeira e Javari, fato que gerou disputas. Em 1900 houvera a entrada
no Acre de cerca de 60 mil brasileiros, em grande parte cearenses ávidos por
trabalho e terra. (MCCANN, 2009, p. 121).
Tardiamente, para garantir sua soberania na área, o governo boliviano
estabeleceu uma alfândega em Puerto Alonso (Porto Acre) e passou a cobrar
imposto de exportação de 30%. O governo do Amazonas e os barões da borracha
brasileiros passaram a apoiar um espanhol, Luís Galvez Rodrigues, num movimento
que culminou com a declaração da independência do Acre em 1899. Sua república
tinha na bandeira as cores do Brasil, bem como a mesma moeda, códigos, tarifas e
língua oficial, e englobava terras dos dois países. (MCCANN, 2009, p. 122).
A intenção inicial do governo brasileiro era apoiar os bolivianos na recuperação
do território. Galvez era malvisto pelas casas de comércio da borracha em Manaus.
Inexistindo na área sistema de comunicações por telégrafo, boatos dos mais
absurdos iam de barco em barco. Alguns diziam que os Estados Unidos apoiariam a
Bolívia, com interesses alfandegários e territoriais. A viagem do navio estadunidense
Wilmington, supostamente sem autorização, pelo rio Amazonas, ao Peru reforçou as
suspeitas. A imprensa e a opinião pública se agitaram ao considerarem que o
governo brasileiro estava abrindo mão de valioso território brasileiro, cedendo às
reivindicações bolivianas. (MCCANN, 2009, p. 122).
Em março, Galvez foi preso, agravando essa impressão. A expedição que o
depôs foi criticada pela imprensa da região por ter ido de encontro aos interesses
nacionais. Mas ao saber que forças bolivianas marchavam para o Acre, o governo
brasileiro endureceu sua posição. (MCCANN, 2009, p. 122).
O governo vizinho parecia titubear ao propor uma solução envolvendo troca de
terras, reconhecendo tacitamente sua incapacidade de reaver o controle. Mas em
setembro de 1899 uma expedição militar terrestre boliviana retomou sem
42
resistências Puerto Alonso. Havia cidadãos brasileiros sob o domínio boliviano. A
seguir, o governo do Brasil negou à Bolívia permissão para que uma expedição
naval armada subisse pelo Amazonas ao Acre. (MCCANN, 2009, p. 123).
Nesse contexto, em 1900, o cônsul estadunidense em Belém aconselhou a um
sindicato de seu país comprar terras na região para assegurar “a chave do problema
[da borracha] e ditar as condições ao resto do mundo”. Corriam boatos do
arrendamento de terras acreanas por um sindicado alemão e do interesse francês
em construir uma ferrovia ligando a região à Bolívia para livrá-la da dependência da
rota brasileira. Em meados de 1900, os bolivianos procuraram Estados Unidos e
Inglaterra para obter proteção em troca da cessão de terras produtoras de borracha.
Os governos não se envolveram diretamente, mas a Bolívia assinou um contrato
com um sindicato anglo-estadunidense que lhe transferia, na prática, a soberania
sobre uma região de 200 mil quilômetros quadrados. (MCCANN, 2009, p. 123).
Segundo Arruda e Piletti (2004, p. 322), “a Bolívia havia arrendado a exploração do
látex daquela área à empresa americana [estadunidense] Bolivian Syndicate”.
Durante todo o ano de 1900, a imprensa brasileira criticou a falta de apoio do
governo aos acreanos. Quando a notícia do arrendamento da área chegou ao Rio de
Janeiro, as críticas viraram “clamor por ação” ante a ameaça das potências
mundiais. (MCCANN, 2009, p. 123).
Em fins de 1900, as autoridades amazonenses resolveram agir e organizaram
uma expedição para atacar Puerto Alonso, que fracassou. Os amazonenses
perceberam a necessidade de uma liderança militar. Confiaram o comando de uma
nova insurreição a José Plácido de Castro, um agrimensor com treinamento militar.
Plácido liderou a Polícia Militar do Amazonas e “voluntários” recrutados à força em
Manaus e sublevou os acreanos. (MCCANN, 2009, p. 125).
Nesse ínterim, o barão do Rio Branco assumira o ministério das Relações
Exteriores. Era defensor da modificação do tratado de 1867, com ampliação das
pretensões territoriais brasileiras. Notificou aos bolivianos o fechamento do
Amazonas para o comércio e impôs limite à expedição que o presidente José Maria
Pando enviara, que incluía a nova área pleiteada pelo Brasil. Para dar garantia ao
aviso, o Exército reforçou Corumbá, na fronteira com a Bolívia, “e enviou quatro
regimentos de Infantaria e três baterias de Artilharia para o Acre”. Rio Branco
blefava para evitar derramamento de sangue e confessou a um amigo: “é preciso
43
que nos mostremos fortes e decididos a tudo. Deus nos livre de uma guerra,
desmantelados, empobrecidos como estamos”. (MCCANN, 2009, p. 125).
As finanças do governo impuseram redução do efetivo, quase à metade, e a
mobilização de tropas era um problema. Muitos dos que já estavam no Norte
padeciam com o endêmico beribéri. A Marinha estava despreparada para o
transporte fluvial das tropas e foi preciso contratar companhias privadas. Os
batalhões se ressentiam da falta de oficiais, muitos eleitos para mandatos
legislativos e liberados das obrigações militares. (MCCANN, 2009, p. 125).
Dentre os convocados figurava um jovem sargento de 21 anos, do 25º
Batalhão de Infantaria, de Porto Alegre. Tratava-se de Getúlio Dornelles Vargas,
filho de um cabo veterano da Guerra do Paraguai que chegou ao generalato.
(MCCANN, 2009, p. 126).
Vargas decidira-se pela carreira das armas. Tentou ingressar na Escola Militar.
Ficando na lista de espera, em 1899, precisou alistar-se no 6º Batalhão de Infantaria,
em São Borja, de onde seguiu, no ano seguinte, para a escola de Rio Pardo. Porém,
em 1902, um incidente disciplinar resultaria na sua expulsão da escola, por ter sido
solidário com a expulsão de outros alunos. Voltou às fileiras como soldado e, nessa
condição, foi enviado a Corumbá. O sonho de seguir os passos do pai se esvaiu ao
deparar-se com a “apatia, desordem e indisciplina” na fronteira. Mais tarde diria à
filha: “foi lá que aprendi a conhecer os homens [...]. Nos momentos difíceis e de
incerteza é que podemos conhecê-los melhor”. (MCCANN, 2009, p. 126).
As negociações conduziriam à assinatura, em 1903, do Tratado de Petrópolis,
que reconheceu a posse brasileira do Acre. Para atenuar a perda financeira, Rio
Branco incluiu no documento o pagamento de 2 milhões de libras esterlinas à Bolívia
e o compromisso de construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré, no trecho não
navegável do rio Madeira, a fim de escoar a produção boliviana de borracha.
(MCCANN, 2009, p. 127).
O Exército teve peso decisivo apenas porque os Estados Unidos e a
Inglaterra preferiram cruzar os braços enquanto o Brasil comprava a
concessão do sindicato anglo-americano e porque a Bolívia era fraca.
(MCCANN, 2009, p. 127).
A crise com a Bolívia e a ameaça estrangeira ressaltaram a necessidade de
melhorar as comunicações com as fronteiras. Em 1890-91, a Engenharia do Exército
44
havia levado linhas telegráficas até Cuiabá. Em 1906 elas chegaram a partes da
fronteira com Bolívia e Paraguai. (MCCANN, 2009, p. 127).
Candido Mariano da Silva Rondon foi um personagem ativo desse processo,
inclusive como chefe. O longevo marechal passaria a maior parte da sua extensa
carreira de cinquenta anos “empenhado em projetos ligados a construção
telegráfica, mapeamento, abertura de áreas de fronteira e pacificação de povos
indígenas recém-contatados”. Os fios e caminhos chegaram a Porto Velho, nova
cidade às margens do Madeira e terminal ferroviário. Foram 2250 quilômetros de
linhas telegráficas, com 25 estações telegráficas. 51813 quilômetros quadrados
tiveram os rios e as principais cabeceiras, cadeias de elevações e savanas
mapeados. Pacificaram-se treze tribos indígenas. As equipes de Rondon filmaram e
fotografaram as atividades, que eram exibidas nos cinemas das cidades brasileiras
para despertar o interesse pela região e pelo Exército. Os filmes também “pautaram
um debate entre as elites que contribuiu para a criação do Serviço de Proteção ao
Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais”, que viria a ser chefiado por
Rondon. (MCCANN, 2009, p. 127).
McCann, em 2009 (p. 128), afirma que, infelizmente, o telégrafo e a ferrovia
somente foram introduzidos na área quando estavam quase obsoletos. O telégrafo
logo foi superado pelo rádio e a ferrovia tornou-se inútil com o declínio da exploração
da borracha.
45
8. CRISE SOCIAL E REVOLTA NA ESCOLA MILITAR
8.1 O MINISTRO ARGOLLO E A DEFESA DO BRASIL
McCann (2009, p. 130) considera que, apesar do furor patriótico ocasionado
pela “demonstração de força do Brasil na Amazônia”, os chefes militares
mantiveram-se atentos à realidade. O general Argollo, novo ministro da Guerra,
observou que “infelizmente, os brasileiros ainda não compreendiam o perigo a que
estava exposto o seu território”. Não se podia confiar apenas na diplomacia, sem
que esta tivesse força militar para fazer valer seus argumentos e ficasse dependente
da “disposição das grandes potências para reconhecer os direitos brasileiros”.
Para o Alto-Comando, o serviço militar obrigatório era indispensável. Isso era
ressaltado em relatórios ministeriais, ano após ano desde a proclamação da
República, em vão. A Constituição de 1891 previa tal condição, mas a lei que a
viabilizaria ficaria engavetada até 1908. E isso só ocorreu “graças aos esforços
conjuntos de militares e da classe média urbana”, cujos filhos ingressavam na
carreira de oficial, emprestando-lhe a visão militar sobre os objetivos e segurança
nacionais. (MCCANN, 2009, p. 131).
Essa mesma classe média via o país ser controlado pelos coronéis produtores
rurais. Suas forças militares limitavam o poder do governo central e, por meio de
suas alianças regionais, controlavam-no. “Forças armadas fortes sob o controle da
classe média talvez pudessem impor sua visão de Brasil”. A classe média, por sua
vez, era pouco afeita à “ação política unificada” e “subordinava-se ao sistema
prevalecente”. McCann cita Edgar Carone: “em vez de luta, colaboração; em lugar
de ideologia própria, a vaga glorificação do civismo”. (MCCANN, 2009, p. 131).
A malfadada revolta da Escola Militar em 1904, com seus débeis murmúrios
pela restauração monárquica, também pode ter contribuído para o interesse
da classe média em melhorar o Exército. (MCCANN, 2009, p. 131).
A rebelião de 1904 preocupou o Alto-Comando com a “dissensão,
insubordinação e sectarismo político”. Por isso os generais adotaram medidas para
“proteger a coesão e a unidade da instituição” e buscaram “reforçar os laços do
Exército com o povo”. (MCCANN, 2009, p. 132).
Os líderes do Exército viam o serviço militar obrigatório como parte da reforma
da educação militar. Seria parte importante da defesa, mas também um “agente
46
regenerador” que, se generalizado, “fortaleceria o povo física e moralmente; a
virilidade, a disciplina e as virtudes cívicas seriam disseminadas”.
8.2 A REVOLTA NA ESCOLA MILITAR
Em 1904 a população da capital federal vivia uma agitação decorrente da alta
da inflação e do custo de vida, da crise do comércio e dos inconvenientes causados
pelas obras de saneamento e modernização. A abertura da avenida Central e da rua
da Carioca exigiam desalojar moradores, que eram obrigados a instalar-se em
lugares mais distantes. Nesse contexto, a Escola Militar da Praia Vermelha também
se fez foco de agitação. (MCCANN, 2009, p. 134).
Nessa época, a capital federal passava por uma profunda remodelação. [...]
Como resultado, milhares de pessoas ficaram desabrigadas. Era o auge do
higienismo, conjunto de ideias que procurava pôr ordem no caos urbano.
(ARRUDA; PILETTI, 2004, p. 327).
A gota d’água para a revolta popular foi a decretação pelo governo da lei da
vacinação obrigatória. Em 10 de novembro iniciaram-se arruaças, que foram
reprimidas pela polícia montada, durante quatro dias, prendendo manifestantes.
Dentre os presos havia alunos militares. A situação se agravou com a multidão
montando barricadas, ocupando duas delegacias e se espalhando para os subúrbios
próximos. Com a situação descontrolada, o presidente Rodrigues Alves acionou o
Exército. (MCCANN, 2009, p. 135).
Por quase uma semana, agitações de rua tomaram conta da cidade e
tiveram a participação e o apoio até de altos oficiais da Escola Militar da
Praia Vermelha. (KOSHIBA; PEREIRA, 2003, p. 399).
“Uma aliança de fato formara-se entre positivistas, políticos Jacobinos,
monarquistas, líderes sindicais, oficiais militares e alunos da Escola Militar”. Havia
alguns meses que os generais Sylvestre Rodrigues da Silva Travassos e Antonio
Olympio da Silveira, o tenente-coronel e senador Lauro Sodré e vários outros oficiais
conspiravam contra o governo. Naqueles dias, reuniam-se no Clube Militar. A
conspiração tinha, porém, ligações com as rebeliões de 1895 e 1897, na Escola
Militar, pois vários alunos de então haviam sido anistiados e readmitidos em 1901,
na Praia Vermelha. Eles já haviam tentado convencer os alunos, em 1902, a prender
47
o presidente Campos Sales, que visitava a escola. Provavelmente tencionavam
instaurar uma ditadura militar, com apoio positivista. (MCCANN, 2009, p. 135).
Com o governo em dificuldades diante dos tumultos, os conspiradores
resolveram agir. A Escola Preparatória e Tática do Realengo, entretanto, não aderiu
porque o agente conspirador foi detido a tempo pelo comandante daquele
estabelecimento de ensino, general-de-brigada Hermes da Fonseca. O mesmo não
ocorreu na Praia Vermelha. Lá aderiram ao movimento em torno de trezentos alunos
que marcharam para o palácio do Catete, decididos a depor o presidente. Mas
“estavam sozinhos na revolta”. A guarnição do Forte São João não fora persuadida.
(MCCANN, 2009, p. 135).
O caminho dos rebeldes foi bloqueado por tropas legalistas, a comando do
general-de-brigada Antônio Carlos da Silva Piragibe. Era noite e o enfrentamento se
deu na escuridão das ruas que tiveram a iluminação a gás depredada. “Após um
tiroteio às cegas, os dois lados bateram em retirada”. Dois líderes rebeldes ficaram
feridos: o senador Lauro Sodré e o general Travassos, que faleceu. Mais tarde, a
Marinha disparou dois tiros no pátio da Escola Militar para dissuadir os revoltosos.
Ao raiar do dia seguinte, tropas a comando do coronel José Caetano de Faria se
depararam com os estudantes formados defronte à Escola, dispostos à rendição.
(MCCANN, 2009, p. 135).
A agitação nas ruas duraria mais um dia. Nas palavras do coronel Inocêncio
Serzedelo Correia, um dos conspiradores, o levante visava “à completa renovação
da nação [por meio da] destruição da presente ordem e da completa mudança do
cenário político”. O propósito era destruir a oligarquia que havia voltado à cena
política e implantara a “Política dos Governadores”. Nas palavras de Robert G.
Nachman, foi “o primeiro sinal de oposição unida ao controle oligárquico do Brasil
republicano”. (MCCANN, 2009, p. 136).
[A revolta na Escola Militar foi] parte de uma série de comoções que
levariam, através do movimento salvacionista e da revolta do Contestado,
na década seguinte, e das revoltas tenentistas, da década de 1920, à
Revolução de 30. (MCCANN, 2009, p. 136).
48
9 NOVAS TENTATIVAS DE REFORMAR O EXÉRCITO E O SERVIÇO MILITAR
9.1 A EDUCAÇÃO DOS OFICIAIS
Imediatamente após a revolta, a Escola Militar da Praia Vermelha foi fechada,
“marcando o fim de uma era na preparação de oficiais”. Os estudantes rebeldes
foram expulsos do Exército, sem soldo ou farda, depois de passarem por unidades
do Rio Grande do Sul. Os prisioneiros civis tiveram pior sorte: foram mandados de
navio para o Acre. (MCCANN, 2009, p. 136).
Milhares de pessoas foram presas. Centenas acabaram enviadas para o
Acre; as que sobreviveram à viagem foram submetidas a trabalhos forçados
nas obras de construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, que também
consumiu centenas de vidas. (ARRUDA; PILETTI, 2004, p. 327).
É muito revelador sobre a sociedade brasileira e o problema da disciplina
militar o fato de que em 1905 os estudantes rebeldes receberam anistia e
foram autorizados a fazer os exames finais relacionados ao que fora
ensinado em 1904. (MCCANN, 2009, p. 137).
O fechamento das escolas na Praia Vermelha e em Realengo resultou na
criação da Escola de Guerra em Porto Alegre, cuja instrução deveria ser baseada no
novo regulamento da Escola Militar, inspirado nas ideias de Mallet. O ensino
enfatizaria a prática, limitando os estudos teóricos, a fim de acabar com os “doutores
tenentes e doutores coronéis”, ou seja, pondo fim ao bacharelismo militar.
(MCCANN, 2009, p. 135).
E, para preparar instrutores que implementariam a reforma projetada, o
ministério da Guerra mandou seis oficiais de baixa patente servir
arregimentados no Exército imperial alemão por dois anos como
treinamento, iniciando assim uma prática que teria repercussões
importantes no futuro. (MCCANN, 2009, p. 137)
Infelizmente, mais uma vez a inércia travou a reforma e o novo regulamento da
Escola Militar não foi posto em prática. Os oficiais de postos mais altos continuaram
lecionando e treinando os discentes como sempre fizeram, ou seja, com ênfase na
teoria. (MCCANN, 2009, p. 137).
9.2 O MINISTÉRIO HERMES DA FONSECA
O papel do general Hermes da Fonseca na supressão do levante de 1904
rendeu-lhe como recompensa do presidente Rodrigues Alves o comando do 4º
49
Distrito Militar, que incluía a capital federal. Logo o general iniciou campanha para
“robustecer as forças do distrito”, que compreendiam quase metade do Exército.
(MCCANN, 2009, p. 137).
[Hermes] organizou manobras anuais conjuntas com tanto aparato e
cobertura pela imprensa que seriam lembradas por décadas. (MCCANN,
2009, p. 138).
Hermes viveu o período entre a Guerra do Paraguai e a Primeira Guerra
Mundial. Nascido de família de militares ilustres gaúchos, que participaram das
guerras dos Farrapos e do Paraguai, concluiu, em 1878, a Escola da Praia
Vermelha. Desde cedo serviu com autoridades do Império e lecionou na Escola
Militar da Corte. (MCCANN, 2009, p. 138).
Na conspiração republicana, foi figura importante ao servir de filtro para as
pressões feitas sobre o tio, Deodoro. Foi beneficiado com as promoções do início da
República, indo de capitão a tenente-coronel em menos de um ano. Distingui-se na
defesa de Niterói, durante a Revolta da Armada em 1893, apoiando Floriano
Peixoto, apesar de não simpatizar com ele. (MCCANN, 2009, p. 138).
De 1894, quando foi promovido a coronel, até 1896, comandou o 2º Regimento
de Artilharia Montada, transformando-o em unidade modelo. Ainda em 1896, foi
chefe da Casa Militar do vice-presidente Manuel Vitoriano, durante o afastamento de
Prudente de Morais.
Hermes ganhou visibilidade política e nome no Exército por seus estudos sobre
organização e treinamento. Ajudou a redigir o regulamento para o novo EstadoMaior, identificando-se com as ideias reformistas do ministro Mallet. Gozando da
confiança do presidente Campos Sales, foi nomeado comandante da Brigada de
Polícia do Distrito Federal em 1899, até assumir o comando da Escola Preparatória
do Realengo, em agosto de 1904. (MCCANN, 2009, p. 138).
Hermes foi o protótipo do oficial brasileiro do século XX. Como capitão,
conspirou para derrubar a Monarquia, e como marechal reformado
conspiraria contra o presidente Epitácio Pessoa. (MCCANN, 2009, p. 139).
Seu comando no 4º Distrito Militar foi marcado pela grande manobra de dezoito
dias, entre setembro e outubro de 1905, no Campo dos Cajueiros, em Santa Cruz,
no Rio de Janeiro. Houve expectadores e imprensa em grande número. Mas em seu
relatório, Hermes deixaria evidente sua insatisfação. Havia mais deficiências e
50
problemas do que feitos. Ficou claro que o Exército não estava preparado para uma
campanha e que a reforma teria de ser completa. (MCCANN, 2009, p. 139).
Derivando de um “senso de nacionalismo” que se intensificava na época, a
empolgação civil com as exibições militares, particularmente as classes média e alta
urbana, resultou na fundação dos Tiros e no alistamento de voluntários para as
manobras anuais. No Congresso, legisladores passaram a apoiar a lei do serviço
militar obrigatório. (MCCANN, 2009, p. 139).
Os brasileiros, acostumados a ver-se como apêndices culturais da Europa,
começavam a olhar para dentro e descobrir o verdadeiro Brasil. O desastre
de Canudos teve um efeito positivo: forçou os habitantes das cidades
costeiras a encarar a nação que, nas palavras de Euclides da Cunha, se
compunha de “rijos caboclos”. (MCCANN, 2009, p. 140).
O Congresso, entusiasmado pelo nacionalismo, aprovou a nova lei do serviço
militar, em 1908, com o intuito de “fazer do Exército um corpo treinado que
transformaria levas anuais de recrutas em soldados, os quais, por sua vez,
formariam uma reseva em constante crescimento, a ser convocada em períodos de
crise”. (MCCANN, 2009, p. 140).
A primeira reserva organizada do Brasil se formou nessa época: os “Tiros”.
Atiradores licenciados do Rio de Janeiro conseguiram com o general Hermes fuzis
Mauser emprestados para treinar na “carreira de tiro” que Mallet mandara fazer,
após o desastre de Canudos. Os atiradores cariocas, do “Tiro 7”, uniram-se a outros
dez clubes e criaram um batalhão que evoluiu para um corpo de atiradores de elite.
“Os Tiros eram a propaganda viva do Brasil armado preconizado por Hermes e pelo
ministro do Exterior, Rio Branco”. Foram também propulsores da aprovação da lei do
serviço militar obrigatório. Os tenentes que os assessoravam se empenharam numa
campanha na imprensa, que publicava nos jornais fotos das manobras, corridas de
sessenta quilômetros (raides), paradas e concursos de tiro. (MCCANN, 2009, p.
141).
A aclamação não foi universal. Operários, desconfiados das exibições
patrióticas da classe média, formaram a Liga Antimilitarista para opor-se ao projeto
de lei do serviço militar. Também os positivistas se opuseram. Alguns jornais
consideraram a medida belicosa e anti-individualista. Apesar da aprovação da lei,
seriam necessários mais oito anos e a eclosão da Primeira Guerra Mundial para que
se desse início ao serviço militar obrigatório. (MCCANN, 2009, p. 141).
51
O clima de entusiasmo girava em torno da figura de Hermes da Fonseca, que
fora nomeado ministro da Guerra, no início do governo Afonso Pena, em novembro
de 1906. No cargo, Hermes procurou estender ao Exército as reformas que
perseguira como comandante da 4ª Região Militar. Preconizou a necessidade de
novos quartéis para atender a lei do serviço militar; a construção de áreas de
treinamento em todos os estados, que teriam como modelo a Vila Militar, que seria
construída na fazenda Sapopemba, próxima ao Rio de Janeiro; e a renovação dos
arsenais e fábricas de pólvora e projéteis. (MCCANN, 2009, p. 141).
Hermes também asseverou que “os oficiais não sabiam comandar operações
em campanha”; que “o Exército não estava aparelhado para a guerra”; e
recomendou uma reforma administrativa no Exército, que era “desproporcionalmente
grande no topo e deficiente”. (MCCANN, 2009, p. 142).
As mudanças não seriam completas em função das restrições impostas pelo
Congresso aos gastos militares. Mas talvez a mudança mais significativa que
Hermes efetivou tenha ocorrido no Estado-Maior do Exército, que fora criado em
1899 para substituir a Ajudância-General e cujos oficiais, na maioria, eram
burocratas, sem conhecimentos para conduzir atividades ligadas à tropa, à
mobilização, às armas e à campanha. (MCCANN, 2009, p. 143).
Para corrigir a situação, as tarefas administrativas foram abertas a oficiais de
qualquer ramo e não apenas aos do “exclusivo corpo do Estado-Maior”, que foi
extinto; livrou o Estado-Maior de muitas tarefas administrativas e as que
permaneceram foram entregues a civis, para que os seus integrantes se dedicassem
à educação dos oficiais e ao treinamento dos soldados. A reorganização de agosto
de 1909 deu início a um verdadeiro Estado-Maior, inspirado nos exércitos alemão e
japonês. (MCCANN, 2009, p. 143).
A mais durável criação de Hermes foi a Vila Militar de Deodoro. Seguiu a
recomendação de Mallet de concentrar unidades e projetou quartéis para bem
acomodar as tropas. Sua intenção era dar a cada brigada sua própria base. A Vila
Militar do Rio de Janeiro seria o modelo para as demais. (MCCANN, 2009, p. 144).
Cada regimento teria seu próprio quartel, escritório, além de casas
individuais para oficiais e sargentos. Infelizmente, a falta de verba
governamental impossibilitou que o programa fosse implementado além do
Rio de Janeiro até a Primeira Guerra Mundial. (MCCANN, 2009, p. 144).
52
9.3 INSTRUÇÃO MILITAR ESTRANGEIRA
Hermes teve o apoio de Rio Branco nos seus projetos de reorganização porque
este temia a hostilidade que o ministro do Exterior argentino demonstrava ao Brasil.
O diplomata brasileiro conseguiu um convite do Kaiser alemão Guilherme II para
Hermes e o comandante da 4ª Região Militar, general Mendes de Morais,
assistissem a manobras do Exército alemão em 1908. As manobras na AlsáciaLorena impressionaram. O capitão Constantino Deschamps Cavalcante, treinando
com os alemães desde 1906, a mando do ministro Argollo, auxiliou-os na visita. Na
ocasião, Hermes negociou com os alemães “o envio de uma missão para
supervisionar a reorganização do Exército”. (MCCANN, 2009, p. 145).
Na disputa pela influência sobre o Exército brasileiro, os alemães ganhavam
vantagem sobre os franceses. Naquele mesmo ano, 1909, um segundo grupo de
seis oficiais brasileiros foi passar dois anos em regimentos alemães. Ademais, a
Krupp passou a fornecer obuses para a Artilharia brasileira e, em 1910, um terceiro
grupo de vinte e quatro oficiais partira para a Alemanha, que já havia selecionado os
membros da missão no Brasil. Mas, para a perplexidade dos oficiais que foram para
a Alemanha, como Estevão Leitão de Carvalho, esta não se concretizou. (MCCANN,
2009, p. 145).
A influência francesa sobre as elites brasileiras e a hábil diplomacia dos francos
minaria o acordo. Políticos paulistas, que já haviam contratado os franceses e eram
a eles favoráveis, passaram a influenciar e pressionar Hermes para romper com
Berlim. Hermes, por sua vez, eleito presidente em 1910, precisava do apoio político
desses paulistas, que destoavam da maioria, que apoiara Rui Barbosa. Além disso,
o sucesso alemão perturbava franceses, britânicos e estadunidenses, pois estava
em jogo, também, a venda de armas. E para os franceses era importante ter o aval
de Hermes para que se renovasse a missão na Força Pública paulista, que expiraria
naquele ano. (MCCANN, 2009, p. 146).
Nessa disputa, os franceses superaram os alemães no esforço de conquistar
Hermes. Em agosto de 1910, foram organizadas visitas a escolas, quartéis e
fábricas bélicas francesas e a participação de intelectuais, além da recepção pelo
presidente daquele país. Até uma campanha na mídia francesa para afagar o ego do
marechal foi feita, com a colaboração de um major da comitiva brasileira, Alfredo
Oscar Fleury de Barros, que estendeu a campanha midiática aos periódicos
53
brasileiros, que publicaram elogios à França e ao seu exército. (MCCANN, 2009, p.
147).
Hermes fora conquistado pelos franceses. Antes de partir, declarou nunca ter
sido germanófilo e que sua formação pessoal era francesa. Também ressaltou
semelhanças dos soldados e dos povos dos dois países. Para não romper
subitamente com os alemães, prejudicando as relações, Hermes declarou que “o
Brasil não receberia nenhuma missão estrangeira; seus oficiais eram bons o
bastante para treinar suas forças”. (MCCANN, 2009, p. 147).
Nilo Peçanha informara que era favorável à vinda de uma missão militar
estrangeira, mais barata que o envio de oficiais para treinamento. Os franceses
continuaram trabalhando intensamente para manter sua missão paulista e obter a
missão militar no Exército brasileiro. Em outubro de 1911, em deliberação no
Congresso, os franceses não conseguiram aprovar a missão, mas impediram a
alemã. (MCCANN, 2009, p. 149).
Mas a eclosão da Grande Guerra, em 1914, e a entrada do Brasil no conflito,
em 1917, contra os alemães, encerrou a questão. A questão da missão militar
estrangeira ficaria engavetada até o fim da Guerra. (MCCANN, 2009, p. 150).
54
10 O GOVERNO DO MARECHAL HERMES
Para McCann (2009, p. 150), apesar de a questão da missão estrangeira ter
sido deixada de lado, em 1911, o Exército passava por algumas mudanças.
Havia indícios de que agradava a um núcleo de oficiais a ideia de que o
Exército devia modernizar-se e ser uma força propulsora da modernização
do Brasil. (MCCANN, 2009, p.150).
A tentativa de reformar a educação militar em 1905 tinha dado poucos
resultados. Mas os alunos da Escola de Guerra em Porto Alegre se convenceram de
que somente melhorando os soldados se poderia melhorar o Exército. Para tanto,
apoiavam o serviço militar obrigatório, o treinamento e o empenho de cada um
deles. (MCCANN, 2009, p. 150).
Enquanto Hermes visitava a França para discutir a respeito de uma missão de
assessoria militar e o último grupo de oficiais estava na Alemanha, oficiais em Porto
Alegre publicavam no primeiro número da Revista dos Militares a necessidade de
todos se prepararem para receber instrutores estrangeiros. O orgulho pessoal
estava estimulando os menos graduados. (MCCANN, 2009, p. 150).
Com as reformas necessárias sendo proteladas pela inércia, foi difícil manter a
disciplina interna. Facções políticas rondavam os portões dos quartéis e procuravam
“atrair os oficiais para lutas partidárias”. Membros das elites intrometiam-se nos
planos de profissionalização dos oficiais. O Exército não tinha “liberdade
institucional” para adotar seus modelos próprios e nem autonomia mesmo em
questões técnicas. (MCCANN, 2009, p. 151).
Em consequência, alguns oficiais subalternos dessa década acabariam,
mais adiante, em suas carreiras, por envolver-se em atividades
revolucionárias. (MCCANN, 2009, p.151).
McCann destaca (2009, p. 151) que, em 1911, o Exército passou a ter o seu
representante na presidência:
Infelizmente para sua profissionalização, [o Exército] enredou-se na luta da
elite republicana com as ressurgentes oligarquias regionais pelo controle
dos governos estaduais. Uma orgia de intervenções, chamada de
movimento salvacionista, desacreditaria o Exército aos olhos de muitos
brasileiros e retardaria a marcha em direção ao serviço militar obrigatório.
(MCCANN, 2009, p.151).
55
O início da década de 1910 trazia novidades, como a nova Escola Militar do
Realengo. Mas em breve, mais uma vez, o Exército seria empregado como
“instrumento de repressão, agora no interior de Santa Catarina”. (MCCANN, 2009, p.
151).
A “Política dos Governadores” vigente permitira a muitas famílias que eram
proeminentes no Império voltar ao poder. Após a morte de Pedro II, em 1891, elas
superaram a ânsia restauradora e se alinharam à República. As oligarquias estavam
mais interessadas nas benesses do poder regional do que no governo nacional. Este
aspecto preocupou oficiais a respeito da unidade da Pátria. (MCCANN, 2009, p.
152).
O cenário político nacional era dominado por São Paulo e Minas Gerais. O
senador gaúcho José Gomes Pinheiro Machado fazia a intermediação do poder
político. (MCCANN, 2009, p. 153).
Os estados maiores mantinham forças policiais militarizadas de bom
tamanho, capazes de conter, se não desafiar diretamente o Exército
nacional. [...] Ao menos no papel, cada estado possuía suas próprias
unidades da Guarda Nacional, com oficiais extraídos da elite política local e
soldados, quando existiam realmente, que estavam a mando dos figurões
locais. (MCCANN, 2009, p.153).
A Guarda Nacional, subordinada ao ministério da Justiça, e não ao da Guerra,
que apenas a supervisionava, destinava-se a “alicerçar o controle da elite”. Além
disso, nas crises essas elites convocavam seus peões e contratavam capangas,
formando os “batalhões patrióticos”. Assim, os políticos dos estados podiam impor
suas vontades nos seus redutos e defender-se do Exército nacional. (MCCANN,
2009, p. 153).
O Exército, nesse sistema, ficava com papel secundário de apoio à segurança
interna, ou defesa interna, como mencionava a Constituição de 1891. Sempre que
as forças locais eram incapazes de resolver um problema, as elites passavam-no
para o Exército. E foram muitos os conflitos com características de guerra civil que
ocorreram pelo Brasil durante a República Velha, decorrentes de “querelas políticas
locais”. Isto irritava oficiais idealistas, que se sentiam no desempenho de papéis
indignos, enquanto outros com ambições políticas enxergavam oportunidades de
ascensão. (MCCANN, 2009, p. 153).
Com a chegada de Hermes à presidência, as Forças Armadas ocuparam
primeiro plano, bem como a oficialidade em relação aos assuntos nacionais. Ficou
56
clara uma fraqueza da Política dos Governadores: a dependência do consenso entre
políticos e oligarcas, sem haver um mecanismo para lidar com a dissensão.
(MCCANN, 2009, p. 153).
A eleição de Hermes surgiu da discordância entre São Paulo e Minas Gerais,
na sucessão presidencial. Enquanto os paulistas apoiaram o senador Rui Barbosa,
os mineiros se uniram aos gaúchos e aos oficiais do Exército para apoiar a
candidatura do ministro da Guerra, Hermes da Fonseca. (MCCANN, 2009, p. 154).
O discurso de Rui Barbosa foi antimilitarista, usando este argumento para gerar
uma atmosfera de abalo do crédito internacional brasileiro, que seria assemelhado a
outros países hispano-americanos dominados por militares. (MCCANN, 2009, p.
154).
A tensão decorrente desses eventos da sucessão presidencial teria, junto a
outros aspectos, contribuído para o falecimento do presidente Afonso Pena. Ele
confiava que Hermes, seu ministro da Guerra, apoiaria o candidato que escolhera, o
deputado mineiro David Campista. O substituto do presidente falecido, o vicepresidente carioca Nilo Peçanha “jogou todo o peso do Poder Executivo em favor de
Hermes”. (MCCANN, 2009, p. 154).
Rui Barbosa, que tinha imensa popularidade, republicano histórico, ministro das
Finanças de Deodoro, porta-voz do Brasil na Conferência de Haia, em 1907, usou
sua reputação “para projetar a imagem de um civil patriota que questionava a
sabedoria de entregar a presidência a um general”. (MCCANN, 2009, p. 154).
McCann (2009, p.154) cita José Murilo de Carvalho: “Rui levantou a questão errada,
atacando o militarismo”.
A candidatura de Hermes nasceu do fracasso da política dos governadores
e não do desejo do Exército de intervir no sistema político. De fato, as
oligarquias mineiras e gaúchas estavam usando Hermes como escudo para
seus interesses. (MCCANN, 2009, p.154).
É curioso o fato de que Hermes concordava mais com as ideias de seu
adversário, Rui Barbosa, do que com as de Pinheiro Machado, um de seus
patrocinadores. Estava de acordo com Rui quanto às críticas ao sistema político e às
oligarquias estaduais. Também é surpreendente que, depois de eleito, o marechal
tenha convidado Rui Barbosa a participar do governo. “Hermes foi o primeiro a citar
os trabalhadores em seus discursos e, quando presidente, mandou construir casas
57
para operários no Rio de Janeiro e patrocinou o 4º Congresso Operário Brasileiro em
1912”. (MCCANN, 2009, p. 154).
A vitória de Hermes devolveu os militares ao palco político e criou uma
duradoura impressão de que as ações militares dos anos seguintes tiveram
o apoio do presidente e do Exército como instituição, quando, na verdade,
muitas foram iniciativas de comandantes locais sem consulta prévia ou
mesmo sem consulta alguma às autoridades centrais. (MCCANN, 2009,
p.154).
Para McCann (2009, p. 155), as críticas de Rui Barbosa, em discursos
condenando a intromissão militar na política, aumentaram a animosidade entre
oficiais e os “líderes políticos aliados de Pinheiro Machado”.
Hermes não era de natureza agressiva e é provável que não tenha previsto a
violência que decorreria do seu mandato. Mas ao tempo em que ocupou o cargo, “foi
arrebatado pelos acontecimentos”. Mal assumira a presidência e já se deparou com
a repressão pelo Exército à Revolta dos Marinheiros. Seguiu-se a série de
intervenções do Movimento Salvacionista e a eclosão e “supressão da revolta
popular no Contestado”, área disputada entre Paraná e Santa Catarina. (MCCANN,
2009, p. 155).
Hermes da Fonseca [...] promoveu em seu governo a derrubada de várias
oligarquias estaduais (Pernambuco, Ceará, Alagoas e Bahia) por meio de
intervenções militares [Salvações]. [...] Enfrentou a Revolta da Chibata [...] e
a Guerra do Contestado [...]. (ARRUDA; PILETTI, 2004, p. 323).
Como presidente, entre 1910 e 1914, sempre andou fardado. “Sua carreira
combinou a vida militar, a política e a reforma institucional e social. [...] E, como se
pode dizer de todos os outros oficiais no século XX, exceto os que serviram na
Segunda Guerra Mundial, sua experiência de combate foi contra os brasileiros”.
(MCCANN, 2009, p. 139).
Hermes não era obrigado pela Constituição a renunciar à comissão de oficial
nem pedir reforma para ocupar a presidência. O marechal não se sentiu impelido a
“projetar uma fachada civil”. Constou, enquanto cumpria o mandato, na lista de
oficiais da ativa, como marechal, com a atribuição de “presidente da República”.
Nessa condição, deslocava-se pelas ruas da capital trajando seu uniforme de gala.
(MCCANN, 2009, p. 155).
Esse procedimento “deu o tom” a outros militares: em 1912, havia sete
senadores, seis deputados, três governadores e o prefeito do Distrito Federal, todos
oficiais de alta patente, que não só mantiveram suas posições na fila de promoções
58
como foram beneficiados. Ressalta o fato de que muitos dos oficiais que foram
preteridos em promoções eram contrários ao envolvimento militar com a política. “Ao
que parece, esses homens eram duplamente remunerados [...]”. Essas situações
dão razão às palavras de Afonso Arinos de Melo Franco: “o Exército tornou-se o
novo partido político dominante”. (MCCANN, 2009, p. 156).
Desde meados do século XIX, o tratamento humilhante e violento que a
Marinha dispensou aos soldados vinha sendo questionado [...]. Foi
necessária uma rebelião ameaçadora dos marinheiros [...] para que a
Marinha adotasse medidas disciplinares menos brutais. (KOSHIBA;
PEREIRA, 2003, p. 400).
Em 22 de novembro de 1910, uma semana depois da posse de Hermes, as
tripulações dos couraçados São Paulo e Minas Gerais se rebelaram contra a
chibata, ameaçando bombardear a capital federal. “A disciplina na Marinha era
abominável”. A chibata, que havia sido abolida pela Constituição Imperial de 1824 e
pelo terceiro decreto da República, no dia seguinte à sua proclamação, ainda era
prática comum, prevista no Regulamento Naval. Considerando-se “que a maioria
dos oficiais era branca e, dos marinheiros, era negra” vivificam-se imagens de
senhores e escravos. A eclosão de motins em razão da chibata era constante. “Mas
os oficiais da Marinha não atinavam com modos menos brutais e mais eficazes de
manter suas tripulações na linha”. (MCCANN, 2009, p. 157).
Nos primeiros dias de mandato, o governo sentiu ímpetos de ceder às
forças rebeldes e ainda lhes conceder anistia. Apesar das boas intenções
de Hermes, sua gestão nasceu em um clima de tensão e violência que
caracterizaria os anos seguintes. (MCCANN, 2009, p. 158).
10.1 O MOVIMENTO SALVACIONISTA
Para McCann (2009, p. 158), “o drama do movimento salvacionista deve ser
visto contra o pano de fundo da ambição política, indisciplina e expansão da
definição da profissão militar”. Enquanto a indisciplina no âmbito da oficialidade era
tolerada, para as praças era implacável. Como exemplo, tem-se o caso de um
tenente-coronel comandante de unidade que, em público e sem dar satisfações,
descumpriu uma ordem do ministro da Guerra e nada lhe aconteceu naquele
momento e nem no prosseguimento de sua carreira, chegando ao generalato. Mas
“o sistema disciplinar era caprichoso”. Alguns marinheiros que se rebelaram contra a
chibata em 1910 e participaram de uma segunda revolta, logo suprimida, na base
59
naval da ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, “foram despachados para o Acre nos
porões do navio Satélite em companhia de vadios e prostitutas apanhados nas ruas
da cidade. No caminho, onze marinheiros foram fuzilados e atirados ao mar”.
Para Mccann (2009, p.159), a diversidade de tratamento era um incentivo à
indisciplina. Se rebeldes podiam ter êxito e o fracasso era incerto, não havia motivos
para intimidar-se. Ademais, a indisciplina podia ser decorrente de moral e
autoestima baixos ou de fraqueza na estrutura de comando. Naquele momento, o
Exército estava desfalcado em seu contingente e a regulamentação da lei do serviço
militar era postergada pelo Congresso. Além disso, não havia voluntários em número
suficiente para completar as fileiras.
A combinação de frustração profissional e ambição política produziu “a
complexa série de acontecimentos do movimento salvacionista”. Ademais, Hermes
chegara à presidência com o apoio combinado e, muitas vezes, contraditório das
oligarquias dominantes mineiras, gaúchas, pernambucanas, paraenses, dentre
outras, e das oligarquias de oposição de vários estados. Houve também a
participação de oficiais, com variados interesses e alguns com ambições políticas.
Nesse cenário, alguns apoiadores queriam a manutenção do status quo e outros
ansiavam por mudanças, que não eram estruturais: queriam o poder. Quase
ninguém desejava métodos eleitorais honestos ou a abolição do poder dos
“coronéis” rurais. (MCCANN, 2009, p. 159).
As únicas reivindicações reais de mudança social viriam do povo do
Contestado e seriam respondidas a fogo e aço. (MCCANN, 2009, p.160).
Ao que parece, Hermes inicialmente não queria “usar o Exército como
instrumento político”. Na virada de 1911-12, época das eleições estaduais, o
presidente tentava cumprir seus compromissos. Mas já em 1910, antes de sua
posse, alguns oficiais se juntavam a políticos para forçar mudanças no poder
estadual. Em estados nordestinos, parentes de Hermes concorriam à sucessão.
(MCCANN, 2009, p. 160). Entretanto:
O desordenado processo de substituir uma aliança oligárquica por outra
frequentemente envolveu o emprego direto de força militar. Em alguns
casos, o choque entre as Forças Armadas e as oligarquias estaduais foi
claramente delineado; em outros, foi confuso. O governo Hermes
efetivamente patrocinou golpes contra os governos estaduais. (MCCANN,
2009, p. 160).
60
Pinheiro Machado, que havia colocado o Rio Grande do Sul no mesmo
plano de São Paulo e Minas, tentou criar um partido nacional, o Partido
Republicano Conservador (PRC), com a finalidade de aglutinar os aliados
de Hermes da Fonseca. Mas o presidente atrapalhou o líder gaúcho ao
trazer o Exército para o terreno da política. (KOSHIBA; PEREIRA, 2003, p.
411).
Em Pernambuco, tropas federais juntaram-se à oposição e a populares para
atacar o quartel da polícia estadual. A ação causou a renúncia do governador em
favor do general Emygdio Dantas Barreto, ministro da Guerra. (MCCANN, 2009, p.
160).
Na Bahia, o comandante regional, general José Sotero de Menezes, com 882
homens diante de 5 mil policiais e jagunços, decidiu cumprir um habeas corpus em
benefício da oposição e bombardeou o palácio do governo e o quartel da polícia,
baseado num telegrama duvidoso do Rio de Janeiro. Por isso, foi felicitado pelo
novo ministro da Guerra, general Antônio Adolpho de Fontoura Mena Barreto.
(MCCANN, 2009, p. 160).
Mas Hermes não gostou do ocorrido na Bahia, mandou investigar, ordenou a
devolução do cargo ao deposto e chamou o general Sotero de Menezes ao Rio de
Janeiro, onde foi recebido com festa por alguns oficiais, como o coronel Fernando
Setembrino de Carvalho, chefe de gabinete do ministro da Guerra. Apesar da ação
de Hermes, a oposição chegaria ao poder. (MCCANN, 2009, p. 160).
O próprio ministro da Guerra, general Mena Barreto, passaria dos limites:
tentou assegurar o governo gaúcho para si e criou uma crise de gabinete que o
forçou a renunciar. Mas antes disso, outras convulsões abalariam a cena política.
(MCCANN, 2009, p. 161).
Em dezembro de 1911, tropas federais entraram em alerta no Rio de Janeiro e
em São Paulo, para intervir na sucessão paulista. Cogitara-se Mena Barreto para ser
o interventor. Os paulistas, porém, repeliram a ação federal acionando a poderosa
força pública, treinada pelos franceses, e os batalhões patrióticos das principais
cidades. Hermes, então, fez um acordo com o governador paulista que ficou com o
controle da política do estado. (MCCANN, 2009, p. 161).
Mas no Sul, Mena Barreto interferia com frequência na política gaúcha, onde o
poder estava nas mãos do aliado de Hermes, senador Pinheiro Machado. As
salvações já vinham depondo aliados no Nordeste e agora ameaçavam sua base
política. Nessa situação, de um lado, Pinheiro e seus aliados exortaram Hermes a
condenar qualquer intervenção militar e retirar das guarnições de todo o país os
61
oficiais leais a Mena Barreto e metidos na política. De outro lado, Mena Barreto
reuniu os generais no ministério e aconselhou Hermes a manter o caudilho gaúcho à
distância. (MCCANN, 2009, p. 161).
Uma conturbada reunião de gabinete, em 29 de março de 1912, quando vários
ministros acusaram o titular da Guerra de fomentar uma guerra civil, teve berros e
pedidos de demissão. Quando a situação se acalmou, Hermes aceitou apenas o
pedido de Mena Barreto. Assumiu a pasta o comandante da 9ª Região Militar,
general-de-divisão Vespasiano Gonçalves de Albuquerque e Silva, o terceiro em
menos de um ano. (MCCANN, 2009, p. 162).
O afastamento de Mena Barreto deu início a uma virada nas salvações,
favorecendo a neutralidade e a preservação do status quo. Porém, àquela altura, a
maioria dos estados nortistas era governada por oficiais do Exército, tendo passado,
porém, o auge do movimento. Dois casos se destacaram pela diferença dos demais:
em Minas Gerais evitou-se a intervenção e no Ceará ela precipitou o fim das
Salvações. (MCCANN, 2009, p. 162).
Minas Gerais, o estado mais populoso naquele tempo, com a maior delegação
no Congresso e com forte economia baseada na agricultura e mineração tinha
alguma independência. Além, disso, o estado não é banhado por mar e tem relevo
montanhoso. Gaúchos e paulistas já haviam evitado as salvações militares, no
governo Hermes, por meio de manobras políticas. Minas Gerais logrou o mesmo
feito, agindo de modo diferente. (MCCANN, 2009, p. 164).
Um incidente envolvendo uma unidade do Exército em Minas, a 9ª Companhia
Independente de Infantaria Ligeira, deu relevo à relação entre o estado mineiro e o
Exército nacional. Depois de três anos de implantação e de bom relacionamento
com a comunidade, a morte de um soldado num atrito com um guarda civil, em maio
de 1912, deu fim à feliz convivência. Exaltados e armados, soldados foram à
delegacia de polícia onde estava detido o acusado. Ao passar por guardas civis
desarmados, mataram dois e feriram outros. Logo depois, foram presos por um
tenente da 9ª Companhia e levados ao quartel. (MCCANN, 2009, p. 164).
O fato gerou grave comoção na capital mineira. Civis, aos gritos, apedrejaram o
quartel da 9ª Companhia. Os jornais culparam o Exército pelo ocorrido. O
governador solicitou a Hermes a retirada da Companhia da cidade. Depois de um
inquérito, os culpados foram expulsos e entregues à polícia estadual. A companhia
embarcou para Niterói na madrugada de 4 de junho. (MCCANN, 2009, p. 165).
62
Só em 1915, com o mineiro Venceslau Brás na presidência, o Exército
voltaria a ter uma unidade em Belo Horizonte. Minas conservara as rédeas
de seu próprio destino e, ao lado de São Paulo e Rio Grande do Sul,
continuaria a dominar a política nacional. (MCCANN, 2009, p.165).
Além das consequências já apresentadas, o incidente “afetou negativamente o
movimento pela obrigatoriedade do serviço militar”, que já envolvia, desde 1908,
providências como a instalação de juntas de alistamento militar nos municípios.
Ademais, o incidente ocorreu num estado onde a ideia do serviço militar não
agradava e que já fora palco de manifestações. Essa tendência somente seria
revertida com a campanha patriótica de 1916 e a entrada do Brasil na Primeira
Guerra Mundial em 1917. (MCCANN, 2009, p. 165).
No Ceará, o afastamento do movimento salvacionista ocorreria por meio de
considerável violência. (MCCANN, 2009, p. 165).
O Ceará foi o divisor de águas do movimento salvacionista, e um caso
interessante, pois as forças em confronto eram bem distintas, e as linhas
que as separavam, nitidamente traçadas. (MCCANN, 2009, p.166).
No episódio destacou-se o coronel Fernando Setembrino de Carvalho, que viria
a ser um destacado oficial do Alto-Comando do Exército, na década seguinte.
Setembrino formou-se na Escola Militar da Praia Vermelha em 1882. Como oficial,
viveu o alvorecer da República. Participou da guerra civil de 1893-95. Apesar do
currículo, foi promovido a coronel em 1911, beirando os cinquenta anos. Nessa
época, Setembrino destacou-se como chefe de gabinete do ministro da Guerra,
entre 1911-14, e consolidou uma amizade com o chefe do Estado-Maior do Exército,
no período, e futuro ministro da Guerra, general-de-divisão José Caetano de Faria.
(MCCANN, 2009, p. 166).
No Ceará, no movimento salvacionista, o Exército estava dividido. Oficiais
estavam empenhados em derrubar a família Accioly e, na oposição, adotaram um
líder “salvador” militar, o tenente-coronel Marcos Franco Rabelo, ex-docente da
extinta Escola Militar de Fortaleza e genro de um ex-governador deposto pelos
Accioly. Apoiado por comerciantes, marginalizados pela política oligárquica, Rabelo
chegou ao poder em julho de 1912. Mas foi incapaz de controlar o domínio político
do padre Cícero Romão Batista e perdeu força com a queda do ministro da Guerra,
Mena Barreto, cujo adversário político, Pinheiro Machado, apoiado por oficiais, era
63
pró-acciolista. Além disso, outros oficiais apregoavam menor participação do
Exército na política. (MCCANN, 2009, p. 166).
Nesse ambiente, Hermes contava com o apoio do ministro da Guerra, do chefe
do Estado-Maior do Exército, do comandante da 9ª Região Militar, além da maioria
dos generais-de-divisão e brigada, que tinham sido promovidos pelo presidente,
graças à campanha de reforma dos oficiais com ambições políticas, que abriu
caminho para os “homens de Hermes”. (MCCANN, 2009, p. 166).
Um desses homens foi Setembrino de Carvalho, que foi promovido general-debrigada e enviado a Fortaleza, em fevereiro de 1914, para “comandar
conjuntamente” as 4ª, 5ª e 6ª Regiões Militares, que enquadravam Ceará, Rio
Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, Hermes pretendia reforçar o controle
sobre a região, com um único oficial de confiança, reduzindo a capacidade dos
comandantes locais de engajar-se na política. (MCCANN, 2009, p. 167).
O Ceará vivia uma situação extremamente violenta. Rabelo mandava sua força
de policiais e capangas atacar o reduto de padre Cícero, mas lá ela sempre era
rechaçada. A oposição marchava para Fortaleza, numa rebelião que contava com o
apoio de Pinheiro Machado e de um deputado estadual dissidente, que tinha até
uma fachada legal: um governador provisório eleito em Juazeiro. O governo federal
não intervinha devido a protestos dos congressistas, oficiais salvacionistas e
veículos da imprensa. (MCCANN, 2009, p. 167).
Setembrino adotou postura anti-Rabelo, seguindo as orientações de Hermes e
Pinheiro Machado, e denegriu a imagem do governador. Acusou-o de aterrorizar
adversários com bandos de desordeiros, ataques, invasões e incêndios. Rabelo
estava emaranhado em ilegalidades administrativas e, de acordo com Setembrino,
era execrado pela opinião pública da capital e do interior, por seu governo nocivo.
Insinuou que a situação justificava a rebelião, que ele qualificou como um “levante
pela liberdade”. (MCCANN, 2009, p. 167).
“Telegramas no arquivo de Setembrino revelam, no entanto, sua parcialidade”.
Ele passou a intervir nos assuntos do estado, desarmando a polícia e interferindo
nos negócios. Houve protestos de Rabelo e da imprensa carioca, que criticava a
missão e os artifícios de Setembrino. Também muitos oficiais, inclusive alguns de
seus comandados, protestaram contra sua recusa em apoiar Rabelo contra a
iminente invasão da capital cearense por “uma horda de jagunços assassinos”. Em
telegrama publicado na imprensa carioca, exortaram o Clube Militar a apoiar Rabelo.
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Por isso, o ministro da Guerra ameaçou movimentá-los para outros estados, bem
como expulsar os mais críticos. (MCCANN, 2009, p. 168).
Rabelo também escreveu ao Clube Militar afirmando ter sido empossado pelo
povo e dizendo não querer deixar-se “escravizar à política do senador Pinheiro
Machado”. Os oficiais salvacionistas, inclusive generais da reserva, redigiram
“moção exortando a guarnição de Fortaleza a receber os jagunços à bala” e
passaram a pressionar o Clube Militar a realizar uma assembleia, que ocorreria em 4
de março sem a diretoria e sob a presidência do marechal reformado Mena Barreto,
acabando com o Clube fechado por agentes do governo. (MCCANN, 2009, p. 168).
O ministro da Justiça condenou os protestos, classificando-os como
subversivos e contra a disciplina militar. O comandante da 9ª Região Militar, general
Souza Aguiar, redigiu também uma moção pelo profissionalismo militar, pelo
afastamento da política destrutiva e pela manutenção da ordem pública. Conclamou,
também, ao Clube Militar aconselhar à guarnição em Fortaleza agir na legalidade.
Rui Barbosa, no Senado, censurou a postura parcial do governo de Hermes.
(MCCANN, 2009, p. 168).
Hermes decretou estado de sítio parcial, no Distrito Federal, para controlar a
situação. Oficiais foram presos, jornais e revistas foram fechados, deputados
federais e jornalistas foram detidos e os signatários da petição em Fortaleza foram
enviados à capital federal. Pinheiro Machado, membros do gabinete, altos oficiais
das duas Forças Armadas e alguns deputados e senadores foram ao Catete
solidarizar-se com Hermes. (McCann, 2009, p. 169).
Mas houve aqueles que não quiseram curvar-se à violência. Rui Barbosa fugiu
para São Paulo, fato que pode aquilatar o grau de poder presidencial e a natureza
da federação, uma vez que, naquele estado, “os críticos de Hermes ficaram a salvo
dele”. (MCCANN, 2009, p. 169).
Hermes mudaria sua postura em relação a Fortaleza. Condicionara a ajuda na
defesa da cidade à solicitação, por Rabelo, de intervenção federal. Este, porém,
recusou-se por saber que seria o fim do seu governo. Preocupado, o presidente
ordenou a Setembrino impedir a invasão pelas forças anti-Rabelo. Em 9 de março,
Hermes decretou estado de sítio no Ceará. Rabelo, ainda com apoio da população
de Fortaleza, não atendeu aos seus apelos para deixar o cargo, forçando-o a
nomear Setembrino interventor. (MCCANN, 2009, p. 169).
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Como interventor, Setembrino supervisionou o retorno do controle à oligarquia
cearense e marcou novas eleições. Também conduziu a reorganização partidária
nos municípios e a preparação das chapas para as eleições estaduais e até presidiu
uma reunião dos deputados eleitos para formular novas regras políticas locais.
Pinheiro Machado articulou para reafirmar os Accioly na política local. Depois de
obter a vitória do Partido Conservador e gerir a posse do governador e da
Assembleia, Setembrino deu por encerrada a intervenção e retornou para o Rio de
Janeiro em junho de 1914. (MCCANN, 2009, p. 169).
A intervenção no Ceará foi um caso clássico de atuação do Exército
brasileiro na República Velha para manter o domínio de uma oligarquia
local. Os debates internos no Exército revelaram a cisão, que se
aprofundaria, entre os oficiais que defendiam o profissionalismo militar
apolítico e os que viam o Exército como uma força política estabilizadora
incumbida de manter a ordem social. (MCCANN, 2009; p.170).
66
11 A GUERRA DO CONTESTADO
Enquanto Hermes buscava solução para os problemas no Ceará, nos últimos
meses do seu governo, outra crise surgia no Sul. O mundo voltava as atenções, em
agosto de 1914, para a eclosão da Primeira Guerra Mundial e “o Exército brasileiro
estava sendo arrastado para a sua maior campanha desde Canudos”. Os
acontecimentos se deram na região conhecida como Serra-Acima, em Santa
Catarina, onde o novo século trouxe consigo uma rebelião contra o coronelismo. Os
rebeldes, intuitivamente e sob a influência de crenças messiânicas, queriam mudar o
sistema e sua participação na sociedade brasileira. O caso mesclou aspectos
econômicos, políticos, sociais e religiosos, que foram articulados “pela brusca
incorporação da região ao sistema capitalista internacional”. (MCCANN, 2009, p.
170).
As lideranças da rebelião utilizaram-se do messianismo para unir a população
em torno de sua reação. Mas as autoridades federais e estaduais reagiram com
“violência esmagadora” e nesse episódio, outra vez, o Exército foi levado a guerrear
contra brasileiros, desta vez em nome do progresso, no qual predominavam os
interesses estrangeiros. (MCCANN, 2009, p. 170).
A região do Contestado recebeu esse nome em razão de ter sido disputada em
dois momentos: inicialmente entre Brasil e Argentina, sendo concedida ao Brasil por
arbitragem estadunidense, no governo Groover Cleveland; num segundo momento
pelos estados de Paraná e Santa Catarina, que reivindicavam a sua jurisdição.
(MCCANN, 2009, p. 172).
A região, situada na rota entre Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais,
foi uma das primeiras a serem exploradas pelos europeus, que desenvolviam a
pecuária e a extração de erva-mate e madeira. Socialmente, poder e riqueza se
concentravam nas mãos de alguns “coronéis”, rodeados de proprietários de terras
menores. Para essas famílias, o direito de posse das terras, quando tinham, era
incerto. Outras famílias subsistiam pela boa vontade dos proprietários. (MCCANN,
2009, p. 172).
Mas essa questão de titularidade das propriedades foi muito complicada pela
disputa entre os dois estados porque, em muitos casos, cartórios de ambos
expediam títulos de propriedade da mesma terra. E isso frequentemente era
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resolvido pelas armas. Ademais, a jurisdição duvidosa era um atrativo para fugitivos
de toda parte. (MCCANN, 2009, p. 172).
Paraná e Santa Catarina também contribuíam para a violência. Na
concorrência pela exploração econômica, os governos e negociantes apoiaram,
entre 1905-09, a organização de bandos armados para disputar territórios ou
assegurar a construção ou destruição de postos fiscais. Apesar de os bandos terem
sido desarmados em 1905, os estados se confrontaram livremente até 1914.
(MCCANN, 2009, p. 172).
A crise também teve influência externa. A construção da ferrovia Rio Grande do
Sul - São Paulo empregou trabalhadores nordestinos e fluminenses que foram
abandonados pela companhia estrangeira encarregada da obra, ao final da mesma.
(MCCANN, 2009, p. 173).
Quando a tensão exacerbada entre Argentina e Brasil beirou a guerra em
1910, o governo federal ordenou à companhia [Brazil Railway Company]
que acelerasse as obras do trecho inacabado entre Porto União e o Rio
Uruguai. Para isso, a ferrovia aumentou sua força de trabalho para
aproximadamente 8 mil homens, os quais, sob tremenda pressão,
conseguiram concluí-la em meados de dezembro de 1910. Muitos desses
trabalhadores haviam sido recrutados à força em Santos, Rio, Salvador e
Recife e, quando o trabalho terminou, receberam pagamento e foram
abandonados à beira dos trilhos. (MCCANN, 2009, p.173).
Além disso, havia investidores estadunidenses interessados na exploração
madeireira e imigrantes estrangeiros, atraídos pelas concessões de terras, que
foram parte do pagamento à Brazil Railway Company pela construção da ferrovia,
que compreendiam uma faixa de dezesseis quilômetros ao longo de cada lado dos
trilhos. (MCCANN, 2009, p. 173).
Para aumentar a concessão de terras, a companhia de Percival Farquhar fez
zigue-zagues e invadiu diversas áreas com títulos de propriedade, provocando a
desapropriação, deixando brasileiros sem terras e buscando substituí-los por
imigrantes europeus. Essas áreas se tornaram preocupação para oficiais
nacionalistas, pois seus habitantes não se consideravam brasileiros e nem falavam a
língua portuguesa. Mas somente a partir de 1938, o governo central forte de Getúlio
Vargas tomou medidas para evitar um possível avanço nazista. (MCCANN, 2009, p.
173).
Percival Farquhar também explorou madeira na região, com a Southern Brazil
Lumber and Colonization. Adquiriu terras da área contestada, construiu uma
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moderna serraria em Três Barras e uma ferrovia ligando União da Vitória a São
Francisco, para escoar a produção. Em 1911, a Brazil Railway começou a expulsar
os posseiros e a matar aqueles que resistiam. (MCCANN, 2009, p. 174).
A procura de terras, especialmente por estrangeiros, ocasionou uma corrida
especulativa com a qual autoridades dos dois estados contribuíram ao legalizar
confiscos e vendas. Famílias estabelecidas havia mais de século nas terras eram
expulsas, vendo anúncios de venda ou locação de suas propriedades. “Uma onda
de horror varreu todo o território”. (MCCANN, 2009, p. 174).
Segundo McCann (2009, p. 174), associou-se à pressão gerada por esses
acontecimentos a desintegração social. Os coronéis abandonaram o velho
paternalismo que regia suas relações com a população para atender seus
interesses, no contexto da nova ordem vigente.
Os coronéis pressionavam os agregados (trabalhador rural que mora em
terreno cedido pelo dono da terra, prestando-lhe serviços em troca de
pequeno salário) a saírem das fazendas e estabelecerem-se por conta
própria, apesar de quase não existirem na região terras disponíveis.
(ARRUDA; PILETTI, 2004, p. 326).
O sistema social perdeu suas formas de dominação toleráveis,
tranquilizadoras e aprazíveis com a repentina e violenta incorporação à
ordem capitalista mundial. A desorientação resultante gerou o que se
poderia chamar de crise de identidade coletiva. (MCCANN, 2009, p.174).
A rebelião teve início em agosto de 1912, quando o povo do Contestado se
reuniu na festa do Bom Jesus, em Taquaruçu, onde o beato, ou monge, José Maria
passou a conduzir o povo em oração e a passar-lhes ensinamentos. Sem saber, foi
envolvido numa luta pelo poder entre dois coronéis. Um deles presenteou o monge
com seu sabre da Guarda Nacional. O outro telegrafou para o governador
catarinense denunciando a proclamação de uma monarquia em Taquaruçu, por
fanáticos religiosos. (MCCANN, 2009, p. 174).
O telegrama alarmou a capital catarinense, causou interesse em Curitiba e foi
noticiado no Rio de Janeiro. O governador de Santa Catarina comparou o
movimento a Canudos e decidiu empregar a Polícia Militar. Para evitar o conflito, o
chefe de polícia convenceu José Maria a ir para o Paraná. Mas o monge e seus
seguidores se reorganizaram em Irani. Com isso, as autoridades ordenaram um
ataque, em 22 de outubro de 1912, no qual o monge José Maria foi morto.
(MCCANN, 2009, p. 174).
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[...] [Depois do ataque a Irani] começa a Guerra do Contestado. Os
seguidores de José Maria voltaram para Taquaruçu envolvidos num clima
de intenso misticismo: eles acreditavam na ressurreição de seu líder.
(KOSHIBA; PEREIRA, 2003, p. 395).
Após a morte do monge, os desassistidos do Contestado passaram negar seu
desaparecimento e a espalhar a ideia de que não morrera ou iria ressuscitar. Diziase também que o monge e outros mortos e desaparecidos de Irani juntaram-se ao
“exército encantado de São Sebastião”, patrono do sertão e venerado na região. A
crença atraiu famílias de todo o Contestado, formando-se um grupo coeso,
disciplinado e praticante de rituais e costumes próprios. Armados toscamente, os
seguidores de José Maria faziam exercícios militares e diziam estar ali por ordem de
São Sebastião, à procura de liberdade. (MCCANN, 2009, p. 175).
Preocupadas, as autoridades federais enviaram uma unidade do Exército, com
160 soldados, que se concentrou em Caçador e Campos Novos. Em Curitibanos, 50
policiais catarinenses fechavam um triângulo em torno da cidade dos fanáticos.
(MCCANN, 2009, p. 175).
Mas os dois ataques, em dezembro de 1913, fracassaram. As tropas,
despreparadas, debandaram tomadas pelo pânico das histórias sobrenaturais.
Deixaram fuzis, víveres e quepes para trás. (MCCANN, 2009, p. 177).
Em janeiro de 1914, formou-se um novo reduto em Caraguatá. Em 8 de
fevereiro, uma coluna mista com 700 homens atacou Taquaruçu com artilharia e
metralhadoras. (MCCANN, 2009, p. 177).
O capitão Nestor Sezefredo dos Passos, “dirigiu a barragem de artilharia e
galgou mais um degrau em sua ascensão a general mais importante da década
seguinte”. Oficiais do Exército reconheceram que, independentemente de suas
causas básicas, foi o ataque a Taquaruçu que pôs fogo na guerra do Contestado.
(MCCANN, 2009, p.178).
Hermes, apesar de muito envolvido com a crise no Ceará, depois que os
sertanejos em Caraguatá rechaçaram um novo ataque, concluiu que os esforços, se
fragmentados, não surtiriam efeito. Assim, nomeou comandante das operações um
veterano da Guerra do Paraguai, da guerra civil de 1893-95 e de Canudos, onde foi
ferido. Tratava-se do general-de-brigada Carlos Frederico de Mesquita. Mas, apesar
de sua experiência, o general viu que não podia fazer muito com os parcos recursos
à sua disposição. (MCCANN, 2009, p. 179).
70
A população local, a maioria imigrantes europeus, não apoiava o Exército, o
que tornava inviável as requisições, se estas fossem autorizadas por lei, e mesmo
as locações. (MCCANN, 2009, p. 180).
Com o preparo individual em nível baixo, as unidades eram adestradas em
manobras fáceis o que resultava na incapacidade das armas de combate para
executar as tarefas mais elementares. A mobilidade da Artilharia era prejudicada por
animais fracos. As unidades de abastecimento não conseguiam cumprir suas
tarefas. (MCCANN, 2009, p. 180).
Diante desse cenário, o general Mesquita, sem perspectiva de ser apoiado pelo
Rio de Janeiro, depois de marchar com as unidades e realizar alguns ataques
isolados e sem muito efeito, deu a campanha por encerrada e declarou
exterminados os “fanáticos”. Para proteger a ferrovia, o general deixou um efetivo de
duzentos homens, a comando do capitão João Teixeira de Matos Costa. (MCCANN,
2009, p. 181).
Apesar da sincera vontade de resolver o conflito, chegando a levar à capital
federal representantes sertanejos, o capitão Matos Costa seria emboscado e morto
com seus sargentos, quando fazia a segurança de uma verificação de linha férrea.
Segundo McCann (2009, p. 182), Setembrino observou, querendo obviamente
sugerir que ele era o mais apto para sanar o problema, que o levante do Contestado
requeria:
Um aparelhamento militar completo e inteligentemente dirigido [...] o que se
impõe, no caso, é uma energia tranquila dos verdadeiramente fortes, a
atividade consciente de verdadeiros profissionais, o conhecimento lúcido.
(MCCANN, 2009, p. 182).
Após a retirada da tropa pelo general Mesquita, o aumento do desemprego
agravou a situação na região. Grupos rebeldes passaram a atacar e destruir
registros de imóveis em cidades. Não se tratava mais de um movimento de fanáticos
messiânicos. Passou a ser uma luta pela propriedade. (MCCANN, 2009, p. 182).
Diante da pressão feita sobre o Exército para agir, o ministro da Guerra,
general Vespasiano de Albuquerque, nomeou Setembrino de Carvalho para o cargo
de inspetor-geral interino da 11ª Região Militar. Sua missão era debelar a
insurreição. Setembrino partira com a promessa de receber os meios apropriados.
Foram deslocadas tropas do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul,
algumas recentemente formadas e inexperientes. (MCCANN, 2009, p. 184).
71
Para não repetir o erro de Canudos, Setembrino decidiu evitar as incursões mal
planejadas, sujeitas a emboscadas desmoralizantes, e adotar o cerco da área
rebelde e o bloqueio das vias rebeldes de suprimentos para que a fome tirasse deles
a vontade de resistir. O comandante restabeleceu o tráfego ferroviário, utilizando as
linhas e outros acidentes naturais como delimitadores da área a ser cercada. Na
falta de lei de requisição, Setembrino providenciou a contratação de empresas para
abastecer a tropa. Estabeleceu hospitais de campanha em Rio Negro e União.
(MCCANN, 2009, p. 186).
Inicialmente, Setembrino adotou conduta para buscar uma solução pacífica.
Enviou aos rebeldes um manifesto exortando-os a depor as armas e entregar-se ao
comando mais próximo. Prometeu alimentos e avisou que os que se negassem
seriam considerados inimigos. Nos últimos dias de setembro de 1914, as unidades
das forças federais foram ocupando posição nos quatro lados do cerco, totalizando
6408 homens. (MCCANN, 2009, p. 187).
Segundo McCann (2009, p. 188), os oficiais de A Defesa Nacional criticaram o
papel do Exército no Contestado, cujas causas estariam ligadas a interesses
políticos locais, ao fanatismo religioso e à luta pela terra. Na opinião dos editores:
A causa fundamental era a ignorância lastimável em que o abandono
criminosamente deixou essa pobre gente [...] que reduzia aqueles humildes
sertanejos patrícios à condição de nossos inimigos. [...] Se era ruim ter de
lutar com compatriotas e irmãos, seria pior deixar, aos poucos morrer o
nosso Exército, abatendo-se-lhe o moral, por considerações sentimentais
inoportunas, que sem melhorarem a situação, antes a prolongam. Uma vez
que o Exército seja comprometido, não pode haver mais lugar para
paliativos nem para concessões, que só servirão para enfraquecer a ação
da tropa e desprestigiar o Exército. Enquanto os fanáticos recorrerem às
armas, só poderá existir o objetivo militar de destruir o inimigo. O Brasil
precisa de homens, mas de homens que colaborem, dentro da ordem, na
obra de seu engrandecimento. (MCCANN, 2009, p.188).
No final de setembro de 1914, o cerco se fechara. Um fracasso inicial na linha
Norte gerou críticas, pela imprensa, à ofensiva e à cautelosa e lenta preparação de
Setembrino. Quando o general atribuiu a causa do conflito às disputas entre os
estados e não ao fanatismo religioso, políticos pediram seu afastamento. Além
disso, Setembrino escreveu ao governador catarinense Felipe Schmidt cobrando o
fim do problema de limites. (MCCANN, 2009, p. 191).
Diante da reação do governador catarinense e das críticas da imprensa aos
seus preparativos morosos, Setembrino apresentou sua renúncia ao ministro da
Guerra, que prontamente recusou-a. Em dezembro de 1914, depois de uma 2ª
72
proclamação prometendo garantia de vida, de liberdade e a possibilidade de voltar a
trabalhar àqueles que depusessem as armas, Setembrino empregou a força.
(MCCANN, 2009, p. 192).
Na linha Leste, a rendição não custou muito a ser obtida. Nas outras três
linhas, porém, as tropas estavam mais ocupadas. Na linha Norte, atuava “o mais
espetacular líder em combate da campanha”, o capitão Tertuliano de Albuquerque
Potiguara. Era um oficial “ousado e agressivo, que varreu o inimigo à sua frente”.
Era adepto da rapidez e da surpresa, surpreendendo o inimigo em seu flanco.
(MCCANN, 2009, p. 193).
No Sudeste, as tropas do coronel Estillac Leal entraram em Curitibanos,
arrasada pelo fogo, e na “malsinada Taquaruçu”. Após isso, juntaram-se às tropas
do major Paiva, seguindo para o Norte em direção a Campos Novos. Conseguiram
separar sertanejos leais de rebeldes, que fugiram para o Noroeste, após a
intensificação das patrulhas. Com as partes Sul e Leste limpas, as linhas desses
lados do cerco, junto à do Norte, iniciaram a pressão nas direções Oeste e Noroeste.
(MCCANN, 2009, p. 194).
Com a intensa pressão, cada vez mais rebeldes decidiram render-se,
motivados mais pelas questões políticas e de posse da terra do que pela religião.
Famílias que chegaram a Canoinhas foram entregues às autoridades catarinenses
para “compensar com trabalho os danos” em colônias agrícolas. Em Rio Negro, o
caudilho coronel da Guarda Nacional Bley Netto supervisionou os campos de
concentração, despachando sucessivas levas de ex-rebeldes para colônias
paranaenses. (MCCANN, 2009, p. 194).
Mas o destino dos ex-rebeldes dependeu também, em grande medida, da
atitude do comandante da unidade à qual se entregaram. Alguns oficiais confiavam
na palavra dos sertanejos e forneciam-lhe salvos-condutos, outros foram
contratados como vaqueanos. Mas também houve os que toleraram atrocidades,
como degolas coletivas em Canoinhas, praticadas por vaqueanos a serviço do
Exército. As queimadas em redutos rebeldes, Setembrino justificou como
necessárias à eliminação dos recursos de sobrevivência do inimigo. (MCCANN,
2009, p. 194).
Em alguns casos, os prisioneiros eram estrangeiros e os incidentes geraram
problemas ao Exército, ante o protesto de diplomatas. O novo ministro da Guerra,
general José Caetano de Faria, que assumiu o cargo em novembro de 1914,
73
recomendara a Setembrino cuidado ao referir-se a esses episódios em seus
relatórios. (MCCANN, 2009, p. 195).
Era meados de janeiro de 1915 e muitos rebeldes refugiaram-se na área do rio
Timbó, estabelecendo-se o principal reduto num dos seus afluentes, o rio Santa
Maria. Entretanto, os oficiais não conheciam a localização exata dos redutos. O
tenente Kirk, pioneiro da Aviação do Exército, e o aviador italiano Ernesto Davioli,
contratado para dirigir a Escola de Aviação, realizaram voo de reconhecimento sobre
vasta região de pinheirais. Não viram nada além de uma bandeira branca presa a
pinheiros num monte próximo à parte extrema do vale. (MCCANN, 2009, p. 196).
Do posto de comando estabelecido em Canoinhas, Setembrino emitiu novas
ordens de operações com novos objetivos às linhas. Os lados do quadrado, cada
uma das linhas, deveriam se tocar, fechando o cerco. O que parecia fácil no mapa
tornou-se complicado pela topografia, comunicações deficientes entre as unidades,
resistência rebelde e diferença entre lideranças. As linhas do Sul e do Oeste
emperraram, enquanto as do Leste e Norte avançaram. (MCCANN, 2009, p. 196).
Nessa altura da guerra, o ministro Caetano de Faria pediu a Setembrino para
abreviar as operações, devido à proximidade do inverno e à falta de recursos.
Diante da grave situação financeira nacional, o governo não pagava a tropa em dia e
até os soldados pagavam imposto de renda. (MCCANN, 2009, p. 196).
Taquaruçu foi incendiada pela segunda vez, para se evitar sua ocupação. As
linhas convergiam e rumavam para o povoado de Santa Maria, na esteira de
rebeldes maltrapilhos e exaustos, que lá firmaram suas posições para resistir,
apesar de muitos líderes terem morrido ou se entregado. (MCCANN, 2009, p. 197).
No Leste, três redutos situados às margens do rio Areia foram atacados, no
início de fevereiro. Alguns redutos foram abandonados e o pessoal sumira na mata.
Tamanduá e Santa Maria passaram a ser os objetivos principais da força de
Setembrino. (MCCANN, 2009, p. 198).
Com o cerco se fechando, no início de fevereiro, sob forte chuva e
escaramuças constantes, os rebeldes abandonavam os redutos e com suas famílias
rumavam para Timbó. A coluna Sul incursionava reconhecendo a partir de Perdizes
Grandes, a leste de Caçador. Os rebeldes fixaram-se em densas florestas às
margens do Santa Maria. (MCCANN, 2009, p. 199).
Em fevereiro, a coluna Sul seria detida, em progressão árdua pela mata, pela
fuzilaria dos rebeldes e retrairia para Tapera. (MCCANN, 2009, p. 199).
74
Apesar do sucesso na defesa, sentindo a pressão de Norte e Sul, muitos
rebeldes estavam rumando com suas famílias para o Leste com o intuito de renderse ao comandante da linha, coronel César, que teria ganhado a reputação de tratar
bem os prisioneiros. Mas alguns seguiam para Santa Maria, onde a fome aumentava
com a interrupção dos suprimentos e a chegada de mais sertanejos. (MCCANN,
2009, p. 200).
O tempo estava do lado do Exército. Um aperto constante do cerco teria
encerrado o episódio, lenta e dolorosamente para os rebeldes. Mas nas
operações militares sem morte e destruição a glória é pouca e as
promoções, mínimas. Os últimos e dramáticos dias sangrentos
determinariam em parte quem chefiaria o Exército na década seguinte.
(MCCANN, 2009, p.201).
Setembrino determinou à sua aviação, de dois homens, que levantasse a
posição precisa do reduto de Santa Maria. Porém, em 1º de março, pouco depois de
decolar, o avião do tenente Ricardo Kirk foi atingido por uma viração do tempo,
provocando sua morte. Sem querer depender de um estrangeiro, Setembrino
determinou o retorno do italiano Darioli com o outro avião para o Rio de Janeiro. O
futuro da aviação militar preocupava os oficiais de A Defesa Nacional. (MCCANN,
2009, p. 201).
Desejoso de comemorar os 45 anos do término da Guerra do Paraguai, em 1º
de março, com um ataque, Setembrino ordenou-o ao comandante da coluna Sul
Estillac Leal, que estava em Tapera. Sem apoio aéreo ou fogos observados, o
ataque, que só ocorreu no dia seguinte ao marcado, teve pouco efeito sobre o
reduto de Santa Maria. (MCCANN, 2009, p. 201).
Obtidos os fogos observados, foi possível ao obus atingir com precisão uma
procissão que saía da capela dando graças ao milagre de não terem sido atingidos à
noite. Muitos fiéis foram despedaçados, alguns foram queimados ou soterrados no
desabamento da capela. Os fogos destruíram, queimaram e mataram no reduto até
às 15 horas. Mas após a ação, sob fogos rebeldes, as tropas de Estillac repetiram
por um mês a rotina diária de combates diurnos e de retirada ao entardecer. Não
tardou e o moral da tropa declinou, o que foi agravado pela vinda das chuvas de
março e da redução dos suprimentos. O frio se intensificou e a água potável
escasseou, pois as tropas sujaram os cursos d’água. (MCCANN, 2009, p. 202).
Setembrino resolveu desencadear a ação decisiva, que se deu ao Norte.
Seguindo os conselhos de Clausewitz, o general pretendia cortar as vias de
75
comunicação e retirada rebeldes, realizar bombardeios e ataques frequentes e um
assalto decisivo. Mas a execução mostrou-se mais difícil que o plano. As
comunicações, necessárias ao êxito, falharam. Não havia unidade de esforços pelos
elementos de combate, que também não se ligavam com os serviços auxiliares.
(MCCANN, 2009, p. 203).
Apesar de uma crise de comando, que Setembrino atribuiu ao despreparo dos
oficiais para combater, o general encontrou na coluna Norte um soldado como ele
sonhava: o capitão Tertuliano de Albuquerque Potyguara. (MCCANN, 2009, p. 204).
Entre março e abril, Tertuliano e sua tropa progrediram envolvidos em
combates constantes. Em 1º de abril, chegaram à orla de Santa Maria, nas margens
do rio Caçador, onde houve feroz resistência rebelde. Mas com o uso de
metralhadoras foi possível tomar o reduto, queimar 1181 casas e contar 109 corpos.
Continuaram progredindo, mas receberam ataques pela frente e flancos. (MCCANN,
2009, p. 204).
A tropa de Potyguara prosseguiu em encarniçados combates, matando e
desalojando sertanejos entrincheirados. Ao final, seus vaqueanos e cerca de um
quarto dos soldados estavam feridos. A maioria dos seus oficiais havia morrido. A
Sexta-Feira Santa se prestou para o descanso, o cuidado aos feridos e a vigilância.
(MCCANN, 2009, p. 205).
Naquela tarde, ele [Potyguara] ordenou que os corneteiros tocassem
repetidamente o “toque da vitória [...] o qual ecoava por dentro daquelas
matas virgens como um protesto da civilização contra a barbaria”. Nem as
cornetas nem os numerosos tiros de aviso despertaram, nas palavras
sarcásticas de Potyguara, “a fantástica coluna sul” ou o “veloz
destacamento da coluna leste”. Desiludido, sentia-se explorado. Onde
estavam? (MCCANN, 2009, p.205).
O Sábado de Aleluia foi de luta para tomar Santa Maria. O reduto foi arrasado
com apoio de fogos de metralhadora. Ouviam agora cornetas da coluna Sul,
acampada em Tapera, a seis quilômetros. Tentavam se comunicar, em vão. A
comida estava acabando. À noite, os rebeldes atacaram a posição, que era usada
como “hospital”, com fogo cerrado. (MCCANN, 2009, p. 206).
Ao amanhecer do Domingo de Páscoa, Potyguara ouviu o toque de alvorada
da coluna, no outro lado da serra. Esperançoso, o capitão escreveu uma súplica ao
comandante de Sul:
76
“Caro amigo Estillac – Estou aqui neste inferno depois de dez dias de
marchas horrorosas sendo oito de combate dia e noite, peço-te que
avances com a máxima urgência a fim de me auxiliar no resto da nossa
espinhosa missão”. (MCCANN, 2009, p.206).
Com o abrandamento da pressão rebelde, o capitão pôde observar melhor a
situação da tropa. Restavam cinco projéteis por homem. O chefe dos vaqueanos
morrera baleado na testa. Os gemidos da soldadesca ferida se misturavam ao
barulho dos cavalos e mulas moribundos. Ao entardecer, os tiros rebeldes foram
cessando. Logo ficou claro o motivo: aproximara-se rapidamente a vanguarda do 14º
Batalhão, composta por vaqueanos. (MCCANN, 2009, p. 206).
A mensagem de Potyguara a Estillac, na manhã de Páscoa, para sorte de sua
tropa, “galvanizou a determinação” do coronel, que ordenou às unidades: “avancem
até encontrar o capitão Potyguara, qualquer que seja a resistência oposta pelo
inimigo (...)”. Mas os rebeldes não resistiram e o encontro foi possível. (MCCANN,
2009, p. 207).
O encontro dos dois foi uma das cenas mais acrimoniosas da história militar
brasileira. Esfarrapado, imundo, com um esgar no rosto irado e o muito
usado facão na bainha, Potyguara avançou com passadas duras e
vigorosas. Atrás dele, arrastavam-se exaustos seus homens, as roupas em
tiras, cobertos de arranhões e feridas. [...] Sob os vivas do 51º de Infantaria
Ligeira, os dois oficiais ficaram frente a frente. Potyguara perguntou
secamente por que a “grande coluna” de Estillac não os encontrara muito
antes. Estillac respondeu que durante semanas não tinham conseguido
descer o vale devido à “grande resistência dos bandidos”. Não foi
convincente nem naquele momento nem depois. (MCCANN, 2009, p.208).
Apesar de rebeldes terem se reagrupado ao longo do rio São Miguel e em
Pedra Branca, Estillac declarou “destruído o último reduto do banditismo. [...] A
missão confiada ao Exército está cumprida”. Chegara o momento de encerrar a
campanha. Setembrino destacou a atuação das tropas e declarou vitoriosa a
campanha. As unidades retornaram para seus quartéis. Discursando em União da
Vitória, o general “apontou para Potyguara e declarou que o capitão salvara a honra
do Exército Nacional”. (MCCANN, 2009, p. 209).
Uma
pequena
força
permaneceu
na
área
para
eliminar
rebeldes
remanescentes. Prisioneiros sobreviventes foram inseridos em projetos de ocupação
da região. A limpeza da área coube a forças mistas. Porém, em julho de 1917 surgiu
nova ameaça, com a revolta de insurgentes contra o acordo de divisas entre Paraná
e Santa Catarina. Mas o Exército, sem demora, debelou-os, tornando o Contestado
“seguro para o progresso”. (MCCANN, 2009, p. 209).
77
Segundo McCann (2009, p. 210), a campanha deixaria marcas por gerações.
Setembrino asseverou que “ela confirmou que o Exército necessitava de verdadeira
organização e treinamento”. Com franqueza, o general escreveu:
A feição irregularíssima da luta de modo nenhum invalida ou desmente os
regulamentos do Exército baseados na magnífica doutrina alemã; tampouco
ensinou algo novo, mas mostrou-nos com a sinceridade nua dos fatos que
precisamos melhorar intelectualmente, praticamente. (MCCANN, 2009,
p.210).
O general criticou o desconhecimento dos oficiais sobre teoria militar e
aconselhou melhorar o treinamento. E destacou, sem querer ser profético, que
poderia haver uma crise disciplinar porque os oficiais de patente mais baixa eram
mais bem treinados e mais críticos em relação aos superiores. (MCCANN, 2009, p.
210).
Alguns veteranos do Contestado se juntariam ao “notável grupo de oficiais” que
retornara do treinamento no Exército alemão, em 1913, e produziria a centelha
reformadora que buscaria dar à oficialidade os atributos desejados por Setembrino.
Ademais, a campanha havia despertado o interesse dos reformistas que, por meio
de A Defesa Nacional publicariam artigos. (MCCANN, 2009, p. 211).
De acordo com McCann (2009, p. 211), em 1917, os editores da revista
resumiram o relatório de Setembrino e criticaram a “falta de previsão e de ação
decisiva” e, de maneira severa, a República, pela ausência de normas políticas
elevadas, o abandono de brasileiros segregados pela falta de vias de comunicações
eficientes, de energia e de iniciativa. E alertaram:
Aos nossos chefes militares, especialmente [...] a lição do Contestado não
deverá impressionar tão somente pelo lado técnico [...] ela revelará ainda
que a passividade com que o Exército vai recebendo as medidas mal
inspiradas de origem política ou de caráter puramente administrativo, só lhe
acarretará prejuízos morais e as mais funestas consequências ao país que
não tem confiança no seu Exército. (MCCANN, 2009, p.212).
Muitos oficiais que participaram da luta tiveram importante papel na década de
1920 e posteriormente. Três foram ministros da Guerra: o general Setembrino, o
capitão Nestor Sezefredo dos Passos e o aspirante Henrique Batista Duffles Teixeira
Lott, formado na primeira turma da nova Escola Militar do Realengo. Pelo menos
dois foram Tenentes rebeldes na década de 1920: os segundos-tenentes Euclydes
Hermes da Fonseca, filho do ex-presidente Hermes da Fonseca e comandante do
Forte de Copacabana no levante de 1922, e Heitor Mendes Gonçalves. Na época da
78
Revolução de 1930, havia 109 oficiais veteranos do Contestado, tendo 26 deles
chegado ao generalato. (MCCANN, 2009, p. 212).
79
12 A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL IMPÕE MUDANÇAS
Segundo Arruda e Piletti (2004, p. 334):
Em abril de 1917, os alemães afundaram no Canal da Mancha o navio
mercante brasileiro Paraná: três pessoas morreram. Em represália, o Brasil
rompeu relações com os agressores. Em outubro, outro navio brasileiro, o
Macau, foi atacado. A indignação tomou conta do país. Em diversas
regiões, os alemães foram alvo de agressões e o governo brasileiro decide
declarar guerra aos alemães. (ARRUDA; PILETTI, 2004, p. 334).
A Primeira Guerra Mundial eclodiu quando o Exército brasileiro estava
envolvido com o conflito no Contestado. Fascinava oficiais brasileiros observar os
exércitos alemão e francês – modelos na época – testando-se um contra o outro em
suas doutrinas, táticas, estratégias, tropas e equipamentos. Ao tempo em que
focavam suas atenções no conflito europeu, as elites brasileiras guardavam silêncio
sobre o Contestado, apesar da cobertura dada pela imprensa. (MCCANN, 2009, p.
214).
No fim de 1917, o Brasil enviou à Europa uma equipe médica e soldados
para [...] missões de patrulhamento. A Marinha colocou à disposição dos
Aliados barcos de guerra [...]. (ARRUDA; PILETTI, 2004, p. 334).
Foi a guerra na Europa, e não no Contestado, o pano de fundo contra o qual
os planos de reforma e reorganização elaborados nos anos anteriores foram
postos em prática. O serviço militar obrigatório tornou-se realidade e alguns
oficiais ansiavam por ver seu Exército ampliado juntar-se à luta na Europa.
(MCCANN, 2009, p.215).
Esse desejo foi frustrado. Entretanto, a implantação do serviço militar
obrigatório
permitiu
ao
Exército
alcançar
todo
o
território
nacional
e,
consequentemente, o governo federal ganhou capacidade de intervir nos estados.
(MCCANN, 2009, p. 215).
12.1 AS FORÇAS ARMADAS E A SOCIEDADE
A eclosão da Primeira Guerra Mundial despertou a consciência das elites
brasileiras, inclusive antimilitaristas tradicionais como Rui Barbosa, a respeito das
fraquezas do país, sem, entretanto, haver consenso inicial sobre o que fazer. A
Alemanha passara dos limites invadindo a Bélgica, que era neutra. Mas havia os que
considerassem o conflito comercial e que o bloqueio britânico aos alemães traria
80
prejuízos ao Brasil ou que consideravam que os britânicos agiam com a Irlanda do
mesmo modo que os alemães em relação aos belgas. (MCCANN, 2009, p. 215).
O debate sobre o papel das Forças Armadas fez surgir três interpretações do
papel do Exército na sociedade: a da revista A Defesa Nacional, a do poeta Olavo
Bilac e a do político e escritor Alberto Torres. (MCCANN, 2009, p. 216).
Os oficiais da revista eram um fenômeno militar, pois eram instruídos e bons
comandantes de tropa. Visavam a tornarem-se modelos para as futuras gerações.
Mas chocaram-se com dois outros grupos: os “doutores”, produtos da febre
reformista de 1890 que deu à Escola Militar molde positivista, e os “tarimbeiros”, que
ascenderam com pouca educação formal, alguns mal sabiam ler e decerto
incomodavam-se com o ar superior evidenciado pelos “doutores”. Apesar de em
1914 os dois grupos estarem em declínio, muitos oficiais resistiam às mudanças por
temê-las ou porque eram efetivadas por subalternos. (MCCANN, 2009, p. 216).
O grupo de A Defesa Nacional baseava-se num grupo de 34 oficiais de baixa
patente, chegado de uma missão de treinamento na Alemanha, além de outros,
entusiasmados com suas ideias e com a possibilidade de aprender. A maioria era
oriunda de Porto Alegre, da Escola de Guerra e da Revista dos Militares. Os
reformistas acolheram o pejorativo apelido de “jovens turcos”, que lhes foi dado por
detratores,
porque
os
alemães
haviam
treinado
oficiais
turcos
que,
profissionalizados, tomaram o poder e conduziram a reforma em seu país.
(MCCANN, 2009, p. 216).
Além de fundarem a importante revista A Defesa Nacional, eles [os jovens
turcos] e seus associados integraram a chamada Missão Indígena, que
instruiu os cadetes da Escola Militar entre 1919 e 1923, influenciando,
assim, os oficiais que liderariam o Exército na segunda metade do século.
(MCCANN, 2009, p.216).
McCann (2009, p. 217) afirma que, apesar de ressaltarem a defesa externa
como principal função do Exército, os reformistas não o propunham alheio à
sociedade, mas que oficiais fossem apolíticos, mantendo-se longe da política
partidária e de atividades estranhas à instituição. Porém, consideravam papel do
Exército a intervenção militar na sociedade e publicaram na revista:
[...] As sociedades nascentes têm necessidade dos elementos militares para
assistirem à sua formação e desenvolvimento. Quando a sociedade atingir
um nível elevado de civilização poderá livrar-se da tutela militar e só então
as Forças Armadas poderão se limitar à sua verdadeira função. (MCCANN,
2009, p.217).
81
Também defenderam a ideia de que o Exército deveria estar aparelhado para
desempenhar sua “função conservadora e estabilizante na sociedade em mudança”.
Viam-no também como o “primeiro fator de transformação político-social”. Nesse
contexto, seu objetivo seria passar à sociedade “as virtudes de um bom exército:
disciplina hierárquica e social”, a abdicação ao individual em prol do coletivo e “o
senso do dever e sacrifício pela Pátria”. Além disso, não aceitavam cruzar os braços
e deixar a defesa do Brasil, um dos mais opulentos dos países, confiada à própria
sorte. Estavam convictos de que “o progresso é obra dos discentes”. (MCCANN,
2009, p. 217).
Na ideia de criticar para corrigir erros, no final de 1914, os reformistas
passaram às mãos do ministro da Guerra, general José Caetano de Faria, um
programa vasto de reformas. Nele havia sugestões práticas, que visavam ao
aumento da eficiência, como procedimentos do serviço militar obrigatório, a
organização do Exército e da conduta da oficialidade, dentre outras. (MCCANN,
2009, p. 218).
Pondo em prática suas ideias reformistas, os jovens turcos passaram a treinar
cabos e sargentos para que ficassem aptos a treinar os recrutas. Essa providência
revolucionária talvez tenha contribuído para agitações posteriores entre os
subalternos, pois os tiravam da marginalidade. (MCCANN, 2009, p. 218).
A concepção de Olavo Bilac a respeito do Exército na sociedade não se
baseava em seu papel defensivo. Considerava mais importante a função de ensinar,
educando os cidadãos no civismo. Para tanto os quartéis deveriam absorver todas
as classes sociais, nivelando-as e “ensinando disciplina, patriotismo e ordem”. Ao
mesmo tempo evitar-se-ia formar uma casta militar, pois o Exército seria o povo e
vice-versa. (MCCANN, 2009, p. 219).
Bilac apontava o serviço militar obrigatório como “uma promessa de
salvação” para o Brasil. Refletindo a ideia dominante na classe média de
que o Brasil não era uma nação coesa e unificada, para ele as classes
privilegiadas da elite queriam apenas seu próprio prazer e prosperidade, as
classes inferiores eram mantidas “na mais bruta ignorância”, mostrando “só
inércia, apatia, superstição [e] absoluta privação de consciência”, enquanto
os imigrantes estrangeiros viviam isolados pela língua e costumes. A
“militarização de todos os civis” daria à sociedade as virtudes da classe
média, dotando-a da coesão necessária para preservar-se. O serviço militar
elevaria os da classe baixa e nivelaria os da alta. (MCCANN, 2009, p. 219).
82
Segundo McCann (2009, p. 219), a visão de Bilac sobre os sertanejos e os
ociosos das cidades era radicalmente negativa. Considerava que a classe média,
para ele os verdadeiros brasileiros, deveria ser aperfeiçoada antes de querer fazê-lo
com o povo. Nesse contexto, atribuiu às oligarquias rurais a culpa pela miséria do
povo. Para Bilac:
Só a classe média possui a completa cultura intelectual e moral, a elevação
de espírito e a capacidade de colocar-se acima dos interesses pessoais, de
classe ou partidários, sendo, pois destinada à sagrada missão de governar
e dirigir a multidão. (MCCANN, 2009, p.220).
O poeta também ressaltou que os militares já eram possuidores de qualidades
superiores e tinham condições de auxiliar a classe média a chegar pacificamente ao
poder. E via no Exército o povo remodelado e liderado pela classe média e, nesse
contexto, os oficiais como patriotas, sem ambições políticas, fanáticos por sua
profissão. (MCCANN, 2009, p. 220).
E assim Bilac fez uma campanha para levar essas mensagens ao coração do
Brasil moderno, com discursos patrióticos, particularmente nas cidades mais
dinâmicas do centro-sul e, principalmente a São Paulo, que vivera a campanha
antimilitarista de Rui Barbosa, em 1910. (MCCANN, 2009, p. 220).
Para solucionar a falta de espírito nacional, o regionalismo extremado e a
exagerada influência estrangeira, Bilac via a necessidade de “fundir o Exército com o
povo em uma mentalidade democrática comum”. Ressalta-se que Bilac era
antimilitarista, chegando a ser brevemente preso por Floriano Peixoto, em 1893, por
condenar seu avanço militarista. Apesar de sonhar com uma era sem guerras ou
exércitos, considerava que o perigo de elas ocorrerem impunha aos países
preparação, sob o risco de humilhação e ruína. (MCCANN, 2009, p. 220).
O escritor e político fluminense Alberto Torres fora deputado estadual e federal,
ministro da Justiça e Negócios Interiores, presidente do estado do Rio de Janeiro e
juiz do Supremo Tribunal Federal. Em 1914, publicou dois livros muitos debatidos: A
organização nacional e O problema nacional brasileiro. Sua visão era coincidente
com a de Olavo Bilac sobre a necessidade de organizar o país. Mas não aceitava o
modo como queria fazê-lo. Considerava que os soldados seriam apenas treinados
nos quartéis e que as demais qualidades de cidadão as trariam de casa. Ou seja,
Alberto não cria na educação pela caserna. (MCCANN, 2009, p. 221).
83
E [Alberto Torres] propôs, em vez de uma solução militar, em vez do modelo
turco, que seguissem o modelo do Japão, Nova Zelândia e Austrália,
construindo a unidade e a infraestrutura nacional. Alertou que, devido à
“anarquia da organização” no Brasil, o serviço militar obrigatório malograria
antes de começar. (MCCANN, 2009, p.222).
Alberto também criticava o fato de o Exército e o corpo de oficiais serem
permanentes, o que, segundo ele, fazia surgir uma hierarquia privilegiada e tendia a
“evoluir para uma casta autocrática”. Asseverava que fazer um corpo de oficiais
proveniente das classes mais baixas não resolveria e que a guerra na Europa
mostrava impositiva a criação de um “exército de cidadãos, uma milícia civil
semelhante à da Suíça ou à Guarda Nacional dos Estados Unidos”. (MCCANN,
2009, p. 222).
Na verdade, Torres não considerava importante a defesa militar, e sim a defesa
nacional, com base no governo constitucional, na educação pública, num organizado
sistema jurídico, numa economia forte, crédito externo comedido, propaganda
pacifista e, por último, numa força militar. (MCCANN, 2009, p. 222).
Tanto Bilac quanto Torres queriam limitar o papel das Forças Armadas às suas
funções específicas. Mas, para o Exército, era mais fácil aceitar as ideias do poeta,
principalmente pelo caráter reformador da sociedade, que lhe foi atribuído, por meio
do papel educativo do serviço militar obrigatório. Mas a morte dos dois pensadores,
em pouco tempo, entre 1917 e 1918, deu ao Exército a possibilidade de se servir
das ideias de ambos, sem embaraços. (MCCANN, 2009, p. 223).
12.2 O SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO
Para que as reformas propostas pelo general Faria fossem implementadas, o
Exército não mais poderia ser o braço forte dos dirigentes. Para “tornar-se uma força
qualificada”, seus oficiais teriam de afastar-se da política partidária e uma reserva
mobilizável deveria ser formada por meio do treinamento de soldados. Para tal, o
ministro acatou a sugestão do seu ajudante-de-ordens e jovem turco, tenente Leitão
de Carvalho, e dirigiu-se aos oficiais no discurso de ano-novo, exortando-os a focar
na carreira e afastar-se das refregas políticas. Era 2 de janeiro de 1915 e as
palavras idealistas, que surpreenderam os oficiais da guarnição do Rio de Janeiro,
tornaram-se inspiração para os que rezavam pelo profissionalismo. (MCCANN,
2009, p. 229).
84
O principal problema do Exército em meados da década de 1910
implementar, finalmente, o serviço militar obrigatório. [...] Aprovada
1908, a lei permanecera engavetada porque o Congresso cortara
drasticamente o efetivo do Exército que o pequeno efetivo autorizado
preenchido por voluntários. (2009; p. 229).
era
em
tão
era
Houve esforços de comunicação social, baseados nos discursos de Olavo
Bilac, que resultaram na fundação da Liga de Defesa Nacional, em 7 de setembro de
1916. A liga buscava construir uma mentalidade de defesa nacional e era presidida
de forma honorária pelo mandatário da nação, Venceslau Brás, e secundada pelo
ministro da guerra, general Faria. Essa disposição e de outros líderes nacionais
conquistou líderes estaduais, que ingressaram em diretórios regionais. As atividades
que se seguiram criaram um crescente clima de nacionalismo. A campanha surgiu
do Alto-Comando, com os esforços de Faria e do Chefe do Estado-Maior do
Exército, general Bento Ribeiro, cujo ajudante-de-ordens era amigo do poeta, que
passou a ser prestigiado pelos generais e muitos oficiais. O Clube Militar ofereceu
um banquete em sua homenagem. (MCCANN, 2009, p. 230).
O Congresso, porém, estava dividido. Uns louvaram o serviço militar
obrigatório, por seu papel na unidade nacional, mas outros achavam que o Exército
não moldava o caráter dos homens. Houve críticas de Alberto Torres, é claro, mas
também da imprensa, ao sorteio para preencher claros, e até de um general, Gabino
Besouro, fez oposição e foi afastado das funções por opor-se publicamente à
mudança, que dizia ilegal e porque o Exército não estaria preparado para a
“avalanche de sorteados”. A discussão acontecia quando a guerra grassava na
Europa e o Contestado abalava o Exército e o sertão da região Sul. (MCCANN,
2009, p. 230).
Aproveitando o ânimo do momento, Leitão de Carvalho redigiu telegramas, que
foram assinados pelo general Faria e enviados aos governadores dos estados,
solicitando a instalação das juntas de alistamento e seleção. A Liga de Defesa
Nacional se empenhou em debates e publicidade na imprensa e o comando do
Exército fez lobby no Congresso por verbas e efetivos. E com cerimônia nos
principais centros urbanos, o sorteio entrou em operação, entre 10 e 17 de
dezembro de 1916. Apesar de alguns recursos contra o sorteio, o Supremo Tribunal
Federal considerou-o constitucional. Assim, quarenta e dois anos depois da lei que o
criou, em 1874, a primeira incorporação de recrutas sorteados dava início à história
do Exército “como força qualificada”. (MCCANN, 2009, p. 231).
85
12.3 OS SARGENTOS SE REBELAM
Apesar dos progressos, o sistema teve problemas após sua implantação.
Houve conspirações nas duas Forças Armadas e nas Forças Auxiliares do Rio de
Janeiro, por razões socioeconômicas e reformistas. Pleiteavam a criação da
graduação correspondente ao suboficial existente na hierarquia estadunidense e o
fim do “favoritismo inerente às nomeações ministeriais para a categoria de oficial
administrativo”. (MCCANN, 2009, p. 232).
O Alto-Comando se opunha às reivindicações considerando-as inviáveis pela
pouca instrução que tinham os sargentos. Os chefes militares consideravam também
inviável a nação assumir o encargo de proteger as famílias dos sargentos da tropa,
porque não haveria um que não se casasse. (MCCANN, 2009, p. 232).
Os sargentos também conspiravam pelo parlamentarismo, pela reforma política
e territorial dos estados, pela educação primária, pela livre navegação, pelo serviço
militar obrigatório, pela instrução religiosa, pelos direitos políticos dos estrangeiros e
contra a corrupção. (MCCANN, 2009, p. 232).
Segundo o general encarregado do inquérito, Abílio de Noronha, teria havido
incitação dos sargentos por políticos civis, para que assassinassem oficiais, com a
promessa de promoções a altos postos. (MCCANN, 2009, p. 232).
Em 1915, quando 256 sargentos foram presos, expulsos do Exército e
levados para locais do Norte, Nordeste e Rio Grande do Sul, seu exílio
despertou a simpatia da soldadesca, dos oficiais inferiores e de alguns
superiores [...] Para Edgard Carone, “a ideologia tenentista é, em grande
parte, continuação da dos sargentos”. (MCCANN, 2009, p.233).
Como consequência, houve grave desfalque ao efetivo na guarnição do Rio de
Janeiro. Rompeu-se também a cadeia de comando, pois oficiais descobriram que
sargentos considerados de confiança estavam envolvidos. O ministro Faria buscou
amenizar uma das causas da rebelião acabando com a nomeação ministerial e
implantando um exame competitivo. Não era tudo o que queriam, mas deu novo
ânimo aos sargentos a possibilidade de tornar-se oficial e sonhar com um futuro
melhor. (MCCANN, 2009, p. 233).
12.4 O ESFORÇO PELO SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO
86
Os últimos acontecimentos em 1915 tornavam o serviço militar pouco atraente
para ”os filhos da classe média urbana e dos proprietários rurais”. O Exército
acabara de encerrar a campanha do Contestado, houvera a rebelião dos sargentos
e a situação política exigira muitos movimentos de tropa. Estava difícil completar as
vagas, pois quase a metade dos sorteados não se apresentava para o exame
médico e muitos que iam estavam fisicamente inaptos. (MCCANN, 2009, p. 234).
O Alto-Comando buscou amenizar a situação com uma campanha exaltando
as maneiras de como ficar rapidamente em dia com as obrigações militares. Os
Tiros foram uma delas. Mas a sua proliferação acarretou em falta de oficiais de baixa
patente para atuar como instrutores. Para sanar o problema, o general Faria criou
uma escola na Vila Militar do Rio de Janeiro que instruiria oficiais e sargentos
reformados para a função e seria a precursora da Escola de Sargentos das Armas.
(MCCANN, 2009, p. 234).
O sorteio, porém, não conseguiu atingir seu fim principal: a criação de uma
reserva que contribuísse para a coesão nacional e igualdade social. Isto porque as
incorporações, geralmente, vieram das classes pobres e analfabetas. As classes
média e alta ficaram de fora. A condição socioeconômica das praças, na Segunda
Guerra, seria muito parecida com a de 1905. Segundo diria o general Eurico Dutra,
os brasileiros mostravam “uma rebeldia visceral contra a carreira das armas”.
(MCCANN, 2009, p. 234).
Mas havia
várias razões
que
dificultavam a
convocação,
além do
comportamento restringente dos jovens: as grandes distâncias brasileiras; os
registros civis municipais deficientes; e a complacência das polícias e juntas militares
com os insubmissos. (MCCANN, 2009, p. 234).
Para amenizar a situação, o ministério da Guerra tentou convencer o governo a
tornar exigência estar em dia com o serviço militar para a posse em cargos públicos
federais e estaduais. Mas essa medida demoraria a estar vigente. (MCCANN, 2009,
p. 235).
Apesar dos problemas, o sistema possibilitava a expansão física do Exército e
contribuiu para o maior envolvimento da Força Terrestre na sociedade e na política.
E mantendo os recrutas próximos às suas regiões, era possível dar uma imagem do
Exército no local, além de permitir economia com os transportes que seriam
necessários no caso de se centralizar o treinamento em poucos campos. (MCCANN,
2009, p. 235).
87
A partir de outubro de 1917, quando o Brasil entrou na Primeira Guerra
Mundial, o efetivo do Exército mais do que dobrou, chegando a 52 mil. A guerra
justificou a expansão imediata do efetivo. Se vestir, alojar e alimentar o efetivo já era
difícil, mais ainda seria armá-lo e treiná-lo. (MCCANN, 2009, p. 236).
Em meados de 1918, já havia uma unidade por estado. O crescimento iniciado
nesse momento seria mantido nas décadas seguintes, o que coincidiu com o seu
maior envolvimento político, como braço forte do Estado Novo e dos governos
militares de 1964-85. Essa expansão também aumentaria a influência do Exército
sobre as polícias estaduais e a Guarda Nacional, que passaram a ser forças
auxiliares, em janeiro de 1917. (MCCANN, 2009, p. 236).
A Guarda Nacional tornara-se a segunda linha do Exército. Em 1918, um
decreto determinou sua remodelação que, por pressão de oficiais, resultou na sua
extinção. A influência e o poder sempre aumentam quando há o monopólio do poder
de fogo. Satisfeito, o general Faria comentou: “ficarão, assim, organizadas, pela
primeira vez entre nós, todas as forças que devem constituir o poder militar da
nação”. (MCCANN, 2009, p. 237).
12.5 MATERIAL DE EMPREGO MILITAR E A INDÚSTRIA NACIONAL
Iniciada no Brasil pouco antes de 1880, a industrialização ganhou impulso
entre 1886 e 1894. Depois da crise de 1929, a agroexportação foi
desbancada pela indústria, que passou a ocupar o centro vital da economia.
(KOSHIBA; PEREIRA, 2003, p. 404).
McCann (2009, p. 237) afirma que o aumento do efetivo do Exército exigia mais
armas. Pouco antes de eclodir a guerra na Europa, foram compradas armas da
Alemanha. Mas o bloqueio britânico àquele país impedira o material de chegar ao
Brasil. Os oficiais reformistas ficaram convencidos de que o Brasil deveria ser capaz
de produzir seu armamento. Para tanto, A Defesa Nacional dizia ser impositivo o
desenvolvimento industrial e, como os oficiais florianistas da década de 1890,
afirmava:
Proteger indústrias parasitárias, fictícias, que importam matéria prima e até
já confeccionados como produção nacional, é roubar o povo para
enriquecer meia dúzia [...] beneficiando a produção estrangeira e esfolando
a economia nacional. (MCCANN, 2009, p.237).
88
Em 1919, o sucessor do ministro Faria, general Alberto Cardoso de Aguiar,
afirmava serem o serviço militar obrigatório (homens) e a autonomia em relação a
recursos materiais do exterior (armas) a garantia aos meios de defesa militar do
país. Mas, desde o fim da Guerra do Paraguai, a política era comprar armas no
exterior e os arsenais e as oficinas de reparos do Exército estavam em más
condições. A fábrica de cartuchos e projéteis do Realengo, reconstruída depois da
explosão de 1898, funcionou com metal e pólvora alemã. O próprio fisco facilitava a
importação desses materiais. (MCCANN, 2009, p. 237).
A Primeira Guerra, porém, convencera os oficiais da necessidade de produzir a
própria munição. Os ministros da Guerra tentavam convencer o Congresso a esse
respeito desde a virada do século. Em 1909, o Exército instalou na cidade paulista
de Piquete uma fábrica de pólvora sem fumo, com base em indústrias similares no
exterior. Mas descobriu-se que o algodão e álcool estadunidenses tinham preço
mais baixo que no Brasil, o que tirou competitividade da produção da fábrica. Mas
também a política e a corrupção atrapalharam. Muitas vezes produtores nacionais
eram estranhamente contratados para entregar fardas e equipamentos piores e mais
caros que similares estrangeiros. (MCCANN, 2009, p. 238).
Os oficiais de A Defesa Nacional, em 1914, criticavam essas situações, como
na Fábrica de Realengo, que fora modernizada e expandida e, no entanto, perdera
sua seção de artilharia e produzia menos cartuchos que antes. A crítica se estendia
ao operariado, que, segundo a revista, estava habituado a ser pago para pouco
fazer. Aludiam também à necessidade de autonomia em relação ao estrangeiro para
as nossas fábricas munições. Acenavam com a ameaça platina, ressaltando que a
Argentina estava em melhor condição nesse aspecto e que um conflito sulamericano poderia deixar o Brasil isolado da Europa. (MCCANN, 2009, p. 238).
Também foram marcantes na década de 1910 os difíceis passos do início da
aviação do Exército. O tenente Kirk, piloto formado por iniciativa própria, morrera no
Contestado. A Escola de Aviação seria dirigida por um italiano, que teria de basear
os treinamentos dos pilotos no apoio do Aeroclube Brasileiro e da Marinha, que
treinava seus oficiais em hidroplanos. Em 1918, o Exército tinha meia dúzia de
pilotos e um avião, o primeiro feito no Brasil, na Fábrica de Realengo, mas ao qual
faltou o motor nacional. (MCCANN, 2009, p. 239).
O primeiro efeito da guerra foi a drástica redução dos investimentos
industriais. A produção expandiu-se em 1915 e 1916 com a utilização plena
89
da capacidade instalada. Começou a declinar em 1917, e seu crescimento
tornou-se negativo no ano seguinte, pela falta – gerada pela guerra – de
matérias primas, máquinas e equipamentos importados. (KOSHIBA;
PEREIRA, 2003, p. 405).
A Primeira Guerra mostrou o perigo de o país depender de materiais
estrangeiros, ainda que mais baratos. A perda de uma encomenda de canhões e
metralhadoras alemãs, parte já paga, indicava isso. Porém, se era difícil importar,
pior era depender de fornecedores domésticos que não tinham capacidade de
atender as demandas militares. Diante da questão, o Exército criou a Diretoria do
Material Bélico e adotou política de livrar-se da dependência estrangeira. (MCCANN,
2009, p. 240).
A velha Fundição de São João de Ipanema, São Paulo, de 1808, foi reformada
em 1918, mas sua produção era modesta para atender a necessidade militar de
novas fontes de ferro e aço. Portanto, o diretor foi mandando pelo ministro da Guerra
aos Estados Unidos, para aprender métodos modernos. (MCCANN, 2009, p. 240).
Segundo McCann (2009, p. 240), muitos oficiais concordavam com a discussão
presente no meio civil de que o país, para ser senhor do seu destino, precisava de
indústria siderúrgica. Mas a empresários e políticos paulistas, isso não interessava.
Em São Paulo, as fundições de sucata prosperavam e não queriam a concorrência
do rico ferro de Minas Gerais. Ademais, os editores da revista A Defesa Nacional
sentiam-se frustrados diante do argumento de alguns que, refutando a implantação
da indústria siderúrgica, achavam que ela demandaria despesas improdutivas. Para
convencer as opiniões mais resistentes, os reformadores do Exército expunham o
exemplo da siderurgia estadunidense, que era produtiva nos tempos de guerra e
paz. Para eles, se o aço brasileiro não fosse competitivo no exterior, seria ao menos
útil à produção interna e à defesa nacional. E declararam:
“Acreditamos que o governo [...] não pode alhear-se à solução definitiva que
exige a magna questão da siderurgia nacional. [...] É preciso fundar a
indústria nacional do aço”. (MCCANN, 2009, p.241).
Para aprimorar a situação militar brasileira, o ministro Faria enviou duas
missões de estudo ao exterior, durante a guerra. Uma para a França, a fim de
observar aspectos da “arte da guerra” no conflito e outra aos Estados Unidos, para
aquisição de material bélico. Também foi enviado um hospital militar que se instalou
próximo a Paris. (MCCANN, 2009, p. 242).
90
A missão que foi aos Estados Unidos reuniu-se com industriais e visitou
fábricas e arsenais militares, além de ter contratado um químico metalúrgico e um
superintendente para a seção de projéteis do Arsenal do Rio de Janeiro. Mas os
resultados da visita foram limitados pela pequena participação do Brasil junto aos
aliados da Primeira Guerra, por não ter mandado tropas. O general Faria
considerava o Exército despreparado para tal. (MCCANN, 2009, p. 242).
12.6 AS REFORMAS DO EXÉRCITO E DA NAÇÃO
Os reformistas defendiam que “o distanciamento da política e a lealdade ao
governo federal” marcavam o profissionalismo. Eles pensavam que com argumentos
coerentes poderiam convencer os líderes políticos a respeito da importância da
defesa nacional. Mas a política não era neutra e nem priorizava o bem da nação.
Além disso, após a Primeira Guerra, os reformistas militares viram que o sistema
político não queria a reforma do Exército, porque isso colocaria o sistema em perigo.
(MCCANN, 2009, p. 243).
Esse sistema vigente à época, a “Política dos Governadores”, consolidara-se
após o governo Floriano, nos mandatos de Prudente de Morais e Campos Sales,
entre 1894 e 1902. Caracterizava-se pelo partido único, o Republicano Federal, pelo
voto exclusivo às oligarquias e aos governadores e pelo “toma lá, dá cá” entre
governadores que, em troca de autonomia, apoiavam os projetos do presidente no
Congresso, com suas delegações. Nesse contexto, São Paulo e Minas Gerais, com
seu poderio econômico, dominavam a cena. (MCCANN, 2009, p. 243).
Não foi nos primeiros momentos, mas os reformistas militares perceberam que
a sua visão do Exército era incompatível tanto com a sociedade como com o sistema
político vigente. Esses oficiais amparavam suas constatações no profundo
conhecimento do Exército alemão, nas experiências do Contestado e nas tentativas
de efetivar-se o serviço militar obrigatório, após 1916. Queriam a germanização do
Exército, por meio de uma missão militar alemã. E, a partir de 1914, empenharam-se
pelo convite brasileiro aos militares germânicos. (MCCANN, 2009, p. 243).
Mas sofriam oposição ferrenha dos francófilos, que tinham como argumentos a
compatibilidade latina, a experiência francesa com tropas mistas e nativas e o
idioma, no qual os oficiais brasileiros eram fluentes. (MCCANN, 2009, p. 243).
91
Em 1916, os editores de A Defesa Nacional concentraram sua análise
crítica no país e começaram a adotar um tom quase revolucionário. [...] Os
editores ecoaram a declaração de Alberto Torres de que o Brasil não era
um país, nação ou pátria, mas “uma exploração”. [...] Apontaram como
exploradores políticos, juízes, congressistas, funcionários públicos e
bacharéis cujos cargos [...] multiplicavam-se com o aumento de sua prole, e
que protestavam todos contra “a humilhação do serviço militar”. Os
explorados eram [...] “o povo que trabalha, que moureja, que paga impostos
de suor e sangue. Só ele tem o dever de dar a vida pela pátria; os outros
reservam-se apenas o direito de desfrutá-la. [...] Não há dúvida – o Brasil é
uma exploração [...] Nós somos uma nação improvisada, sem raízes no
passado, de formação étnica indefinida e fácil, portanto, de esboroar-se
(demolir-se)”. (2009; p.245)
A visão dos editores da revista era de necessidade de preparar-se para um
possível inimigo externo, estando, porém, alerta a um interno e mais provável: “a
falta de coesão nacional”. Além disso, viam que o povo deveria deixar de iludir-se
por uma imprensa imodesta, que ressaltava demais algumas figuras brasileiras, e
“trabalhar para elevar-se ao nível dos povos mais avançados”. Os editores se
indignavam com as elites, que não olhavam para o Brasil. Elas preferiam ajudar os
desabrigados belgas e franceses a auxiliar vítimas do Contestado. E afirmavam que
o país atravessava um período histórico decisivo, estando muito próximo de
constituir em definitivo uma “nacionalidade imperecível”, mas estando muito próximo
do “abismo da dissolução e da ruína”. Segundo os editores, tudo dependia da ação
das classes dirigentes. (MCCANN, 2009, p. 246).
Mas muitos oficiais teriam de ser convencidos a apoiar a campanha por um
exército nacional. Achavam que um exército deveria ser predominantemente
profissional e exemplificavam os que as potências europeias mantinham em suas
colônias. Os editores da revista destacaram que essas potências tinham tropas
profissionais nas colônias por temer o despertar de sentimentos nacionalistas por
nativos, caso integrassem uma tropa. Diziam eles, porém, que as mesmas nações
europeias possuíam em seus territórios exércitos nacionais, para manter a coesão.
(MCCANN, 2009, p. 247).
O tenente Mário Travassos, veterano do Contestado, escrevera que as escolas
militares estavam mais eficientes. Os aspirantes saíam sabendo equitação, tiro,
exercícios de simulação e não mais teorias abstratas. Para ele, o gigante
despertara. Havia um número reduzido de oficiais de todas as patentes que havia
feito o Exército acordar. E concitou os demais a juntar-se a eles, deixando de lado a
inércia e a indiferença impatriótica. Apesar de os editoriais terem motivado os oficiais
92
a pensar o Brasil e as soluções dos seus problemas, estas viriam em longo prazo e
os objetivos reformistas eram mais imediatos. (MCCANN, 2009, p. 248).
12.7 OS JOVENS TURCOS IMPÕEM SUA VISÃO
Os jovens turcos e o general Faria agora corriam contra o relógio para fazer
valer suas visões a respeito do Exército, pois o governo Venceslau Brás, em 1918,
estava terminando. Com a guerra na Europa chegando ao fim, a pressão por uma
missão militar francesa aumentou. Com estadunidenses e britânicos mais
interessados nas vendas à Marinha, Faria possibilitou a compra de material de
artilharia e aviação dos franceses, mas manteve a doutrina alemã, defendida nas
páginas de A Defesa Nacional. (MCCANN, 2009, p. 248).
Havia também preocupação em consolidar a escola formadora de oficiais.
Desde o fechamento da Praia Vermelha, em 1904, buscava-se atingir um equilíbrio
entre instrução militar e educação formal. Além disso, o regulamento de 1913
ratificou a proibição do ingresso de oficiais para cursar a escola e que foi fator
contribuinte para as revoltas escolares de 1897 e 1904. O documento também
limitou a idade máxima para ingressar, além de exigir que os candidatos fossem
oriundos de colégios militares preparatórios ou da tropa, no caso dos soldados. Mas
em 1919, ainda haveria oficiais no corpo discente. Eles teriam papel de destaque
nas revoltas da década de 1920. (MCCANN, 2009, p. 249).
O ministro Faria também levou o Estado-Maior do Exército à condição de
núcleo do Exército, pois lá esteve como chefe, entre 1910-14 e facilitou a relação
com a pasta da Guerra, como ministro entre 1914-18. Aos generais Faria e Bento
Ribeiro atribui-se o “desenvolvimento nativo” do órgão, antes que os franceses
chegassem, em 1919. Foi nele que se planejou a reestruturação do Exército, que
fora concretizada em 1915. (MCCANN, 2009, p. 249).
Bento Ribeiro introduziu o processo seletivo à Escola de Estado-Maior, em
detrimento da seleção aleatória. Visava com isso a melhorar a qualidade dos oficiais
e, por conseguinte, do próprio Estado-Maior. (MCCANN, 2009, p. 250).
Bento discordou de Faria a respeito da reforma do ensino, cuja prática era
deficiente, por falta de experiência dos instrutores. Faria achava que os jovens
turcos teriam condições de sanar o problema enquanto Bento pensava ser mais
eficaz contratar uma missão estrangeira, o que foi sugerido pelo Estado-Maior do
93
Exército em 1917, sem especificar a nacionalidade, mas descartando-se,
naturalmente, a opção alemã dos jovens turcos e muito do trabalho de inspiração
germânica que já haviam feito. (MCCANN, 2009, p. 250).
Os dois generais preferiram uma solução intermediária. Bento considerou a
antipatia de Faria pela missão estrangeira e deu início à revitalização da Escola
Militar, com uma equipe selecionada de oficiais de inspiração alemã. (MCCANN,
2009, p. 250).
A Defesa Nacional, no início de 1918, publicou análise da educação militar,
argumentando que a preparação de um oficial deveria ser um processo continuado
ao longo da carreira. O treinamento adicional ocorreria em uma série de escolas a
frequentar durante a carreira. Os editores continuaram a admirar os germânicos
mesmo após a declaração de guerra pelo Brasil. (MCCANN, 2009, p. 250).
Visou também a melhorar o ensino a elaboração de um exame a ser aplicado
para selecionar os novos instrutores, baseado no método e não mais no favoritismo.
Os oficiais selecionados, ao chegarem à escola, em dezembro de 1918, logo
ganharam o apelido de “Missão Indígena”. A geração de instrutores viria a romper o
atraso e o comodismo que grassava a rotina do Exército, adaptando ao meio militar
brasileiro os ensinamentos do Exército alemão. (MCCANN, 2009, p. 251).
Para aproveitar o novo sistema e garantir a familiaridade com os novos
métodos, os aspirantes [...] de 1918 foram retidos na escola por mais um
ano a fim de ser treinados pelos novos instrutores. O resultado inesperado
seria uma turma combinada em 1919 que conteria os rebeldes mais
tecnicamente profissionais que o Exército já enfrentou: os famosos tenentes
(tenentismo) [...]. (MCCANN, 2009, p.252).
Encerrava-se o governo de Venceslau Brás, em novembro de 1918, e o
ministro Faria sentia-se satisfeito por ter colocado o Exército num caminho diferente
da década passada, rumo à modernização. (MCCANN, 2009, p. 252).
Agora haveria continuidade, pois o general Bento Ribeiro permaneceria no
cargo de chefe do Estado-Maior. Mas, nos anos seguintes, haveria mais mudanças,
influenciadas pelos franceses e motivadas pelo abalo que o ciclo revolucionário de
1922 causaria. Ademais, Leitão de Carvalho e seus camaradas de A Defesa
Nacional sabiam que o trabalho ainda estava incompleto. Faltava “reformar o
Exército de baixo para cima”.
94
13 O EXÉRCITO E O PROFISSIONALISMO
Em 1918, as ruas da capital estavam desertas. Os cadáveres se acumulavam.
A gripe espanhola acometia todas as classes e idades. Em outubro e novembro,
moldava-se o novo governo do ex-conselheiro do Império e ex-presidente do Brasil,
entre 1902-06, Francisco de Paula Rodrigues Alves, que lutava contra a doença na
paulista Guaratinguetá, onde morava. (MCCANN, 2009, p. 254).
A gripe desembarcara no Brasil, trazida por um navio do correio britânico, o
Demerara, cujos doentes contaminaram-se em Dacar. A moléstia se alastrou,
acometeu metade da população carioca (500 mil pessoas) e “mil corpos jaziam
insepultos” no cemitério do Caju. (MCCANN, 2009, p. 254).
Duas semanas depois da notícia da epidemia, as Forças Armadas intervieram,
assumindo o controle e instalando quatro hospitais temporários. Ao fim do surto,
16997 pessoas haviam morrido, segundo dados oficiais. Podem ter sido 28 mil
mortos. (MCCANN, 2009, p. 255).
Com o presidente eleito enfermo, o seu vice, o mineiro Delfim Moreira da Costa
Ribeiro, assumiu o cargo interinamente, no dia 15 de novembro. Mesmo com
limitações na saúde, o vice-presidente se empenhou em governar. Para o Exército,
constituía numa significativa mudança de direção. (MCCANN, 2009, p. 255).
Terminada a Primeira Guerra Mundial, [...] os Estados Unidos passavam à
liderança [...] do mundo. A Revolução Russa tentava edificar a primeira
sociedade socialista [...]. O Brasil também passou por mudanças. Durante a
guerra, a indústria cresceu e as cidades mantiveram [...] ritmo de expansão.
[...] Cresceram em número e em importância social os operários e as
camadas médias urbanas. (ARRUDA; PILETTI, 2004, p. 355).
13.1 A RETOMADA DE UMA MISSÃO MILITAR ESTRANGEIRA
O ministro Faria dizia, jactando-se de ter evitado uma missão militar europeia:
“o Exército só pode ser nacional em suas doutrinas, teorias, no seu espírito e
mesmo em sua tática”. Considerava útil enviar à Europa observadores e trazer
alguns instrutores de lá, mas duvidava que a guerra de trincheiras ocorresse na
América do Sul. Também achava que os oficiais brasileiros, ciosos de seus direitos,
não se sujeitariam a um comando estrangeiro. Além disso, a tentativa de trazer uma
missão já ocorrera durante o governo de Hermes e não vigara. (MCCANN, 2009, p.
255).
95
Quando o Brasil declarou guerra aos germânicos, surgiram rumores de que o
país enviaria soldados à Europa. O adido militar em Paris, major Alfredo Malan
d’Angrogne, comunicou ao ministro Faria a disposição dos franceses de treinar as
forças brasileiras, mas lamentou que a notícia da entrada do Brasil na guerra foi
recebida com indiferença, devido à sua fraqueza militar. Opinou que uma “grande
missão para remodelar o Exército, as escolas militares, o Estado-Maior e a
administração militar ajudaria o país a conquistar respeito no exterior”. (MCCANN,
2009, p. 255).
13.2 O MINISTRO CARDOSO DE AGUIAR E OS FRANCESES
Com o fim do governo do mineiro Venceslau Brás (1918) e a eleição de um
paulista para a presidência, na pessoa de Rodrigues Alves, os laços da elite paulista
com a França resultaram, inicialmente, na escolha de um pró-francês para a pasta
da Guerra. E desde 1906 os franceses estavam engajados em assinar o contrato
para a missão no Brasil. Haviam logrado impedir que os alemães obtivessem a
missão, quando o quadro lhes era favorável. (MCCANN, 2009, p. 257).
Antes mesmo de encerrar-se a Grande Guerra e definir-se o próximo
presidente, em 1918, o adido militar francês retomava as ações para obter a missão,
que resultariam nas ações do ministro Faria de enviar a missão de observação do
general Aché e de encomendar material de artilharia e aviação. (MCCANN, 2009, p.
257).
Foi curioso o fato de o general-de-brigada Alberto Cardoso de Aguiar ter sido
nomeado ministro da Guerra. Era general havia apenas onze meses e superara
outros candidatos experientes, como Tasso Fragoso, Luís Barbedo e Setembrino de
Carvalho. Tinha apenas 54 anos quando assumiu o ministério. (MCCANN, 2009, p.
257).
Cardoso de Aguiar ingressara no Exército em 1880 e fora alferes no último ano
do Império. Oficial de artilharia com treinamento em engenharia, passou de segundo
a primeiro-tenente em três dias. Depois seguiu a normalidade das promoções, sendo
coronel em 1915. Depois de três anos ascendia ao generalato. Trabalhou nas linhas
telegráficas no Mato Grosso, na estratégica ferrovia de Palma, no Paraná, e na
comissão que mapeou o país. (MCCANN, 2009, p. 258).
96
Fora presidente do Clube Militar, o que indica sua popularidade no meio militar,
onde era conhecido por ter boas qualidades, e por ser reformista. Além de
competente, tinha bons contatos, tendo trabalhado com Faria e Bento Ribeiro.
Comandara o Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, em 1914, quando Bento
Ribeiro era prefeito. Ademais, era conhecido de políticos paulistas e era francófilo
declarado. Sua nomeação despertou confiança em oficiais progressistas. (MCCANN,
2009, p. 258).
Iniciado o novo governo, o Congresso discutia a aprovação de uma missão
estrangeira. Cardoso de Aguiar já estava empenhado em favor dos franceses. Em
dezembro de 1918, o ministro telegrafou para o adido militar em Paris, major Malan,
informando que a decisão estava tomada e pedindo a indicação de um general
francês para chefiar a missão. E em janeiro de 1919, o Congresso aprovou os
créditos para a missão, sem indicar a nacionalidade da mesma. Mas o relatório do
Exército e da Marinha deixava clara a opção brasileira pelos franceses. (MCCANN,
2009, p. 259).
Houve diversas reações dos jovens turcos, algumas negativas. Vários oficiais
da revista A Defesa Nacional usariam suas influências para apoiar a missão, tais
como Bertoldo Klinger, Mascarenhas de Morais, dentre outros. (MCCANN, 2009, p.
260).
13.3 A MISSÃO FRANCESESA E O GENERAL GAMELIN
O adido militar em Paris, Malan, seguia à procura do general francês para
comandar a missão. Era difícil para ele convidar homens que haviam comandado
milhares de soldados na guerra e iriam deparar-se no Brasil com tropas desfalcadas
e esqueléticas. O chefe deveria ter tato e diplomacia para lidar com os melindres, as
ignorâncias e arrogâncias de alguns Jacobinos. Acertadamente, Malan e o
embaixador brasileiro pediram conselho a um marechal francês, que recomendou o
general-de-brigada Maurice Gustave Gamelin, que fora seu chefe de estado-maior e
possuía os atributos. Ao conhecê-lo, Malan confirmou que encontrara “o homem”.
Não era um intelectual. Era um general, disse. (MCCANN, 2009, p. 261).
Porém, antes de assinar o contrato da missão, Cardoso de Aguiar quis
conhecer Gamelin, para assegurar-se do acerto da escolha. E em fevereiro de 1919,
Gamelin veio ao Brasil. Encontrou um Exército muito melhor que o do início do
97
século XX, mas o general francês deve ter percebido o trabalho duro que teria pela
frente. (MCCANN, 2009, p. 261).
O ministro tinha vários desafios decorrentes da organização do Exército pelo
Brasil. O efetivo real era muito inferior ao autorizado, o que ocasionava desfalque
em várias unidades. Havia cinco divisões no papel, mas somente duas estavam em
seus postos, prontas para funcionar. “A distribuição das forças refletia a dupla
missão de defesa externa e interna dada ao Exército”. (MCCANN, 2009, p. 263).
A distribuição espacial das unidades era resultado da percepção pelos militares
do risco constante que o país corria de se fragmentar. Segundo Cardoso, a
fragmentação era o maior perigo a que o Brasil estava exposto, sendo o Exército o
único instrumento que podia mantê-lo unido. (MCCANN, 2009, p. 263).
Mas o ministro também se preocupava com o ônus desigual que o serviço
militar obrigatório impunha a algumas regiões militares, particularmente a 5ª, do
Distrito Federal e a 7ª, do Rio Grande do Sul, cujas populações não tinham o
tamanho suficiente para fornecer o efetivo de soldados que lhes era destinado.
Assim, foi inevitável o envio de recrutas de uma região para outra, o que ocasionou
gastos e ia contra os interesses destes e de suas famílias. (MCCANN, 2009, p. 263).
Gamelin desembarcou no Brasil em janeiro de 1919. O general francês se
esforçou para deixar claro que não pretendia “virar tudo de cabeça para baixo nem
destituir o Exército de seu caráter brasileiro”. O comando continuaria com os
brasileiros, ficando o treinamento e a instrução com a missão. Por cinco semanas,
Gamelin visitou guarnições do Exército. Admirou-se com “a diligência e devoção dos
oficiais brasileiros”. (MCCANN, 2009, p. 267).
Irritou os oficiais brasileiros a cadeia de comando da missão, que era separada.
Os membros reportavam-se apenas ao chefe, general Gamelin. Este, por sua vez,
só devia satisfação ao ministro da Guerra. O Estado-Maior do Exército, nesse
contexto, ficava submetido a uma relação triangular. Além disso, o Estado-Maior não
participara da contratação. (MCCANN, 2009, p. 268).
McCann (2009, p. 269) cita que, no início de 1920, cerca de vinte franceses
integrantes da missão estavam no Rio de Janeiro. Sua tarefa:
Criar os alicerces de um exército moderno, organizando escolas para treinar
oficiais profissionais, melhorando a capacidade do Estado-Maior para dirigir
o Exército, reformulando os regulamentos sobre treinamentos e táticas,
elaborando um sistema de promoções que assegurasse a ascensão dos
98
oficiais mais capazes aos postos de liderança [...] e criando verdadeiras
unidades táticas. (MCCANN, 2009, p.269).
Oficiais franceses foram designados para a Escola de Estado-Maior, que
receberia o curso de revisão em 1921, e outros receberam a missão de fundar a
Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, que prepararia capitães para ser
comandantes de subunidade. E os formandos teriam a missão de impor ao Exército
a unidade doutrinária, principalmente os capitães. Para o ministro da Guerra, “era o
início de fase nova para o apuro profissional do Exército”. (MCCANN, 2009, p. 270).
Apesar dos esforços do grupo de A Defesa Nacional, houve resistência e
insatisfação de alguns, quer seja pelo idioma que se obrigavam a falar, pelo choque
entre culturas diferentes ou pela intrínseca admissão de inferioridade em aceitar os
ensinamentos de estrangeiros. Havia também a preocupação, pelos editores da
revista, que o abismo de conhecimento entre a nova geração de oficiais e os seus
superiores comprometesse a estrutura de autoridade do Exército. E alguns oficiais
reformistas temiam que os seus esforços de mudança, até então, fossem creditados
aos franceses. (MCCANN, 2009, p. 271).
13.4 AS INICIATIVAS POR UMA INDÚSTRIA MILITAR
Apesar da opção estrangeira para aperfeiçoar o pessoal, os chefes militares e
o governo brasileiro ainda sonhavam em obter independência das fontes
estrangeiras de material bélico. E isso era associado ao desenvolvimento de
indústrias siderúrgica e de carvão. Para Cardoso de Aguiar, a independência
brasileira dessas fontes era um “baluarte da defesa”, pois depender do fornecimento
externo seria ficar suscetível a interrupções. E, ao contrário de outros países que já
produziam o aço sendo pobres em recursos naturais, o Brasil os tinha em fartura.
(MCCANN, 2009, p. 273).
Cardoso de Aguiar também afirmava que a defesa requeria, além de armas, o
desenvolvimento industrial de toda economia. Para iniciar esse desenvolvimento,
mesmo que timidamente, o ministro da Guerra adotou uma iniciativa que seria a
precursora do aço no país: despachou um oficial, o capitão Antônio Mendes
Teixeira, aos Estados Unidos a fim de especializar-se na produção de aço, com os
minérios brasileiros. Aliou-se a isso a compra de maquinário mais moderno, feita por
ordem do general Faria, em 1917, por comissão que foi ao mesmo país. O
99
presidente em exercício Delfim Moreira reforçou, em 1919, em mensagem ao
Congresso, a necessidade que a Grande Guerra trouxera de libertar o país da
indústria militar estrangeira. (MCCANN, 2009, p. 274).
A nomeação do general-de-brigada Augusto Tasso Fragoso, no final de 1918,
para o cargo de chefe da Diretoria de Material colocou-a para funcionar. Com seu
trabalho, Tasso foi dos principais responsáveis pela mudança do pensamento dos
militares em relação ao desenvolvimento industrial. O novo chefe providenciou o
treinamento técnico de oficiais, na Bélgica, para supervisionar a produção de armas
nacional. Trouxe técnicos estrangeiros para um programa de instrução que cresceria
e, na década de 1930, resultaria na Escola Técnica do Exército, precursora do
Instituto Militar de Engenharia. (MCCANN, 2009, p. 275).
Mas a implantação dessas políticas, geralmente custosa no Brasil, seria
prejudicada pelas agitações das décadas de 1920 e 1930 e a resultante
desorganização do Exército. Mas convém ressaltar que o impressionante
desenvolvimento industrial brasileiro, iniciado no final da década de 1930, começou
naquelas iniciativas. (MCCANN, 2009, p. 275).
100
14 AS AGITAÇÕES DA DÉCADA DE 1920
14.1 OS TENENTES REVOLUCIONÁRIOS
No início da década de 1920, os oficiais brasileiros viviam muito próximos da
sociedade civil. Metade vivia no Distrito Federal. Os quartéis estavam nas áreas
urbanas e as moradias eram espalhadas pela cidade. A família militar usava o
transporte público – bonde – e frequentava os mesmos locais que a sociedade –
lojas, igrejas, escolas – e lia os mesmos jornais. A remuneração era relativamente
baixa e a categoria sentia, como outras, as flutuações econômicas. Os oficiais
também tinham estreita ligação com as classes mais privilegiadas, na organização
do Tiro, de alcance nacional, assim como o serviço militar obrigatório. (MCCANN,
2009, p. 276).
Em 1920, grande parte dos oficiais era de baixa patente – 86,4%. Os mais
velhos eram oriundos da Escola da Praia Vermelha e os mais novos, das efêmeras
escolas de Porto Alegre e de Rio Pardo ou da nova Escola do Realengo. A ausência
de uma “bagagem educacional comum” tornava frágil o espírito de corpo e união,
imprescindíveis à coesão da instituição. (MCCANN, 2009, p. 276).
A ideologia da época era pródiga em pensadores civis, como Alberto Torres,
que defendia ideias de mudança ante a “auto-ignorância, falso otimismo,
regionalismo, além de carecer de nacionalidade e nacionalismo”. Para Torres, “o
Brasil precisava de organização e de governo central forte para dirigir as energias
nacionais e proteger o país da exploração estrangeira”. (MCCANN, 2009, p. 277).
A própria revista A Defesa Nacional comungava com muitas ideias do escritor
Alberto Torres e citava-o com frequência. A publicação de suas ideias nesse veículo
que formava a opinião de oficiais pode ter contribuído para as agitações da década
de 1920, o que não significa que os editores eram partidários da revolução. Na
verdade, o conselho editorial e os colaboradores de 1920 eram legalistas, pelo
menos até o final da década, e apenas queriam que o sistema vigente funcionasse.
Por isso, ao eclodir a revolta, a retórica da revista foi atenuada, pois servira de
justificativa pelos rebeldes. (MCCANN, 2009, p. 277).
Os revolucionários viam o regionalismo e a corrupção política como
impedimentos para o Exército desempenhar seu papel educador. Tinham como
objetivos organizar a nação, dando-lhe autoconsciência, promover a industrialização,
101
o ensino primário gratuito e compulsório, o serviço militar obrigatório, a intervenção
na economia, tudo por meio de um governo central forte. Mas não sabiam como
atingir tais objetivos e nem tinham um plano pós-vitória. As ideias eram semelhantes
às dos demais oficiais, mas os rebeldes eram mais impacientes e foram movidos
pela ocasião. (MCCANN, 2009, p. 278).
Além da deposição do presidente Artur Bernardes, os tenentes
reivindicavam o voto secreto, eleições honestas, castigo para os políticos
corruptos e liberdade para os oficiais presos em 1922. [...] Ideologicamente,
os tenentes eram conservadores: não propunham mudanças significativas
para a estrutura social brasileira. Defendiam um reformismo social ingênuo,
misturado com nacionalismo e centralização política. (KOSHIBA; PEREIRA,
2003, p. 405).
14.2 O AMBIENTE APÓS A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
Em 1918, terminara a Grande Guerra e o Brasil não enviara soldados para ser
recebidos com honras. Em vez disso, a paz trouxe greves e a mortífera gripe
espanhola. Também surgiam as ameaças do bolchevismo e do anarquismo que já
ameaçavam o Exército. Uma conspiração para tomar o depósito militar do Rio de
Janeiro e o palácio do Catete foi abortada. (MCCANN, 2009, p. 279).
Em 1919, passeatas e greves nas principais capitais brasileiras, às vezes
violentas, tumultuaram Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. O governo
proibira a publicação de um jornal maximalista (facção do Socialismo que exigia a
aplicação integral do programa socialista) - Spartacus – por incitar a deslealdade nas
Forças Armadas. (MCCANN, 2009, p. 279).
É possível que nessa época tenha-se formado uma aliança entre oficiais, que
não viam com bons olhos o operariado que consideravam indisciplinado, e os
empresários civis interessados em lucrar com o desenvolvimento da defesa
nacional. Seus contatos se davam, principalmente, por meio da Liga de Defesa
Nacional, fundada em 1916. (MCCANN, 2009, p. 280).
Para os oficiais, a situação era agravada pelo alto nível de frustração no corpo,
em geral. A população tinha baixo apreço pelo Exército e ojeriza pelo serviço militar.
Além disso, havia a tensão decorrente da pressão francesa pelo enquadramento do
Exército brasileiro aos seus moldes. (MCCANN, 2009, p. 280).
E pairava a suspeita de que os militares brasileiros estavam sendo ludibriados
pelos franceses, que apresentavam doutrina e material inferiores aos alemães, que
102
os antecederam. Havia um descontentamento geral a esse respeito e pelas
suspeitas de corrupção que pairavam sobre a Missão Francesa, nas vendas ao
Exército. (MCCANN, 2009, p. 281).
14.3 O MINISTÉRIO CALÓGERAS E O GENERAL BENTO RIBEIRO
O paraibano Epitácio Pessoa assumira a presidência, como candidato
conciliador, no lugar do interino Delfim Moreira. Antes de assumir o cargo, nomeou
um civil para o ministério da Guerra: o deputado federal mineiro João Pandiá
Calógeras, que tinha reputação de ser interessado pela defesa nacional. Alguns
oficiais consideraram que sua indicação para o cargo refletiu uma redução do
prestígio militar que remontava aos tempos do Império, presentes na memória
coletiva dos oficiais pela falta de entusiasmo do imperador pelas Forças Armadas.
(MCCANN, 2009, p. 282).
Calógeras, apesar de ser carioca, tinha estabelecido muitas ligações com os
mineiros. Por isso, sua escolha estava relacionada ao apoio de Minas Gerais ao
governo Pessoa. Devia sua reputação de especialista em defesa ao apoio dado a
Rio Branco para elevar a imagem do Brasil e a Hermes da Fonseca em seu
programa de modernização de profissionalização das Forças Armadas. (MCCANN,
2009, p. 283).
Calógeras também propunha a Rodrigues Alves, em relatório sigiloso e
encomendado, o envio de uma força expedicionária brasileira à Grande Guerra.
Pensava que era preciso reincorporar as Forças Armadas à vida nacional. Propôs o
serviço militar universal e a profissionalização do corpo de oficiais sob orientação
francesa. (MCCANN, 2009, p. 283).
Com Calógeras na pasta da Guerra, o principal general do Exército de então,
Bento Ribeiro Carneiro Monteiro, era o chefe do Estado-Maior do Exército. O general
logo se mostrou insatisfeito com a intervenção francesa em seus assuntos, pois
estes queriam que as nomeações e promoções fossem baseadas no mérito.
Calógeras, entretanto, apoiou Gamelin. Mas muitos oficiais nacionalistas ficaram
incomodados, apesar de os franceses terem certa razão. (MCCANN, 2009, p. 284).
Alguns fatos levariam o general Bento Ribeiro a renunciar ao cargo. Calógeras
afastou do general um de seus auxiliares mais leais. Mas o que precipitou a
demissão foi um incidente ocorrido na Escola Militar. O ministro nomeou um francês
103
para ministrar equitação. Vendo a luta perdida, o general apresentou sua renúncia e
foi substituído sem pompas. (MCCANN, 2009, p. 284).
McCann (2009, p. 285) afirma que Bento Ribeiro, indignado, foi à imprensa
explicar o ocorrido. No dia seguinte foi visitado pelo comandante da 3ª Região
Militar, general Barbedo, e uma comitiva de oficiais, para exprimirem seu apreço pelo
ex-chefe. Poucas horas depois, os comandantes regionais e o diretor de Material
Bélico expediam aviso vetando qualquer manifestação de solidariedade a Bento
Ribeiro. O general Barbedo foi prontamente substituído. Em atitude de desafio,
Bento Ribeiro declarou pela imprensa que receberia com honra um a um os oficiais
que quisessem visitá-lo, o que foi feito por mais de uma centena deles, até oficiais
de alta patente. Em quatro meses, o general morreria adoentado.
Apesar de livres de Bento, Epitácio Pessoa e Calógeras, com a administração
desacreditada, contavam com a insatisfação dos militares. Os soldos estavam
atrasados havia meses e as rações foram reduzidas. Apesar disso, o governo
resolveu, em meio a essa carestia, assinar um vultoso contrato com a Companhia
Construtora de Santos, de Roberto Simonsen, para a construção de quartéis em 36
localidades brasileiras. Havia necessidade de construir instalações, mas o momento
de penúria de vencimentos e rações fez muitos oficiais se exaltarem com a ideia de
haver corrupção no contrato. (MCCANN, 2009, p. 286).
Segundo McCann (2009, p. 286), as promoções corriam muito lentamente e
também geravam insatisfação. Calógeras apelou para as condecorações. Havia
também os oficiais descontentes por não terem ido à Primeira Guerra e, não tendo a
chance de lutar na Europa, muitos teriam canalizado suas frustrações para a
conspiração.
No entanto, seria a geração de oficiais subalternos dessa época que, como
oficiais superiores e altos oficiais, lideraria a campanha por um papel ativo
no campo de batalha na guerra seguinte. (MCCANN, 2009, p. 287).
Para McCann (2009, p. 287), nesse ambiente, o ex-presidente, marechal
Hermes da Fonseca foi eleito para presidir o Clube Militar, em maio de 1921. E em
outubro o jornal carioca Correio da Manhã agravaria a já tensa situação ao publicar
“infames cartas falsas” com supostos insultos de Artur Bernardes ao marechal
Hermes. Seguir-se-ia até junho de 1922 um debate entre o clube e a imprensa sobre
a veracidade das cartas, em reedição de uma “questão militar”, como no fim do
Império, que mexia com os nervos dos oficiais.
104
Os tenentes rebeldes cerravam fileiras em torno de Hermes da Fonseca e
deixaram clara sua francofobia quando tomaram o forte de Copacabana na
noite de 4-5 de julho de 1922, jogando no mar um novo canhão leve de 75
mm que a St. Charmond enviara para teste. Em 5 de julho, quando
marcharam pela avenida Atlântica, dividiram a oficialidade e puseram o
Brasil em um ciclo revolucionário que acabaria por demolir a República.
(MCCANN, 2009, p.288).
14.4 A SITUAÇÃO DO EXÉRCITO
Em julho de 1922, Hermes da Fonseca voltara de várias viagens para fazer
contatos com unidades que se rebelassem, mas não as encontrou. O governo
descobriu a conspiração e atacou primeiro. Oficiais que prometeram sublevar
soldados na Vila Militar foram presos. O marechal Hermes estava sob a custódia do
comandante da Vila Militar, na casa de seu filho. Os estudantes de Realengo
estavam detidos e eram interrogados. (MCCANN, 2009, p. 290).
O coronel Sezefredo dos Passos, com sua tropa, dominava as ruas próximas
ao forte de Copacabana, onde “o capitão Euclídes, filho de Hermes, comandava o
único reduto rebelde do Rio de Janeiro”, de onde sairiam os remanescentes da
guarnição do forte, na tarde do dia seguinte, ao encontro dos seus destinos.
(MCCANN, 2009, p. 290).
Para McCann (2009, p. 290), as revoltas tenentistas seriam o cerne da história
do Exército na década de 1920. As facções da luta interna que se travaria no
Exército, por sua relação com os sistemas políticos, enfrentar-se-iam de armas na
mão. Apesar disso, os Tenentes foram minoria. Representaram 13% dos que se
formaram entre 1913-27. E nas vésperas da Revolução de 30, seriam apenas 11%.
Apesar da importância das rebeliões, há mais na história do Exército na
década de 1920. (MCCANN, 2009, p. 290).
14.5 O BRASIL NOS ANOS 20
Nos anos 20, o novo e o velho Brasil entrariam em luta para definir um novo
futuro. Enquanto as cidades iam tomando aspectos de modernidade, as áreas rurais
ainda estavam no século XIX. No interior, os “coronéis” dominavam a vida dos
pobres. Apesar de ser considerado um caso de polícia, ainda por muitos anos
seguintes, o sindicalismo já se fazia presente. Em trinta anos, a população brasileira
105
dobrara e chegava aos 30 milhões, concentrando-se mais nas cidades. (MCCANN,
2009, p. 291).
Como em todo o mundo, a vitoriosa Revolução Russa de 1917 teve um
impacto sobre o Brasil. Antes de 1917, o cenário das lutas operárias no país
era dominado pelo anarquismo, cuja tática era o enfrentamento direto com
os patrões. Essa prática foi abandonada em favor de uma organização
hierarquizada e disciplinada, de inspiração comunista [...].(KOSHIBA;
PEREIRA, 2003, p. 414).
Mas o Brasil ainda tinha muito do aspecto rural. Fora das cidades, poucas eram
as estradas pavimentadas. As ferrovias passavam apenas pelas áreas cafeeiras e
canavieiras. À exceção da estreita faixa litorânea, as demais áreas eram
subdesenvolvidas. A ausência de estradas e a configuração das ferrovias impunha a
ênfase nas viagens marítimas. As dimensões do território não condiziam com os
meios de ligação e comunicação existentes. (MCCANN, 2009, p. 291).
A composição racial era uma mistura dos índios, negros e europeus. Mas a
vinda dos imigrantes já produzia maior impacto, principalmente os japoneses.
(MCCANN, 2009, p. 292).
São Paulo era, então, uma cidade predominantemente branca e desenvolvida;
suas ruas eram pavimentadas e por elas circulavam bondes, automóveis e
caminhões; tinha uma aparência moderna e era o centro financeiro da atividade
agropecuária. O rápido crescimento industrial exigia racionamento de energia
elétrica. (MCCANN, 2009, p. 292).
Às elites não interessava educar, pois a força de trabalho era braçal e a
educação, para elas, traria greves e agitação. Felizmente, outros segmentos da
sociedade brasileira veriam a impossibilidade de desenvolver o país com uma taxa
de analfabetismo de 80%. Assim como a educação, a assistência à saúde era muito
precária e doenças como malária, tracoma, lepra, chagas, ancilostomose, sífilis e
venéreas eram comuns. (MCCANN, 2009, p. 293).
Segundo McCann (2009, p. 293), politicamente, predominavam as dissensões
internas:
Não havia coesão e consciência nacional; os gaúchos, paulistas e mineiros
tinham mais orgulho de suas identidades estaduais do que de ser
brasileiros. [...] Em 1926 [...] no Rio Grande do Sul se fazia propaganda
secessionista pela formação de uma república separada. (MCCANN, 2009,
p. 293).
106
Os estados mantinham forças policiais equipadas, para manter relativa
liberdade de intervenções federais. A Força Pública paulista, por exemplo, era um
pequeno exército de mais de 14 mil homens, que possuía aviação própria. Também
mineiros, gaúchos e baianos tinham forças menores, mas respeitáveis. (MCCANN,
2009, p. 294).
14.6 O SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO
O serviço militar obrigatório, duramente conquistado, revelara-se bem diverso
do que propuseram seus idealizadores. A maioria dos sorteados não se
apresentava. O sonho da reserva qualificada foi abalado pelas realidades do Brasil.
Considerado uma calamidade para os mais abastados, o serviço militar cabia aos
pobres ou ignorantes. Ainda na década de 1920, as autoridades militares tinham de
recorrer às batidas policiais para arregimentar malandros e vadios nas ruas.
(MCCANN, 2009, p. 295).
O recrutamento passava por frequentes desmoralizações, com a ocorrência de
erros médicos grosseiros e do constante apelo à influência e ao favorecimento para
livrar-se da obrigação de servir. Além disso, no interior, os chefes políticos
prejudicavam adversários ao mandar convocar seus filhos. (MCCANN, 2009, p. 296).
Além de revelar dados de cor da pele, estatura, situação social, o serviço militar
também descortinava a situação sanitária dos inspecionados. Predominavam as
doenças venéreas, os problemas respiratórios, as doenças nos olhos, nariz,
garganta e ouvidos e a baixa estatura (abaixo de 1,52 m). (MCCANN, 2009, p. 296).
Eram poucos os soldados que sabiam ler e escrever. Diante disso, o Exército
estabeleceu as escolas regimentais para combater o analfabetismo. (MCCANN,
2009, p. 298).
A década de 1920 terminaria com o Exército completando seus claros de
recrutas com soldados engajados. Em 1928, eles eram aproximadamente a metade
do total. E o serviço militar obrigatório estava muito longe do que sonhou Olavo
Bilac. “A nação armada e o povo fardado eram frases retóricas e não descrição da
realidade”. (MCCANN, 2009, p. 300).
14.7 LIDERANÇA E ORGANIZAÇÃO DO EXÉRCITO
107
Apesar de toda a conversa sobre profissionalismo e das mudanças
estruturais resultantes da influência francesa e do estilo de liderança dos
altos oficiais, continuaram a luta entre o ministro e o chefe do Estado-Maior
e os problemas de recrutamento e treinamento. (MCCANN, 2009, p. 300).
O ministro da Guerra tinha o poder nas mãos, mas faltava-lhe conhecer os
detalhes administrativos, o que o impossibilitava de levá-los à assinatura do
presidente. Depois de três anos com o civil Pandiá Calógeras, o ministério voltava às
mãos dos militares. Mas os dois generais que ocupariam o cargo nos anos finais da
República Velha não eram reformistas, estando arraigados ao velho Exército.
Apesar de apoiarem a modernização, viam na instituição um instrumento nas mãos
do governo e da sociedade, alicerçados na Política dos Governadores. Os generais
Fernando Setembrino de Carvalho e Nestor Sezefredo dos Passos eram chamados
de situacionistas, pois se consagraram defendendo a ordem estabelecida.
(MCCANN, 2009, p. 300).
Setembrino foi chefe de gabinete do ministro da Guerra durante o governo de
Hermes da Fonseca, destacando-se como mediador. Interveio com sucesso no
Ceará no período salvacionista e, já general, comandou as tropas no Contestado.
Em 1916, elegeu-se para a prestigiosa presidência do Clube Militar. Ao organizar a
4ª Região Militar, em Belo Horizonte, Setembrino criou laços com Artur Bernardes, a
quem, mais tarde, apoiou na sucessão presidencial e no episódio das cartas falsas a
Hermes em 1921. No auge dessa crise, em julho de 1922, o presidente Epitácio
Pessoa escolheu-o para chefiar o Estado-Maior do Exército. Apesar de não ter
assumido oficialmente o cargo, atuou com decisão para suprimir o movimento que
ameaçava as pretensões de Bernardes de chegar à presidência. Quando assumiu,
Bernardes recompensou-o com a pasta da Guerra. (MCCANN, 2009, p. 301).
O general Sezefredo dos Passos, que sucedeu Setembrino, já no governo de
Washington Luís, também tivera carreira ligada à defesa da República Velha. Depois
de formado na escola de Rio Pardo, foi arrastado para a Revolta Federalista com o
regimento de cavalaria onde servia. Foi expulso do Exército e, dois anos depois,
anistiado. Aos 27 anos retornou à Escola Militar, bacharelando-se. Participou com
Rondon da construção de linha telegráficas no Mato Grosso. Combateu no
Contestado, quando chegou a major. De volta à capital federal, destacou-se no
comando e foi para o gabinete do ministro Cardoso de Aguiar. Em 1921, frequentou
o curso de revisão da Escola de Estado-Maior. (MCCANN, 2009, p. 301).
108
Segundo McCann (2009, p. 302), no levante de julho de 1922, à frente do 1º
Regimento de Infantaria, Sezefredo desarmou um tenente rebelde e seus soldados
que, na madrugada do dia 5, cercaram o cassino do quartel. Também conseguiu
interceptar um trem com oficiais que se juntariam a rebeldes da Vila Militar.
O papel de Sezefredo dos Passos na noite de 4-5 de julho e, novamente, no
dia seguinte, comandando tropas que confrontaram os rebeldes em
Copacabana, levou o presidente Epitácio Pessoa a promovê-lo a generalde-brigada em agosto de 1922 e ajudou a assegurar-lhe um cargo no
Estado-Maior do Exército. (MCCANN, 2009, p.302).
Sezefredo também combateu os Tenentes no oeste do Paraná, com o general
Rondon, em março de 1925. Epitácio Pessoa, antes de transmitir a presidência,
promoveu-o a general-de-divisão. (MCCANN, 2009, p. 302).
Um oficial que deixou uma marca no Exército que não pode ser apagada é
Augusto Tasso Fragoso. Chefiou o Estado-Maior do Exército entre 1922 e 1929 e
entre 1931 e 1932. O general maranhense iniciou a carreira sob a influência de
Benjamin Constant, participando, ainda alferes, da derrubada do Império, chegando
a tenente. Oficial florianista, Tasso Fragoso combateu a Revolta da Armada em
1894, sendo gravemente ferido. Por isso, foi a capitão por bravura. Participou de
várias comissões: locação da capital no centro do país; compras militares na
Europa; demarcação da fronteira com a Bolívia, já no Estado-Maior. Comandou o 8º
Regimento de Cavalaria, na fronteira com a Argentina e foi adido militar em Buenos
Aires, moldando suas convicções sobre o país vizinho. (MCCANN, 2009, p. 303).
Já coronel, foi nomeado chefe da Casa Militar de Venceslau Brás, trabalhando
com o presidente e o ministro Faria, na reativação das reformas de 1908. Em janeiro
de 1918, chegou a general. Organizou o 4º Regimento de Cavalaria, no Rio de
Janeiro e, no fim do ano, assumiu a Diretoria do Material. Em fevereiro de 1922 foi
promovido a general-de-divisão e, em novembro, nomeado por Artur Bernardes
chefe do Estado-Maior do Exército, onde permaneceria por sete anos e cinco
meses. Como historiador, produziu estudos sobre a guerra contra os argentinos em
1820 e sobre a guerra da Tríplice Aliança. Sua influência no pensamento da
instituição foi enorme.
Setembrino não era a opção de Calógeras para assumir o Estado-Maior em
1922. Foi a pressão de Artur Bernardes sobre o presidente Epitácio Pessoa que
pesou na decisão. E no cargo o general recebeu a missão de manter o Exército leal
ao presidente, o que foi feito por ele de bom grado. Entretanto, nos desdobramentos
109
da crise de 1922, Setembrino, profeticamente, aconselhou Bernardes a não tratar
com excessivo rigor os que haviam se rebelado, dentre eles, muitos com méritos.
Mas o presidente desconsiderou o alerta, não foi clemente, o que resultou em muita
agitação. (MCCANN, 2009, p. 304).
Quando Artur Bernardes assumiu o governo, em novembro de 1922, promoveu
Setembrino a ministro da Guerra e este convidou Tasso Fragoso para a chefia do
Estado-Maior. Mas Tasso teve que conviver com a constante interferência de
Setembrino no seu pessoal e assuntos, situação que tolerou em vista do cordial
tratamento dispensado pelo ministro. (MCCANN, 2009, p. 305).
Porém, a convivência com Sezefredo seria ainda pior. Tasso escolhera-o para
ser o seu vice-chefe sem conhecê-lo, baseado na sua atuação à frente de seu
regimento, no levante de 1922. Mas foi surpreendido por um desempenho irregular
do seu auxiliar na função, o que este atribuiu a um caso de doença na família. Tasso
se compadeceu da situação. (MCCANN, 2009, p. 305).
Na transição do governo de Bernardes, em 1926, num rompante de insensatez,
Tasso sugeriu a Washington Luís nomear Sezefredo ministro da Guerra, por nutrir
grandes esperanças em sua cooperação, com base em conversas a respeito das
necessidades de reformas e das relações entre o ministro da Guerra e o chefe do
Estado-Maior, não havendo divergências entre ambos. E Sezefredo havia convidado
Tasso a continuar na função. Tudo indicava para o início de uma nova fase no
ministério. (MCCANN, 2009, p. 305).
Segundo McCann (2009, p.306), Tasso enganara-se. No cargo, Sezefredo
distanciou-se dos generais, tratando-os como inferiores e com rigores formais. “As
relações com o Estado-Maior não só não melhoraram, mas se deterioraram”.
Sentindo-se alijado do processo de decisões sobre o Exército, Tasso entregou sua
carta de renúncia ao presidente em dezembro de 1928.
A incapacidade de altos oficiais para o trabalho conjunto era uma grave
fraqueza institucional. No entanto, servia para retardar a emergência do
Exército como força política relativamente independente, o que talvez
explique por que os políticos civis deliberadamente evitavam resolver o
problema. (MCCANN, 2009, p. 306).
Apesar de não fazer tudo o que queria, Tasso fez aumentar o padrão
intelectual do Estado-Maior, “consolidou [...] as manobras sobre a carta, promoveu a
causa da aviação [...], manteve os franceses [...] fora do planejamento da defesa
brasileira. [...] Tornou visões estratégicas [...] sobre a Argentina parte do
110
pensamento do Exército”. Também promoveu um maior contato do Estado-Maior
com os soldados. Em relação às promoções, Tasso estabeleceu critérios mais
rigorosos com base no mérito. Para incentivar os oficiais a cursar a revisão da
Escola de Estado-Maior, condicionou a promoção ao generalato à sua realização.
(MCCANN, 2009, p. 306).
Apesar de o plano ser esplêndido, colocá-lo em prática foi muito complicado.
“Os problemas de liderança continuaram a afligir o Exército, tanto quanto os critérios
não profissionais usados para a seleção: laços de família, parentela e amizade”.
(MCCANN, 2009, p. 307).
14.8 A OFICIALIDADE
Os oficiais na década de 1920 provinham em sua maioria do Nordeste e
Sudeste do Brasil, 78% do total, e da pequena parcela da população masculina que
era educada. Muitos vinham de famílias de militares ou de civis mais pobres. Muitos
buscavam a educação e a carreira militar como oportunidade de ascensão durante a
República Velha e pelo desejo de dirigir politicamente o país. (MCCANN, 2009, p.
308).
[...] Uma das formas de um jovem de origem modesta melhorar sua
condição social era ingressar em uma escola militar e tornar-se oficial do
Exército. [...] Entre as classes médias baixas e as classes populares era
grande a insatisfação contra o governo oligárquico [...]. (ARRUDA; PILETTI,
2004, p. 355).
Nesses tempos, era usual o Exército manter efetivo inferior ao autorizado pelo
Congresso. Algumas unidades existiam apenas nos planos. Isso também se refletia
no corpo de oficiais de baixa patente, cuja escassez tinha se agravado com a
expulsão de alunos que se rebelaram em 1922. Reflexo disso era a falta de oficiais
na tropa. (MCCANN, 2009, p. 310).
Os oficiais negros eram numerosos no Exército. Mas na Marinha eram raros,
apesar de haver nas duas forças muitos mestiços. Mas era fato que “os prérequisitos educacionais necessários para a admissão nessa escola [Escola Militar]
excluíam do corpo de oficiais a grande maioria de brasileiros de pele escura”.
(MCCANN, 2009, p. 311).
Os soldos dos oficiais eram baixos e, por isso, a maioria residia em casas
modestas, muitos em hotéis simples. Aqueles que serviam na Vila Militar do Rio de
111
Janeiro podiam morar à custa de aluguel barato. As gratificações eram uma maneira
de melhorar os rendimentos. Como elas eram controladas pelo ministro da Guerra,
tornava-se interessante servir em postos de visibilidade na capital da República.
(MCCANN, 2009, p. 312).
Segundo McCann (2009, p. 313), havia também um sistema que incentivava a
lealdade e a longa permanência de oficiais superiores no serviço ativo, mas talvez
fosse uma maneira de “amenizar as agruras do plano de pensão”:
A lei [de remunerações] dava aos oficiais com trinta anos de serviço o
direito de aposentar-se com graduação acima da sua, recebendo os
vencimentos da patente imediatamente superior. Os que tinham 35 anos de
serviço recebiam uma promoção real e, além disso, eram remunerados
segundo a graduação acima da sua. (MCCANN, 2009; p.313).
No fim de 1928, o Congresso aprovou a mudança dessa lei das
aposentadorias, retirando os benefícios. A consequência imediata foi a evasão de
oficiais, especialmente coronéis, com mais de trinta anos de serviço, que solicitaram
reforma antes de a lei vigorar. Diante da insuficiência de coronéis, em abril de 1929,
os majores foram designados para os claros abertos. Nesse contexto, Tasso
Fragoso pediu reforma. A lei enfraqueceu a estrutura de comando do Exército,
justamente quando a República Velha deparar-se-ia com o ambiente revolucionário
de 1930. (MCCANN, 2009, p. 313).
É curioso que a mesma lei garantia vencimentos básicos à família dos militares
que se afastavam temporariamente do serviço ativo (agregados), inclusive para os
que o faziam sem licença. Também as famílias dos que cumpriam penas restritivas
da liberdade recebiam metade dos vencimentos. Isso era um incentivo à indisciplina.
(MCCANN, 2009, p. 313).
14.9 AS ESCOLAS DE OFICIAIS
14.9.1 A ESCOLA MILITAR DO REALENGO
A educação era a chave da disciplina e do desempenho dos oficiais. Por
toda a década de 1920, o Exército continuou a procurar uma fórmula para
produzir o oficial ideal. O viveiro da oficialidade era, naturalmente, a Escola
Militar do Realengo [...]. (MCCANN, 2009, p.314).
A escola ficava próxima à estação de trem do bairro, sendo fácil o acesso ao
centro da capital. Os alojamentos eram ruins e havia pouco espaço para estudo. A
112
biblioteca era acanhada. Não havia espaço para recreação, o que incentivava as
caminhadas no bairro. As instalações mais pareciam um vasto quartel. Nessa época,
Tasso Fragoso recomendou que se construísse uma academia militar, como a
estadunidense de West Point. (MCCANN, 2009, p. 314).
As fardas de baixa qualidade e de cores com tons variados não caíam bem nos
alunos, que as trajavam quando iam ao centro do Rio de Janeiro. (MCCANN, 2009,
p. 315).
O ensino ministrado na escola era desligado de objetivos e comentava-se que
nem os comandantes nem os professores conseguiam seguir as diretrizes
fornecidas e as regras eram baseadas nos costumes. “Alguns professores
compraziam-se com o ambiente de medo, e até de terror”. Segundo Tasso Fragoso,
poucos eram os competentes e dispostos ao trabalho. Havia matérias inúteis e sem
aplicação prática. (MCCANN, 2009, p. 315).
Amenizava a situação a presença de capitães e tenentes enérgicos e com
ambição, que estavam no universo dos instrutores. Eles tiveram contato com a
Missão Francesa no curso de aperfeiçoamento e ansiavam por um Exército moderno
e eficiente. (MCCANN, 2009, p. 315).
Algo que deixou cicatrizes no Realengo foi a rebelião de 1922, particularmente
em relação à readmissão de alunos expulsos. As revoltas de 1924, no Rio Grande
do Sul e em São Paulo, relacionaram-se também aos pleitos de anistia e readmissão
desses revoltosos de 1922. Ademais, o combate à Coluna Miguel Costa/Prestes
deixaria escassos os recursos para a educação militar. (MCCANN, 2009, p. 316).
Para McCann (2009, p. 317), “a presença da missão militar francesa
provavelmente salvou o sistema do Exército da total desmoralização”. Inicialmente,
os franceses estiveram na Escola de Estado-Maior e na Escola de Aperfeiçoamento
de Oficiais. Mas após os acontecimentos de 1922, o ministro considerou que a
atuação da missão no Realengo seria benéfica à disciplina. A presença francesa
aumentou e, em 1929, chegava à direção de instrução militar da escola.
14.9.2 A ESCOLA DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS
A Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais foi inaugurada em 8 de abril de 1920,
em um belo e novo prédio na Vila Militar, e tinha por destinação instruir oficiais de
baixa patente que difundiriam a doutrina aprendida com a Missão Francesa, como
113
instrutores nas unidades do Exército, unificando os regulamentos e métodos. Mas a
escola também foi lugar para consolidar amizades ou desavenças. Sabiamente, a
equipe francesa acolheu os jovens turcos, nomeando um deles, o capitão Joaquim
Souza Reis Netto, que também era colaborador da revista A Defesa Nacional, para
ser assistente do comandante, o elogiado coronel francês Albert Barat. (MCCANN,
2009, p. 317).
O destaque da primeira turma foi o capitão João Batista Mascarenhas de
Morais. Na Segunda Guerra Mundial, como general, ele comandaria a Força
Expedicionária Brasileira na Itália e atribuiria seu sucesso como comandante
naquela
ocasião
às
lições
recebidas
dos
jovens
turcos
na
Escola
de
Aperfeiçoamento de Oficiais. E afirmaria que aquela escola fora “o mais eficiente
órgão de ensino” da Missão Francesa. (MCCANN, 2009, p. 318).
Tasso Fragoso não se preocupou muito com as conspirações que poderia
haver naquele ambiente de reunião de oficiais. Ele receava o tempo que a escola
demoraria em aperfeiçoar todos os oficiais subalternos. No ritmo de 1923, por
exemplo, seriam necessários 22 anos. (MCCANN, 2009, p. 318).
14.9.3 A ESCOLA DE ESTADO-MAIOR
A Escola de Estado-Maior destinava-se a ser o estabelecimento de ensino de
mais alto nível do Exército. Com a chegada dos franceses, instituiu-se um curso de
revisão de um ano para que os altos oficiais fossem assimilados pelo novo sistema
ou dele eliminados. Durante a década de 1920, o curso teve grande importância e
atraiu mais alunos do que o curso regular de três anos. (MCCANN, 2009, p. 318).
A procura pelo curso era pequena devido ao concurso de admissão. Para
sanar o problema, Tasso decidiu que os oficiais com melhores notas na Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais poderiam ingressar sem exames, que o general
pensava não precisar ser um “requisito apavorante” e encomendou a Gamelin um
curso preparatório por correspondência. Além do exame, os altos níveis de
reprovação nos cursos também amedrontavam os candidatos. Naquela época,
pouco mais de um terço dos alunos era aprovado. (MCCANN, 2009, p. 319).
A aviação passou por momentos difíceis, particularmente durante o governo de
Artur Bernardes. O presidente ficou desconfiado de que as aeronaves poderiam ser
utilizadas pelos Tenentes rebeldes. Assim, o governo cortou os recursos financeiros
114
e mandou imobilizar os aviões. A situação só melhoraria no governo seguinte, com a
retomada das aquisições de equipamentos e treinamento de pilotos. Além disso, em
1929, Tasso Fragoso informava que os alunos da Escola de Estado-Maior passaram
dez semanas na Escola de Aviação Militar aprendendo a respeito da arma.
(MCCANN, 2009, p. 319).
14.10 A MISSÃO FRANCESA
No decorrer da década de 1920, a atitude dos brasileiros em relação à Missão
Francesa misturava admiração e irritação. Havia, entre franceses e brasileiros,
grandes discordâncias entre as concepções de emprego para as armas de combate.
Mas Tasso Fragoso via a missão como solução temporária e confiava que deveria
haver uma futura adaptação do curso de Estado-Maior à realidade nacional. O
general insinuava uma falta de entrosamento entre o Exército e a Missão Francesa.
Os paulistas, que inspiraram os militares a contratar os franceses já haviam partido
para uma solução nacional e, em fins de 1924, dispensaram a sua missão.
(MCCANN, 2009, p. 320).
Entretanto, apesar das discordâncias, Tasso elogiou o desempenho dos oficiais
formados no curso de Estado-Maior, na atuação contra os Tenentes rebeldes. E
ressaltou que as operações teriam resultados melhores se a tropa estivesse à altura
desses oficiais e os equipamentos fossem adequados. Mas é verdade que eles
tinham dificuldades em passar suas táticas da teoria à prática. (MCCANN, 2009, p.
320).
Os franceses, no início da missão, elaboraram um plano de reorganização para
o Exército. O plano foi aprovado em 1922, mas não foi posto em prática porque o
Congresso não autorizou verbas suficientes e os brasileiros não se curvaram ao
serviço militar obrigatório. Além disso, os generais brasileiros não pretendiam
concretizar “um plano que consideravam insuficientemente adequado às condições
climáticas e geográficas do país”, que os franceses, com arrogância, queriam impor.
(MCCANN, 2009, p. 321).
Em 1925, o general Gamelin foi substituído pelo general Frederic Coffec. Para
os brasileiros, ele não estava à altura de seu antecessor, apesar de ser inteligente.
Tasso desentendeu-se com ele por querer impor a visão francesa na situação
estratégica brasileira. Mas os desentendimentos de Coffec com seus subordinados
115
na missão logo resultariam no seu repatriamento. O general Joseph Spire,
experiente chefe de outras missões, chegou para chefiar a missão, mas esta já não
era como no tempo de Gamelin. Os jovens oficiais brasileiros designados para
auxiliar a missão eram postos de lado. (MCCANN, 2009, p. 322).
Também incomodava Tasso o fato de o Brasil estar isolado de outras doutrinas
da Europa, o que era imposto pelos franceses. Gamelin pedira para que não fossem
mandados oficiais para o exterior em nome da unidade doutrinária. Mas Tasso via
que era tempo de prevalecer o interesse brasileiro. O novo chefe do Estado-Maior,
general Alexandre Henrique Vieira Leal, em 1929, sugeriu que a missão estava com
os dias contados. (MCCANN, 2009, p. 323).
Ao mesmo tempo em que se notava o aumento das críticas à Missão Francesa,
o novo chefe do Estado-Maior destacava que os franceses não respeitavam as
durações das licenças. E afirmou já estar na hora de terminar o contrato. (MCCANN,
2009, p. 324).
Para McCann (2009, p. 324), além disso, a aproximação com os Estados
Unidos estava cada vez maior. Os estadunidenses direcionaram suas investidas
para as áreas dos serviços. Em 1925, o diretor do Serviço Médico brasileiro
organizou uma visita para conhecer os serviços e instalações médicas daquele país.
Visitas semelhantes foram feitas por outros especialistas, como os do fabrico de
pólvora sem fumo. Em 1928, houve uma demonstração de um piloto estadunidense
no Campo dos Afonsos. O tenente convenceu os brasileiros de que os pilotos
treinados pelo seu Exército não tinham rivais, assim como os caças que usavam,
Curtis Hawk.
O estímulo ao estreitamento de laços entre os exércitos brasileiro e
americano [estadunidense] parece ter provindo dos oficiais brasileiros
interessados em treinamento especializado e insatisfeitos com o armamento
francês, e também da convicção dos oficiais americanos quanto à
importância do Brasil para a defesa do hemisfério e ao potencial do país
como mercado americano. (MCCANN, 2009, p. 325).
Segundo McCann (2009, p. 326), apesar das queixas em relatórios, em público
as autoridades brasileiras mostravam-se geralmente satisfeitas com a Missão
Francesa. Mas em meados de 1930, alguns oficiais expressaram publicamente a
insatisfação com a instrução militar. Uma combinação de aspectos fiscais,
comerciais e políticos manteriam a Missão Francesa no Brasil, até que seus
116
integrantes fossem chamados à França devido à Segunda Guerra Mundial. Mas os
brasileiros alcançaram parte dos seus objetivos com a missão:
A sensação de serem modernos e o endosso às suas inclinações para
intervir na sociedade a fim de moldar melhores filhos para a pátria. [...] [A
inspiração aos] oficiais brasileiros a pensar politicamente [...] acima da
política partidária – tinham de ser sacerdotes da pátria. [...] A convicção de
que poder militar e desenvolvimento nacional eram intimamente ligados.
(MCCANN, 2009, p. 326).
De acordo com Frederick Nunn, citado por McCann (2009, p. 326), “a ênfase
em serem parte da nação, e não apartados dela, direcionou oficiais do Estado-Maior
para a aplicação de soluções militares para os problemas nacionais”.
As ideias dos franceses sobre “o papel das Forças Armadas na sociedade
como uma força civilizadora e estabilizadora” provavelmente deram coragem à
empreitada tenentista e inspiraram o personagem do Exército de maior destaque na
década seguinte: Pedro Aurélio de Góes Monteiro. Ele e os Tenentes, que iniciaram
a década de 1920 em lados opostos, ao fim dela estariam juntos, derrubando a
República Velha. (MCCANN, 2009, p. 326).
14.11 OS QUARTÉIS DE CALÓGERAS
O programa de construção que o ministro Calógeras iniciou e que foi concluído
pelo ministro Setembrino de Carvalho fora, até aquele momento, o maior já realizado
pelo governo brasileiro. Apesar das suspeitas de corrupção que rondaram a
contratação da empresa responsável, a melhora às condições de vida dos soldados
foi inegável e o Exército foi contemplado com a planta básica que iria utilizar nas
próximas décadas. (MCCANN, 2009, p. 329).
Ao assumir o ministério, sensível à necessidade de alojar os efetivos
convocados, Calógeras visitou quartéis e constatou que muitos se comparavam a
“senzalas imundas”. Além disso, em caso de mobilização, não haveria condições de
alojar os milhares do efetivo adicional. E nisso, o ministro foi apoiado até pela crítica
A Defesa Nacional. (MCCANN, 2009, p. 330).
O modelo das obras seria a Vila Militar, no Distrito Federal, que Hermes da
Fonseca mandara construir. Como duvidava da capacidade da Engenharia do
Exército em dar conta de tão vultoso projeto, providenciou a contratação de
empresas civis, em especial, a Companhia Construtora de Santos. A opção feriu os
117
brios dos engenheiros militares, mas sem dúvida teve bons resultados. (MCCANN,
2009, p. 330).
Foram mais de cem projetos espalhados pelo Brasil, o que já era
impressionante na época. Mas a empreitada também marcou a quebra do costume
de confiar obras públicas a firmas estrangeiras. As obrigações foram pagas com
título da dívida pública, o que diluiu o pagamento em anos, mas elevou o
endividamento do governo. Epitácio Pessoa foi criticado, mas pagou o preço para
solucionar uma situação desesperadora. (MCCANN, 2009, p. 331).
O programa também estabeleceu definitivamente o Exército nos estados de
Minas Gerais e São Paulo. Uma região militar foi criada e destinada totalmente para
Minas Gerais, que ganhou quinze novas unidades. Pode ter parecido que o mineiro
Calógeras queria beneficiar seu estado, mas a decisão também foi fruto da
preocupação do Exército em se posicionar melhor ante uma das forças da República
Velha. São Paulo também foi bem contemplado com doze novas unidades. Diante
disso, ambos os estados providenciaram o aumento de suas forças de segurança.
(MCCANN, 2009, p. 331).
Calógeras queria concluir o programa a tempo de comemorar o centenário da
Independência do Brasil. Mas também queria evitar deixar projetos inacabados para
próximos governos. “É espantoso que 70% do programa estivessem concluídos no
final do governo de Epitácio Pessoa”, em um ano e oito meses. Os atrasos se
deveram à precariedade dos transportes de algumas ermas áreas e ao levante de
1922, que tornou tudo mais complicado. No Rio Grande do Sul, a empresa de
Simonsen concordou em interromper ou adiar as obras, em razão da rebelião
tenentista de 1924. (MCCANN, 2009, p. 332).
Além dos problemas técnicos, a construção precisou enfrentar entraves
políticos causados pelas disputas entre municípios para ser selecionados pelo
Exército. Haveria contribuição para as economias locais. Em alguns lugares, como
em Campo Grande, no Mato Grosso, a rede de abastecimento de água construída
para o quartel foi levada até a cidade, que não a possuía. (MCCANN, 2009, p. 333).
No final, faltando 15 obras das 53 contratadas, com a suspensão de todos os
projetos de construção federal por Artur Bernardes, a companhia de Simonsen
passou o que restava a fazer para ser completado pela Engenharia do Exército.
Depois dos levantes tenentistas, o que restava seria concluído, encerrando o maior
118
programa de construção da República Velha: os “quartéis de Calógeras”. (MCCANN,
2009, p. 334).
119
15 A REVOLUÇÃO DE 30
15.1 AS REVOLTAS TENENTISTAS
A insatisfação das fileiras subalternas do Exército marcara os últimos anos do
Império e inquietara os primeiros anos da República que nascia, até 1904. Depois
disso, as atenções dos Tenentes se voltaram para a ânsia de profissionalizar a
instituição. Entretanto uma nova questão militar, assim como na derrocada do
Império, surgia em 1921, ameaçando a estabilidade da República Velha. O episódio
das cartas falsas em que supostamente o candidato à sucessão presidencial Artur
Bernardes teria ofendido o ex-presidente Hermes da Fonseca, revoltou os oficiais. A
maioria, porém, aceitara as explicações de Bernardes. Mas alguns capitães e
tenentes tiveram reacesa a chama da revolta, diante do insulto às Forças Armadas.
(MCCANN, 2009, p. 336).
Dentre os poucos superiores que se aliaram aos insurgentes, estava a figura
até então legalista do ex-presidente Hermes da Fonseca. Talvez tenha aderido para
recuperar sua reputação, desgastada no seu governo, ou pelo fato de ter sido
influenciado pelos filhos militares. (MCCANN, 2009, p. 337).
É provável que a campanha pelo profissionalismo tenha contribuído para
desencadear o protesto dos Tenentes. A reorganização da Escola Militar,
enfatizando a prática, sob a energia dos oficiais da Missão Indígena, visando a
modernizar e estimular o tradicional Exército, passou esses ensinamentos aos
alunos. As turmas de 1918 e 1919 tiveram programa especial de treinamento e
foram as principais fornecedoras de tenentes rebeldes. Devido ao treinamento
pesado, formou-se uma família, uma união indissolúvel. Ademais, esses tenentes
julgavam-se mais preparados que os outros e essa convicção dava-lhes sentimento
de superioridade e era prejudicial à disciplina. (MCCANN, 2009, p. 337).
Segundo McCann (2009, p. 338), a insatisfação dos Tenentes ganhou um
componente político quando estes perceberam que muitos oficiais superiores
estavam cooptados pela estrutura política e permitiam que o Exército fosse tratado
como uma escora do governo. Além disso, as áreas vizinhas à escola, no Realengo,
foram alvo, nos dois anos em que os oficiais estiveram lá, de greves e
manifestações da classe operária, nas quais por vezes os alunos fizeram patrulhas.
A emergência do catolicismo entre os alunos, sob a inspiração do pároco local,
120
Padre Miguel, colocou muitos alunos em contato coma as mazelas cotidianas da
vizinhança da escola. A presença da Missão Francesa era outro motivo de tensão
entre a oficialidade.
É paradoxal que o desejo de reforma, que fora a causa do envio de oficiais
à Alemanha, da criação da Missão Indígena na escola militar e do convite
aos franceses, também tenha impelido oficiais para a ação política. [...] Os
corpos de oficiais alemães e franceses eram altamente politizados, com
ideias claras sobre a importância de um Exército forte para a saúde política
do Estado. (MCCANN, 2009, p. 339).
Entretanto, apesar de a reforma militar ter importância para os Tenentes, é fato
que eles também queriam mudar a sociedade brasileira. Pensavam que as duas
coisas estavam ligadas e que um Estado mais autoritário, menos liberal, teria
capacidade para intervir na economia e distribuir a riqueza de forma mais justa.
(MCCANN, 2009, p. 339).
Críticos das oligarquias, os tenentes queriam moralizar a vida política
brasileira, pôr fim à corrupção eleitoral. Pregavam o voto secreto e a
reforma do ensino. Ao mesmo tempo, achavam que os militares eram os
únicos capazes de “salvar a pátria”, pois a população era despreparada e
inculta. (ARRUDA; PILETTI, 2004, p. 355).
Uma rebelião quixotesca, que teve seu epicentro no forte de Copacabana,
marcou a aparição do movimento tenentista no cenário nacional, em julho de 1922.
“O catalisador foi a punição que o presidente Epitácio Pessoa impôs ao marechal
Hermes da Fonseca” quando este aconselhou às guarnições de Pernambuco resistir
pacificamente à intervenção federal que fora ordenada naquele estado. A sentença
indignou os Tenentes que viam no Exército o criador da República e nos políticos, os
seus traidores. Além disso, incomodara os oficiais descontentes a escolha de Artur
Bernardes, suposto autor das cartas falsas, como sucessor de Epitácio Pessoa na
presidência. (MCCANN, 2009, p. 339).
Muito dessa insatisfação foi manifestada no âmbito do Clube Militar, o qual
oficialmente repudiaria o levante, que foi fechado por Pessoa no primeiro dia de
julho de 1922. Quatro dias depois, a revolta eclodia sob esses pretextos. (MCCANN,
2009, p. 340).
Várias unidades situadas no Rio de Janeiro levantaram-se, mas a maior parte
da 1ª Divisão de Exército permaneceu leal ao governo e as tropas legalistas,
supervisionadas pelo chefe do Estado-Maior, Setembrino de Carvalho, esmagaram o
movimento. Fogo conduzido pelo capitão Mascarenhas de Morais, da 2ª Bateria do
121
1º Regimento de Artilharia Montada, convenceu os alunos da Escola do Realengo a
não aderir à revolta. (MCCANN, 2009, p. 340).
A revolta pôde ser suprimida a tempo porque houve antecipação dos legalistas
ao desencadeamento pelos Tenentes. Os sargentos de Mascarenhas de Morais, por
exemplo, informaram-no da eclosão do movimento. Além disso, muitos oficiais
receberam informes de adesões e os comandantes puderam prender os envolvidos
antes que estes agissem. No regimento de Mascarenhas, dos tenentes, apenas dois
não se manifestaram contra o governo Pessoa. Os descontentes já saíram da
reunião de oficiais como prisioneiros. (MCCANN, 2009, p. 341).
Esse tipo de drama desenrolou-se em unidades de todo o Exército, e
mostra que já de longa data a “conspiração” estivera presente nas
conversas dos envolvidos, mas não se tivera a precaução de assegurar que
na hora H o pessoal, o equipamento e as unidades necessárias estivessem
a postos. (MCCANN, 2009, p.341).
Além disso, os Tenentes se equivocaram ao achar que não haveria oposição
no Exército. As palavras do tenente Delso Mendes da Fonseca, em reunião dos
conspiradores em 4 de julho, no forte de Copacabana, deixa claro o engano: “Bom,
não vai haver guerra. Não tem combatentes contrários, todo mundo é nosso”. A
sequência dos acontecimentos mostraria que muitos que eram a favor do levante
desapareceram ao primeiro tiro. (MCCANN, 2009, p. 342).
Apesar da supressão ao movimento, a convicção de que mudanças eram
necessárias não arrefeceu. Ademais, as punições aplicadas aos rebeldes
aumentaram as animosidades em vez de cessar os conflitos. E a recusa de anistia
aos envolvidos, por Epitácio Pessoa foi o fator que mais contribuiu para a
continuidade do movimento. E em vez de anistia, no novo governo de Artur
Bernardes, o poder Judiciário enquadrava os rebeldes no código penal, o que
poderia resultar na prisão dos condenados por cinco a vinte anos. (MCCANN, 2009,
p. 342).
Mas no fim de 1922, os Tenentes faziam sondagens da possibilidade de obter
adesões a um movimento mais amplo, aproveitando agitações civis no Rio Grande
do Sul. (MCCANN, 2009, p. 343).
Os indiciamentos pela justiça forçaram os envolvidos a fazer uma escolha. Dos
cinquenta indiciados, havia 22 presos e outros 17 se entregaram. Coube a 11
resolutos homens a deserção e o prosseguimento do levante na clandestinidade.
122
Agora, cabia-lhes apenas a luta armada para chegar ao poder pela derrubada do
governo e dos líderes do Exército. (MCCANN, 2009, p. 344).
Os Tenentes precisavam naquele momento, nas palavras de Eduardo Gomes,
de “algo que reacendesse as paixões e de uma certa segurança, no sentido de
saber com quem contar”. Mas precisavam também de um líder, algum oficial com
liberdade para se deslocar. E isso excluía qualquer envolvido de 1922. Teria de ser
reconhecido e respeitado, tanto por rebeldes quanto por civis, de quem deveria obter
apoio. Foram encontrar o coronel Isidoro Dias Lopes, que fora reformado como
general-de-brigada. Gaúcho, ele lutara a Revolta Federalista de 1893, deixando o
Exército e sendo chefe do estado-maior do caudilho Gumercindo Saraiva. Os
Tenentes consideraram que ele mostrara seu valor na revolta e recentemente
inclinara-se a conspirar com Nilo Peçanha, contra o presidente Bernardes.
(MCCANN, 2009, p. 344).
O desejo dos tenentes de ter como líder um oficial superior ia além do
respeito pela hierarquia. Havia [...] um importante raciocínio realista, prático
e operacional. Um líder respeitado atrairia, seja por subordinação seja por
camaradagem, seja pelo mero exemplo, outros oficiais para a causa.
(MCCANN, 2009, p.345).
Os Tenentes buscavam transformar seu isolamento no Exército em uma causa
coletiva e institucional. Assim, eles tentariam, em vão, trazer para o movimento o
comandante da 2ª Região Militar, general Abílio de Noronha, em 1924. Essa busca
também explica porque aceitariam a liderança do tenente-coronel Pedro Aurélio de
Góes Monteiro, em 1930, que até então, era legalista. (MCCANN, 2009, p. 345).
Isidoro Dias Lopes deixou de lado a hesitação e aderiu à causa, em 1924, ao
visitar quartéis no Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo e constatar o ânimo dos
oficiais para a revolta. Enquanto isso, o movimento se articulava. Os irmãos Távora,
incógnitos, passaram por unidades nos estados do Sul e Sudeste. Mensagens eram
trocadas entre os presos e os que trabalhavam. Feita a sondagem, os rebeldes
levantaram as unidades que adeririam, as que apoiariam, as que ficariam neutras e
as que se oporiam. Visavam a desencadear rebeliões simultâneas para dificultar a
reação do governo. (MCCANN, 2009, p. 345).
O mais conhecido oficial de médio escalão da época por sua atuação na revista
A Defesa Nacional, o major Bertoldo Klinger, não aderiu à revolta, com o seu
regimento de artilharia em Itu, porque estava convicto de que não havia material
bélico e pessoal suficiente para a vitória. Apesar da negativa, Klinger era um
123
contumaz crítico das políticas militares do governo e foi constantemente procurado
pelos Tenentes. “De fato, em determinado momento, ele concordou em assumir um
papel de liderança na organização do estado-maior rebelde”. (MCCANN, 2009, p.
346).
Para que o movimento tomasse o poder, seria necessário controlar o Rio de
Janeiro. Mas a constante vigilância da polícia sobre greves trabalhistas e
manifestações tornava a conspiração mais perigosa naquela cidade. Como não
teriam um número de unidades suficientes para dominar o Exército, os líderes
tenentistas passaram a ver São Paulo como alvo útil. Lá havia rebeldes escondidos
no anonimato e São Paulo apoiara, com seu braço forte, a reação do governo contra
o movimento de 1922 e a intenção era acabar com esse apoio, no início do levante.
As lideranças rebeldes pensavam que, dominando São Paulo e com as unidades
que apoiaram rebeladas, dominariam os acessos ao Rio de Janeiro pelo vale do
Paraíba e isolariam a capital federal. (MCCANN, 2009, p. 346).
Mas as lideranças tiveram dificuldade em marcar a data do levante. Várias
foram marcadas, entre março e junho de 1924, mas passavam sem que algo
ocorresse, na espera de obter adesões de unidades que não estavam garantidas. A
morte do ex-presidente e aliado civil Nilo Peçanha entristeceu os rebeldes. E a
retirada de Klinger do movimento desencorajou a participação de oficiais de São
Paulo e de estados do Sul. (MCCANN, 2009, p. 347).
A atuação do comandante da 2ª Região Militar, general Noronha, foi decisiva
para conter a rebelião. Ao ouvir rumores, o general exigiu compromisso de lealdade
de seus comandantes de unidade e, em 26 de junho, pediu a Setembrino o
afastamento de dois comandantes, do 2º Grupo de Artilharia e do 5º Batalhão de
Cavalaria, pelos indícios de envolvimento. Isso alertou as autoridades estaduais do
Rio de Janeiro e São Paulo. “Em desespero, no final de junho, escolheu-se o 5 de
julho, tão rico do simbolismo da revolta do forte de Copacabana dois anos antes.
Eles tinham de agir enquanto ainda pudessem”. (MCCANN, 2009, p. 347).
15.2 A REVOLTA DOS TENENTES EM SÃO PAULO
Koshiba e Pereira (2003, p. 413) afirmam que a revolta em São Paulo “era a
continuação dos 18 do Forte, agora em maior escala [junto com o levante do Rio
Grande do Sul]: o tenentismo entrava em fase ascendente”.
124
Segundo Segatto (1996):
Nesses 23 dias de guerra, São Paulo praticamente parou. Os bondes
deixaram de circular, o comércio fechou, as fábricas não funcionaram, a
energia elétrica foi interrompida, a população escondeu-se ou fugiu. O medo
e a confusão espalharam-se por toda parte. Começaram as invasões de
armazéns e depósitos. [...] Chegou-se a criar uma milícia para evitar as
pilhagens. (apud ARRUDA; PILETTI, 2004, p. 356).
A revolta começou em São Paulo, como planejado, no dia 5 de julho de 1924.
Cinco capitães, dentre eles os irmãos Joaquim e Juarez Távora e Newton Estillac
Leal, tomaram o 4º Batalhão de Cavalaria, na capital paulista. Com oitenta soldados
armados, mais os da Força Pública, liderados pelo major Miguel Costa, fizeram do
quartel da Polícia o posto de comando revolucionário do general Isidoro Dias Lopes.
Tentaram em vão tomar o palácio do governo do estado. Os rebeldes também
tomaram delegacias, o prédio dos telégrafos e as estações ferroviárias. Mas
precisavam controlar a cidade, conseguir adesões de unidades indecisas e depois
seguir em direção ao Rio de Janeiro. (MCCANN, 2009, p. 348).
Diante do impasse, Isidoro decidiu que a força rebelde abandonaria a cidade
antes de ficar cercada. Depois de resistir, Miguel Lopes concordou com o chefe do
movimento e escreveu ao governador oferecendo rendição em troca de anistia. Mas
o outro lado estava mais nervoso e, amanhecendo o dia 9 de julho, as forças do
governador abandonaram a cidade e a carta não lhe foi entregue. A ordem de
Isidoro foi, então, revogada. (MCCANN, 2009, p. 348).
Mas para os rebeldes foi difícil lidar com uma cidade tão grande e logo os
problemas começaram. Houve saques, insegurança pública, desemprego pelo
fechamento de fábricas e a inevitável perda de popularidade da causa rebelde. A
Associação Comercial protestou e o general Isidoro procurou restabelecer a ordem
com a formação de uma força civil. (MCCANN, 2009, p. 348).
Ao saber do levante em São Paulo, o ministro Setembrino dera ordem ao
comandante da 1ª Região Militar, general Eduardo Sócrates, para bloquear os
acessos ao Rio de Janeiro. Mas o general Sócrates fez mais. Avançou até Mogi das
Cruzes, vizinha à cidade de São Paulo e instalou seu posto de comando na cidade
fluminense de Barra do Piraí. Assim, os rebeldes estavam impedidos de ir para o
Leste. Ao mesmo tempo, o couraçado Minas Gerais fechou o porto de Santos. O
veterano do Contestado, agora coronel Tertuliano Potyguara recebeu a missão de
tomar a ferrovia de São Paulo, cortando o acesso rebelde a Campinas. Batalhões
125
patrióticos civis, que incluíam nos líderes o próximo presidente, Washington Luís, e o
futuro candidato Júlio Prestes, barraram o acesso para Curitiba. Os revoltosos
estavam cercados. (MCCANN, 2009, p. 349).
No dia 12 de julho, o general Sócrates ordenou o bombardeio a São Paulo.
Houve centenas de baixas civis e a população pôs-se em fuga. O arcebispo e
líderes civis de São Paulo tentaram convencer o presidente Bernardes e o general
Isidoro a não empregar a artilharia, o que foi negado pelo presidente. Setembrino
sugeriu que os rebeldes saíssem da cidade e fossem a campo combater. Além da
Artilharia, em 22 de julho, aviões do Exército também bombardearam a castigada
cidade. (MCCANN, 2009, p. 349).
As vítimas civis chegavam a quinhentas. A Santa Casa estava cheia de feridos
e nos cemitérios grassavam cadáveres. Poucas eram as perdas do lado rebelde.
Mas uma foi muito significativa: o capitão Joaquim Távora, “a cabeça e o coração do
movimento tenentista”. (MCCANN, 2009, p. 350).
Outras revoltas eclodiram, no dia 12, em Aracaju e Bela Vista e no dia 23 em
Manaus, e foram rapidamente reprimidas pela determinação do governo e dos
batalhões patrióticos liderados por caudilhos locais. Mas não chegaram ao
conhecimento dos Tenentes em São Paulo, pois as linhas de comunicação foram
cortadas de início. (MCCANN, 2009, p. 350).
Em Manaus, tentou-se estabelecer uma comuna, ou seja, uma cidade
emancipada. As lideranças, que incluíam civis, tentaram assegura a posse do forte
de Óbidos, rio abaixo, e adotaram medidas socioeconômicas, como cobranças de
impostos dos mais ricos para distribuir aos pobres. Quebraram o monopólio de
alimentos e o abatedouro e o mercado, que pertenciam a ingleses que tiveram de
pagar impostos que as empresas tinham em atraso. (MCCANN, 2009, p. 351).
Em Sergipe, a reação do governo veio por terra e pôs fim ao domínio tenentista
que durou três semanas. Em Manaus a resistência durou trinta dias, após os quais
os rebeldes da comuna abandonaram a cidade, com a eminente chegada de uma
expedição comandada pelo general João de Deus Mena Barreto. (MCCANN, 2009,
p. 351).
Em São Paulo, em 26 de julho, aviões federais lançaram panfletos incentivando
a população a abandonar a cidade para liberar o ataque às forças rebeldes. Em
pânico, a população encheu as estradas em busca de refúgio. Outros 200 mil civis
126
evadiram-se nas três semanas anteriores, mas a cidade ainda tinha mais de 400 mil.
(MCCANN, 2009, p. 351).
Em determinado momento pareceu que Setembrino e Sócrates deixavam de
lado o treinamento francês e queriam usar os velhos métodos de Canudos e do
Contestado. Mas antes que isso acontecesse, os rebeldes perceberam que seriam
aniquilados e retiraram-se muito discretamente para o Mato Grosso, de trem, em 27
de julho. Deixaram a artilharia atirando até que o último trem partisse, ludibriando as
forças federais. (MCCANN, 2009, p. 351).
Mas os rebelados em fuga encontraram a rota para o Mato Grosso bloqueada
e, em batalha sangrenta, perderam Três Lagoas, no Mato Grosso, cuja posse era
capital para controla o lado oeste do rio Paraná. Com isso, desceram o rio até Foz
do Iguaçu e lá montaram sua resistência. (MCCANN, 2009, p. 352).
Essas forças seriam reforçadas por outras vindas do Rio Grande do Sul,
formando a Coluna Miguel Costa – Prestes, que vagaria por 25 mil quilômetros e
treze estados brasileiros, até o início de 1927. (MCCANN, 2009, p. 352).
No Rio Grande do Sul, em outubro de 1924, quatro guarnições se rebelaram:
Santo Ângelo, São Borja, São Luís e Uruguaiana. Juntaram-se às forças do
“general” Honório Lemes, insatisfeitas com os desdobramentos da guerra civil de
1923 naquele estado. (MCCANN, 2009, p. 352).
A tropa gaúcha, muito pitoresca em suas vistosas fardas regionais e armas
antiquadas, foi, porém, pouco eficaz no combate às forças federais,
estaduais e provisórias enviadas para combatê-la. (MCCANN, 2009, p.352).
No início de 1925, a coluna de 2 mil homens comandada pelo capitão Luís
Carlos Prestes, que marchava para juntar-se aos rebeldes de Isidoro, estava
minguando pelas deserções. Mas as tropas federais a comando do general Rondon,
que a esperava no Paraná e em Santa Catarina, tinha 12 mil homens. Ao chegar a
Foz do Iguaçu, depois de muito esforço, com 800 homens, Prestes soube que
Isidoro havia desistido, assim como muitos rebeldes, e exilara-se na Argentina.
(MCCANN, 2009, p. 352).
Miguel Costa e Prestes dominaram o que restou dos rebeldes e surpreenderam
Rondon atravessando o rio e entrando no Paraguai para chegar ao Mato Grosso. A
partir daí, a coluna se autodeterminou como uma “manifestação de protesto armada”
que, itinerante, serviria para chamar à ação contra o “abominado Bernardes”. A nova
127
proposta era continuar vivos e passar a impressão de invencibilidade. (MCCANN,
2009, p. 353).
O Exército demonstrou pouca disposição para combater a coluna que era
integrada por alguns de seus melhores oficiais, apesar dos muitos soldados
empregados para tal. A conduta era “deixar passar”, porque muitos oficiais, em
especial os de baixa e média patente, concordavam com os rebeldes. Mas um
episódio contrariou essa regra: o major Joaquim de Souza Reis, considerado um dos
maiores pensadores do Estado-Maior e fundador de A Defesa Nacional, suicidou-se
por sentir-se humilhado quando retirado do seu posto, por não ter conseguido
suprimir a rebelião. (MCCANN, 2009, p. 353).
O Exército Brasileiro estava desmoronando lentamente como instituição e
como força combatente. Seria necessária grande parte da década de 1930
para reconstruí-lo. O elenco de combatentes de ambos os lados incluiu
muitos dos principais atores da política militar que moldou o Brasil entre a
Revolução de 30 e o golpe militar de 1964. (MCCANN, 2009, p.353).
A repressão pelo país foi forte. Houve detenções, espancamentos e torturas,
principalmente em São Paulo. Alguns desapareceram, outros foram executados
abertamente. Policiais paulistas lucraram com a extorsão de pessoas abastadas que
eram presas. Quem tinha influência ou dinheiro conseguia a liberdade. A revolta
afastou ainda mais os brasileiros do serviço militar e levou muitos a questionar a
manutenção de um Exército composto por rebeldes. (MCCANN, 2009, p. 354).
O prestígio perdido pelo Exército se transferia para as forças estaduais e civis,
que agora eram pagas pelo governo. A resistência da sociedade ao serviço militar
era passiva, mas tinha êxito. “As revoltas tenentistas solaparam o Exército e a
autoridade moral do governo central”. Tasso Fragoso tentava manter as aparências
ao destacar “a experiência de campanha obtida na supressão da rebelião como um
bom preparo contra uma guerra com estrangeiros”. (MCCANN, 2009, p. 355).
15.3 A ASCENSÃO DE GÓES MONTEIRO
A fraqueza das relações do Exército brasileiro com o sistema político seria mais
uma vez revelada com a adesão de alguns oficiais que combateram a Coluna à
causa tenentista. Em pouco tempo, esses homens fariam a Revolução de 1930.
Dentre eles destacava-se Pedro Aurélio de Góes Monteiro. (MCCANN, 2009, p.
356).
128
A ascensão de Góes Monteiro na carreira foi rápida. Passou de tenente em
1923 a tenente-coronel em 1928. Seria o chefe do estado-maior dos revolucionários
de 1930 e chegaria a ministro da Guerra em 1934. “Mais do que qualquer outro,
reconstruiria o Exército no fim dos anos 30 e poria a instituição no rumo cada vez
mais intervencionista trilhado nas décadas seguintes”. (MCCANN, 2009, p. 356).
Góes era alagoano, mas sua longa permanência no Rio Grande do Sul
identificou-o com os gaúchos. Nasceu no mês seguinte à proclamação da República.
Em busca de ensino gratuito, cursou o Realengo a partir de 1903. Foi impedido, em
1904, pelo general Hermes, comandante da escola, de participar da revolta de 1904.
Assim, ele foi cursar a Escola de Guerra de Porto Alegre. Na capital gaúcha, cruzou
o caminho de pessoas que teriam papéis importantes na sua vida e na do país.
(MCCANN, 2009, p. 356).
Nas explosivas eleições do governo gaúcho, em 1906, juntou a estudantes de
direito liderados por Getúlio Vargas e escreveu artigos militares para o jornal do
grupo. Teve nesse período amigos comuns com o futuro presidente e, apesar de
não terem se conhecido antes, suas vidas seguiriam entrelaçadas, sendo Góes o
comandante das forças revolucionárias de 1930 e tendo papel decisivo no
estabelecimento da ditadura do Estado Novo em 1937, na deposição de Vargas em
1945 e chefiando o Estado-Maior das Forças Armadas no governo de Vargas na
década de 1950. (MCCANN, 2009, p. 356).
Como aspirante, em 1910, foi comandado por Setembrino de Carvalho num
batalhão ferroviário. Serviu em unidades de cavalaria no Rio Grande do Sul, até
1916, casando-se com uma gaúcha do Alegrete. Nos dois anos seguintes,
frequentou um curso de engenharia no Rio de Janeiro, ocasião na qual absorveu
ideias que os jovens turcos publicavam em A Defesa Nacional. Em 1918 retornou
para o Rio Grande do Sul. A família de sua esposa apresentou-lhe a um jovem
advogado que tinha escritório no Alegrete e era sócio e amigo de Getúlio Vargas.
Era Osvaldo Aranha, futuro coordenador civil da Revolução de 30. (MCCANN, 2009,
p. 357).
Em 1921, Góes Monteiro retornou ao Rio de Janeiro para cursar a Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais, criada no contexto da Missão Francesa. Logo depois,
frequentou a Escola de Estado-Maior, onde estava quando eclodiu a revolta de
1922, na qual apoiou o governo, apesar de estar à margem dos fatos, na situação de
aluno. Góes impressionou os franceses com seu desempenho. Por isso, durante a
129
guerra civil no Rio Grande do Sul, em 1923, foi incumbido de elaborar um plano de
defesa do governo estadual. Promovido a capitão, foi mandado para Santos, em
1924, a fim de colaborar na organização das forças federais, depois que os
Tenentes tomaram São Paulo. Deixou clara sua contrariedade na decisão do
comando de bombardear a cidade. Terminada a crise, foi lecionar na Escola de
Estado-Maior. (MCCANN, 2009, p. 357).
Em 1925, quando viajava de férias no Rio Grande do Sul, foi incumbido de
chefiar o estado-maior do destacamento do coronel Álvaro Guilherme Mariante, no
contexto das forças que, no Paraná, sob o comando de Rondon, atuariam contra a
Coluna Miguel Costa – Prestes. Depois de breve tempo no Mato Grosso, no estadomaior do general Malan d’Angrogne, esteve por dois meses lecionando no Rio de
Janeiro e foi mandado para o Triângulo Mineiro, para compor as forças que
tentavam bloquear o avanço rebelde. (MCCANN, 2009, p. 358).
O agora general Mariante levou Góes para a Bahia, novamente como chefe do
estado-maior, buscando encurralar a coluna rebelde. Góes organizou grupos de
caça com fazendeiros e jagunços que perseguiram os rebeldes por vários estados,
não conseguindo detê-los. Quando, em março de 1927, a Coluna pôs-se a salvo na
Bolívia, o então major Góes Monteiro voltou a lecionar no Rio de Janeiro. (MCCANN,
2009, p. 358).
Ainda em 1927, o general Mariante, novo diretor de Aviação do Exército,
chamou Góes para chefiar seu estado-maior. Em outubro do ano seguinte, depois
de dois anos como major, foi promovido a tenente-coronel. Com essa rápida
ascensão entre oficial intermediário e superior, Góes ganhou possibilidades reais de
exercer influência. (MCCANN, 2009, p. 358).
A influência francesa reforçara sua autoconfiança e fornecera uma doutrina que
o inspirava a pensar, escrever e falar sobre o Exército e suas mazelas. Para ele, o
Exército estava no cerne dos problemas e das soluções nacionais. Atribuía à
conjuntura política a condição do Exército naquele momento. Criticava a vida na
caserna e irritava os oficiais mais antigos. Com o governo, em suas atitudes para
com
o
Exército,
era
mais
contundente,
afirmando
que
o
presidente,
deliberadamente, mantinha a instituição ineficiente. (MCCANN, 2009, p. 358).
Nesse contexto, transparecia a observadores que ao Exército não interessava
destruir a Coluna Prestes porque isso acarretaria no fim do duplo soldo pago a quem
estava em campanha. Mas as elites não mais acreditavam que o Exército poderia
130
defender a República Velha e reforçaram suas forças de segurança visando à
sobrevivência do sistema. Para Góes, essas forças estaduais e os seus batalhões
patrióticos compensavam a “força que faltava ao Exército” que, junto com a Marinha,
não conseguia cumprir a sua missão constitucional. (MCCANN, 2009, p. 358).
Góes também se preocupava com a hipótese de uma invasão argentina e não
acreditava que o sistema vigente seria capaz de prover a defesa ante o inimigo
externo. E afirmava serem necessários planos para confrontar esse inimigo mais
provável, que envolvessem toda a nação, da qual o Exército era uma parte de um
todo. Ele temia que, se não fossem tomadas providências, o Brasil se desintegraria
e avisou que a ”revolta era um aviso do que poderia acontecer se o país fosse
invadido”. E criticou seus colegas do destacamento Mariante, que se mostravam
desinteressados pela doutrina militar e pelo autoaperfeiçoamento. (MCCANN, 2009,
p. 359).
Góes preconizava um novo sistema de promoções que estimulasse os
oficiais a aperfeiçoar-se continuamente. Ele considerava uma “voz clamante
fora do deserto” a mensagem de que as Forças Armadas brasileiras “pouco
significam como valor militar”. (MCCANN, 2009, p. 360).
15.4 A REVOLUÇÃO AVANÇA
Com o crash da Bolsa de Nova York em 1929 veio a derrocada [do café]: os
Estados Unidos diminuíram as importações e o preço do café caiu em mais
de 30%; o crédito externo foi suspenso; as dívidas tiveram de ser
liquidadas. (ARRUDA; PILETTI, 2004, p. 356).
Habituados à velha política de valorização do café, os fazendeiros exigiram
do governo central medidas imediatas para solucionar a crise. O presidente
Washington Luís [...] recusou-se a atendê-los. Por isso, muitos cafeicultores
passaram a lhe fazer oposição. (ARRUDA; PILETTI, 2004, p. 357).
Havia uma crítica nos veículos de imprensa de que o governo Washington Luís
estaria entregando o país nas mãos de nações imperialistas. Falavam dos Estados
Unidos e da Europa, a quem não culpavam por acharem que faziam o que qualquer
país faria. E atribuíam o principal inimigo aos maus governos. Tachavam o
presidente de “maior inimigo”. Os jornais também criticavam o Exército e a Missão
Francesa, que não teria trazido resultados. “Coletivamente, editoriais e matérias
nessa linha apontavam para a revolução como solução”. (MCCANN, 2009, p. 360).
Aos insatisfeitos, somaram-se os mineiros. Estavam descontentes com a
escolha de um candidato paulista para suceder Washington Luís – era Júlio Prestes.
131
Para eles, de acordo com a “Política dos Governadores”, o próximo presidente
deveria ser de Minas Gerais. E no início de 1929, os mineiros se juntaram aos seus
congêneres gaúchos e nasceu a Aliança Liberal. Nela, debateram sobre contestar a
escolha paulista. Para consolidar o apoio dos gaúchos, os mineiros propuseram-lhes
que o candidato da Aliança fosse o presidente do seu estado, Getúlio Vargas. E
também se aventou a possibilidade de uma rebelião no caso de derrota, que era
muito provável, pois a contagem dos votos cabia ao governo. (MCCANN, 2009, p.
361).
A frase de Antônio Carlos “Façamos a revolução antes que o povo a faça”
ajuda a explicar a Revolução de 1930. Foi um movimento das oligarquias
que não se beneficiavam com a política do café-com-leite, como a do Rio
Grande do Sul, com o apoio de setores sociais cansados da velha e
corrupta República, tal como os tenentes e as classes médias urbanas.
Essa parcela da oligarquia que se revoltava queria acabar com o domínio
da elite paulista, mas temia que a mobilização popular levasse ao poder
grupos mais radicais. (ARRUDA; PILETTI, 2004, p. 357).
Os oficiais do Exército, por sua vez, não aderiram em grande número essa
ideia, pois o governo atual apenas mantinha a recusa de anistia aos rebeldes, como
fizera o anterior. Mas “os acontecimentos subsequentes revelariam que poucos
oficiais importavam-se suficientemente com o governo para defendê-lo com a vida”.
(MCCANN, 2009, p. 361).
Mesmo os Tenentes mostraram-se resistentes em aderir. Alguns hostilizaram a
ideia de conspirar com civis, alguns contra os quais tinham lutado antes. Coube a
Osvaldo Aranha persuadi-los de que seria melhor do que ficar isolados. Uma
geração mais nova de tenentes, em sua minoria, porém, aderiu prontamente. E o
próprio governo se incumbiu de espalhar esses oficiais pelas guarnições, onde
difundiriam a conspiração. E oficiais em grande número foram convencidos ou
neutralizados, tornando o movimento irresistível. (MCCANN, 2009, p. 361).
Mas os oficiais do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, desencantados com
o governo e o sistema vigente, apoiaram e atuaram abertamente pela candidatura
de Vargas. Muitos oficiais foram movidos pela opinião da maioria ou pela amizade. E
quando o governo procurou controlar essas atividades, as tensões aumentaram.
(MCCANN, 2009, p. 361).
O comando do Exército considerava que uma rebelião teria suas origens no
Rio Grande do Sul. Passou a enviar para lá oficiais de confiança. Porém, quando
Góes Monteiro foi nomeado pelo ministro Nestor Sezefredo dos Passos para
132
comandar o 3º Regimento de Cavalaria Independente, em São Luís das Missões,
sentiu-se desprestigiado, por se tratar, no seu ver, da pior guarnição gaúcha e
naquele estado estavam muitos dos seus inimigos, incluindo o comandante regional,
general Gil Antônio Dias de Almeida. Talvez estivesse sendo testado em sua
lealdade ou estavam tirando-o do capital federal onde havia muitos apoiadores da
candidatura de Vargas. E o próprio Góes já fora fotografado com políticos da
oposição. O mais provável, porém, é que Nestor tivesse em Góes um oficial
competente e leal, que combatera a Coluna Miguel Costa – Prestes, além de
conhecer o Rio Grande do Sul e ter capacidade de controlar os arredores da terra
natal de Vargas. (MCCANN, 2009, p. 362).
Mas Góes irritou-se e comentou com um amigo: “Não me importa. Mas eles
pagarão caro!” A caminho de São Luís, esteve com seu irmão em Rio Grande, o
capitão Cícero Augusto, conspirador que lhe passou o resumo da situação. Em
Porto Alegre, Osvaldo Aranha arquitetou uma pressão familiar para convencer Góes
a aderir à conspiração. Ao sondá-lo a respeito, Aranha ouviu uma resposta legalista.
Mas Góes estava em dúvida entre a lealdade ao Exército e ao regime ou arriscar a
vida e a carreira e acabaria cedendo. (MCCANN, 2009, p. 362).
A criação do comando da revolução foi complicada, pois reuniu oficiais que
antes estiveram em lados opostos. Em certa medida à revelia, Góes encabeçou o
comando à revelia. Fora tratado que o comando seria oferecido ao coronel Estevão
Leitão de Carvalho, de Passo Fundo, e ao coronel Euclídes Figueiredo, do Alegrete.
Seria dito a Leitão de Carvalho que Figueiredo e Góes aceitariam sua liderança.
(MCCANN, 2009, p. 363).
Aos Tenentes devia ser complicado subordinar-se a um oficial que lutara contra
eles. Mas já estavam comprometidos com a Aliança Liberal, com políticos contra os
quais se haviam insurgido. Mas era fundamental unir-se aos civis para não repetir os
insucessos anteriores. Para amenizar as diferenças, a Aliança Liberal incluiu em seu
programa algumas reivindicações dos Tenentes: voto secreto, melhores leis
eleitorais, atenção a problemas sociais e, especialmente, suas anistias. Os civis
queriam absorver a aura tenentista. Prestes, por sua vez, exilado em Buenos Aires,
chegou a conversar com Aranha, mas já havia enveredado para o socialismo e, em
maio de 1930, rompeu com a Aliança Liberal, taxando-a de burguesa. A saída de
Prestes deixou os Tenentes sem rumo e sem força na Aliança, cujo controle pendeu
totalmente para os políticos. (MCCANN, 2009, p. 363).
133
Como se esperava, Júlio Prestes venceu as eleições e o projeto da Aliança
Liberal foi dissipado. Mas um fato o reviveria: o assassinato de João Pessoa,
presidente da Paraíba e candidato à vice-presidência na chapa de Vargas.
(MCCANN, 2009, p. 364).
No intervalo entre a eleição de Júlio Prestes e o assassinato de Pessoa, Góes
mantivera o ardor revolucionário. Declarou a Aranha que tinha um projeto de
regeneração do Brasil, que esperaria o tempo que fosse preciso e que prosseguiria
mesmo sem o seu apoio, fundando uma sociedade secreta no Exército. (MCCANN,
2009, p. 364).
Mas o quartel de Góes, no interior, não era um bom lugar para manter os
contatos com os conspiradores da capital gaúcha. E o comandante da região
suspeitava que ele estivesse tramando algo. Portanto, era preciso encobrir os
movimentos, com cautela. (MCCANN, 2009, p. 364).
O líder mineiro, Antônio Carlos, vacilava em assumir a responsabilidade de
uma revolta. Assim, os conspiradores só poderiam agir depois que o novo
governador, Olegário Maciel, tomasse posse, em 7 de setembro e, como chefe do
governo tivesse poder para empregar as forças estaduais. (MCCANN, 2009, p. 364).
Era início de setembro. No Sul, Góes permanecera em seu posto no interior
desde seu último encontro com Aranha, em junho. Mas era preciso ir a Porto Alegre.
Para não despertar suspeitas do comandante regional, Góes e seu cunhado, que
era médico passaram a comunicar-se por telegrama simulando uma moléstia de sua
esposa Conceição, que se prestou ao papel. O governo interceptou os telegramas,
mas não os decifrou. Ao mesmo tempo, a inteligência revolucionária conseguia
interceptar as ligações radiofônicas e telegramas entre o comando em Porto Alegre
e o Rio de Janeiro. (MCCANN, 2009, p. 364).
Já na viagem de trem à capital, Góes encontrou conspiradores civis e militares
em diversas estações. Apesar disso, preservava uma fachada legalista, o lhe dava
um tom irônico em muitas conversas. Em almoço oferecido por seu amigo legalista,
major Eduardo Guedes Alcoforado, na estação ferroviária de Crua Alta, Góes
perguntou ao comandante do posto, tenente-coronel Mascarenhas de Morais, se
tinha alguma mensagem para o comandante regional. Mascarenhas ingenuamente
respondeu-lhe que na guarnição tinha tudo sob controle, a respeito de conspirações.
Já em Porto Alegre, Góes podia reunir-se com os conspiradores sem despertar
134
suspeitas e repassar os detalhes das operações militares que envolveriam a
insurreição programada. (MCCANN, 2009, p. 365).
Os legalistas a essa altura viam vários sinais de rebelião no ar. Movimentos
estranhos ocorriam nas unidades da Brigada Militar, da Guarda Nacional e em
batalhões provisórios. No interior, armas e munições desapareciam dos depósitos do
Exército sem esclarecimentos. Com os rumores, as guarnições estavam em alerta.
Sentindo a proximidade do levante, o general Gil solicitou ao ministro da Guerra
autorização para concentrar suas tropas no interior, diminuindo sua exposição e
vedando o acesso a oficiais e sargentos simpatizantes. Mas o general Nestor achou
que não era preciso e disse que a paz reinava em todo o Brasil e que o perigo da
revolução passara. (MCCANN, 2009, p. 365).
O manifesto destinado ao “Soldado Rio-grandense” e distribuído em 23 de
setembro deixou todos com os nervos à flor da pele. Os soldados por sua vez
estavam cada vez mais dispostos a atender aos apelos revolucionários. (MCCANN,
2009, p. 366).
No Rio de Janeiro, o ministro da Guerra, general Nestor, concentrara tantas
atribuições em seu gabinete que ficara à margem de muitas informações que o
Estado-Maior
normalmente
processava.
Para
piorar
sua
situação,
Nestor
indispusera-se com generais que contavam com muitos seguidores na oficialidade:
Tasso Fragoso, Mena Barreto, Andrade Neves e Malan d’Angrogne, a quem os
conspiradores normalmente apelavam. (MCCANN, 2009, p. 366).
Em 12 de setembro, o deputado federal gaúcho Lindolpho Collor foi à capital
federal para pedir apoio aos generais. E o fez com muito tato. Escolheu Tasso
Fragoso, a quem apelou à consideração pelo estado gaúcho, e evitando convidá-lo a
juntar-se à causa revolucionária, disse-lhe estar informando-lhe e alertando dos
planos em curso. Diante dessa mostra de confiança, Tasso manteve postura
legalista, mas respondeu que se a revolução tivesse alcance nacional, romperia com
a neutralidade e agiria com patriotismo, na hora certa. (MCCANN, 2009, p. 367).
Enquanto isso, na capital federal, a polícia tinha dificuldades em impedir
encontros conspiradores. Não podia usar a violência que aplicava ao povo contra a
elite. Além disso, Washington Luís não cria ser possível a revolução e rejeitava os
informes que lhes traziam. E com tudo isso, a balança pendeu favoravelmente para
o lado revolucionário. (MCCANN, 2009, p. 367).
135
Para os oficiais que aderiram à revolução, havia consenso com os tenentistas
de que a panelinha paulista controlava a política em benefício próprio. Havia
também o temor de que a crise econômica estivesse tornando o comunismo uma
opção para as massas ignorantes. A situação militar deprimia muitos e a frágil
estrutura disciplinar facilmente seria rompida. A revolução, para essa parcela do
corpo de oficiais, seria “o veículo da regeneração nacional” e o Exército teria papel
importante. Mas os oficiais também viam que era importante manter a instituição
longe da política partidária. Para os oficiais, havia três opções: aderir à causa
revolucionária, permanecer na neutralidade ou simular alguma resistência. O fato é
que ninguém estava disposto a dar a vida pelo governo de Washington Luís.
(MCCANN, 2009, p. 367).
No final de agosto, Góes redigira planos para uma reforma política
destinada a criar um estado autoritário que “regenerasse” o Brasil. Em vez
de aceitar a fragmentação e o colapso do país, ele propunha a unificação
pela força. (MCCANN, 2009, p. 367).
Os Tenentes e os políticos da Aliança estavam recebendo de Góes Monteiro
mais do haviam pedido daquele oficial que, antes do fim da década que se iniciava,
teria remodelado o Exército e sua doutrina política. (MCCANN, 2009, p. 368).
Góes possuía um talento natural para expressar ideias que estivessem latentes
no pensamento da oficialidade que queria mudar o país, mas era contrária a
levantes populares e não acreditava na capacidade das elites de fazê-la. A ideia era
fazer uma revolução militar na qual houvesse pouco ou nenhum envolvimento do
povo. (MCCANN, 2009, p. 368).
É notável que Góes tenha conseguido fazer com que as coisas ocorressem
como havia planejado. Manteve seu papel de chefe do estado-maior revolucionário
oculto de seus superiores e de não simpatizantes. Nos momentos que antecedeu a
Revolução, chegou a Porto Alegre simulando uma necessidade familiar e montou
um posto de comando secreto, que funcionava nas madrugadas. Tudo foi muito
facilitado pela rede de informantes de Osvaldo Aranha. (MCCANN, 2009, p. 368).
O levante deveria ocorrer ao mesmo tempo em todo o Brasil, em 3 de outubro
de 1930. Mas as deficiências nas comunicações, já conhecidas de outros levantes,
retardaram a ação para 4 de outubro no Nordeste. Mas a chave do sucesso estava
no êxito no Rio Grande do Sul. (MCCANN, 2009, p. 368).
136
Mas era necessária a adesão ou neutralização dos 14 mil soldados federais
lotados naquele estado. Sem isso, os rebeldes não poderiam sair do Rio Grande do
Sul. O ataque foi marcado para a hora do jantar de sexta-feira, 3 de outubro.
Terminada a semana a maioria dos oficiais já teria ido para casa e os soldados
aquartelados estariam jantando. Por vários dias que antecederam o ataque, a polícia
da Guarda Civil gaúcha vinha fazendo a troca de seus efetivos no centro da cidade
com marchas em fila dupla, para acostumar a tropa federal a ver aquele movimento
e não despertar suspeita de uma mudança de ação para um ataque surpresa.
(MCCANN, 2009, p. 369).
Em 3 de outubro de 1930, toda a oposição se uniu e um movimento militar
teve início no Rio Grande do Sul, enquanto a rebelião começava no
Nordeste, sob a liderança de Juarez Távora. Washington Luís nada pôde
fazer em virtude de seu isolamento. O próprio estado de São Paulo não
estava coeso em torno dele. [...] A perspectiva de resistência contra as
tropas do Sul, sob o comando do tenente-coronel Góes Monteiro, era nula.
(KOSHIBA; PEREIRA, 2003, p. 416).
Na data marcada, às 17:30 horas,
a tropa atacante da polícia mudou
subitamente o deslocamento em direção à entrada do quartel-general. Havia
trincheiras dissimuladas em valas de reparos hidráulicos. As torres dos principais
prédios ao redor – igreja, convento, hotel, quartel da Brigada Militar – haviam sido
ocupadas por atiradores. Tiros de canhão foram disparados de vários pontos. A
força atacante contava com cerca de trezentos homens. Os conspiradores
espalharam um alerta e naquele momento o comércio e as escolas da região já
estavam fechados. Havia muitos curiosos observando na rua. “A revolta era segredo
só para os distraídos”. (MCCANN, 2009, p. 369).
É curioso que o general Gil tenha sido alertado, por volta das 13:00 horas, de
que Osvaldo Aranha faria a leitura de um manifesto revolucionário naquele mesmo
dia e sobre telefonemas anônimos avisando sobre a revolta iminente. Informes
chegavam ao comandante regional de várias guarnições. Por rádio, de Passo
Fundo, o coronel Leitão de Carvalho informou que homens armados tomaram os
correios; de Bagé, chegou a informação de que uma revolta iniciaria naquele dia em
Porto Alegre; Do Alegrete, noticiou-se o roubo de cavalos do Exército, à noite.
(MCCANN, 2009, p. 369).
Às 15:00 horas, o general Gil deu ordem de prontidão às unidades da capital,
mas os soldados já haviam sido dispensados. Em algumas, oficiais ocultaram a
ordem. O general mandou mensagem alertando Vargas - o qual não acreditava estar
137
envolvido - a respeito dos acontecimentos, obtendo a seguinte resposta: “diga ao
general que serão tomadas precauções”. Uma dessas precauções seria a retirada,
pelos conspiradores, dos percussores das metralhadoras e o trancamento do
depósito de munição dos seus próprios quartéis. (MCCANN, 2009, p. 370).
Na guarda do quartel-general de Gil havia oito homens, nos três andares, que
não puderam fazer frente aos trezentos que investiram contra o prédio. O general Gil
e um oficial médico, major João Cavalcanti Ferreira de Mello, refugiaram-se nos
aposentos do general. O doutor foi ferido. Uma das filhas do general pegou o
revólver do major, que caíra, e com o pai ao seu lado, postada em uma dispensa,
manteve os atacantes à distância. Osvaldo Aranha negociou a rendição do
comandante regional, que exigiu garantias de Vargas a altura de sua patente.
(MCCANN, 2009, p. 370).
Terminada a ação, resultaram onze mortos e catorze feridos. Um soldado,
Vicente, que varria o chão, morreu atingido por um tiro. O major Otávio Cardoso,
comandante do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de Porto Alegre
também tombou. O colapso de comando gerado pela ação pode ter prejudicado o
registro dos demais mortos e feridos. (MCCANN, 2009, p. 370).
Na maioria dos lugares, a resistência foi débil e os rebeldes surpreenderam as
unidades leais. Os soldados estavam cansados da rotina e das semanas de alerta
sem que algo acontecesse, que não fossem alarmes falsos. Em três dias tudo
estava sob o controle rebelde. (MCCANN, 2009, p. 371).
Em Santo Ângelo, a resistência foi maior, mas cedeu depois que os rebelados
ameaçaram com a degola os seus familiares, na frente do quartel. Em São Borja,
terra de Vargas, havia um parente seu dentre os oficiais, que resistiu. Dias depois,
porém, os legalistas abandonaram o quartel e foram para a Argentina. O parente de
Vargas aderiu ao movimento revolucionário. (MCCANN, 2009, p. 371).
Góes aparentemente não se arriscou a conspirar em seu próprio regimento,
comandado por um capitão que, após declarar-se legalista, esperou até 7
de outubro por ordens que nunca chegaram. A unidade nada fez; a maioria
de seus oficiais acabou por refugiar-se na Argentina. (MCCANN, 2009, p.
371).
Em Passo Fundo, prometera-se a Leitão de Carvalho que seu regimento não
seria atacado se mantivesse a neutralidade. Mas alguns rebeldes de outras regiões
saíram de controle e atacaram o quartel, restando dois soldados mortos. Leitão
138
liberou o regimento e entregou suas instalações. Ele e alguns oficiais foram
mandados para um navio-prisão em Porto Alegre. (MCCANN, 2009, p. 371).
No Alegrete, Euclídes Figueiredo não estava na guarnição quando eclodiu a
rebelião. Participava de manobras em Livramento, onde foi atacado por civis na
porta de seu hotel. Foi deixado ao lado de seu ajudante e ordenança, feridos.
Naquela cidade, os dois quartéis foram tomados de surpresa pela Brigada Militar.
(MCCANN, 2009, p. 371).
A dispersão de unidades que resultou da construção dos “quartéis de
Calógeras”, para melhora a defesa contra ameaças externas, mostrou-se um
desastre contra o inimigo interno. Os 14 mil soldados das tropas federais ficavam
distribuídos por 21 guarnições, com efetivos de duzentos a mil homens. (MCCANN,
2009, p. 371).
O Exército foi derrotado pela revolução no Rio Grande do Sul, apesar de contar
com efetivo, treinamento e armamento superiores. Somente em Porto Alegre as
tropas revolucionárias estavam em vantagem numérica. Mas as unidades federais
estavam espalhadas, tinham as comunicações prejudicadas, havia nelas oficiais e
sargentos rebeldes e os soldados, sendo da própria região, resistiriam em atiram
contra seus conterrâneos, amigos e parentes. (MCCANN, 2009, p. 373).
A tendência de adesão dos oficiais variou de acordo com os postos. Os
capitães e tenentes tenderam a aderir à revolução; os majores e superiores
apoiaram a legalidade; e os oficiais subalternos que permaneceram com seus
superiores por lealdade e resistiram aos rebeldes, mesmo que por pouco tempo.
(MCCANN, 2009, p. 373).
É possível que os oficiais superiores tenham lutado contra o movimento porque
eram legalistas e não viam nos militares o direito de se rebelar contra a autoridade
constituída. Mas até os legalistas estavam numa situação peculiar, porque não
prenderam os que conspiraram discretamente e os que foram sondados, por vezes,
não o revelaram aos comandantes. (MCCANN, 2009, p. 373).
O fato de que os oficiais, naquela época, não juravam obediência à
Constituição, mas aos seus superiores, mostra como os laços eram importantes na
manutenção da disciplina. Era um sistema paternalista baseado em amizades e
ligações pessoais. Um exemplo disso é que Góes aconselhou, na manhã de 3 de
outubro, o ajudante do general Gil, tenente Afonso Henrique de Miranda Correia,
139
desejoso de aderir à revolução, a permanecer leal ao seu general porque este tinhalhe confiança e dele precisava. (MCCANN, 2009, p. 373).
No código tácito do corpo de oficiais, ser o homem de confiança de um
superior implicava o dever recíproco de lealdade. (MCCANN, 2009, p. 373).
Os registros de detenção do pessoal em Porto Alegre, feitos pelo general Gil,
evidenciam que poucos oficiais fizeram oposição ao movimento ou se recusaram a
aderir. Houve, portanto, “tendência à passividade ou aceitação da revolução”. Dos
registros disponíveis, vê-se que dos 920 oficiais, exceto os coronéis, que serviam no
Rio Grande Sul, 758 aderiram à revolução. (MCCANN, 2009, p. 373).
A rebelião teve sucesso porque “a estrutura de comando do Exército fora
totalmente solapada”. 82% dos oficiais e muitos sargentos nas unidades foram
persuadidos pelos conspiradores de que o futuro de cada um, do Exército e do país
seria melhor com a mudança dos líderes da nação. (MCCANN, 2009, p. 373).
Também facilitou o rápido sucesso o esforço dos rebeldes para minimizar as
baixas de ambos os lados. Góes Monteiro respeitou, também, os comandantes que
resistiam à rebelião. Negociou, por exemplo, a rendição formal documentada do 7º
Batalhão de Infantaria Ligeira, em Porto Alegre, em que constava que a unidade
cumprira seu dever militar. E ao comandante preso foi permitido realizar a cerimônia
usual, inclusive com discurso de despedida, na transmissão do comando para um
rebelde. Ademais, todos os soldados do batalhão aceitaram unir-se aos rebeldes
contra os quais haviam lutado. (MCCANN, 2009, p. 374).
15.5 O GOLPE DOS GENERAIS NO RIO DE JANEIRO
Bem sucedidos no Rio Grande do Sul, os revolucionários tomaram o caminho
para o Norte, por trilhos na ferrovia São Paulo – Rio Grande do Sul. A Cavalaria
seguiu por rota litorânea. No Paraná, unidades federais se uniram à revolução e
depuseram o governo do Estado. (MCCANN, 2009, p. 374).
Havia preocupação com Minas Gerais, onde o veterano primeiro-tenente
Cordeiro de Farias coordenava as atividades rebeldes. Por ser moderno, o comando
era exercido pelo tenente-coronel Aristarcho Pessoa, irmão do falecido João
Pessoa. Mas naquele estado, não houve adesão de tropas federais. Os
140
revolucionários contavam com a Força Pública do estado e com civis liderados por
políticos. (MCCANN, 2009, p. 374).
A execução do plano revolucionário em Minas se deu pela prisão do general
José Joaquim de Andrade e, dez minutos depois, pelos ataques às unidades
federais. Na capital mineira, o 12º Regimento de Infantaria resistiu por cinco dias,
mas não deteve um batalhão da Polícia Militar. Em Juiz de Fora e Três Corações, as
unidades foram imobilizadas dentro de seus quartéis. No 10º Batalhão de Infantaria
Ligeira, em Ouro Preto, ao primeiro encontro com os rebeldes, os soldados fugiram
para as montanhas ou aderiram à causa revolucionária. Em São João Del Rei, o 11º
Regimento de Infantaria “capitulou após breve troteio”. E assim, em pouco tempo, as
forças mineiras estavam em posição nas divisas com São Paulo e Rio de Janeiro.
(MCCANN, 2009, p. 376).
No Nordeste, a resistência cedeu em três dias. As guarnições federais e as
unidades de Tiro aderiram à revolta. Somente no estado da Paraíba houve maior
resistência. Os principais conspiradores eram auxiliares do governador e do
comandante da região militar e nenhum deles estava envolvido. O ataque teve início
na madrugada de 4 de outubro e ceifou a vida do general Lavenère Wanderley,
comandante regional, e de cinco oficiais do seus estado-maior. O comandante do
23º Batalhão de Infantaria, coronel Pedro Ângelo Correia, também foi morto quando
resistia. (MCCANN, 2009, p. 376).
No Sul, em 12 de outubro, as forças haviam chegado à divisa de Paraná com
São Paulo, próximo de Itararé, onde a estrada de ferro São Paulo – Rio Grande do
Sul cruzava com a linha Nordeste. A captura desse cruzamento abriria caminho para
São Paulo e Rio de Janeiro. (MCCANN, 2009, p. 376).
Mas as tropas se depararam com impasse: chuvas torrenciais caíram na
região, entre 5 e 24 de outubro, o que restringiu ou impediu a execução de
operações militares. Tropas federais legalistas e a Força Pública paulista ocuparam
posições defensivas na cidade. Os dois lados trocaram fogos de artilharia, mas não
demonstraram interesse em um grande enfrentamento, enquanto esperavam as
chuvas passarem e, mais importante, “o clima político revelar-se”. Não havia
interesse de Góes, e de nenhum dos demais revolucionários, em destruir o Exército
federal. O objetivo era controlá-lo, pois dele precisariam para impedir a revolução
das massas. (MCCANN, 2009, p. 376).
141
O fervor revolucionário crescia. Portanto, o tempo estava do lado da revolução.
Nesse ínterim, as forças rebeldes de Minas e do Nordeste progrediam para o Rio de
Janeiro. Na capital federal, a situação era complicada por “rumores e tramas”. Nos
quartéis da Vila Militar, nos corredores do ministério da Guerra e na praça da
República generais e coronéis discutiam e repensavam seu apoio e lealdade a
Washington Luís. A partir de 10 de outubro, o número de legalistas foi diminuindo. A
falta de resposta à convocação dos reservistas da 1ª Região Militar sinalizou que o
presidente carecia de apoio popular. (MCCANN, 2009, p. 377).
Alguns apontavam o presidente como responsável por provocar a
revolução. O general Tasso Fragoso classificava-o como “autoritário e sem
a menor visão política”. Com a queda do entusiasmo legalista, conspirar
entrou na ordem do dia. (MCCANN, 2009, p. 377).
Era tempo de os generais agirem antes que houvesse um embate e o Exército
fosse derrotado, subvertido ou se esvaísse. Já era dado como improvável que algo
pudesse impedir Getúlio Vargas de chegar ao poder. O ambiente era totalmente
favorável ao sucesso revolucionário. Nas palavras do general Malan d’Angrogne,
“isto deve acabar o mais depressa possível para poupar o país e nosso amado Rio
Grande de uma carnificina prolongada”. Tasso Fragoso constatara que cabia aos
generais liderar “uma ação pacificadora” tornando mais fácil manter a tropa
disciplinada e a ordem social, bem como coibir abusos. (MCCANN, 2009, p. 377).
Em 19 de outubro, o coronel Bertoldo Klinger e o tenente-coronel José Antônio
Correia Neto estiveram com vários generais, a pedido do general João de Deus
Mena Barreto, pedindo assinaturas para uma ordem de renúncia do presidente.
(MCCANN, 2009, p. 377). De acordo com Koshiba e Pereira (2003, p. 416), “Quando
o êxito da rebelião se tornou uma certeza, as altas patentes militares do Rio de
Janeiro aderiram à revolução”.
Na manhã de 23 de outubro, Mena Barreto foi à casa de Tasso Fragoso para
dizer que tudo estava pronto e que chegara a hora de juntar-se a eles. Passaram a
discutir o texto do manifesto de exortação à renuncia do presidente em nome do
patriotismo. Tasso concordou em consultar outros generais e foi ao ministério onde
seu amigo chefe do Estado-Maior, general Leal, deixou claro estar do lado do
governo, por compromisso e não por concordar com ele, e que não lhe deviam
confidenciar nada. A maioria dos oficiais generais procurados por Tasso considerou
142
justa a rebelião. Uns se comprometeram de imediato, mas outros se mantiveram nos
postos por lealdade a seus superiores. (MCCANN, 2009, p. 378).
Naquela tarde, o ministro da Guerra mandou, sem sucesso, agentes
prenderem o coronel Klinger em casa. Ele estava alojado em seu escritório,
guardado por pessoal de confiança. O general Leal, com agentes à paisana, foi
encarregado por Sezefredo de buscar o general Mena Barreto. Foi informado de que
Mena Barreto estava no forte de Copacabana. Para evitar confronto, Leal conduziu a
comitiva para outro lado. Mas as ordens de Sezefredo deixavam claro aos generais:
era preciso agir. (MCCANN, 2009, p. 378).
Era tarde da noite e Mena Barreto mandou um carro conduzir Tasso ao forte de
Copacabana. O cenário da revolta tenentista era agora “palco de uma revolta de
generais”. No outro lado da cidade, próximo à praça da República, na madrugada de
24 de outubro, o ministro Sezefredo e o general Leal convocaram os generais da
guarnição para uma reunião de emergência. Discutiram a ordem de renúncia
formulada por Mena Barreto. O general Malan disse que deixou de assinar porque
não tinha tropa sob seu comando e, sem soldados, seu apoio não teria utilidade. E
afirmou: “É preciso superpor à rude obrigação militar o dever de brasileiro que exige
estancar a sangueira e impedir a ruína do país”. Mas o ministro respondeu que os
problemas do país não decorriam das ações do governo, mas da luta política pelo
poder. (MCCANN, 2009, p. 378).
Nessa reunião, vários generais acusaram Nestor Sezefredo e Leal de
esconderem do presidente a gravidade da situação. Ao final, o ministro declarou que
já ouvira o suficiente e pediu ao palácio da Guanabara uma conferência com o
presidente. (MCCANN, 2009, p. 380).
Às seis horas de 24 de outubro, Tasso Fragoso e Mena Barreto puseram-se a
telefonar para exortar os generais João Gomes Ribeiro, comandante da Vila Militar,
e João Álvares de Azevedo Costa, comandante da 4ª Região Militar a se juntarem a
eles. Pouco depois o ministro Nestor ligou para Mena Barreto para falar-lhe a
respeito da ordem de renúncia e apelar-lhe à legalidade. Mas Mena respondeu-lhe
que a ordem já estava em vias de ser executada, para restaurar a legalidade. E
covidou o ministro a juntar-se aos camaradas e libertar-se de seus compromissos
políticos. A resposta do ministro: “vocês vão levar o Brasil para o comunismo”. Mena
Barreto afirmou que enquanto vivo, tal não se sucederia. (MCCANN, 2009, p. 380).
143
Seguiram-se os acontecimentos, com o general Tasso aconselhando os
comandantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal a não
entrarem na briga. Pouco depois chegou a Copacabana a notícia de que o general
Malan juntara-se a eles e foi então designado para comandar o 3º Regimento de
Infantaria da Praia Vermelha e o Forte São João. Mais quatro generais aderiram:
José Fernandes Leite de Castro, Firmino Antônio Borba, Álvaro Mariante e
Pantaleão Telles Ferreira. O movimento de oficiais no forte era constante e algumas
ruas estavam tomadas pela multidão. Houve saques e o jornal situacionista O País
foi incendiado. (MCCANN, 2009, p. 380).
Em Botafogo, o 3º Regimento de Infantaria, acompanhado de civis que havia
armado, saiu em marcha em direção ao palácio Guanabara. Tasso e Mena Barreto
juntaram-se ao comandante do regimento, o coronel José Pessoa Cavalcanti de
Albuquerque, sobrinho do ex-presidente Epitácio Pessoa, à frente da coluna.
Abrindo caminho pela multidão, chegaram ao jardim do palácio. A guarda
presidencial não ofereceu resistência. Recebeu-os com vivas. Os fortes de
Copacabana, Vigia e São João dispararam, então, salvas de quinze tiros que
simbolizava o número de estados que aderiram à revolução até aquele momento.
(MCCANN, 2009, p. 380).
Os generais Tasso, Mena e Malan, guardando respeito pela posição e
autoridade do presidente, “considerando as circunstâncias, aguardaram um pouco
nervosos” para ser recebidos por Washington Luís. Após alguma espera, foram ter
com ele. Tasso cumprimentou-o com a saudação militar e demonstrou preocupação
com a vida do presidente, que respondeu que naquele momento era a vida o que
mais desprezava. Parecia aos generais que o governante deposto queria intimidálos ao negar-se a aceitar o golpe. E os generais temiam ter de usar a força e com
isso incitar a multidão à violência incontrolável. (MCCANN, 2009, p. 381).
Washington Luís cedeu horas depois e concordou em deixar o palácio em
companhia do cardeal Leme e do general Tasso, que o levaram de carro até
o forte de Copacabana, de onde ele partiria do Brasil para o exílio.
(MCCANN, 2009, p. 381).
Foi digno o final ter ocorrido no Forte de Copacabana, local onde todo o
processo tivera início em 5 de julho de 1922. (MCCANN, 2009, p. 381).
A disposição dos oficiais no Rio de Janeiro para negociar a deposição do
presidente foi um movimento de pacificação que, se não afastou as forças vitoriosas
144
de 3 de outubro, deu-lhes algum poder de barganha e evitou o derramamento de
sangue e a eclosão de uma guerra civil. Naquele mesmo dia Góes Monteiro
estudava a possibilidade de realizar um ataque a Itararé. Com os revolucionários
comprometidos em levar a diante sua luta, os generais não tiveram outra solução e
entregaram o poder a Vargas em 3 de novembro. (MCCANN, 2009, p. 381).
Embora Tasso possa, em grande medida, ter personificado a alma do
Exército em 1930, a rebelião que ele e seus colegas levaram a cabo não foi
o mesmo tipo de golpe institucional que se veria no Brasil em 1937, 1945 e
1964. O golpe de 24 de outubro foi, sobretudo, um golpe de altos oficiais
contra a própria estrutura de comando do Exército, contra o presidente, o
ministro e o chefe do Estado-Maior. Foi um indicador da desintegração do
Exército brasileiro. (MCCANN, 2009, p. 382).
Ocorrera a cisão do corpo de oficiais e sargentos em seis grupos: I. os
Tenentes, veteranos de 1922, 1924, da Coluna Prestes e a segunda geração,
formada pela Escola Militar no final da década; II. os moderados, que se agruparam
em torno de Góes Monteiro, e eram os ex-legalistas ligados às oligarquias regionais
e os capitães e tenentes que permaneceram fiéis aos seus superiores em 1930, sem
simpatizar com os Tenentes; III. os oportunistas, que aderiram ao movimento após
um ataque ou após ser presos; IV. os que resistiram, fugiram do país ou foram
mortos na rebelião; V. os pacificadores que derrubaram o presidente e, sem opção,
passaram o poder a Vargas; e VI. os pacifistas que não definiram sua posição e
aguardaram o resultado da luta. (MCCANN, 2009, p. 382).
Quanto aos sargentos, é difícil categorizá-los, pois faltam estudos sobre seu
papel. Muito provavelmente, estiveram distribuídos pelos grupos acima.
Tanto os rebeldes como as forças do governo deram comissão de tenente a
sargentos para preencher lacunas na cadeia de comando. (MCCANN, 2009,
p. 382).
A Revolução de 30 expôs a derrocada do Exército. Os revolucionários viam a
instituição como o principal inimigo militar a ser eliminado ou neutralizado para
assegurar a vitória. Não era, pois, visto como “o povo em armas”. Nas palavras de
Leitão de Carvalho: “o Exército brasileiro foi a principal vítima da revolução”. Não era
o agente de um novo Brasil, como sonhavam os reformistas. Era o baluarte do velho
regime. Por isso, no movimento de 3 de outubro, os quartéis-generais e comandos
regionais foram os primeiros atacados pelos rebeldes. O objetivo era privar o
Exército de sua capacidade operacional, por meio do desmantelamento da cadeia
de comando, para que não pudesse ser usado pelo governo para defender-se. E
145
nisso, também, os revolucionários saíram-se muito bem. “Seria necessária boa parte
da década vindoura para reerguer o Exército”. (MCCANN, 2009, p. 383).
Em 1889 oficiais do Exército haviam emprestado seus sabres para a criação
da República; o breve período de governo por generais na década de 1890
deu lugar ao governo oligárquico e ao posicionamento do Exército como
principal instrumento para estender a autoridade do governo nacional a todo
o mapa do Brasil. Quando os alicerces da República Velha foram minados
pelas mudanças socioeconômicas do início do século XX, também as
contradições entre os objetivos modernizadores do corpo de oficiais e o
papel de instrumento da força que ele desempenhou para manter a ordem
estabelecida minaram sua autoconfiança e autoestima até incapacitá-lo
para resistir à revolução. (MCCANN, 2009, p.383).
146
16 DISCUSSÃO DA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
O estudo dos acontecimentos políticos do Brasil, no período compreendido
entre a Proclamação da República e a Revolução de 1930, aponta para uma
participação sem par do Exército Brasileiro, no contexto das demais instituições
nacionais. Entretanto, convém atentar para o fato de que, na maioria das vezes, a
Força Terrestre foi um instrumento nas mãos dos mandatários da Nação. É nesse
escopo que se pretende discutir a pesquisa bibliográfica feita neste trabalho.
O fim da Guerra do Paraguai apresentou aos oficiais brasileiros o convívio com
militares de nações que viviam regimes republicanos e nas quais, geralmente, os
militares estavam no poder. A isso, juntaram-se fatores que colaboraram para o
enfraquecimento do Império e o aumento da insatisfação de oficiais com D. Pedro II,
que tinha, especialmente pelo Exército, um descaso peculiar. A Questão Militar, com
a punição de oficiais pelo governo, indicava o afastamento dos militares do sistema
político vigente. O escravismo também já era inaceitável para as novas gerações de
oficiais, influenciadas pelo Positivismo, o que era agravado pelo emprego de tropas
para perseguir escravos fugidos.
Havia, portanto, não apenas por parte da classe militar, mas também por uma
nova elite, um movimento em prol da adoção da República. E o Exército era a única
força capaz de fazer essa mudança. E nesse contexto, o principal líder militar, o
marechal Deodoro da Fonseca, foi pressionado pela oficialidade republicana a depor
o gabinete do seu desafeto, o visconde de Ouro Preto. Entretanto, a notícia de que
D. Pedro II nomearia o gaúcho Gaspar Silveira Martins, arqui-inimigo de Deodoro,
para comandar o novo gabinete fez com que o marechal se convencesse de
proclamar a República.
O povo assistiu passivo à mudança política, ocorrida de forma pacífica. Mas o
período seguinte seria conturbado, em função da difícil adaptação das elites políticas
regionais ao rearranjo de poder decorrente. A ascensão dos militares como atores
da política brasileira resultou na chegada de Deodoro à presidência, tendo como
vice o marechal Floriano Peixoto. Já na posse, Floriano ofuscou o presidente com
sua
popularidade,
deixando
latentes
diferenças
entre
ambos
que
teriam
desdobramentos futuros.
Deodoro teve um governo conturbado pela falta de consenso entre as elites e
por atritos decorrentes das deposições e substituições dos governos das províncias
147
por oficiais ou políticos aliados. As rixas locais e a ausência de estrutura política
para a nova ordem resultaram numa década sangrenta. Deodoro governou sem
limites até que a Constituição de 1891 foi sancionada. A partir daí, o marechal não
soube lidar com os limites impostos pelo Poder Legislativo e teve de conviver com
críticas, inclusive de oficiais. Diante disso, em novembro, Deodoro dissolveu o
Congresso, o que resultou na Revolta da Armada na baía da Guanabara, liderada
pelo almirante Custódio de Mello, e na deposição do governador do Rio Grande do
Sul. Temendo uma guerra civil, o presidente renunciou.
O vice-presidente, marechal Floriano, assumiu e enfrentou o questionamento à
legalidade de seu governo. Nos estados onde se exigiram novas eleições os
governadores foram derrubados. Nas Forças Armadas, muitos consideravam a
situação ilegal e cogitou-se um golpe. O Manifesto dos Generais, pelas eleições,
resultou em prisões e desterro de oficiais e repressão a jornalistas e congressistas.
A deposição dos governadores que apoiavam Deodoro gerou onda de violência. No
Rio Grande do Sul, houve unidades federais em lados opostos, federalistas e
republicanos, em luta que se espalhou pelos estados do Sul, a Guerra Civil que
duraria até 1895.
Nesse mesmo tempo, parte da Armada, liderada mais uma vez pelo almirante
Custódio de Mello, que alegava intenções ditatoriais do vice-presidente, enfrentou o
Exército na baía da Guanabara e se aliou ao conflito no Sul. Floriano declarou seu
apoio aos republicanos e o conflito sangrento se tornou nacional. Com o apoio de
uma poderosa flotilha estadunidense, Floriano conseguiu vencer Custódio, mas a
cisão nas Forças Armadas estava evidente.
O povo carioca e os republicanos radicais (Jacobinos), porém, apoiaram
Floriano que, apesar da vitória no conflito, marcou eleições para 1894. Meses depois
de passar o cargo, faleceu. Mas, antes, alertou os militares sobre a ameaça de
restauração da Monarquia e, mesmo post mortem, inspirou muitos oficiais e alunos
que, no decorrer da conturbada década, sentiam-se veículos da salvação nacional.
Os alunos, que em 1891 estavam contra Deodoro, naquele momento juntaram-se a
muitos oficiais, a favor de Floriano.
Em novembro de 1894, o poder voltava às elites agrárias, com a assunção do
presidente Prudente de Morais. Os militares e a classe média urbana perdiam
influência. A rotina levou indisciplina à Escola Militar, onde os alunos se levantaram
contra o comandante, antiflorianista. Houve expulsões e a escola somente voltou a
148
funcionar em 1896, renovada em seus corpos. Prudente negociou o fim da Guerra
Civil e deu impulso às carreiras de oficiais antiflorianistas, enfraquecendo os
arquirrepublicanos e diminuindo o peso político do Exército.
Mas a década de 1890 reservava mais episódios sangrentos. O tenso ambiente
político fez com que um reduto religioso no meio do sertão baiano fosse considerado
uma grave ameaça à República. Canudos reunia sertanejos liderados pelo religioso
Antônio Maciel, o Conselheiro. O crescimento do arraial decorrera da ausência do
Estado naquela região, dominada por “coronéis” da elite agrária. Como a existência
de Canudos estava contrariando a ordem oligárquica, o Poder Militar do Estado foi
empregado na defesa de interesses locais. Além de ser envolvido em carnificina
contra brasileiros, o Exército teve de amargar três derrotas, decorrentes do seu
despreparo, antes de varrer Canudos do mapa.
Se, por um lado os políticos locais pleitearam o emprego da Força Federal para
resolver querelas regionais, por outro, oficiais florianistas visualizavam que uma
vitória no conflito poderia lhes restituir o prestígio perdido na nova ordem política.
Mas a vitória teria custos muito altos: 5 mil militares mortos e outros mais de 4 mil
feridos. Além disso, a campanha teve o final abreviado pela atuação do
antiflorianista marechal Bittencourt, que seria vítima fatal de um atentado contra o
presidente da República, incitado por Jacobinos ligados ao vice-presidente e a
oficiais descontentes com o governo. Prudente se fortaleceu com o episódio e
elegeu seu sucessor, Campos Sales. O Clube Militar foi fechado e os Florianistas
não puderam tirar proveito esperado do conflito de Canudos: voltar a dominar a
República.
Após Canudos, o Exército estava em ruínas. Extinguira-se a sua capacidade
de exercer o Poder Moderador, herdado da Monarquia. Faltavam recursos e a
sociedade civil não mostrava nenhum interesse. Mas alguns acontecimentos
deixariam evidente a necessidade de reformar a instituição: o incidente Panther, a
Questão do Acre, a ameaça intervencionista dos Estados Unidos da América e o
crescente militarismo mundial. Entretanto, a situação política e econômica do país
não era favorável. A economia nacional, baseada no café, não era integrada; as
ligações inter-regionais eram carentes; e a prioridade das economias locais era
exportar.
Em um governo por uma aliança oligárquica, cabia às Forças Armadas manter
a lei e a ordem. Esta destinação afastava os militares dos ideais de profissionalismo
149
e contribuía para a insatisfação e rebelião. A Política dos Governadores estabelecida
no governo de Campos Sales (1898 a 1902) mantinha os estados com autonomia
desde que apoiassem as decisões do governo central. Nesse contexto, o Exército foi
mantido em postura de lealdade, tendo, no comando, oficiais situacionistas e
sujeitando-se a pequenas revoltas.
Para agravar a situação na caserna, o serviço militar obrigatório (lei de 1874)
não surtia efeito; a disciplina aplicada às praças era brutal, e muitas vezes, resultava
em rebeliões; os soldos eram baixos; o ensino público era subdesenvolvido; e a
assistência à saúde da família militar se limitava ao fornecimento de remédios. Com
tudo isso, as classes Média e Alta urbanas não queriam ver seus filhos servir como
praças.
Apesar de o general João Nepomuceno Mallet, nomeado por Campos Sales
ministro da Guerra, ter inaugurado uma era de recomeço após o desastre de
Canudos, as restrições financeiras do governo impossibilitaram a concretização do
seu projeto de reformas.
A demonstração de força do Brasil, na questão do Acre, contra a Bolívia foi um
blefe da diplomacia do Barão do Rio Branco que contou com a fraqueza do
oponente e o desinteresse dos estadunidenses em intervir. Ficara mais uma vez
evidente o despreparo do Exército para lidar com ameaças à integridade territorial.
Apesar do furor patriótico, os chefes militares não se iludiram. O general Argollo,
novo ministro da Guerra do presidente Rodrigues Alves (1902 a 1906), declarou que
os brasileiros não tinham ideia dos riscos a que estava submetido o território
nacional. O ministro asseverava que o serviço militar obrigatório era indispensável.
Mas somente em 1908 os militares e a Classe Média, cujos filhos eram oficiais,
preocupados com a Defesa Nacional, conseguiriam efetivá-lo.
Em novembro de 1904, mais uma vez, a Escola Militar da Praia Vermelha seria
palco de uma revolta. Desta vez, os militares insurgentes aproveitaram-se do caos
social que a capital federal vivia em função da inflação, custo de vida,
desapropriações decorrentes da reurbanização e da lei da vacinação obrigatória,
que foi a gota d’água para os protestos populares. Uma aliança (Positivistas,
Jacobinos, Monarquistas, líderes sindicais, oficiais e alunos militares) marchou para
o palácio do Catete para depor o presidente e impor uma ditadura militar com o
propósito de mudar a ordem vigente e o cenário político, no qual as oligarquias
150
dominavam a “Política dos Governadores”. Mas foram confrontados por tropas do
governo, às escuras, e se renderam.
A revolta na Escola Militar resultou no seu fechamento, que marcou o fim do
Bacharelismo Militar. Decorrente disso criou-se a Escola de Guerra de Porto Alegre,
que viria a ter grande influência nas próximas gerações de oficiais. Era uma nova
tentativa de reformar o Exército. Assim, o ministro da Guerra, general Argollo, enviou
seis oficiais à Alemanha para servir no Exército. Apesar da implantação de um novo
regulamento escolar, a inércia institucional o deixaria sem ser praticado. Como era
de costume na época, os alunos expulsos na revolta foram anistiados no ano
seguinte.
O general Hermes da Fonseca, por seu destaque na supressão da revolta da
Escola Militar (1904), foi nomeado comandante do 4º Distrito Militar, por Rodrigues
Alves. Identificou-se com as ideias reformadoras de Mallet. Realizou manobras com
exibições militares que empolgaram os civis e resultaram na criação dos “Tiros”, que
formaram a primeira reserva organizada e serviram de propaganda viva do Brasil
armado, e na aprovação da lei do serviço militar obrigatório, em 1908. Além disso, a
figura de Hermes entusiasmou a sociedade e, por isso, foi nomeado ministro da
Guerra no governo de Afonso Pena. No cargo, Hermes estendeu suas ideias
reformistas ao Exército: construção de novos quartéis, áreas de treinamento e
renovação de arsenais e fábricas de pólvoras e projéteis. Entretanto, mais uma vez,
o Congresso Nacional impôs restrições aos gastos militares. Mas modificações no
Estado-Maior do Exército e a construção da Vila Militar (atual bairro de Deodoro) no
Rio de Janeiro foram realizações importantes de sua gestão.
A instrução militar estrangeira no Brasil se intensificou com o ministro Hermes
da Fonseca. Em 1909, mais um grupo de seis oficiais foi estagiar na Alemanha e
houve a compra de canhões krupp. No ano seguinte, outros vinte e quatro oficiais
foram enviados. Chegou-se a cogitar uma missão militar alemã no Brasil. Mas
interesses políticos, particularmente paulistas, forçariam o então presidente Hermes
(1910 a 1914) a aproximar-se dos franceses. Com isso, a decisão em 1911 seria
que o Brasil não receberia missão estrangeira. E a eclosão da 1ª Guerra Mundial,
em 1914, e a entrada do Brasil no conflito, em 1917, encerrou a questão
temporariamente.
Durante o governo de Hermes da Fonseca, o Exército passava por algumas
mudanças. Para alguns oficiais, a Força Terrestre deveria ser o propulsor da
151
modernização do Brasil. Pensavam que somente melhorando os soldados, por meio
do serviço militar, de treinamentos e equipamentos, seria possível melhorar o
Exército. Por outro lado, a inércia das reformas se unia ao assédio de facções
políticas a oficiais e prejudicava a disciplina. As elites intervinham nos planos do
Exército, que carecia de liberdade até para decisões técnicas. Diante disso, alguns
oficiais direcionariam, no futuro, suas frustrações para o viés revolucionário.
Infelizmente para suas aspirações de profissionalismo, o Exército, então, foi
desviado para as lutas entre as elites da República e as oligarquias regionais, pelo
controle político nos estados. Assim, surgiu o malogrado Movimento Salvacionista,
que colocaria, outra vez, o Exército em descrédito e retardaria os planos de reformas
e a implantação do serviço militar obrigatório. A “Política dos Governadores” fizera
ressurgir várias famílias proeminentes no Império, alinhadas à República,
interessadas no poder regional. Alguns oficiais preocupavam-se com a unidade da
Pátria.
No contexto das “Salvações”, os estados de Minas Gerais e São Paulo
dominavam o cenário nacional, com forças de segurança militarizadas. O político
gaúcho Pinheiro Machado intermediava o jogo político. Além de forças de
segurança, muitos estados possuíam unidades da Guarda Nacional – subordinada
ao ministério da Justiça – e batalhões patrióticos de peões e capangas. Ao Exército
restava um papel secundário na segurança interna. Mas quando as elites não
podiam resolver os problemas – muitos deles, querelas políticas locais – acionavam
as tropas federais. Os oficiais idealistas viam essas situações com irritação,
enquanto os oportunistas enxergavam oportunidades de ascensão.
A vitória de Hermes nas eleições presidenciais de 1910 decorreu de uma
conjunção de fatores: a “Política dos Governadores” não soube lidar com a
dissensão entre as oligarquias e as elites políticas; seu adversário Rui Barbosa
adotou discurso antimilitarista e perdeu prestígio; o substituto interino do falecido
presidente Afonso Pena – o vice-presidente carioca Nilo Peçanha – jogou todo seu
prestígio na candidatura de Hermes, que tinha apoio da coligação entre Minas
Gerais, Rio Grande do Sul e oficiais. A eleição do general deixou a falsa impressão
de que o presidente e Exército apoiariam as ações militares dos anos seguintes.
Porém, muitas delas decorreram de iniciativas de comandantes locais, até mesmo à
revelia do marechal.
152
Além das diversas intervenções militares em estados cujas forças de
segurança não eram fortes o bastante para evitá-las, como Minas Gerais, São Paulo
e Rio Grande do Sul, o presidente Hermes enfrentou, nos primeiros dias de governo,
a Revolta da Chibata. O levante se relacionava exclusivamente com o tratamento
dispensados pelos oficiais da Marinha aos marinheiros. Apesar do temperamento
pacífico, o general foi arrebatado pelos acontecimentos do seu governo, que muitas
vezes envolveu o uso da força e da violência.
Enquanto o mundo rumava para a eclosão da 1ª Guerra Mundial, o Exército era
mais uma vez envolvido em uma campanha para resolver problemas políticos locais.
O cenário de então era uma região disputada por Paraná e Santa Catarina – o
Contestado. O conflito eclodiu com uma rebelião contra o “Coronelismo” e mesclou
aspectos econômicos, políticos, sociais e religiosos. Como em Canudos, a guerra
era contra brasileiros, mas desta vez, em defesa do progresso que envolvia,
inclusive, interesses estrangeiros (construção da ferrovia São Paulo - Rio Grande do
Sul, imigração, exploração madeireira). Os dois estados em disputa colaboraram
para a violência apoiando bandos armados que disputavam terras e atacavam ou
defendiam postos fiscais.
Depois de algumas ações de forças mistas (federais e estaduais) e da morte do
líder religioso, o monge José Maria, em 1912, os conflitos se intensificaram até que,
pressionado, o presidente ordenou o envio de uma força de vulto que atuaria nos
primeiros meses de 1914, a comando do general Setembrino de Carvalho. Em
críticas, os editores de A Defesa Nacional ressaltaram como causas do conflito os
interesses políticos locais, o fanatismo religioso e a luta pela terra. Mas alertaram
que, se era ruim lutar contra compatriotas, pior seria deixar aos poucos morrer o
Exército. A supressão do levante dos rebeldes do Contestado envolveu alguma
negociação e muita violência. As marcas decorrentes durariam por gerações e
alertaram para a real necessidade de organizar e treinar o Exército.
Alguns veteranos do Contestado viriam a juntar-se aos “Jovens Turcos” na
produção da centelha reformadora do Exército. O interesse dos reformistas se
refletiu em diversos artigos em A Defesa Nacional, que resumiu o relatório do
general Setembrino e criticou severamente a República pelo abandono de brasileiros
segregados pela falta de vias de comunicação e pela falta de iniciativa e de políticas
elevadas. A revista também chamou a atenção dos chefes militares para a
153
passividade com que medidas de origem política eram recebidas pelo Exército e
causavam-lhe prejuízos e a falta de confiança do povo.
Mas a eclosão da 1ª Guerra Mundial novamente poria em voga a necessidade
de se conduzir planos de reforma e reorganização, como os dos ex-ministros Mallet
e Hermes. O serviço militar finalmente se tornou realidade e alcançou todo o
território nacional. Muitos oficiais queriam ver o Exército combater na Europa.
Mesmo os antimilitaristas despertaram. As ideias de A Defesa Nacional, do poeta
Olavo Bilac e do escritor Alberto Torres buscavam interpretar o papel do Exército na
sociedade. Ao contrário de Bilac, Torres não acreditava na função educadora do
Exército e considerava a Força Militar apenas um integrante, o último, na Defesa
Nacional.
Para o ministro da Guerra do presidente Venceslau Brás (1914 a 1918),
general Caetano de Faria, o Exército não poderia constituir-se no braço forte dos
dirigentes. Era necessário o afastamento dos oficiais da política partidária. O serviço
militar obrigatório deveria sair da gaveta (lei de 1908) para possibilitar a formação de
uma reserva mobilizável. Apesar de a imprensa criticar a Lei do Sorteio, Faria,
assessorado pelo tenente Leitão de Carvalho, iniciou forte campanha para a
implantação das juntas do serviço militar pelos governadores. A Liga de Defesa
Nacional, formada em 1916, contribuiu para a construção de uma mentalidade de
Defesa Nacional, para o surgimento de um clima de nacionalismo e para o debate e
propaganda do serviço militar. Apesar de algumas dissensões no Congresso
Nacional, finalmente foi possível fazer o primeiro sorteio em dezembro de 1916.
Em 1915, o Exército viveu mais uma rebelião. Dessa vez foram os sargentos
que se sublevaram por reformas na carreira das praças, pelo Parlamentarismo, pela
reforma política e territorial dos estados, pela educação primária e contra a
corrupção. Os sargentos teriam sido incitados por políticos civis a assassinar oficiais.
Os envolvidos foram presos e desterrados. Mas o movimento contou com a simpatia
dos soldados e de alguns oficiais.
Apesar da resistência dos jovens em participar dos sorteios do serviço militar,
das grandes distâncias brasileiras, da carência dos registros civis e da complacência
dos políticos e das juntas com insubmissos, o Exército mais que dobrou seu efetivo.
Chegou, então, a ter uma organização militar por estado e aumentou sua influência
sobre as polícias estaduais e unidades da Guarda Nacional, que, em janeiro de
154
1917, passaram a ser forças auxiliares. Rebaixada à 2ª linha do Exército, a Guarda
Nacional seria extinta em 1918, por pressão de oficiais.
Após a 1ª Guerra, a questão dos materiais militares também preocupava os
interessados na Defesa Nacional. Com o bloqueio britânico à Alemanha, o Brasil
deixou de receber armamentos já comprados. Via-se como necessário o país
produzir seu armamento. Mas era imprescindível desenvolver a indústria nacional.
Havia, porém, vários óbices: a facilidade de importar; a dependência de compras no
exterior; a baixa produtividade da classe operária. A ameaça platina tornava mais
necessária uma autonomia em material bélico. Oficiais concordavam com o debate
no meio civil de que, para ser dono do seu destino, o país precisava de indústria
siderúrgica.
O ministro Faria adotou medidas práticas que contribuíram para os primeiros
passos: enviou uma missão de estudo de aquisição de material bélico aos Estados
Unidos da América. Outras duas missões foram à França para estudar Doutrina
Militar e instalar um hospital militar em Paris. Mas o fato de o Brasil não ter mandado
tropas para combater na 1ª Guerra Mundial limitou os resultados dessas visitas
devido ao descrédito na sua relevância militar.
A “Política dos Governadores” mantinha o sistema com partido único, na
prática do “toma lá, dá cá” entre os governadores, que trocavam com o presidente
apoio por autonomia. Mas a visão de Exército dos oficiais reformadores era
incompatível com a sociedade e com o sistema político vigente. Para eles, os
políticos não queriam a reforma do Exército porque isso colocaria o status quo em
perigo. Esses oficiais, os “Jovens Turcos”, baseavam seus projetos nos ideais de
Germanização aprendidos no Exército alemão e que seriam absorvidos pelos
militares brasileiros por meio de uma missão militar.
Mas pensadores civis também criticavam o sistema em vigor no cenário
nacional. Alberto Torres, que influenciou a equipe de A Defesa Nacional, afirmou
que o Brasil não era um país, nação ou pátria, mas uma exploração, uma nação
improvisada. A preocupação dos editores e colaboradores da revista era com a
defesa externa e com um inimigo interno e mais provável: a falta de coesão
nacional. Eles também criticavam o povo brasileiro que acreditava numa imprensa
imodesta e que deveria trabalhar para elevar-se ao nível dos povos mais avançados.
Mas os oficiais expunham indignação com as elites que não olhavam para o Brasil.
155
Com a oposição dos franceses, não foi possível trazer ao Brasil a missão
militar alemã ao Brasil. Além disso, o ministro Faria considerava que os “Jovens
Turcos” tinham condições de conduzir as reformas necessárias no Exército. A
solução intermediária adotada pelo general Bento Ribeiro, chefe do Estado-Maior do
Exército, ficou conhecida como “Missão Indígena”. Esses instrutores formaram uma
turma combinada por aspirantes de 1918 (retidos na escola) e alunos de 1919, da
qual sairiam os rebeldes mais tecnicamente profissionais que o Exército precisou
enfrentar: os “Tenentes”. Mas ao encerrar-se o governo Venceslau Brás, o ministro
Faria sentia-se satisfeito em ver a instituição no rumo da modernização.
O fim da 1ª Guerra Mundial, em 1918, era o prelúdio de tempos mais
tranquilos. Em vez disso, eclodiram greves, surgiu a ameaça do Bolchevismo e do
Anarquismo e a capital federal foi assolada pela gripe espanhola, que ceifou a vida
de milhares de cariocas e do presidente eleito Rodrigues Alves. As Forças Armadas
intervieram para controlar a grave situação sanitária e instalaram quatro hospitais
militares. O vice-presidente Delfim Moreira assumiu a presidência interinamente,
empenhado em governar. A nomeação do general Alberto Cardoso de Aguiar,
conhecido francófilo, para o ministério da Guerra e a atuação do adido militar em
Paris, major Malan D’Angrogne resultaram na contração dos franceses para
remodelar o Exército e conquistar o respeito ao país no exterior.
Os novos rumos do Exército apontavam para a necessidade de o país
desenvolver uma indústria militar. O ministro Cardoso de Aguiar apregoava que a
Defesa requeria, além de armas, o desenvolvimento industrial de toda economia.
Nesse sentido, o general tomou uma iniciativa que foi precursora do aço no país: o
envio de um capitão aos Estados Unidos da América para especializar-se na
produção do aço. Além disso, providenciou a compra de maquinário mais moderno.
O chefe da recém-criada Diretoria de Material, general Tasso Fragoso, colocou-a
para funcionar, enviou pessoal para especializar-se na Bélgica e trouxe técnicos
estrangeiros para conduzir um programa de instrução que resultaria, na década de
1930, na Escola Técnica do Exército, precursora do Instituto Militar de Engenharia.
Entretanto, as agitações da década de 1920 prejudicariam essas medidas e
tornariam a desorganizar a instituição. Naquele tempo, os oficiais estavam mais
próximos da sociedade civil. Essa relação se dava nos locais onde moravam, nos
transportes públicos, no lazer, na religião, nos estudos e no acesso às notícias
veiculadas na imprensa. A remuneração, relativamente baixa, era prejudicada pelas
156
flutuações econômicas. Mas também havia ligações com as classes mais
privilegiadas, nos “Tiros”, e com os cidadãos de classes menos favorecidas que
prestavam o serviço militar. A maior parte dos oficiais (86%) era de baixa patente e
possuía uma formação militar heterogênea que prejudicava o espírito de corpo.
As principais influências desses oficiais de baixa patente provinham das ideias
da revista A Defesa Nacional, cujos editores eram legalistas, e do escritor Alberto
Torres, já falecido. Os revolucionários viam o regionalismo e a corrupção política
como impeditivos para o papel educador do Exército. Seus objetivos eram organizar
a nação, desenvolver a autoconsciência nacional, industrializar a economia,
implantar o ensino primário gratuito e compulsório, a consolidação do serviço militar
obrigatório e a intervenção na economia por um governo central forte. Entretanto, os
Tenentes revolucionários não sabiam como atingir esses objetivos e não possuíam
um plano pós-vitória. Suas ideias coincidiam com as da maioria dos demais oficiais.
Mas eles eram mais impacientes.
Após o breve governo do presidente interino Delfim Moreira, o civil João Pandiá
Calógeras foi nomeado pelo presidente Epitácio Pessoa para a pasta da Guerra.
Apesar da reputação de Pandiá Calógeras na área de Defesa, o ato foi visto como
desprestígio pelos oficiais. A essa insatisfação somava-se a tensão da missão militar
francesa, envolvida em suspeitas de corrupção nas vendas de armas e a frustração
da oficialidade com o baixo apreço da população e a repulsa pelo serviço militar. A
recém-chegada missão também irritava o chefe do Estado-Maior, general Bento
Ribeiro, particularmente pela interferência em seus assuntos e pela sua
subordinação direta ao ministro da Guerra. A tensão militar aumentaria com a
nomeação, à revelia, de um oficial francês como instrutor da Escola Militar, fato que
resultou no pedido de demissão por Bento Ribeiro e em manifestações de
indisciplina de vários oficiais com o ministro.
Epitácio Pessoa e Calógeras se livraram de Bento Ribeiro, mas a insatisfação
militar era grande e se agravava com atrasos no pagamento dos soldos e na
redução de rações para a tropa. Apesar na situação de penúria, o presidente e o
ministro celebraram um contrato com a Companhia de Construção de Santos, para a
construção de mais de cem quartéis por todo o Brasil. A medida controversa, porém,
teve bons resultados: quebrou o costume nacional de confiar apenas em empresas
estrangeiras; estabeleceu definitivamente o Exército em Minas Gerais e São Paulo;
contribuiu para as economias locais. Em alguns locais, como Campo Grande (então
157
pertencente ao estado do Mato Grosso), a rede de água construída para atender o
quartel foi levada até a cidade. A empreitada foi o maior programa de construção da
República Velha.
O clima de descontentamento levou muitos oficiais a conspirar. E um fato
exaltaria os ânimos desses oficiais: o episódio das Cartas Falsas, publicadas no
jornal carioca Correio da Manhã, com cartas ofensivas a Hermes da Fonseca,
presidente do Clube Militar, atribuídas a Artur Bernardes. Iniciou-se um debate a
respeito da veracidade das cartas, uma nova Questão Militar, como no fim do
Império, com os rebeldes se juntando em torno de Hermes. A punição deste, por
críticas à intervenção do governo central em Pernambuco, deflagrou as revoltas de 4
para 5 de julho de 1922, que tiveram seu epicentro no Forte de Copacabana. Apesar
da fraca adesão à causa e da repressão eficaz pelo governo, conduzida nas ruas
pelo coronel Nestor Sezefredo dos Passos, o levante colocou o Brasil num ciclo
revolucionário que acabaria por demolir a República Velha, num enfrentamento entre
o novo e o velho Brasil, em luta para definir um novo futuro.
Enquanto as cidades apresentavam aspectos de modernidade, as áreas rurais
pareciam viver no século XIX, sob o domínio dos “coronéis”. O Sindicalismo se fazia
presente, mesmo sendo proibido. A população dobrara desde o início do século e
chegara a trinta milhões. Mas poucas estradas eram movimentadas, as ferrovias
atendiam apenas as áreas cafeeiras e açucareiras. Apenas as áreas litorâneas eram
desenvolvidas e os transportes se baseavam no modal marítimo. Às elites não
interessava educar as massas, que, pensavam, poderiam se agitar e promover
greves. Assim, o analfabetismo era de 80%. A assistência à saúde era precária. Na
política, havia dissensões internas e predominava o regionalismo. Paulistas,
mineiros e gaúchos dominavam o sistema político. O Rio Grande do Sul era palco de
ameaças secessionistas.
Os dois generais que ocuparam a pasta da Guerra, nos últimos anos da
República Velha (1922 a 1930) não eram reformistas. Setembrino de Carvalho e
Sezefredo dos Passos, situacionistas, atuavam na defesa da ordem estabelecida.
Ambos viam o Exército como instrumento nas mãos do governo e da sociedade, que
se baseavam na “Política dos Governadores”. Destacou-se naqueles anos o general
Tasso Fragoso, que exerceu a função de chefe do Estado-Maior do Exército entre
1922 e 1929. Na função, Tasso aumentou o padrão intelectual do Estado-Maior do
Exército; introduziu manobras na carta; incentivou a Aviação Militar, que foi mantida
158
“no chão” por Artur Bernardes, temeroso de seu uso por rebeldes; manteve os
franceses afastados do planejamento da defesa do país; difundiu visões estratégicas
sobre a Argentina; proporcionou maior contato entre o Estado-Maior e os soldados;
e adotou as orientações francesas quantos ao mérito nas promoções.
No fim de 1928, o Congresso Nacional aprovou uma mudança na lei das
aposentadorias dos militares que causou grande evasão de oficiais e enfraqueceu a
estrutura de comando do Exército, quando a República Velha deparar-se-ia com o
ambiente revolucionário de 1930. Também favoreceu a conspiração o fato de que os
oficiais que se afastavam da Força, inclusive os desertores e os presos, tinham
garantido por lei o pagamento de vencimentos às suas famílias.
A Missão Francesa, apesar das críticas e relatórios, satisfazia as autoridades
brasileiras, no fim da década de 1930. O plano francês de reorganização do Exército
não foi colocado em prática por falta de verbas, pela aversão brasileira ao serviço
militar e pelo orgulho dos generais. No campo da Educação Militar, houve
progressos, apesar da diminuição de recursos decorrente da necessidade de
combater a Coluna Miguel Costa – Prestes e as revoltas de 1924 no Rio Grande do
Sul e em São Paulo. No entanto, a presença dos franceses nas escolas militares
salvou o Exército da desmoralização total.
A despeito da insatisfação que causava aos militares, a Missão Francesa, que
por motivos políticos e fiscais ficaria no Brasil até a eclosão da 2ª Guerra Mundial,
atingiu alguns objetivos: inspirou oficiais a pensar politicamente, acima da política
partidária, a ser sacerdotes da Pátria e a ter a convicção de que poder militar e
defesa nacional eram intimamente ligados; enfatizou que os oficiais do Estado-Maior
eram parte, e não apartados, da nação e deveriam aplicar soluções militares a
problemas nacionais; destacou o papel civilizador das Forças Armadas na
sociedade, o que teria encorajado à ação os “Tenentes” e personalidades do
Exército que se destacariam na década seguinte, como o tenente-coronel Pedro
Aurélio de Góes Monteiro.
A geração de Tenentes formada pela “mão pesada” da Missão Indígena, unida
como uma família e com sentimento de superioridade em relação aos demais
oficiais, tivera contato com muitas realidades nacionais: vivendo no Realengo, os
alunos vizinharam com greves e manifestações da classe operária; a emergência do
Catolicismo, sob a influência do padre Miguel, colocou os alunos em contato com as
mazelas do povo. Ademais, a Missão Francesa imprimiu-lhe a politização. Esses
159
oficiais viam o Exército como o criador da República e os políticos como seus
traidores.
A indignação dessa geração aumentou quando o inimigo de Hermes, Artur
Bernardes, foi escolhido para suceder o presidente Epitácio Pessoa. Outra questão
que exaltou o ânimo revolucionário dos “Tenentes” foi a punição e recusa de anistia
aos rebeldes de 1922, que foram enquadrados no código penal. Dos cinquenta
envolvidos, onze não se entregaram ou não foram presos. Restou-lhes a deserção,
a clandestinidade e a luta armada. Sob o comando do general da reserva Isidoro
Dias Lopes, os irmãos capitães Joaquim e Juarez Távora e Newton Estillac Leal se
juntaram ao major da Força Paulista Miguel Costa e, em 1924, tomaram o poder na
cidade de São Paulo, tencionando rumar ao Rio de Janeiro para depor o presidente
Artur Bernardes.
Mas a repressão do governo federal foi rápida e violenta. O ministro
Setembrino nomeou o general Sócrates comandante da força incumbida de debelar
o movimento. A cidade foi bombardeada, havendo centenas de baixas civis, e
cercada. Com a falência dos serviços públicos e o cerco, restou aos rebeldes fugir
de trem, na direção do Mato Grosso. Foram, porém, obrigados pelas forças do cerco
a descer pelo rio Iguaçu e estabeleceram a resistência na cidade de Foz do Iguaçu.
No Rio Grande do Sul, guarnições rebeldes se juntaram às forças do “general”
Honório Lemes, formando uma tropa pitoresca e pouco eficaz, que logo foi
derrotada. Parte delas fugiria para o Paraná, a comando do capitão Luís Carlos
Prestes. O reforço vindo de cidades do Rio Grande do Sul formaria, em Foz do
Iguaçu, a coluna Miguel Costa – Prestes, pois o general Dias Lopes se exilara na
Argentina. A Coluna vagaria 25 mil quilômetros, por treze estados, até o início de
1927, com o ideal de manifestação de protesto armada contra o presidente Artur
Bernardes.
Perseguir e derrotar a Coluna passou a ser objetivo do governo. Mas o
Exército, que desmoronava lentamente, demonstrava, excetuando-se alguns oficiais,
pouca disposição para combatê-la. Porque muitos concordavam com as ideias da
Coluna e lá estavam alguns dos mais destacados oficiais, muitas vezes a ordem era
deixar passar. Enquanto isso, a sociedade se afastava mais de seu Exército e
questionava a validade de manter uma força armada composta por rebeldes. As
revoltas tenentistas solaparam o Exército e a autoridade do governo central.
160
A fraqueza da relação do Exército com o sistema político levou muitos oficiais
legalistas a aderir à causa tenentista. O tenente-coronel Góes Monteiro foi um deles.
Era natural de Alagoas, mas estabelecera vínculos com o Rio Grande do Sul, onde
estudou e se casou. Lá teve amigos comuns com o jovem Getúlio Vargas e com
Osvaldo Aranha. Mais tarde, no Rio de Janeiro, absorveu ideias dos Jovens Turcos
e de A Defesa Nacional. Durante o levante tenentista de 1922, fazia o curso de
Estado-Maior e apoiou o governo. Em 1924, quando foi mandado para Santos, a
serviço, contra os rebeldes de São Paulo, Góes deixou clara sua contrariedade ao
bombardeio da capital paulista. Em 1925, combateu a coluna Miguel Costa – Prestes
no Paraná e na Bahia.
Góes Monteiro foi influenciado pelos franceses e considerava que o Exército
estava no cerne dos problemas e soluções nacionais. Criticava abertamente o
governo por manter a Força Terrestre ineficiente. Reprovava também muitos colegas
dos destacamentos que combateram a Coluna pelo desinteresse em relação à
doutrina militar e ao autoaperfeiçoamento.
Também na imprensa as críticas ao presidente Artur Bernardes se
intensificaram. Acusavam-no de entregar o país a nações imperialistas. Editoriais e
matérias jornalísticas viam a revolução como única solução. E diante da escolha de
Júlio Prestes para suceder Artur Bernardes, ambos paulistas, na presidência, os
mineiros se somaram aos insatisfeitos, por considerar que se burlava a “Política dos
Governadores”. No início de 1929, os gaúchos se uniram aos mineiros e formaram a
Aliança Liberal, para contestar a escolha paulista. Para consolidar o apoio gaúcho,
os mineiros indicaram o governador do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, como
candidato da Aliança à disputa presidencial. O paraibano João Pessoa seria o
candidato a vice-presidente.
No caso de derrota, provável devido a fraudes eleitorais, a Aliança Liberal
aventou a possibilidade de fazer uma revolução. Poucos oficiais do Exército
apoiaram a Aliança, inicialmente. Mas também poucos estariam dispostos a dar a
vida para salvar o governo. Os Tenentes foram convidados a juntar-se à chapa de
Vargas, mas resistiram à ideia de conspirar com civis contra os quais haviam lutado.
Foram convencidos por Osvaldo Aranha. A nova geração de tenentes aderiu de
imediato, assim como os oficiais das guarnições fluminenses e gaúchas. Para
agradar os “Tenentes”, a Aliança Liberal incluiu no programa de reformas algumas
de suas reivindicações: voto secreto; atenção a problemas sociais; e, mais
161
importante, a anistia aos condenados de 1922. A aura tenentista interessava à
Aliança. Mas Luís Carlos Prestes, que a essa altura já se exilara em Buenos Aires,
enveredara para o Comunismo e considerava a Aliança Liberal burguesa.
O governo central achava que uma rebelião teria sua origem no Sul. Por isso,
mandou para lá oficiais de sua confiança. Dentre eles, o tenente-coronel Góes
Monteiro foi nomeado para comandar o quartel de São Luís das Missões. Sentiu-se
desprestigiado e mais disposto a conspirar. Osvaldo Aranha obteve o apoio de
Góes, que, à revelia, tornou-se o comandante da revolução.
Como já era previsto, Júlio Prestes venceu as eleições e o projeto da Aliança
Liberal se dissipou. Apesar disso, Góes manteve o ardor revolucionário e tinha
pronto um projeto de regeneração para o Brasil. Mas o assassinato do presidente da
Paraíba e ex-candidato a vice-presidente junto com Getúlio Vargas, João Pessoa,
reviveu os planos da Aliança Liberal. As lideranças revolucionárias queriam agir,
mas era preciso esperar a sucessão do governo mineiro, quando o vacilante Antônio
Carlos seria sucedido pelo revolucionário Olegário Maciel, em 7 de setembro de
1930.
No Rio Grande do Sul, havia vários indícios de rebelião: movimentos estranhos
da Brigada Militar, da Guarda Nacional e do Batalhão Patriótico; e sumiços sem
explicação de armamentos, munições e cavalos em guarnições do interior. No dia 23
de setembro, o comando rebelde expediu o Manifesto ao Soldado Rio-grandense,
deixando os nervos à flor da pele e as praças cada vez mais dispostas a atender ao
chamado dos revolucionários.
Ao mesmo tempo, na capital federal, o ministro Sezefredo estava isolado dos
generais que lideravam a oficialidade e alheio aos indícios, mergulhado em
atribuições que puxara para seu gabinete. O presidente Washington Luís não
acreditava na possibilidade de uma revolução e rejeitava os informes que chegavam.
Diante desse quadro, a balança pendeu para o lado revolucionário.
O deputado federal gaúcho Lindolpho Collor buscou, então, um apoio que seria
decisivo para o sucesso da Revolução: os generais. Escolheu o ex-chefe do EstadoMaior, Tasso Fragoso. O deputado teve tato para fazer parecer a Tasso que aquela
conversa era uma deferência, uma satisfação. E deu certo. O general sentiu-se
lisonjeado e, apesar da postura legalista, prometeu romper com a neutralidade, em
nome do patriotismo, se a Revolução obtivesse alcance nacional.
162
A essa altura, os oficiais revolucionários temiam que a crise econômica
tornasse o Comunismo uma opção viável para as massas. Era preciso agir. A frágil
disciplina militar logo seria rompida, em nome da regeneração nacional. A revolução
seria o veículo desse processo, no qual o Exército tinha papel importante. E Góes
Monteiro havia planejado uma reforma política, pretendendo criar um estado
autoritário que regenerasse o Brasil e evitasse sua fragmentação e colapso.
Somente os distraídos se surpreenderam com o estouro da revolução. Dentre
eles, o general Gil, comandante regional em Porto Alegre, recebera informes de
comandantes de guarnições que indicavam a eclosão do movimento. Mas o general
e sua guarda de oito militares foram surpreendidos com o ataque ao Quartel
General. Osvaldo Aranha negociou a rendição. Na maioria dos quartéis, quase todos
dispersos pelo solo gaúcho, a resistência foi fraca. Com a estrutura de comando do
Exército desmontada, foi fácil para os revolucionários chegar à vitória no Rio Grande
do Sul.
Vitoriosos no Sul, os revolucionários seguiram para o Norte, em direção ao Rio
de Janeiro. Após alguma resistência, as tropas federais em Minas Gerais foram
dominadas. No Nordeste, os quartéis cederam em três dias. Mas tropas do governo
dirigiram-se para o Sul e o enfrentamento com os revolucionários parecia questão de
tempo. O encontro se deu em Itararé, na divisa de Paraná e São Paulo. Mas as
tropas foram detidas por chuvas torrenciais e criou-se um impasse. Não havia,
porém, interesse revolucionário em enfrentar e destruir o Exército, que seria útil para
conter as massas, no caso de rebeliões futuras.
Com o tempo a favor da Revolução, tropas mineiras e nordestinas se
aproximavam do Rio de Janeiro, onde a conspiração contra Washington Luís se
intensificava. O governo parecia isolado. A população não atendera ao chamado da
mobilização dos reservistas da 1ª Região Militar. Em 19 de outubro, o general Mena
Barreto vira chegado o momento de salvar o Exército e evitar derramamento de
sangue em Itararé. Cabia aos generais uma ação pacificadora. Tasso Fragoso foi
então convidado a juntar-se ao movimento.
O emblemático Forte de Copacabana transformou-se no palco de uma rebelião
de generais. Tentou-se obter o apoio do ministro da Guerra e do chefe do EstadoMaior do Exército. Entretanto, ambos não cederam: o primeiro por discordar da
Revolução e o segundo por lealdade ao cargo. As constantes movimentações
fizeram o povo ir para a rua. E no meio da multidão, o 3º Regimento de Infantaria, a
163
comando do coronel José Pessoa, marchou em direção ao palácio do Catete. À
frente juntaram-se os generais Tasso Fragoso, Mena Barreto e Malan.
No Catete, os três generais, não sendo recebidos pelo presidente, tiveram de
procurá-lo para convencê-lo a renunciar. Depois de breve resistência, Washington
Luís reconheceu a derrota e partiu para o exílio. Com a determinação revolucionária,
não houve aos generais como não entregar o cargo a Getúlio Vargas, em 3 de
novembro. Mas a ação dos oficiais no Rio de Janeiro deu-lhes poder de barganha
nos momentos seguintes.
A Revolução de 1930 deixou clara a situação crítica do Exército que, naquele
momento, não era o “povo em armas”. A Força Terrestre era a principal vítima dos
eventos revolucionários, pois acabara de ser dividido por dois lados em disputa: os
agentes de um novo Brasil e os defensores do velho regime. A recuperação
institucional demandaria grande parte da década de 1930.
164
17 CONCLUSÃO
A participação do Exército na evolução política do Brasil, no período
compreendido entre a Proclamação da República e a Revolução de 1930 foi
marcante. Evidencia-se, porém, que na maioria das vezes essa participação foi
motivada por interesses políticos e/ou econômicos, individuais ou de um grupo, das
elites nacionais ou de militares. Nesse contexto, a instituição militar quase sempre
saía prejudicada, pois deixava de atender os anseios do povo que defende.
A Proclamação da República não foi um movimento nascido no Exército. As
elites e parte da classe militar, influenciadas pelo Positivismo, queriam acabar com a
Monarquia brasileira por entenderem que não atendia às necessidades de evolução
que o mundo vivia. A única instituição nacional que tinha condições de fazê-lo era o
Exército, liderado por Deodoro da Fonseca. A partir do momento que o velho general
e os militares, por diversas questões, se viram sem compromissos de defender o
imperador, a República foi feita.
Mas a mudança não atendia a um anseio da Nação como um todo. E a queda
da Monarquia e instauração da República não foi bem recebida em muitos lugares
do Brasil. O governo de Deodoro da Fonseca, depois assumido por seu vicepresidente Floriano Peixoto, precisou enfrentar diversos conflitos para evitar a
fragmentação nacional. E o Exército foi o instrumento de repressão de revoltas como
a da Armada, que se juntou aos restauradores federalistas da Guerra Civil no Sul.
O início conturbado e sangrento da República brasileira resultou no fim dos
governos militares, em 1895, e o início da Política do Café com Leite, no governo
civil de Prudente de Morais, que seria aperfeiçoada com a Política dos
Governadores, a partir do mandato de Campos Sales. Durante esse período, que se
estendeu até 1930, o Exército foi instrumento para a manutenção do poder pelas
oligarquias cafeeiras que dominavam o cenário nacional.
Nesses trinta e cinco anos, sucessivas crises econômicas mantiveram o
Exército com menos recursos do que era necessário para colocar em prática as
reformas que generais como Mallet, Argollo, Hermes da Fonseca, Caetano de Faria
e Tasso Fragoso se empenharam em fazer. Além disso, alguns governantes
deliberadamente mantiveram a Força Terrestre enfraquecida para que não pudesse
se opor à Política dos Governadores.
165
Mas houve ocasiões em que os partícipes do jogo entre políticos e oligarquias
não conseguiam resolver suas diferenças políticas locais, com o emprego de suas
forças de segurança, unidades da Guarda Nacional e batalhões patrióticos. Nesses
momentos, os governadores apelavam ao presidente, que não vacilava em
empregar o Exército na solução de simples querelas que haviam se tornado conflitos
com contornos de guerra civil. Assim foi em Canudos e no Contestado.
Até mesmo o governo do marechal Hermes da Fonseca, que para muitos
significou a ascensão do Exército e dos militares ao poder, foi envolvido em disputas
e rixas locais. A eleição de Hermes nasceu da incapacidade dos partícipes da
Política dos Governadores de resolver suas dissensões. Mas para chegar ao cargo,
o marechal precisou aliar-se a membros das elites republicanas, que travaram uma
luta com oligarquias regionais, ex-monarquistas que ressurgiam, após adaptarem-se
ao novo cenário político. Uma orgia de intervenções nos estados, o Movimento
Salvacionista, desacreditou o Exército perante os brasileiros e retardou ainda mais a
efetivação do serviço militar.
Em algumas situações de crise, os políticos e o povo brasileiros viram a
necessidade de possuir Forças Armadas prontas e capazes e de implantar o serviço
militar obrigatório. Assim ocorreu na virada do século XX, com a Questão do Acre e
o crescente militarismo mundial, também durante a onda nacionalista iniciada pelo
marechal Hermes da Fonseca e com a eclosão da 1ª Guerra Mundial. Mas essas
preocupações eram deixadas de lado, pelos brasileiros, quando a situação se
resolvia.
Não se pode, porém, abordar a política brasileira nas primeiras décadas do
século XX sem mencionar as novas gerações de oficiais que se sucederam após a
Guerra do Paraguai. Dentre esses militares, os doutores oficiais se uniram às elites e
à classe média e pressionaram pela Abolição da Escravatura e pela Proclamação da
República. Os “Jovens Turcos”, que treinaram com militares alemães, a partir de
1909, iniciaram uma campanha de profissionalização e germanização do Exército,
além de terem fundado a revista A Defesa Nacional e integrado a “Missão Indígena”.
Estas foram decisivas para a formação de uma nova geração de oficiais que
mudaria os rumos políticos do Brasil: os “Tenentes”.
Mas a participação do Exército na vida nacional não se limitou às intervenções
no campo político. É importante ressaltar a atuação das Forças Armadas na terrível
epidemia de gripe espanhola que assolou o Rio de Janeiro em 1918. Diante da
166
incapacidade dos órgãos de saúde governamentais o trabalho dos corpos médicos e
dos hospitais de campanha foi decisivo. Também no campo econômico, os militares
se destacaram ao adotar medidas pioneiras, como a compra de maquinários, a
importação de tecnologia, o treinamento de profissionais e, mais importante, a
conscientização dos brasileiros a respeito de que possuir indústria siderúrgica era
fundamental para o desenvolvimento econômico e, por consequência, de uma
indústria nacional, inclusive militar, tão necessária à segurança do Brasil.
Nos anos 1920, quando o velho e o novo Brasil se confrontaram, a atuação de
oficiais reformadores e do Movimento Tenentista foi decisiva para conduzir o país a
um novo futuro. Os “Tenentes”, que se diferenciavam dos demais oficiais por serem
impacientes, revoltaram-se em 1922, no Rio de Janeiro, e 1924, em São Paulo,
contra a política vigente e sua maneira de cuidar dos problemas nacionais. Foram
vencidos naqueles momentos e muitos seguiram em suas ações na clandestinidade,
como fizeram os integrantes da Coluna Miguel Costa – Prestes. As revoltas
tenentistas solaparam o Exército e a autoridade do governo central.
No final da década de 1920, a fraqueza das relações do Exército com o
sistema político levou oficiais antes legalistas a aderir à causa tenentista. Dentre
eles, o tenente-coronel Góes Monteiro foi o protagonista militar num movimento que
encerraria de vez a República Velha e inauguraria a Era Vargas. Góes Monteiro foi
atraído pelo projeto de poder idealizado pela Aliança Liberal, de gaúchos como
Getúlio Vargas e Osvaldo Aranha, mineiros e “Tenentes”. Além da insatisfação
política, os oficiais temiam que o caos econômico do país tornasse o Comunismo
uma opção viável às massas ignorantes.
Mas na Revolução de 30, o Exército seria a maior vítima porque, naquele
momento, não representava o agente de um novo país, mas era usado em defesa
dos interesses de políticos que queriam se perpetuar no poder, num velho regime.
No evento da deposição do presidente Washington Luís, um levante de generais –
Tasso Fragoso, Mena Barreto, Malan, dentre outros – abreviou o desfecho da
Revolução, evitou uma guerra civil, o derramamento de sangue e a destruição do
Exército.
Assim, fica claro que a participação do Exército na vida política nacional foi
intensa e relevante, no período estudado. Não houve outra instituição nacional que
tenha sido tão decisiva para as mudanças e os principais eventos ocorridos. Porém,
o preço disso para a Força Terrestre foi ter sido completamente desestruturada em
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sua organização e cadeia de comando. Somente com o trabalho de oficiais como os
generais Góes Monteiro e Eurico Dutra seria possível reerguê-lo, na década de
1930.
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