Ação - MPRN

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Ação - MPRN
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO DA COMARCA DE NATAL
Avenida Marechal Floriano Peixoto, 550, Tirol – Natal – CEP 59020-500 – fone/fax: (84)3232-7178
Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito de uma das Varas da Fazenda Pública da
Comarca de Natal-RN, a quem couber por distribuição:
O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, por meio da Promotoria de
Justiça de Defesa do Patrimônio Público de Natal-RN, no uso de suas prerrogativas
e atribuições, com arrimo no que prescreve o art. 129, inc. III, da Constituição
Federal; art. 84, inc. III, da Constituição Estadual; art. 25, inc. IV, alínea “b”, da Lei nº
8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público); e art. 1º, inc. IV da Lei nº
7.347/85; vem perante Vossa Excelência, com base nos elementos contidos nos
anexos do Inquérito Civil nº 109/02, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
em desfavor de
CARLOS ANTÔNIO BEZERRA DA CUNHA, brasileiro, servidor
público, residente e domiciliado na Rua Jener Andrade, 1157 - 59020460, Tirol, Natal-RN (CPF Nº 102.196.761-00);
FLÁVIO DELANO DIAS DO RÊGO, brasileiro, servidor público,
residente e domiciliado na Rua Abraham Tahim, 1940, Apto 601 Capim Macio, Natal-RN (CPF Nº 254.356.714-34);
GLEIRE BELCHIOR DE AGUIAR BEZERRA, brasileiro, servidor
público, residente e domiciliado na Rua Professor João Machado, 2875
- Cidade Jardim, Natal-RN (CPF Nº 242.832.674-15);
1
HEBERT COSTA GOMES, brasileiro, servidor público, residente e
domiciliado na Rua Dr. Manoel Dantas, 423 – apto 702 - Petrópolis,
Natal-RN (CPF Nº 369.992.884-53);
JOÃO MARIA TRAJANO DA SILVA, brasileiro, servidor público,
residente e domiciliado na Rua Dr. Lauro Pinto, 112 - Lagoa Nova,
Natal-RN (CPF Nº 222.453.244-04);
KÉCIA MARIA SOARES ABDON, brasileira, servidora pública,
residente e domiciliada na Av Rodrigues Alves, 1271, Apto 402 - Tirol,
Natal-RN (CPF Nº 313.957.404-53);
LUZIA SOUZA E SILVA AZEVEDO, brasileira, servidora pública,
residente e domiciliada na Rua Juvenal Lamartine, 978, Bloco C, Apto
702 - Barro Vermelho, Natal (CPF Nº 057.750.004-04);
MARIA DAS GRAÇAS GURGEL DE FARIA DINIZ, brasileiro, servidor
público, residente e domiciliado na Rua Hortêncio de Brito, 1030, Apto
1100 - Tirol, Natal-RN (CPF Nº 422.473.304-87);
MARIA GORETTI DE PAIVA ANDRADE NETO, brasileiro, servidor
público, residente e domiciliado na Rua Walter Duarte Pereira, 1708, Bl
03, Apto 303 - Capim Macio, Natal-RN (CPF Nº 107.893.404-53);
SÉRGIO COELHO DE MELO LIMA, brasileiro, servidor público,
residente e domiciliado na Rua Ismael Pereira da Silva, 1464, Casa Capim Macio, Natal-RN (CPF Nº 057.780.504-53);
SÉRGIO EDUARDO DA COSTA FREIRE, brasileiro, servidor público,
residente e domiciliado na Rua Henry Koster, 1051, Apto 401 - Tirol,
Natal-RN (CPF Nº 444.227.094-53);
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, pessoa jurídica de direito
público interno, representado pela Procuradoria-Geral do Estado,
localizada na av. Afonso Pena, n. 115, bairro Tirol, Natal/RN, CEP
59.020-100,
pelos fundamentos de fato e de direito que a seguir expõe:
I. DOS FATOS.
A) DO INQUÉRITO CIVIL N. 109/02 DA PROMOTORIA DE DEFESA DO
PATRIMÔNIO PÚBLICO DE NATAL E DA IDENTIFICAÇÃO DA NULIDADE DA
INVESTIDURA DOS SERVIDORES DEMANDADOS NO CARGO DE ASSESSOR
TÉCNICO LEGISLATIVO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO RN.
01.
O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, por intermédio da
Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público da Comarca de Natal,
instaurou, em junho de 2002, o Inquérito Civil nº 109/02, para apurar a regularidade
da acessibilidade aos cargos públicos de Procurador da Assembléia e de Assessor
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Técnico Legislativo, integrantes do quadro de pessoal permanente da Assembléia
Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte.
02.
Passados mais de cinco anos da instauração do aludido
procedimento, ao longo dos quais este Órgão Ministerial formulou inúmeras
requisições de informações, bem como teve de ajuizar uma Ação Cautelar de
Exibição de Documentos – Processo nº 001.02.0187428-0 1 buscando a obtenção
das informações a respeito de quem ocupava os cargos públicos de Procurador da
Assembléia e de Assessor Técnico Legislativo e qual a forma de provimento, a
Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, após resistir ao máximo
em colaborar com o Parquet potiguar, remeteu a documentação (fls. 206-220, 287,
294) comprobatória do enquadramento dos demandados e de outras pessoas em
cargos de provimento efetivo do quadro de pessoal permanente da Assembléia
Legislativa sem a necessária aprovação dos mesmos em prévio concurso público,
tal como exige a Constituição Federal em seu art. 37, II.
03.
Inicialmente, a investigação do MINISTÉRIO PÚBLICO
ESTADUAL sobre a inconstitucionalidade da investidura de servidores em cargos de
provimento efetivo da Assembléia Legislativa do RN era resultante da aparente falta
de amparo jurídico das Resoluções nºs. 26/90 e 005/94 daquele órgão legislativo, a
primeira a “enquadrar os bacharéis em direito com emprego de Assistente
Parlamentar de Nível Superior em cargo de Assessor Jurídico” (art. 3 o, §1o, fl. 09) e a
segunda a permitir o provimento dos cargos de Procurador da Assembléia
Legislativa por meio de promoção do cargo de Assessor Técnico Legislativo, que por
sua vez, foi o nome dado pela Resolução n. 010/91, da Assembléia Legislativa, para
o anterior cargo de Assessor Jurídico tratado pela Resolução n. 26/90.
04.
Com efeito, por meio das resoluções tratadas no parágrafo
anterior, a Assembléia Legislativa transformou o cargo de Assistente Parlamentar de
Nível Superior, que foi criado pela Lei Estadual 5.621/87 para serem ocupados por
servidores que não eram bacharéis em direito, em Assessor Jurídico, realizando o
respectivo enquadramento dos então assistentes parlamentares no novo cargo,
após a Constituição Federal de 1988, e sem concurso público. Em seguida,
renomeou o cargo de Assessor Jurídico para Assessor Técnico Legislativo
(Resolução n. 010/91) e, por fim, integrou os cargos de Assessor Técnico Legislativo
e Procurador da Assembléia em uma única carreira – de Serviços Jurídicos –
permitindo que assessores técnicos legislativos, por promoção, tivessem acesso ao
cargo de Procurador da Assembléia, o que ocorre até hoje.
05.
Contudo, após a análise das informações e os documentos
enviados pela Assembléia Legislativa, o MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
percebeu que a investidura de servidores no quadro permanente de pessoal daquele
órgão não se limitou aos casos de enquadramento de antigos assistentes
parlamentares de nível superior nos cargos de Assessor Jurídico, depois
transformados em Assessor Técnico Legislativo, mas também se estendeu a
pessoas que, possuindo algum tipo de vínculo funcional com algum órgão estatal ou
de prefeituras, foram colocadas em disponibilidade à Assembléia Legislativa e
depois enquadrados, sem maior pudor, no cargo de Assessor Técnico Legislativo,
tudo sem concurso público. Além disso, foi identificado caso em que uma pessoa,
1
Ressalte-se que aludida ação cautelar, embora extinta sem julgamento de mérito na primeira
instância, o Tribunal de Justiça reformou a decisão monocrática, porém, por incrível que pareça,
dessa decisão a Procuradoria Geral do Estado recorreu.
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mesmo sem qualquer vinculo funcional anterior comprovado e sem ter prestado
concurso público, bem como pessoas que ocupavam exclusivamente cargos
comissionados da estrutura da Assembléia que foram extintos, que foram também
diretamente enquadradas/absorvidas no cargo de Assessor Técnico Legislativo.
06.
No caso em exame, tratar-se-á unicamente destes últimos casos
identificados, referidos no parágrafo anterior, em que se verificou frontal violação da
Constituição Federal por parte do Estado do RN, por meio de sua Assembléia
Legislativa, que simplesmente enquadrou no cargo de Assessor Técnico Legislativo
servidores (os demandados) que, possuindo algum tipo de vínculo funcional anterior
em cargo totalmente diverso do de Assessor Técnico Legislativo da Assembléia, ou
mesmo não possuindo qualquer tipo de vínculo funcional identificado, foram
enquadrados no cargo acima referido do quadro de pessoal permanente do Poder
Legislativo Estadual.
B) DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ENQUADRAMENTO /ABSORÇÃO DOS
DEMANDADOS NO CARGO DE ASSESSOR TÉCNICO LEGISLATIVO DO QUADRO
PERMANENTE DE PESSOAL DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA EM FACE DA
AUSÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO.
07.
Conforme bem esclarece o ofício n. 0017/2008 – GP/ALRN,
constante dos anexos do Inquérito Civil nº 109/02 referentes aos demandados
ERICK WILSON PEREIRA, SÉRGIO AUGUSTO DIAS FLORÊNCIO e
WASHINGTON ALVES DE FONTES, que instrui a petição inicial, o histórico
funcional dos demandados são os seguintes:
CARLOS ANTÔNIO BEZERRA DA CUNHA
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●
O demandado era servidor da Secretaria de Planejamento e Finanças –
SEPLAN, admitido em 19/02/1991, matricula 91.898-9, ocupante do cargo
efetivo de Assessor Jurídico 1ª Categoria;
Posteriormente o demandado foi cedido à Assembléia Legislativa, sendo
enquadrado, por absorção, no quadro de Pessoal da Procuradoria Geral da
Assembléia Legislativa, Processo Nº 0822/97-PL, no cargo efetivo de
Assessor Técnico Legislativo, em 09/07/1997.
FLÁVIO DELANO DIAS DO RÊGO
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Inicialmente o demandado foi nomeado para exercer o cargo em comissão de
Diretor de Manutenção da Assembléia Legislativa, em 01/04/1989.
Posteriormente o demandado foi nomeado para exercer o cargo em comissão
de Assistente de Plenário da Assembléia Legislativa, em 01/03/1993, com
lotação no Gabinete do Plenário.
O demandado era originariamente servidor ocupante do cargo de Professor,
nível P7-C, matricula 59.190-4, da Secretaria de Estado da Educação e da
Cultura do RN; colocado à disposição da Assembléia Legislativa, em
29/11/1993, por meio do Ofício nº 1.070/93;
Por fim o demandado foi enquadrado, por absorção, no quadro de Pessoal da
Assembléia Legislativa, Processo Nº 001/1994-PL, no cargo efetivo de
Assessor Técnico Legislativo, em 26/05/1994, matricula nº 92.444-0, não
especificando a lotação.
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GLEIRE BELCHIOR DE AGUIAR BEZERRA
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Inicialmente o demandado era servidor da Secretaria de Administração,
lotado no Tribunal do Contas do RN, matrícula nº 96.293-7, no cargo de
Assessor Jurídico Estadual, Quadro Suplementar, Tabela I, Parte II, do
Quadro Geral de Pessoal do Estado do RN, nomeado em 03/07/1990;
Posteriormente foi transferido para Assembléia Legislativa em 01/01/1993,
ocupando o emprego de Técnico de Serviço de Apoio Parlamentar;
O emprego de Técnico de Serviço de Apoio Parlamentar foi transformado em
cargo público, por força da lei complementar nº 122/94, de 01/07/1994;
Por fim, o demandado foi enquadrado no quadro de Pessoal da Assembléia
Legislativa, Processo Nº 291/96-PL, no cargo efetivo de Assessor Técnico
Legislativo, em 30/11/1996, matricula nº 96.293-7.
HERBERT COSTA GOMES
●
●
O demandado era servidor do Instituto de Previdência do Estado do RN –
IPE/RN, matricula nº 1056, não havendo informação quanto ao cargo
ocupado;
Posteriormente o demandado foi cedido a Assembléia Legislativa, sendo
enquadrado, por absorção, no quadro de Pessoal da Procuradoria Geral da
Assembléia Legislativa, Processo Nº 1040/98-PL, no cargo efetivo de
Assessor Técnico Legislativo, em 25/06/1998, matricula nº 158.654-8.
JOÃO MARIA TRAJANO DA SILVA
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Inicialmente o demandado era servidor originado do Quadro de Pessoal da
Secretaria de Saúde Pública do RN, matricula nº 84.573-6, Assessor Jurídico
1ª categoria;
Posteriormente o demandado foi cedido a Assembléia Legislativa, sendo
enquadrado, por absorção, no quadro de Pessoal da Procuradoria Geral da
Assembléia Legislativa, Processo Nº 609/97-PL, no cargo efetivo de Assessor
Técnico Legislativo, em 26/09/1997, matricula nº 84.573-6.
KÉCIA MARIA SOARES ABDON
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A demandada era servidora originariamente da Secretaria de Administração
do RN, matricula nº 99.303-4, ocupante do cargo de Assessor Jurídico;
Posteriormente a demandada foi cedida à Assembléia Legislativa, sendo
enquadrada, por absorção, no quadro de Pessoal da Procuradoria Geral da
Assembléia Legislativa, Processo Nº 1053/97-PL, no cargo efetivo de
Assessor Técnico Legislativo, em 11/09/1997.
LUZIA SOUZA E SILVA AZEVEDO
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●
A demandada era servidora originariamente da Secretaria de Administração
do RN, matricula nº 31.494-3, ocupante do cargo de Assessor Jurídico 1ª
Categoria;
Posteriormente foi cedida à Assembléia Legislativa em 08/09/1997, lotada no
Gabinete do Deputado Nelson Freire;
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●
Por fim, a demandada foi transferida em definitivo e enquadrada, por
absorção, para o quadro de Pessoal da Procuradoria Geral da Assembléia
Legislativa, Processo Nº 02130/97-PL, no cargo efetivo de Assessor Técnico
Legislativo, em 27/01/1999.
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MARIA DAS GRAÇAS GURGEL DE FARIA DINIZ
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Inicialmente a demandada era servidora Secretaria de Trabalho e Ação Social
do Estado do RN, matricula nº 75.556-7, ocupante do cargo de Assessor
Jurídico 1ª Categoria;
Posteriormente foi cedida à Assembléia Legislativa em 19/12/1991, lotada no
Gabinete do Deputado Leonardo Arruda;
Por fim, a demandada foi transferida em definitivo e enquadrada, por
absorção, para o quadro de Pessoal da Procuradoria Geral da Assembléia
Legislativa, Processo Nº 0678/97-PL, no cargo efetivo de Assessor Técnico
Legislativo, em 18/09/1997.
MARIA GORETTI DE PAIVA ANDRADE NETO
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Inicialmente a demandada era servidora da Secretaria de Saúde Pública do
Estado do RN, matricula nº 76.278-8, ocupante do cargo de Assessor
Jurídico;
Posteriormente a demandada foi cedida à Assembléia Legislativa, sendo
enquadrada, por absorção, para o quadro de Pessoal da Procuradoria Geral
da Assembléia Legislativa, Processo Nº 01091/97-PL, no cargo efetivo de
Assessor Técnico Legislativo, em 26/09/1997.
SÉRGIO COELHO DE MELO LIMA
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Inicialmente o demandado servidor da Secretaria Estadual de Agricultura e
Abastecimento do RN, matricula nº 12155-0, ocupante do cargo de Assessor
Jurídico;
Posteriormente foi cedido à Assembléia Legislativa em 22/07/1991, lotada no
Gabinete do Deputado Leornardo Arruda Câmara;
Por fim, o demandado foi transferido em definitivo, da Secretaria Estadual de
Agricultura e Abastecimento do RN e enquadrado, por absorção, no quadro
de Pessoal da Procuradoria Geral da Assembléia Legislativa, Processo Nº
1479/95-PL, no cargo efetivo de Assessor Técnico Legislativo, em
07/05/1996.
SÉRGIO EDUARDO DA COSTA FREIRE
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●
Inicialmente o demandado era servidor da Secretaria de Trabalho e Ação
Social do Estado do RN, matricula nº 99055-8, ocupante do cargo de
Assessor Jurídico 3ª Categoria;
Posteriormente foi cedido à Assembléia Legislativa em 15/05/1995;
Por fim, o demandado foi transferido em definitivo, da Secretaria de Trabalho
e Ação Social do Estado do RN e enquadrado, por absorção, no quadro de
Pessoal da Procuradoria Geral da Assembléia Legislativa, Processo Nº
0566/97-PL, no cargo efetivo de Assessor Técnico Legislativo, em
13/05/1997.
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08.
Como se vê, os demandados, que inicialmente eram ocupantes
de cargos públicos em Secretarias de Estado do Rio Grande do Norte, foram, de
forma absurda e com evidente má-fé, transferidos do Poder Executivo para o Poder
Legislativo, sendo posteriormente enquadrados por absorção em cargo efetivo
integrante do quadro de pessoal permanente da Assembléia Legislativa, sem prestar
prévio concurso público, passando a ocupar o cargo de Assessor Técnico
Legislativo.
09.
Como visto, o enquadramento dos demandados no cargo de
Assessor Técnico Legislativo foi realizado sem prévia aprovação em concurso
público de provas ou de provas e títulos, que se constitui em pressuposto
fundamental, desde a entrada em vigor da nova ordem constitucional em outubro de
1988, para a investidura em cargos públicos de provimento efetivo.
10.
Convém esclarecer que, consoante informado no ofício nº
0017/2008 – GP/ALRN, da Presidência da Assembléia, no período de 1994 a 2002,
além
dos
demandados,
outras
pessoas
foram
irregularmente
enquadradas/absorvidas no cargo de Assessor Técnico Legislativo da Assembléia
do Estado do Rio Grande do Norte. Os históricos funcionais dessas pessoas são
variados, podendo ser agrupados nos seguintes grupos:
Grupo 1: Pessoas oriundas do BANDERN – DATANORTE – BDRN:
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Adelson Freitas dos Reis (Escriturário – BANDERN)
Eduardo Medeiros de Azevedo (Técnico Especializado D – CDM/RN)
José Pegado do Nascimento (Técnico de Nivel Superior – DATANORTE)
Possidônio José Rodrigues dos Santos (BANDERN)
Roberto Guedes da Fonseca (Editor Jornalista – DATANORTE)
Simone de Araújo Leal Petrovick Pereira (Auxiliar Administrativa – BDRN)
Grupo 2 : Pessoas oriundas de Prefeitura Municipal e de origem não informada
ou desconhecida:
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Luiz Benes Leocádio de Araújo – (Prefeitura de Lajes - Datilógrafo – Celetista)
Adriana Antunes Torres Marinho
Grupo 3 : Pessoas oriundas de Secretarias de Estado:
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Carlos Antônio Bezerra da Cunha (Assessor Jurídico)
Flávio Delano Dias do Rêgo – (Professor – P7)
Gleire Belchior de Aguiar Bezerra (Assessor Jurídico)
Hebert Costa Gomes (Cargo não informado)
João Maria da Silva (Assessor Jurídico)
Kécia Maria Soares Abdon (Assessor Jurídico)
Luzia Souza e Silva Azevedo (Assessor Jurídico)
Maria das Graças Gurgel de Faria Diniz (Assessor Jurídico)
Maria Goretti de Paiva Andrade Neto (Assessor Jurídico)
Sérgio Coelho de Melo Lima (Assessor Jurídico)
Sérgio Eduardo da Costa Freire (Assessor Jurídico)
7
Grupo 4 : Pessoas oriundas da FUHGEL, do Estado e do TCE-RN (natureza do
cargo desconhecida – comissionado ou efetivo):
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César Augusto da Costa Rocha – (Assessor Jurídico - FUHGEL)
Isabele da Costa Mesquita (Técnico Administrativo – FUHGEL)
Pio Marinheiro de Souza Filho (Assessor Jurídico – Gabinete Civil)
Rejane de Castro da Silveira Ferreira (Assessor Jurídico – FUHGEL)
Zélia Torquato de Oliveira (Cargo não informado – TCE)
Grupo 5 : Pessoas oriundas de Cargos Comissionados da Assembléia
Legislativa – Cargos Comissionados Extintos:
●
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●
Erick Wilson Pereira (Secretário Executivo)
Sérgio Augusto Dias Florêncio (Chefe de Gabinete da Procuradoria)
Washington Alves de Fontes (Assessor Auxiliar de Plenário)
11.
Como visto, embora em situações parcialmente diversas, todas
essas pessoas, inclusive os demandados, têm em comum o enquadramento no
cargo de Assessor Técnico Legislativo sem prévia aprovação em concurso público
de provas ou de provas e títulos, que se constitui em pressuposto fundamental,
desde a entrada em vigor da nova ordem constitucional em outubro de 1988, para a
investidura em cargos públicos de provimento efetivo.
12.
Na verdade, pela análise das diversas situações funcionais
acima mencionadas e das posições que algumas dessas pessoas ocupam na
sociedade potiguar, percebe-se claramente o uso indevido e despudorado do cargo
de Assessor Técnico Legislativo da Assembléia para a acomodação de
apadrinhados políticos, criando-se uma casta de privilegiados, em menoscabo a
deveres de honestidade, probidade, boa-fé e impessoalidade que deveriam guiar a
vida pública, mas que estão longe de permear o imaginário daqueles que são
responsáveis pela gestão estatal, os quais continuam se valendo dos bens públicos
para fins privados, em prática secular que evidencia a mesquinha e tacanha cultura
política do alto escalão de nossa sociedade.
13.
É importante destacar que dentre as pessoas que foram
beneficiadas com esses enquadramentos ilegais, não se encontra o cidadão
potiguar padrão, que pode ser observado cotidianamente a espera de seu ônibus
nos terminais de Natal para uma jornada de trabalho exaustiva. Há sim, entre essas
pessoas, muitas, senão todas, com parentesco ou ligações com pessoas detentoras
do Poder Político ou que ocupam altos cargos no Poder Público, consoante quadro
exemplificativo abaixo:
PESSOA ENQUADRADA
ADRIANA ANTUNES TORRES MARINHO
CESAR AUGUSTO DA COSTA ROCHA
ERICK WILSON PEREIRA
APADRINHAMENTO OU RELAÇÃO
COM PESSOA INFLUENTE
Esposa do Procurador de Justiça e exProcurador Geral de Justiça e Secretário de
Defesa Social Anísio Marinho Neto
Filho do ex-Procurador Geral da Assembléia e
ex-Procurador da República FRANCISCO DAS
CHAGAS ROCHA
Filho do ex-Procurador Geral da Assembléia e
atual Ministro do TST Emanoel Pereira
8
ISABELLE DA COSTA MESQUITA
JOSÉ PEGADO DO NASCIMENO
LUIZ BENES LEOCÁDIO DE ARAÚJO
MARIA DAS GRAÇAS GURGEL DE FARIA
DINIZ
PIO MARINHEIRO DE SOUZA FILHO
POSSIDÔNIO JOSÉ RODRIGUES DOS
SANTOS
SÉRGIO AUGUSTO DIAS FLORÊNCIO
SÉRGIO EDUARDO DA COSTA FREIRE
WASHINGTON ALVES DE FONTES
Filha do ex-Deputado e atual Conselheiro do
TCE-RN Valério Mesquita
Ex-Secretario Adjunto da SETHAS e atual
Assessor Especial do Gabinete Civil do
Governador
ex-Prefeito do Município de Lages-RN
Prima da Governadora Vilma de Faria
Ex-Vereador de Natal-RN
Filho do ex-Deputado e atual Prefeito do
município de Serrinha-RN Manoel do Carmo
Primo do ex-Presidente da Assembléia, exDeputado Federal e atual Deputado Estadual
Álvaro Dias
Irmão do ex-Presidente da Câmara Municipal do
Natal e ex-Deputado Estadual Paulinho Freire
Genro do ex-Deputado Estadual Leônidas
Ferreira
14.
Ressalte-se que esse cargo de Assessor Técnico Legislativo, ao
qual essas pessoas e os demandados tiveram, de má-fé, acesso com a burla do
primado do concurso público, não é um cargo público qualquer do quadro da
estrutura de pessoal da Administração Pública Estadual. Trata-se, sim, de um cargo
do alto escalão do Serviço Público Estadual, com remuneração semelhante a de
Juiz de Direito ou Promotor de Justiça de 3ª entrância.
15.
É importante destacar que, na mesma situação que os
demandados e que essas pessoas acima referidas, existiam centenas de outros
servidores públicos que, por não terem algum apadrinhamento político, tiveram que
ter acesso ao serviço público por meio da via republicana do concurso público.
Convém frisar, por oportuno, que após o advento da Constituição Federal de 1988, a
Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte não realizou concurso
público para o provimento de qualquer cargo. Aliás, ressalte-se que tramita perante
esta Promotoria de Justiça o Inquérito Civil nº 160/02, que investiga a investidura
sem concurso público, em situações semelhantes a tratadas na presente petição, de
mais de 160 (cento e sessenta) pessoas, em diversos cargos administrativos do
quadro de pessoal da Assembléia Legislativa.
C) DA
INCONSTITUCIONALIDADE DO ENQUADRAMENTO /ABSORÇÃO DOS
DEMANDADOS NO CARGO DE ASSESSOR TÉCNICO LEGISLATIVO DO QUADRO
PERMANENTE DE PESSOAL DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA EM FACE DA
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE.
16.
Além de inconstitucionais por violação do primado do concurso
público
para
acessibilidade
aos
cargos
públicos,
todos
esses
enquadramentos/absorções dos demandados ou das demais pessoas no cargo de
Assessor Técnico Legislativo da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do
Norte, também foram realizados com séria violação ao princípio constitucional da
publicidade dos atos administrativos (art. 37, caput, da CF).
9
17.
Isso
porque
esses
atos
administrativos
de
enquadramentos/absorções, ou seja, de provimento de cargos públicos, não foram
publicados no Diário Oficial do Estado, veículo institucional onde devem ser
publicados os atos da Administração Pública, especialmente aqueles relativos ao
provimento de cargos públicos. De fato, todos esses atos de enquadramento e
absorções somente foram publicados no Boletim Oficial da Assembléia Legislativa.
18.
O art 6º, da Lei Complementar Estadual nº 122/94, estabelece
que o provimento de cargo público no âmbito da Administração Estadual “realiza-se
mediante ato da autoridade competente de cada Poder ou órgão equivalente e só
produz efeitos a partir de sua publicação no jornal oficial”.
19.
Como
se
vê,
os
atos
de
provimento
(enquadramentos/absorções) dos demandados e das demais pessoas acima
relacionadas, no cargo de Assessor Técnico Legislativo da Assembléia Legislativa
além de inconstitucionais em face da ausência do concurso público, são
inconstitucionais também, e não produziram efeitos, em razão da violação do
princípio da publicidade dos atos administrativos. Realmente, tais atos são quase
clandestinos, na medida em que o alcance da publicação no aludido Boletim Oficial
é muito restrito, e nem de longe atende ao princípio da publicidade dos atos
administrativos encartado no art. 37, caput, da Constituição Federal, já que a
publicidade se restringe ao âmbito da Assembléia Legislativa.
D) SOBRE O CARGO DE ASSESSOR TÉCNICO LEGISLATIVO.
20.
É preciso deixar claro, nesse ponto da exposição dos fatos, que
o cargo de Assessor Técnico Legislativo, em que foram enquadrados ilegitimamente
os demandados, é oriundo de uma série de mudanças legislativas que culminaram
por transformá-lo especialmente atrativo para aqueles que possuem conhecimento
superior na área jurídica, conforme se passa a demonstrar.
21.
A origem do cargo de Assessor Técnico Legislativo se deu pela
Lei Estadual 5.621/87 (fl. 221), que em art. 2 o e parágrafo único, transformou os
antigos empregos de Técnicos Especializados “A”, “B” e “C”, da Assembléia
Legislativa, em empregos de Assessor Jurídico, Economista, Administrador,
Estatístico, Contador, Assistente Social, Sociólogo, Jornalista e Secretário
Legislativo, desde que os ocupantes dos antigos empregos transformados pela lei
fossem, respectivamente, profissionais com graduação superior em Direito,
Economia, Administração, Estatística, Ciências Contábeis, Serviço Social, Ciências
Sociais, Jornalismo e Secretariado Executivo.
22.
Por sua vez, caso o ocupante do emprego de Técnico
Especializado “A”, “B” ou “C” possuísse graduação de nível superior em curso
diverso dos acima referidos, determinou a lei que o respectivo emprego técnico
especializado fosse transformado no emprego de Assistente Parlamentar de Nível
Superior (parágrafo único do art. 2o da Lei Estadual n. 5.621/87).
23.
Em seguida, por meio da Resolução n. 26/90 (já após a
Constituição Federal de 1988), a Assembléia Legislativa enquadrou os ocupantes do
emprego de Assistente Parlamentar de Nível Superior que fossem bacharéis em
direito em cargos de Assessor Jurídico (art. 3 o, §1o, fl. 009). Destarte, a partir de
10
então, tinham-se assessores jurídicos que foram originados da transformação
realizada pela Lei Estadual 5.621/87 e os que foram originados do enquadramento
autorizado pela Resolução n. 26/90 da Assembléia Legislativa.
24.
Na seqüência de contornos jurídicos adotados pelo Poder
Legislativo do RN, foi editada a Resolução n. 010/91 (fl. 10), rebatizando o cargo de
Assessor Jurídico, que a partir de então passou a se chamar justamente de
Assessor Técnico Legislativo.
25.
Por fim, sobreveio a Resolução n. 005/94 (fls. 14-15), da
Assembléia Legislativa do RN, que integrou as carreiras de Assessor Técnico
Legislativo e Procurador da Assembléia, que passaram a compor a carreira de
“Serviços Jurídicos” (art. 1o), sendo que o cargo inicial da carreira seria o de
Assessor Técnico Legislativo, do qual deveria haver promoção para o provimento
dos cargos de Procurador da Assembléia.
26.
A partir, portanto, dessa nova Resolução nº 005/94, permitiu-se
o acesso por promoção dos cargos de Assessor Técnico Legislativo para os cargos
de Procurador da Assembléia, tornando, portanto, o cargo de Assessor Técnico
Legislativo – na origem apenas um cargo de assessoramento, na forma do art. 3 o,
VI, da Lei Estadual 5.744/88 (fl. 246) – em porta de acesso de cargo de mais
elevada competência e, em conseqüência, de remuneração mais robusta, com
atribuições de representar, judicial e extrajudicialmente, o Poder Legislativo
Estadual.
27.
Daí todo o interesse criado em torno do cargo de Assessor
Técnico Legislativo, que passou, por isso mesmo, a ser ocupado indevidamente
pelos demandados.
II – DA IMPOSSIBILIDADE, APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988, DE INVESTIDURA EM CARGO PÚBLICO DE PROVIMENTO
EFETIVO SEM PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO DE
PROVAS OU DE PROVAS E TÍTULOS ESPECÍFICO PARA O CARGO
PRETENDIDO.
28.
Dispõe a Constituição Federal de 1988, em comando claríssimo,
que:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta, de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação
prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo
com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma
prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração;”
11
29.
Comentando tal dispositivo, aduz o professor de Direito
Constitucional da PUC/SP UADI LAMMÊGO BULOS (Curso de Direito
Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 802):
“Os destinatários do princípio constitucional da exigibilidade de concurso
público são os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. As autarquias, empresas
públicas, sociedades de economia mista, inclusive as que se destinam a
explorar atividade econômica (CF, art. 173, §1o), também se enquadram
na obrigatoriedade de certames públicos. Apenas nas funções de
confiança abre-se mão do princípio, nos termos da lei, e, mesmo assim,
nada obsta que se realizem concursos para avaliar o mérito e o preparo
dos ocupantes da atividade pública. Evidente que será inconstitucional o
provimento de cargos diversos daquele para os quais o servidor prestou
concurso público, pouco importando se houver transformação de postos
ou transferência de servidores” (grifado)
30.
Ratificando o mesmo pensar, veja-se a lição do também
professor KILDARE GONÇALVES CARVALHO (Direito Constitucional, 11a ed., Belo
Horizonte: Del Rey, 2005, 585):
“a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação
prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, de acordo com
a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em
lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei
de livre nomeação e exoneração. Acrescente-se a essa norma
constitucional o inciso IX do art. 37, que prescreve: ‘a lei estabelecerá os
casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público’. Assim, a primeira exceção à
regra do concurso reclama que a lei determine expressamente quais os
cargos de confiança que podem ser providos por pessoas estranhas ao
funcionalismo e sem o concurso público, e a segunda exceção depende
da ocorrência desses requisitos: a) excepcional interesse público; b)
temporariedade da contratação; c) hipóteses expressamente previstas em
lei, que poderá ser federal, estadual, distrital ou municipal, segundo a
entidade contratadora. Acentue-se finalmente que a exigência do
concurso público se impõe não só para a primeira investidura, mas ainda
para as hipóteses de transformação de cargos e transferência de
servidores para outros cargos ou categorias funcionais diversas das
iniciais” (grifado)
31.
A partir dos ensinamentos consignados, bem como da leitura do
texto do art. 37, II, acima citado, no âmbito do contexto do sistema principiológico
constitucional, em que evidentemente são supervalorizados os vetores da
impessoalidade, da moralidade, da isonomia e da finalidade pública no trato das
questões administrativas (art. 37, caput, da Carta Magna), tudo em decorrência do
fato de que o Brasil se constitui em “Estado Democrático de Direito” (art. 1 o da CF),
orientado para a concretização dos direitos fundamentais das mais diversas
dimensões e para a otimização da igualdade material em benefício de sua
população, percebe-se que a exigência do concurso público para a prévia
12
investidura em cargos públicos de provimento efetivo bem como provimento
derivado de cargos ou empregos por servidores já anteriormente investidos,
homenageia o princípio do mérito no acesso aos cargos e empregos públicos, que
intenta trazer para os quadros de pessoal das diversas administrações estatais os
profissionais que se demonstrarem mais aptos durante um processo seletivo
formalmente regrado por lei, barrando, por outro lado, qualquer prática que objetive
a apropriação dos cargos e empregos públicos por quem não demonstrar
previamente, em igualdade de condições com outros candidatos, possuir tal
merecimento de investidura.
32.
Já no longínquo ano de 1994, o Supremo Tribunal Federal, pelo
seu órgão plenário, na ADI n. 248/RJ, relator Ministro Celso de Mello (DJ de
08/04/1994), consignou expressamente a plena impossibilidade de provimento de
cargos ou empregos públicos, com exceção dos cargos de provimento em comissão
e das contratações temporárias por excepcional interesse público, sem o prévio
concurso público, seja para a investidura originária, seja para o provimento derivado
através de transferências, absorções, ascensões, enquadramentos e quejandos,
sendo inconstitucionais quais normas que autorizassem tal burla à Carta Maior. Eis a
ementa do referido julgado:
“EMENTA: ADIN - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
(ADCT, ARTS. 69 E 74) - PROVIMENTO DERIVADO DE CARGOS
PUBLICOS (TRANSFERENCIA E TRANSFORMAÇÃO DE CARGOS) OFENSA AO POSTULADO DO CONCURSO PÚBLICO - USURPAÇÃO
DO PODER DE INICIATIVA CONSTITUCIONALMENTE RESERVADO
AO CHEFE DO EXECUTIVO - PROCEDENCIA DA AÇÃO. - Os Estadosmembros encontram-se vinculados, em face de explicita previsão
constitucional (art. 37, caput), aos princípios que regem a Administração
Pública, dentre os quais ressalta, como vetor condicionante da atividade
estatal, a exigência de observância do postulado do concurso público (art.
37, II). A partir da Constituição de 1988, a imprescindibilidade do certame
público não mais se limita a hipótese singular da primeira investidura em
cargos, funções ou empregos públicos, impondo-se as pessoas estatais
como regra geral de observância compulsória. - A transformação de
cargos e a transferência de servidores para outros cargos ou para
categorias funcionais diversas traduzem, quando desacompanhadas da
previa realização do concurso público de provas ou de provas e títulos,
formas inconstitucionais de provimento no Serviço Público, pois implicam
o ingresso do servidor em cargos diversos daqueles nos quais foi ele
legitimamente admitido. Insuficiência, para esse efeito, da mera prova de
títulos e da realização de concurso interno. Ofensa ao princípio da
isonomia. - A iniciativa reservada das leis que versem o regime jurídico
dos servidores públicos revela-se, enquanto prerrogativa conferida pela
Carta Política ao Chefe do Poder Executivo, projeção especifica do
princípio da separação de poderes. Incide em inconstitucionalidade formal
a norma inscrita em Constituição do Estado que, subtraindo a disciplina
da matéria ao domínio normativo da lei, dispõe sobre provimento de
cargos que integram a estrutura jurídico-administrativa do Poder
Executivo local. - A supremacia jurídica das normas inscritas na Carta
Federal não permite, ressalvadas as eventuais exceções proclamadas no
13
próprio texto constitucional, que contra elas seja invocado o direito
adquirido. Doutrina e jurisprudência”.
33.
Tal orientação do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, foi
mantida pelas diversas formações da Egrégia Corte, sendo repetida diuturnamente
nos julgados do colegiado até nos dias atuais, conforme se verifica pelo seguinte
precedente do Plenário do STF (ADI n. 3442/MT, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ
07/12/2007, unanimidade):
“EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Arts. 68, 69 e 70 da
Lei nº 8.269/2004, do Estado de Mato Grosso, que permitem o
provimento de cargos efetivos por meio de reenquadramento. 3. Violação
ao artigo 37, II, da Constituição da República, que dispõe sobre a
exigência de concurso público para a investidura em cargo ou emprego
público. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente”.
34.
Em seu voto, acolhido por todos os ministros do Plenário do
Supremo Tribunal Federal, o Min. Gilmar Mendes assim resumiu o entendimento da
Corte Superior sobre a matéria:
“A Constituição de 1988, ao exigir a prévia aprovação em concurso
público como a única forma de investidura em cargo ou emprego público,
e não mais apenas para a primeira investidura, como previsto pela ordem
constitucional anterior, baniu do ordenamento jurídico as formas de
provimento derivado, como a ascensão funcional e a transferência, que
tornam possível a investidura de servidores em outros cargos para os
quais são prestaram o específico concurso público.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é pacífica quanto ao
tema da indispensabilidade do concurso público para provimento de
cargos e empregos públicos, conforme se depreende do enunciado da
Súmula/STF n. 685: ‘É inconstitucional toda modalidade de provimento
que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso
público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira
na qual anteriormente investido’.
A fim de corroborar tal entendimento, mencionem-se alguns julgados
mais recentes: ADI 3.190. Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ
24.11.2006; ADI 3.061, Pleno, unânime, Rel. Min. Carlos Britto, DJ
9.6.2006; ADI 3.332, Pleno, unânime, Rel. Min. Eros Grau, DJ
14.10.2005; ADI 3.519, Pleno, unânime, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ
30.09.2005.”
35.
Além dos precedentes transcritos, cabe ainda referência aos
seguintes julgados do Supremo Tribunal Federal:
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE.
ASCENSÃO
OU ACESSO, TRANSFERÊNCIA E APROVEITAMENTO NO TOCANTE
A CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS.
- O CRITÉRIO DO MÉRITO AFERÍVEL POR CONCURSO PÚBLICO DE
PROVAS OU DE PROVAS E TÍTULOS É, NO ATUAL SISTEMA
CONSTITUCIONAL, RESSALVADOS OS CARGOS EM COMISSÃO
DECLARADOS EM LEI DE LIVRE NOMEAÇÃO E EXONERAÇÃO,
14
INDISPENSÁVEL PARA CARGO OU EMPREGO PÚBLICO ISOLADO
OU EM CARREIRA. PARA O ISOLADO, EM QUALQUER HIPÓTESE;
PARA O EM CARREIRA, PARA O INGRESSO NELA, QUE SÓ SE FARÁ
NA CLASSE INICIAL E PELO CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS OU
DE PROVAS E TÍTULOS, NÃO O SENDO, PORÉM, PARA OS CARGOS
SUBSEQÜENTES QUE NELA SE ESCALONAM ATÉ O FINAL
PROVIMENTO QUE É A “PROMOÇÃO”.
- ESTÃO, POIS, BANIDAS DAS FORMAS DE INVESTIDURA
ADMITIDAS
PELA
CONSTITUIÇÃO
A
ASCENSÃO
E
A
TRANSFERÊNCIA, QUE SÃO FORMAS DE INGRESSO EM CARREIRA
DIVERSA DAQUELA PARA A QUAL O SERVIDOR PÚBLICO
INGRESSOU POR CONCURSO, E QUE NÃO SÃO, POR ISSO MESMO,
ÍNSITAS AO SISTEMA DE PROVIMENTO EM CARREIRA, AO
CONTRÁRIO DO QUE SUCEDE COM A PROMOÇÃO, SEM A QUAL
OBVIAMENTE NÃO HAVERÁ CARREIRA, MAS, SIM, UMA SUCESSÃO
ASCENDENTE DE CARGOS ISOLADOS.
- O INCISO II DO ARTIGO 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL TAMBÉM
NÃO PERMITE O “APROVEITAMENTO”, UMA VEZ QUE, NESSE
CASO, HÁ IGUALMENTE O INGRESSO EM OUTRA CARREIRA SEM O
CONCURSO EXIGIDO PELO MENCIONADO DISPOSITIVO.
- AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE QUE SE JULGA
PROCEDENTE PARA DECLARAR INCONSTITUCIONAIS OS ARTIGOS
77 E 80 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS DO ESTADO DO
RIO DE JANEIRO.” (ADIn 231-RJ, rel. Min. Moreira Alves, j. 05.08.92,
publicada no DJ de 13.11.92, pág. 20848, Pleno, por maioria de
votos).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRELIMINAR.
EXIGÊNCIA DE DEFESA DO ATO OU TEXTO IMPUGNADO PELO
ADVOGADO GERAL DA UNIÃO. PROVIMENTO DE CARGOS DE
CARREIRA DE PROCURADOR DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA SEM
CONCURSO PÚBLICO, ART.68 DO A.D.C.T. DA CONSTITUIÇÃO DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
1. Preliminar: A Constituição exige que o Advogado Geral da União, ou
quem desempenha tais funções, faça a defesa do ato impugnado em
ação direta de inconstitucionalidade. Inadmissibilidade de ataque à norma
por quem está no exercício das funções previstas no § 3.
2. O art. 68 do A.D.C.T. fluminense, reportando-se ao § 1º do art. 121 das
disposições permanentes e ao art. 11 da Lei nº 1.279/88, o qual alterou o
art. 18 da lei 804/84, determina, de forma enigmática, o “aproveitamento”
de ocupantes de cargo de Assistente Jurídico na carreira de Procurador
da Assembléia Legislativa. O § 1º do art. 97 da carta de 1969 exigia
concurso público para a “primeira investidura” no serviço público, e não
para o cargo inicial da carreira, além de ressalvar outros casos indicados
em lei; permitia, pois, o provimento derivado de cargos públicos pelo
acesso, transferência, aproveitamento e progressão funcional.
Precedente: Repr. nº1.163-PI. O art. 37, II, da Constituição exige
concurso público para investidura em qualquer cargo público, salvo para
os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e
exoneração e para os cargos subseqüentes da carreira, cuja investidura
se faz pela forma de provimento denominada “promoção”. Não permite,
pois, o provimento por ascensão ou acesso, transferência e
15
aproveitamento de servidor em cargos ou empregos públicos de outra
carreira, diversa daquela para a qual prestou concurso público.
Precedente: ADIN nº 231-RJ.
3. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade e
a conseqüente ineficácia do artigo 68 do A.D.C.T., desde a promulgação
da Constituição Fluminense.” (ADIn 242/RJ, Pleno, rel. Min. Paulo
Brossard; j. 20/10/94).
“DESVIO DE FUNÇÃO – ENQUADRAMENTO. O fato de ocorrer desvio
de função não autoriza o enquadramento do servidor público em cargo
diverso daquele em que foi inicialmente investido, mormente quando não
estão compreendidos em uma mesma carreira. O deferimento do pedido
formulado, passado a ser o servidor de Motorista Diarista a Detetive de
Terceira Classe sem o concurso público, vulnera o inciso II do artigo 37
da Constituição Federal de 1988.”
(RE 165128/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 12/12/96,
publicado no DJ em 15/03/96; p. 07209).
"I- Concurso público: exigência incontornável para que o servidor seja
investido em carreira diversa.
À vista da Constituição de 1988, consolidou-se definitivamente no STF
que- ressalvado exclusivamente o provimento derivado mediante
promoção- que pressupõe a integração de ambos os cargos na mesma
carreira-, são inadmissíveis quaisquer outras formas de provimento do
servidor público, independentemente de concurso público, em cargo
diverso daquele para do qual seja titular a qualquer título, precedido ou
não a nova investidura de processo de seleção interno ou habilitação:
precedentes." (STF - RE n. 143.807, Relator Min. Sepúlveda Pertence,
publicado no Informativo do STF nº 185, de 27 de abril de 2000)
36.
Como visto, tão pacífico é o entendimento da Suprema Corte,
que foi editado verbete de sua súmula de jurisprudência, sob o nº 685, com o
seguinte texto: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie
ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado
ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente
investido”.
37.
Ora, tudo o que foi dito até o momento é pertinente ao caso ora
tratado, uma vez que os demandados e as pessoas acima referidas foram todos
“absorvidos” ou “enquadrados”, de má-fé, no cargo de Assessor Técnico Legislativo,
de provimento efetivo por prévio concurso público, conforme art. 2 o da Resolução nº
005/94, sem terem sido previamente aprovados em concurso público destinado ao
provimento do referido cargo.
38.
Pela análise da situação dos demandados (ver item I. b, acima),
percebe-se que estes eram ocupantes de cargos públicos em Secretarias de Estado
foram, de forma ilegal, transferidos do Poder Executivo para o Poder Legislativo,
sendo posteriormente enquadrados no cargo efetivo de Assessor Técnico
Legislativo, tudo, como já se assinalou, de má-fé e com a burla a regra
constitucional do concurso público.
16
39.
Essa situação configura FLAGRANTE e ABSURDA violação ao
art. 37, II, da Constituição Federal, bem como ao enunciado nº 685 da súmula de
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por parte do Estado do Rio Grande do
Norte, através da sua Assembléia Legislativa. Destarte, seja qual for o fundamento
legal utilizado para realizar o enquadramento ou absorção dos demandados no
cargo de Assessor Técnico Legislativo, tal fundamento deve ser afastado por
inconstitucionalidade evidente, para em conseqüência ser reconhecida a nulidade da
investidura dos demandados no cargo de Assessor Técnico Legislativo bem como
de todos os atos administrativos posteriores relacionados à carreira dos requeridos
iniciada pelo enquadramento inconstitucional dos mesmos no citado cargo, tudo na
forma do § 2o do art. 37 da Constituição Federal2.
III - DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA.
40.
O legislador brasileiro, em 1994, mais precisamente pela Lei nº
8.952, de 13.12.94, inovou ao criar, no Código de Processo Civil, a possibilidade de
antecipação da tutela jurisdicional quando, existindo prova inequívoca, convença-se
o juiz da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou
de difícil reparação, nos exatos termos do artigo 273 do diploma processual civil, in
verbis:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde
que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da
alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;”
41.
Tal previsão normativa, tal como outras reformas no bojo do
processo civil brasileiro, como a introdução da sentença mandamental e executiva
lato sensu (art. 461 e 461-A do CPC) e a previsão do direito fundamental à razoável
duração do processo3 e aos meios que o tornem efetivo, objetivou quebrar o
paradigma do “procedimento ordinário” até então vigente, em virtude do qual o autor,
independentemente da situação de direito material posta nos autos, deveria esperar
todo o desenrolar do procedimento ordinário, até o trânsito em julgado da sentença
ou do acórdão de mérito, para ter direito a uma resposta jurisdicional ao seu pedido,
resposta esse que se limitava às sentenças declaratória, constitutiva ou
condenatória, muitas vezes inaptas para tutelar com efetividade o direito alegado na
petição inicial.
42.
A partir da situação mencionada, percebeu-se que o tempo do
processo era um ônus criado pelo próprio Estado em virtude da proibição, por ele
estabelecida (art. 345 do Código Penal), da vingança privada por parte do cidadão
2
Note-se que a cominação de nulidade é expressa no próprio texto constitucional ao estabelecer que
“a não observância do disposto nos incisos II e III, implicará a nulidade do ato” (art. 37, § 2º).
3
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
17
como forma de proteção e realização de seu direito. E já que o próprio Estado exigia
que o autor sempre fizesse prova do seu direito antes de obter alguma resposta
jurisdicional, impondo ao mesmo que aguardasse todo o desenrolar processual, que
poderia chegar a décadas, não se demorou muito a concluir que, em determinados
casos, quando o direito do autor fosse evidente ou em casos em que a questão de
direito material exigisse pronta resposta, sob pena de grave dano, constituiria
extrema injustiça submeter aquele que tivesse um direito com boa probabilidade de
acolhida a aguardar todo o processo para ser protegido, beneficiando-se, assim, o
réu que não tinha qualquer razão.
43.
Daí a motivação do legislador ao instituir a técnica processual
da antecipação dos efeitos da tutela final pretendida. Tal técnica deve, portanto, ser
entendida não sob os olhos das garantias clássicas do procedimento ordinário e
patrimonialista, em que todos os direitos poderiam ser convertidos em pecúnia 4, e,
portanto, poderiam esperar até o trânsito em julgado do feito para serem protegidos,
mas sim segundo as lentes do direito fundamental ao acesso à tutela jurisdicional
efetiva, garantido no art. 5 o, XXXV, da Constituição Federal, que objetiva, entre
outras coisas, dar a cada situação de direito material uma tutela específica tão
rápida quanto mais evidente ele for e quando maior o dano causado pela demora na
sua satisfação.
44.
Neste sentido, preciosa a lição de LUIZ GUILHERME
MARINONI (A antecipação da tutela, 7a ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 29):
“A tutela antecipatória, agora expressamente prevista no Código de
Processo Civil (art. 273), é fruto da visão da doutrina processual
moderníssima, que foi capaz de enxergar o equívoco de um
procedimento destituído de uma técnica de distribuição do ônus do
tempo do processo. A tutela antecipatória constitui instrumento da mais
alta importância para a efetividade do processo, não só porque abre
oportunidade para a realização urgente dos direitos em casos de
fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação mas também
porque permite a antecipação da realização dos direitos no caso de
abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.
Desta forma concretiza-se o princípio de que a demora do processo
não pode prejudicar o autor que tem razão e, mais do que isso,
restaura-se a idéia – que foi apagada pelo cientificismo de uma teoria
distante do direito material – de que o tempo do processo não pode ser
um ônus suportado unicamente pelo autor”.
45
No caso em exame, é preciso ter em mente que se objetiva, por
meio do instrumental da ação civil pública, a proteção de direito difuso (a legalidade,
a impessoalidade e a moralidade administrativa no acesso aos cargos públicos), de
interesse de todos os membros da sociedade potiguar, sociedade essa que, como a
brasileira de um modo geral, está cansada dos diversos casos de utilização
patrimonialista de bens e serviços públicos por parte de um punhado de
privilegiados, com acesso político aos altos escalões dos poderes constituídos.
4
De se lembrar, aqui, o famoso art. 1.142 do Código Civil de Napoleão, no sentido de que toda
obrigação de fazer ou de não fazer inadimplida resolve-se em perdas e danos, ou seja, em pecúnia.
18
46.
Por isso, a demora na proteção desse direito deve ser vista sob
a referida ótica, como a postergação do enriquecimento ilícito, às custas do erário
estadual, de um pequeno grupo que, violando o princípio da isonomia e do mérito no
acesso aos cargos públicos, foram “absorvidos” e “enquadrados” no cargo de
Assessor Técnico Legislativo, sem se submeterem antes a concurso público
específico que lhes garantissem a investidura ora questionada.
47.
Compreendendo, portanto, a natureza do problema ora atacado,
bem como a finalidade do instituto da antecipação da tutela, percebe-se que estão
presentes todos os pressupostos para a antecipação de alguns dos efeitos da tutela
jurisdicional ao final postulada.
48.
De fato, o direito do autor, tal como já demonstrado, é mais do
que verossimilhante, é quase impossível de não ser acatado ao final do feito, tendo
em vista o fato de que os demandados, bem como outras pessoas acima referidas,
foram “enquadrados” ou “absorvidos” em cargo público de provimento efetivo, de
má-fé e sem o prévio concurso público específico para aquele cargo (Assessor
Técnico Legislativo), tudo em afronta a tranqüilo e sumulado entendimento do
Supremo Tribunal Federal a respeito do tema. Tais enquadramentos, por seu turno,
estão todos demonstrados pelos documentos que instruem a presente petição,
encerrados nos anexos do Inquérito Civil nº 109/02, da Promotoria de Defesa do
Patrimônio Público de Natal.
49.
Por outro lado, o risco de dano irreparável ou de difícil
reparação decorre da situação de que, em se tratando de proteção ao erário e à
moralidade administrativa, a cada dia em que a absurda situação dos demandados é
mantida, mais os mesmos se locupletam indevidamente por terem sido beneficiados,
de má-fé, por sua influência política ou social, invertendo a própria ordem do jogo
democrático, quebrando o princípio da isonomia e se louvando de prática secular
que impede, justamente, o pleno desenvolvimento das potencialidades econômicas
e sociais do país, relegando a maioria – por eles injustamente ultrapassada – ao
atraso, enquanto o Estado gasta seus recursos com quem violou, de má-fé, o seu
próprio ordenamento jurídico.
50.
Ressalte-se que a manutenção dos demandados e das demais
pessoas nos cargos impede que a Assembléia Legislativa possa abrir um concurso
público, e, seguindo o princípio constitucional da acessibilidade dos cargos públicos,
promover a oxigenação da instituição com novas pessoas.
51.
Não há dúvida de que há periculum in mora apto a justificar a
prestação jurisdicional célere quando um princípio basilar do Estado Democrático de
Direito foi ferido gravemente, por meio de favoritismos políticos e econômicos a
apadrinhados. De fato, como já assinalado anteriormente, os beneficiários desse
apadrinhamento não são pessoas comuns do povo e não foram beneficiados de
boa-fé, mas sim, pessoas com parentesco ou relações com pessoas detentoras ou
próximas do Poder Político ou Econômico ou que ocupam altos cargos no Poder
Público Estadual. Além disso, a manutenção dessa situação causa indignação e
revolta nos demais servidores públicos que tiveram que se submeter ao concurso
publico para ingresso no serviço público, bem como repugna a sociedade em geral.
19
52.
O julgador, segundo as lições contemporâneas sobre a
hermenêutica jurídica, não pode mais pensar em abstrato, metafisicamente, como se
os conceitos jurídicos fossem feitos para outro planeta e não para a vida tal como
ela é5. E a parcela da vida posta nos autos traz mais um exemplo de utilização do
erário e da estrutura administrativa em benefício de protegidos, que, fugindo de
comandos constitucionais concretizadores de princípios basilares do Estado
Democrático de Direito (isonomia, mérito, impessoalidade, moralidade, prevalência
do regime jurídico – rule of law – sobre a lei do mais forte), passaram a integrar uma
carreira pública para a qual não se mostraram aptos previamente por meio de
concurso público.
53.
Caso se fechem os olhos para o tipo de “dano irreparável ou de
difícil reparação” de que se trata em concreto, e se entenda que, por possuir o
Estado robusta capacidade financeira, deva suportar ainda mais a sangria
provocada pela inconstitucional absorção dos demandados no cargo de Assessor
Técnico Legislativo, então o processo civil não estará dando a tutela efetiva ao bem
jurídico difuso violado, malferindo, assim, o direito ao acesso à justiça, previsto no
art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, por obrigar um direito evidente – direito
da sociedade à proteção contra acesso indevido de protegidos politicamente aos
cargos públicos sem prestação de concurso público – a esperar mais do que o
necessário para ser tutelado, em prejuízo do erário e da efetividade dos princípios
do Estado Democrático do Direito em nossa sociedade.
54.
Concluindo, o próprio existir da situação dos servidores
demandados enquadrados já há anos no cargo de Assessor Técnico Legislativo,
tudo sem prévio concurso público, por si só, já representa dano irreparável para o
erário estadual, para a democracia e para a ordem jurídica brasileira. E a cada dia
que passa, e tal situação é mantida, solapando as bases constitucionais da
administração pública para fins de enriquecimento ilícito de protegidos políticos,
mais perde nossa sociedade, mantida em atraso por esses mesmos grupos políticos
que se utilizam do poder concedido pelo povo para seu próprio bem-estar e para o
bem-estar de seus próximos.
55.
É importante destacar que, em situação semelhante à tratada
nesta petição, o Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, no julgamento do Agravo
de Instrumento – Processo nº 2008.00527-9, manteve o afastamento de todos os
servidores da Assembléia Legislativa daquele Estado que foram nomeados sem
concurso público após a Constituição Federal de 1988, bem como dos
comissionados incluídos na folha de pagamento do Poder Legislativo, cujos atos não
tenham sido publicados no Diário Oficial do Estado.
56.
Diante, portanto, da prova, por via documental (anexos do
Inquérito Civil n. 109/02) da verossimilhança do direito fundamento da presente
demanda – nulidade, por violação do art. 37, II da Constituição Federal e do verbete
n. 685 da súmula do Supremo Tribunal Federal, da absorção dos servidores
demandados por parte do Estado (Assembléia Legislativa) no cargo de Assessor
Técnico Legislativo sem prévio concurso público – e presente o dano irreparável ou
de difícil reparação na manutenção prática da situação criada com a referida
absorção, entende o Parquet que devem ser antecipados os efeitos da tutela final
5
Ver Lênio Luiz Streck, Hermenêutica Jurídica e(m) Crise – uma exploração hermenêutica da
construção do direito, 7a ed., Porto Alegre: 2007.
20
adiante postulada, para que seja determinado ao Estado do Rio Grande do Norte,
por meio da Assembléia Legislativa, o afastamento dos demandados e a suspensão
de qualquer pagamento aos demandados a título de contraprestação pelo exercício
do cargo de Assessor Técnico Legislativo, tudo sob pena de multa a ser fixada por
esse Juízo ou da adoção de outras técnicas processuais de cumprimento previstas
nos arts. 273 e 461 e seus parágrafos do Código de Processo Civil.
IV – DOS PEDIDOS FINAIS.
57.
Por todo o exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO
ESTADUAL a Vossa Excelência:
a) a intimação do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, antes da
apreciação do pedido liminar, para fins do disposto no artigo 2º da Lei
nº 8.437/92;
b) a concessão da tutela antecipada, sem a oitiva dos demandados,
para que se seja determinado ao ESTADO DO RIO GRANDE DO
NORTE, por meio da Assembléia Legislativa, que promova o
afastamento e a suspensão do pagamento aos demandados a título
de contraprestação pelo exercício do cargo de Assessor Técnico
Legislativo, tudo sob pena de multa a ser fixada por esse Juízo ou da
adoção de outras técnicas processuais de cumprimento previstas nos
arts. 273 e 461 e seus parágrafos do Código de Processo Civil.
c) a citação dos demandados, para, querendo, oferecer contestação à
presente demanda, sob pena de revelia, podendo, contudo, o ESTADO
DO RIO GRANDE DO NORTE, ao invés de apresentar defesa, integrar
a lide na condição de litisconsorte ativo, uma vez que se trata de ação
coletiva, aplicando-se o disposto no artigo 5º, § 2º, da Lei nº 7.347/85;
d) o julgamento antecipado da lide, na forma do artigo 330, I, do
Código de Processo Civil, em razão da demanda em exame não exigir
a produção de prova em audiência;
e) a juntada dos anexos do Inquérito Civil nº 109/02 como meio de
prova;
f) a procedência final da ação, com a declaração de nulidade dos
atos de absorção ou enquadramento dos demandados no cargo de
Assessor Técnico Legislativo do quadro de pessoal permanente da
Assembléia Legislativa do Estado do RN, na forma do art. 37, § 2 o, da
Constituição Federal, com as suas conseqüentes exclusões do cargo
de Assessor Técnico Legislativo do quadro de pessoal da Assembléia
Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, confirmando assim a
medida liminar deferida; bem como a condenação dos demandados à
devolução aos cofres públicos dos valores indevidamente percebidos;
21
g) a condenação dos demandados nas custas processuais.
Dá-se à causa o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Natal-RN, 04 de agosto de 2008.
Jann Polacek Melo Cardoso
Promotor de Justiça
Keiviany Silva de Sena
Promotor de Justiça
Oscar Hugo de Souza Ramos
Promotor de Justiça
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