de lideranças sociais e comunitárias

Transcrição

de lideranças sociais e comunitárias
CADERNO DA FORMAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA
DE LIDERANÇAS SOCIAIS E COMUNITÁRIAS
Sumário
Capítulo 1 - Contagem: Um pouco da história
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Capítulo 2 - Apresentando o conceito de território
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Capítulo 3 - O que é liderança social?
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Capítulo 4 - O que é controle social?
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Capítulo 5 - Cidadania conectada: o trabalho em rede
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APRESENTAÇÃO
Este material compõe as produções voltadas ao Programa de Formação Continuada do Município de Contagem, coordenado pela Secretaria Municipal de Educação
em parceria com a Secretria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. O conjunto
de textos disponibilizados se vinculam aos cursos e temas voltados para as Lideranças Sociais e Conselheiros Municipais, cujo objetivo central é o fortalecimento da
cidadania e o aumento da capacidade do cidadão de Contagem para se organizar em
seus locais de moradia e controlar as políticas públicas (educação, obras, assistência
social, saúde e tantas outras) do município.
Esta publicação específica tem como tema central a formação de lideranças sociais
e territoriais de Contagem. O público inicial dos cursos de formação de liderança é
constituído por conselheiros de gestão pública e membros de associações de bairro.
Mas, evidentemente, a publicação tem vocação para atender e auxiliar a todos cidadãos de Contagem. Todos que querem que este município se desenvolva cada vez
mais e que cada um se sinta efetivamente dono desta caminhada, que se beneficie
deste crescimento e que seus desejos e esperanças sejam ouvidos e contemplados.
Ser cidadão não se resume a garantir que os direitos de cada um sejam respeitados.
Significa que cada cidadão é ativo, conhece seus direitos e os caminhos para que sua
voz seja ouvida. Mais: cidadão ativo é aquele que cria novos direitos.
Então, para ser cidadão ativo é preciso saber como participar. Nossa Constituição
Federal, logo no seu primeiro artigo, afirma que o poder do povo brasileiro pode se
expressar no voto que elege seus representantes. Mas não só. Ele também é exercido diretamente. Hoje, o poder popular se exerce diretamente pelos conselhos, pelo
PPA Participativo, pelo orçamento participativo, pelo plebiscito, pela iniciativa popular e pelo referendo. São mecanismos que estão contidos em muitas leis federais.
Mas, não basta. É preciso ter claro o papel das lideranças, como se organiza um
território (bairro ou comunidade) para garantir a cidadania ativa, como se controla
um território e suas políticas públicas, como se organiza a população em rede e, principalmente, conhecer bem Contagem. Estes são os temas tratados neste material.
O cidadão não se faz com leituras. Faz-se na prática. Mas, sem l eitura não se
conhece a experiência de outros e as várias possibilidades de atuação do cidadão.
A experiência humana é transmitida pela linguagem, como todos sabem. Portanto,
esta publicação não tem a pretensão de formar um cidadão. Ela se propõe a aprofundar os conhecimentos e reflexões do cidadão que já existe em Contagem. Aquele
que anda pelas ruas, se incomoda com os problemas, se reúne com seus vizinhos e
comunidades para fazer valer seus direitos e que está atento a tudo o que se faz com
o dinheiro público.
Boa leitura!
formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
CAPÍTULO 1
CONTAGEM: UM POUCO DE HISTÓRIA
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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
Contagem surgiu na instalação de um Registro Fiscal na antiga Região das
Abóboras, e fez parte de um conjunto de cidades coloniais de Minas Gerais,
que na primeira década do ano 2000 completaram três séculos de existência:
Ouro Preto, Sabará, Diamantina, Serro, entre outras.
O início do povoamento da Região de Contagem, ocorreu entre os últimos
anos do século XVII e princípios do século XVIII, quando as primeiras bandeiras paulistas, e principalmente a de Fernão Dias, na busca de ouro e pedras
preciosas, penetraram em território ainda desconhecido da colônia portuguesa, que futuramente viria a se chamar Minas Gerais. Essas bandeiras criaram
uma rota, que se tornaria, durante algum tempo, o caminho obrigatório entre
a Capitania de São Paulo e a Serra do Espinhaço, local onde em suas margens
foram descobertas as principais minas de ouro e onde, consequentemente,
nasceriam as primeiras cidades mineiras acima citadas. Pela necessidade de
melhorar o abastecimento da região, assim como poder comunicar-se com
outras regiões da Colônia, surgiram outras duas rotas, uma que comunicava
com o Rio de Janeiro e outra com os sertões da Bahia, as quais viriam a facilitar a chegada para as Minas, de aventureiros, mercadorias, escravas e gado,
etc. Essas três rotas se cruzavam nessa região conhecida como Abóboras, ou
Abobras, que tem o mesmo significado no português arcaico. Há documentos
no Arquivo Público Mineiro onde se encontram referências à encruzilhada das
Abóboras já no ano de 1710.
Dita região fez parte do grande Município de Sabará, Comarca do Rio das
Velhas, e teve desde o início da descoberta do ouro, no final do século XVII,
importância considerável na ocupação das Minas Gerais. Sua localização foi
essencial para o início da construção do que seria um dos Estados mais promissores do Brasil e no qual, com grande vitalidade criadora, surgiria uma plêiade de grandes valores culturais que enriqueceriam a nação brasileira.
Desconhece-se a origem ou a causa do nome Abóboras. Surgiu logo da chegada dos primeiros bandeirantes. Inúmeros relatos, documentos e mapas da
época comprovam e descrevem a existência das Abóboras, não como um local
urbano e sim, como uma extensa área onde se cruzavam as três rotas, ponto
de comercialização e distribuição de mercadorias, alimentos e bens destinados à zona mineradora.
São infundados e não devem merecer crédito as versões sobre uma suposta
família Abóboras que aqui se tivesse instalado. Há de se retirar, também, a
infinidade de pretensos fundadores de Contagem. Ela não teve fundador; é
oriunda do pequeno povoamento esparso surgido nos contornos da encruzilhada dos novos caminhos, de lento crescimento e composto de pequenos
ranchos e simples moradias de tropeiros, de pequenos comerciantes, de fais-
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cadores que sem condições de explorar a extração de ouro nas zonas mais
ricas se aventuraram a encontrá-lo nos pequenos córregos da região, assim
como também de gente pobre que oferecia sua mão de obra a troco de poder
sobreviver.
ECONOMIA MERCANTIL
A atividade econômica da região contagense se assentou no comércio destinado ao abastecimento das zonas mineradoras. Na encruzilhada das Abóboras
chegavam constantemente tropas de carga com todo tipo de mercadoria”de
secos e molhados vindos de todos os cantos do Brasil e até do exterior, assim
como de vendedores de escravos e de gado. Compradores, prepostos e negociantes de outras bandas, tropeiros que levariam cargas para serem vendidas
em outros lugares, carregadores e pessoas interessadas, aguardavam a chegada dos viajantes e tropeiros com ansiedade. As mercadorias, os escravos e
o gado seriam entregues sob encomenda ou vendidos em Sabará, Curral Dei
Rey, Congonhas do Sabará e outras localidades dedicadas à extração do ouro.
A região das Abóboras e as atividades comerciais cresceram. Viajantes e tropeiros levantaram uma capela dedicada a São Gonçalo, padroeiro de todos
aqueles que iam e vinham pelos caminhos tortuosos e perigosos. Foi formando-se o núcleo urbano para o atendimento geral.
As autoridades da Colônia cientes da movimentação instalaram um registro fiscal com a finalidade de cobrar impostos das mercadorias. Seu funcionamento iniciou no ano de 1716. Gado, escravos, mercadorias em geral, tudo era
contado e taxado, e a partir desse momento o local passou a se chamar, oficialmente, registro das Abóboras. Mas, como tudo era contado, os usuários,
tropeiros e viajantes passaram a dar-lhe o nome de “lugar da contagem”. Esse
nome se popularizou e a região tomou o nome de Contagem das Abóboras.
Já, a partir da metade do século XIX simplificou-se para Contagem.
Outra função importante do Registro era a troca de ouro em pó por ouro
já quintado. O proprietário do ouro em pó o entregava aos funcionários da
Coroa e em troca recebia barras de ouro fundido e timbrado, sendo-lhe, no
ato, descontada a quinta parte, considerada de propriedade do rei de Portugal. Era rigorosamente proibido transitar com o ouro em pó fora do local da
extração ou do caminho da fundição ou do lugar de troca, sob pena de sofrer
duras punições como prisão ou deportação para colônias portuguesas na Ásia.
Por volta do ano de 1759, o posto fiscal do Registro das Abóboras ou de
Contagem das Abóboras foi desativado. O surgimento de novas rotas entre
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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
os centros mineradores e os locais de fornecimento de tudo àquilo que era
necessário, motivou a instalação de outros registros. Isto reduziu o fluxo de
pessoas e mercadorias em Contagem e consequentemente a queda dos rendimentos e da importância de sua função arrecadadora. Contagem entrou em
decadência e muita gente a abandonou. Embora sentindo o reflexo da desativação, o arraial seguiu sua trajetória entorno da Capela de São Gonçalo
procurando nas atividades agropastoris sua sobrevivência.
ECONOMIA AGRÍCOLA E PASTORIL
Antes de fazer referência à nova situação é conveniente apresentar breve
quadro sobre Contagem. Sem estrutura adequada para agricultura, com a
saída de muitos habitantes e suas famílias para outras regiões mais promissoras e sem lideranças que orientassem os poucos que ficaram, a região empobreceu. A lavoura seria a solução, já que a pecuária e a economia extrativa,
vegetal ou mineral, não eram os elementos mais apreciáveis, pois não havia
condições financeiras para tanto. Havia terras, não havia braços, não havia
dinheiro. A solução, lutar pela sobrevivência e esperar.
Porém, entorno do ano de 1780, um novo fato viria a modificar a estrutura
social, econômica e política da Província de Minas Gerais. O ouro de aluvião,
aquele que estava depositado na flor da terra e nas águas dos córregos e
riachos acabou. O ouro e as pedras preciosas foram o cuidado da metrópole,
mas enquanto fora causa da riqueza que advinha ao tesouro português, pela
cobrança dos impostos devidos.
Essa crise fez que os concessionários de datas (lotes que se adquiriam em
leilões, feitos pelas autoridades, nos quais se permitia a exploração e extração
do ouro) procurassem outras formas e outras atividades econômicas, tanto
como uma opção circunstancial quanto para dar ocupação à mão-de-obra escrava: A solução mais lógica foi a da atividade agropastoril. Com a decadência,
impunham-se novos misteres. Lavoura e pecuária adquiriram relevo.
Contagem, junto com outras cidades vizinhas, foi um dos lugares mais procurados por aqueles que estavam em busca de um novo modo de vida. Terra não era o problema, havia muita, baratas umas, abandonadas outras, divisões de antigas sesmarias, que nunca produziram nada, estavam a mercê de
quem quisesse, e sua localização era espetacular, perto daqueles núcleos que
cresceram com a mineração.
Neste momento e devido às circunstâncias, chegaram à Contagem membros
das principais famílias tradicionais: Diniz, Macedo, Gonçalves Lima, Silva, Cos-
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ta, Rocha e outras, que adquiriram ou se apossaram de terras. Tempo depois
chegaram, também os Camargos e os Mattos. Pouco tempo depois afloraram
os nomes das fazendas iniciantes: Madeira, Morro Redondo, Serra Negra,
Abóboras, Riacho das Pedras, Pintados, Vista Alegre, Confisco, etc.
No ano de 1834, uma empresa inglesa adquire a Mina do Morro Velho, Nova
Lima, fato que afetaria a economia de Contagem, pois essa companhia passa
a alugar escravos para trabalhar em suas minas. Contagem forneceu grande
número deles. Ao todo, não há informações de quantos foram, mas há referências de que haveria cerca de 2 mil escravos alugados trabalhando nelas. Era
para os fazendeiros mas interessante alugá-Ios, pois toda a responsabilidade
de alimentá-los e tratá-los era da empresa e, se morria algum, recebiam indenização. Os pobres escravos trabalhavam 12 horas por dia em condições deploráveis e a alimentação era deficiente, motivos principais que os induziram
a fugir na primeira oportunidade. Ao mesmo tempo, a Companhia comprava
madeira em grande quantidade. O desmatamento em Contagem foi enorme e
nunca se conseguiu recuperar.
Com a assinatura da Lei Áurea, muitos escravos resolveram permanecer em
seus lugares pela incerteza do seu futuro. Futuro que viria com a construção
da nova capital de Minas, no vizinho Distrito Curral Deu Rey, já com o nome
de Belo Horizonte. Ali se assentaram grande número de escravos vindos das
cidades vizinhas, porém, sem condições adequadas de trabalho e moradia,
a solução foi criar favelas. Continuaram os sofrimentos, mas a liberdade era
esperança de um futuro melhor. Após a proclamação da República, em 1888,
uma mudança política se espalhou pelo Brasil e conseqüentemente por Minas
Gerais e suas cidades. A reestruturação territorial de Minas era importante
porque grandes municípios seriam divididos. Do grande município de Sabará
a luta dos distritos para conseguir sua emancipação foi ferrenha. Os novos
políticos mineiros procuravam apadrinhar os prováveis núcleos de sua futura
influência. Contagem estava politicamente órfã nos primeiros momentos. Famosa por sua histórica posição monarquista e conservadora estava sendo olhada com desconfiança pelas lideranças republicanas.
Essa posição contagense deveu-se a grande influência e força política que
teve em quase todo o século XIX, o Comendador Manoel Alves de Macedo
Brochado. Juiz de Paz, escolhido em eleições constantes, por quase 50 anos,
Delegado, Juiz Almotacé, vereador representando Contagem na Câmara Municipal de Sabará e agraciado pelo Imperador com a Comenda da Rosa. Suas
tendências políticas influenciavam os contagenses. Convocou e armou gente
para defender os legalistas na Revolução de 1842 nos combates em Santa Luzia contra os liberais de Teófilo Otoni. A nova elite, ainda que grande parte já
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comungava as ideias republicanas, não tivera tempo de apagar o conceito que
pairava sobre Contagem. Concluída a nova divisão política em 1901, Contagem
foi designada distrito pertencente ao recém criado Município de Esmeraldas
(antiga cidade de Santa Quitéria, reduto liberal e republicano).
Nessa situação, os contagenses não estavam conformados. Houve uma conscientização de que a luta pela emancipação teria que continuar. Novas lideranças surgiram. Nomes como Augusto Teixeira Camargos, Antônio Benjamim
Camargos, Francisco Firmo de Mattos, Manoel de Mattos Pinho, Dr. Cassiano
Nunes Moreira, lideraram a população nessa campanha na qual o principal
anseio e objetivo era a emancipação de Contagem. As dificuldades eram imensas, os adversários, na Capital, eram poderosos. A perseverança e a paciência
eram armas poderosas que os contagenses usavam. Conquistaram-se aliados.
A vitória chegou. Pela Lei nº 556 de 30 de agosto de 1911, assinada pelo Presidente de Minas Gerais, Dr. Júlio Bueno Brandão, foi criado o Município de Contagem, composto pelos distritos da Sede, Campanha, Vera Cruz e Vargem de
Pantana. Alegria em todo o município: festas e comemorações nos lugarejos e
vilas. Felizes e orgulhosos de sua terra, os contagenses não aceitaram mudar
o nome de sua cidade. O governo republicano criou uma campanha na qual
qualquer cidade do País poderia dar outro nome ao seu município ou cidade.
As cidades vizinhas a Contagem usaram o direito de trocar. Santa Quitéria
para Esmeraldas, Capela Nova para Betim, Congonhas do Sabará para Nova
Lima, Curral Dei Rey já havia mudado para Belo Horizonte.
Porém, essa alegria não durou muito. As dificuldades para a instalação do
novo governo municipal foram enormes. Contagem que se havia empobrecido muito e teria que construir os edifícios necessários para a administração:
Prefeitura, Câmara Municipal, Delegacia e Cadeia e a reforma da Escola e dos
Correios.
Com muito custo conseguiu cumprir com as obrigações e o Município foi
instalado oficialmente no dia 10 de junho de 1912. As atribulações dos contagenses não tiveram fim. Não havia boa vontade por parte de alguns setores
administrativos estaduais em colaborar com a cidade que ainda tinha muitos
inimigos infiltrados em órgãos públicos. As antigas tendências monarquistas
de Contagem começaram a aparecer. Comenta-se que ano de 1938, chegaram
ao ouvido do então governador do Estado, Dr Benedito Valadares determinadas informações a respeito de Contagem, desconfiado por natureza, e conhecedor das tendências oposicionistas contra a república e acreditando que
o povo contagense não apoiava o governo nem a política do Estado Novo imposta por Getúlio Vargas, esperava uma oportunidade para desfazer-se dessa
preocupação. Não via, também, com bons olhos que parte da população de
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Contagem, principalmente gente jovem, se transferisse para a capital com intuito de estudar ou encontrar trabalho, pois suspeitava que envenenassem
o povo de Belo Horizonte com idéias oposicionistas ao novo regime. Assim,
aproveitando de uma viagem feita pela Rede Mineira de Viação, para visitar
várias localidades da periferia da Capital, ao parar na Estação de Bernardo
Monteiro, em Contagem, ficou frustrado de não haver ninguém aguardando
sua chegada. O trem partiu para Betim, a estações repletas de gentes, adultos e crianças homenageando o ilustre visitante, banda de música, discursos,
pedidos e principalmente um abaixo assinado pelo povo betinense desejando
que sua cidade, naquele então distrito de Esmeraldas, fosse transferido para
Contagem.
O Governador nada disse no momento. No dia seguinte foi criado o Município de Betim, tendo Contagem como seu distrito. Nesse mesmo ano Contagem perdeu sua autonomia. Voltou a tristeza. O desenvolvimento da história
de Contagem divide-se em três etapas, nas quais, em cada uma delas, houve
marcante predomínio de um sistema econômico específico.
Economia Industrial
No ano de 1941, através do Decreto-Lei N° 770 de 20 de março de 1941, o governo mineiro declarava de utilidade pública, para fins de desapropriação, área
de 270 hectares na localidade de Ferrugem, a 9 km do centro de Belo Horizonte, com a finalidade de construir a Cidade Industrial, que era o cerne do projeto de recuperação econômica de Minas Gerais. Como a planta da Capital não
comportava o uso de um espaço no qual se podia destinar o parque industrial
nas dimensões cogitadas, a solução estava fora do município de Belo Horizonte, o que obedecia a outra razão, o fornecimento de energia elétrica teria
que ser abastecida pela recém criada Cemig, já que a concessionária, Light,
não estava preparada para atender a demanda necessária. Outra decisão foi a
de voltar a emancipação de Contagem, nessa ocasião ainda distrito de Betim,
pois a maior parte da área delimitada se localizava em território contagense.
Em 1948, Contagem recuperou sua autonomia e foi criada a Cidade Industrial.
Uma nova esperança surgia às vistas de sua população. Entre 1941 e 1949, já
funcionavam onze empresas, empregando cinco mil operários. Até 1960 se
verificou um grande salto, passando a existir quarenta e uma empresas com
mais de treze mil e trezentos funcionários.
Esse processo de industrialização seria responsável por uma situação nada
esperada: a explosão demográfica. Milhares de pessoas acudiram de todas
as partes do Estado e do País em busca de trabalho e melhores condições de
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vida. O Município não possuía as condições básicas necessárias para atender
essa nova população. As condições urbanas eram críticas, não havia moradias,
sistemas de transportes, e eram grandes as deficiências de atendimento à educação e à saúde. Mas, a cidade enfrentou esses primeiros desafios. A cidade
cresceu e evoluiu. Tornou-se o segundo município de Minas Gerais.
Nos anos de 1960 foi criado o Cinco (Centro Industrial de Contagem). Empresas se instalaram em vários pontos do município. Novos centros foram criados, o Cinco e o Cincão, assim como a transformação de Contagem em centro
das atividades de serviço, como transportes, comércio atacadista, shoppings,
etc.
Importante, também, foi a implantação do Centro de Abastecimento (Ceasa) que atende a Região Metropolitana de Belo Horizonte. É clara a percepção de que a Cidade, atualmente, se encontra num período de transição que
pode transformar-se num momento importante de sua história; o momento
de afirmação como núcleo exemplar de uma profunda integração com seus
habitantes. Os caminhos a serem percorridos são muitos, o desenvolvimento
econômico, as mudanças sociais e, principalmente, a priorização da Educação,
o mais importante componente não-material para a realização dos desejos
de atingir altos níveis de higiene e melhores padrões sociais. Outro fator importante é a preservação e valorização da memória e da cultura. A natureza
humana se democratiza pela cultura. É a isso que chamamos de civilização.
Caminhos infindáveis, mas que precisam ser percorridos para a consolidação
de uma cidade como um espaço de convivência ideal, mas real.
ASPECTOS POLITICO-ADMINISTRATIVOS
A emancipação
Durante duzentos anos, de 1701 a 1901, Contagem esteve ligada a Sabará. Em
1901, por questões políticas, foi vinculada a Santa Quitéria, atual Esmeraldas.
Tal ato se deu pelo fato de Contagem ter se recusado a apoiar a República,
numa atitude de rebeldia. Os antigos líderes mantiveram acirrada insubmissão ao Legislativo quiteriense, ação que nos remete à greve de 1968, quando
os trabalhadores de Contagem enfrentaram os desmandos ditatoriais. A Lei
n. 556, de 30 de agosto de 1911, criou vários municípios, entre eles Contagem.
As eleições municipais foram marcadas para 31 de março de 1912. Em 10 de
junho de 1912, o município foi instalado, dando continuidade aos mandos dos
coronéis, oligarquia presente até 1938, quando Contagem perde sua condição
de município, passando a pertencer ao município de Betim.
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O primeiro presidente do município foi o coronel Augusto Teixeira Camargos
(1912-1924).
Seguiram-se os indicados para presidência: coronel Francisco Firmo de Mattos (1924-1929) e coronel Antônio Benjamim Camargos (1929-1932). Em 1930,
assumiu como prefeito nomeado Manoel de Mattos Pinho, que governou de
janeiro a fevereiro de 1933. José da Rocha Cunha (1933-1938) foi o último prefeito nomeado.
O processo de fragmentação da Contagem agropastoril começa a se realizar
em 1938, com os primeiros estudos elaborados pelas classes produtoras para
o movimento de industrializar Minas Gerais, cuja economia mantinha-se em
bancarrota, resultado da crise de 1929. A cidade escolhida foi Contagem, por
se localizar numa região próxima das linhas férreas, das rodovias e das fontes
produtoras de matéria-prima. Além do mais, a escolha de Contagem não afetaria Belo Horizonte, considerada a “Cidade jardim”, própria para a recuperação da saúde dos que apresentavam casos de doença.
Em 1938, Contagem perde sua autonomia político-administrativa. Duas explicações baseadas na tradição oral justificam este ato político, segundo vozes da população. A primeira diz o seguinte: Benedito Valladares, presidente de
Minas, a caminho de Betim, passa por Contagem, e nenhuma autoridade esteve na Estação Ferroviária para recebê-los. Como punição, Contagem perde
sua condição de município e passa a ser distrito de Betim. Outra explicação
é que com a escolha da região para a instalação da Cidade Industrial a perda
da autonomia políticoadministrativa de Contagem faria com que as terras a
serem desapropriadas perdessem o valor real, beneficiando as finanças do
Estado.
Durante dez anos, Contagem foi mais um distrito de Betim, entrando em
decadência política e econômica. A vida do município transformou-se num
marasmo, apesar da manutenção do comércio agropastoril com Belo Horizonte, sendo a produção escoada pelo trem de ferro.
A nova luta pela emancipação política
Cumprindo disposição do artigo 170 da Constituição Estadual, o governador
Milton Campos expediu, a 21 de janeiro de 1948, ato nomeando os membros
da comissão encarregada de elaborar o anteprojeto de lei que fixaria a nova
divisão administrativa e judiciária do Estado de Minas Gerais, avigorar a partir
de 10 de janeiro de 1949.
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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
A comissão, que passou a ser conhecida como CEDAJ (Comissão Estadual
de Divisão Administrativa e Judiciária), determinou como requisitos básicos
exigidos para pleitear a criação de município: ter o território 200 casas no mínimo, renda municipal mínima de 100.000 cruzeiros/ano e 10.000 habitantes no
mínimo. Em sua petição, Contagem apontou 305 moradores.
As greves operárias de 1968
Com a chegada das indústrias na década de 40 por meio do Decreto nº 770
de 20 de Março de 1941, Contagem entra no período industrial de sua história,
com isso, também, chega no município o movimento operário que luta contra
a política econômica da ditadura militar brasileira. O movimento operário de
Contagem organizou um grande movimento grevista em 16 de Abril de 1968,
onde 1 mil e duzentos operários da Companhia Belgo Mineira entraram em
greve forçando a vinda do ministro do trabalho Sr. Jarbas Passarinho em Minas Gerais para negociar com os grevistas. O sindicato aceita a proposta feita
pelo governo de 10% de aumento salarial, mas os operários em greve recusam
em assembleia a proposta do governo e contrariam a decisão da diretoria do
sindicato e decidem manter a greve. O movimento grevista continua e ganha
a adesão de mais operários de 10 outras empresas chegando a quase 20 mil
trabalhadores paralisados.
A polícia militar ocupou as ruas para impedir as realizações das assembleias
e os patrões por sua vez, convocaram os trabalhadores sob ameaça de justa
causa para voltarem ao trabalho, o então general presidente Costa e Silva decide dar o aumento de 10 % para todos os trabalhadores brasileiros acabando
com a greve. Desta vez os operários ocupam a fábrica da Mannesman em Outubro de 1968 deflagrando a segunda greve em Contagem. Os ânimos foram
acirrados, a polícia militar usou de violência contra os grevistas e o sindicato
dos metalúrgicos sofreu intervenção do Ministério do Trabalho. Foi desta forma que a segunda grande greve de Contagem acabou.
AS 8 REGIONAIS ADMINISTRATIVA DE CONTAGEM
Área I - Regional Industrial
O planejamento da Cidade Industrial ficou a cargo de órgãos estaduais. O
traçado hexagonal, segundo a tradição oral, associa-se à cidade de Camberra,
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capital da Austrália. No relato de Lucas Lopes, secretário de Agricultura do
Estado de Minas Gerais entre 1943 e 1945, sobre o projeto hexagonal do então
secretário de Agricultura Israel Pinheiro da Silva.
No ano de 1941, pelo Decreto Lei n. 770, de 20 de março, o governo mineiro
declara de utilidade pública, para fins de desapropriação, a área de aproximadamente 270 hectares na localidade distante 9 km da capital. A área abrangida
pela Cidade Industrial seria aforada aos industriais por CR$6.000 o m2. O governo, fugindo do monopólio imposto pela concessionária americana de energia elétrica Bond andShare, comprometeu-se a construir a Usina Hidrelétrica
de Gafanhoto, no rio Pará, para abastecer as novas instalações industriais.
Os bairros que fazem parte da Região da Cidade Industrial são os seguintes
; Cidade Industrial, Jardim Industrial, Floricultura Lempp, Antônio Cambraia,
Industrial Santa Rita, Jardim Emaús, Líder, Presidente Vargas, Vitória, Amazonas, Industrial Itaú, Bandeirantes, Santa Maria.
Área III - Regional Ressaca
O Bairro Cidade Jardim Eldorado teve uma planta aprovada com 4.000 lotes,
em 20 dejunho de 1954. O plano previa cinemas, teatro, zonas comerciais em
cada bairro da região, abastecimento de água, região de brinquedos para
as crianças, influenciado pelos projetos de cidades jardins implementados
na Capital paulista, na mesma época. O objetivo era urbanizar uma grande
área e construir conjuntos habitacionais para resolver o problema de moradia
de parte dos moradores que vieram trabalhar nas indústrias de Contagem.
O primeiro conjunto habitacional construído foi o conjunto JK, após a construção da Avenida João César de Oliveira. No início dos anos 1970, é implantado na Região do Eldorado o “CINCO” - Centro Industrial de Contagem - para
a instalação de 100 indústrias que resolvessem o problema da saturação da
Cidade Industrial “Juventino Dias”, e a opção era pela implantação de indústrias não poluentes nessa área.
Atualmente, o Bairro Eldorado tem um perfil diversificado, com atividades
educacionais, comerciais e residenciais. Aos sábados e domingos, na Avenida
Portugal, funciona a Feira de Artesanato de Contagem, onde se comercializam
peças de artesãos locais. Além dessa feira, há também a Feira do Paraguai,
que ocorre no mesmo período da semana, comercializando produtos diversos
importados. Bairros que pertencem a esta região são os seguintes bairros:
Água Branca, Cidade Jardim Eldorado, Glória, Oliveiras, JK, Novo Eldorado,
Parque Industrial, Santa Cruz Industrial, São Pedro, Eldoradinho, Jardim das
Oliveiras, Jardim Bandeirantes, Galoca, Vale das Perobas, Jardim Marrocos,
Maria da Conceição, Parque São João, Santa Edwiges e CINCO.
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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
Área III - Regional Ressaca
A evolução urbana da região do Bairro Ressaca tem sua origem nas divisões
repetidas da fazenda do Confisco, que começou a ser loteada nos anos 1950.
Ao longo de quarenta anos surgiram novos bairros e vilas, originando a ocupação majoritariamente residencial que encontramos atualmente.
Após a construção das Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (CEASA),
na confluência da Avenida Sarandi e da Rodovia Br-040, Contagem passou
a abrigar o segundo maior entreposto deste gênero no País. Um conjunto
de bairros formados sob a influência do crescimento acelerado de Belo Horizonte, segundo duas frentes principais: expansão do eixo Pedro 11 Padre Eustáquio, na direção da estrada de acesso ao antigo núcleo da Ressaca (Bairro
Colorado, Jardim Laguna e Ressaca) e expansão originária a partir da Pampulha e que se integra às demais frentes (Bairro Nacional).
Bairros a região denominada Ressaca hoje é composta pelos seguintes bairros: Ressaca, Cândida Ferreira, Campina Verde, Feijão Miúdo, Boa Vista, Novo
Boa Vista, Presidente Kennedy, São Sebastião, Jardim do Lago, Morada Nova,
Oitis, Colorado, Milanês, Dos Coqueiros, Arvoredo, Fazenda Confisco, Morro
do Confisco, Arpoador, Jardim Laguna, Laguna, Parque Ayrton Senna, Parque
Novo Progresso, Progresso Industrial, Balneário da Ressaca, Guanabara, Jardim Balneário, Parque dos Turistas, Santa Luzia, São Gotardo, São Joaquim,
Tapera e União da Ressaca.
Área IV - Regional Nacional
A região do Nacional foi fortemente atingida na década de 1950 pelo processo de parcelamento desencadeado a partir da Pampulha. Permaneceu desocupada por muito tempo, com a ocorrência de loteamentos destinados apenas a
sítios de recreio. Esse loteamento foi para a criação do bairro Nacional, a partir
de divisões sequenciais da Fazenda da Gangorra, pertencente a Joaquim Diniz
Silveira e sua mulher, Francisca Dias da Silva. Os bairros que fazem parte dessa
regional administrativa são os seguintes: Nacional, Jardim Alvorada, Caia pós,
Carajás, Rua Nova da Pampulha, Da Tijuca, Recanto da Pampulha, Bom Jesus,
Santa na, Parque Xangri-Iá, Pedra Azul, Santa Maria, Rose Marie, Senhora da
Conceição, Sítio Boa Esperança, São Mateus, Vale das Amendoeiras, Estrela
D’Alva e Francisco Mariano.
Área V - Regional Sede
Documentos atestam a criação do Registro das “Abóboras” a partir de 1716,
segundo o Dicionário da Terra e da Gente de Minas, de Waldemar de Almeida
Barbosa, começando a funcionar em 9 de agosto de 1716. O arraial iniciado
18
formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
com a implantação do registro não se expandiu como núcleo urbano. Teria se
atrofiado imediatamente após o fechamento do registro ou, mesmo, antes
desse ato oficial. Paralela e simultaneamente, existiu a povoação de “Sam
Gonçalo da Contagem das Abóboras”, surgida em torno da capela, erigida em
1725, com invocação desse santo. Sendo assim, o Arraial de “São Gonçalo da
Contagem das Abóboras” se constituiu enquanto núcleo original da ocupação
da sede municipal. A Sede, na atualidade abriga os seguintes bairros: Sede,
Bela Vista Bernardo Monteiro, Fonte Grande, Santa Terezinha, Alvorada, Arcádia, Vila Belém, Betânia, Camilo Alves, Central Parque, Colonial, Coração de
Jesus, Praia, Estância do Hibisco, Canadá, São Bernardo, Funcionários, Jardim
Vera Cruz, Linda Vista, Los Angeles, Lúcio de Abreu, Nossa Senhora de Fátima,
Nossa Senhora do Carmo, Olinda, Panamá, Parque Maracanã, Quintas Coloniais, Santa Helena. Santa Luzia, São Gonçalo, Três Barras, Universitário, Santo
Antônio e Granjas Vista Alegre.
Área VI - Regional Petrolândia
Petrolândia tem sua origem vinculada à implantação da Refinaria Gabriel
Passos(REGAP), no final da década de 1960, em Betim. A proximidade em
relação à Refinaria de Petróleo explica a configuração das ruas do bairro, que
receberam nomes como: Petróleo, Gasolina, Oleoduto, Querosene e Refinaria
Cubatão. A praça principal da região foi batizada com o nome da Petrobras.
A região ocupa a parte da Bacia do Embiruçu e parte da bacia de Vargem das
Flores, sendo que o Bairro Tropical, pertencente a essa última bacia, apresenta graves problemas ambientais, decorrentes do parcelamento predatório
do terreno.
O bairro foi resultado de um conjunto de três fazendas compradas pela
Companhia Imobiliária e Construtora de Belo Horizonte, a CICOBE, em 1959.
A fazenda “Olhos d’Água” e a “Gafurinha”, ambas de propriedade de José
Diniz da Costa Belém, e a fazenda “Pau Grande”, de Oldemar Rocha. O Bairro Petrolândia foi o primeiro a ser implantado na região, sem dispor de nenhuma infraestrutura, exceto o arruamento. Além disso, como o loteamento
tinha sido realizado por uma empresa privada, a Prefeitura só veio a aprovar o
bairro oficialmente em 1977, dificultando ainda mais o acesso dos moradores
a infraestrutura. A região administrativa do Petrolândia abriga os seguintes
bairros: Petrolândia, Sapucaias I e lI, Tropical, Campo Alto, Beija-flor, Industrial São Luiz, Universal e São Caetano.
Área VII - Regional Vargem das Flores
A implantação de um reservatório para captação de água, em convênio com
o município de Betim, em Vargem das Flores, em 1972, com capacidade três
19
PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
vezes maior que a Lagoa da Pampulha, apresenta uma estratégia que extrapola o município de Contagem. Além da função primordial de abastecimento
de água, tem papel importante como elemento controlador de enchentes.
Além de outros, mais um fator de extrema importância é a utilização da barragem de Vargem das Flores como lugar de lazer: lanchas sofisticadas para
os mais ricos e pescaria de vara e natação para os mais pobres. Segundo os
moradores da região, uma das agressões sofridas pela barragem Vargem das
Flores é a existência de barracas que vendem de tudo; localizadas em sua
margem, que contribuem para a poluição do lago.
Contagem experimentou todas as consequências dos fatores de industrialização emetropolização, com graves efeitos sobre o meio ambiente. Além disso, há de se considerar o fato de que a legislação ambiental no Brasil começa
a vigorar só a partir dos anos 1980. Já existiam o Código Florestal e o Código
das Águas, mas nem sempre traziam em seu âmbito a filosofia preservacionista. Fazem parte da regional Nova Contagem os
bairros Ipê Amarelo, Retiro, Darcy Ribeiro, Icaivera, Quintas da Jacuba e
Tupã. Ainda na região, se encontram dois bairros com características totalmente diferentes. O Bairro Retiro, um dos mais antigos de Contagem, tem
uma forte ligação com a Sede por tradição histórica, religiosa e social. Na Rua
Retiro das Freiras, 25, localiza-se a Capela de São Domingos de Gusmão com
a imagem de São Domingos, tombados pelo Decreto n. 11.323, de 14 de julho
de 2004. O Bairro Nova Contagem foi construído para acomodar a população
expulsa das regiões periféricas da Cidade Industrial e abrigar a Penitenciária
de Segurança Máxima “Nelson Hungria”.
Área VIII - Regional Riacho
A origem da Fazenda Riacho das Pedras consta no primeiro registro de terras realizado entre 1854 e 1855 pelo vigário Antônio de Souza Camargos. Constavam como proprietários, com 120 alqueires de cultura em suas terras, o
capitão José Maria de Jesus e Rita Joaquina. Os bairros que compõem a Regional Riacho são provenientes da divisão de parte da Fazenda do Riacho,
pertencente aos herdeiros de Francisco Firma de Mattos.
Em meados do século XX, a região crescia com o surgimento de novos bairros. A ausênciade um zoneamento residencial na região da Cidade Industrial
favoreceu a ocupação do Riacho e de outros bairros vizinhos pelo proletariado que trabalhava nas indústrias. No Bairro Riacho das Pedras, foram construídas 205 casas, junto à Cidade Industrial e em frente à Sociedade Hípica de
Belo Horizonte. As casas foram vendidas pelo sistema de hipotecas do BNH, e
o bairro foi completamente urbanizado, com água, luz, asfalto e arborização.
20
formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
Os bairros que fazem parte da Região do Riacho: Granja Lempe, Inconfidentes,
Vera Cruz, Flamengo, Jardim Riacho, Parque Durval de Barros, Riacho das pedras, Riacho III, Parque Riacho das Pedras, Monte Castelo, Jardim Califórnia e
as vilas Rica e Marimbondo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ATLAS ESCOLAS, Histórico, Geográfico e Cultural- Contagem. MG. Revista de Educação
Patrimonial “POR DENTRO DA HISTÓRIA”
21
formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
CAPÍTULO 2
APRESENTANDO O CONCEITO DE TERRITÓRIO
23
PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
As várias Correntes Teóricas
Autores, cujas inspirações teóricas são muito distintas, sugerem que, nos
anos 1990, estariam sendo forjadas redes sociogovernamentais, que democratizariam a esfera pública, redefinindo as relações entre o privado, o estatal
e o público, tanto em campanhas emergenciais (como a Campanha contra a
Fome, a Miséria e pela Vida), canais institucionais (como os conselhos setoriais), fóruns e ações sociais voluntárias.
Muitas dessas experiências mostram a clara intencionalidade de conformarem redes quesuperem a base territorial original. Articulam-se a partir de uma
região de referência, justamente porque se constituem no momento de afastamento das ações estatais, ou do ator estatal, na busca de reconstrução de
uma trama de sociabilidade que reconstrua, em novas bases, a institucionalidade pública.
Robert Castel é um dos autores que destaca a fluidez do conceito. Sugere
que a territorialização pode gerar nova fragmentação política. Para o autor,
Este movimento vai muito além da descentralização, visto que se
delega poder às instâncias locais para priorizarem os objetivos,
definirem projetos e negociarem sua realização com os parceiros
concernidos. Em último caso, o local torna-se também global. [...]
Sem a mediação de direitos coletivos, a individualização das ajudas
e o poder de decisão fundado sobre interconhecimentos, tendo em
vista as instâncias locais, correm sempre o risco de encontrar a velha
lógica da filantropia: jure fidelidade e será socorrido (CASTELL, 1998,
p. 606).
Fischer e Carvalho (1993) analisam as redes de organismos sociais que partem do local, como espaço territorial delimitado e de formação de identidades
específicas, formando duas modalidades: as redes submersas – que se constituem a partir de uma base social informal -, e as redes associativas – conjunto
de relações que geram o chamado tecido social local, associativo.
Outros estudos apontam a formação de uma nova esfera pública local, como
as experiências de fóruns, orçamento participativo, cujos interesses são disputados e projetos estratégicos são formulados. Costa, em ensaio sobre a construção dessa novidade institucional destaca, citando Avritzer, a importância
das análises sobre o hiato entre a existência formal de instituições e a incorporação da democracia às práticas cotidianas dos agentes políticos. Sugere que
o clamor para maior empenho institucional dos movimentos sociais desfoca a
contribuição pré-política que lhes seria peculiar - analisa o processo gradativo
24
formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
de envolvimento de associações civis nas esferas formais de gestão local, muitas vezes substituindo a representação formal, como no caso dos vereadores.
Cita, ainda, os conselhos comunitários como instâncias de discussões e até
deliberação sobre assuntos administrativos mais gerais.
Por seu turno, Abramovay sugere que a territorialização fundaria uma nova
cultura cívica.
Apoiado nos estudos de Robert Putnam o autor propõe:
(...) esta proximidade supõe relações sociais diretas entre os atores.
É neste sentido que, em torno do desenvolvimento rural, convergem
duas correntes contemporâneas de pensamento: por um lado a que
vem enfatizando a dimensão territorial do desenvolvimento. Não se
trata de apontar vantagens ou obstáculos geográficos de localização
e sim de estudar a montagem das “redes”, das “convenções”,
em suma, das instituições que permitem ações cooperativas –
que incluem, evidentemente, a conquista de bens públicos como
educação, saúde, informação - capazes de enriquecer o tecido
social de uma certa localidade. A este processo de enriquecimento,
uma outra vertente do pensamento social contemporâneo – muito
influente nas organizações internacionais de desenvolvimento – vem
chamando, com base nos trabalhos de James Coleman (1990) e,
Robert Putnam (1993/1996: 177), de capital social, que diz respeito à
“... características da organização social, como confiança, normas e
sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade,
facilitando as ações coordenadas”.
TERRITÓRIO E DESENVOLVIMENTO
Bandeira, recentemente, procurou sistematizar as teorias e experiências de
construção de novos mecanismos de regulação do desenvolvimento territorial. Em seu ensaio, sugere que a abertura comercial e aumento de competitividade econômica colocam em xeque políticas que no passado foram utilizadas largamente como indutoras de desenvolvimento, tais como a proteção à
paradigma no planejamento de ações públicas, substituindo a referência em
grandes regiões por sub-regiões ou delimitação local, com base em diagnósticos mais precisos da situação. Sua proposição apoia-se em cinco teses adotadas pelas agências internacionais de fomento ao desenvolvimento:
1.
Participação na Gestão Pública Territorial como Busca de Eficiência
Esta tese, defendida pelo Banco Mundial e destacada pelo Grupo dos Sete,
25
PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
no encontro realizado em Lyon, em 1996, sustenta que a ausência de participação gera ações efêmeras e substituíveis por outros governos. Segundo o
Banco Mundial, a ascensão da sociedade civil modifica os programas de assistência ao desenvolvimento;
2.
Participação na Gestão Pública Territorial como Base de Governância
Também destacada pelo Banco Mundial, a good governance amplia o escopo da gestão territorial para os processos em que atores articulam interesses
e exercitam direitos. O encontro do Grupo dos Sete, ocorrido em 1995, em
Halifax (Canadá), vinculou a governância aos modelos de desenvolvimento
participativo. A transparência administrativa e construção de consenso e previsibilidade nos programas de gestão conferem estabilidade nos processos de
desenvolvimento;
3. Participação na Gestão Pública Territorial como Acumulação de Capital Social
O objetivo, no caso, é a construção de redes de colaboração para construção
de soluções coletivas, apoiadas em relações interpessoais e sentimento de
confiança mútua. Apoiados nos estudos de James Coleman e Robert Putnam,
documentos elaborados pela OECD destacam a cooperação para o desenvolvimento, pressupõem a melhoria da capacidade de administração de políticas
econômicas e sociais e a responsabilidade perante o público, o respeito aos
direitos humanos e a sustentabilidade, componentes considerados básicos da
cooperação internacional. Para tanto, sugerem a interação permanente de
diferentes segmentos da sociedade civil e entre eles e as várias instâncias da
administração pública, facilitando os processos de capacitação e de aprendizado coletivo, forjando consensos. Citam, como exemplo desse arranjo institucional os conselhos econômicos e sociais regionais existentes na Espanha e os
modelos de administração regional da França e Chile1 (MANSBRIDGE, 1995).
4. Participação na Gestão Pública Territorial e Competitividade Sistêmica
O conceito de competitividade sistêmica refere-se ao padrão em que o Estado e sociedade criam condições para o desenvolvimento (ALTENBERG, HILEBRAND e MEYER-STAMMER, 1997). Altenberg (1997), o autor citado como
referência na formulação deste conceito, sugere quatro níveis de competi1
MANSBRIDGE, Jane. “Does Participation Make Better Citizens?, Disponível em <http://www.
cpn.org/cpn/sections/new_citizenship/theory/mansbridge1.html>. Acesso em: 22 nov. 1998.
26
formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
tividade sistêmica: micro, englobando empresas e redes de empresas; meso,
envolvendo instituições e instâncias políticas; macro, afetando as condições
econômicas; e meta, envolvendo estruturas socioculturais e orientação
econômica. O autor aponta, ainda, seis elementos de emergência de atores
coletivos, capazes de dirimir conflitos regionais: 1. confiança; 2. orientação
para resultados (busca de consenso); 3. tomada de decisão conjunta; 4. reciprocidade, ou consentimento de distribuição justa de custos; 5. aceitação dos
direitos legítimos dos vários atores.
5. Participação na Gestão Pública Territorial na Formação de Identidades Regionais
A identidade regional, nesta concepção, forja-se a partir do sentimento
compartilhado de pertinência a uma comunidade territorialmente localizada.
Segundo Sergio Boisier, a planificação do desenvolvimento regional é atividade eminentemente societária, cuja responsabilidade articula Estado e comunidade regional polifacética (BOSIER, 1995). Tal identidade é construída
historicamente, resultante de experiências políticas, sociais e culturais comuns, possibilitando a percepção de interesses coletivos. A consolidação dessa percepção, por sua vez, é fomentada pela prática contínua de discussão,
formulação, implementação de ações e fiscalização de programas regionais. A
identidade regional, ao contrário de formular normas particularistas, formata
consensos básicos entre atores sociais na busca de um modelo de desenvolvimento.
O conceito de território, como se percebe, ganha contornos teóricos nas
formulações recentes das agências internacionais de fomento ao desenvolvimento e envolve muitas correntesda ciência política.
MAS, O QUE É TERRITÓRIO?
Haesbaert (1997) considera ao menos três vertentes básicas:
1. A jurídico-política, cujo território é concebido como espaço delimitado e
controlado sobre o qual se exerce um determinado poder, especialmente de
caráter estatal;
2. A cultural, que destaca a dimensão simbólica, cujo território se constrói a
partir da identidade social sobre o espaço;
3. A econômica, que destaca a territorialização como produto espacial do
embate entre interesses de classes sociais.
27
PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
A primeira abordagem, de vinculação da noção de território ao domínio estatal, teria sido, segundo o autor, uma teoria formulada originalmente por
Ratzel, para quem, sem o território, é impossível compreender a solidez do
Estado. A decadência de um povo estaria, assim, diretamente vinculada à perda de um território. “Um povo decai quando sofre perdas territoriais.
Ele pode decrescer em número mais ainda assim manter o território no qual
se concentram seus recursos; mas se começa a perder uma parte do território,
esse é sem dúvida o princípio da sua decadência futura” (RATZEL, 1990, p. 74).
A segunda abordagem é a de Guatarri e Tuan. Para o geógrafo Tuan, a chave
da compreensão sobre a territorialidade humana é o pensamento simbólico.
O elo efetivo entre o ser humano e o ambiente físico seria a construção imaginária de espaços de posse, espaços proibidos e espaços amados (topofilia).
Para Guatarri, o território teria um sentido mais afetivo, enquanto território
liso seria aquele ligado às relações funcionais da espécie.
As duas correntes acima são majoritárias na definição contemporânea de
território. Pautam-se pela compreensão do grau de autonomia de um agrupamento social frente ao território ou sua dependência face ao poder central.
O conceito de território diferencia-se, assim, entre aqueles que o concebem
como forjado por identidades culturais ou como campo de forças políticas.
O conceito ganhou novo viço nos últimos anos por aflorar como um campo de resistência política. Milton Santos como uma revanche à globalização
econômica, vinculada à noção pósmoderna de transnacionalização do território. Para o autor, a revanche ocorreria pela revalorização do que denomina
“território banal”, construção teórica originalmente elaborada por François
Perroux que significaria o domínio da contiguidade territorial. Haveria, ainda, o espaço em rede, não contíguo, mas o espaço banal seria considerado o
“espaço de todos”, traduzindo-se como espaço público por excelência, um
espaço forjado na história da ação humana, visível e compreendido culturalmente. Segundo Santos:
Há um conflito que se agrava entre um espaço local, espaço vivido
por todos os vizinhos, e um espaço global, habitado por um processo
racionalizador e um conteúdo ideológico de origem distante e que
chegam a cada lugar com os objetos e as normas estabelecidas para
servi-lo. Daí o interesse de retomar a noção de espaço banal, isto é, o
território de todos, frequentemente contido nos limites do trabalho
de todos; e de contrapor essa noção à noção de redes, isto é, o
território daquelas formas e normas ao serviço de alguns (SANTOS,
1994, p. 18).
28
formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
Temos, a partir desta formulação, uma possível politização da noção de território enquanto resistência a um mundo desfigurado para as populações atingidas pela desconstrução econômica e espacial provocada pela redefinição
das relações comerciais e políticas da globalização econômica.
Alguns autores sugerem que a noção circular de tempo, típica das sociedades tradicionais, acaba gerando uma espécie de resistência das populações
locais que se encastelam em seus territórios de origem. Cada espaço atual é
o recobrimento dos espaços anteriores, como se fosse um álbum de fotos da
sua família, em sequência cronológica. Se o espaço correspondente à vida
moderna, urbana e globalizada seria definido pela noção de progresso, que
procura suprimir a identidade toponímica, recriando a virgindade do espaço,
o espaço do tempo circular possuem natureza comunitária, afetiva e demarcado por experiências comuns.
A ruptura da vida comunitária nos tempos atuais seria múltipla, já que populações e comunidades estariam experimentando conflitos gerados por identidades espaciais muitodiferenciadas daquela que constitui sua identidade social.
Em outras palavras, a reconstrução da noção de território como campo de
resistência estaria, do ponto de vista de novos movimentos e mobilizações
sociais, mais articulada à identidade cultural que à luta pela sua manutenção
no mercado. O território apresentar-se-ia como elemento visível e marcado
historicamente pela ação das comunidades. São comunidades “desfiliadas socialmente” que resistem para sua identidade social continue vívida, sugerindo
a reconstrução dos aparatos institucionais que regulem as relações sociais
daquele território específico, que garanta sua sobrevivência e fomente o desenvolvimento das regiões em que estão inseridas.
BIBLIOGRAFIA
ABRAMOVAY, Ricardo (org.). Juventude e agricultura familiar: desafios dos novos padrões
sucessórios. Brasília: UNESCO, 1998.
____________. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural. Comunicação apresentada no IV ECONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA POLÍTICA; Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Porto Alegre – 1° a 4 de junho de 1999.
BANDEIRA, Pedro. Participação, articulação de atores sociais e desenvolvimento regional.
Brasília: IPEA, 1999 (Texto para discussão n. 630).
CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis:
Vozes, 1998.
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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
COSTA, Sergio. Movimentos sociais, democratização e a construção de esferas públicas
locais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 12. n. 35, out. 1997.
FISCHER, Tânia e CARVALHO. Poder Local, rede sociais e gestão pública em Salvador, In:
Poder local, governo e cidadania. Rio de Janeiro: FGV, 1993.
GUATARRI, F. Espaço e poder: a criação de territórios na cidade. Espaço e Debates, São
Paulo, v.5, n.16, 1985.
HAESBAERT, Rogério. Desterritorialização e identidade: a rede gaúcha do nordeste. Niterói: Editora da UFF, 1997.
RATZEL, F. Geografia do Homem. In: MORAES, A. C. (org). Ratzel. São Paulo: Atica, 1990.
SANTOS, Milton. O retorno do território. In: SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia e SILVEIRA,
Maria Laura. Território: Globalização e Fragmentação. São Paulo: UITECH/ANPUR, 1994.
TUAN, Y. Geografia humorística. In: CHRISTOFOLETTI, A. (org.). Perspectivas da geografia.
São Paulo: Difel, 1982.
formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
CAPÍTULO 3
O QUE É LIDERANÇA SOCIAL?
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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
CONCEITO: O QUE É UMA LIDERANÇA SOCIAL?
Para melhor entendermos o papel da liderança social primeiro vamos tentar defini-la. A maioria dos líderes sociais quando questionados como se constituíram como lideranças narram que foi um processo iniciado por demandas
de seu meio a família, sua rua, escola, bairro, empresa, cargo público, militância político partidária etc., se constituíram na experiência, na participação,
não necessariamente tendo passado por uma formação para lideres sociais.
Acreditamos que é justamente o conjunto de aptidões, qualidades, necessidades e motivações, que iniciam o processo que leva um indivíduo dentre
outros a se expor a liderança de um grupo, porém a qualidade do exercício
de uma liderança depende diretamente de uma série de outros atributos e
ferramentas que podem e devem ser aprendidos e utilizados de forma gerar
eficiência e resultados práticos e transformação social. Desejamos que este
seja o objetivo dos aqui inscritos neste curso.
Veja abaixo a comparação das duas palavras líder e liderança:
líder (inglês leader)
1. Pessoa que exerce influência
sobre o comportamento, pensamento ou opinião dos outros.
2. Pessoa ou entidade que lidera
ou dirige.
3. Chefe de um partido ou movimento político.
4. Que ou o que lidera determinado setor de ativid ade ou uma
competição.
“lider”, in Dicionário Priberam
da Língua Portuguesa [em linha],
2008 - 2013, http://www.priberam.
pt/dlpo/lider [consulta do em 16
-08-2014].
32
liderança
Comando, .direção, hegemonia.
“liderança”, in Dicionário
Priberam da Língua Portuguesa
[em linha], 2008 - 2013, http://
www.priberam.pt/dlpo/
lideran%C3%A7a [consultado em 1608-2014].
formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
Podemos perceber claramente que o termo líder concentra no indivíduo o
poder da decisão, já o termo liderança traz a referência de caminho, direção
e ato coletivo. Por tratarmos aqui de transformações sociais e acreditarmos
que elas serão mais duradoras quanto mais coletivas e democráticas forem. É
por isso que escolhemos o termo
“Uma liderança é alguém que conquistou respeito, atenção e carinho de outros
em sua comunidade”. Devido a essas conquistas, as lideranças são capazes de influenciar ações, atos e/ou decisões de outros em prol do bem comum.” (Miriam
Brandão)
“Um líder tem o papel de inspirar, encorajar e motivar as pessoas, estimulando-as e apoiando-as a descobrir e a desenvolver seus potenciais. Para isso, o líder
precisa ter muitas características, entre elas: humildade, paciência, abertura,
compromisso, saber escutar e observar atentamente e, principalmente, precisa
acreditar no potencial de seus liderados e estar presente.” (Andreia Saul)
“As lideranças somente se legitimam quando são exercidas” (Comandante
Rolim) “Liderança é a capacidade de persuadir ou dirigir os homens, resultado
de qualidades pessoais, independentemente da função exercida” (Robert Morrison Maclver e C.H.,1937)
Liderança e suas características
A liderança popularmente é entendida como um “dom”, parece que o indivíduo nasceu para liderar, existem sim características pessoais que são aprendidas quase de forma natural para algumas pessoas, tais como: capacidade
de comunicação, organização, carisma dentre outras que predispõem um indivíduo a liderança, mas como bem sabemos o homem transforma o mundo
e se transforma na ação de seu trabalho e é com essa crença que afirmamos:
A liderança social pode e deve ser estimulada, desenvolvida, aprimorada por
meio de processos de ensino e aprendizagem como este nosso curso.
Atributos de uma liderança social
A capacidade de comunicação é como uma ferramenta chave para a liderança e comunicar não é somente se expressar com clareza, mas para uma
liderança social é principalmente saber ouvir, identificar as demandas e possibilidades apontadas pelos diversos interlocutores com os quais ela se relaciona. Para que a comunicação seja consistente é necessário ter-se um objetivo
pautado, ou seja:
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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
Ter um ideal, um propósito, ser determinado, contribuir para a elaboração
de objetivos práticos e de execução compartilhada, onde cada um saiba a sua
capacidade e possibilidade de contribuir para a transformação da realidade ao
seu redor e da capacidade de utilizar dos recursos disponíveis para alcançálo. Ao identificar demandas estabelecer um propósito e socializá-lo com aos
demais instantaneamente surge a necessidade de:
Estabelecer estratégia, visão do todo, um planejamento, a capacidade de
planejar, delegar funções a todos participantes, reconhecer as capacidades
e limitações de cada indivíduo e do coletivo, acompanhar as etapas do planejamento e redefini-las sempre que necessário. Para se atingir um propósito é
necessário ter continuamente pessoas motivadas, dispostas e de preferência
disponíveis para cada passo dos trabalhos a serem feitos, isso exige:
A capacidade de motivação do grupo, a melhor forma de motivação é o exemplo a dedicação, identificar novas pessoas para apoiar, compor ou mesmo
substituírem as que por algum motivo se desligarem, reconhecer e valorizar
os avanços alcançados.
Outro grande desafio para liderança social é a formação de novos líderes,
uma vez que a sucessão é algo natural e até desejável devemos ter a atenção
de identificar aqueles que se despontam para esta entrega pessoal e ter o
cuidado de possibilitar e acompanhar sua formação de modo que a coletividade não perca a força ou ritmo pela saída de uma pessoa de sua equipe de
liderança.
ESTILOS DE LIDERANÇA: AUTOCRÁTICA, DEMOCRÁTICA E LIBERAL
Existem vários estilos de liderança. Dos estudos sobre a teoria dos estilos
de liderança, refere-se a três estilos. São eles: AUTOCRÁTICA, DEMOCRÁTICA e LIBERAL. Vejamos algumas características e particularidades deles: AUTOCRÁTICA, DEMOCRÁTICA e LIBERAL.
Liderança Autorática
Apenas o líder fixa as diretrizes, sem qualquer participação do grupo;
O líder determina as providências e as técnicas para a execução das tarefas,
cada uma pôr vez, na medida em que se tornam necessárias e de modo imprevisível para o grupo;
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formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
O líder determina qual a tarefa que cada um deve executar e qual o seu companheiro de trabalho;
O líder é Dominador e é “pessoal” nos elogios e nas críticas ao trabalho de
cada membro, etc.
Liderança Democrática
As diretrizes são debatidas pelo grupo, estimulado e assistido pelo líder;
O próprio grupo esboça as providências e as técnicas para atingir o alvo solicitando aconselhamento técnico ao líder quando necessário, passando este
a sugerir duas ou mais alternativas para o grupo escolher. As tarefas ganham
nova perspectivas com os debates;
A divisão das tarefas fica a critério do próprio grupo e cada membro tem
liberdade de escolher seus companheiros de trabalho;
O líder procura ser um membro normal do grupo, em espírito, sem encarregar-se muito de tarefas.
O líder é “objetivo” e limita-se aos “fatos” em suas críticas e elogios.
Liderança Liberal
Há liberdade completa para as decisões grupais ou individuais, com participação mínima do líder;
Tanto a divisão das tarefas, como a escolha dos companheiros, fica totalmente a cargo do grupo.
Absoluta falta de participação do líder;
O líder não faz nenhuma tentativa de avaliar ou de regular o curso dos acontecimentos;
O líder somente faz comentários irregulares sobre as atividades dos membros quando perguntado.
Segundo POSSI (2006, p.4-5), White e Lippitt que fizeram um estudo em 1939
para verificar o impacto causado por esses três diferentes estilos de liderança
em meninos de dez anos, orientados para a execução de tarefas. Os meninos
foram divididos em quatro grupos e, de seis semanas, a direção de cada grupo
era desenvolvida pôr líderes que utilizavam três estilos diferentes: a liderança
autocrática, a liderança liberal (laissez-faire) e a liderança democrática.
As conclusões da pesquisa foram espantosas, pois os meninos se comportaram conforme as “exigências” de cada grupo. Em suma os resultados foram
35
PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
os seguintes. As crianças expostas ao LÍDER AUTOCRÁTICO demonstraram
forte tensão e frustração. Além disso, a agressividade do grupo foi aumentada assustadoramente. As crianças do grupo não formaram grupos de amizade
e nem tinham iniciativa para nada. Na execução das tarefas, não demonstram
satisfação e o trabalho só era exercido se o líder estivesse presente junto ao
grupo, quando o mesmo se ausentava as atividades cessavam e as crianças do
grupo expandiam seus sentimentos reprimidos, tendo explosões de indisciplina e de agressividade.
Com as crianças do grupo de LIDERANÇA DEMOCRÁTICA, a experiência já
foi bem melhor. Houve um bom relacionamento entre as crianças e o líder,
além da formação de grupos de amizade e relacionamentos. As crianças se
mostraram mais responsáveis, exercendo suas atividades mesmo na ausência
de seu líder. O trabalho teve um ritmo mais suave e seguro.
Muito diferente do grupo anterior, as crianças que estavam na presença de
um LÍDER LIBERAL, o grupo teve uma atividade intensa, porém sua produção
foi baixíssima. Houve muita perda de tempo e discussões, e a maioria voltada
para motivos pessoas, ou seja, nada relacionado ao trabalho em si. Por esse
motivo as poucas tarefas desenvolvidas eram feitas ao acaso. Pode-se notar
no grupo um agressivo individualismo e pouquíssimo respeito em relação ao
líder.
Com essas conclusões, pode-se observar que a liderança é uma influência
interpessoal. Nesse caso, a influência nada mais é que a força psicológica que
uma pessoa exerce sobre outra. Isso faz com que o indivíduo (liderado) modifique seu comportamento seguindo orientações e exigências de seu líder.
Geralmente os líderes utilizam de poder, influência e autoridade para conseguirem persuadir pessoas ou até mesmo grupos a realizar as atividades conforme seu desejo ou necessidade. Desta forma uma liderança social é aquele
que influencia o outro, individuo ou coletivo para ação em prol destes.
ESTILOS DE LIDERANÇA: AUTOCRÁTICA, DEMOCRÁTICA E LIBERAL
Em muitos casos de estudos a respeito de liderança no âmbito organizacional, a abordagem psicológica para a compreensão desse conceito é a mais
utilizada sendo que a mesma contribui para a definição de perfis, intenções e
percepções. Por outro lado, emerge as contribuições do campo da sociologia,
a qual procura focalizar o estudo das relações sociais como referência para a
36
formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
explicação desse fenômeno. Na abordagem sociológica importa considerar as
ações dos atores envolvidos, buscando-se compreender os valores, sentidos
e finalidades que motivam a ação. Essa análise está vinculada à perspectiva da
tradição weberiana, inscrita na sociologia compreensiva, sendo que a mesma
procura mapear as relações entre causas e efeitos contidos nas ações perpetradas por seus atores e os fatores condicionantes de determinada ação social.
Sob essa perspectiva, portanto, o termo liderança é compreendido como um
fenômeno que pode ser delimitado conceitualmente, determinando-se que tipos de relações sociais podem ser considerados como expressão de liderança.
É preciso, no entanto, fazer uma diferenciação quanto ao conceito de dominação, que muitas vezes é confundido com o de liderança, em atos, por exemplo, de obediência irrestrita de um ator em relação ao outro. Nos princípios propostos por Weber, a dominação como expressão do fenômeno de
liderança determina que o ator objeto da ação social deve legitimar o ato de
obediência. Desse modo, entende-se que, por vezes, atos considerados como
expressão de liderança, na verdade concretizam ações pelo uso da força (coerção) e da aplicação de regulamentos para imposição da vontade de um ator
sobre o outro (comando).
Como vimos no tópico anterior, o centro da discussão sobre liderança estava direcionado basicamente para o entendimento da figura do líder, que é o
cerne das teorias organizacionais clássicas. Portanto nesse tópico, a partir da
perspectiva teórico-metodológica do sociólogo Max Weber, a discussão sobre
o tema liderança se construirá no plano dos fenômenos culturais, envolvendo
organizações e sociedade, além de se considerar os fatores que condicionam
a ação individual.
Em suas pesquisas sobre dominação, Weber procurou diferenciar a autoridade formal da liderança, podendo as características que distinguem esses
dois conceitos serem resumidas no seguinte quadro:
Autoridade Formal
Baseia-se em normas
Liderança
Baseia-se na aceitação pelos outros
Pertence ao cargo e não ao indivíduo
Limitada ao grupo social dentro do
qual o líder exerce influência
É permanente, enquanto o cargo
existir
É efêmera, enquanto persistir a sintonia entre líder e seguidores
37
PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
Entende-se, que a autoridade formal é inerente ao cargo, ou seja, sua configuração se dá em virtude da posição ocupada, como, por exemplo, um diretor
de escola, um secretário de governo. A liderança, por sua vez, emerge como
expressão de habilidades, interesses e comportamentos que são exercidos
pelo líder e aceitos e reconhecidos pelos liderados. Logo, o que determina a
origem da autoridade formal é o cargo ocupado, enquanto a fonte que origina
a liderança nasce da aceitação de uma pessoa como líder por parte de seus seguidores.
Desse modo, é possível estabelecer que o exercício da autoridade formal esteja
restrito às funções e responsabilidades do cargo, que são fixadas por normas organizacionais. O exercício da liderança, por sua vez, é amplo, ainda que restrito
ao grupo social em que a liderança é exercida, e esse exercício compreende as
relações entre o líder e seus seguidores.
De acordo com as proposições de Max Weber, a ação social que se estabelece
entre os indivíduos em relação à ordem e o comando (autoridade) pode ser motivada pela tradição, pelo carisma e pela burocracia. Vejamos abaixo como cada
tipo de autoridade pode ser expressa:
Tipos de autoridades na perspectiva weberiana
Por José Henrique de Faria e Francis Kanashiro Meneghetti
a. A autoridade tradicional é quando uma pessoa ou grupo social obedece a um outro porque tal obediência é proveniente do hábito herdado
das gerações anteriores.
A tradição é extrínseca ao líder. A autoridade tradicional não anula a presença de outras, tais como as habilidades pessoais;
b. A autoridade carismática é proveniente das características pessoais
dos indivíduos.Sua base de legitimação é a devoção dos seguidores à imagem dos grandes líderes religiosos, sociais ou políticos. Portanto, a idéia
de carisma está associada às qualidades pessoais e à posição organizacional ou às tradições. O carisma é, em muitos casos, a base explicativa de
autoridades informais nas organizações;
c. A autoridade racional-legal ou burocrática é a principal base da autoridade no mundo contemporâneo. Apesar das modernas organizações
38
formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
formais (Estado, organizações públicas e privadas, etc.) procurarem tratar
a liderança como um atributo de cargos específicos, que deve ser legitimamente aceita pelos indivíduos, a hierarquia em uma organização tem como
um dos objetivos emprestar aos ocupantes dos cargos o direito de tomar
decisões e de se fazer obedecido, dentro de uma divisão pré-estabelecida
e aceita de antemão. A autoridade burocrática, desta forma, é extrínseca à
figura do líder. Ela é de caráter temporário e pertence ao cargo da pessoa
que ocupa. A autoridade formal legitima o uso da “força”. A necessidade
de manter a ordem e estabilidade depende da delegação da autoridade
burocrática.
No campo dos estudos organizacionais, podem ser identificadas, ainda, a
autoridade estabelecida pelas relações pessoais e a autoridade estabelecida
pela competência técnica. No primeiro caso, a autoridade pela relação pessoal é considerada aquela na qual as relações estabelecidas entre os indivíduos se dão por intermédio dos vínculos sociais – amizade, relacionamento com
pessoas importantes, etc. No segundo tipo, o que delineia a autoridade por
competência técnica é a influência no comportamento alheio por conta da
superioridade do líder no plano do conhecimento. Ou seja, o reconhecimento
dos líderes por seus seguidores está pautado no domínio de competências e
conhecimentos considerados superiores. Essas duas formas citadas não são
excludentes, sendo por vezes complementares uma a outra.
Em corporações, empresas, e diversas instâncias sociais, o cumprimento de
objetivos pode ser impulsionado pela aliança entre a atuação da liderança e
da autoridade geral. Porém, é preciso ter cuidado com o processo de racionalização que ocorre nas organizações, que podem desvirtuar essas atuações e
gerar o uso inadequado ou excessivas de autoridade. O domínio da burocracia
e do uso da ténica nas estruturas organizacionais contribuem para que nem
sempre a constituição da autoridade seja reconhecida por parte daqueles que
recebem o novo líder. Portanto, segunto a concepção de Weber, o exercício
da liderança é equivalente ao exercício da autoridade, o que em termos gerais
poderia ser descrito como a arte de “influenciar positivamente as pessoas”,
ou seja, fazer com que suas ideias sejam aceitas e reconhecidas de boa vontade. Nessa dinâmica, o reconhecimento das ideias do líder se dá porque tais
ideias são consideradas boas, e, consequentemente, canais para a promoção
melhores do próprio crescimento e desenvolvimento profissional.
39
PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
Em resumo, é possível entender o conceito de liderança como uma manifestação que tem caráter psicológico, social e político. Essa manifestação pode
ser identificada nos seguintes âmbitos, conforme descrito no quadro abaixo
por José Henrique de Faria e Francis Kanashiro Meneghetti (2011):
• “No interior de uma classe social (numa fração ou segmento), categoria
social ou grupos formais ou informais (social e politicamente organizados)”
• “Entre classes (frações ou segmentos) categorias ou grupos sociais”
• “No interior de organizações e entre organizações.”
A liderança, portanto, é um atributo não apenas individual, mas substancialmente coletivo também. Nesse entendimento, é preciso considerar que as
mudanças internas e externas tem caráter histórico e dialético, o que motiva
a das mudanças internas e externas o que motiva a positiva ou negativamente
a aceitação e legitimidade da figura do líder, representado por uma pessoa,
um grupo ou uma organização. Assim, o fenômeno de liderança pode se manifestar através da delegação de autoridade ou se constituir por intermédio de
atributos reais ou simbólicos, os quais tem como foco atingir objetivos tanto
individuais quanto coletivos que podem ser imaginários e/ou concretos (de
natureza econômica, jurídica, política, ideológica e social).
Em essência, o que diferencia a liderança de uma simples autoridade ou de
uma ação carismática é uma práticas balizadas em princípios democráticos,
emancipatórios e esclarecedores. Tal prática deve ser dirigida sempre a interesses de uma ética da e pela coletividade. Portanto, a prática e construção da
liderança não deve perder do horizonte que as capacidades próprias precisam
estar alinhadas com as capacidades coletivas. O papel de liderança não é um
atributo fixo. Por isso, o líder precisa promover um contínuo trabalho de manutenção de legitimação perante os integrantes que compõem a coletividade
que o reconhece.
40
formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
Bibliografia
CHIAVENATO, Idalberto. Administração geral e pública. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2006.
FARIA, José Henrique de. & MENEGHETT, Francis Kanashiro. Liderançae Organizações.
Revista de Psicologia. ISSN 2179-1740. vol. II. n. 2. jul-dez 2011. Disponível em: http://www.revistapsicologia.ufc.br/index.php?option=com_content&id=93%3Alideranca-eorganizacoes&
Itemid=54&lang=pt
POSSI, Marcus. Gerenciamentoprojetos guia do profissional: aspectos humanos e interpessoais. Volume 2. Rio de Janeiro: Brasport, 2006.
Site Instituto IDIS – Instituto para do Desenvolvimento Social http://www.priberam.pt/
dlpo/lider
41
formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
CAPÍTULO 4
O QUE É CONTROLE SOCIAL?
43
PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
O Controle Social é uma forma de compartilhar o poder de decisão do Estado com a sociedade civil (aquela formada pelo conjunto dos cidadãos) sobre
as políticas públicas. Essa intervenção ocorre quando a sociedade interage
com o Estado na definição de prioridades e na elaboração de planos de ação
nos três níveis de esfera governamental (Município, Estado e União).
Desde os anos 1970 os movimentos sociais brasileiros atuam como mecanismos de controle social, pois surgiram como meio de rompimento ao autoritarismo, forma de governo altamente centralizada e hierárquica imposta pelo
regime militar. Portanto, o tema do controle social foi ganhando cada vez
mais importância e abrangência em nosso país a partir dos anos 1980. A noção
está presente em vários artigos da Constituição Federal (artigos 1, 14, 204,
entre outros), está expresso em leis federais como a Lei Orgânica da Saúde,
a Lei Orgânica da Assistência Social, o Estatuto da Criança e do Adolescente,
o Estatuto da Cidade, para citar alguns. O Controle Social pode ser realizado
enquanto caráter fiscalizador, acompanhando e avaliando as condições de
gestão e execução das ações e aplicação dos recursos financeiros destinados
a implementação de políticas públicas destinadas a melhorar as condições de
vida da população, mas também como formulador de políticas.
Geralmente o exercício do Controle Social acontece em espaços de diálogo
e deliberação entre representantes do governo e sociedade civil, como por
exemplo: Conferências, Conselhos de Políticas Públicas e nos Orçamentos
Participativos. Existem, ainda, espaços autônomos onde as propostas a serem
apresentadas ao governo são discutidas, podemos citar as associações, movimentos, fóruns, ONGs. Muitas vezes, espaços de participação dos cidadãos
para exercitar o controle social (ou da sociedade) sobre políticas públicas (de
governo e/ou de Estado) são híbridos, quer dizer, não são só de governo, nem
são só da sociedade. É o caso dos conselhos, como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) instalado pelo governo federal ou os 30
mil conselhos de gestão pública (saúde, educação, assistência social, direitos
da mulher, LGBT, juventude, criança e adolescente e outros) que existem no
Brasil.
Neste cenário o(a) cidadão(ã) pode tornar-se ativo e propositivo numa
relação direta entre cidadão e Estado, que deve incluir desde a troca de informações, debates, deliberações e/ou intervenções sobre as ações de governo.
Não significa defender apenas interesses corporativos de um grupo específico, mas avançar para um projeto que busque a garantia de direitos e a equidade para todos. Neste sentido, o grande desafio é vencer a exclusão e as
desigualdades.
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formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
No Brasil, a maioria dos mecanismos de participação (alguns, de controle
social, mas não a maioria) está instalada no Poder Executivo. Uns poucos se
encontram no Poder Legislativo, como as comissões de legislatura participativa que acolhe propostas da sociedade civil para criação de leis. Mas nenhum
conselho criado no âmbito do Executivo (como os conselhos de saúde, para
citar um deles) interfere no poder do Legislativo. Isto significa que o Poder
Legislativo (as Câmara Municipais, as Assembleias Legislativas e o Congresso
Nacional) continua com suas prerrogativas de sempre. Um exemplo concreto
é o orçamento participativo (OP). A população define as obras e serviços a
serem inscritos no orçamento do próximo ano. As plenárias do OP decidem e
o Executivo as encampa na proposta que envia para o Legislativo. Não basta,
portanto, as plenárias do OP decidirem e o Executivo encampá-las e enviá-las
para o Legislativo. O poder de votar e decidir se as propostas serão efetivamente incorporadas no orçamento do ano seguinte continua nas mãos dos
vereadores, dos deputados e senadores.
O efetivo exercício do Controle Social depende da capacidade dos movimentos, organizações (associações de bairro, ongs e outras), fóruns, grupos e outros atores sociais em debater as políticas públicas, transformando a realidade,
buscando a garantia de direitos. Os cidadãos, para exercer o controle social,
possuem ainda instâncias que estão à disposição para fazer valer os direitos
como é o caso do Ministério Público que possui um amplo poder fiscalizador
das ações do poder público.
Para que o Controle Social seja exercido com qualidade, é necessário que
os representantes da sociedade civil tenham entendimento sobre as políticas
públicas a serem discutidas e das prioridades da comunidade para exercer seu
caráter prepositivo.
Em nossa legislação, além das leis já indicadas aqui, temos uma série de garantias e instrumentos de Controle Social como o acesso às informações (com
linguagem clara e de fácil interpretação) necessárias para efetivar suas ações
e, em alguns municípios, temos um arcabouço legal específico, como leis de
responsabilidade social.
CONTROLE SOCIAL COMO EMPODERAMENTO SOCIAL
O conceito de controle social, como se percebe, sugere a ampliação do
poder do cidadão. Alguns autores denominam este aumento de poder de empoderamento social. Na Agenda 21 do Brasil, proposta de desenvolvimento
sustentável que foi elaborada por diversos países a partir do encontro da ONU
realizado no Rio de Janeiro conhecido como ECO-92, encontra-se este princí-
45
PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
pio como um dos que norteiam políticas de sustentabilidade. São cinco princípios que estão inscritos neste pacto pelo desenvolvimento:
• Promoção do empoderamento social
• Desenvolvimento sustentável
• Combate às desigualdades sociais e regionais
• Participação e controle social
• Transparência e clareza nas informações
Um dos autores mais citados na vinculação do conceito de Controle Social
ao de empoderamento social é Sherry Arnstein. Arnstein foi diretora de estudos sobre desenvolvimento comunitário do instituto de pesquisa The Commons (Washington, EUA) e atuou como consultora do Comitê Presidencial em
Delinquência Juvenil, além de editora da revista Current Magazine.
Em julho de 1969, Arnstein publicou um importante ensaio no AIP Journal
cujo títul era “A Ladder of Citizen Participation”2 que, numa tradução livre,
seria “a escala da participação cidadã”.
A escala que a autora apresenta pode ser visualizada a seguir:
Poder
Cidadão
controle
delegação
parceria
apaziguar
formalismo
consulta
informação
terapia
não
participação
D 28%
46
manipulação
formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
Sinteticamente, o que Arnstein sugere é que o controle social não se confunde com reuniões ou eventos que objetivam divulgar ou prestar contas sobre ações de um órgão ou governo.
Tampouco se confundem com ações de consulta à uma determinada população.
A participação cidadã ocorre, segundo a autora, quando as conclusões de
uma reunião entre quem tem poder e os cidadãos são controladas e decididas
pelos cidadãos. Toda vez que a decisão final fica nas mãos de quem convidou
os cidadãos para um evento, o que estará ocorrendo é consulta, não participação.
Assim, participação cidadã ocorre quando a decisão é compartilhada (governo e cidadãos). Mas no topo da escala de Arnstein aparece o conceito de
controle social. Ao explicitar o que seria este conceito, a autora sugere:
Embora ninguém num país tenha o controle absoluto, é muito
importante que a retórica não seja confundido com a intenção. O
cidadãos simplesmente exigem um grau de poder (ou controle)
que garanta que os participantes ou residentes numa localidade
governem um programa em toda sua extensão, incluindo aspectos
gerenciais, e ter a capacidade de negociar as condições para alterá-la.
Uma organização de bairro sem intermediários entre ela e a fonte de
recursos é o modelo mais defendido3.
Há inúmeras experiências no Brasil que caminharam nesta direção. Como ilustração,
destacamos o processo de negociação entre a Eletrosul (concessionária de energia
elétrica da região sul do país) com o CRAB (Comissão Regional de Atingidos por Barragens), quando do reassentamento de famílias rurais em função da construção de
uma hidrelétrica no Paraná (entre 1987 e 1991). Abaixo, reproduzimos passagem de
uma das atas de acordo firmado entre as partes:
3
ARNSTEIN, Sherry. A Ladder of Citizen Participation, op. cit, p. 223.
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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
TEMA: PROJETO DE REASSENTAMENTO DE MARMELEIRO
26/09/88 - Discussão sobre segurança da área. Será mantido o antigo capataz.
25/10/88 - Apresentado o projeto de reassentamento.
01/12/88 - Discussão sobre benfeitorias e proposta de metragem das habitações. Sem
consenso.
20/03/89 - Discutidas as vias de acesso e estradas. Discutido os casos de declive que podem
prejudicar escoamento da produção agrícola. Começo da análise sobre salão comunitário
e campo de bocha, construção de silo e armazém. Definido o projeto da FUNDEPAR para
construção da escola. Aprovado o estudo para construção de capela ecumênica.
22/03/89 - Definido o início de visitas à nova área. Famílias deverão definir a posição das
casas e benfeitorias.
07/04/89 - CRAB apresenta projeto de silo, com custos reduzidos, sugerindo as seguintes
opções: a) ELETROSUL constrói o silo com secador; b) repassa valores atualizados. Todas
as famílias estarão residindo na nova área até 15/09/89. Até o período de mudança, a
área deverá garantir: casa, acesso aos lotes, solo preparado para plantio, água, energia
elétrica.
10/09/89 - CRAB solicita à ELETROSUL o fornecimento de madeira, tinta e ajuda financeira
para pagar mão-de-obra na construção das casas.
18/09/89 - O tratamento da terra será refeito, bem como os terraços nos lotes alagados.
Será necessário uso de herbicida em algumas áreas.
A passagem revela parte de um instigante processo de construção do controle social das populações rurais atingidas pela construção de uma hidrelétrica sobre a política governamental de seu reassentamento. A organização que
representou e negociou o que daria lugar a um processo de cogestão (e até
autogestão) da política de reassentamento foi o CRAB. Esta era a sigla original
do que hoje se denomina MAB (Movimento dos Atingidos por Barragem) uma
das mais poderosas organizações do meio rural brasileiro.
O CRAB desenvolveu, a partir de 1986, uma das experiências mais inovadoras de gestão de reassentamentos rurais do País, tendo como base um acordo
estabelecido com o então Ministro das Minas e Energia, Aureliano Chaves,
que possibilitou a administração conjunta entre a organização das populações
desapropriadas para construção de hidrelétricas e agências estatais para efetivação do reassentamento dessas populações. Nascia uma autonomia de
gestão de amplos territórios nunca antes conquistada por movimentos sociais brasileiros. O movimento que, em sua origem, tinha como base territorial
a região que compreendia as hidrelétricas de Itá e Machadinho (RS), expandiu
sua área de influência para o Paraná, a partir da mobilização ao redor do reassentamento das populações rurais atingidas pela construção das hidrelétricas
de Mangueirinha, Segredo e Salto Caxias. A experiência de Mangueirinha e
Salto Caxias – objeto da passagem do acordo reproduzido acima - será o ápice
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formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
da capacidade de autogestão dos territórios de reassentamento, quando o
MAB passa a administrar a instalação de galpões, construção de casas e toda
infraestrutura do reassentamento.
O conceito de controle social, portanto, não é teórico. Tem raízes nas organizações populares brasileiras e fazem parte dos estudos sobre gestão pública
desde os anos 1980.
Bibliografia
Dicionário da Gestão Democrática - Conceitos para a ação política de cidadãos, militantes
sociais e gestores participativos, Belo Horizonte/São Paulo: Editora Autêntica/Instituto Cultiva/Escola de Governo da USP, 2010
ALBUQUERQUE, Ângela. O papel dos Conselhos na administração pública: democratização
da gestão, fiscalização e responsabilidade. Revista eletrônica de gestão, v. 3, 2006. Disponível em: <http://www.revistaadm.mcampos.br/EDICOES/artigos/2006volume3/angelalbuquerquepapeldosconselhosnaadministracao.pdf >. Acesso em: 18 ago. 2014.
REPENTE. Participação Popular na construção do Poder Local. Controle Social das políticas
públicas. Polis. Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais, n. 29, ago.
2008. Disponível em: <www.polis.org.br>. Acesso em: 18 ago. 2014.
RICCI, Rudá. Fuga para o Futuro: Novos Movimentos Sociais Rurais e a concepção de
Gestão Pública, tese de dourotamento, Unicamp, 2002. Disponível em http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000240620 SERAFIM, Lizandra. Instituto Polis.
Controle Social: que caminhos?. Disponível em:<www.polis.org.br>. Acesso em: 18 ago. 2014.
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formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
CAPÍTULO 5
CIDADANIA CONECTADA: O
TRABALHO EM REDE
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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
Rede social não é nenhum fenômeno recente. As interações entre pessoas, grupos e organizações sociais sempre se organizaram numa espécie de
“malha interativa”... numa rede de relações, sentidos, significados, práticas e
ações que as interligam e as conectam de variadas formas. Você, certamente,
já deve ter vivido uma sensação de “mundo pequeno”. Essa sensação nada
mais é do que uma impressão de que estamos sempre nos deparando com
pessoas e situações familiares, ainda que vivamos numa grande cidade. Quando nos damos conta de que nossos amigos são amigos de outros amigos, temos a impressão de estar num mundo menor do que realmente é. Leia o texto
do box, a seguir:
SEIS GRAUS DE SEPARAÇÃO Por Alessandro Greco
O fenômeno do mundo pequeno está presente não apenas na rede social humana,
mas também em outras estruturas construídas pelo homem e pela natureza. A ideia
de que você está a seis apertos de mão ou menos do presidente dos Estados Unidos,
Barack Obama, ou de qualquer outra pessoa, ficou famosa na década de 1990 quando
o dramaturgo americano John Guare escreveu a peça “Seis Graus de Separação”, que
três anos depois se tornaria o filme de mesmo nome com Will Smith e Donald Sutherland.
O conceito, no entanto, é bem anterior à década de 1990. Tem quase meio século.
Foi desenvolvido pelo psicólogo social americano Stanley Milgram que publicou em
1967 um artigo no qual afirmava que estamos todos a seis ou menos graus de separação de qualquer pessoa do planeta. Nele, Milgram descrevia um experimento feito
por ele mesmo na década de 1960 no qual pediu a voluntários das cidades de Omaha
(Nebraska) e Wichita (Kansas) que enviassem uma correspondência para um morador
específico de Boston (Massachusetts) – todas cidades nos Estados Unidos. O detalhe
é que os voluntários não poderiam enviar diretamente a carta, mas por meio de amigos e contatos que pudessem ajudar na entrega da carta ao destinatário final em Boston. Ao final do experimento, Milgram fez o cálculo de quantos intermediários foram
necessários em média para que a carta chegasse ao seu destino. A conclusão foi seis.
Apesar de todo o frisson em torno da ideia após o filme, pouca pesquisa foi feita na
área até o final da década de 1990 quando Duncan Watts, então na Universidade de
Columbia, e Steven Strogatz, da Universidade de Cornell, ambas nos Estados Unidos,
mostraram que o fenômeno dos graus de separação, conhecido entre os cientistas
como “fenômeno do mundo pequeno”, está presente não apenas na rede de relações
humanas analisada por Milgram, mas também em outras redes criadas por humanos
(exemplo: rede elétrica) e em redes naturais (a rede de neurônios do C. elegans, um
verme muito usado em pesquisa científica). Mais recentemente pesquisadores mostraram que o Facebook e o Twitter não ficam de fora dessa história. No primeiro, as
pessoas estão em média a seis graus uma da outra e no segundo a quatro.
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formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
O fato é: não importa se são três, quatro, cinco ou seis. O mundo é pequeno,
muito pequeno.
Disponível em: http://www.bayerjovens.com.br/pt/colunas/coluna/?materia=seis-graus-de-
O efeito “mundo pequeno” é uma das principais evidências da rede social. Ele demonstra, conforme argumenta o sociólogo Norbert Elias (1994),
que a interdependência entre indivíduos e grupos caracteriza a natureza das
relações sociais e faz com que cada um de nós esteja interconectado com milhares de pessoas, grupos e instituições. Assim, ao falarmos de rede, estamos
acentuando, mais do que um modelo organizativo, um elemento fundamental
das relações humanas.
Observe as imagens a seguir:
Imagem 1
Imagem 2
A primeira delas representa a Avenida 25 de Março, na capital de São Paulo,
maior centro de comércio popular do país. A princípio, tendemos a pensar
que a única experiência que as pessoas dessa multidão compartilham é o desejo e a necessidade de comprar. Mas elas têm padrões de comportamento
e interação. Compartilham sentidos, compreendem significados, e, não raro,
encontram aqui e acolá, algum vizinho, alguma amiga, um parente ou colega
de trabalho. Apesar de aparentarem ser um amontoado de pessoas, cada uma
delas está interligada por canais de comunicação, por linguagens, por instituições comuns, por espaços virtuais e reais compartilhados. Várias dessas
pessoas acompanham a mesma emissora de TV. A maioria delas, talvez, seja
53
PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
membro de alguma rede social virtual. Elas estão imersas e, portanto, conectadas, em redes.
Ao observar a segunda imagem, veremos a força e importância que têm as
redes emnossas vidas. A imagem é uma fotografia de uma das manifestações
políticas de rua que se desenvolveram em junho de 2013 no Brasil. E, apesar
da diversidade das bandeiras e protestos dessas manifestações, elas só aconteceram pela força que as redes têm de mobilizar e sensibilizar pessoas e
grupos. E não estamos falando apenas do Facebook. Essa ferramenta virtual
de fomento e mobilização de redes sociais foi de extrema importância para as
“Jornadas de Junho”, mas junto delas vislumbramos outras redes sociais que
já vêm atuando no cenário político do país, buscando transformá-lo. Agremiações estudantis, coletivos que visam democratizar o acesso à cidade, movimentos de mulheres, movimentos de luta racial, grupos religiosos, sindicatos,
partidos políticos, organizações comunitárias e outros coletivos constituem
uma rede social de luta e enfrentamento aos problemas que afligem o país.
A atuação e eficácia desses grupos, como no caso das Jornadas de Junho, só
podem acontecer porque interagimos entre nós, multiplicamos informações
entre os pares, sensibilizamos pessoas próximas, que sensibilizam outras, e
outras...
Nós vivemos em rede!!!
AFINAL, O QUE SÃO REDES?
A ideia de rede tem sido amplamente utilizada no campo científico e das
políticas sociais para a construção de alternativas de ação e resolução de problemas comuns. Por ter sido absorvido por um campo heterogêneo de saberes,
este conceito é utilizado, muitas vezes, de forma genérica, sendo aplicado a
realidades distintas. Seu caráter polissêmico exige que nós remontemos e organizemos algumas ideias e apontamentos da literatura para definirmos com
clareza o que chamaremos aqui de rede. A seguir, algumas definições de rede
disponíveis na literatura sobre o tema:
ALGUMAS DEFINIÇÕES DE REDE
Para Sônia Fleury (2005)
Estruturas policêntricas, envolvendo diferentes atores, organizações ou nódulos, vinculados entre si a partir do estabelecimento e manutenção de objetivos
comuns e de uma dinâmica gerencial compatível e adequada.
Para Regina Maria Marteleto (2001)
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formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
• Sistema de nodos e elos
• Estrutura sem fronteiras
• Uma comunidade não geográfica
• Um sistema de apoio ou um sistema físico que se pareça com uma árvore ou
uma rede.
Para Cássio Martinho (2003)
Sistemas, estruturas ou desenho organizacionais, caracterizados por uma grande
quantidade de elementos (pessoas, pontos de venda, entidades, equipamentos)
dispersos espacialmente e que mantêm alguma ligação entre si.
Para Ilse Sherer-Warren (2011)
Comunidades de sentido construídas histórica ou voluntariamente em torno
de afinidades/identificações ou objetivos comuns relacionados a uma causa, que
serão os fios da rede. Por sua vez, esses fios são conectados entre si através dos
elos da rede, que são os indivíduos e/ou organizações participantes dessa relação
sociocomunitária.
Podemos compreender a rede como uma complexa malha de relações estabelecidas. Do ponto de vista morfológico, ou seja, de sua estrutura, a rede
possui apenas dois elementos: os nodos e as conexões. Os nodos representam cada um dos integrantes de uma rede, seja uma pessoa, um grupo e/ou
organização. No caso de uma rede de associações comunitárias, cada uma
dessas associações representa o que chamamos de nodos. Temos redes de
escolas, quando os nodos são escolas. Temos redes de pessoas, quando os nodos são pessoas. Temos redes de empresas, quando os nodos são empresas.
(Martinho, 2011). É importante lembrar que existem redes muito complexas,
em que os nodos podem ser de natureza e características distintas. Uma rede
de proteção social local, por exemplo, reúne “nodos” diversificados como escolas, grupos culturais, igrejas, centros de saúde, etc. A rede de enfrentamento ao racismo reúne pessoas, grupos culturais, instituições públicas, ONGs e
outros atores sociais.
Numa representação gráfica, os nodos são representados por pontos, assim
como demonstra a figura a seguir:
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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
Já as linhas representadas nos diagramas são conexões. As conexões são
um conjunto de relações e interações estabelecidas entre cada um dos nodos. Numa rede de enfrentamento a violência contra a mulher, por exemplo,
poderemos ter conexões entre equipamentos, serviços e grupos societários,
de natureza administrativa, política, cultural, jurídica, etc. Os nodos e suas
conexões, em movimento, dão vida a uma rede e, no caso de uma rede social,
teremos sempre o envolvimento de pessoas concretas, ainda que associadas
ou institucionalizadas.
TIPOS DE REDE: REDES SOCIAIS, COLETIVOS EM REDES E REDES DE MOVIMENTOS SOCIAIS
A sociedade civil articula-se a partir de três tipos principais de redes:
Redes sociais
Em sentido genérico, referem-se a comunidades de sentido construídas histórica ou voluntariamente em torno de afinidades/identificações, que serão os fios
da rede. Por sua vez, esses fios são conectados entre si através dos elos da rede,
que são os indivíduos e/ou organizações participantes dessa relação sociocomunitária. Tradicionalmente, temos as redes de parentesco, redes de amizade, redes
comunitárias variadas (religiosas, recreativas, associativismo civil, etc.), com elos
espacialmente próximos e com maior visibilidade interpessoal e permanência
temporal. Na contemporaneidade, tornaram-se populares as redes sociais virtuais da internet, encurtando a distância espacial entre os elos, porém tornandose mais efêmeras.
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formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
Coletivos em rede
Referem-se a articulações entre organizações empiricamente localizáveis ou
referenciadas em torno de metas em comum, que visam difundir informações,
buscar apoios solidários ou desenvolver estratégias de ação conjunta (p. ex.,
ONGs ou associações participantes do Fórum da Criança e Adolescente). Esses
coletivos podem transformar-se em segmentos ou subsegmentos de uma rede
mais ampla de um movimento social propriamente dito, que, por sua vez, uma
rede de redes. Por exemplo, são coletivos em rede os sites online das ONGs antirracistas, os fóruns presenciais da juventude negra, os grupos de reflexão étnicoracial, as associações civis de negras e negros, etc., os quais conectam militantes
negros/as e simpatizantes. Esses coletivos são nodos de uma rede de redes, ou
seja, são o que possibilita a formação do movimento negro enquanto movimento
social. Entretanto, o movimento social deve ser definido como algo que vai além
de uma mera conexão de coletivos, conforme abaixo.
Redes de movimentos sociais
São redes sociais complexas que, transcendendo organizações empiricamente
delimitadas, conectam de forma simbólica, solidária e estratégica sujeitos individuais e atores coletivos, num processo dialógico que compreende três dimensões:
a) Construção de uma identidade comum (por exemplo, uma identidade negra
para o movimento negro)
b) Definição de campos de conflito e mecanismos de discriminação, dominação
ou exclusão definindo opositores ou antagonistas – no caso do Movimento Negro, a denúncia do racismo possibilita visibilizar um conflitoe entre grupos sociais
e nomear as discriminações e opressões que vivenciam a população negra..
c) Definição de propostas, objetivos ou projetos de enfrentamento, visando
transformações sociais ou mudanças sistêmicas – fortalecimento da identidade
negra, visibilização do racismo nas mídias, criação e aprovação de leis para inibir
discriminações, remontar a memória da história da África etc.
Adaptado do texto de Ilse Scherer-Warren, “Redes da sociedade civil, advocacy e incidências
possíveis”, pgs. 65-67.
AS REDES DE POLÍTICAS SOCIAIS
As redes às quais uma pessoa se conecta são heterogêneas. Além das redes de sociabilidade pessoal que se entrecruzam no cotidiano escolar, temos
conexões estabelecidas entre redes sindicais e trabalhistas, redes religiosas,
redes políticas, redes culturais, etc. Uma dessas redes, de extrema importância para o ativismo social é a rede de equipamentos e serviços que atuam na
execução de políticas públicas e na garantia dos direitos da comunidade local.
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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA
A Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) – Lei 8069/1990 – e o Estatuto da Juventude representaram importantes
avanços na história da atenção à infância e à juventude. A Constituição caracterizou-se pela descentralização políticoadministrativa das políticas sociais: a
cidadania como direito do cidadão e dever do Estado, financiamento público,
controle social e organização de serviços sistemáticos e fundamentados em
diagnósticos locais para atendimento às necessidades sociais.
O ECA, por sua vez, refletiu tais diretrizes, instituindo uma doutrina de proteção integral à criança e ao adolescente. No artigo 86, o Estatuto preconiza que “A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente
far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não
governamentais, da União, dos estados e dos municípios”. Portanto, há um
horizonte de integralidade que deve orientar os serviços e equipamentos de
proteção social, os quais devem, portanto, trabalhar continuamente em rede.
A rede de políticas sociais é composta por escolas, por unidades de saúde,
Centros de Referência da Assistência Social (CRAS ou Casa da Família), Centros de Referência Especializados em Assistência Social (CREAS), de núcleos
de conciliação e mediação de conflitos, equipamentos e equipes da política de
segurança pública (as delegacias e as equipes policiais, por exemplo), serviços
de média e alta complexidade da política de Assistência Social (serviço de
acompanhamento a famílias e indivíduos que tiveram seus direitos violados,
abrigos públicos, serviço de acompanhamento de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa), serviços de saúde mental substitutivos
(Centros de Atenção Psicossocial - CAPS, CAPS álcool e drogas, CAPS infantojuvenil), Conselhos Tutelares, Centros Culturais, Museus, Conselhos Locais
(de saúde, de educação, de juventude, da mulher, etc), unidades de ensino
infantil, etc.
A dinâmica dessas redes socioassistenciais, que têm sua atividade de “animação” na estrutura do Estado, permite que indivíduos, grupos e comunidades sejam acompanhados de forma integral. A integralidade, então, só
pode ser garantida a partir de ações intersetoriais e transdisiciplinares.
Trabalhar numa perspectiva intersetorial é, mais do que encaminhar e referenciar pessoas e grupos a outros serviços de uma rede, construir parcerias
reais e canais de diálogo e comunicação com essa rede. O jovem que passa
pelo centro de saúde é o mesmo que frequenta a escola e é o mesmo que
pode ser acompanhado pelo CRAS. Estar em rede é ver além das fronteiras
institucionais.
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AS REDES COMUNITÁRIAS EM FOCO: MOBILIZAÇÃO SOCIAL
Tratar de redes sociais no contexto da educação popular traz para o centro
dos debates a dimensão comunitária das experiências de cidadania. As pessoas e os diversos grupos sociais lidam cotidianamente com questões relacionadas à ocupação do espaço público comum, ao associativismo, ao cooperativismo, as redes de sociabilidade territoriais, aos dilemas vivenciados pelos
grupos familiares, ao enfrentamento de ações criminosas locais, à inserção
de jovens em redes locais de proteção social, etc. Essas dinâmicas se desenvolvem no interior de uma malha de conexões que, compartilhando um território específico e um modo de sociabilidade, conectam a realidade e os dilemas individuais e familiares a outras redes relacionais e sociais.
A rede comunitária é o lócus da atuação de lideranças e representantes sociais. É dentro dela, e a partir dela, que outras redes sociais se estabelecem
e se comunicam. Dentro de uma mesma comunidade, vemos atuando redes
de proteção, redes assistenciais, redes de políticas públicas, redes de solidariedade religiosa, redes criminosas, redes de trabalho e aquisição de renda,
redes comerciais, redes culturais, redes políticas. Todas elas influenciam profundamente a vida cotidiana das pessoas, conectando desafios políticos a
problemas sociais, articulando problemas de disciplina a dilemas familiares,
costurando potenciais de ação pedagógica à saberes produzidos localmente.
A atuação de uma liderança comunitária e social visa transformar a realidade através da valorização do poder popular. Se pauta pelo fortalecimento
de redes apoio mútuo, pela valorização do cotidiano de vida comunitário, pelo
incentivo à participação social de indivíduos e grupos na resolução dos problemas locais e pelo fomento a autogestão. Uma comunidade que se autogestiona tem maior capacidade critica frente aos problemas sociais e políticos
vivenciados. Uma escola que participa do fomento a autogestão tem na comunidade e na rede de proteção local uma parceria constante no trabalho
cotidiano (Pereira, 2008).
Uma importante estratégia de intervenção comunitária, que considera a
malha de redes que estabelecem em seu interior é a mobilização social. Mobilizar é convocar vontades para atuar na busca de um propósito comum, sob
um sentido e objetivo compartilhados. Participar ou não de um processo de
mobilização social é um ato de escolha. Por isso dizemos “convocar” – a participação é um ato de liberdade. As pessoas são chamadas, mas participar ou
não é uma decisão de cada um. Essa decisão depende essencialmente das
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pessoas se verem ou não como responsáveis e como capazes de provocar
e construir mudanças. Convocar vontades significa convocar discursos, decisões e ações no sentido de um objetivo comum, para um ato de paixão que
contamina todo o cotidiano.
Apresentamos quatro passos fundamentais para um processo de mobilização social:
Primeiro passo: a formulação do nosso objetivo comum
Esse é primeiro passo no planejamento de um processo de mobilização social: a construção e explicitação do seu propósito. O propósito de quem mobiliza deve ser expresso sob a forma de um horizonte atrativo, um imaginário
“convocante” que sintetize de uma forma atraente e clara os objetivos que
o grupo quer alcançar. Ele deve expressar o sentido e a finalidade da mobilização; deve tocar a emoção das pessoas – deve ser racional e capaz de
despertar a paixão. Toda mobilização é para alguma coisa, para alcançar um
objetivo pré-definido, um propósito comum, por isso é um ato de razão. Pressupõe uma convicção coletiva de relevância, um sentido de público, daquilo
que convém a todos. Para que ela seja útil, deve estar orientada para a construção de um projeto de futuro. Se o seu propósito é passageiro, converte-se
em um evento, uma campanha e não em um processo de mobilização. A mobilização requer uma dedicação contínua e produz resultados cotidianamente.
Segundo passo: quem vamos mobilizar?
Um processo de mobilização social tem início quando uma pessoa, um grupo
ou uma instituição decide iniciar um movimento no sentido de compartilhar
um imaginário, um objetivo comum e o esforço para alcançá-lo. Assim, o segundo passo para as nossas atividades de mobilização é organizar o conhecimento que a comunidade ou grupo possuem acerca do com quem vão atuar.
É muito importante podermos identificar quem são e onde estão as pessoas e
grupos que queremos mobilizar. Eles já se organizam? Se encontram ou atuam
em alguma atividade ou projeto específico? Quais são esses projetos?
Terceiro passo: qual o nosso campo de atuação?
O terceiro passo para o processo de mobilização para a participação é ter
o máximo de informações possíveis acerca do problema social para o qual
vão mobilizar. Certamente, muitos líderes sociais já atuam na comunidade ou
grupo social há vários anos. Conhecem a diversidade de atividades, atores
sociais, redes... Mas é preciso atualizar e sistematizar esses conhecimentos
para começarmos as atividades de mobilização. Essas informações ajudarão o
grupo a planejar suas atividades. Além disso, possibilitará identificar possíveis
parcerias dentro e fora da comunidade para que o trabalho seja potencializado por outras atividades que já são realizadas.
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formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias
Quarto passo: como vamos mobilizar?
O próximo passo é construir as formas como essa mobilização vai acontecer.
Devemos ter em mente que a mobilização é um ato de comunicação... uma comunicação que considere a diversidade e seja estruturada tendo como ponto
de partida o perfil da comunidade escolar que foi construído coletivamente
no segundo passo da mobilização. A mobilização não se confunde com propaganda ou divulgação, mas exige ações de comunicação no seu sentido amplo,
enquanto processo de compartilhamento de discursos, visões e informações.
A mobilização social para a participação é uma eficaz estratégia de fomentar
e articular redes. Ela potencializa a construção de solidariedades, imaginários
comuns e circuitos de apoio mútuo. É importante realizar ações de mobilização social no contexto comunitário, considerando as redes societárias e de
serviços que dele fazem parte. A pesar de constituírem redes distintas, elas
se entrecruzam e produzem conexões importantes no cotidiano das pessoas
e de grupos sociais.
Bibliografia
DINIZ, André, NOGUEIRA, Paulo & SARAIVA, Isabela. (2014). Educação em rede: a escola,
as redes de políticas sociais e de enfrentamento ao racismo (Módulo VI). Curso de Atualização EJA e Juventude Viva. Belo Horizonte: Observatório da Juventude/UFMG, Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão/MEC.
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. 201p
FLEURY, Sônia. Redes de políticas: novos desafios para a gestão pública. Administração
em Diálogo, São Paulo, no 7, 2005, pp.77-89.
MARTELETO, Regina Maria. Análise de redes sociais: aplicação nos estudos de transferência da informação. Ci Inf, Brasília, v.30, n.1, p71-81, jan/abr. 2001.
MARTINHO, Cássio. Redes: uma introdução às dinâmicas da conectividade e da auto-organização. Brasília: WWF, 2003. 91p.
MARTINHO, Cássio & FELIX, Cristiane (Orgs.). Vida em Rede: Conexões, relacionamentos e
caminhos para uma nova sociedade. Barueri, SP: Instituto C&A, 2011.
PEREIRA, William César Castilho. Nas trilhas do trabalho comunitário e social: teoria, método e prática. 3. ed. Petrópolis: Vozes; Belo Horizonte: PUC Minas, 2008.
SCHEREN-WARREN, Ilse. Redes de sociedade civil: advocacy e incidências possíveis. In
MARTINHO, Cássio & FELIX, Cristiane (Orgs.). Vida em Rede: Conexões, relacionamentos e
caminhos para uma nova sociedade. Barueri, SP: Instituto C&A, 2011.
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Quem Somos
Instituto Cultiva
O Instituto Cultiva é uma organização não governamental criada em 2012.
Seu objetivo é desenvolver programas e ações para formação para a cidadania e implantação de instrumentos e metodologias de controle social sobre
políticas públicas. Tais objetivos se desmembram em vários programas e
ações, tais como:
• Descentralização e reforma administrativa;
• Criação de conselhos de gestão pública e formação de conselheiros;
• Implantação de Escolas da Cidadania;
• Implantação de Orçamento Participativo Criança e Jovem;
• Formação técnica de gestores públicos;
• Reforma curricular e formação de professores;
• Implantação de Gestão em Rede
• Avaliação de condições de trabalho em redes de ensino e outros serviços
públicos
• Implantação de sistemas de avaliação da população sobre gestão pública
através de censos domiciliares mensais
• Implantação de sistemas de formação técnica à distância
@institutocultiva
Diteror Geral:
Rudá Ricci
Secretária:
Juliana Velasco
+55 (31) 9504-6556
Revisão técnica e editoração
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Franciele Alves da Silva
Ilustrador:
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