A hipocrisia da Europa A maior reserva ecológica

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A hipocrisia da Europa A maior reserva ecológica
BRASIL
MIGRAÇÕES
A hipocrisia da Europa
A maior reserva ecológica
mundial na Amazónia
Nº 96 - maio 2015 – 500 Kz / 4 USD / 3 € / R$ 15
Boa Sorte,
Nigéria!
Ameaçado pelo Boko Haram,
gangrenado com a corrupção,
o país mais povoado de África
elegeu o Presidente Muhammadu
Buhari que promete reconstruir
o país sobre bases mais sólidas
ANGOLA
O suspeito caso da seita
A Luz do Mundo
África21– maio 2015
1
2
maio 2015 –
África21
África21– maio 2015
3
sumário
As surpresas nos votos da Nigéria
20
O partido no poder teve uma derrota arrasadora com a oposição a obter uma vitória
sem contestação. Agora todos os olhares se viram para o novo Presidente Muhammadu Buhari e para a sua capacidade de cumprir as promessas eleitorais.
Nicole Guardiola
67
O projeto para a criação da uma reserva ecológica na Amazónia Norte prevê uma
superfície total de 135 milhões de hectares, igual ao território de Angola.
Carlos Castilho
Diretor Carlos Pinto Santos
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Diretora Comercial Fernanda Osório
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Técnica Comercial Yuma Traça
Assistente Direcção Comercial Patrícia Filipe
Representação em Portugal Triangulação, Lda
Rua Bento Jesus Caraça, 16 – 2º Dto
1495-686 Cruz Quebrada
Apartado em Lisboa: 19059
1990-999 LISBOA
Diretora administrativa Marina Melo
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4
maio 2015 –
África21
Representação no Brasil
Belisan Editora, Comércio e Serviços Ltda [email protected]
Redação de Angola
Adriano de Sousa, Alberto Sampaio, Carlos Severino,
Luís Ramiro, António Dombele, Pedro Kamaka,
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Redação de Portugal João Carlos, Miguel Correia,
Nicole Guardiola, Nuno Macedo e Teresa Souto
Redação do Brasil Carlos Castilho e João Belisario
Colaboradores permanentes Almami Júlio Cuiaté
(Bissau), Augusta Conchiglia (Paris), Charles Shorungbe
(Lagos), Emanuel Novais Pereira (Maputo), Fernando
Lopes Pereira (Bissau), Gaye davis (Pretória), Gláucia
Nogueira (Praia), Gordon Phillips (Londres), João Vaz
de Almada (Maputo), Juvenal Rodrigues (São Tomé),
Luís Costa (Washington), Manrique S. Gaudin (Buenos
Aires), Natacha Mosso (Praia), Paul Cooper (Houston),
Rodrigues Vaz (Lisboa) e Valerie Thorin (Paris)
Colunistas Alves da Rocha, Conceição Lima, Corsino
Tolentino, Fernando Pacheco, Germano Almeida, João
Melo, José Carlos de Vasconcelos, Luís Cardoso, Mallé
Kassé, Odete Costa Semedo e Pepetela Fotografia
Agência Angop, Agência Lusa, Agência France
32
Na província angolana do Huambo ocorreram
em abril confrontos entre a seita religiosa «Sétimo Dia - A Luz do Mundo» e a polícia, com
diferentes versões políticas a não coincidir.
Carlos Severino
Migrantes abandonados
à sua sorte
Proteger a Amazónia
África21 Revista de Política, Economia e Cultura
Propriedade Nova Movimento, Lda
Sociedade de Marketing, Comunicação e Cultura
Rua Frederico Welvitch, n.º 82
Bairro do Maculusso – Luanda, Angola
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Editada por Movipress
Uma divisão da Nova Movimento, Lda
Do fanatismo religioso
à chicana política em Angola
53
São muitos milhares de pessoas a naufragar no
Mediterrâneo que os países europeus, e não só,
recusam receber.
Enzo Malek
Presse, Arquivo África21, Arquivo Digiscript,
Fernanda Osório, Jornal de Angola e Ruth Matchabe
Projeto gráfico, paginação e pré-impressão Digiscript
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Publicidade em Angola Movimídia
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aos leitores
A nova vida da Nigéria
6 Entrevista
José Filomeno dos Santos, presidente
do Fundo Soberano de Angola
«O desenvolvimento sustentável de Angola
é fundamental»
João Melo
36 OPINIÃO Alves da Rocha
38 GUINÉ-BISSAU Controlar o tráfico de madeira
Fernando Jorge Pereira
40 CABO VERDE Regionalizar ou não
Natacha Mosso
44STP Obter a nacionalidade
Juvenal Rodrigues
50BAD Países disputam liderança
Gordon Phillips
52OPINIÃO Carlos Lopes
57BRASIL Lula lança Conselho África
Samuel Ndongo
60 AMÉRICA LATINA OEA reinventa-se
Manrique S. Gaudin
62 ANIVERSÁRIO Conferência de Bandung, 60 anos
Jonuel Gonçalves
64 ECONOMIA Café angolano
Miguel Correia
68 STP Investimento sustentável
João Carlos
76 TESTEMUNHO Guerra antes da independência
Jonuel Gonçalves
80 MOÇAMBIQUE Defender os mangais
Emanuel Novais Pereira
95 Memória Eduardo Galeano
Beatriz Bissio
Rubricas
10 Antena21
18 Gente
70 Insumos
86 Cults
90 Livro do Mês
92 Ver, Ouvir Ler
Crónicas
43 Corsino Tolentino
47 Conceição Lima
59 Luís Cardoso
85 José Carlos de Vasconcelos
96 João Melo
É o país mais povoado do
continente com 175 milhões
de pessoas, dividido ao meio
entre cristãos e muçulmanos.
Primeiro produtor africano de
petróleo, é a maior economia
africana, após ter ultrapassado
a África do Sul.
[email protected]
Tem o inquestionável
estatuto de potência regional, mas é um Estado
impotente no combate contra o Boko Haram que
domina e mata no Noroeste do país.
Um fracasso originado por décadas de corrupção
– que se considera ser endémica – e pelas forças
de segurança numerosas, mas mal armadas,
indisciplinadas e renitentes em combater o grupo
terrorista.
Daí que os resultados – após a campanha eleitoral
mais cara desde sempre em África – das eleições gerais e
presidenciais de 28 de março em que a oposição venceu
folgadamente terem causado uma enorme surpresa.
A tal ponto que os conhecedores da realidade
nigeriana, nacionais e estrangeiros, não hesitaram
em afirmar que a vitória do candidato à presidência
da República, Muhammadu Buhari, foi um dos
acontecimentos políticos mais relevantes em África
desde a eleição de Nelson Mandela.
Junta-se a isto a aceitação do Presidente cessante
Goodluck Jonathan, que não perdeu tempo a felicitar o
seu rival. Um sinal de paz que reforçou a tranquilidade
da votação sem incidentes nas presidenciais.
As tarefas de Muhammadu Buhari são muitas,
algumas com alto grau de prioridade. Desde logo,
garantiu o combate contra o Boko Haram, e que o
seu governo tudo fará para libertar a nação do terror e
trazer a paz de volta, mencionando o rapto das jovens
de Chibok, desaparecidas há um ano. A luta contra a
corrupção foi outra das suas promessas.
Este general, ex-golpista, ex-ditador militar e exadepto da sharia, não promete milagres mas reconstruir
o país sobre bases sólidas e em democracia.
As expectativas prudentes de africanos e do mundo
são imensas em relação ao novo Chefe de Estado que
toma posse a 29 de maio.
Carlos Pinto Santos
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Mais do que investir para obter
rendimentos, o Fundo Soberano
de Angola pretende contribuir
para o desenvolvimento
sustentável do país, através
da diversificação da economia,
da valorização das matérias‑primas nacionais e da geração de
empregos. Tudo isso da maneira
o mais eficiente, responsável e
transparente possível. A garantia
é do seu presidente, o economista
José Filomeno dos Santos.
João Melo
Entrevista José Filomeno dos Santos, presidente do FSDEA
Fundo Soberano de Angola apoia
desenvolvimento sustentável do país
África21 O Instituto de Fundos Soberanos classificou recentemente o Fundo
Soberano de Angola como o segundo
fundo mais transparente de África e um
dos mais transparentes do mundo.
Como é que recebeu a notícia?
JOSÉ FILOMENO DOS SANTOS.
Desde o estabelecimento do Fundo Soberano de Angola (FSDEA) em outubro
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de 2012 que nos dedicamos ao aperfeiçoamento dos mecanismos de governança e de transparência previstos nos dispositivos legais que regulam a nossa
atividade. A avaliação positiva pelo Índice de Transparência Linaburg-Maduell
reafirma o compromisso do Estado angolano com a adesão aos princípios geralmente aceites e as melhores práticas
recomendadas pelos Princípios de Santiago, em todos os aspetos da estrutura e
empreendimentos do FSDEA.
A classificação é ainda um marco
importante para a nossa equipa por representar o nosso compromisso coletivo
com a responsabilidade e eficiência de
serviço em prol das gerações atuais e
vindouras de angolanos.
Algumas vozes em Angola alimentam um
permanente clima de suspeição em relação ao Fundo Soberano. Quer comentar?
Em geral, os fundos soberanos estão sujeitos a constante examinação, por parte
da sociedade civil, porque representam
uma fatia importante do património de
uma nação. Por este motivo a contínua
adesão a práticas de organização, gestão e
prestação de informação de padrão internacional permite uma convivência
salutar com os órgãos de Estado e o público interessado.
O Ministério das Finanças recebe
relatórios trimestrais detalhados sobre as
atividades do FSDEA, que são anteriormente sujeitos a averiguação de um
Conselho Fiscal, nomeado pelo mesmo.
Estes requisitos regulamentares garantem que o Fundo atue em conformidade
com todas as leis e regulamentos vigentes
no país. Acrescente-se a este compromisso o facto de a Deloitte & Touche, uma
das quatro maiores firmas do ramo, ter
sido nomeada para realizar a auditoria
independente às demonstrações financeiras do FSDEA em 2013. As demonstrações financeiras e a opinião independente do auditor são divulgadas na
imprensa nacional e internacional, além
de permanecerem disponíveis no sítio de
internet do FSDEA. Estes dados também são agregados à Conta Geral do
Estado, que o Parlamento da República
de Angola avalia anualmente.
A nível internacional, o Fundo tornou-se membro de pleno direito do Fórum Internacional para Fundos Soberanos (IFSWF), após a análise da aplicação
dos princípios e práticas aceites universalmente pelo FSDEA durante os dois anos
subsequentes ao seu estabelecimento.
Tem dado várias entrevistas a órgãos de
informação internacionais. Não acha
que o Fundo precisa de melhorar a sua
comunicação interna, para clarificar
esse clima de suspeição?
Sim. Até ao momento, todas as informações sobre as realizações do FSDEA são
transmitidas sem distinção aos órgãos de
informação internos e externos por escri-
to, e permanecem disponíveis no sítio de
internet da instituição. Contudo, podemos incentivar de forma ativa a colocação de questões ao Fundo pelos órgãos
de comunicação interna.
Os atos da equipa do FSDEA são
monitorizados a nível nacional por um
Conselho Fiscal, que reporta diretamente ao Executivo sobre a sua conformidade com a legislação aplicável às instituições públicas que atuam no país. Este
órgão também é responsável pela valida-
FSDEA
tem um compromisso
com as gerações
presentes e futuras
ção dos relatórios trimestrais que prestamos ao Ministério das Finanças e das
demonstrações financeiras que publicamos no Jornal de Angola.
Os relatórios trimestrais submetidos
ao Executivo incluem a execução do orçamento do Fundo, extratos bancários e
reconciliações, e um balanço da execução orçamental relativos às atividades de
cada trimestre. Desde o penúltimo trimestre do ano passado, temos divulgado
uma versão resumida dos referidos relatórios no sítio de internet do FSDEA.
Cremos que a transparência inerente a
este tipo de divulgação também poderia
merecer mais atenção por parte dos órgãos de comunicação interna.
Qual é o atual capital do Fundo Soberano de Angola? De onde provém esse
capital?
O FSDEA divulgou no ano passado o
relatório referente à sua atividade no
terceiro trimestre de 2014. De acordo
com os dados provisórios publicados
neste documento, o valor atual líquido
da carteira do Fundo situou-se próximo
dos 4,95 mil milhões de dólares no fim
referido período. A dotação inicial do
Fundo, capitalizada integralmente em
junho de 2014, é de 5 mil milhões de
dólares. Os dispositivos que regulam a
atividade do FSDEA indicam que as
dotações adicionais futuras consistirão
no excedente anual da Reserva Financeira Estratégica Petrolífera para Infraestruturas de Base. A referida reserva consiste
num fundo orçamental que permanece
sob gestão direta do Executivo e acumula o equivalente monetário a 100.000
barris de petróleo bruto por dia, ao longo de cada exercício fiscal.
No fim do ano passado, foram anunciados investimentos feitos pelo Fundo no
valor de 1,6 mil milhões de dólares em
infraestruturas e na indústria do turismo em África. Pode especificá-los?
No ano passado, iniciámos a alocação de
capital aos ramos da infraestrutura e do
imobiliário, através da capitalização de
organismos regulados de investimento
coletivo, ou fundos de investimento,
certificados pela Comissão de Mercados
de Capital das Ilhas Maurícias, conforme a prática comum na atividade de capital de risco na região.
O FSDEA investiu 1,1 mil milhões
de dólares num fundo de investimento
dedicado à infraestrutura, que se vai focar
em projetos de geração de energia, transportes e empreendimentos industriais de
larga escala no mercado interno e subsariano. Os projetos comerciais de infraestrutura na nossa região apresentam atualmente
um potencial inigualável de rendimentos e
de resistência à volatilidade dos mercados
financeiros dos países mais desenvolvimentos. O Fundo também alocou 500
milhões de dólares a um fundo de investimento dedicado a hotéis de negócios para
preencher e elevar a capacidade de gestão
hoteleira regional aos padrões de serviço
internacionais. Durante os próximos 3-5
anos todo o capital alocado a estes organismos regulados de investimento coletivo será aplicado em projetos que apresentem os níveis de rentabilidade aceitáveis
para cada ramo bem como sólidas garantias para a mitigação dos riscos que ameacem o seu êxito.
O horizonte temporal de ambas as
alocações é de dez anos. Mas, além da
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geração de rendimentos sustentáveis no
longo prazo, prevemos que o investimento nestes ramos resulte na geração de novos empregos e renda para as entidades
presentes nas regiões almejadas, brevemente. Por outro lado, a criação de novos
projetos permite o estabelecimento de
cadeias de abastecimento locais, que podem catalisar o crescimento das economias das localidades abrangidas.
José Filomeno
de Sousa dos Santos
Presidente do Conselho de Administração do Fundo Soberano de Angola
(FSDEA) desde junho de 2013, José
Filomeno dos Santos, de 37 anos, supervisiona a gestão e o desempenho do
Conselho de Administração e do FSDEA em geral, onde ingressou em
2012 como Membro do Conselho de
Administração, tendo tido um papel
fundamental na construção dos fundamentos estratégicos e operacionais do
FSDEA. Antes da sua nomeação para
o FSDEA, trabalhou nos setores do comércio, transportes, seguros e finanças
e ocupou cargos em diversas empresas, como por exemplo, na Glencore,
em Londres, TURA (Transporte Urbano
Rodoviário de Angola, em Luanda), a
AAA Serviços Financeiros e Banco
Kwanza Invest. É licenciado em Gestão
de Informação e Finanças pela Universidade de Westminster e tem publicado
vários artigos especializados sobre financiamento de projetos e economia.
Filho do Presidente de Angola, é casado e tem três filhas.
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Que importância atribui a esses investimentos? O Fundo tenciona fazer outros
investimentos em breve? Já tem uma ideia
sobre os prováveis novos investimentos?
O estímulo da atividade económica
através da capitalização de organismos
regulados de investimento coletivo garante uma maior eficiência na operação
de projetos com viabilidade comercial,
pelo facto de todos aplicarem os pressupostos de viabilidade técnica e financeira
exigidos pelo setor privado. Cremos que
esta abordagem adiciona uma garantia
sólida de sustentabilidade e autonomia
futura destes investimentos, limitando a
intervenção do Estado estritamente ao
capital investido pelo FSDEA. Os setores já selecionados e os outros, nos quais
o FSDEA investirá futuramente, estão
em linha com a política de investimento
definida pelo Executivo, que prevê a diversificação sustentável da carteira de
investimentos através da alocação de capitais a diversas classes de ativos e ramos
de atividade económica.
Aposta do Fundo em
infraestruturas ajudará
a diversificar a economia
e a enfrentar a crise
Alguns setores consideram que, devido
à crise atual motivada pela baixa do
preço do petróleo, o Fundo deveria usar
as suas verbas para colmatar o orçamento. Concorda?
O FSDEA e todas as instituições do Estado subordinam-se à estratégia do Estado para mitigação do atual choque exógeno, resultante da redução do preço de
mercado do petróleo bruto nos mercados globais. Em alinhamento ao princípio de universalidade na execução do
Orçamento Geral do Estado, o mandato
do FSDEA limita-se à preservação do
capital que gerimos, à geração de rendimento sob este capital para o Estado, e
ao investimento do mesmo de forma
benéfica para as gerações atuais e vindouras. Portanto, o foco dos investimentos que realizamos é o de preservar o capital atribuído pelo Estado a curto prazo
e de investir em projetos comerciais que
gerem rendimentos mais elevados e
criem benefícios para os cidadãos angolanos a longo prazo.
Toda a informação sobre
o Fundo Soberano está
publicamente disponível
O choque vivenciado atualmente revela a dependência excessiva da nossa
economia na exportação de matérias-primas e importação de bens de valor
agregado. Reforça também a importância da estratégia de aceleração da diversificação económica aprovada pelo Estado
para a reestruturação do produto interno
bruto do país. O surgimento e a expansão de mais ramos de atividade económica a nível nacional reduziriam o impacto
das alterações do preço de uma única
mercadoria no volume de transações registado a nível doméstico.
Através de investimentos infraestruturais, como portos comercias e indústrias de larga escala, o FSDEA contribuirá para a diversificação económica
criando rendimentos para o Estado e
empregos cada vez mais sustentáveis,
além de estimular o crescimento de mais
atividade económica para agregar valor à
matéria-prima existente no território
nacional. Sublinha-se que esta tarefa deveria ser alcançada pelo FSDEA e as demais instituições e empresas públicas
nacionais sem interferência na gestão e
execução do Orçamento Geral do Estado, que se consideram atribuições exclusivas do Executivo.
O Fundo Soberano de Angola tem uma
grande preocupação com a formação.
Pode dar-nos alguns detalhes?
Os longos anos de conflito civil que vivemos interromperam o desenvolvimento
da atividade económica nacional e a especialização contínua de profissionais através da prática. Hoje, o desenvolvimento
sustentável de novos ramos de atividade
económica deve incluir a formação de
profissionais angolanos. Além da educação de base, providenciada gratuitamente
pelo Estado, os investidores de longo
prazo precisam de incluir a formação
profissional nos seus planos de negócios
para garantir a eficiência e sustentabilidade futura da sua atividade no país. Observemos que Angola apresenta uma escassez
generalizada de quadros especializados,
mas detém bastantes cidadãos em idade
ativa que buscam oportunidades de emprego e formação desesperadamente.
Um dos primeiros investimentos internos do Fundo é a criação de uma Academia de Gestão de Hotelaria de Angola
(AGHA), um empreendimento com viabilidade comercial que catalisará o crescimento do setor dos serviços. A orientação
para o cliente, aplicada de forma incisiva
no ramo hoteleiro, é fundamental para
uma melhor e maior provisão do serviço
de atendimento público, que é basilar em
Investimentos feitos
pelo FSDEA
são criteriosos e sólidos
vários ramos da atividade comercial unipessoal e coletiva. Os profissionais formados na AGHA potenciarão decisivamente
os investimentos no ramo imobiliário,
que serão realizados através do fundo de
investimento em hotéis capitalizado recentemente pelo FSDEA.
A AGHA está atualmente em fase de
construção e proporcionará conhecimentos sólidos sobre o ramo da hotelaria, uma atividade em franco crescimento no nosso belo país. Em linha com
outras especialidades, a provisão de serviços hoteleiros experimenta um défice
de competências, que propicia a importação de mão de obra estrangeira em detrimento da nacional. A AGHA fornecerá oportunidades reais de carreira à mão
de obra nacional, através da transferência de conhecimentos que vão desde o
serviço de receção até à gestão sénior.
Angola faz 40 anos em novembro.
Como vê o país daqui a 40 anos?
Angola progrediu bastante desde o fim do
conflito. O ramo dos serviços financeiros
cresceu cerca de 50% a cada ano durante
os últimos cinco anos, a produção agrícola interna cresce 13% ao ano em média e,
mais importante, os níveis de renda reais
subiram acima de 10% nos últimos dois
anos, enquanto a taxa de inflação desceu
para um único dígito. As redes de transporte, telecomunicações e logística, que
estão a ser reabilitadas pelo Estado,
unem-nos cada vez mais desde o fim da
prolongada instabilidade civil, que deslocou cerca de quatro milhões de habitantes, separando comunidades e famílias.
Restam novos desafios pela frente para
garantir à maioria dos cidadãos a possibilidade de alcançarem uma vida melhor.
O futuro da humanidade regressará a
África. A população africana com idade
ativa alcançará 1,1 mil milhões em 2040
e, na generalidade, o continente alcança-
rá 2,4 mil milhões de habitantes em
2050, dos quais 54% representarão a
maior concentração geográfica de jovens
no planeta. Somos uma nação com vastos recursos naturais e humanos que devem ser capitalizados de forma indiscriminada. Acreditamos que este é o
segredo para a utilização eficaz dos recursos que o Estado detém atualmente.
Investidores precisam
de incluir a formação
profissional nos seus
planos de negócios
Daqui a 40 anos teremos que produzir a nível interno quase tudo o que
consumimos, desde a alimentação, o
vestuário, o entretenimento, os produtos
eletrónicos e industriais, a serviços altamente especializados como os da saúde,
intermediação financeira e pesquisa
científica. Até lá, as instituições públicas
e privadas tornar-se-ão mais eficientes, a
burocracia reduzir-se-á significativamente e milhares de negócios unipessoais
passarão a ser respeitados pela sociedade
em geral. Nesta altura, Angola será um
dos destinos mais procurados no mundo.
Como é que o Fundo Soberano pode
contribuir para a concretização dessa
visão?
A nível do FSDEA, estabelecemos em
2014 uma unidade de pesquisa económica que desenvolve modelos para projeções econométricas, em cooperação
com o Executivo. O objetivo final é
apoiar o monitoramento das iniciativas
de diversificação definidas no Plano de
Desenvolvimento Nacional 2013-2020.
O estabelecimento do FSDEA augura
muito mais do que obter rendimentos
para o Estado. No âmbito das suas atribuições, a equipa do FSDEA está totalmente empenhada em apoiar o Estado
na melhoria das condições socioeconómicas em Angola de forma sustentável a
longo prazo.
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9
Esta mudança na política dos EUA representa
um ponto de viragem para toda a nossa região.
O facto do presidente Raúl Castro e eu estarmos
aqui sentados marca uma ocasião histórica
de dólares é quanto Hillary Clinton espera
recolher para a sua campanha à presidência
dos EUA, a mais cara desde sempre
para se chegar à Casa Branca
BARACK OBAMA, Presidente dos EUA
DR
Antena21
“
2,5 mil milhões
O ministro francês Jean-Marc Todeschini
deslocou-se a Setif
Um 8 de maio africano
As comemorações do 70.º aniversário da capitulação da Alemanha nazi, a 8 de maio de 1945, estão
a causar uma polémica política na Europa, com
alguns dos vencedores ocidentais a recusarem o
convite de Vladimir Putin para assistir ao grandioso desfile da vitória em Moscovo.
Mas a efeméride tem um significado histórico para África que merece ser recordado. A 8 de
maio de 1945, em Setif, a 300 km a Leste de Argel e noutras localidades vizinhas, enquanto os
franceses festejavam o fim da guerra, nacionalistas argelinos saíram à rua empunhando bandeiras do Partido do Povo Argelino (PPA) para exigir
a libertação do seu líder, preso e desterrado em
Brazzaville. A reação do poder colonial foi brutal
e causou milhares de vítimas (entre 15.000 e
45.000 indígenas e 102 colonos). Os massacres
reforçaram a aspiração independentista e são
considerados pela historiografia oficial argelina
como o verdadeiro início da guerra de libertação
nacional que se iniciaria em 1954. Nesta ótica, a
matança de Setif constitui também um momento
fundador da luta pela independência e contra o
colonialismo em África.
Pela primeira vez, e no âmbito das comemorações do 70.º aniversário do fim da II Guerra
Mundial, o Governo francês resolveu assumir as
suas responsabilidades e reconhecer os sofrimentos infligidos aos argelinos. A 19 de abril o ministro
francês, dos antigos combatentes, Jean-Marc Todeschini, foi a Setif com o seu homólogo argelino e
depositou uma coroa de flores no mausoléu de
Saal Bouzid, primeira vítima argelina da matança.
10
maio 2015 –
África21
Febres eleitorais
Em África, os períodos eleitorais são sempre de grande tensão, propícios a explosões
de violência e as recentes eleições na Nigéria são a exceção que confirma a regra. Nos
países que irão às urnas num futuro próximo os confrontos já são uma realidade. No
Togo, onde as eleições presidenciais de 26 de abril eram consideradas como uma
mera formalidade para o Presidente Faure Gnassingbé, no poder desde 2005 e candidato a um terceiro mandato, receia-se a reedição das violências pós-eleitorais de 2010,
que causaram entre 400 e 500 mortos.
Ao contrário da Constituição togolesa, a do Burundi limita a dois os mandatos presidenciais sucessivos, mas Pierre Nkurunziza decidiu ignorá-la e concorrer às eleições
de outubro, apesar da oposição das forças políticas coligadas e de uma parte do seu
próprio partido. Hutu, sobrevivente dos massacres de 1972 às mãos da minoria tutsi,
ex-guerrilheiro, Nkurunziza foi o grande vencedor das primeiras eleições após a assinatura dos acordos de paz de Arusha em 2000 e o seu primeiro mandato foi considerado
exemplar. Deixou de sê-lo e anunciou a intenção de fazer intervir as tropas para impedir
as manifestações contra a sua candidatura.
No Gabão, as presidenciais estão marcadas para o verão de 2016 mas o Presidente Ali Bongo já está em campanha, e a oposição aproveitou a morte, por doença, do
líder da União Nacional, principal partido da oposição, para se manifestar. Nos distúrbios que se seguiram ao anúncio do falecimento de André Mba Obama, a embaixada
do Benim em Libreville foi incendiada e vários militantes da oposição detidos. Ali Bongo
teve de anular a visita a Washington prevista para 20 a 22 de abril.
Na Guiné Conacri foi o calendário eleitoral que desencadeou a violência. O Presidente Alpha Condé recusa os argumentos da oposição de que a sua intenção é adiar
as presidenciais, previstas para outubro para a realizar primeiro as autárquicas. A
oposição liderada por Cellou Dalein Diallo, derrotado por Condé em 2010, decidiu partir
para a batalha de ruas. Vários manifestantes perderam a vida e os militares foram
chamados para impedir manifestações.
Chile contra a corrupção económica
A Presidente do Chile, Michelle Bachelet, anunciou um plano de medidas anticorrupção para a política e negócios, que inclui a elaboração de uma nova Constituição, plenamente democrática. Em setembro terá início um processo aberto aos
cidadãos com o fim de substituir a atual Constituição, que ainda contém reminiscências legais da ditadura.
Numa mensagem transmitida na emissora nacional de rádio e televisão, Bachelet deu a conhecer, em finais de abril, uma profunda reforma legal para acabar com
as irregularidades, a corrupção e as faltas de ética evidenciadas nos recentes escândalos que minaram a confiança dos cidadãos na classe política e no mundo empresarial. «É grave porque deteriora a nossa democracia e cria abusos, privilégios e
desigualdade», advertiu a Presidente. O plano presidencial abrange medidas administrativas e reformas legais que foram transmitidas de forma urgente no Parlamento
e que incluem as recomendações, apresentadas por um Conselho Anticorrupção.
“
2,3 mil milhões
Na minha opinião, o presidente Obama é um
homem honesto. Admiro a sua origem humilde e
penso que a sua forma de ser obedece a essa origem
humilde
é o total de pessoas que integra
a mais de uma centena de Estados
em ligação direta ou indireta
com o espaço do Oceano Atlântico
RAÚL CASTRO, Presidente de Cuba
Angola pretende concluir o
plano de integração regional
na SADC (Comunidade de
Desenvolvimento da África
Austral) até 2017, disse o
ministro das Relações Exteriores de Angola, George
Chikoti, em Harare, onde
Chikoti, ministro das Relações
representou o Chefe de Es- George
Exteriores de Angola
tado na cimeira extraordinária da organização que teve lugar a 29 de abril.
Realizada sob o lema «Uma estratégia regional para os caminhos
da industrialização», a cimeira teve entre outros objetivos o de preparar a cimeira Tripartida COMESA, CEAC e SADC marcada para maio
e que, por sua vez, faz parte dos preparativos para a cimeira da União
Africana de junho que examinará a criação de uma zona continental
de comércio livre. O MIREX angolano observou que comparativamente a outras comunidades económicas, a SADC está atrasada na
conclusão do plano de comércio livre e este facto prejudica as exportações dos países membros.
A primeira fase da Zona de Comércio Livre não está concluída, a
qual previa acordos em termos de bens e mercadorias, mas alguns
países como a África do Sul e o Botswana estão mais adiantados.
Estes dois países já têm a área de livre circulação de bens e serviços
bastante avançada, a política de propriedade intelectual e a defesa
do consumidor no comércio transfronteiriço.
Angola é dos países mais atrasados pelo facto de ter atravessado um longo período de guerra, e uma vez alcançada a paz, tornava-se urgente recuperar as infraestruturas económicas, com
realce para a industrialização. A prioridade é a conclusão do plano
de integração regional na área do comércio livre, que não foi ainda
possível segundo a ministra angolana do Comércio, Rosa Pacavira,
«devido a problemas relacionados com as quotas tarifárias e a necessidade de proceder a alguns ajustes pertinentes». Entretanto,
Angola assinou acordos de comércio transfronteiriço com os países
vizinhos a começar pela RDC, pretendendo brevemente avançar
com a Namíbia e Zâmbia.
A cimeira de Harare aprovou e ratificou a estratégia de execução do
plano de industrialização da SADC para o período 2015-2020. Neste
contexto, a conclusão da construção do Caminho de Ferro de Benguela, do porto de Lobito até à fronteira numa extensão de 1200 km, inteiramente custeada por Angola, é um dos contributos mais valiosos aos
planos de desenvolvimento integrado da SADC.
A Arábia Saudita anunciou a 19 de abril o fim da operação
«Tempestade Decisiva» iniciada cerca de um mês antes e
durante a qual uma coligação de monarquias árabes sunitas
liderada por Riade e apoiada por Washington bombardeou
sistematicamente o Iémen para, diziam, defender o regime
do Presidente «legítimo» Abd Rabbuh Mansur Hadi, contra
os rebeldes hutis e os partidários do ex-Presidente Abdallah
Saleh. Oficialmente, a ofensiva alcançou os seus objetivos e
permite a passagem a uma nova fase, centrada na continuação da luta contra o terrorismo e a procura de uma solução
política para o imbróglio iemenita.
Na realidade os «rebeldes» continuam a ocupar Sanaa,
a capital, e a cercar o estratégico porto de Áden, o Presidente Hadi continua exilado em Riade, e o caos provocado pelos bombardeamentos árabes, que causaram um elevado
número de vítimas civis, só parece ter beneficiado a AQPA
(Al-Qaeda na Península Arábica) que conquistou em meados de abril a cidade portuária de Mukalla, capital da província meridional do Hadramaute.
Pode ter sido este o principal motivo da repentina mudança
de estratégia saudita e norte-americana, marcada pela ascensão do primeiro-ministro Khaled Baha ao cargo de vice-presidente e potencial sucessor de Hadi. Homem de consenso, capaz de dialogar com todas as fações iemenitas e partidário de
«relações de boa vizinhança» com o Irão, Baha parece ter as
qualidades necessárias para conduzir a nova tentativa de solução negociada. Para tranquilizar os aliados árabes e impedir o
Irão de capitalizar os efeitos do semifracasso da intervenção, a
ONU decretou o embargo sobre os fornecimentos de armas aos
rebeldes iemenitas e a Casa Branca enviou novas unidades
navais para a região para reforçar o bloqueio.
DR
Iémen à hora das negociações
JOÃO GOMES/JORNAL DE ANGOLA
Angola, SADC e integração regional
O Presidente do Iémen, Abd Rabbuh Mansur Hadi, continua exilado
em Riade
África21– maio 2015
11
“
5489
Se tomarmos o caminho da confrontação,
os EUA e a ONU vão manter as sanções e o Irão
continuará o programa de enriquecimento
mortes foram contabilizadas
no Nepal até ao final de abril,
na sequência do sismo
de magnitude 7,8 que abalou o país
JAVAD ZARIF, ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão
Numa rara conferência de imprensa conjunta, em 21 de abril, o
presidente da comissão europeia Jean-Claude Juncker e a sua homóloga africana Nkosazana Dlamini-Zuma apelaram às partes envolvidas no processo de reconciliação da Líbia para que cheguem a
um acordo que permita reconstruir o Estado e pôr termo à anarquia.
«Precisamos de um interlocutor fiável e estável na Líbia», disse
Juncker. Zuma insistiu sobre a necessidade de «as forças líbias não
extremistas se entenderem porque quando há um vazio é preenchido por outros». A presidente da Comissão Africana disse ainda
«vamos trabalhar com eles porque nenhum de nós pode ir à Líbia
para impor uma solução a partir de fora», reiterando a posição defendida pela maioria dos países africanos de rejeição de qualquer
nova intervenção militar da NATO, que ganha adeptos na Europa.
Além de ser considerada como a placa giratória para a «invasão»
do Velho Continente por migrantes oriundos de África e Próximo
Oriente, a Líbia está no centro da campanha pela «defesa dos cris-
12
maio 2015 –
África21
DR
Europa e África exigem acordo político na Líbia
Nkosazana Dlamini-Zuma e Jean-Claude Juncker
tãos de Oriente» patrocinada pelo Vaticano e pelo clero europeu.
Deste ponto de vista, os terroristas do Estado Islâmico parecem ter
escolhido a Líbia como cenário das suas piores atrocidades. Depois
dos 28 cristãos egípcios degolados em março, no mês de abril foram
30 cristãos etíopes a serem mortos em duas execuções coletivas filmadas e divulgadas através das redes sociais. A Etiópia, «a mais
C nação
M
Y cristã
CM MY
CY CMY decretou
K
velha
de África»,
três dias de luto nacional.
“
2000
O aquecimento (do planeta)
é uma total idiotice
meninas são mortas diariamente
na Índia à nascença ou ainda no útero
das mães, segundo o Governo indiano
TONY ABBOTT, primeiro-ministro da Austrália
Ébola recua devagar
Segundo as autoridades sul-africanas, o surto de violência xenófoba
iniciado nos primeiros dias de abril em Durban, capital do Kwazulu
Natal, e que se propagaram ao musseque de Alexandra, em Joanesburgo, fizeram 7 mortos – três sul-africanos e quatro estrangeiros –
um número dez vezes inferior ao de 2008. Mas as associações de
imigrantes consideram os números pouco fiáveis e as autoridades de
Maputo dizem lamentar a morte de três moçambicanos. Em todo o
caso a insegurança obrigou milhares de imigrantes africanos a procurar refúgio em campos improvisados sob a proteção da polícia e vários países africanos estão a organizar o repatriamento dos seus nacionais que desejam regressar a casa.
Algumas fontes acusam o rei zulu Godwill Zelithimi, que
«reina» sobre a etnia mais numerosa do país, de ter ateado o incêndio ao afirmar que «os estrangeiros devem partir»; outras
culpam a «cultura da violência» gerada pelo regime racista e a
luta de libertação, e insuficientemente combatida desde então.
Depois de muitas hesitações, o Governo de Pretória resolveu recorrer aos militares para patrulhar as ruas de Alexandra e Durban,
para auxiliar a polícia e dar segurança à população, assustada
pelas pilhagens, incêndios e agressões físicas. Segundo o Governo, a xenofobia está a prejudicar gravemente a imagem do
país e já fez perder milhões de dólares de receitas à enfraquecida
economia nacional. O turismo em particular está a ser afetado.
O Presidente Zuma prometeu «atacar o mal pela raiz» e diz que
«os sul-africanos não são xenófobos. Se não resolvemos os problemas subjacentes a violência voltará a acontecer».
Até 23 de abril, 26.079 pessoas tinham sido infetadas pelo vírus de ébola
nos três países africanos mais afetados pelo surto epidémico que teve
início há 13 meses na Guiné Conacri e 10.823 faleceram, segundo a
Organização Mundial da Saúde. Na semana que antecedeu o anúncio
tinham sido detetados 40 novos casos na Guiné Conacri e Serra Leoa e
nenhum na Libéria.
Em Conacri decorreu, em abril, o julgamento de 36 pessoas acusadas de terem participado no massacre de oito membros de uma missão
de sensibilização para a luta contra o ébola no sudeste do país a 16 de
abril de 2014. Aldeões atacaram a equipa alegando que o ébola não
existia e que a doença era disseminada pelos brancos para exterminar os
nativos. O ministério público tinha requerido 11 penas de morte que o tribunal reduziu a prisão perpétua. Os restantes réus foram absolvidos por
falta de provas. A cobertura jornalística da epidemia valeu ao diário americano The New York Times dois dos três prémios Pulitzer atribuídos ao
jornal na edição de 2015 deste prestigioso galardão.
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Violência xenófoba na África do Sul
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KIM LUDBROOK/EPA
COMÉRCIO GERAL &PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Assistência técnica e manutenção de sistemas
Campo de refugiados para estrangeiros, montado pela Cruz Vermelha
devido à violência xenófoba
Rua Senado da Camara nº 626 2A, Vila Alice
Distrito Urbano do Rangel, Luanda
Telefone: 924 22 69 12 – Email: [email protected]
África21– maio 2015 13
Postos de Venda
da Revista África21
LUANDA
Lojas Africana
“
Sabemos onde estão os barcos, sabemos onde os
traficantes reúnem os migrantes, é possível intervir (na Líbia)
ROBERTA PINOTTI, ministra da Defesa de Itália
Outros revendedores
Bombas Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro
Bombas da Corimba
Bombas Embarcadouro do Mussulo
Casa dos Frescos Atrium - Junto ao Nova Vida
Casa dos Frescos Baixa Mutamba
Casa dos Frescos Brisas Talatona - Junto à Universidade Oscar Ribas
Casa dos Frescos Conchas Talatona - Junto à sede do Banco BIC
Casa dos Frescos Vila Alice - Junto ao Cine Atlântico
Cita Café dentro da Hyundai - Rua Rainha Ginga
Pastelaria Vouzelense
Gestoffice - Junto à Universidade Lusíada (Ex-Papelaria Fernandes)
Greenspot - Dentro do supermercado Max (Morro Bento)
Galeria Hotel Alvalade
Hotel Epic Sana Mutamba
Quiosque Las Palmas - dentro do Aeroporto Inter. 4 de Fevereiro
Supermercado Valoeste
Shopping Carmo – B. Marianga, perto da antiga Embaixada da África do Sul
Galeria Hotel Trópico
Livraria Mensagem Rua do 1º Congresso do MPLA Mutamba
Livraria Nguvulu - Vila de Viana – Junto à Igreja Católica
Star Angola (Viana) Rua Comandante Valódia, prédio da Conservatória
Livraria Sá da Bandeira – Maculusso
Pastelaria Snack das Quatro - Talatona
Livraria Papelaria Mestria – Kinaxixi, junto à farmácia do Kina Xixi
Supermercado Jofrabo – Maculusso, junto à Liga Africana
Universidade Metropolitana Bairro
Livraria Lello Mutamba - Perto da Sonangol
Distribuidora News Praia do Bispo - Perto do Mausoléu
LUBANGO
Livraria Lello
Centro Comercial Millennium
Livraria Texto Editores
HUAMBO
Ludim Centro Comercial – Cidade Alta - Rua Imaculada Conceição
Mercado Central da Baixa
BIÉ
Praça da Pouca Vergonha
BENGUELA
Supermercados Martins e Neves
Restaurante Tudo na Brasa
Pastelaria Flamingo
CAB (Café da Cidade)
LOBITO
Livraria Independência - Bairro 28, junto ao mercado
NAMIBE
Futuro sem limites FASHION, Lda.
Livraria Texto Editores
H30/cita na Rua 14 de Abril
Cantinho do Saber
14
maio 2015 –
África21
MOTA AMBRÓSIO/JORNAL DE ANGOLA
Mutamba – Rua Rainha Ginga (junto à sede da Sonangol)
Hotel Skyna (hall do hotel)
Av. dos Combatentes (junto ao restaurante Ritz)
Shopping do Belas (junto à zona da restauração)
Maianga – (junto à rotunda da Martal)
Rafael Marques admite chegar a acordo
no caso dos Diamantes de Sangue
As audiências do processo por difamação intentado contra o ativista e jornalista angolano Rafael Marques por sete generais angolanos estão suspensas até 14 de maio e o caso poderá vir a ser
encerrado por um acordo amigável entre as partes, segundo a
Agência France Presse (AFP). «Estamos em conversas para resolver o assunto», confirmou Rafael Marques à AFP em Luanda.
«O acordo que poderia ser anunciado na próxima audiência marcada para 14 de maio encerraria definitivamente o dossiê e mostraria que procuramos a reconciliação», disse.
Tudo começou em 2011 com a publicação em Portugal do
livro Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola, no
qual Rafael Marques acusava sete generais, entre os quais Manuel Hélder Vieira Dias «Kopelipa», ministro de Estado e chefe
da Casa Militar do Presidente Eduardo dos Santos, e dois ex-Chefes de Estado-Maior General, de «crimes contra a humanidade», tortura e homicídios de «garimpeiros» na região diamantífera das Lundas, no Leste de Angola. O livro, traduzido em
vários idiomas, e o seu autor beneficiaram de uma ampla cobertura mediática. O Ministério Público angolano abriu um processo
que foi arquivado por insuficiência de provas.
Em 2012, os generais e outras entidades citadas no livro
apresentaram uma queixa perante a justiça portuguesa contra
Rafael Marques e a editora Tinta-da-China, que publicou a obra,
por difamação, mas o caso foi arquivado no início de 2013, considerando os magistrados portugueses que a publicação decorria da
liberdade de expressão e informação.
Os queixosos viraram-se para a justiça angolana para obter
reparação do que consideram como um grave atentado ao seu
bom nome e o processo chegou ao tribunal a 24 de março, ficando
as audiências imediatamente suspensas. «Vamos analisar o processo, pronunciar-nos sobre o fundo e fazer chegar a nossa posição por escrito ao tribunal até 14 de maio», disse António Caxito
Marques, um dos dois advogados dos generais, citado pela AFP.
40 mil milhões
de euros pretende investir a União Europeia
em África até 2020
“
A estratégia americana para o Médio Oriente
é um cluster fuck (bordel total), Charlie Foxtrot
como dizem os militares
DAVID ROTHKOPF, diretor e editorialista
da revista norte-americana Foreign Policy
Cooperação universitária Angola-Brasil
A Universidade de Brasília e a Faculdade de Ciências Sociais da
Universidade Agostinho Neto (FCS/UAN) têm um projeto conjunto,
chamado «Leituras Cruzadas: África e interdisciplinaridade», que visa
promover a integração e cooperação entre os programas de pós-graduação das duas universidades. Segundo explicam os responsáveis, procura-se desta forma constituir uma rede de cooperação
científica, nos setores do ensino e pesquisa e criar uma articulação
entre académicos para «estudar e apreender problemáticas de investigação de caráter interdisciplinar, na área das Humanidades, no âmbito dos Estudos Africanos quanto à crítica da escrita colonial e pós-colonial na construção da pesquisa na contemporaneidade. As
preocupações críticas de análises estarão centradas nas referidas
lógicas binárias (colonizado-colonizador; tradicional-moderno; local-global) e as atuais propostas como as que indicam espaços construídos como liminares, situados no meio das designações de identidades, que se transformam em interações simbólicas».
Através deste projeto a universidade angolana tem como objetivo
participar na mobilidade docente e discente, contribuindo para uma
maior diversificação de conhecimentos e melhoria da qualidade de
ensino. Do lado brasileiro, a iniciativa é vista como «uma primeira e
grande chance de se lançar no cenário internacional, no âmbito das
relações Sul-Sul, testando seus conceitos centrais como Desenvolvimento e Cooperação Internacional revisitados de uma perspetiva crítica histórica os espaços e culturas de amplas diversidades».
África21– maio 2015
15
100 mil milhões
de dólares serão necessários
para erradicar a malária até 2030
“
As relações China-Japão são
politicamente frias e economicamente
quentes
MASARU IKEI, historiador diplomático japonês
Justiça popular em Cabo Verde nos anos 80
A justiça popular em Cabo Verde, da autoria de Boaventura Sousa
Santos, foi lançado no início de abril em Coimbra, a que se seguirá
na Praia, em maio. A obra, da editora Almedina, traz uma investigação sociológica realizada pelo autor entre 1983 e 1984 sobre os
tribunais de zona (também chamados tribunais populares), implantados no país a seguir à independência.
A criação dos tribunais zona (que dispensavam as necessidades técnicas, materiais e humanas da justiça formal), em Cabo
Verde deveu-se à precária organização judiciária herdada do período colonial num país em construção com enormes carências de
quadros. Percebeu-se, por outro lado, o «potencial desses órgãos
para promover a pacificação social e atuar como escola política,
cultural e social do povo», escreve Sousa Santos, que em 1970
tinha investigado, para o seu doutoramento, a aplicação informal
16
maio 2015 –
África21
da justiça numa favela no Rio de Janeiro. Em Cabo Verde encontrou uma forma de justiça informal que era oficial.
O trabalho foi feito por encomenda do governo de então. Para o
autor, movia-o «um interesse não apenas científico, mas também
político», no sentido de colaborar com um país em construção, recém-saído da situação colonial. Como resultados desse trabalho,
aponta, por exemplo, a criação de elementos de estatística para o
Estado, que não os tinha naquela altura. Por outro lado, entende
que contribuiu para que os governantes conhecessem melhor o seu
país, uma vez que «muitos dos conflitos eram reveladores de questões sociológicas», referiu ao apresentar o livro, que é o segundo
volume de um conjunto de cinco sobre a Sociologia Crítica do Direito. Para o autor, com o fim dos tribunais de zona, na mudança política de 1991, «deitou-se fora o bebé com a água do banho».
1 milhão
de zimbabueanos vivem
na África do Sul,
sendo a maior comunidade
imigrante no país
Minimizar os efeitos
das alterações climáticas
Os países mais ricos devem contribuir financeiramente para
minimizar os efeitos das alterações climáticas, que afetam sobretudo os pobres e os excluídos. A posição foi defendida pelos
participantes no encontro «Proteger a Terra, dignificar a Humanidade», realizado no Vaticano em abril, que também contou
com a presença do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
A declaração final do encontro apela para que os desafios
das alterações climáticas induzidas pelo homem sejam enfrentados no contexto do desenvolvimento sustentável, incluindo as
situações de pobreza extrema e de marginalização social. «Os
países ricos devem ajudar a financiar os custos de mitigação
das alterações climáticas nos países pobres», uma vez que «os
pobres e os excluídos são os que mais sofrem com o problema,
suportando o aumento da frequência de secas, tempestades
extremas, ondas de calor e elevação do nível do mar», sublinha
a declaração.
Os líderes religiosos, políticos, empresários e cientistas que
participaram na iniciativa sublinharam que a redução do impacto das alterações vai exigir uma rápida transformação do mundo
impulsionado por energias renováveis e menos dióxido de carbono, bem como uma gestão sustentável dos ecossistemas.
Consideram, por outro lado, que a busca da paz poderá levar a
que o financiamento público das despesas militares seja substituído por investimentos urgentes no desenvolvimento sustentável, uma vez que o mundo tem a «obrigação moral» de respeitar
o planeta, sabendo que já existem «meios tecnológicos e financeiros» para lidar com as mudanças climáticas.
Estas inquietações serão certamente reforçadas na Cimeira da ONU sobre Alterações Climáticas, que terá lugar no mês
de dezembro em Paris.
África21– maio 2015
17
2000
ou mais línguas e dialetos diferentes
existem em África
Mali, impasse
e insegurança
O Conselho de Segurança da ONU e os
Estados Unidos agitam a ameaça de
sanções contra os rebeldes tuaregues
do Norte do Mali se estes continuarem a
recusar-se a assinar o acordo de paz
concluído em Argel a 1 de março, após
um ano de árduas negociações. A Coordenação dos Movimentos do Azawad –
(CMA) que junta três grupos rebeldes –
quer renegociar o acordo para incluir o
reconhecimento do Azawad como uma
entidade política, económica e administrativa distinta do resto do país. A mediação liderada pela Argélia considera o
texto aprovado como «não negociável»
e o Governo de Bamako anunciou a intenção de ratificar o acordo a 15 de maio
«com ou sem a CMA», cujos grupos
passariam a ser tratados como «inimigos da paz» segundo a representante
dos EUA em Argel.
O impasse faz aumentar o descontentamento da maioria dos malianos que
acusam o Presidente Ibrahim Boubacar
Keita de «fraquejar» face à partição de
facto do Mali e à insegurança crescente.
Com efeito, a resistência do CMA entrincheirado no seu feudo de Kidal favorece
as atividades dos grupos armados islamistas, desalojados das grandes cidades do Norte pela intervenção francesa
de 2012 mas que multiplicam os atentados-suicidas, a colocação de minas e os
raptos de pessoas. Vários incidentes
deste tipo deram-se em abril contra veículos ou bases da Minusma. O de 19 de
abril, que causou três mortos, foi reivindicado pelo grupo filiado na Al-Qaeda e
liderado pelo argelino Mokhtar Benmokhtar, autor da sangrenta tomada de
reféns no sítio petrolífero de In Amenas
no sul de Argélia em janeiro de 2013.
18
maio 2015 –
África21
Gente
CHIMAMANDA NGOZI ADICHIE É reconhecida como uma
das mais importantes escritoras anglófonas contemporâneas.
Em abril a revista norte-americana Time incluiu-a na lista das
100 personalidades mais influentes do mundo. Nasceu em
Abba, mas cresceu na cidade de Nsukka, no sudeste da Nigéria,
onde se situa a Universidade da Nigéria. Aos 19 anos mudou-se para
os EUA para completar os estudos e desde então a sua vida decorre entre os dois países.
O seu primeiro romance Purple Hibiscus (A Cor do Hibisco) foi publicado em 2003. O segundo Half of a Yellow Sun (Meio Sol Amarelo), assim chamado em homenagem à bandeira
da Biafra, ganhou o Orange Prize em 2007. Em 2010, Chimamanda entrou na lista dos 20
autores de ficção mais influentes com menos de 40 anos. Em 2013 publicou o seu terceiro
romance, Americanah, que foi selecionado pelo The New York Times como um dos 10
Melhores Livros de 2013. O seu texto-manifesto «Somos todos feministas» inspirou a cantora Beyoncé que retomou alguns enxertos na sua canção Flawless, editada em 2014.
EL ANATSUI Antes de cada Bienal de Veneza o júri atribui um
Leão de Ouro a um artista pelo conjunto da sua obra. Na edição
de 2015 o galardão foi para este artista plástico nascido no
Gana e residente na Nigéria desde 1975, considerando que a
distinção não se deve apenas «ao reconhecimento dos seus
recentes sucessos internacionais, mas à influência artística
que exerceu sobre duas gerações de artistas da África Ocidental.
Aos 71 anos Anatsui é considerado como um dos maiores exponentes da arte africana contemporânea, com obras expostas nos grandes museus do mundo,
Nova Iorque, Washington, Londres Toronto ou Barcelona. É sobretudo conhecido pelas
suas grandes tapeçarias – que prefere chamar de esculturas – constituídas por milhares
de pequenos pedaços de metal – muitas vezes tampas de garrafas, esmagadas e dobradas – cosidos uns com outros no seu ateliê de Nsukka, na Nigéria com a ajuda de três
dezenas de colaboradores e alunos. É um dos artistas mais famosos do continente e o
preço das suas obras não pára de crescer.
MUSTAFA HASSAN É conhecido nas redes sociais como «a voz
das crianças sírias». Com o seu sorriso contagiante, este sudanês de 52 anos converteu-se numa figura paternal para muitos
menores dos campos de refugiados sírios na Jordânia. Ativista
do International Rescue Committee (ICR), Mustafa e a sua
equipa de 50 voluntários montaram uma rede de investigação
e comunicação através das redes sociais com o objetivo de ajudar a reunir as famílias dispersas durante a fuga. No meio do caos
da guerra é fácil as crianças perderem-se e o número de menores não acompanhados que
chegam aos campos de refugiados é cada vez mais elevado. Para as identificar e proteger
o ICR criou estruturas que acolhem atualmente mais de 2000. Mustafa e a sua equipa já
ajudaram mais de mil crianças a reunir-se com as famílias dentro ou fora dos campos.
Quando a tarefa se revela impossível trata de encontrar outras famílias dispostas a acolhê-las, transitória ou definitivamente. «A vida nos campos é terrivelmente difícil e perigosa
para uma criança sozinha», explica Mustafa que começou a trabalhar como voluntário no
Darfur em 2004, já esteve no Sri Lanka e no Quénia e juntou-se ao ICR há um ano.
África21– maio 2015
19
NIGÉRIA ESTÁ DE VOLTA
Revolução de veludo
O poder mudou de mãos na Nigéria pela
via das urnas e o Presidente Goodluck Jonathan aceitou a derrota com fair-play, revelando na hora da despedida uma estatura
de homem de Estado que lhe faltou durante
o seu mandato. O sucessor, Muhammadu
Buhari, tem pela frente uma tarefa titanesca para reconstruir o país gangrenado pela
20
maio 2015 –
África21
corrupção, ameaçado pelo Boko Haram, e
duramente afetado pela quebra do preço
do crude.
Para muitos comentadores africanos,
as últimas eleições gerais na Nigéria são um
dos acontecimentos políticos mais relevantes do continente desde a eleição de Nelson
Mandela, e uma bofetada de luva branca na
POOL/APC PRESIDENTIAL CAMPAIGN O/ANADOLU AGENCY
na Nigéria
cara de adeptos das «primaveras africanas» e
«revoluções não violentas». É cedo para embandeirar em arco mas não há razões que
impeçam o regozijo por um país africano
surpreender o mundo pela positiva.
Como observou o famoso escritor e
cronista nigeriano Eze Onyekpere, do Center for Social Justice, com a maioria abso-
luta no Parlamento e no Fórum Nacional
dos Governadores, o Presidente eleito não
terá nenhuma desculpa, caso falhe as reformas prometidas. Escreveu: «o eleitorado fez
a sua parte e o tempo começou a contar. Sr.
Presidente eleito, estamos à espera que dê o
sinal de partida».
Nicole Guardiola
África21– maio 2015
21
NIGÉRIA ESTÁ DE VOLTA
Os trabalhos que esperam
o general-presidente
É
um homem de poucas palavras. Os seus
discursos são breves e diretos e quando se
trata de marcar posição prefere fazê-lo por
comunicados. Ao longo da campanha eleitoral e já
como Presidente eleito, Muhammadu Buhari fez
questão de vincar o novo estilo que pretende impor
à governação. A declaração que fez publicar a propósito do aniversário do rapto das liceais de Chibok
pelo grupo Boko Haram é uma boa ilustração desta
nova maneira de governar. «Não posso prometer
que é possível trazer de volta as raparigas, porque
não sabemos onde estão nem se podem ainda ser
salvas. [Mas] digo aos familiares e amigos das raparigas que o meu governo tudo fará para as trazer
para casa». Estava implícita nesta declaração a crítica
ao comportamento do seu antecessor – que prometia acabar com o Boko Haram em menos de um
mês e libertar as raparigas num ápice, embora não se
tenha deslocado uma única vez durante toda a
campanha a Maiduguri, a capital do estado de Borno, no epicentro da tragédia.
O futuro Chefe de Estado aproveitou a oportunidade para repetir que com ele o combate contra o
Boko Haram será conduzido de forma diferente.
«Posso garantir que logo que o meu governo entre
em funções o Boko Haram sentirá a força da nossa
vontade coletiva e determinação para libertar a nação do terror e trazer a paz de volta».
Austero, quase ascético, o general Buhari diz-se
«convertido à democracia», mas conserva o ódio
visceral ao laxismo e à indisciplina que caracterizaram a sua governação nos cerca de dois anos em que
exerceu o poder, entre 1983 e 1985. Para este nacionalista convicto, a luta contra a corrupção, tema
22
maio 2015 –
África21
STRINGER/ANADOLU AGENCY
Buhari
O novo Presidente da Nigéria, que
tomará posse a 29 de maio, é um
homem de ação e um pragmático
que não promete milagres mas quer
«reconstruir o país sobre bases sólidas». Dos muitos desafios que terá
de vencer, a gestão das expectativas
será talvez o mais difícil.
Goodluck Jonathan reconheceu rapidamente a derrota e felicitou o rival, o que foi um
bálsamo para o orgulho nacional
A luta contra a corrupção como prioridade nacional
A ênfase posta no tema faz sorrir os analistas estrangeiros e todos aqueles que consideram que o futuro
Presidente tem na luta contra o Boko Haram e na
crise económica e financeira causada pela queda do
preço do petróleo desafios mais urgentes e importantes. Mas a maioria dos nigerianos que votaram
pela mudança estima, como o Prémio Nobel da
Literatura Wole Soiynka, que a corrupção, endémica na Nigéria, tomou proporções intoleráveis, que
gangrena todas as instituições e ameaça a sobrevivência, a unidade e a soberania do país.
«O maior fracasso de Jonathan foi rodear-se de
pessoas muito incompetentes e muito desonestas e
dar-lhes confiança», disse o ex-governador do Banco
Central Lamido Sanusi, demitido em 2014 quando
quis investigar um «buraco» de 20.000 milhões de
dólares nas contas da Empresa Pública de Petróleos,
NNPC. Sanusi, que conseguira sanear o sistema
bancário e pôr atrás das grades os banqueiros mais
corruptos, deve provavelmente a vida ao facto de ter
sido pouco depois designado Emir de Kano, a segunda autoridade tradicional respeitada do país,
após a morte do seu tio-avô.
Poderá Buhari cumprir as suas promessas moralizadoras? Há quem duvide. Para angariar os
fundos necessários para a campanha eleitoral mais
onerosa jamais realizada em África, teve que arranjar ricos patrocinadores; para ganhar, teve que fazer alianças, nomeadamente entre os poderosos
governadores (ver caixa) e outros dissidentes do
PDP que não comungam necessariamente dos
mesmos princípios e raros são os que não têm rabos-de-palha. Em democracia está fora de questão
recorrer aos métodos utilizados pelo ex-ditador
Buhari há 30 anos quando lançou a sua «WAI»
(War Against Indiscipline – Guerra contra a indisciplina), que incluiu castigos corporais e execuções
públicas. Buhari, «convertido à democracia», garante que não haverá caça as bruxas. Até os funcionários indelicados poderão conservar os seus empregos com a condição de se arrependerem e
repararem os danos. «O Presidente Jonathan não
tem nada a temer da minha eleição. Ele é um grande
A biometria ao serviço da democracia
A utilização de cartões biométricos de eleitor nas recentes eleições nigerianas
constituiu um teste decisivo para o sistema adotado ou em vias de implementação
em duas dezenas de países africanos. Registar os dados de todos os potenciais
eleitores do país mais povoado de África, criar os cartões de eleitores permanentes
(PVC, em inglês), distribuí-los, dar formação a milhares de técnicos sobre a utilização dos leitores de PVC e instalá-los nas 153.000 assembleias de voto foi uma autêntica proeza técnica, relativamente bem-sucedida. A 28 de março, 52 milhões dos
68,8 milhões de eleitores registados estavam na posse do respetivo cartão e a Comissão Eleitoral Nacional Independente (CENI) resistiu às pressões do poder para
autorizar o voto dos eleitores que dispunham apenas do cartão provisório estabelecido na altura do registo.
A votação exigiu também disciplina e determinação por parte dos eleitores que
tinham que se apresentar duas vezes nas assembleias eleitorais. A primeira, a partir
das 8 horas e durante toda a manhã, para serem inscritos nos cadernos eleitorais
após terem sido identificados através da leitura eletrónica dos dados inscritos no
PVC e verificação das impressões digitais. Só assim podiam apresentar-se de novo,
a partir das 13 horas, para depositar os seus votos nas urnas. As operações decorreram sem incidentes de maior e os deslocados puderam votar, contrariando as
previsões mais pessimistas sobre eventuais falhas de energia. O registo eletrónico
de todos os atos facilitou o apuramento dos resultados e a análise de reclamações.
Todos os observadores consideram que a experiência foi um sucesso embora
reconheçam que a biometria não constitua uma panaceia para garantir a transparência das eleições, dado que não elimina os principais meios de fraude em África,
como a intimidação dos eleitores e a compra de votos. Segundo os especialistas, a
biometria utilizada para fins meramente eleitorais não é economicamente rentável
mas, associada ao registo civil e a outros serviços, pode revelar-se um investimento
útil ao permitir que as autoridades disponham de um retrato permanentemente
atualizado da demografia nacional. Estão atualmente em estudo programas que no
futuro permitirão aos eleitores exercer o seu direito de voto sem terem de se deslocar, utilizando apenas os seus telemóveis.
AFP
central das suas quatro campanhas presidenciais,
não é uma mera bandeira eleitoral e populista. Vê na
corrupção a mãe de todos os males que afligem a
Nigéria e não é por acaso que a coligação que apoiou
a sua candidatura escolheu a vassoura como símbolo. Todos os membros da nova administração deverão declarar os seus bens antes de assumir funções e
Buhari já avisou que «os corruptos não terão lugar
no meu governo».
África21– maio 2015
23
AFP
NIGÉRIA ESTÁ DE VOLTA
Attahiru Jega, de vilão a herói
STRINGER/AFP
Nomeado presidente da Comissão Eleitoral Nacional
Independente (CENI) pelo ex-Presidente Goodluck
Jonathan, em outubro de 2010, este intelectual muçulmano de 58 anos, ex-reitor adjunto da prestigiada
universidade de Kano, foi coberto de opróbrio após as
eleições gerais de 2011. Marcadas por inúmeras irregularidades detetadas pelos observadores internacionais, essas eleições foram consideradas mais «justas»
do que as anteriores apesar da violência pós-eleitoral
que causou mais de um milhar de mortos.
Conhecido opositor dos regimes militares e dirigente da poderosa confederação sindical NLC (Nigerian
Labour Congress), Attahiru Jega levou a cabo uma
ambiciosa reforma do processo e metodologia eleitorais
que culminou com a adoção do sistema biométrico para
a identificação dos eleitores. Nas eleições de março,
dificuldades logísticas na distribuição dos novos cartões
de eleitores e falhas dos aparelhos eletrónicos de identificação dos votantes motivaram duros ataques contra
a CENI tanto da parte do poder como da oposição. Os
barões do PDP pediram ao Presidente Jonathan para
demitir Jega, acusado de «parcialidade», e a oposição
ameaçou boicotar o escrutínio por desconfiar da possível manipulação do sistema eletrónico.
O presidente da CENI fez frente às acusações e
críticas, com serenidade e determinação, mesmo depois
de ter sido forçado pelos serviços de segurança a adiar
seis semanas a realização do escrutínio. A sua firmeza
inspirou confiança ao eleitorado que acudiu em massa
às assembleias de voto e os resultados foram anunciados com uma celeridade inédita e globalmente aceites.
Houve algumas reclamações e pedidos de repetição da
votação, nomeadamente no estado de Rivers, mas a
violência foi drasticamente menor do que há quatro anos,
apesar das ameaças do Boko Haram. Muitos analistas
atribuem a Jega – cujo mandato termina em junho próximo – o sucesso destas eleições e a imprensa nigeriana
já o apontou como «herói nacional».
24
maio 2015 –
África21
Protesto no aniversário do rapto das estudantes de Chibok
“Não posso
prometer que é
possível trazer
de volta as
raparigas porque
não sabemos
onde estão nem
se podem ainda
ser salvas, mas
digo aos
familiares das
raparigas que o
meu Governo
tudo fará para as
trazer para
casa”, afirmou
Muhammadu
Buhari
nigeriano», disse o candidato eleito em resposta à
primeira-dama Patience Jonathan (ver caixa).
Estabilizar para desenvolver,
desenvolver para estabilizar
Buhari, militar de carreira, prometeu tomar pessoalmente a direção das operações contra o Boko
Haram para motivar e dar confiança às tropas.
Mas considera que as desigualdades sociais e regionais e o açambarcamento de uma parte excessiva da riqueza nacional são a verdadeira causa das
revoltas recorrentes no Norte – que conhece bem
por ter sido governador do Nordeste – mas também no Sul, onde a exploração do petróleo só traz
sofrimentos e nenhuma vantagem às populações
do Delta (ver caixa). Em fevereiro, o MEND
(Movimento para a Emancipação do Delta do
Níger) que depôs as armas em 2008 e aceitou o
plano de desmobilização e reinserção social proposto por Jonathan, declarou-se a favor do candidato Buhari. O Boko Haram tinha colocado o
seu nome numa lista de personalidades suscetíveis de servir de medianeiros para eventuais negociações de paz antes de tentar assassiná-lo em julho de 2014 num atentado-suicida que causou
várias mortes. Esta tese da génese endógena do
terrorismo na Nigéria foi sempre negada pelo
atual governo federal que preferiu colocar a luta
contra o Boko Haram no quadro da «guerra
contra o terrorismo islâmico», cara ao Ocidente,
não sem insinuar a existência de conivências entre
os terroristas e as elites políticas nortenhas.
As duas federações sindicais da Nigéria, TUC
(Trade Union Congress) e NLC (Nigerian Labour Congress), denunciaram também a manipulação do terrorismo para fins políticos a que se
assistiu durante a campanha. «Todos os que têm
boas intenções deveriam estar preocupados com a
estabilidade do país. Não podemos dar-nos ao luxo
de suportar mais assassinatos sem sentido. O aumento dos ataques terroristas no Nordeste nos últimos quatro anos proporcionou aos políticos um
instrumento para semear a desconfiança e explorar as divisões étnicas e regionais. Nós rejeitamos
isto», afirmou o TUC num comunicado de felicitações ao Presidente eleito, exortando-o a pôr de
lado as «velhas querelas» e a promover «a boa governação». A mensagem que o candidato da oposição martelou ao longo da campanha é que a paz
não se ganha apenas pelas armas, consegue-se
também pela atenção dada às condições de vida
quotidianas do povo, aos seus sentimentos, às
suas aspirações e ao seu desenvolvimento material, social e cultural.
Uma conjuntura adversa
Buhari foi acusado pelos adversários de populismo
e demagogia por prometer mais do que poderá
cumprir. De facto, prometeu criar empregos para os
jovens, que constituem 40% da população; investir
Patience Jonathan
DR
DR
“Posso garantir
que logo que o
meu governo
entre em funções
o Boko Haram
sentirá a força da
nossa vontade
coletiva e
determinação
para libertar a
nação do terror
e trazer a paz de
volta”, foi outra
promessa de
Buhari
Aisha Buhari
Cherchez la femme!
A imprensa nigeriana descreve Aisha Buhari, a futura inquilina de Aso Rock, a residência presidencial de Abuja, como uma mulher «doce, humilde e simpática».
Exatamente o contrário da sua petulante antecessora, Patience Jonathan, protagonista de inúmeros escândalos político-mediáticos e alvo predileto dos humoristas.
«Patience é como um elefante numa loja de porcelana, totalmente incontrolável»,
dizia dela Ebere Ifendu, presidente da ONG Fórum das mulheres em política.
Nascida em 1957, em Port Harcourt, professora de formação reconvertida para
a área das finanças, Patience nunca se contentou em acompanhar a carreira do
marido, exercendo sobre ele uma influência discreta. Em 1999, quando Jonathan foi
eleito vice-governador do estado petrolífero de Baielsa, de que ambos são originários, Patience foi ministra da Educação no governo estadual e, em 2012, já «primeira-dama» foi nomeada secretária-geral permanente pelo novo governador de
Baielsa, para cuja eleição muito contribuiu. Voltou a ter um papel destacado nas
campanhas eleitorais de 2015, comparando Jonathan ao Messias e exortando as
mulheres e os jovens a lutar por todos os meios (inclusive físicos) para impedir a vitória de Buhari, que acusava de querer mandá-la para a prisão. Muitos, até mesmo
no partido, acusam-na de ter incitado à violência no estado de Rivers e de ser responsável por algumas das atitudes do marido que contribuíram para a sua derrota
eleitoral. Depois do rapto das estudantes de Chibok pelo grupo Boko Haram, Patience escandalizou a opinião pública, à saída de uma audiência com os familiares das
raparigas, ao mandar deter Naomi Mutah, uma das organizadoras da campanha
«BringBackOurGirls», por esta alegadamente ter-lhe faltado ao respeito.
No seu livro de memórias, publicado em 2014, o ex-presidente Olusegun
Obasanjo acusou Jonathan de não ter exercido cabalmente as funções de
Chefe de Estado, deixando a Nigéria entregue a «cinco presidentes» entre os
quais a sua mulher era a mais poderosa, seguida pelas ministras do petróleo,
da Aviação e das Finanças e ele, por último.
Não parece provável que a discreta Aisha suscite tamanhas polémicas.
Pouco se sabe do seu passado, além de ter 44 anos e de ter casado em 1989
com Buhari, 30 anos mais velho e então recém-divorciado da primeira mulher, Safinatu (falecida em 2006), que lhe dera cinco filhos. Aisha teve também cinco filhos e não se lhe conhece nenhum antecedente profissional ou
político. Só apareceu na reta final da campanha para defender apaixonadamente o homem que «conhece pessoalmente não como dirigente da Nigéria
mas como marido e pai». Os nigerianos, disse, podem ter confiança nele:
«Os tempos são difíceis, mas Buhari vai conseguir cumprir o prometido».
Uma destas promessas foi de abolir, se for eleito, o «gabinete da primeira-dama» criado para Patience e que considera «inconstitucional».
África21– maio 2015
25
Os terroristas do Boko Haram, que tinham jurado impedir as eleições, que consideram «blasfematórias», não conseguiram perturbar a sua
realização. Mas não foram os únicos «perdedores»: os fundamentalistas de todos os credos
veem as suas profecias apocalípticas em caso
de vitória do campo oposto desmentidas por
esta alternância ordeira e a constatação de que
as clivagens religiosas não foram tão nítidas
como se anunciava. Os bons resultados obtidos
pelo muçulmano Buhari no Sul, Oeste e em Lagos confirmam-no. É uma das surpresas destas
eleições num país considerado como o «segundo mais crente do mundo», com apenas 1% de
ateus, segundo o Instituto Gallup. É um aviso
para todos aqueles que nos últimos anos procuraram manipular a religião para fins políticos.
Apesar de Jonathan ter escolhido como vice-presidente o muçulmano Namadi Sambo, o seu
partido, o PDP, apostou claramente no acirrar das
tensões entre cristãos e muçulmanos. À medida
que as sondagens indicavam que a luta seria renhida, a imprensa pró-governamental intensificou os ataques contra Buhari, acusando-o de
querer instaurar a sharia em todo o país e de
não combater o Boko Haram «porque é muçulmano como os terroristas».
Desta vez, porém, este tipo de propaganda
não funcionou e não só porque Buhari tomou
como parceiro de lista o pastor Yemi Osibanjo, líder da Redeemed Church, a maior igreja evangélica da Nigéria com dezenas de milhões de fiéis.
A força de Buhari foi a de ter conseguido congregar à sua volta todas as forças que aspiravam à
mudança e devolver a esperança a todos os
marginalizados e deserdados do sistema, que
são a maioria entre os cristãos como entre os
muçulmanos. E o ressentimento do Norte contra
Jonathan não era devido ao facto de ele ser cristão mas de parecer indiferente ao abandono e ao
sofrimento destas populações. Mas basta ler os
comentários que circulam nas redes sociais para
verificar que a islamofobia não desapareceu
como por encanto e que muita coisa pode ainda
acontecer até à tomada de posse do Presidente
eleito em maio. Jonathan foi exemplar na aceitação da derrota, mas não é certo que consiga controlar os radicais do seu campo. «Na Nigéria não se
luta por ideais mas por poder e dinheiro e infelizmente há muito dinheiro em jogo», comenta Sola
Fagorisi, diretor de programas da ONG On Life.
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maio 2015 –
África21
Armas capturadas ao Boko Haram no nordeste da Nigéria
na agricultura e nas infraestruturas, nomeadamente energéticas e rodoviárias; reduzir as importações;
aumentar a capacidade de refinação; e melhorar o
acesso das populações rurais à educação e à saúde,
e, para isto, rever a repartição da renda petrolífera.
Mas esta aparece drasticamente reduzida – 52.000
milhões de dólares em 2015 em vez dos 88.000
milhões em 2014. A ministra das Finanças, Ngozi
Okonjo Iweala, negociou um empréstimo de 2000
milhões de dólares com o FMI e o BAD (Banco
Africano de Desenvolvimento) já incluído no orçamento de 2015 mas ainda por assinar. Qual será
a decisão do novo governo?
Em 1983, Buhari tinha recusado a «ajuda» do
FMI mas viu-se obrigado a efetuar muitos dos
cortes nas despesas públicas exigidos pelas instâncias financeiras internacionais. Desta vez uma das
medidas em debate é o fim dos preços subsidiados
dos combustíveis. Sindicatos e patrões estão furiosamente contra e Buhari prometeu baixar os preços
para dinamizar a economia. Felizmente, a Nigéria
depende menos do petróleo do que há 30 anos e
Para Buhari, nacionalista convicto, a
luta contra a corrupção não é uma
mera bandeira eleitoral e populista
OLATUNJI OMIRIN/AFP
Urnas contra o fundamentalismo
PHILIPPE DESMAZES/AFP
NIGÉRIA ESTÁ DE VOLTA
dispõe mesmo de setores economicamente competitivos à escala africana e de grupos privados em
plena internacionalização. Globalmente, os meios
económicos não esperam grandes mudanças e o
alívio causado pelo final feliz da campanha eleitoral fez ganhar 7% à Nigerian Stock Exchange. Segundo o investigador Amzat Boukari-Yabara, «Jonathan situa-se no centro direito do xadrez
político, Buhari no centro esquerdo», mas no seio
da coligação governamental «há desde defensores
da forte intervenção estatal na economia, como o
próprio Buhari, até ultraliberais que querem privatizar a NNPP». Nacionalista, Buhari tenciona favorecer os agentes económicos nacionais mas reconhece a necessidade dos investimentos estrangeiros.
Sem virar as costas aos «amigos» americano e europeus deverá virar-se para os países emergentes,
China, India e as petromonarquias árabes como
Jonathan começava a fazer.
Nigeria is back!
A Nigéria está de volta. Esta fórmula utilizada
nos países anglófonos vizinhos da Nigéria para
saudar a eleição de Buhari é também expressiva
do sentimento de muitos nigerianos que veem
Poderosos governadores
Os governadores dos estados, eleitos por
sufrágio direto, são um elemento essencial do complexo sistema político nigeriano – presidencial e de duas câmaras. Dispõem de ampla autonomia, gerem mais de
30% do orçamento global e são diretamente responsáveis pela gestão dos serviços que mais afetam as populações, da
saúde ao ensino e da habitação aos
transportes. Contudo, este poder está fortemente condicionado pela quantidade de
petrodólares alocada pelo Governo Federal a cada estado em função de critérios
pouco transparentes e acerca dos quais
não existem meios de contestação. O sistema é visto como o principal instrumento
da corrupção e do clientelismo político e
gerador de fortes desequilíbrios e tensões
regionais.
O estado de Rivers, que produz 40%
do petróleo e gás nigeriano, e gere um orçamento anual de 2000 milhões de dólares para cinco milhões de habitantes,
pouco ou nada percebe das dificuldades
do estado de Kano, duas vezes mais povoado e desprovido de recursos exportáveis. Pôr a mão sobre os estados «ricos»
é um objetivo político maior para qualquer
força política porque permite dispor de
meios financeiros para as campanhas
eleitorais e a compra de votos. É uma das
razões pelas quais o número de estados
tem vindo a aumentar a cada revisão
constitucional, a partir das três regiões
existentes na época da independência em
1960 e que correspondia, grosso modo, às
três maiores etnias do país: haúça ao
Norte, ioruba ao Oeste e ibo ao Sul. Dos
12 estados criados em 1967 passou-se a
19 em 1976, a 31 em 1991 e a 36 em
1996. Tendo elegido 21 dos 29 governadores em disputa nestas eleições, a coligação que apoiou Muhamadu Buhari passará a deter também uma sólida maioria
no Senado. Mas é também a este nível
que as forças coligadas para derrubar o
PDP no poder há 16 anos e os poderosos
grupos de pressão financeiros e religiosos
podem querer cobrar os dividendos do seu
apoio ao presidente eleito.
África21– maio 2015
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NIGÉRIA ESTÁ DE VOLTA
Um desastre ecológico colossal
PIUS UTOMI EKPEI/AFP
A opinião pública internacional, muito sensibilizada pela denúncia dos crimes do Boko Haram e do rapto das estudantes de Chibok, continua a estar
pouco informada sobre a tragédia silenciosa em curso no Delta do Níger.
As grandes multinacionais petrolíferas ocidentais – Shell, BP, ExxonMobil,
Chevron, ENI, Total – operam há mais de 50 anos nesta região pantanosa,
povoada por um mosaico de comunidades totalizando mais de 30 milhões
de pessoas tradicionalmente dependentes da pesca, caça e agricultura.
As instalações, frequentemente vetustas, e os 10.000 km de pipelines têm
provocado frequentes derramamentos de que resultou uma poluição colossal, cobrindo uma extensão equivalente à superfície de Portugal, segundo
um relatório do PNUD publicado em 2011. Os solos, as águas e o ar estão
de tal maneira poluídos que a fauna e a flora foram totalmente destruídas,
as comunidades locais privadas de todos os meios de subsistência e a
saúde pública gravemente afetada.
As grandes ONG de defesa do ambiente denunciam a impunidade reinante que atribuem à ganância das petrolíferas estrangeiras e nigerianas e
à corrupção das autoridades que fecham os olhos às inúmeras ilegalidades
cometidas. Um dos exemplos é a queima do gás associado à exploração
petrolífera, proibida pela lei nigeriana desde 1984, mas que continua, gerando chuvas ácidas que destroem a floresta e as culturas. A obrigação de reparar os danos causados e de indemnizar as populações afetadas, incluída
na legislação, é também ignorada ou apenas «para inglês ver».
As multinacionais e os seus gabinetes jurídicos declaram que nunca
recusaram as suas responsabilidades em matéria de despoluição, mas
avisam que «se não forem tomadas medidas concretas para acabar com a
praga do roubo e refinação clandestina de crude, principal causa de poluição do ambiente e verdadeira tragédia do Delta do Níger, as zonas descontaminadas serão de novo poluídas por estas atividades ilegais».
Em janeiro a Shell aceitou um acordo extrajudicial para evitar um julgamento perante a justiça britânica marcado para maio por duas marés negras
ocorridas em 2008 e que estiveram na origem de um derrame superior a
100.000 barris de petróleo. Comprometeu-se a pagar cerca de 3000 dólares a
cada uma das 15.600 vítimas locais e a descontaminar a área. Segundo um
dos ativistas, «esta indemnização é um passo em frente mas a justiça só será
restabelecida quando a Shell acabar de limpar os rios e lagoas para que os
pescadores e os camponeses possam reconstruir as suas vidas». O programa das Nações Unidas para o Ambiente estima que despoluir o Delta poderia
levar 25 a 30 anos e custar anualmente 1000 milhões de dólares.
Delta do Níger
28
maio 2015 –
África21
nesta alternância política a promessa de um «renascimento», de uma nova era que devolva à Nigéria voz e voto em África e no mundo à altura
dos seus 173 milhões de habitantes e da sua condição de potência regional. O Presidente eleito
prefere falar em «reconstrução» mas, em todo o
caso, a batalha está longe de ser ganha.
A maioria dos nigerianos
que votaram pela mudança estima,
como o Prémio Nobel da Literatura
Wole Soiynka, que a corrupção
é endémica na Nigéria
O primeiro desafio – o da reconciliação nacional
– vai exigir da nova administração muita coragem e
um sentido apurado dos símbolos. Goodluck Jonathan parece decidido a jogar a sua parte e os elogios à
rapidez com que reconheceu a derrota e felicitou o
rival foram um bálsamo para o orgulho nacional, ferido pelas ajudas militares não solicitadas, recebidas
de países africanos mais pequenos e pobres na luta
contra o Boko Haram. Mas a quase unanimidade
dos votos a favor de Buhari nos principais estados
do Norte e a favor de Jonathan em Rivers e Bayelsa
mostra que a fratura não é somente religiosa e étnica:
o novo Presidente vai ter de se esforçar para ser,
como diz, o «Presidente de todos os nigerianos»,
porque o país é complicado e as expectativas grandes
e divergentes mesmo dentro de uma só comunidade
ou estado.
Para construir a verdadeira unidade nacional, que
nunca existiu desde a independência em 1960, vai ser
preciso fortalecer e dignificar as instituições, a começar pelas federais. O parlamento e os tribunais têm de
reconquistar autoridade e autonomia. Por razões de
força maior Buhari deverá tratar com prioridade das
forças armadas, que já foram das mais poderosas de
África, e se encontram hoje em plena decadência, mal
pagas, mal equipadas e sobretudo mal-amadas.
O novo Presidente promete melhorar a sua composição, o recrutamento e a formação dos oficiais para
fazer das FAN um exército verdadeiramente nacional, acima das clivagens religiosas e étnicas.
As tarefas, como se vê, são enormes e todas urgentes. Segundo os analistas o sucesso ou o fracasso da
transição jogar-se-á nos primeiros cem dias do mandato de Buhari. Mas como disse o interessado, transformar uma mera alternância na «revolução» que
muitos nigerianos almejam não é tarefa para um só
homem. Todos vão ter de aportar a sua pedra à
construção.
MOHAMMED ELSHAMY/ANADOLU AGENCY
Celebração dos apoiantes de Buhari
Virar de página na Nigéria
A esmagadora vitória da oposição nas eleições gerais
de 2015 é vista pelos nigerianos como «o início de uma nova era».
A «segunda transição democrática» no país mais povoado
de África é um eletrochoque para todo o continente.
D
urante mais de um ano, temeu-se o pior. A virulenta campanha dos dois candidatos principais
às eleições presidenciais de 28 de março, a
violência pré-eleitoral (que causou cerca de
50 mortos) e as ameaças terroristas do Boko
Haram fizeram aumentar a tensão. A surpresa foi geral ao constatar-se que a votação decorreu sem grandes incidentes, como puderam verificar os observadores internacionais.
Quando a Comissão Eleitoral Nacional
Independente (CENI) começou a divulgar
quase em tempo real resultados parciais que
davam um importante avanço ao opositor
Muhammadu Buhari sobre o Presidente
cessante Goodluck Jonathan todos sustiveram a respiração.
Foi o próprio Jonathan que deitou água
na fervura, telefonando ao rival para o felicitar sem esperar pelos resultados completos.
Os quase 55% obtidos por Buhari afastavam a necessidade de uma segunda volta,
hipótese tida como mais provável antes do
escrutínio. Houve festa rija no Norte e em
Lagos, mas sem violência, e logo as atenções
se focalizaram nas eleições estaduais – para
eleger os governadores e as assembleias locais – marcadas para 11 de abril e consideradas como as mais perigosas dada a importância dos 36 governadores no sistema
federal vigente (ver caixa).
A segunda derrota do PDP (Partido
Democrático Popular) no poder há 16 anos
foi sem apelo. Os seus candidatos só ganharam sete dos 29 lugares de governadores em
disputa, contra 19 para a oposição (não se
votou em sete estados que elegeram os seus
governadores há menos de dois anos); nos
estados de Imo, Abia e Tabara, as eleições
foram consideradas «inconclusivas» pela
CENI, que marcou nova votação para 25
de abril. Em Tabara, onde Jonathan tinha
sido o mais votado nas presidenciais, a candidata do All Progressive Congress (APC), a
muçulmana Aisha al-Hassan tem forte probabilidades de vir a ser a primeira mulher
nigeriana eleita governadora. Como era de
esperar, as acusações de fraude e intimidações foram mais que muitas, nomeadamente no estado petrolífero de Rivers, mas a
CENI não se deixou abalar; rejeitou a maior
parte das reclamações e encaminhou as restantes para os tribunais.
O tsunami que ninguém viu chegar
É todo o poder que muda de mãos na Nigéria, com a oposição a conquistar, além da
presidência, a maioria absoluta nas duas câmaras do Parlamento (225 deputados num
total de 360; 60 dos 109 senadores) e no
Fórum Nacional dos Governadores, cortando de raiz o argumento de uma suposta
«vitória» do Norte contra o Sul ou dos muçulmanos sobre os cristãos.
Além da presidência,
a oposição conquistou
a maioria absoluta nas duas
câmaras do Parlamento e na
escolha dos governadores
África21– maio 2015
29
AMINU ABUBAKAR/AFP
NIGÉRIA ESTÁ DE VOLTA
Bombas vindas de zonas ocupadas pelo Boko Haram atingiram autocarros e mataram 27 pessoas
Após uma derrota eleitoral é sempre o
líder que arca com a maior responsabilidade
e é longa a lista dos erros atribuídos a Jonathan e que fizeram perder ao PDP a sua invencibilidade de 16 anos.
Em boa verdade, Jonathan tinha perdido o controlo do seu partido e do país antes
de perder as eleições. Ficarão para a história
as imagens da polícia a carregar sobre o
Parlamento para impedir a entrada dos deputados dissidentes do PDP e do «pai fundador» do partido, o ex-presidente Olusegun Obasanjo, a rasgar em público o seu
cartão de membro.
A atitude do Presidente face às acusações
de desvio de 20.000 milhões de dólares dos
cofres da companhia nacional de petróleo
por parte do então governador do Banco
central, Lamido Sanussi, que ele próprio nomeara; a negação da corrupção galopante
(disse publicamente que 70% dos casos denunciados eram meros roubos); o escasso interesse manifestado pelas raparigas raptadas
em Chibok pelo Boko Haram (demorou
duas semanas para contactar o governador do
estado onde ocorreu o drama que comoveu o
mundo) parece confirmar o diagnóstico de
Obasanjo: Jonathan não tinha as qualidades
necessárias para governar um país grande e
complexo como a Nigéria.
A escalada da violência terrorista do
Boko Haram, as intervenções militares estrangeiras, a falta de respostas à queda
abrupta do preço do petróleo deixaram os
nigerianos de todas as condições, credos e
classes sociais, com a sensação de estarem a
bordo de um avião sem piloto. Foi o que
transformou uma disputa renhida num
30
maio 2015 –
África21
tsunami que varreu tudo pela frente e surpreendeu os próprios vencedores. Se a chamada «comunidade internacional» não o
viu chegar é porque pensava que como em
2008 e 2011 o férreo controlo dos detentores do poder ao nível federal sobre o processo eleitoral e o escrutínio dos resultados
bastaria para inclinar a balança a favor do
presidente em exercício. E preparava-se para
avalizar estes resultados – fechando eventualmente os olhos à fraude mais descarada
– porque no Ocidente Jonathan era visto
como uma melhor opção que Buhari. Este
foi sistematicamente apresentado como «o
candidato dos muçulmanos», adepto da
sharia, um ex-golpista e ex-ditador militar,
violador dos direitos humanos que mandara
para a prisão o mundialmente celebre músico Fela Kuti, pai da Afro beat.
Para reconstruir a nação,
como prometeu o Presidente
eleito, é preciso uma
renovação da classe dirigente
É também por esta razão que os resultados destas eleições na Nigéria estão a ter um
impacto profundo em todo o continente
africano, «reconciliando os africanos com a
democracia» como disse um opositor ao regime de Djibouti. Não é a primeira alternância pelas urnas em África e Jonathan não
é o primeiro Presidente africano a deixar o
poder sem fazer ondas; mas para muitos
africanos é a primeira vez desde o tempo das
independências em que o seu voto faz mudar o poder de mãos num sentido que não
era exatamente o que desejavam as grandes
potências e as instituições financeiras
internacionais.
Goodluck Buhari!
Boa sorte, é o que desejam agora os nigerianos ao Presidente eleito a quem apresentam
uma extensa lista de reivindicações. Sindicatos e patrões pedem ambos «boa governação» e reformas económicas, embora obviamente não entendam estas palavras da
mesma forma. Uma política energética para
pôr termo às carências e aos cortes de luz; a
(re)construção da rede rodoviária e das infraestruturas de transportes; a melhoria dos
sistemas públicos de saúde e ensino; o investimento massivo na construção de habitações sociais para acabar com os bairros de
lata insalubres; a reforma da justiça e dos
tribunais e uma nova legislação sobre o financiamento dos partidos e das campanhas
eleitorais, tido como a «mãe de todas as
corrupções», são algumas das reivindicações
mais partilhadas, além, obviamente do
combate à insegurança – quer se trate do
Boko Haram, da pirataria, do banditismo e
da delinquência em geral – que implica a
reorganização, modernização e formação
das forças armadas e policiais.
Para reconstruir a nação, como prometeu o Presidente eleito, é preciso uma renovação da classe dirigente, pelo que as negociações em curso para o preenchimento dos
mais altos cargos e a migração de muitos dos
quadros do PDP para o campo vencedor
são observados com preocupação. Buhari
assegura que já escolheu de longa data os
membros do governo e os seus mais diretos
colaboradores, pelo que os apoiantes da 25.ª
hora não devem esperar conservar os atuais
cargos.
Uma das principais falhas da «primeira
transição» foi ter deixado intactas as redes
clientelistas urdidas à volta dos generais que
integraram as sucessivas juntas militares.
Buhari foi um deles, conhece os meandros
do sistema e é uma das razões pelas quais os
nigerianos decidiram confiar nele. Mas,
como dizia um dos seus apoiantes, na noite
da vitória, «se nos dececiona como Obasanjo e Jonathan, mandá-lo-emos embora.
Agora, sabemos como o fazer».
África21– maio 2015
31
angola
Confrontos ocorridos no mês passado entre a seita religiosa
denominada «Sétimo Dia - A Luz do Mundo» e a polícia, no
centro-sul do país, estão a suscitar um debate altamente nervoso
sobre as possíveis conotações políticas desses acontecimentos.
Setores oficiais e da oposição acusam-se uns aos outros, o que
leva alguns, exageradamente ou não, a temer o pior.
Carlos Severino
Fanatismo religioso
ou tentativa
de desestabilização?
A
16 de abril, nove polícias foram
assassinados na Serra do Sumi, a
25 km do município da Caála,
província do Huambo (centro de Angola),
quando tentavam fazer cumprir um mandado de captura emitido contra Julino Kalupeteka, líder da seita ilegal «Sétimo Dia A Luz do Mundo», uma dissidência da
Igreja Adventista do Sétimo Dia, por desacatos ocorridos no mês anterior na província do Bié (centro-sul).
Uma semana antes desse dia, uma dezena de agentes da ordem já tinha ido à Serra
do Sumi a fim de impedir a realização de
um culto por parte desta seita, o qual, segundo alegaram as autoridades, não tinha
quaisquer condições higiénicas e alimentares, mas foram recebidos com catanas, enxadas e mocas.
A seita está proibida de exercer qualquer atividade desde o início de 2014, mas,
apesar disso, em março deste ano, mobilizou 800 pessoas no município da Caála,
convencendo-as a abandonar as suas casas e
a acampar em áreas distantes das localidades, sem as mínimas condições de sobrevivência. A mesma alega que o fim do mundo
está próximo, pelo que as pessoas devem
32
maio 2015 –
África21
vender as suas casas, terras de cultivo, animais e outros haveres, pois apenas os pobres
terão acesso ao reino dos céus.
A referida seita também não permite
que as crianças frequentem a escola e aconselha os seus pais a não vaciná-las. É conhecida ainda por destruir os bens públicos. No
ano passado, tinha tentado boicotar a efetivação do censo na província do Huambo,
tendo instado os seus seguidores a evitarem
qualquer contacto com os recenseadores.
Julino Kalupeteka, líder da seita «Sétimo Dia – A Luz do Mundo», já está preso.
Entretanto, o assassinato dos nove agentes
da polícia a 16 de abril, assim como a morte
de treze civis ocorrida no mesmo dia, na sequência da reação das autoridades locais,
provocaram uma grande comoção entre a
população da região e do resto do país.
Porém, mal havia começado o debate
sobre a natureza dos acontecimentos, a politização e a partidarização instalaram-se. Nos
dias seguintes, a troca de acusações entre o
Governo e a oposição, em particular a UNITA, dificultou qualquer posicionamento
mais sereno e objetivo. A grande exceção foi a
mensagem do Presidente José Eduardo dos
Santos à nação no dia 20 de abril (ver caixa).
«Outras forças»
O tom foi dado a 18 de abril pelo Bureau
Político do MPLA, que não hesitou em
afirmar que «por trás destes factos estão outras forças, que pretendem criar condições
para um retorno a situações de perturbação
generalizada». Em comunicado distribuído
à imprensa, o partido no poder denunciou a
existência de grupos que, «a coberto de
princípios ditos religiosos, pretendem alterar a ordem pública em Angola, principalmente nas províncias do Huambo, Benguela, Bié e Cuanza Sul».
O MPLA não identificou essas «outras
forças», mas, a 19 de abril, a polícia da província do Bié tornou público que tinha encontrado material de propaganda da UNITA, o segundo maior partido do país, num
dos locais de reunião da seita «Sétimo Dia –
A Luz do Mundo». Material idêntico foi
encontrado na Serra do Sumi, segundo informou, nesse mesmo dia, a delegação oficial
que visitou o local. O governador provincial
do Huambo, Kundi Paihama, comentou:
«Temos políticos que incitam à desobediência civil e ao incumprimento das leis. Todos
sabemos quem são». Paihama não os mencionou, mas precisava de fazê-lo?
FERNANDO CUNHA/JORNAL DE ANGOLA
Cerimónias fúnebres dos polícias mortos nos confrontos com A Luz do Mundo
A mensagem do Presidente José Eduardo
dos Santos à nação a propósito dos acontecimentos da Serra do Sumi não faz quaisquer insinuações ou acusações veladas acerca da provável cumplicidade entre forças
políticas oposicionistas e a seita liderada por
Julino Kalupeteka. Entretanto, na mesma
edição em que publicou a mensagem presidencial (21 de abril), o Jornal de Angola
(governamental), em artigo assinado por
Álvaro Domingos, acusou diretamente os
líderes da UNITA e da CASA-CE, respetivamente Isaías Samakuva e Abel Chivukuvuku, de serem os autores morais dos crimes
contra os agentes da Polícia Nacional na
província do Huambo.
Também nesse dia, o governo da província do Huambo abriu (quase) completamente o jogo, afirmando que a seita tem um plano político «bem orquestrado e orientado
com muitos traços que identificam a atuação
política da UNITA». As autoridades locais
acrescentaram que os cidadãos mobilizados
pelas seitas têm sido levados para antigas bases militares da referida organização, durante
a guerra civil terminada em 2002.
A UNITA não ficou silenciosa. No dia
22 de abril, o seu secretariado provincial no
Huambo desmentiu veementemente quaisquer ligações com aquela seita e o seu líder,
acusando, em troca, os responsáveis do
MPLA na província de terem apoiado estes
últimos no passado. Segundo a direção local
da UNITA, o governo da província teria
feito ouvidos moucos às denúncias do
maior partido da oposição, em 2013 e
2014, acerca das atividades criminosas da
seita na região.
O secretariado-geral da UNITA foi
ainda mais longe e, nesse mesmo dia, em
conferência de imprensa realizada em Luanda, acusou o MPLA de ter utilizado Julino
Kalupeteka para fazer campanha contra
aquele partido em 2012. Para a direção
central do segundo maior partido angolano,
a resistência armada dos membros da seita
«Sétimo Dia – A Luz do Mundo» concentrados na Serra do Sumi contra as forças
policiais que se deslocaram ao local com
uma ordem judicial para deter o seu líder
foram «uma onda de violência localizada
envolvendo cidadãos angolanos que estavam num retiro ou acampamento religioso
(...), da qual pereceram agentes da polícia».
Depois de ter acusado ainda o Executivo de «utilizar os acontecimentos da Serra
do Sumi (...) como desculpas para impedir a
realização de manifestações políticas» no
país, o secretariado-geral da UNITA afirmou que, na sequência dos mesmos, morreram mais de 700 civis e não apenas treze,
como diz a versão oficial dos factos.
«O que se passa na província do Huambo é um autêntico terror, uma chacina, um
genocídio», não hesitou a UNITA em acusar, na conferência de imprensa de 22 de
abril na capital angolana. Dramática e cinematograficamente, acrescentou que «do km
25 em direção à comuna do Kuima, estão
aglomeradas crianças ao longo do asfalto, já
sem os seus pais, porque ficaram órfãos».
As unidades militares estacionadas no Huambo, diz a UNITA, sem, contudo, apresentar
quaisquer evidências, «estão envolvidas na
missão de ceifar mais vidas humanas».
O único partido da oposição que corroborou essas acusações extremas, pelo menos
até ao fecho desta edição, foi o Bloco Democrático. Para esse pequeno partido, originário da extrema-esquerda angolana, assiste-se no país, presentemente, «a assassinatos
em massa, torturas, perseguições e prisões»,
de que, entretanto, não apresenta um único
exemplo.
Quer para a UNITA quer para o Bloco
Democrático, o tratamento oficial aos acontecimentos da Serra do Sumi constitui uma
tentativa de desviar a atenção da população
da suposta incapacidade do governo de resolver os problemas do país. Assim, enquanto o primeiro afirma que «os preços sobem
todos os dias, o kwanza [moeda nacional]
baixa todos os dias, os níveis de desemprego
sobem todos os dias, o sistema bancário falha todos os dias e a corrupção aumenta todos os dias», o segundo conclui que «o país
vive um descontentamento inigualável».
Não é isso, porém, o que se sente nas ruas,
embora haja muitas críticas entre os cidadãos aos problemas da governação.
Apelos e coincidências
O clima de ataques mútuos entre o governo
e a oposição, em especial a UNITA, a propósito dos confrontos entre a seita «Sétimo
Dia – A Luz do Mundo» e as forças policiais
está a preocupar vários setores da sociedade,
que têm apelado à calma e à ponderação.
A mensagem de maior impacto nesse
sentido foi a da Igreja Católica, que, pela voz
África21– maio 2015
33
UNITA diz que está a ocorrer
um genocídio no Huambo
de Julino Kalupeteka, para que os seus atos
não se tornassem motivo de crítica, quer
nacional quer internacionalmente.
Entretanto, o conhecido jornalista Ismael Mateus, outra personalidade bastante
interventiva da sociedade civil, em especial
nas redes sociais, também criticou os dirigentes da UNITA que espalharam a tese do
«genocídio». Escreveu ele na sua página do
Facebook: «Acho que um caso desta natureza não deveria ser tratado [pela UNITA] no
Facebook ou na imprensa. Está demasiado
em jogo, muito, mesmo, para que se usem
esses assuntos para jogadas políticas».
O jornalista criticou igualmente as referências oficiais – que considerou «evitáveis»
FRANCISCO BERNARDO/JORNAL DE ANGOLA
proceder a um «genocídio» na província do
Huambo. Quem o fez foi o professor de
Comunicação Celso Malavoloneke, colaborador regular do Semanário Angolense, para
quem as declarações do maior partido da
oposição «começam a atrair as suspeitas sobre si própria».
Em artigo publicado no dia 25 de abril,
o académico – que é uma das figuras mais
ativas da sociedade civil no debate político
em Angola – fez notar que a declaração da
UNITA de que a polícia teria morto 700
pessoas na Serra do Sumi é baseada em
fontes «extremamente fracas» e não foi verificada. Depois de assinalar que a mesma foi
feita antes da anunciada deslocação de um
grupo de parlamentares da UNITA à Caála,
a fim de recolher informações in situ, Malavoloneke verberou também o facto de o
maior partido da oposição a ter repassado a
MOTA AMBRÓSIO/JORNAL DE ANGOLA
JOSÉ COLA/JORNAL DE ANGOLA
do arcebispo de Saurimo e porta-voz da
Conferência Eclesiástica de Angola e São
Tomé e Príncipe (CEAST), D. José Manuel
Imbamba, declarou: «Estamos a notar que há
um certo nervosismo no discurso político,
uma certa precipitação, uma certa arrogância
e uma certa politização de tudo aquilo que
acontece no país, e achamos que esta maneira
de proceder cria também, de per si, um certo
nervosismo no discurso social, no discurso do
cidadão, alguma impaciência e também alguns ressaibos de violência solta».
D. Imbamba, aparentemente, dirigiu-se
apenas ao Executivo, que responsabilizou
por aquilo que chamou a «anarquia religiosa» existente, segundo ele, no país. A mesma,
acrescentou, chegou onde chegou por «falhas de estratégia» por parte das autoridades.
Os números parecem dar razão a essa autoridade da Igreja Católica em Angola, pois, de
D. José Manuel Imbamba
Kundi Paihama
Isaías Samakuva
acordo com o Ministério da Cultura – órgão
que supervisiona o funcionamento das igrejas –, existem 1200 organizações religiosas
não autorizadas no país, mas que, apesar
disso, continuam a funcionar regularmente.
Entretanto, o posicionamento da Igreja
Católica não está isento de um certo «interesse não declarado». Com efeito, ao falar
no «absolutismo da liberdade religiosa» que
grassará perante a indiferença das autoridades, D. José Manuel Imbamba deixou escapar a preocupação da principal confissão do
país com o crescimento de outras igrejas e
seitas religiosas, sobretudo pentecostais e
sincréticas. Nos últimos tempos, tem havido um relativo esvaziamento da Igreja Católica a favor dessas novas crenças.
Por outro lado, em momento algum o
porta-voz da CEAST questionou ou criticou as acusações extremas da UNITA, segundo as quais as autoridades estarão a
algumas embaixadas estrangeiras em Luanda, sem qualquer comprovação.
O colaborador do Semanário Angolense
criticou amplamente a maneira como as
autoridades estão a gerir os acontecimentos
da Serra do Sumi, sobretudo no plano da
comunicação, mas a sua principal conclusão
não deixa bem na fotografia o maior partido
da oposição. «Parece que a UNITA já sabia
o que iria acontecer e tinha um plano de
disseminação já engatilhado», escreveu ele.
Tal conclusão, note-se, coincide com a
observação das autoridades da província do
Huambo, segundo as quais foram dadas
ordens à polícia para não reagir desmesuradamente às agressões dos membros da seita
– aos materiais de propaganda da UNITA
alegadamente encontrados nos acampamentos da seita. Para ele, e uma vez que os
acontecimentos da Serra do Sumi estão
ainda em fase de investigação, esse tipo de
detalhes não deveria ser fornecido ao público antes de ser devidamente esclarecido.
«Mesmo que seja verdade, politizar a questão não é inteligente», acrescentou.
Ismael Mateus terminou o seu posicionamento no Facebook sobre este assunto
com um apelo pungente: «Não sou ninguém para pedir isso, mas, se alguém me
quiser ouvir, peço alguma serenidade. Calma. Nada de precipitações e de rápidas
conclusões».
De um modo geral, os cidadãos mais
ativos e sem vínculos partidários formais
insistem em caracterizar os acontecimentos na Serra do Sumi como um mero
«caso de polícia». A imprensa – exceto os
34
maio 2015 –
África21
Setores oficiais acusam
seita A Luz do Mundo
de estar ao serviço da UNITA
ROGÉRIO TUTI/JORNAL DE ANGOLA
Abel Chivukuvuku
ram desmobilizados após o fim da guerra a
viver em fazendas dirigidas por ex-oficiais
da organização, hoje transformados em
proprietários agrícolas. Segundo a fonte,
tais fazendas estão espalhadas um pouco
por todo o país. A mesma acrescentou que
as autoridades seguem a atividade dessas
fazendas com preocupação.
Por todos esses motivos, várias vozes,
de todos os quadrantes, pedem uma investigação célere para esclarecimento cabal
dos factos relacionados com a seita «Sétimo Dia – A Luz do Mundo» e, em particular, os acontecimentos de 16 de abril na
Serra do Sumi. Com ou sem «mão invisível», contudo, a seita liderada por Julino
Kalupeteka pode ter os dias contados, a
avaliar pelas declarações do comandante
nacional da polícia angolana, Ambrósio de
Lemos, que, sem medo das palavras, prometeu «destroçá-la».
Uma ameaça à paz
e à unidade nacional
FRANCISCO BERNARDO/JORNAL DE angola
órgãos estatais, ligados ao Governo, e a
Rádio Despertar, propriedade de uma
empresa da UNITA – adotou, até agora,
o mesmo posicionamento.
A memória da guerra recente explica
essa atitude quase instintiva. Contudo, certas coincidências e sinais impõem-se por si
próprios. Se o material de propaganda da
UNITA encontrado, segundo as autoridades, nos locais de reunião da seita «Sétimo
Dia – A Luz do Mundo» pode, em tese, ter
sido plantado, como defende o maior partido da oposição, já o facto de o acampamento daquela na Serra do Sumi ser uma
antiga base militar da antiga organização
chefiada por Jonas Savimbi constitui uma
coincidência perturbadora.
A propósito, um dirigente do MPLA
disse à África21 que a UNITA manteve a
maioria dos seus antigos militares que fo-
A propósito dos graves acontecimentos
relacionados com a seita «A luz do
mundo», o Presidente José Eduardo dos
Santos, pronunciou-se a 20 de abril,
com a seguinte mensagem:
José Eduardo dos Santos
“Um triste acontecimento teve lugar
no país na semana passada. Um grupo de
fiéis da Igreja Adventista do Sétimo Dia
abandonou a sua congregação e decidiu
criar uma seita religiosa denominada «A
luz do Mundo».
O grupo abandonou também a doutrina social da sua antiga igreja, que é
baseada nos Mandamentos da Lei de
Deus e noutros princípios da Bíblia Sagrada, e formulou a sua própria doutrina
com base no fanatismo religioso, no ódio
em vez do amor ao próximo, na divisão e
na mentira, com o propósito de não respeitar a autoridade do Estado e de promover
a anarquia.
Essa doutrina fomenta a desintegração da sociedade e a separação das famílias, estimula o pecado e é contra os valores, os princípios morais e cívicos e os usos e
costumes do povo angolano. A seita «A luz
do Mundo» é, de facto, uma ameaça à paz
e à unidade nacional.
Os seus mentores dizem que o mundo
vai acabar em 2015 para assustar as pessoas, porque a Bíblia Sagrada não fixou
nenhuma data para o mundo acabar.
Dizem também que as famílias devem
vender os seus bens, em particular as suas
casas, abandonar as aldeias e vilas e viver
nas montanhas e florestas.
Isto é, na realidade, um atentado à
vida e ao bem-estar das pessoas, que ficam
privadas de abrigo face às intempéries, de
cuidados médicos e de condições para a
educação dos seus filhos. É um regresso
inaceitável à vida primitiva, é uma violação grave dos direitos dos cidadãos estabelecidos na Constituição e uma perturbação da ordem social aí definida.
A Procuradoria-Geral da República, o Ministério do Interior e a Polícia
Nacional tomaram, em tempo oportuno
e em conformidade com a Lei, as medi-
das pertinentes para pôr termo às atividades ilegais e aos desacatos dos responsáveis da seita «A luz do Mundo» nas
províncias da Huíla, Bié, Huambo,
Benguela e Cuanza Sul.
A reação violenta do chefe da seita e
dos seus colaboradores mais próximos, que
assassinaram os agentes da autoridade do
Estado, demonstra que estamos diante de
indivíduos perigosos que devem ser todos
rapidamente capturados e entregues à
justiça.
A ação dos órgãos de Defesa, Segurança e Ordem Interna vai continuar
com o mesmo vigor para desmantelar
completamente essa seita e, nesse sentido,
apela-se ao apoio e colaboração de toda a
população.
Devemos render uma profunda homenagem a todos os oficiais e agentes da
Polícia Nacional que com coragem e determinação sacrificaram as suas vidas no
cumprimento do dever, quando foram
cobardemente assassinados pelos responsáveis da seita «A luz do Mundo».
Por essa razão, deve-se promover ao
grau imediatamente superior e a título
póstumo estes bravos oficiais, organizando
funerais com dignidade e dando todo o
apoio necessário às famílias enlutadas.
Por outro lado, é necessário que o
Governo promova, com o apoio da Sociedade Civil e das Igrejas, uma ampla
campanha de educação para a ressocialização e integração de todos os cidadãos que
foram enganados em outras vilas e aldeias
ou nas suas terras de origem. O Governo
deverá mobilizar os meios necessários para
apoiar as províncias atingidas por este
fenómeno.
Importa, pois, que a Polícia Nacional
e os outros Órgãos de Defesa e Segurança
reforcem a vigilância e a ação para garantir a paz e a tranquilidade das pessoas”.
África21– maio 2015
35
a opinião de alves da rocha
Os optimistas, os pessimistas
e os outros
[email protected]
Hoje, o país enfrenta provavelmente a pior crise depois de alcançada a
paz. O financiamento da diversificação acaba por estar entalado entre
a falta de uma estratégia clara (como existia nos países de sucesso) e a
carência de financiamentos, pois mesmo o investimento estrangeiro está
a deixar de considerar Angola um país bom para se investir, atendendo
aos riscos envolventes, presentes e futuros.
N
Professor Associado da Universidade
Católica de Angola
Alves da Rocha escreve de acordo
com a antiga ortografia
36
maio 2015 –
o seu discurso de final de ano, o Senhor
Presidente da República aludiu uma vez
mais à necessidade de se gerir as finanças públicas
de uma forma que talvez até este momento o não
tenham sido. Referiu-se em particular aos gestores
públicos, quem directa e imediatamente tem a
responsabilidade de verificar a conformidade dos
gastos com as regras, normas e procedimentos
aprovados pela Assembleia Nacional. Mas os gestores executam ordens dos seus superiores, não
podendo, em circunstância nenhuma, invocar autonomia, independência ou isenção que não possuem. São meros executores de orientações superiores. Consequentemente, devem ser todos os
membros do Governo os primeiros a darem provas de consistência nas suas declarações de austeridade, de disciplina no uso dos bens e dinheiros
públicos, de patriotismo nas propostas de repartição de sacrifícios, de capacidade de presciência
face a ambientes adversos e de competência técnica na condução das políticas públicas.
Face às adversidades e desafios até, pelo menos, 2020, acções como a Reforma Tributária em
curso (visando principalmente aligeirar o peso
exagerado da tributação petrolífera nas finanças
públicas e encontrar novas fontes de dinheiros
públicos) e outras devem começar a ser equacionadas com o propósito de tornar o exercício de gestão das finanças públicas e da economia em geral
(eficiência, equidade, solidariedade) mais assertivo
e menos atreito à ocorrência de factores externos.
É tempo de se começar a equacionar a aplicação de um imposto progressivo sobre as fortunas
existentes, a maior parte de origem duvidosa.
África21
Thomas Pikett (Capital in Twenty-First Century,
Harvard University Press, 2014) demonstra as
virtualidades deste tipo de imposto sobre o reequilíbrio social da riqueza e do rendimento, a criação
de um poder de compra necessário para a sustentabilidade do crescimento e a melhoria na distribuição dos frutos do crescimento entre capital e
trabalho. Seria uma prova consistente com declarações políticas a favor da equidade social e económica e em pouco beliscaria a perspectiva estratégica de criação de um poder económico angolano
forte e capaz de concorrer com as corporações estrangeiras interessadas em Angola.
O tempo das vacas gordas
É tempo de regressarem ao país os capitais nacionais
que «fugiram» no tempo das «vacas gordas», para
serem investidos na agricultura e na indústria transformadora. Este repatriamento de capitais privados
nacionais seria um bom sinal de patriotismo da
parte dos seus proprietários e uma manifestação
concreta de confiança na economia nacional.
Não se deve deixar apenas aos investimentos
estrangeiros a manifestação dessa confiança, sob
pena de se criar um fosso dentro das forças produtivas da nação. Aliás, o investimento estrangeiro
normalmente só procura boas/excelentes oportunidades de se reproduzir, propiciando lucros crescentes e oportunidades concretas de regresso aos
países e economias de origem (que vão estar muito
limitadas em Angola até 2020 com a queda brutal
das reservas internacionais líquidas do país).
Preocupações quanto à diversificação, ao pagamento de salários economicamente compatíveis
MIQUEIAS MACHANGONGO/JORNAL DE ANGOLA
É tempo de
regressarem ao
país os capitais
nacionais que
«fugiram» no
tempo das «vacas
gordas», para
serem investidos
na agricultura
e na indústria
transformadora
com a criação de um nível crítico de procura nacional endógena, à partilha de know-how e apoio na
criação de know-how nacional próprio, à inserção
da economia angolana nos mercados internacionais
através da divisão das suas quotas são inexistentes ou
muito pouco representativas e com real e efectivo
significado. Face à redução das receitas externas em
divisas, à ocorrência de défices fiscais expressivos até
ao final desta década (que vão provocar atrasos nos
pagamentos das obras públicas, passadas, presentes
e futuras), à elevação das taxas de juro nos mercados
financeiros internacionais, ao ajustamento em baixa
das taxas de crescimento económico (com um preço actual do barril de petróleo a 50 dólares, a taxa
média de crescimento do PIB poderá situar-se em
4%1) e a revisão da classificação de risco do país, é
de se esperar uma retracção significativa nos fluxos
de investimento estrangeiro. Mesmo no sector do
petróleo, as companhias estrangeiras terão de cortar
os investimentos que provavelmente constavam das
suas carteiras para Angola. A exploração em águas
profundas tem custos só compatíveis com um preço
internacional do petróleo entre 80 e 100 dólares.
Como as reservas angolanas on shore, associadas a
um custo de exploração talvez próximo do da Arábia Saudita, são proporcionalmente muito mais
Em 2009 e 2010, para um preço médio de 60 dólares
o barril, a taxa média de variação do PIB foi de 3%.
A diferença é explicada pela maior influência do sector não
petrolífero.
1.
pequenas do que as do off shore, o problema angolano deixará de ser apenas de preço, passando a ser
igualmente de quantidade (quais as reservas provadas de petróleo a baixa profundidade?). Por tudo
isto é que é tempo dos capitais angolanos emigrados
regressarem.
Não se trata de classificar quem se preocupa com
a situação económica e social de Angola e dos nossos
irmãos de pessimistas. O passado conta, sempre
contou e sempre contará como um laboratório de
experiências e de ensinamentos fundamentais para se
colocar os países numa rota de crescimento equitativo e de repartição justa e racional dos rendimentos e
da riqueza. O passado conta inclusivamente para se
encontrarem responsáveis pelo aconselhamento incorrecto sobre os fenómenos económicos e sociais,
causas e possíveis efeitos. Felizmente o Presidente
José Eduardo dos Santos desta vez não deu ouvidos
aos chamados optimistas que na crise financeira internacional sugeriram que Angola passaria ao lado
das suas consequências perversas e que ainda hoje se
sentem os seus efeitos.
Em 2009 a revisão do Orçamento de Estado só
foi feita a meio do ano. Agora, o Chefe de Estado
teve uma total percepção da dimensão da crise e a
revisão do OGE de 2015 fez-se de imediato, tornando-o mais realista e mais adequado à realidade.
Isto é realismo e por aqui também alinham muitos
comentadores, articulistas, intelectuais e investigadores. Estes são os realistas. Estes são os outros.
África21– maio 2015
37
guiné - bissau
Governo tenta pôr ordem
na exploração da madeira
As autoridades travam uma luta feroz e incerta contra poderosos
interesses instalados no setor da madeira, que prosperaram à
sombra do regime golpista (2012/14) e graças ao dinheiro de
operadores chineses
Almami Júlio Cuiaté
N
a primeira semana de abril a
pacata capital da Guiné-Bissau
foi agitada pela notícia de que
uma comitiva governamental, conduzida pelo primeiro-ministro Domingos Simões Pereira, tinha-se deslocado ao porto da
cidade para impedir a saída, sem autorização
legal, de mais de 200 contentores de madeira
num navio da Maersk Line.
Esta decisão sem precedentes, que
equivale a uma autêntica declaração de
guerra ao comércio ilegal da madeira, foi
explicada por uma fonte oficial pela necessidade de evitar a todo o custo que o Executivo fosse desautorizado. Com efeito,
dois dias antes, as autoridades tinham decretado uma moratória de cinco anos para
o corte de árvores nas florestas do país, e
aproveitar este espaço de tempo para
reflorestar.
Desde 2014 que esta atividade, que
movimenta cerca de 15 mil pessoas, estava
oficialmente suspensa, assim como a exportação de troncos de madeira. O objetivo é que se cumpra as normas científicas e
as regras administrativas, por um lado, e
fomentar a transformação e criação de
emprego local, por outro lado. Desde essa
data foram confiscados mais de 100.000
toros de madeira, espalhados pelas matas
do território, e que segundo o Governo
foram cortados de forma abusiva e massiva
nos últimos dois/três anos e que aguardam
uma decisão oficial sobre o seu destino.
Apesar destas medidas, destinadas a acabar
com aquilo que as organizações ambientalistas locais qualificaram de «vandalismo
38
maio 2015 –
África21
ecológico», a exploração incontrolada da
madeira e sua exportação continuaram nas
barbas do Estado.
A confiscação provocou a cólera dos
operadores do setor madeireiro, que têm
nos bastidores a cumplicidade de poderosos lobbies internos. Os madeireiros tentaram opor-se à confiscação das madeiras
com declarações incendiárias nos meios
de comunicação, ameaças de queimar os
troncos de madeira ou de atacar os camiões alugados pelo Governo para recolher os troncos dispersos pelas florestas.
Recentemente, solicitaram a intervenção
do Parlamento e do Chefe de Estado.
Também exigem indemnizações, alegando que tinham licença de exploração e
pagaram as taxas de exportação e outras
imposições legais.
A embaixada da China em Bissau
também se juntou ao coro de protesto dos
madeireiros, opondo-se, numa carta dirigida às autoridades, à imposição de novas
taxas aos operadores chineses, com o argumento de que já tinham sido tributados no
regime de transição que precedeu o atual
governo resultante das eleições gerais de
abril/maio de 2014.
Os parceiros chineses
Pouco mais de meia centena de guineenses
estão no negócio da madeira. Em abril
circulou uma lista com os nomes de alguns. Destes, muitos são testas de ferro de
altas figuras civis e militares que preferem
não dar a cara. Uma escassa minoria são de
facto madeireiros, com serração e atividade
mínima de transformação. Outros são
proprietários de terra, que atraídos pelo
lucro fácil, autorizam o abate de árvores
nos seus terrenos, sem replantação.
Não é segredo para ninguém que é o
dinheiro estrangeiro, sobretudo chinês,
que movimenta o corte e a exportação da
madeira, da mesma maneira que é o capital
indiano que sustenta as campanhas da
castanha de caju. Presentes há várias décadas no setor das pescas, há cerca de cinco
anos ou mais que os chineses viraram
igualmente as atenções para as florestas
guineenses. Admite-se que a entrada dos
negociantes chineses nas matas foi justificada às populações locais pela necessidade
de vender madeira para pagar o fardamento dos militares, e para criar condições de
segurança e tranquilidade no país. A exportação de troncos de madeira guineense,
cortados por motosserras chinesas, terão
servido também para financiar a campa-
Desde 2010 até hoje foi exportada mais madeira do que em 200 anos desta antiga colónia portuguesa
Os madeireiros exigem
indemnizações, alegando
que têm licença de
exploração e pagaram as
taxas de exportação
nha eleitoral de um dos candidatos às últimas eleições presidenciais.
Em 2013 e 2014 houve inúmeras
manifestações de protesto de jovens de
comunidades rurais contra o abate descontrolado de árvores, tanto no Sul como
no Leste do país, tendo por alvo os chineses ou seus intermediários. As organizações ambientalistas também alertaram
para a gravidade da situação. Com efeito,
além do impacto ambiental, a deflorestação tem sérias consequências sociais e
económicas, uma vez que o sustento, a
saúde e a sobrevivência da maioria dos
guineenses repousa nos variados recursos
que tira da floresta.
Em meados do ano passado, um relatório das Nações Unidas deu conta do
aumento exponencial das exportações de
espécies valiosas de madeira guineense
para a China. Nessa altura, para serenar
os ânimos, o embaixador chinês em Bissau, Hwang Hua, veio a terreiro argumentar que os seus compatriotas não
participam no corte de árvores e só estavam na comercialização. Mas hoje há fotografias que comprovam a presença de
chineses nas áreas de corte, sob proteção
de militares. Em Cossé, uma localidade
da Região de Bafatá, há imagens de chineses num quartel a manipular uma mini-serração móvel para limar arestas de
troncos, a fim de acomodá-los em contentores para exportação. Há também relatos de chineses que prosperaram graças
à exportação de madeira guineense. Um
deles, conhecido por Liu, é descrito com
um multimilionário.
O Governo, no entanto, parece decidido a fazer cumprir a lei, que desde 2008
proibia a exportação de madeira sem ser
processada, o que não impediu a saída
fraudulenta desta matéria-prima, privando
os cofres públicos de receitas na ordem de
dezenas de milhões de dólares. Um especialista desta área indica que o modus operandi de muitos dos ditos madeireiros
consiste em usar falsas autorizações de
corte de madeira ou fotocópias de antigas
autorizações de outrem, assim como subornar pessoas nos vários níveis da cadeia.
Na exportação, a norma era pagar um
contentor e exportar dezenas sem gastar
um tostão. Estima-se que de 2010 até hoje,
foi exportada mais madeira do que em 200
anos desta antiga colónia portuguesa.
Sinal da determinação governamental
em pôr ordem no setor da madeira, foi a
recente suspensão do diretor-geral da Floresta e Fauna, entidade responsável pela
concessão de licenças de exploração de
madeira. Contudo, espera-se que outras
cabeças possam rolar, noutros serviços,
nomeadamente na Guarda Nacional, força
paramilitar encarregada de fiscalizar a exploração da floresta, suspeita de ser vulnerável a subornos por parte de alguns operadores do sector. O Ministério Público
iniciou investigações e tem vindo a interrogar uma data de indivíduos. Mas alguns
analistas duvidam que este processo possa
ser levado até ao fim, devido aos enormes
interesses em jogo.
Entretanto, outro motivo que poderá
levar as autoridades a manter a pressão sobre
o tráfico de madeira é a preocupação de
respeitar o compromisso de tornar a defesa
da biodiversidade a pedra angular das políticas públicas em todas as áreas de atividade.
Esta garantia vem no plano estratégico do
país para os próximos dez anos, apresentado
na mesa-redonda com os doadores no passado mês de março em Bruxelas. Na ocasião, Bissau obteve a promessa de apoios financeiros e investimentos na ordem dos 1,2
mil milhões de dólares. Alguns dos parceiros, como a União Europeia, poderão condicionar o desbloqueamento desses fundos
à implementação de políticas coerentes em
matéria ambiental.
África21– maio 2015
39
cabo verde
Caminhos para descentralizar
Sem compromissos nem consensos definidos. Assim terminou
a Cimeira da regionalização que reuniu diversos especialistas na
Cidade da Praia. Os cabo-verdianos pedem um alargamento do
debate sobre um tema que não consideram prioritário.
Natacha Mosso PRAIA
U
m estudo sobre a qualidade
da democracia e da governação
em Cabo Verde revelou que o
tema da regionalização divide os cabo-verdianos. Na verdade, cerca de metade
dos inquiridos do estudo diz querer ver a
questão, que está na agenda política do
país há vários anos, ser estendida ao
maior número possível de cidadãos.
Muitos consideram ainda que a matéria
não é prioritária nem consta da lista das
principais preocupações dos cabo-verdianos onde se destacam o desemprego,
a criminalidade e a insegurança.
Alguns dos participantes na cimeira
da regionalização, realizada em abril,
entendem que é chegada a hora de o país
dar um salto em frente em matéria de
organização do Estado. A matéria deve,
DR
José Maria Neves
defende um modelo
de municípios
com mais poderes
e mais recursos
40
maio 2015 –
África21
no entender de muitos especialistas, ser
tratada com maior acuidade uma vez
que a regionalização obriga a uma profunda reforma do Estado e exige recursos que o país, por agora, não possui.
O primeiro-ministro recordou que o
processo histórico de desenvolvimento
de Cabo Verde foi sempre realizado
numa perspetiva progressista e com base
em reformas. José Maria Neves considera necessário e oportuno a retoma do
debate e chamou a atenção para a necessidade de se encontrar os modelos e níveis de descentralização e de desconcentração para se responder às reivindicações
novas e emergentes dos cabo-verdianos.
«O modelo de regionalização dependerá dos consensos que forem partilhados pela sociedade cabo-verdiana. Te-
mos de discutir, ver a nossa capacidade
de financiamento, os mecanismos de
desenvolvimento, particularmente o local e regional, e ver também o nível de
exigência das pessoas em termos de
acessibilidade aos serviços públicos e a
celeridade na prestação desses serviços»,
defendeu José Maria Neves. O primeiro-ministro disse também que qualquer
tipo de regionalização no país será a
prazo, uma vez que a Constituição não
confere alternativas, prevendo apenas
regiões planas ou administrativas. Neves
entende que os arranjos institucionais
que devem ser feitos terão, sobretudo, de
melhor servir os cidadãos e contribuir
para que estes tenham melhor qualidade
de vida, mais bem-estar e acesso a serviços públicos de forma eficiente e mais
eficaz.
Argumentos e mais argumentos
Será pela via da desmaterialização e da
desterritorialização dos serviços, com recurso às tecnologias informacionais?
Será mediante a criação de espaços de
planeamento estratégico e de articulação
e de integração de políticas e de ações,
por meio de mobilização de recursos
institucionais, humanos e financeiros de
uma ou mais ilhas, para criar fortes dinâmicas de crescimento e de desenvolvimento sustentável? Será através do reforço do municipalismo, com mais poderes
e mais recursos aos municípios, ou será
pela via da regionalização administrativa? Que mecanismos de financiamento
de desenvolvimento local e regional devem ser criados? Foram estas algumas
das questões levantadas pelo chefe do
Governo, antes de propor o que entende
ser importante na descentralização. Neves defende um modelo de municípios
com mais poderes e mais recursos.
«Podemos ter autarquias inframunicipais e criar espaços de integração e articulação de políticas e planeamento estratégico ao nível de cada uma das ilhas
para aproveitar todas as oportunidades e
fazer crescer o desenvolvimento de cada
uma das ilhas», sublinhou. Todavia, advoga que há aspetos que não podem ser
descurados, nomeadamente: acessibilidade aos serviços, novos mecanismos
para financiamento do desenvolvimento
local e regional e soluções para o reforço
da descentralização e desconcentração
do Estado.
O modelo ilha-região foi defendido
pelo presidente da Associação para a
Regionalização de Cabo Verde Camilo
Abu-Raya afirmou que é preciso ter-se
em conta que cada ilha tem as suas po-
Camilo Abu-Raya
considera que dividir o país
em grupos de ilhas,
como Barlavento
e Sotavento ou Norte e Sul
não é boa ideia
tencialidades, pelo que dividir o país em
grupos de ilhas, como Barlavento e Sotavento ou Norte e Sul não é boa ideia,
tendo em conta os problemas que Cabo
Verde enfrenta com a centralização. «Se
continuarmos a seguir um modelo como
Barlavento, Sotavento, ou regiões Norte
e Sul, iremos continuar com o mesmo
problema do centralismo», advoga Abu-Raya para quem é preciso levar em
conta as condições socioeconómicas e
criar mecanismos para que cada ilha desenvolva as próprias potencialidades.
Ao intervir com o tema «A intermunicipalidade: estratégia para o reforço da
descentralização», o presidente da Câmara Municipal dos Mosteiros (ilha do
Fogo) fez saber que o intermunicipalismo é a forma de organização autárquica
do futuro, argumentando que a cooperação intermunicipal não só ajuda a esbater as assimetrias regionais como amplia
a eficiência e a eficácia das respostas aos
cidadãos no quadro do poder local, sen-
do esta a que maior proximidade tem no
dia-a-dia das pessoas. Para exemplificar a
sua tese, o autarca falou do caso das ilhas
do Fogo e Brava e cuja cooperação intermunicipal tem resultado em setores
como a produção, gestão e distribuição
de recursos hídricos, o saneamento, os
transportes e a cultura.
Para a representante permanente das
Nações Unidas, Ulrika Richardson, a
cimeira sobre a regionalização acontece
num momento oportuno em que o
mundo está a fazer o balanço sobre os
Objetivos do Desenvolvimento do Milénio e defende um processo de regionalização bem definido, baseado em metas e
assente numa parceria forte entre os poderes centrais e locais e com a participação do cidadão.
O evento, que decorreu em 14 e 15
de abril, contou com a participação de
várias personalidades, entre membros do
governo, autarcas, investigadores, técnicos de diversas áreas, sociedade civil e
organizações internacionais. No final,
foi produzida a Declaração da Praia,
documento no qual o Ministério do
Ordenamento do Território compromete-se a revisitar as produções e contribuições e estimular a continuação da reflexão sobre a temática na assembleia
nacional, assembleias municipais, organizações da sociedade civil e órgãos de
comunicação social.
África21– maio 2015
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maio 2015 –
África21
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Q
O mercado político
e a lei de Gresham
tividade estão à vista de quem quer ver. Pensa-se, no
uando em 1558 Thomas Gresham, brilhante
entanto, que o crescimento económico, o turismo e a
conselheiro económico da rainha Isabel I de Inencomenda de terra encontram no grogue um dos mais
glaterra, afirmou que «a moeda má tende a expulsar a
carismáticos produtos made in Cabo Verde.
moeda boa», não podia ele imaginar o tormento por que
Diplomas em crioulo. É o que o governo propõe
passaria a sociedade cabo-verdiana 450 anos mais tarde.
através da resolução que manda introduzir o crioulo
Mas o que podia a frase significar no século XVI?
em todo o sistema educativo, do básico
Vamos supor que Sua Majestade,
ao superior. A propósito de confiança, o
motivada pela aceleração da atividacidadão pergunta aos seus botões: a rede comercial, pensou em aumentar a
solução é para valer ou para fingir? Valer
quantidade de moeda. A equipa de
não pode, porque a introdução imediata
aconselhamento informou que o
da língua cabo-verdiana no sistema
reino não tinha minas de ouro nem
educativo é uma impossibilidade, simde prata para justificar o fabrico de
plesmente por lhe faltar quase tudo o
moedas com o valor facial igual ao
que é essencial: a padronização através
valor real, mas que era possível pôr
do estabelecimento de regras comuns a
dois tipos de moedas a circular, uma
todos os utilizadores, um alfabeto conboa, com mais metal precioso, e ousensualizado, um programa com explitra má, com menos. Ambas teriam o
[email protected]
citação de significados, métodos, prazos
mesmo valor facial, legal e liberatóe fundos, planos de estudo, manuais, professores.
rio. Eram parecidas, mas desiguais! Analisemos hiNão parece possível ao Estado de Cabo Verde
póteses de aplicação da lei em Cabo Verde.
escolher entre o crioulo e o português a língua da sua
Grogue de açúcar. Aí, os agentes económicos
relação com os cabo-verdianos, no país e no estraniriam guardar as moedas mais pesadas para derreter
geiro. E uma visão incremental e complementar?
e talvez exportar para a venda no estrangeiro a meO crioulo predominaria por muito tempo, como
lhor preço. O resultado seria a substituição da moepredomina, na relação oral. E o português, como
da boa pela moeda má. Mas o que terá a lei de
língua segunda, que ainda não é, no ensino e na esGresham a ver com a aguardente de cana sacarina ou
crita. Não tenhamos dúvidas, os diplomas em
grogue? Comparando os custos e os preços dessa becrioulo seriam varridos do mercado por aqueles com
bida genuína com a bebida feita de açúcar importaum valor real e simbólico mais alto.
do e destilado, também chamada xema ou matchona,
Os bons e os maus no mercado político-partidáas semelhanças com a relação que o mercado não
rio. Enquanto a lei de Gresham domina na econoregulado estabelece entre as moedas saltam à vista.
mia, na educação e na política, a sociedade civil claO grogue verdadeiro é expulso do mercado pelo
ma por mais ousadia e respeito na escolha do futuro
falso, mais barato e mais inseguro, por razão inversa
comum.
das moedas: a boa deixava-se expulsar para se revalorizar e o bom, que é expulso, não é vendido, nem
pode ser eternamente armazenado, desvaloriza-se.
A investigação do projeto Uni-Palavra, da Universidade de Cabo Verde, prova que a produção, a comercialização e os efeitos na economia e na saúde pública
das mixórdias adicionadas ao açúcar importado são
negativos. Por um lado, é inegável o valor da principal
bebida cabo-verdiana na sobrevivência coletiva, formação de capital humano e emprego e, por outro, os malefícios na saúde pública e, por conseguinte, na produ-
Enquanto a lei de Gresham domina
na economia, na educação
e na política, a sociedade civil
clama por mais ousadia e respeito
na escolha do futuro comum
África21– maio 2015
43
são tomé e príncipe
Nacionalidade para cidadãos lusófonos
Até 8 de agosto decorre uma campanha de regularização e
atribuição da nacionalidade santomense a todos os imigrantes
que residiam em São Tomé e Príncipe à data da independência e também aos seus descendentes que após a independência fixaram residência no país, anunciou o ministro da
Justiça e Direitos Humanos, Roberto Raposo
Juvenal Rodrigues SÃO TOMÉ
P
ara alguns juristas esta ação é
ilegal, devido à inexistência de um
diploma que a suporte, mas o diretor dos Serviços de Registo e Notariado discorda. «Foi uma decisão política.
Não é uma questão de base legal ou não.
Isso já está previsto na lei», sublinhou
Adelino Pires do Santos, que também é
jurista, em declarações à África21.
De facto, a Lei da Nacionalidade de
1990 já previa «aquisição por razões históri-
44
maio 2015 –
África21
cas». O artigo 8.º do diploma promulgado
na ocasião pelo Presidente da República,
Manuel Pinto da Costa, diz que «são considerados santomenses todos os estrangeiros
residentes em São Tomé e Príncipe à data
da independência». O Decreto n.º 16 de
fevereiro de 1991 do Conselho de Ministros, presidido pelo então chefe do governo
Celestino Costa, regulamentou a referida
lei, produzindo efeitos «a partir de 28 de
novembro de 1990».
Tudo indica que na época a adesão de
estrangeiros com o perfil previsto na lei não
foi grande, por causa das despesas que acarretava. A maior parte eram os antigos trabalhadores contratados que chegaram ao arquipélago no período colonial e seus
descendentes. Porém, beneficiavam praticamente de todos os direitos, até de voto, com
o seu Bilhete de Identidade azul. Por exemplo, os cabo-verdianos Mário Lopes, António Ribeiro e Pedro Delgado que vivem na
comunidade de Uba Budo, roça a cerca de
7 km da capital, garantiram que com o advento da democracia votaram pelo menos
duas vezes.
Mas «nas eleições presidenciais de 1996,
entre Pinto da Costa e Miguel Trovoada,
que era Presidente da República na altura,
ele proibiu que os cabo-verdianos votassem», recordou Mário Lopes. «Em 1986,
quando Pinto da Costa era Presidente da
República, tivemos facilidade de ir para
Cabo Verde. A passagem de avião custou 13
mil dobras. Por causa dessa possibilidade,
na campanha para as presidenciais surgiu
essa ignorância. Miguel Trovoada pensou
que os cabo-verdianos iriam votar a favor de
Pinto da Costa e do MLSTP e cortou.
Desde aquela altura, nenhum cidadão cabo-verdiano votou», acrescentou, por sua vez,
António Ribeiro.
O Diálogo Nacional, em março
de 2014, recomendou a
atribuição da nacionalidade
santomense aos cidadãos
dos PALOP residentes no país
à data da independência
Presidenciais de 2016
Para vários observadores, a forma como a
gestão do processo está a ser feita, faz parte
da campanha do primeiro-ministro Patrice
Trovoada para as presidenciais de 2016.
De salientar que o Diálogo Nacional
realizado em março de 2014 recomendou
que «sejam agilizados os processos burocráticos para a atribuição de nacionalidade
santomense aos cidadãos dos países africanos de língua oficial portuguesa residentes
em São Tomé e Príncipe à data da independência, desde que o requeiram». O partido
Ação Democrática Independente boicotou
o evento que durou uma semana.
Para implementar a recomendação,
uma deliberação do Conselho de Ministros
de 11 de setembro de 2014, presidido pelo
primeiro-ministro, Gabriel Costa, enviada à
então ministra da Justiça, Administração
Pública e Assuntos Parlamentares, Edith
Tenjua, a que África21 teve acesso, diz que
«resolveu isentar todos esses casos (de cidadãos de outros países, nomeadamente das
ex-colónias de Portugal que residiam em
São Tomé e Príncipe à data da independência), sob reserva de análise caso a caso, dos
emolumentos necessários previstos nos
processos que decorrem até à emissão do
Bilhete de Identidade, por um período de
seis meses».
Patrice Trovoada rejeitou participar no
ato de transferência de pastas com a tomada
de posse do XVI Governo Constitucional
para tentar que a opinião pública esqueça o
que fez quando o XIV Governo que chefiava caiu na sequência de uma moção de
censura em finais de 2012. A nova equipa
não encontrou nenhum dossiê e até os
discos rígidos dos computadores foram
limpos.
O ministro da Justiça e Direitos Humanos, Roberto Raposo, seguramente, encon-
trou esta deliberação do anterior Governo
ao assumir a pasta e está a implementá-la,
no quadro da continuidade da ação governativa. A campanha começou a 8 de março
e foi inaugurada no distrito de Lembá com
a presença do chefe do Governo. As brigadas móveis que têm feito registos desses cidadãos já estão na fase final dos trabalhos.
Entretanto, «a nível dos postos e registo
central, o processo vai decorrer durante seis
meses, ou seja, até 8 de agosto», garantiu
Pires dos Santos.
A fase de campanha termina, mas o
processo continuará com a transcrição nos
livros de assento. O procedimento inclui
inscrição, verificação pelos serviços se os requisitos para atribuição da nacionalidade
estão preenchidos, depois subirá para a
análise do ministro da Justiça que confirmará ou não. Os custos rondam os quatro mil
milhões de dobras, cerca de 200 mil dólares,
suportados pelo Estado.
Ninguém contesta a justeza da decisão.
Afinal, esses cidadãos passaram a maior parte
da sua vida em São Tomé e Príncipe e ajudaram ou estão a ajudar a construir o país. Uma
boa parte, cerca de 80%, já está na terceira
idade e a pensão que recebem é mínima,
aliás, o que é um problema generalizado.
«Os governos santomense e cabo-verdiano deveriam fazer advocacia junto do
governo português no sentido dessas pessoas beneficiarem de uma pensão mínima,
na medida em que vieram aqui contratados
por Portugal», defende o diretor dos Serviços de Registo e Notariado.
Esta ideia não é nova. Esteve em cima
da mesa entre o primeiro-ministro santomense Rafael Branco e o seu homólogo cabo-verdiano, quando José Maria Neves visitou São Tomé e Príncipe em 2010. Ao que
parece, a evolução está a ser demorada.
Uma das vantagens que a naturalização
vai conceder é, por exemplo, que esses cidadãos possam ser evacuados para Portugal
em caso de doença grave que o país não tenha capacidade de tratar.
O processo ainda não está concluído,
mas consta que mais de dois mil cidadãos
estrangeiros já se inscreveram para obter a
nacionalidade santomense.
De acordo com os dados do Recenseamento Geral da População e Habitação de 2012, publicados pelo Instituto
Nacional de Estatística, a população estrangeira residente totaliza 2637 pessoas.
A maioria é originária do continente africano (81%), sendo Cabo Verde o país
que possui a maior proporção (50,3%),
seguido de Gabão (10,5%), Angola
(8,9%) e Nigéria (4,5%).
Santomenses com B.I. Digital
Em breve os cidadãos santomenses terão Bilhete de Identidade digital.
O anúncio foi feito pelo diretor dos Serviços de Registo e Notariado à África21».
Segundo Adelino Pires dos Santos, a
Organização Mundial da Saúde (OMS)
já desbloqueou cerca de 70 mil euros
para a compra de equipamentos com
este propósito. São dezoito kits. Além do
registo central, os dispositivos vão ser
montados também em todos os postos a
nível nacional e nas embaixadas.
A implementação do B.I. digital vai
evitar certos problemas com que os
serviços de identificação se confrontam
atualmente como a sobreposição de
números. Por outro lado, a União Europeia está a financiar a informatização e
digitação dos dados da Conservatória.
«Estamos a recuperar os livros de assento. Os nossos arquivos estão em
estado lamentável. Já recuperámos
200 livros e cada um tem 100 processos». Esforços continuam no processo
de descentralização dos serviços.
«Hoje já não faz sentido as pessoas virem à cidade só para reconhecer um
documento», sublinhou.
África21– maio 2015
45
Onde os seus negócios acontecem!
FEIRAS MAIO - AGOSTO 2015
4 º S AL ÃO I N T E R N AC I O N AL D AS
T E C N O LO G I AS D E I N F O R MA Ç Ã O
ANGOLA 2015
E C O MU N I C A Ç Õ E S D E A N GO L A
O DESAFIO DO SECTOR DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
NO CONTEXTO DA DIVERSIFICAÇÃO DA ECONOMIA
5ª EDIÇÃO DA FEIRA INTERNACIONAL DE TECNOLOGIAS AMBIENTAIS
PROMOVER AS NORMAS AMBIENTAIS EM
TODOS OS SECTORES DA ECONOMIA
5
14 ‐ 17 MAIO
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LUANDA
04 ‐ 07 JUNHO
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LUANDA
21 ‐ 26 JULHO
INSTALAÇÕES DA FILDA
LUANDA
FILDA 40 ANOS DE INDEPENDÊNCIA DE ANGOLA
2ª
“A Vida Faz-se nos Municípios”
5
06 ‐ 09 AGOSTO
INSTALAÇÕES DA FILDA
LUANDA
Engº. José Eduardo dos Santos
FIL - Feira Internacional de Luanda | Estrada de Catete | Km 12 | CP. 6127 Luanda - Angola
INSCRIÇÕES E INFORMAÇÕES: Tel:. +244 926 405 978 / 70 / 923 676 731
E-mail: feiras@fil-angola.co.ao
As Feiras e as datas poderão sofrer alterações
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46
maio 2015 –
África21
A crónica de Conceição Lima
C
Téla Non
ram-se pela negativa. Tal como aquando da ascensão
orria o ano 2000 e a internet em São Tomé e
do Partido Ação Democrática Independente ao poder
Príncipe era uma autêntica raridade. Foi, sobreem 2010, assiste-se, neste momento, a uma exacerbada
tudo, a pensar nos filhos do arquipélago espalhados
governamentalização e partidarização dos órgãos estapelo mundo que Abel Veiga, então jovem jornalista da
tais de comunicação social e à sua transformação em
televisão santomense, TVS, se lançou na aventura de
veículos de construção de culto de personalidade.
iniciar um jornal digital, o primeiro. Para Veiga, hoje
O exercício do contraditório foi abolido. As vozes
também jornalista na delegação da RTP África em São
independentes ou críticas foram silenciadas e, em seu
Tomé, tratou-se de um enorme desafio.
lugar, foram instalados «comentadores»
Ao longo da sua existência, o Téla
que não passam de meras correias de
Non foi conquistando espaço e destatransmissão das posições do governo.
cando-se como alternativa à dominante
Ora, face à atual repressão da agenda
imprensa oficial, afirmando-se como
noticiosa e informativa da rádio e televiuma publicação resistente a influências
são estatais, o diário digital Téla Non
e pressões dos poderes estabelecidos e
tem vindo a prestar um serviço inesticom uma saudável tendência para se
mável ao país e à democracia. A sua
posicionar como contrapoder. Em
ampla cobertura da realidade política,
maior ou menor grau, não houve goversocial e cultural do país e a frontalidade
no que não tivesse sentido na pele as
na publicação de factos non grata para as
consequências da frontalidade e a acutiinstâncias do poder, singularizam-no.
lância do Téla Non e do seu diretor.
[email protected]
Por outro lado, o jornalismo de investigação
O jornal abre as suas páginas a artigos assique o Téla Non exercita tem permitido trazer ao conhenados por nomes dos mais diversos quadrantes, permicimento do grande público informações que, de outro
tindo o livre exercício da opinião e do contraditório.
modo, permaneceriam ocultas. Não foram poucos os
Ora, a importância do Téla Non só pode ser avaliada
casos em que a reação da opinião pública a denúncias
por quem, conhecendo a realidade da comunicação
do Téla Non logrou inverter, modificar ou anular decisocial em São Tomé e Príncipe, está ciente da omnipresões legalmente discutíveis, eticamente reprováveis ou
sença da imprensa estatal, a Rádio Nacional e, sobretusimplesmente iníquas.
do, a TVS.
Não admira que o jornal e o seu diretor tenham
Importa dizer que desde a introdução do multiparconquistado inimigos de estimação. Na seção de cotidarismo em 2001, não há registo de uma só detenção
mentários, Veiga é frequentemente ameaçado. É alvo
por delito de opinião. Os cidadãos emitem em lugares
de tentativas de intimidação. Um exemplo foi a sua
públicos os seus pontos de vista com robusta liberdade,
recente convocação pelo titular da pasta da Justiça para
fustigando, sem exceção, os detentores dos cargos púser interpelado na sequência de uma notícia cujo rigor
blicos. Também a isso se deve o bom posicionamento
não estava em causa mas cujo teor não terá agradado ao
de São Tomé e Príncipe nos índices de avaliação do
ministro.
grau de liberdade de expressão e de liberdade de imAbel Veiga fez duas coisas: sendo um jornalista e
prensa em África. Posicionamento merecido, tendo em
não um funcionário do ministério em questão, ignorou
conta os padrões africanos.
pura e simplesmente a convocatória e denunciou-a no
Contudo, um conhecimento bem mais próximo
jornal que simboliza, neste momento, a liberdade de
da realidade não poderá deixar de revelar um quadro
imprensa em São Tomé e Príncipe.
muito oscilante ao nível da liberdade de imprensa, em
que a maior abertura ou fechamento dos poderosos
órgãos estatais dependem das credenciais mais ou menos liberais deste ou daquele governo.
Sendo a apetência pelo controlo e governamentalização uma tendência de todos os governos, a questão
não é tanto de natureza mas sim de grau. E aí, os governos do ADI, partido atualmente no poder, notabiliza-
Não houve governo que não tivesse
sentido na pele as consequências
da frontalidade e a acutilância
do Téla Non e do seu diretor
África21– maio 2015
47
ALBERTO PIZZOLI/AFP
migrações
Massacres
no Mediterrâneo
Entre o silêncio e a impotência dos dirigentes africanos
e a hipocrisia e o pânico dos europeus, os naufrágios
sucedem-se e o número de mortes não pára de aumentar
Enzo Malek
A
macabra sucessão de imagens de
embarcações abarrotadas em perdição no mar ou naufragadas à
beira das costas italianas, gregas ou maltesas, de sobreviventes em estado de choque
e de clandestinos em fuga dos campos de
48
maio 2015 –
África21
acolhimento temporário perseguidos por
todas as polícias da Europa deu cabo da
indiferença geral. A União Europeia está
oficialmente mobilizada para «pôr termo à
hecatombe» e o Presidente congolês Denis
Sassou Nguesso apelou à participação da
União Africana na procura de soluções
para não ser, uma vez mais, colocada perante factos consumados.
Os números conhecidos causam arrepios. Na noite de 18 para 19 de abril entre
500 e 900 migrantes – maioritariamente
eritreus, mas também naturais da Costa do
Marfim, Etiópia, Gâmbia, Guiné Conacri,
Serra Leoa, Iraque e Síria, entre os quais
mulheres e menores – desapareceram no
naufrágio de uma só traineira, a uma centena de milhas da costa líbia. Entre os 27
sobreviventes, o capitão tunisino e um auxiliar líbio da embarcação foram presos
pela polícia italiana e acusados de «homicídio múltiplo». Antes, e desde o início do
ano, 33.900 migrantes tinham desembarcado no sul da Europa (Itália, Grécia,
Malta) e 1776 pessoas tinham naufragado
contra os 17 durante o mesmo período de
2014, ano que registou o maior número de
chegadas ilegais – 219.000, dez vezes mais
do que em 2012. A Síria (8865) e os países
do Corno de África são os principais locais
de origem, a Líbia o ponto de partida e as
ilhas italianas (Lampedusa, Sicília) os principais lugares de chegada.
Depois de outubro de 2013 e de um
primeiro naufrágio dramático que causou
a morte a 396 migrantes, a marinha e a
guarda costeira italianas envolvidas na
operação Mare Nostrum socorreram mais
de 170.000 passageiros em risco. Criticada
no norte da Europa por contribuir para o
aumento da imigração clandestina no espaço Schengen, a operação de salvamento
foi substituída ao fim de um ano por um
reforço do patrulhamento e vigilância marítima europeus (Frontex) mais barato e não
vocacionado para o salvamento.
Apontada a dedo por uma comunidade
internacional que finge não se tratar de um
Nos primeiros quatro meses
de 2015, 33.900 migrantes
desembarcaram
na Itália, Grécia, Malta
e 1776 pessoas naufragaram
problema global (o das migrações) e intimada a «fazer algo», a União Europeia continua dividida e como que tetanizada pelas
pressões antagónicas de uma opinião pública fácil de comover pelo espetáculo das desgraças alheias, mas que expressa cada vez
mais nas urnas a sua recusa em partilhar o
seu bem-estar (relativo) com «estrangeiros»
que as extremas-direitas «soberanistas»
apresentam como uma ameaça para as
identidades nacionais.
De cabeça perdida, os governos arranjaram um «inimigo» consensual, os «passadores» chamados de «esclavagistas do século XXI» e prometem persegui-los e
desmantelar as «máfias» que exploram este
tráfico de seres humanos. Em 2014 foram
detidos 351 destes criminosos mas, como
sempre, trata-se da arraia miúda, muitas vezes tão desesperados como as suas alegadas
vítimas, quando não são estas as acusadas de
deitar pela borda fora parte dos seus companheiros de viagem, por razões de raça ou
religião. Os «mandantes» continuam na
sombra ou fora do alcance das polícias europeias e africanas.
A anarquia líbia
Há, ao Norte, saudades mal disfarçadas do
tempo em que regimes autoritários nos
países «de trânsito» dos migrantes se encarregavam de os reter na margem sul do Mediterrâneo, mediante retribuição, como fazia Kadhafi. Em vez disto, na Líbia de hoje,
entregue à anarquia, convergem a maioria
dos candidatos ao «salto» vindos de todo o
continente africano e das paragens mais
longínquas da Ásia – entre 700 mil e um
milhão segundo os serviços secretos ocidentais. E quando o chefe do Governo italiano
Matteo Renzi, desbordado pela «invasão»,
quis colocar-se à cabeça de uma nova intervenção militar na Líbia para restaurar o estado, surgiu a ameaça do Estado Islâmico de
lançar meio milhão de clandestinos à abordagem das costas italianas!
A ameaça pode fazer sorrir quem está
longe do epicentro da tragédia, mas os serviços de segurança embrenhados na «guerra
contra o terrorismo» não a encaram de forma ligeira. Dizem que os riscos de infiltração de terroristas através da maré humana
de náufragos são bem reais e que alguns
episódios registados ultimamente no Mediterrâneo já ultrapassaram os métodos da pirataria para tomar contornos militares.
Os migrantes dispõem de telefones por satélite para contactar diretamente os serviços
de vigilância europeus, de modo a pedir
ajuda logo que saem das águas territoriais
líbias e, em várias ocasiões, os salvadores
foram recebidos a tiro pelas tripulações
desejosas de recuperar as embarcações
uma vez libertadas da sua carga humana.
Pior ainda, teme-se que embarcações
mercantes ou de pesca sejam capturadas e
levadas para a Líbia onde começam a escassear, razão pela qual armadores e patrões se
De cabeça perdida, os
governos europeus arranjaram
um inimigo consensual
e chamam os passadores de
esclavagistas do século XXI
mostram cada vez mais renitentes em acudir
para ajudar as operações de salvamento.
Não basta lamentar e verter lágrimas de
crocodilo e as soluções «simples» são geralmente inaceitáveis à luz dos direitos humanos, como a que impôs o governo conservador da Austrália ao decretar que nenhum
clandestino deve ter esperança de ficar no
país, e que os que tentarem forçar o bloqueio serão desterrados para alguma ilha
inóspita ou «exportados» para o Camboja,
que está disposto a aceitá-los contra uma
«indemnização» de 30 milhões de dólares.
As migrações são parte da história da
humanidade desde os seus primórdios e é
ilusório pensar impedi-las com muros, bloqueios ou barreiras administrativas. As razões que levam milhões de africanos a tentar
entrar na Europa são as mesmas que levam
milhões de europeus a deixar o país em que
nasceram para ir trabalhar e viver no estrangeiro (Reino Unido e Alemanha são os países europeus com o maior numero de «expatriados», à volta de três milhões cada um).
As causas da mobilidade são múltiplas –
conflitos, alterações climáticas, demografia
– e não é só a Europa que precisa de rever a
sua política de imigração e direito de asilo.
É a comunidade internacional que deve
considerar as migrações como um problema
planetário, que deve ser encarado de forma
solidária e responsável, para regular os fluxos
voluntários e para que milhões de seres humanos deixem de fugir de países ou regiões
onde as condições de vida se tornaram
insuportáveis.
Mas, entretanto, é urgente pôr termo à
hecatombe e que o Mediterrâneo deixe de
ser a fronteira mais mortífera do mundo
(22.000 mortos desde 2000 segundo a Organização Internacional das Migrações),
melhorar os socorros e o acolhimento –
temporário ou permanente – dos migrantes, nos países de trânsito e de chegada. É a
responsabilidade coletiva dos 28 membros
da União Europeia e também da União
Africana. Se as organizações regionais não
estão à altura, é a ONU que deve intervir,
em nome do «dever de proteger» que tem
invocado tantas vezes nos últimos anos para
justificar ingerências nos assuntos internos
de países soberanos.
África21– maio 2015
49
RENDER DA GUARDA NO BAD
ANTÓNIO SILVA/LUSA
banco africano de desenvolvimento
Corrida à presidência
entra na fase
dos jogos de influência
Se prevalecer o princípio de que cargos mais importantes devem
ser reservados a países pequenos, devendo as potências regionais
abster-se de concorrer, Cristina Duarte, de Cabo Verde, Samura
Kamara, da Serra Leoa, e Birama Boubacar Sidibe, do Mali, têm
meio caminho andado para chegarem à presidência do BAD.
O seu atual presidente, Donald Kaberuka, do Rwanda, cessa funções no final deste mês. O único problema para estes três candidatos é que apenas um pode ser eleito.
Gordon Phillips londres
O
bservado amiúde na atribuição
de cargos em organismos regionais, este princípio foi usado em
2012 pela Nigéria para se opor à candidatura de Nkosazana Dlamini-Zuma, da África
do Sul, ao posto de presidente da Comissão
Africana.
O recado, frio e curto, foi transmitido
pelo então Presidente da Nigéria, Goodluck Jonathan, a uma delegação da SADC
que incluía, entre outros, Rui Mangueira, à
data, vice-ministro das Relações Exteriores
de Angola, Utoni Nujoma, número dois da
diplomacia namibiana, e Siyabonga Cwele,
ministro da Segurança de Estado da África
do Sul. «Os vossos presidentes sabem que
países influentes e fortes não se devem fazer
a estes cargos», disse Jonathan. A delegação
da SADC recebeu o mesmo recado em
Cotonou, Benim, cujo Presidente Boni
Yani, os fez esperar durante nove horas.
O derrotado, o gabonês Jean Ping, era, di-
50
maio 2015 –
África21
ga-se, originário de um país pequeno, logo,
sem quaisquer anticorpos.
Frequentemente também é levada em
conta a ideia da rotatividade regional. Se
também aqui se observar o «acordo de cavalheiros» que costuma regular determinadas
escolhas, incluindo a indicação de candidatos ao Conselho de Segurança da ONU,
Cristina Duarte de Cabo Verde, Samura
Kamara da Serra Leoa assim como Birama
Boubacar Sidibe do Mali, Sufian Ahmed da
Etiópia e Jalou Yaed da Tunísia, partem
«limpos» para a corrida.
Entre os países que se fazem à cadeira de
Donald Kaberuka, apenas o Chade, situado
na África Central, parece «vedado» por este
princípio. Kaberuka, presidente cessante,
vem do Rwanda, país também localizado na
África Central. Ironicamente, tanto o Chade quanto a Nigéria sabem usar como poucos a sua localização geográfica para fazerem
valer os seus interesses regionais.
A Nigéria nunca escondeu o seu desacordo em relação ao envio por Angola de
uma missão militar para a Guiné-Bissau.
O Chade usou do mesmo expediente para
mostrar desacordo relativamente ao papel
que Angola desempenha na resolução do
conflito na República Centro-Africana,
com quem partilha fronteira e de quem se
julga «naturalmente» mais próximo do que
Angola. O presidente Idriss Debi mudou de
postura após uma visita a Angola, na qual,
segundo diplomatas angolanos familiarizados com este dossiê, o presidente José
Eduardo dos Santos estava convencido de
que iria desfazer todos os equívocos. Pelos
vistos desfez.
Caça ao voto
Situada na África Austral, Angola, tem
outra vez nas mãos um rubicão ligado à
mobilização de votos para a candidata de
Cabo Verde, com quem ao que consta já
estaria comprometida. Entre ela e Angola
há uma longa história. Cristina Duarte fez
o ensino primário e secundário no país,
para onde voltou já na condição de representante do City Bank.
Seja como for, o que a corrida à sucessão de Donald Kaberuka provou é que
neste como noutros casos o acordo de cavalheiros não foi tido em conta. A Nigéria,
maior acionista africano do banco e definitivamente uma potência regional, avançou
com o nome de Akinwui Adesina, fazendo
tábua rasa do recado que enviou à SADC
há dois anos.
O Chade, que tal como o Rwanda, país
de Kaberuka, também pertence à Comunidade dos Estados da África Central «esqueceu-se» do princípio da rotatividade. Pelos
vistos não se importa que o próximo presidente do BAD seja também de um país da
África Central e, por isso, indicou o nome
de Kordjé Bedoumra, antigo ministro da
Economia e do Planeamento. O seu maior
ativo, e no qual o seu governo muito aposta,
é o facto de ter sido sucessivamente secretário-geral e vice-presidente do BAD. Este
detalhe faz parte da sua plataforma: «Como
antigo vice-presidente tive a oportunidade
de testemunhar que a força de trabalho é o
Chade e Nigéria sabem
usar como poucos a sua
localização geográfica
para fazerem valer
os seus interesses regionais
aspeto mais importante para o sucesso desta
instituição. (…) Como secretário-geral participei na elaboração de políticas que ajudaram a dar respostas definitivas e a acomodar
os interesses defendidos por vários constituintes e acionistas».
Thomas Sakala, candidato do Zimbabwe, pode fazer uso do mesmo argumento,
pois também já foi executivo do BAD. Dos
sete candidatos o nigeriano Akinwui Adesina e o serra-leonês Samura Kamara são os
únicos com doutoramento. Cristina Duarte
e o tunisino Jaloul Ayed «cruzaram-se» há
uns anos no City Bank. Ela foi representante em Angola e no Quénia e ele vice-presidente para África. Também concorrem à
sucessão de Kaberuka o ministro das Finanças da Etiópia, Sfian Ahmed, e o antigo vice-presidente do Banco Islâmico de Desenvolvimento, o maliano Birama Sidibe.
Seja como for e apesar dos expedientes
que cada um vier a usar, está à vista que a
escolha do próximo presidente do BAD vai
requerer acordos, lobbying e muito mais.
Em 2012, Nkosazana Dlamini-Zuma chegou a Addis Abeba para a eleição na Comissão Africana com 27 votos garantidos. Porém, tantas foram as jogadas de bastidores
que ela apenas foi eleita ao terceiro round.
Com quatro candidatos de países da
África Ocidental, nomeadamente, Nigéria,
Serra Leoa, Cabo Verde e Mali, está visto
que esta região, devido a uma provável dispersão poderá partir em desvantagem. Diplomatas africanos admitem que tendo sido
ultrapassado pela Nigéria na Guiné-Bissau,
o Senegal estaria a tentar mobilizar apoios
para Cabo Verde. Nestas contas também
entrarão os interesses de 25 países cujo poder de voto, por junto e atacado, corresponde a 40% do total. Dentre estes os Estados
Unidos com 6,610%, a Alemanha com
4,135% e a França com 3,768% são os
eleitores com mais poder. O Brasil tem o
equivalente a 0,417% enquanto a Portugal
cabem 0,25%.
As reuniões de primavera do Banco
Mundial e do Fundo Monetário Interna-
JOSE SENA GOULÃO/LUSA
dr
STAN HONDA/POOL
Cristina Duarte, Samura Kamara e Birama Boubacar Sidibe – um deles poderá ser o próximo
presidente do BAD
cional, realizadas em Washington em meados de abril, mobilizaram em fóruns distintos os ministros das Finanças dos PALOP e
da SADC. Destas consultas ficou subjacente um aspeto: por um lado a candidatura
do Zimbabwe, embora desorganizada
tem o benefício de poder contar com o
voto integral da SADC, incluindo o de
Angola, cujo Governo pareceu inclinado
a apoiar Cristina Duarte. A circunstância
de Robert Mugabe ser o atual presidente da
SADC deixou Angola sem alternativa. Segundo alguns analistas, nas condições
atuais, só membros não africanos, nomeadamente os EUA e a UE, não irão permitir
que o Zimbabwe chegue lá. Enquanto isso,
a Nigéria e Cabo Verde não perdem de vista
o facto de que a eleição de Donald Kaberuka, em 2005, foi ditada por membros não
africanos. Perante isto, a Nigéria está a explorar o facto de o candidato derrotado nas
eleições presidenciais de março ter aceite os
resultados sem pestanejar, o que resultou
em grandes encómios para o país. Ao mesmo tempo parece querer usar (pelos vistos
até à exaustão) a influência da senhora
Ngozi Okonjo-Iweala, antiga vice-presidente do Banco Mundial e ministra das Finanças do governo cessante.
Por seu lado, Cabo Verde, tendo derrotado a Nigéria e também Angola na indicação de um juiz africano para o Tribunal Internacional do Direito do Mar, em 2008,
O mandato de Donald Kaberuka termina no final
do mês
não vê nenhuma razão porque não pode
fazer o mesmo em relação à presidência do
BAD. Por outro lado, está claro que quem
vier a ser eleito presidente herdará um banco que cresceu significativamente nos últimos anos ao que não está alheio o papel do
presidente cessante Donald Kaberuka.
África21– maio 2015
51
a opinião de carlos lopes
Os desafios ao multilateralismo
Ao longo das duas últimas décadas, a ordem internacional alterou-se
qualitativamente. Um novo discurso ganhou proeminência na teoria das
relações internacionais: uma narrativa que enfatiza um ambiente global
em rápida mudança, caracterizado pela confluência sempre crescente
dos desafios à escala mundial.
O
s desafios da pobreza e subnutrição
generalizadas, de uma crise económica e financeira, do impacto das alterações climáticas, da
insegurança humana, crime organizado, tráfico de
droga entre outras dificuldades várias encontram-se inextricavelmente ligados. As novas tecnologias
e a revolução nos meios de transporte exercem
uma profunda influência na relação dos desafios
acima referidos, aumentando simultaneamente o
sentido de interconectividade na comunidade humana a níveis sem precedentes. A interconectividade veio contradizer as nossas mundividências e
modelos de organização tradicionais, extremamente compartimentados. Urge uma abordagem holística para uma resposta efetiva aos desafios globais
emergentes.
As megatendências
Existem pelo menos cinco grandes áreas onde importantes megatendências ganharam visibilidade nas esferas política, económica e social, a mencionar:
1. Falhas nos sistemas regulatórios financeiros e
económicos;
2. Ausência de decisões efetivas sobre a questão das
alterações climáticas, agravada pela difusão dos padrões globais de consumismo social;
3. Alteração do conceito tradicional de manutenção
de paz;
4. Tendências demográficas e aumento da mobilidade de forte impacto sobre as identidades e,
5. O poder transformador das novas tecnologias nos
nossos estilos de vida e sistemas de valores.
Carlos Lopes é secretário
executivo da UNECA Comissão Económica para
África das Nações Unidas
52
maio 2015 –
Em primeiro lugar, a crise financeira mundial
desencadeou grandes discussões sobre a necessidade
de se melhorarem os sistemas de gestão económica e
financeira a nível global. A globalização, caracterizada
pela ideologia dos mercados livres e da desregulação
África21
financeira redundou no aumento das desigualdades,
na especulação financeira e nas estruturas económicas
assistindo-se à predominância do setor financeiro sobre a economia real, ao invés de o primeiro servir as
necessidades desta.
O impacto social de uma onda de três décadas
longas de liberalização económica revelou-se extremamente negativo. A primeira década do século XXI
foi vista como uma década de sucesso, dadas as elevadas taxas de crescimento do mundo em desenvolvimento: a perceção foi a de que os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) aliviaram, de
certa forma, o impacto de mercados desregulados sobre as políticas sociais e de que auxiliaram os esforços
da agenda de desenvolvimento e de redução da pobreza. No entanto, o mundo ainda não alcançou vários dos ODM apesar do progresso significativo de
muitos países. No momento da crise, os problemas
das crescentes desigualdades sociais e do aumento do
desemprego ressurgiram na agenda global, desafiando
o modelo económico predominante, clamando por
uma presença mais forte do estado na economia e por
políticas públicas e nacionais mais robustas. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) serão
adotados em setembro próximo, em face deste quadro negativo.
Em segundo lugar, as alterações climáticas, a
perda da biodiversidade e a degradação ambiental
encontram-se intimamente ligadas às questões de desenvolvimento económico e social. Neste sentido, o
modelo económico predominante tem vindo a ser
questionado, aliado à crescente consciência da necessidade imperiosa de se incluírem as dimensões ambiental e social no pensamento económico e de se
monitorizar a performance económica. O compromisso político em nome dos governos é crucial para
que as negociações sobre as alterações climáticas progridam, mas, ao mesmo tempo, qualquer solução
política deve ser complementada por medidas especí-
No momento da crise, os problemas das crescentes desigualdades sociais
e do aumento do desemprego ressurgiram na agenda global
ficas e eficientes, orientadas para a promoção de um
crescimento sustentável efetivo.
Atualmente, o aumento exponencial do consumismo é orientado pelas aspirações cada vez maiores
das faixas populacionais médias e elevadas dos países
ricos, tal como a crescente demanda das classes médias emergentes nos países em desenvolvimento, enquanto as desigualdades continuam a aumentar e
uma camada significativa da população mundial vive
na pobreza. A nossa ambição legítima deve situar-se
na criação de incentivos para uma transformação
profunda de atitudes e padrões de consumo e, neste
sentido, a educação desempenha um papel de
destaque.
Em terceiro lugar, o trabalho de manutenção de
paz da ONU tornou-se no centro de uma atenção
crescente a partir dos anos 90, em sequência do fim
da Guerra Fria e da irrupção de uma série de conflitos
não só em África, como também na Europa e noutros
continentes – no entanto, a situação mudou novamente e requer agora uma visão diferente. Comparativamente à última década, falamos de uma nova tipologia de conflito – este não representa uma ameaça
imediata à soberania nacional de um Estado. Uma
variedade de expressões de instabilidade política e
baixa intensidade de conflitos caracterizam o cenário
atual: estes variam entre a violência política e golpes
de Estado, conflitos motivados pelos recursos naturais, elevados níveis de crime, terrorismo, desafios aos
sistemas de governação por vários agentes não estatais
e, por último, o separatismo.
A maioria dos conflitos é politizada e intra-estatal,
conflitos estes interligados, amiúde, por várias atividades criminosas como o tráfico de droga e o tráfico
humano, branqueamento de capitais, atividades fi-
nanceiras criminosas e recurso ao armamento ligeiro.
Os atores per se mudaram e as suas ações tornaram-se
imprevisíveis: tendem a possuir uma narrativa global
com uma abordagem ideológica também global.
O conceito de manutenção de paz evoluiu da
imposição de cessar-fogo entre dois Estados beligerantes para um alargamento da esfera de atividades
que inclui a proteção de civis, apoio aos esforços
conciliatórios liderados pelos governos e o combate
ao crime organizado. Mais se acrescenta que é esperado das operações de paz da ONU um apoio adequado às capacidades nacionais de desenvolvimento nas
áreas da administração pública, estado de direito e
segurança. Estes desenvolvimentos oferecem, em
consonância com a evolução do sistema normativo
internacional, uma brecha para a promoção da paz,
da justiça e dos direitos humanos. A prevenção do
conflito torna-se numa prioridade, enquanto parte da
agenda de desenvolvimento, passando a incluir profundas medidas estruturais, orientadas para as lacunas
políticas, sociais e económicas.
Em quarto lugar, a geografia demográfica está a
alterar-se rapidamente. A população mundial já ultrapassou os 7 mil milhões e estima-se que atinja os 9,6
mil milhões em 2050, acrescentando-se que grande
parte deste crescimento se situa nos países menos desenvolvidos e entre as camadas mais desfavorecidas
nas zonas urbanas. Atualmente, 60% da população
mundial vive na Ásia e 15% em África. Em 2100, 4,6
mil milhões de pessoas viverão na Ásia e 3,6 mil milhões em África. Mais de metade da população
mundial é urbana e espera-se que em 2050 esta atinja
os 69%; prevê-se o crescimento da população africana e que esta se torne na segunda maior, a nível
mundial, a seguir à da Ásia, sendo que o aumento da
O impacto
social de uma
onda de três
décadas longas
de liberalização
económica
revelou-se
extremamente
negativo
África21– maio 2015
53
mobilidade se encontra ligado a este crescimento. O
fenómeno da migração redundou na transformação
da composição étnica e do carácter monolítico das
sociedades de acolhimento, além de ter promovido o
surgimento de transmigrantes com identidades de
camadas variegadas. Nesta área, é imperiosa a necessidade de se criar um sólido sistema de gestão das migrações internacionais, que aumente mais-valias a nível de desenvolvimento e que proteja os direitos dos
migrantes.
Em quinto lugar, a difusão das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC) oferece oportunidades sem precedentes de acesso à informação e de
conexão entre as pessoas – permite que as pessoas pelo
mundo fora se tornem mais cientes e conscientes sobre o que se passa em diferentes partes do mundo e
sobre assuntos multilaterais, de uma maneira geral. A
difusão das TIC e o aumento do acesso da população
à informação e à comunicação já se traduziu numa
formidável expansão da participação social e da mobilização cívica, tendo transformado qualitativamente
as nossas mundividências, bem como os nossos sistemas de comunicação, governação e negociação. Agora surge também a necessidade de se refletir sobre
como tornar mais eficazes as oportunidades geradas
pelas TIC para a promoção de uma governação mais
inclusiva, bem como de uma metodologia de negociações mais eficaz.
Os desafios
O carácter global e interconectado dos desafios do
século XXI demanda soluções que transcendam as
fronteiras nacionais. Precisamos de um multilateralismo renovado, baseado numa abordagem integrada,
em oposição à perspetiva da aglutinação temática e da
resolução isolada de problemas. Necessitamos de
uma abordagem que abarque o conceito de bens públicos globais, promotora de uma utilização efetiva de
parcerias com agentes estatais e não estatais. A própria
noção de soberania está a ser afetada por estas crises
múltiplas e um multilateralismo renovado deve enformar, acima de tudo, estruturas de governação global mais justas e efetivas.
Por um lado, assiste-se a um impasse de negociações multilaterais e à compreensão de soluções para
diferentes tipos de crises. Podemos mencionar vários
exemplos de negociações multilaterais que não conduziram a resultados desejados em áreas cruciais, um
deles, o do inexistente progresso nas negociações de
Doha. Este bloqueio resulta da discrepância entre as
atuais formas de organização da vida internacional
dominada pela perspetiva de centralização estatal e as
tendências estruturantes da sociedade global.
54
maio 2015 –
África21
As três áreas principais onde os desafios ao
multilateralismo residem incluem conceitos, métodos e instituições. Em primeiro lugar, os conceitos estão a tornar-se voláteis, erodidos por problemas de dimensão global que têm de ser resolvidos
além das fronteiras nacionais. Exemplos dignos de
menção incluem a soberania nacional versus as
questões de direitos humanos ou decisões de justiça criminal internacional, além dos problemas nas
áreas da saúde e do ambiente. Atingiu-se um nível
crítico no que toca à lei pública internacional (o
número de convenções internacionais tem vindo a
multiplicar-se em poucas décadas).
Em segundo lugar, os métodos e técnicas de negociação não abarcam a complexidade da sociedade
moderna: por um lado, as analogias das TIC, como o
modo de software aberto relativamente à organização,
contribuições, negociações e tomadas de decisão estarão possivelmente mais adequadas aos desafios modernos. A experiência em negociação das comunidades técnicas e científicas pode fornecer contributos
pertinentes para a capacidade de lidar com desafios
que não pertençam exclusivamente à esfera política.
Por outro lado, o recurso a abordagens não setoriais
entra em contradição, na prática, com conceitos intrinsecamente transversais, como o do desenvolvimento sustentável.
Em terceiro lugar, as instituições existentes não
refletem o papel crescente do regionalismo e das
mudanças no equilíbrio de forças. A reforma do
Conselho de Segurança tem vindo a ser discutida
ao longo de algumas décadas e persiste o problema
dos inadequados direitos de voto das economias
africanas no Fundo Monetário Internacional e
Banco Mundial, apesar dos visíveis progressos
económicos. O célere surgimento de novos atores
globais como os BRICS (Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul) tem profundas implicações
nas negociações e na governação internacional. As
potências emergentes estão a consolidar alianças e
posições comuns em vários fora internacionais e os
países africanos estão a ganhar a consciência de que
podem defender melhor os seus interesses se falarem em uníssono.
O sistema de governação internacional está ultrapassado, quer na distribuição de poder pelos Estados
quer na sua natureza essencialmente baseada no Estado. O resultado é o de que estas tensões conduzem a
um impasse ainda maior na área das negociações.
O multilateralismo é hoje mais complexo do que
nunca, de facto.
Artigo publicado originalmente na UN Special Magazine, em março
de 2015, assinalando os 65 anos do multilateralismo.
Mais
de metade
da população
mundial
é urbana
e espera-se
que em 2050
esta população
atinja os 69%
O carácter
global e
interconectado
dos desafios
do século XXI
demanda
soluções que
transcendam
as fronteiras
nacionais
KEVIN SCHAFER/MINDEN PICTURES/BIOSPHOTO
A maior
brasil
reserva ecológica do mundo
O projeto que propõe a criação na Amazônia da maior reserva
ecológica do mundo é apoiado com um milhão de assinaturas que
já terão sido recolhidas quando esta edição estiver impressa
A
criação da reserva conhecida
como Corredor Ecológico da
Amazônia Norte terá uma superfície total de 135 milhões de hectares,
igual ao território de Angola e quase 14
vezes maior que o de Portugal. A área da
selva amazônica a ser coberta pelo corredor
está situada na maior parte em território
brasileiro (cerca de 74% da superfície total) enquanto o restante fica na Colômbia
(22%) e uma pequena fração (4%) na
Venezuela.
A proposta de criação da reserva trinacional foi feita pelo presidente colombiano
Juan Manuel Santos, mas a campanha internacional está sendo coordenada pela
Carlos Castilho FLORIANÓPOLIS
organização não governamental Avaaz (secure.avaaz.org) e será apresentada por grupos indígenas amazônicos na cimeira ambiental de Paris, promovida pela ONU, no
próximo mês de dezembro.
A ideia da criação de corredores ambientais, como recurso para preservar a
maior floresta do planeta, surgiu já nos
anos 80 do século passado, mas até agora
só havia sido discutida e testada no âmbito
nacional, por países como Brasil, Bolívia e
Peru. No caso brasileiro, a ideia dos corredores ambientais vem sendo discutida
desde 1997 pelo Ministério do Meio Ambiente, que planeja a instalação de cinco
unidades deste tipo na região florestal que
se estende ao longo das fronteiras com a
Guiana, Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia. O Brasil concentra um terço de todas
as florestas tropicais do mundo e 62% da
área total de selva amazônica.
Com a proposta colombiana, a questão dos corredores passa também ao âmbito diplomático porque a coordenação do
projeto passaria a ser compartilhada por
três governos. Se o tema já era polêmico
em âmbito nacional, a sua discussão em
âmbito internacional será ainda mais complicada porque envolve questões como soberania nacional, identidade cultural e interesses econômicos.
As ilhas biológicas
A ideia de corredor ecológico gera polêmicas porque está baseada na ideia da integração de iniciativas ambientais, sociais, empresariais, políticas e culturais. Ela resultou
do fracasso da proposta de criação de «ilhas
biológicas» desenvolvida nos anos 70 e 80
do século XX e que estava baseada no desenvolvimento de unidades conservacionistas isoladas cuja missão era evitar o desmatamento da Amazônia.
A criação das «ilhas biológicas», desenvolvida basicamente em território
brasileiro, fracassou porque não levou em
conta que a conservação ambiental é um
processo complexo que envolve questões
econômicas, como propriedade da terra e
sustentabilidade das populações locais;
África21– maio 2015
55
O Brasil concentra um terço
de todas as florestas tropicais
do mundo e 62% da área total
de selva amazônica
SYLVAIN CORDIER/BIOSPHOTO
sociais, como organização das comunidades amazônicas; e culturais como tradições indígenas. Um estudo do Ministério
do Meio Ambiente do Brasil, divulgado
no final dos anos 90, mostrou que havia
apenas um agente fiscalizador do desmatamento para cada 15 mil quilômetros
quadrados de floresta, uma área onde há
pouquíssimas estradas e o deslocamento
só pode ser feito por rios ou aeronaves.
A ideia dos corredores procura integrar
esforços governamentais com empresas e
organizações privadas para buscar um consenso regional sobre as melhores estratégias
de promover não só a preservação dos recursos ambientais, mas também o desenvolvimento socioeconômico da região. Trata-se
de substituir uma abordagem localista e segmentada na conservação ambiental por uma
visão integrada e compartilhada. Aproximadamente 80% dos 135 milhões de hectares
previstos para o corredor amazônico trinacional já estão incluídos em algum tipo de
conservação ambiental. O desafio passa a ser
como integrar estas unidades isoladas num
projeto global e multidisciplinar.
A intervenção da Avaaz globalizou o
debate sobre a proposta colombiana e aumentou a pressão sobre os governos do
Brasil e da Venezuela. Ambos têm razões
distintas para ver com preocupação a internacionalização do problema. O Brasil porque controla a maior parte da Amazônia e
obviamente tentará impor seus pontos de
vista em eventuais deliberações sobre o pro-
56
maio 2015 –
África21
Corredor amazônico
Colômbia
Venezuela
Brasil
jeto. Já a Venezuela, como sócio minoritário
no corredor da Amazônia norte, teme ser
atropelada pelos seus vizinhos, especialmente agora que o governo de Nicolas Maduro
está sob forte pressão diplomática. A Avaaz
(voz, no idioma persa) atua em 194 países
onde tem mais de 41 milhões de membros
ativos e promove petições e abaixo-assinados em 15 idiomas diferentes. Desde 2007,
quando foi fundada como organização integrada por voluntários, já foram realizadas
mais de 200 milhões de ações desenvolvidas
sempre pela internet. É a maior organização
do mundo em matéria de petições online
como forma de pressão política sobre governos e empresas.
Quando a Avaaz decidiu apoiar a criação
do corredor amazônico trinacional ela procurou reduzir o papel dos governos na dis-
A ideia de corredor ecológico
gera polêmicas porque está
baseada na ideia da integração
de iniciativas ambientais,
sociais, empresariais,
políticas e culturais
cussão do problema ao ampliar a participação dos grupos indígenas da maior floresta
tropical do mundo. Isto, é claro, aumentou
a simpatia de europeus e norte-americanos
pela causa, mas introduziu um fator de imprevisibilidade no encaminhamento do debate, caso Brasil, Colômbia e Venezuela decidam levar adiante a ideia.
Há cerca de 230 grupos indígenas em
toda a Amazônia, falando 180 idiomas diferentes. Quase dois terços destes grupos,
aproximadamente 300 mil indivíduos, vivem na área do projeto de corredor ambiental na Amazônia norte, dos quais pouco
menos de 200 mil estão em território brasileiro. Como estão dispersos na floresta e têm
pouco contato entre si, as diversas etnias
indígenas da Amazônia enfrentarão problemas de representatividade.
O documento Corredores Ecológicos das Florestas Tropicais do Brasil
(www.creasp.org.br/biblioteca/wp content/uploads/2012/11/109_publicacao10072009110049.pdf) afirma que a
instalação do projeto na Amazônia brasileira permitiria salvar 75% das 25 espécies animais ameaçadas de extinção na
região. Sugere, além disso, que o problema da legalização de terras cobertas pela
floresta, com um custo estimado em 800
milhões de dólares, poderia ser acelerado
e facilitado graças à participação do setor
privado no projeto. Mas a incógnita sobre quem vigiará o avanço do desmatamento ainda permanece. Só no Brasil, a
derrubada de árvores na Amazônia cresceu 190% nos últimos dois anos. Se este
avanço da área desmatada não for impedido, de nada adiantarão as boas intenções de governos, grupos indígenas e organizações não governamentais.
brasil– áfrica
RICARDO STUCKERT/INSTITUTO LULA
Instituto Lula cria conselho para África
Membros do Conselho
África do Instituto Lula
«O mundo precisa acabar com o preconceito contra a África.
O mundo precisa entender que a África é um continente
altamente promissor». Estas afirmações foram feitas pelo expresidente Lula da Silva no final de abril, no lançamento do
Conselho África do Instituto Lula.
O
encontro realizado em São
Paulo, à porta fechada, com o
tema «Os desafios da África
para o século XXI», contou com a presença de cerca de uma centena de pessoas
que têm apoiado a iniciativa África daquele instituto.
Carlos Lopes, secretário-geral adjunto e
secretário-executivo da Comissão Econômica da ONU para a África (UNECA),
praticamente desmontou as «narrativas
pessimistas» sobre o continente e demonstrou cabalmente, com dados irrefutáveis,
que para além dos conflitos e problemas
atuais, superdimensionados pela imprensa,
a África é um continente promissor e o que
mais cresce em todo o mundo, tendo duplicado o seu PIB nos últimos 15 anos.
A «Agenda 2063-A África que queremos», estudo realizado em conjunto com a
União Africana, o Banco Africano e a
UNECA, e que vem sendo debatido com
os governos africanos, indica, no entanto,
que a África precisa de uma mudança estrutural, uma mudança completa das suas
Samuel Ndongo
economias, tendo como foco a industrialização do continente. Carlos Lopes aponta
quatro princípios para a realização desta
mudança: «transformar completamente a
produtividade agrícola, provocar a industrialização através de dois pontos de entrada:
o agronegócio e transformação de matérias-primas; formalização da área de serviços e
criar um grande mercado africano
integrado».
Para o ex-presidente Lula, que durante
o seu governo deu um gigantesco impulso
às relações com o continente africano, «uma
das formas do Brasil ajudar a África é financiar o desenvolvimento da África para que a
África possa exportar para o Brasil. A gente
não pode pensar só em vender para África».
E afirmou ainda: «Tem muita gente que só
pensa em vender, vender. Mas não é só
vender, é vender e comprar, porque o comércio bom é aquele que a gente dá com
uma mão e recebe com a outra. Não é só
ajudar com transferência de tecnologia mas
com instrumentos; financiar estradas, financiar ferrovias, financiar hidroelétricas, finan-
ciar o que for possível para que estes países
possam receber as indústrias».
Na mesa do debate, coordenado por
Celso Marcondes, diretor do Instituto Lula e
responsável pela iniciativa África, estiveram o
embaixador Paulo Cordeiro, subsecretário
do Itamaraty, Luiz Filipe de Alencastro, professor da FGV, Silvana Campanini, diretora
de estudo e pesquisa do Centro Internacional
de Proteção de Direitos Humanos de Buenos Aires e Alexandra Loras, consulesa da
França em São Paulo.
Considerado pelo ex-presidente Lula
como muito importante para impulsionar o
trabalho do Instituto e promover mais diálogo entre o Brasil e o continente africano, o
Conselho para África, ora empossado, é
constituído por 40 personalidades entre historiadores, representantes de movimentos sociais e organismos multilaterais, diplomatas e
estudiosos. Dentre eles realçamos a presença
do embaixador Alberto Costa e Silva, historiador e membro da Academia Brasileira de Letras, de Fernando Mourão, professor da USP
e da Universidade Independente de Angola e
do ex-diretor do Museu de Antropologia da
USP, Kabenguele Munanga; nomes de grande prestígio há muitos anos estreitamente ligados as questões africanas. A revista África21
está representada no Conselho pelo jornalista
João Belisario. A lista completa dos nomes do
Conselho pode ser encontrada no site do
Instituto Lula e no portal da nossa revista
(www.africa21online.com).
África21– maio 2015
57
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58 maio 2015 – África21
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A crónica de Luís Cardoso
U
Identidade
Frente Diplomática da Resistência Timorense. Mas
m dos temas com que os escritores dos
escolheu uma singularidade. Assim se faz a identidade
países da lusofonia se confrontam, quando são
de um autor, vista por outrem.
convidados a participarem nos encontros literários, é
Faço parte de uma geração que foi alimentada
a questão da identidade. Assim aconteceu comigo em
com óleo de fígado de bacalhau. Havia o mito de que
várias ocasiões. Lembro-me que a última vez foi no
o suplemento alimentar aumentava a
festival Rota das Letras, em Macau,
nossa inteligência. Hoje, sei as razões
com a presença de escritores da lusofocientíficas que estão na base desse
nia e chineses. Enquanto estes temiam
mito. Houve colegas que tomaram
que a internacionalização ou a globalidoses elevadas deste elixir, antes dos
zação colocasse em perigo a identidade,
testes, mas nem por isso tiveram granos lusófonos estavam interessados na
de sucesso. Pela simples razão de não se
divulgação das suas obras e em conheterem preparado, estudando. Creio
cer as dos outros.
que a lógica também serve para a escriUm escritor lusófono tentou conta. Nada se faz sem trabalho.
vencer os colegas chineses através de um
A identidade de cada autor é feita
exemplo. Um chinês, emigrante em
de escolhas. Umas más e outras boas.
Angola, deixou-se filmar para a internet,
[email protected]
Umas feitas em tempo certo e outras
no momento em que exibia os seus dona contracorrente da história. É uma construção fates de bailarino de kizomba. Aliás dançava muito bem.
seada e nunca definitiva. Consciente daquilo que
O chinês perdeu a sua identidade ao dançar kizomba?
cada um é e daquilo que quer ser.
Não. Não deixou de ser chinês e ganhou mais uma
qualidade: a de bailarino de kizomba.
De que falamos quando falamos de identidade?
Em primeiro lugar de heranças. Disso ninguém tem
dúvida. Todos temos uma história, terra, língua que
nos identificam. Mas, ao longo do tempo, vamos
fazendo escolhas, umas em função dos nossos interesses e outras porque nos foram de alguma maneira
impostas.
Falando de Timor e, sobretudo, da questão da
identificação linguística de um país, lembro-me que,
nesse encontro de Macau, disse que a questão da
identidade em Timor tem a ver mais com a história
de luta do que com a língua. Qualquer timorense
sente orgulho, em primeiro lugar, na sua história.
Nos seus heróis. Antigos e recentes. Independentemente de ter como língua materna o fataluko ou o
baikeno. As línguas oficiais poderão ajudar a consolidar a identidade do Estado Timorense. Mas é a história que nos une. Que nos identifica. Um jornalista
citou a minha fala e, para melhor me identificar,
disse que tinha gostado da alocução do escritor careca. Não sei se na minha intervenção teve alguma relevância o facto de se ser careca. Coisa que de maneira nenhuma me preocupa. Podia ter realçado o valor
literário dos meus livros ou a minha participação na
No encontro de Macau,
disse que a questão da identidade
em Timor tem a ver mais
com a história de luta
do que com a língua
África21– maio 2015
59
américa latina
Organização
A
dos Estados Americanos
volta à estaca zero
A velha Organização dos Estados Americanos
(OEA), «inventada» pelos EUA no final da II Guerra
Mundial com o objetivo de cuidar dos seus interesses
na América Latina, dá os seus derradeiros suspiros.
Antes de enterrá-la, os 34 países da região decidiram
reformulá-la ou lavar-lhe a cara. E para esta tarefa
ciclópica elegeram um diplomata amigo de Cuba e a
favor do novo progressismo que impera na região.
IVAN FRANCO/EPA
Manrique S. Gaudin BUENOS AIRES
Luís Almagro, novo
secretário-geral da OEA
60
maio 2015 –
África21
Organização dos Estados Americanos
decidiu reestruturar-se num momento
crucial para a América Latina: a Venezuela
está a ser atacada pelos Estados Unidos e, depois de
mais de meio século de bloqueio diplomático e
económico a Cuba, a grande potência reconhece
que essa política agressiva fracassou e que deve fazer
uma marcha atrás que conduza à normalização de
relações. Para tal, o organismo que «administra» as
crises regionais desde 1948, ano da sua fundação,
aproveitou o fim do mandato do chileno José Miguel Insulza para designar o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do Uruguai, Luís Almagro, como
seu novo secretário-geral.
O cargo reveste-se de especial importância
porque ali confluem os 34 países americanos, da
Argentina, no extremo sul, ao Canadá, nos confins
do norte. Embora o novo líder da organização assuma as suas funções apenas a 26 de maio, a sua
eleição ocorreu em paralelo com outros feitos notáveis para a região: a menos de três semanas do
início no Panamá da VII Cimeira das Américas, à
qual, pela primeira vez desde o encontro inaugural
de 1994 em Miami, nos Estados Unidos, assistiu
Cuba, expulsa do organismo em 1962.
Os dez anos em que a OEA foi liderada por Insulza marcaram a decadência da organização, uma
realidade que fica demonstrada apenas pela observação das múltiplas experiências de integração surgidas nesses anos. Os analistas parecem concordar em
que só uma figura como Almagro – que chega exibindo os louros de ter sido o executor da política
externa do governo de José Mujica, um líder que se
transformou num ponto de referência internacional
e levou o seu pequeno país a ocupar um lugar inimaginável no tabuleiro global – pode assumir a tarefa de reformular uma organização que está à beira
da morte. De nada serviram nestes anos os esforços
dos Estados Unidos, a potência omnipresente, para
evitar a agonia da OEA. Agora, 33 dos 34 países
(um absteve-se) decidiram dar-lhe uma nova vida e
confiaram essa tarefa a Almagro.
Quando a 18 de março, depois de eleito, falou
perante os diplomatas que acabavam de designá-lo,
Almagro afirmou que não lhe interessa ser «o administrador da crise da OEA mas o facilitador da sua
renovação sobre a base do diálogo», e surpreendeu
ao fazer uma emotiva referência a Raúl Sendic, líder
histórico do Movimento de Libertação Nacional
Tupamaros (MLN-T), a maior organização guerrilheira urbana que operou na América Latina durante a última metade do século passado. Tendo em
O perfil latino-americanista
Agora, à frente da OEA, e com a convicção de que a
sua função não será a de administrar a crise, Almagro acentuará o perfil latino-americanista e o discurso sobre a construção da «grande pátria americana»,
a ideia dos heróis libertados com que guiou a sua
gestão enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros. Foi designado com um formidável aval regional, um aval que também se explica pelo apoio político recebido de José Mujica, que ao transformar-se
numa voz de referência mundial acabou por levá-lo
aos primeiros planos da diplomacia americana.
O semanário Brecha, de Montevideu, salientou
a repercussão interna que terá esta eleição no pequeno país que desde 1 de março passou a ser governado por Tabaré Vázquez, do mesmo partido que
Mujica (a Frente Amplio), mas notavelmente mais
moderado.
Na Frente Amplio, detrator histórico da OEA e
que sempre a classificou como o «ministério das colónias dos Estados Unidos» ou como a entidade
encarregada de «cuidar da ordem no pátio das traseiras» – em alusão à definição depreciativa que o Presidente dos EUA James Monroe fez em 1823 para
referir-se ao status dado pelos Estados Unidos à
América Latina –, a eleição de Almagro é vista como
dr
conta que nenhuma agência internacional de notícias divulgou a sua alusão a Sendic – pai do atual
vice-presidente –, ele próprio se encarregou de a repetir em cada uma das entrevistas posteriores à sua
eleição.
A 28 de março, num diálogo com o diário
Tiempo Argentino, disse: «Não sou partidário da
teoria do Big Bang, ou seja, chegar a 26 de maio à
sede da OEA, em Washington, e decidir mudar
tudo, mas creio que devemos apoiar-nos nos aspetos
positivos para expandi-los (…) é imprescindível gerar credibilidade, para que a OEA possa ajudar a
resolver os problemas regionais. Quando fui eleito
citei uma frase de Raúl Sendic, um grande compatriota, a qual se aplica bem à OEA: ‘se nos pomos a
discutir sobre as coisas que vemos de maneira diferente vamos passar a vida toda a discutir, mas se
trabalharmos no que estamos de acordo passaremos
a vida a trabalhar’». Esta foi, seguramente, a única
vez que se escutou na OEA uma referência respeitosa para com um líder guerrilheiro. Quando no século passado, nos cadeirões da OEA se sentavam os
embaixadores das ditaduras, Sendic e os guerrilheiros apenas eram citados como partidários da «subversão marxista».
Luís Almagro
não tem interesse
em administrar
a crise da OEA,
mas quer ser
o facilitador
da sua
renovação na
base do diálogo
um feito que reveste especial relevância num momento em que começa a tornar-se visível uma alteração na política externa do novo governo, uma
mudança de aproximação aos EUA. Assim, a sua
designação é vista como um sinal de que a visão
americanista das relações exteriores uruguaias pode
continuar vigente. O poderoso movimento interno
que se gerou em torno de Mujica levou agora um
dos seus jogadores a um posto de influência regional
que, em simultâneo, pode atuar como travão às políticas de Vázquez.
«Sem alarido, Almagro definiu os passos essenciais para atualizar a OEA com base nas transformações operadas na região», disse o antigo responsável
pelas relações exteriores do Banco Mundial, Sérgio
Jellinek, que formará um trio de assessores juntamente com o economista uruguaio Luís Porto e o
estado-unidense Dan Restrepo, um ex-colaborador
de Barack Obama, filho de pai colombiano e mãe
espanhola. «Conhecedor das novas dinâmicas regionais e da abertura dos EUA relativamente a Cuba,
Almagro pensa que é possível um novo diálogo hemisférico», acrescentou Jellinek. Não são poucos os
desafios que o aguardam: promover uma melhor
divisão da riqueza no continente mais desigual do
mundo, atuar na difícil situação entre a Venezuela e
os Estados Unidos, acompanhar o diálogo do degelo entre Havana e Washington e entre a guerrilha e
o governo da Colômbia, impulsionar a reconstrução
do devastado Haiti e pressionar o Reino Unido para
que ponha fim à sua presença colonial no território
insular argentino das Malvinas.
África21– maio 2015
61
aniversário
Não é preciso criticar rudemente as tentativas de repetição da História –
«uma vez com farsa, outra como tragédia» – para ver Jacarta 2015
sem relação com Bandung 1955, a não ser localizarem-se no mesmo país
Jonuel Gonçalves
Sessenta anos após
O
s encontros na capital indonésia de 21
a 24 de abril caracterizaram-se pela busca
de negócios, afirmação de presenças e
reuniões asiáticas em formato bilateral. A problemática das soberanias, do fim da discriminação
racial e dos poderes coloniais, não podia manifestar-se no quadro atual e muitos observadores irónicos disseram-se mais favoráveis a uma simples e clara
celebração de Bandung, sem intenções de reproduzi-la, em virtude das grandes diferenças conjunturais
que, caso não existissem, seria muito mau sinal.
Vinte e nove países estiveram presentes em
abril de 1955 naquela cidade da ilha de Java, recém-libertados da dominação colonial e em larga
maioria asiáticos. O então primeiro-ministro indiano Nehru e o Presidente indonésio Sukarno
foram os grandes artífices do encontro histórico,
considerado ponto de partida do «Terceiro Mundo». Os africanos eram seis, Egito, Líbia, Sudão,
Etiópia e Libéria, com delegações encabeçadas
por chefes de Estado e de governo. O Gana, ainda em fase de transição para a independência mas
já com larga autonomia, também esteve presente
com Kwame Nkrumah.
Este ano, os presentes eram 80, mas as delegações em geral tinham dirigentes mais modestos.
Sobretudo África, onde o nome mais sonante foi
Robert Mugabe. A África do Sul enviou o seu
62
maio 2015 –
África21
dr
Bandung
Nehru (Índia), Nkrumah (Gana), Nasser (Egito), Sukarno (Indonésia) e Tito (Jugoslávia),
em Bandung, 1955
vice-presidente, pois Jacob Zuma encontra-se retido em virtude dos surtos de xenofobia no seu
país contra imigrantes africanos, situação absolutamente inimaginável em 1955.
O mais importante há 60 anos centrava-se na
liberdade dos povos, embora vários governos
presentes já praticassem repressão. O clima geral
era marcado pela guerra da Argélia e pelo instalar
da guerra fria. Bandung, aliás, serviu como porta
AGUS SUPARTO/EPA
Os chefes de Estado e representantes asiáticos e africanos num passeio histórico pelas ruas de Jacarta, para assinalar o aniversário da Conferência de Bandung
Há 60 anos
teóricos como
Frantz Fanon
e alguns
economistas
e sociólogos
europeus
analisavam
os efeitos
do colonialismo
e anunciavam
uma nova era
após séculos de
história colonial
de acesso ao movimento dos não alinhados, com
a junção da Jugoslávia de Josip Tito aos integrantes do grupo de Bandung.
Na altura, além da guerra da Argélia e do fim
da guerra da Indochina, África conhecia movimentos de protesto a favor da descolonização e a
experiência do Gana prometia ser o primeiro passo
nesse sentido. Teóricos como Frantz Fanon e até
alguns economistas e sociólogos europeus analisavam os efeitos do colonialismo e anunciavam uma
nova era após séculos de história colonial.
No passado mês em Jacarta, a reunião de
maior impacto foi a dos empresários, inaugurada
pelo dono da casa, Presidente Joko Widodo, ex-opositor ao antigo regime indonésio e crítico das
instituições financeiras internacionais. Com o
PIB da Indonésia a crescer em bom ritmo – apesar de contratempos – as autoridades locais moveram-se para se tornarem ainda mais visíveis e
atraírem mais investimentos. A crítica ao FMI e
Banco Mundial dá lugar à implementação do
novo Banco de Desenvolvimento Asiático, com
maioria de capital chinês. A Indonésia mantém os
seus projetos de atingir os dez primeiros lugares
no ranking económico mundial, com fortes hipóteses de sucesso na matéria.
Em paralelo, os primeiros-ministros do Japão
e da China tiveram um encontro para dissolver,
na medida do possível, os focos de atrito entre
eles e o chefe do governo de Tóquio sublinhou a
necessidade de evitar exibições de força militar,
no que pareceu uma referência indireta à China.
Em 1955, um dos antecessores de Widodo, o
então Presidente Sukarno, pronunciou um discurso intitulado «façamos nascer uma nova Ásia e
uma nova África». O balanço asiático não pode ser
considerado negativo, mas o africano é fortemente
questionado, dentro do próprio continente. A capacidade económica, política e social asiática cresceu muito acima de iguais indicadores africanos.
A queda dos preços das matérias-primas pode
agravar essas desigualdades, pois enquanto África
depende delas, a Ásia industrializa-se, num momento de sérias dúvidas sobre a atribuição do
epíteto «emergente» a vários países africanos e latino-americanos, devido à brevidade e alcance de
seus recentes modelos de expansão.
Do ponto de vista político, é notório estar na
Ásia a maior democracia do mundo, ininterrupta
desde a independência e já característica marcante em 1955: a Índia.
Nestes termos, Jacarta em abril de 2015 serviu para afirmar a centralidade asiática na política
internacional e talvez tenha servido a alguns dos
presentes africanos para reflexão sobre os impasses do continente.
África21– maio 2015
63
economia
Na década de setenta
do século passado Angola
foi o terceiro maior
produtor mundial de café
e chegou a produzir mais
de 200 mil toneladas por
ano. Mas no final da Guerra
Civil, em 2002, a produção
não ultrapassava as três mil
toneladas. Hoje já vai
nas 12 mil, mas o objetivo
é superar os valores
da época colonial.
Miguel Correia
DR
Angola tem hoje
cerca de 50 mil
produtores de café,
mas em 2014
apenas produziu
12 mil toneladas
64
maio 2015 –
África21
O gradual despertar
do café de Angola
A
s mãos percorrem lentamente
uma ramada, agarrando um punhado de grãos. Junto à planta,
no chão, uma cesta de verga, onde é despejado o que dentro de alguns dias vai ser
torrado, dando lugar ao café. Os pequenos
bagos vão-se acumulando, num monte
que em pouco tempo quase transborda.
A cesta é então levada para o armazém,
num ritual que se repete dia fora. Local?
Uma plantação familiar de café algures em
Angola.
O país tem hoje cerca de 50 mil produtores de café, mas em 2014 apenas produziu 12 mil toneladas, bem longe de números de outros tempos, quando na
década de 70 do século passado chegou a
ser o terceiro maior produtor mundial,
com mais de 200 mil toneladas/ano. Hoje
a maior parte dos produtores são familiares
e a indústria não está devidamente im-
plantada no território. A produção vai essencialmente para Espanha, Portugal e
Alemanha, com uma percentagem muito
reduzida a chegar ainda a Itália.
O setor conta com o apoio de duas
empresas estatais, Procafé e Cafangol, que
se dedicam à comercialização, torrefação,
moagem e exportação do café. Mas a
produção continua a enfrentar inúmeros
problemas, apesar de as condições para a
sua cultura serem ótimas, com um clima
que ajuda ao crescimento da planta. Contudo, as dificuldades de acesso às áreas
onde se realiza a produção, a falta de
meios para o escoamento do que é colhido, a escassez de quadros qualificados,
bem como a debilidade da indústria
transformadora condicionam a sua afirmação. Se é verdade que há estudos que
apontam para uma produção de 50 mil
toneladas dentro de cinco anos, o facto é
que há cerca de 400 mil hectares de terra
de qualidade a aguardar por investimento
angolano ou estrangeiro.
O programa de Recuperação e Desenvolvimento do Setor do Café, numa análise à situação efetuada em 2014, concluiu
que a «desarticulação das principais unidades de produção, que asseguravam cerca de
dois terços das exportações», e a «instabilidade devido à guerra nas principais regiões
cafeícolas provocaram a diminuição drástica da produção», questão que tem sido difícil de inverter.
Traçando como objetivos o regresso a
um lugar cimeiro em termos mundiais, o
Instituto do Fomento Empresarial (IFE)
realizou, em agosto do ano passado, um
encontro internacional, denominado «Fórum do Café e da Soja». Na altura, Afonso
Pedro Canga, ministro da Agricultura, frisou a importância de se continuar a «desenvolver ações para que a cultura do café
possa ser redinamizada e possa participar
no desenvolvimento económico e social de
Angola. É por isso que Angola lançou o
desafio de recuperar a cultura do café».
Já o diretor-geral do Instituto Nacional
do Café, João Neto, afirmou recentemente
à imprensa que a meta para este ano anda
nas 13 mil toneladas. «Temos de partir
A maior parte
do café angolano
é da variedade robusta
desta base e estamos a procurar delinear estratégias que levem ao aumento da produção a médio prazo, o que acontecerá desde
que tenhamos bons investimentos e crédito
bancário. Se assim for, é possível superar as
100 mil toneladas dentro de 10 a 15 anos»,
afirmou, lançando depois a questão:
«Como avançar com o café de montanha?
Este é um desafio não só em Angola mas
também no Brasil. Já começam a aparecer
novas tecnologias inovadoras que permitem
a diminuição de mão de obra, porque o café
é uma cultura que, quando feita com a
chamada mão de obra intensiva, é muito
desgastante e pouco rentável». Na sua opinião, «com as tecnologias, com o financiamento, com o estudo e o acompanhamento
de toda a cadeia produtiva, em menos de 10
a 15 anos, Angola pode atingir muito mais
que os valores coloniais».
17 milhões de plantas até 2017
A maior parte do café de Angola é da variedade robusta (cerca de 95%), embora
também se produza para fins comerciais o
Os maiores
produtores mundiais de café
O Brasil é hoje, de longe, o maior produtor mundial de café. Por ano, saem das
suas plantações o equivalente a cerca de
22 milhões de sacos de café, o que equivale a um terço da produção mundial.
As plantações apenas começaram no
século XVIII, mas ganharam rapidamente
expressão em diversas áreas do território
brasileiro. A Colômbia, com 10,5 milhões
de sacos, a Indonésia, com 6,7, o Vietname com 5,8 e o México, com 5 milhões,
ocupam as posições seguintes.
A Etiópia, onde nasceu a planta
arábica, é o primeiro produtor africano,
com 3,8 milhões de sacos, e a sua economia depende fortemente da exportação deste produto. A Costa do Marfim e
o Uganda são as outras duas presenças
do continente na lista dos dez maiores
produtores. No Uganda, a sua exploração representa 80% do emprego rural.
Já na Costa do Marfim, a produção tem
vindo a decair, devido a fatores tão diversos como a especulação, o clima
político, a falta de investimento e mesmo
a qualidade inferior do seu café.
Entre os maiores consumidores, são
os países do Norte da Europa que surgem
no topo da tabela. Os finlandeses, noruegueses, suecos e os dinamarqueses são
quem mais bebe, onde curiosamente se
intromete um país africano: a Namíbia, o
maior consumidor do continente.
África21– maio 2015
65
DR
Em todo o mundo são consumidas anualmente
mais de 500 mil milhões de chávenas de café.
Curiosidades
Angola já foi o terceiro maior produtor
mundial de café, na década de 1970.
Angola produz 95% de café tipo robusta
e 5% tipo arábica, um café que tem menos
teor de cafeína, mas que dá mais aroma.
O maior produtor de café do mundo
é atualmente o Brasil.
O maior consumidor de café do mundo
é a Finlândia.
Existem mais de 100 espécies de café
em todo o mundo e todas se encontram
ao longo da faixa equatorial de África,
Ásia e América.
Só no século XVII o café passou
a ser saboreado no continente europeu,
levado por viajantes que passaram
pelo Oriente.
As primeiras cafetarias surgiram
em Meca, favorecidas pela proibição
de ingestão de bebidas alcoólicas.
Vários estudos demonstram que o consumo
moderado de café reduz o risco de doença
de alzheimer, parkinson, cirrose, gota,
doenças cardíacas e a diabetes tipo 2.
O café mais caro do mundo é vendido
na Indonésia e é produzido a partir de
grãos de café que foram parcialmente
mastigados, digeridos e excretados
por um animal semelhante à doninha.
Os grãos são vendidos a mais de 600
dólares o quilo e uma chávena pode
chegar aos 50 dólares.
66
maio 2015 –
África21
arábica. As principais províncias produtoras são Uíje, Cuanza Norte e Cuanza Sul.
O café robusta é produzido nas províncias do Bengo, Cuanza Norte, Uíge e
Cuanza Sul, enquanto o tipo arábico se
produz acima daquelas altitudes, nas regiões do Huambo, Bié, interior de Benguela (Ganda, Cubal) e Caluquembe,
província da Huila, e numa parte do
Cuanza Sul.
Uíge tem já uma longa tradição na
plantação de café e é um retrato da atual
situação do setor no país. A produção
arrancou nos inícios do século XX e
mobilizava na altura milhares de trabalhadores. Com o fim da Segunda Guerra
Mundial, o mundo aumentou em muito
o consumo de café, o que permitiu o
surgimento de pequenas e grandes plantações na região. O cultivo foi crescendo
nas décadas seguintes e o ano de 1972
bateu recordes, com 80 mil toneladas na
província. Dados de 1973 indicam que
nesse ano o café representava 27% do total das exportações de Angola e mais de
70% das vendas ao exterior de produtos
agrícolas.
A Guerra Colonial foi dificultando a
produção, embora já após a independência, em 1976, a província possuísse 3379
fazendas, das quais cerca de 1700 pertencentes ao Estado e que davam assistência
técnica a 200 mil explorações familiares.
Com a Guerra Civil, a produção decresceu
substancialmente, e em 1983 os números
não ultrapassavam as 1121 toneladas.
O desafio passa hoje por lançar à terra
três milhões de novas plantas até 2017,
com o objetivo de relançar esta cultura.
Uma produção com séculos de história
Gota a gota o líquido escorre do filtro,
acomodando-se na base da cafeteira.
Lentamente, o café vai enchendo o recipiente. De cor castanha, é depois distribuída pelos convidados. O ritual é de
hoje, mas também podia ter ocorrido há
alguns séculos.
Pensa-se que o café terá surgido nas
terras altas da Etiópia, no século IX. Conta uma lenda que um pastor verificou que
as suas cabras ficavam mais despertas ao
comer os frutos e as folhas do cafeeiro.
Experimentou as bagas e sentiu-se mais
estimulado. Um monge que vivia perto,
ao saber do facto, começou a usar uma
infusão para ficar mais desperto enquanto
orava. Estavam assim dados, segundo esta
versão, os primeiros passos para a existência do café tal como o conhecemos hoje.
Certo é que os manuscritos mais antigos nos quais se menciona a cultura do
café foram encontrados no Iémen e datam de 575. Na altura era consumido
como fruto. Apenas no século XVI, na
Pérsia, os primeiros grãos de café foram
torrados, permitindo chegar-se à bebida
que hoje saboreamos.
O café acabou por se tornar importante
na cultura árabe. Durante vários séculos estes dominaram o seu cultivo, a ponto de
impedirem que os estrangeiros tomassem
contacto com as suas plantações. Mas aos
poucos, primeiro com os holandeses, depois
através dos franceses e posteriormente de
outras nações europeias o café foi levado e
explorado nas colónias de então, nas Américas e África.
Hoje é das bebidas mais consumidas no
mundo, e calcula-se que por ano sejam ingeridas mais de 500 mil milhões de chávenas em todos os continentes. Segundo a organização Internacional do Café (OIC),
num relatório de março, esta é uma bebida
que vai continuar a sofrer um substancial
aumento na sua procura, nomeadamente
em África, com um previsível crescimento
de 5% ao ano.
Uma empresa que deixa marca
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21– maio
África21Á–frica
DEZ 2014
/ JAN 2015
67
73
Mudar de paradigma
para captar
investimento sustentável
ASAEL ANTHONY/HEMIS.FR
são tomé e príncipe
«São Tomé e Príncipe – um arquipélago de oportunidades».
É o que o Governo do primeiro-ministro Patrice Trovoada
tem procurado demonstrar aos investidores. O pequeno país
do Golfo da Guiné, que a imprensa internacional considera
ser paradisíaco, tem um enorme potencial, não só no plano
turístico. Falta assegurar condições atrativas para conquistar
mais investimento externo.
João Carlos
C
om uma inflação de 7% (2013),
a economia santomense cresce
anualmente cerca de 5%. Mas
as ilhas africanas situadas na linha do
Equador, com cerca de 180 mil habitantes, ainda são pouco atrativas para o capital estrangeiro. Os constrangimentos
são vários, a começar pela burocracia,
falta de incentivos fiscais e segurança
jurídica, além de possuir um setor energético deficiente composto por uma
baixa capacidade de produção.
O contexto político, depois das eleições legislativas de 2014 que deram maioria absoluta ao Governo chefiado por Patrice Trovoada, parece ser mais favorável,
contrariando o adverso ambiente de instabilidade registado no passado. A República Democrática de São Tomé e Príncipe
não oferecia garantias de estabilidade, em
consequência das várias crises político-institucionais que levaram ao derrube sucessivo de vários governos.
Os constrangimentos apontados por
alguns agentes económicos são sublinhados por Nuno Madeira Gonçalves, CEO
do HBD Group, do multimilionário sul-
68
maio 2015 –
África21
-africano Mark Shuttleworth. Há um código de apoio ao investimento que não está
regulamentado. «É indispensável que haja
um código de benefícios fiscais», reclama
o também presidente da recém-criada
Associação Empresarial de São Tomé e
Príncipe.
«Como nenhum outro país da África
Ocidental, São Tomé e Príncipe não é para
meninos», adverte Agostinho Pereira de
Miranda, sócio fundador da Miranda
Correia Amendoeira & Associados, um
dos parceiros empenhados em ajudar o
Executivo santomense a captar investimento externo. Agostinho Miranda afirmou, numa conferência em Lisboa, que
«São Tomé e Príncipe é para gente com
coragem, energia, perseverança e algum
idealismo» e não para aqueles que desistem
ao primeiro embate ou obstáculo. As ilhas
do Golfo da Guiné, acrescentou, não são
para quem procura «protagonismo fácil».
A anunciada decisão do Estado de
abertura ao investimento foi reafirmada
pelo ministro da Presidência do Conselho
de Ministros e Assuntos Parlamentares,
Afonso Varela, numa conferência realiza-
da, em abril último em Lisboa, organizada
em parceria com aquelas instituições.
O governante santomense, que apresentou
as oportunidades de investimento do seu
país, assume que é possível, com esta nova
estratégia, definir como meta a melhoria
do índice de desenvolvimento humano no
espaço de uma única geração.
Localização geográfica vantajosa
Apesar da pequenez do arquipélago, de
1001 quilómetros quadrados, Afonso Varela aponta a sua localização geográfica na
região da África Central (CEEAC) e Ocidental (CEDEAO) como um recurso natural importante e estratégico, a que já
prestam atenção parceiros como o Brasil
no âmbito da sua bem definida política
africana. Pelos seus recursos, países como a
A localização geográfica
do país na região da África
Central e Ocidental
é um recurso natural
importante e estratégico
países acordos de dupla tributação para a
promoção de investimentos.
Internacionalizar a economia
Em poucas palavras, disse o ministro,
«pretendemos mudar o paradigma atual».
Os empresários convidados a participar no
evento de Lisboa terão saído convencidos
disso pela mensagem de confiança e otimismo transmitida pelo governante.
O país quer, deste modo, internacionalizar
cada vez mais a sua economia. Por seu
lado, a AESTP, que conhece as preocupações dos empresários, cumpre a sua missão
como parceira do Governo, ao divulgar
aspetos práticos sobre a melhor forma de
fazer negócios e investir no arquipélago.
O próprio Grupo Banco Mundial, que
enviou à conferência Gloriana Echevirria,
O Governo está a preparar
um pacote de medidas
jurídicas, que abarcam a
proteção do investimento
São Tomé e Príncipe tem
como meta a melhoria do
índice de desenvolvimento
humano no espaço
de uma única geração
Nigéria e a República Democrática do
Congo, a pouca distância das ilhas e com
uma classe média que cresce, estão no xadrez da estratégia santomense.
Na sua zona de influência também estão a Guiné Equatorial e Angola, que disputa com a Nigéria o primeiro lugar na
exploração e produção petrolífera. A este
grupo junta-se o Gabão e os Camarões,
também com uma classe média cada vez
mais exigente e mais atrativa.
O Executivo de Patrice Trovoada
também quer apostar na criação de um
conjunto de infraestruturas logísticas que
visam potenciar o desenvolvimento, no
qual se inclui a construção de um porto em
águas profundas, que fará do arquipélago
uma plataforma marítima importante na
região. Para a ilha do Príncipe, onde está
em curso um projeto de desenvolvimento
sustentável baseado na preservação ambiental, projeta-se um porto de raiz.
Os setores da energia, bem como a
agricultura, educação e saúde são outras
áreas abertas ao investimento estrangeiro.
A par disso, o forte potencial turístico faz
das ilhas um espaço propício para o incremento de várias atividades na área da
prestação de serviços.
Por outro lado, segundo Afonso Varela, o Governo está a preparar um pacote de
medidas jurídicas, que abarcam a proteção
do investimento. O direito à propriedade
está salvaguardado por lei, mas o empresariado diz que o diploma também carece de
regulamentação.
O código de investimento está igualmente em fase de revisão e é preciso dar
segurança aos investidores a nível dos tribunais. Está em curso a reforma jurídica,
que contempla a arbitragem internacional
de litígios empresariais. A informatização
de toda a administração visa tornar céleres
os procedimentos para reduzir os efeitos
negativos do excesso de burocracia. Entre
outras medidas, serão assinados com vários
da Agência Multilateral de Garantia de Investimento (MIGA), está atento ao alcance
das medidas pelo interesse que tem vindo a
manifestar para o incremento do setor do
turismo, o qual considera fundamental para
o crescimento da economia e melhoria do
nível de vida dos santomenses.
O país representa uma pequena economia, com condições naturais esplêndidas e
muitas vantagens comparativas em África,
agora reforçadas com a estabilidade política. A instituição financeira, que tem várias
operações em São Tomé e Príncipe, está
nesta altura a analisar um investimento
turístico proposto pela HBD. «Creio que
2015 será um bom ano para o país, no
âmbito da colaboração com o Banco
Mundial», afirmou a representante da
MIGA.
A missão realizada por Afonso Varela
insere-se num conjunto de ações que o
Governo de Patrice Trovoada leva a cabo
no plano externo e interno com o objetivo
de, 40 anos depois da independência nacional, inverter o ciclo de marasmo institucional e pautar por políticas de desenvolvimento sustentado.
África21– maio 2015
69
insumos
Francisco Ferreira, Banco Mundial
Banco Mundial
alerta países africanos
para ampliarem
tecido económico
África deve usar a queda que a economia do continente vai sofrer como uma oportunidade para
aprofundar as reformas estruturais, diversificando
o setor produtivo com aposta em domínios como
as manufaturas. A necessidade do continente ampliar o seu tecido económico foi enfatizada pelo
economista chefe para África do Banco Mundial
(BM), Francisco Ferreira, e por Punam Chuhan
Pole, um dos economistas principais da instituição, durante uma videoconferência em Maputo
com jornalistas de vários países africanos. O encontro permitiu partilhar as principais conclusões
da análise bianual «Pulso de África», que mostra
as tendências que a economia continental irá seguir em cada ano.
«Este ano é de grandes desafios para África,
porque a sua economia sofrerá uma queda de
4,5%, em 2014, para 4% este ano», afirmou
Francisco Ferreira. O economista brasileiro disse,
por outro lado, que esta constitui «uma grande
oportunidade para aprofundar a transformação
estrutural que o continente precisa». Ferreira sustentou que os governos africanos devem converter
o arrefecimento da economia numa ocasião para
alargar o tecido produtivo, apostando em áreas
como manufaturas, setor energético, remoção de
barreiras ao comércio, infraestruturas e melhorar
a rede de transportes. Sublinhou também que o
abrandamento da economia africana será mais
sentido pelos principais países exportadores de
petróleo, como Angola e a Nigéria, a maior economia da região.
Punam-Chuhan Pole adiantou, por seu lado,
que os países africanos com uma economia mais
diversificada estarão mais bem preparados para
conter os efeitos da queda, tirando proveito da
baixa de preços de petróleo.
70
maio 2015 –
África21
O setor do turismo deverá contribuir com um crescimento de 3,7% para a
riqueza mundial, podendo criar mais 2,6% de emprego. A projeção é de
David Scowsill, presidente do Conselho Mundial de Turismo e Viagens
(WTTC), que destacou o bom comportamento do setor pelo quinto ano
consecutivo. Scowsill sublinhou durante a sua intervenção na Cimeira Mundial do Turismo, em Madrid, que a recuperação do setor prossegue. Entretanto, ressalvou que os atos terroristas como os que aconteceram na Tunísia
e no Quénia terão «consequências imprevisíveis». E também referiu que as
quedas do preço do petróleo são um fator que afeta diretamente o turismo.
A crise, como acrescentou, terá beneficiado muitos consumidores, mas tal
facto também gerou instabilidade para as companhias e os países produtores.
Para o presidente do WTTC, as empresas devem adaptar-se às novas tecnologias, considerando que a revolução digital está a desmantelar o atual modelo de negócios. Na sua perspetiva, estas mudanças constituem um elemento
muito sério para a indústria do turismo e das viagens.
dr
dr
Turismo deve adaptar-se às novas tecnologias
Economia chinesa cresce com abrandamento
A China atraiu mais de 34 mil milhões de dólares em investimento externo
direto no primeiro trimestre de 2015. De acordo com o ministério chinês do
Comércio o aumento foi de 11,3% em relação a igual período do ano anterior. A mesma fonte revela que cerca de 62% daquele valor foi investido no
setor dos serviços, nomeadamente finanças, distribuição e transportes, dando
conta que o número de empresas com capitais externos constituídas entre
janeiro e março aumentou 22,4%, para 5861. A lista dos dez maiores investidores é encabeçada por Hong Kong, seguindo-se a Coreia do Sul, Taiwan,
Singapura e Japão, enquanto os Estados Unidos ocupam o sexto lugar, à
frente da Alemanha, Reino Unido, França e Arábia Saudita.
No contexto da economia mundial, a China é dos países que atrai mais
investimento externo, sendo igualmente considerada o maior exportador do
planeta, com reservas cambiais estimadas em 3,8 biliões de dólares. Os dados
oficiais precisam que, entre janeiro e março, o crescimento do Produto Interno Bruto chinês abrandou para 7%, considerado o valor mais baixo no espaço de seis anos. Por sua vez, o comércio externo caiu 6% em relação a igual
período de 2014. Segundo o Fundo Monetário Internacional, a economia
chinesa deverá crescer este ano 6,8%, o que corresponde a quase o dobro da
média global (3,5%), com previsão de abrandamento para 6,3% em 2016.
SANTOS PEDRO/JORNAL DE ANGOLA
Carlos Feijó considera que São Tomé e
Príncipe enfrenta dois problemas sérios na
sua estratégia de exploração de hidrocarbonetos na zona fronteiriça com a Nigéria e nas
suas águas territoriais. Numa conferência
em Lisboa sobre o impacto da crise do petróleo na economia global e as relações de poder
internacional, o ex-ministro de Estado de
Angola entende, por um lado, que não existe
no arquipélago um suficiente regime de
atratividade de investimento neste setor e,
por outro, aponta como necessária uma
aposta séria do governo santomense na formação de quadros. Na opinião do jurista
angolano, reinou durante as negociações um
certo amadorismo, numa clara alusão aos
contratos petrolíferos assinados entre a Nigéria e São Tomé e Príncipe, processo que
diz ter sido dominado pelos nigerianos.
«Acho que os nigerianos, quando lá chegaram, trabalharam com amadores. E então
tudo fizeram, tudo dominaram», afirmou.
Carlos Feijó defende que o exemplo de
STP é igualmente útil a países como a Guiné-Bissau, caso venha a explorar petróleo, ou
a Moçambique, que vive o boom das descobertas de recursos naturais. «Se também não
tiverem algum cuidado, por muito gás que
tenham não vão se transformar nada num
segundo Qatar». Sublinha que é importante
ter em atenção o regime jurídico, a formação
e as instituições que lidam com os dossiês.
O ex-chefe da Casa Civil do Presidente de
Angola refere que as autoridades santomenses deveriam importar um pouco da experiência de Angola, que agora gere medidas
para debelar os efeitos negativos da crise
provocada pela queda do preço do petróleo
no mercado internacional.
Carlos Feijó, ex-ministro de Estado de Angola
EDUARDO PEDRO/JORNAL DE ANGOLA
Petróleo e o amadorismo
de São Tomé e Príncipe
TAAG retoma voos para Kinshasa
A transportadora aérea angolana TAAG retomou a 23 de abril os seus voos
entre Luanda e Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, suspensos há cerca de seis anos. A reativação da ligação Luanda-Kinshasa é interpretada como um sinal da melhoria das relações entre os dois países, que tinham atingido o seu ponto mais baixo em 2009, na sequência das expulsões
de cidadãos congoleses em situação irregular em Angola, ao que Kinshasa
respondeu com a expulsão de dezenas de milhares de angolanos residentes na
RDC, muitos deles há duas ou três gerações. Em janeiro o Presidente José
Eduardo dos Santos foi a Kinshasa assinar quatro acordos de cooperação,
nomeadamente no setor dos transportes. E, um mês mais tarde, o Presidente
Joseph Kabila assistiu com os seus homólogos angolano e zambiano à inauguração do último troço do Caminho de Ferro de Benguela que permitirá encaminhar até ao porto de Lobito o minério de cobre do Katanga.
Segundo os analistas, esta cooperação reforçada no setor dos transportes e
comunicações abre aos agentes económicos angolanos um mercado congolês
forte de cerca de 75 milhões de consumidores, enquanto ajuda as empresas
instaladas na RDC a reduzir os custos da interioridade.
Mudanças no Ministério dos Transportes de Angola
No interior do Ministério dos Transportes de Angola, a Direção Nacional
dos Transportes Rodoviários (DNTR) deu lugar ao Instituto Nacional dos
Transportes Rodoviários (INTR). A apresentação pública e formal do novo
organismo aconteceu a 17 de abril durante a Conferência Internacional sobre
Transportes Rodoviários.
O INTR é um organismo sob a tutela e a superintendência do Ministério
dos Transportes e tem por finalidade supervisionar, regulamentar e inspecionar as atividades relacionadas com o transporte rodoviário em Angola. Ainda
durante a conferência, presidida pelo ministro dos Transportes, Augusto da
Silva Tomás, foram discutidos temas como Mobilidade Urbana Sustentável,
Sistemas Inteligentes de Gestão do Transporte Urbano e Transporte Urbano
e Passageiros e Distribuição Urbana de Mercadorias. A conferência decorreu
sob o lema «Os Transportes Rodoviários, a Mobilidade de Pessoas e Bens e o
Desenvolvimento das Economias» e contou com a participação de mais de
600 congressistas, incluindo oradores convidados do Brasil e Portugal.
África21– maio 2015
71
insumos
Angola recorre ao crédito
para financiar
infraestruturas prioritárias
JOÃO GOMES/JORNAL DE ANGOLA
Abraão Gourgel, ministro da Economia de Angola
72
maio 2015 –
África21
Aumenta capacidade hoteleira em Angola
O secretário de Estado angolano da Hotelaria, Paulino Baptista, anunciou a
abertura para breve de 25 unidades hoteleiras de diversas categorias que elevarão
para 1965 o número de quartos disponíveis em todo o país. Segundo Paulino
Baptista entre as infraestruturas a inaugurar no âmbito das festividades do quadragésimo aniversário da proclamação da independência figuram o Hotel Intercontinental de Luanda, com 390 quartos; o Hotel Palanca, de 146 quartos, em Malange, e 20 unidades do grupo hoteleiro AAA, em construção em cinco províncias.
«Estas inaugurações vão mudar para sempre a fisionomia da indústria hoteleira
angolana», disse o governante, que presidiu à inauguração na capital portuguesa
do hotel Skyna Lisboa, do grupo angolano Skyna.
Angola na Expo Milão
Angola participa na Expo Milão 2015,
que se realiza de 1 de maio a 31 de outubro, com um pavilhão independente
com 2010 m2, numa representação com
destaque para a agricultura, organizada
em torno do tema «Alimentação e Cultura: Educar para Inovar».
Os responsáveis acreditam que a
exposição mundial, com o tema central
«Alimentando o planeta: Energia para a
Vida» será uma oportunidade para Albina Assis, comissária de Angola
atração de investidores. Razão pela qual
está prevista a realização de colóquios de forma a dar visibilidade às potencialidades do país, sobretudo numa época em que Angola se empenha de forma
crescente na diversificação da sua economia. «A nossa intenção é mostrar o
que está a ser feito e os grandes avanços verificados no setor da agricultura»,
referiu Albina Assis, comissária de Angola para a Expo 2015. «Vamos pôr em
evidência o nosso Plano Nacional de Desenvolvimento e, a partir daí, os investidores terão vários eixos ao chamamento das suas necessidades e ao complemento das nossas necessidades».
O pavilhão de Angola inspira-se na figura do embondeiro e terá um mural
a ilustrar as sete maravilhas naturais do país, além de espaços de galerias, restaurantes, espaços para espetáculos, jardim infantil e atividades pedagógicas
relacionadas com a agricultura.
EDUARDO PEDRO/JORNAL DE ANGOLA
O ministro angolano da Economia, Abraão
Gourgel, confirmou ao diário britânico Financial Times que o seu país pretende contrair empréstimos externos por um valor de
10 mil milhões de dólares para financiar as
infraestruturas consideradas prioritárias.
«Há projetos que serão adiados; alguns
ainda não tinham começado e outros que
estavam em curso vão abrandar mas a
maior parte vai continuar e serão financiados com linhas de crédito externas», precisou Gourgel.
Fortemente afetado pela queda do
preço do petróleo nos mercados internacionais, o país deverá mobilizar um total
de 25 mil milhões de dólares dos quais 15
mil milhões provenientes de disponibilidades internas. Os restantes 10 mil milhões deverão ser contratados nos mercados internacionais. Para o conseguir,
Angola tenciona emitir eurobonds por um
valor global de 1000 a 1500 milhões de
dólares. Uma pequena parte será colocada
através das instituições multilaterais (Banco Mundial, Banco Africano de Desenvolvimento) e a maior fatia mediante negociações de linhas de crédito junto de
«países amigos».
A maioria dos analistas estima que a situação angolana está sob controlo e o país menos
exposto do que aquando do choque petrolífero de 2009. As reservas cambiais totalizam 25
mil milhões de dólares e o governo tomou de
imediato um conjunto de medidas para as
securizar e travar a degradação.
África Subsariana em crescimento
O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que a economia da África
Subsariana cresça 4,5% este ano, segundo as estimativas constantes do Regional Economic Outlook, apresentado no final do mês.
Para os países lusófonos são apontados índices de crescimento, sendo a
melhor previsão a que diz respeito a Moçambique, para o qual se prevê uma
expansão do PIB, que deverá registar uma subida de 8,1% no próximo ano.
Apesar da crise financeira decorrente da descida dos preços do petróleo no
mercado mundial, o relatório aponta para uma aceleração do PIB de Angola,
que deverá crescer 4,5% este ano. Quanto aos restantes PALOP – Cabo Verde,
Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe – o FMI estima que os valores a registar
este ano sejam semelhantes aos de anos anteriores.
No universo da CPLP há contudo um país africano que foge à regra, a
Guiné Equatorial, para cuja economia o FMI prevê uma contração de 15,4%,
embora não sejam indicadas as razões que justifiquem esta percentagem. Segundo
números da instituição, a economia do país desceu 3,1% em 2014 e no ano
anterior registou um decréscimo do PIB de 4,8%.
Produção de petróleo em Angola
aumentou nos três primeiros meses
A produção de petróleo em Angola no primeiro
trimestre aumentou para cerca de 1,8 milhões de
barris por dia, segundo dados da Bloomberg, o
que representa uma recuperação significativa
face à produção média do ano passado (1,65
milhões de barris por dia). Este aumento da
produção pode ajudar a anular os preços baixos
que estão a ser praticados no mercado, sendo um
apoio para Angola poder equilibrar as contas públicas, principalmente num contexto de aumento da volatilidade dos preços do petróleo, que no mês passado se
situaram entre os 50 e os 60 dólares por barril.
União Europeia dá a mão à Tunísia
A Comissão Europeia (CE) vai conceder 100 milhões de euros (cerca de 106 milhões de dólares) à Tunísia, sob a forma de empréstimo, destinados a ajudar a enfrentar os desafios económicos num momento de instabilidade. O executivo comunitário considera que esta ajuda deve aliviar a pressão financeira sobre o país, num
momento em que está a atravessar uma transição política histórica e a implementar
um ambicioso programa de reformas económicas. A CE deu já luz verde à primeira
parcela da assistência macrofinanceira, com base num total de 300 milhões de euros
(cerca de 319 milhões de dólares) aprovados pela União Europeia em maio de
2014. O comissário europeu para os Assuntos Económicos e Financeiros, Pierre
Moscovici, disse que a prioridade é apoiar o país para que mantenha a estabilidade
macroeconómica enquanto se aproxima de «um modelo de crescimento mais sustentável e socialmente inclusivo». De acordo com Moscovici, «a Tunísia também
enfrenta instabilidade regional e ameaças à sua segurança nacional». A UE revelou
que já colocou à disposição da Tunísia mais de 800 milhões de euros (cerca de
850,5 milhões de dólares) de assistência desde a Primavera Árabe, em 2011.
ANGOLA-TURQUIA A Turquia quer aumentar as trocas comerciais com Angola, de
modo a atingirem uma cifra de 1000 milhões
de dólares. Nos últimos dez anos o volume
de trocas subiu de 23 milhões para 293 milhões de dólares, segundo informações divulgadas no Fórum Angola/Turquia realizado em Angola no mês de abril. Os governos
dos dois países querem reforçar as parcerias
nos domínios de produção agroindustrial, setor têxtil, mobiliário, papel e seus derivados,
produtos químicos, incluindo fármacos, matérias de construção, indústria de reciclagem e
outros ramos.
CRESCIMENTO A consultora Business
Monitor (BMI) reviu em alta a previsão de
crescimento para Angola este ano, passando a prever uma expansão de 2,6% em vez
de 1,9%, antecipando ainda uma aceleração
de 3,1% para 2016. A tabela da BMI que é
disponibilizada pela agência de informação
financeira Bloomberg duas vezes por mês
contém as previsões para o crescimento do
Produto Interno Bruto em vários países,
mostrando também a diferença relativamente à previsão da quinzena anterior.
COMBOIO Arranca em breve um projeto de
linha ferroviária de grande velocidade para
ligar Marrocos, Argélia e Tunísia. Os estudos para a execução do projeto foram já
lançados na Argélia e este servirá os cidadãos dos três países do Magrebe. Segundo
o diretor-geral dos caminhos de ferro da Argélia, Yacine Benjaballah, foram consagrados ao projeto 1,29 milhões de dólares e
encomendados 30 comboios de transporte
de mercadorias a empresas americanas e
francesas.
CHINA-ÁFRICA DO SUL Existem 21 empresas chinesas a operar no mercado sul-africano, verificando-se que a cooperação
económica entre os dois países passa por
«momentos satisfatórios», como referiu o
conselheiro económico da embaixada chinesa no país, Rong Yansong. O investimento chinês na África do Sul ultrapassa
13 mil milhões de dólares.
África21– maio 2015
73
74
maio 2015 –
África21
press release
n MERCATOR DA LÍNGUA
PORTUGUESA
Os países de língua oficial portuguesa importam cerca de 440 mil milhões de dólares e
exportam 5,5 mil milhões de dólares todos os
anos para o mundo, segundo revela o livro
Mercator da Língua Portuguesa - Teoria e
prática do marketing. O livro, que fala sobre a
prática de marketing no espaço lusófono, foi
lançado a 10 de abril, em Luanda.
O coautor do livro, Vicente Rodrigues, considerou relevante a adoção das teorias e práticas de marketing para o desenvolvimento
económico. E afirmou que as empresas, ao
adotarem uma postura de conhecimento dos
consumidores e desenvolverem estratégias
que tenham a ver com aquilo que os clientes,
podem ambicionar melhores resultados. O livro, primeiro lançado em Portugal, tem vindo
a ser disponibilizado noutros países de expressão portuguesa. O evento em Angola foi
presidido pelo ministro da Economia, Abraão
Gourgel.
n BNI EUROPA SUBSCREVE
LINHA DE CRÉDITO DE 500 MILHÕES
O Banco BNI Europa subscreveu em abril o
protocolo de Linha de Crédito de 500 milhões
de euros (cerca de 550 milhões de dólares),
destinado a apoiar as empresas portuguesas
com processo de internacionalização em Angola, numa cerimónia realizada no Ministério
da Economia português e em conjunto com
outras entidades públicas e financeiras. A linha de crédito destina-se a financiar empréstimos de curto e médio prazo, no montante
máximo de financiamento por empresa de
1,5 milhões de euros (cerca de 1,6 milhões
de dólares), garantidos até 80% pelo Sistema
de Garantia Mútua.
«Esta linha de crédito constitui um instrumento relevante, permitindo que empresas exportadoras de bens e serviços para Angola, ou
com processos de internacionalização em
curso, possam minimizar as dificuldades de
tesouraria com que se deparam, possibilitando-lhes assim prosseguirem com os seus negócios e parcerias com o mercado angolano»,
afirmou Miguel Rola Costa, Presidente da
Comissão Executiva do BNI Europa.
n 6.º CONGRESSO
CARDS & PAYMENTS EM ANGOLA
O iiR Angola vai organizar uma nova edição
do congresso mais antigo e com mais êxito do
mercado angolano no setor dos meios de pagamentos, a realizar em Luanda a 26 de maio
no Hotel Trópico.
O evento contará com painéis de especialistas sobre segurança e a privacidade, as melhores práticas para detetar, prevenir e combater a fraude e o branqueamento de capitais.
Também serão apresentados casos práticos
e no final da jornada será realizado o Champagne Think Tank, mesa redonda em que os
líderes dos principais BANCos de Angola debaterão as oportunidades e os desafios com
que se depararão no futuro os sistemas de
pagamento do país. O número de balcões e
ATM aumentou no país nos últimos anos.
Com a entrada da VISA e da Mastercard no
mercado angolano, as exigências de segurança e privacidade aumentaram e os emissores
de cartões devem estar preparados. Existe
também um aumento considerável de operações com TPA e os players do setor estão a
investir na multicanalidade.
n SIEMENS RECRUTA
JOVENS ANGOLANOS
A Siemens, cuja presença em Angola sempre
se pautou pela aposta na formação e capacitação dos recursos humanos locais, está neste
momento à procura de jovens com formação
nas áreas da eletrónica/eletrotecnia e mecatrónica, para a realização de estágios na área da
engenharia, dois dos quais passados na Alemanha. Ciente que o maior ativo do país são
as pessoas, a Siemens tem ainda privilegiado
a seleção de profissionais locais para a realização de projetos e prestação de serviços de
valor acrescentado. Por essa razão criou também, por exemplo, o programa Welcome Back
que procura encontrar profissionais de nacionalidade angolana um pouco por todo o mundo, e criar as condições necessárias para que
estes regressem ao país. Através deste programa já foram recrutados colaboradores na
Alemanha, Rússia e Brasil, entre outros.
n WESTERN UNION COLABORA
COM RUCÂMBIO
A Western Union, líder em serviços globais
de pagamento, e a Rucâmbio, prestadora
de serviços de câmbio em Angola, assinaram um acordo para fornecer os serviços de
transferências da Western Union aos clientes através da sua rede. Este acordo permitirá aos clientes enviar e receber pagamentos locais e internacionais em minutos a
partir das localizações privilegiadas da Rucâmbio em Luanda. Este acordo é um marco significativo na medida em que a Rucâm-
Rui Carvalho (Rucâmbio) Richard Malcolm (Western Union)
bio é o primeiro agente não bancário, nem
pertencente aos serviços de correio no país
a firmar uma parceria com a Western Union.
A expectativa é que esta nova categoria
complemente as redes da Western Union
existentes, quer bancárias, quer do serviço
de Correios de Angola com benefícios de
conveniência para os clientes e de horas
adicionais de operação.
África21– maio 2015
75
Os últimos anos
da guerra
pela independência
de Angola
STF/AFP
testemunho
Entre dez e doze anos após o começo das ações armadas
pela Independência de Angola, a situação militar no terreno
tinha mudado o eixo central do norte para o leste e, de
dois movimentos armados iniciais, passámos a três com a
fundação da UNITA, dissidência da FNLA
Jonuel Gonçalves
O
combate clandestino mantinha as mesmas características
do pré-guerra.
Os confrontos nas duas frentes (Norte
e Leste) tinham reduzido muito de intensidade e frequência, porém, o apoio popular
à luta contra o colonialismo continuava
sem alteração. De tal forma, um mapa elaborado pelos serviços de inteligência e ação
psicológica das forças armadas portuguesas
assinalava, no começo dos anos de 1970,
diversas zonas do país muito marcadas
como «infetadas pelo inimigo».
A diminuição de ações armadas nos
meios rurais do Leste e do Norte tinha
várias razões e dava lugar a importantes
debates – dentro dos movimentos e em
círculos que se apresentavam como «nacionalistas revolucionários», sem organização específica.
No Norte, a maior parte das ações,
mesmo de pouca envergadura, eram mais
numerosas em Cabinda, produzidas pelo
MPLA que dispunha de uma importante
base nas proximidades, em Dolisie (Congo
Brazzaville). Nas províncias do Zaire, Uíge
e Luanda, o que havia de MPLA tinha es-
76
maio 2015 –
África21
cassos meios e a FNLA estava ausente,
agindo por vezes através da fronteira do
Congo Kinshasa, mas ressentia-se muito de
dissidências internas, sobretudo após a revolta no seu campo de Kinkuzu.
No Leste, o MPLA também fazia incursões a partir da Zâmbia, na qual instalara escritórios em Lusaka e uma base mais
perto da fronteira (VC). As incursões foram
de grande intensidade no final dos anos de
1960, indo muito além do então distrito do
Moxico, até à Lunda e ao Cuando-Cubango. Figuras mais tarde importantes no governo, como Petrov e Dino Matross, tiveram papel de destaque nessa fase.
As dificuldades guerrilheiras
Porém, operações repressivas coloniais
obrigaram a diversos recuos e causaram
baixas de responsáveis destacados, como
Nicolau Spencer e o Américo Boavida. Em
seguida a Revolta do Leste reduziu ainda
mais a presença constante na área. A UNITA
dispunha de todas as suas forças próximo
na faixa do Lungué-Bungo, comandadas
pelo próprio Jonas Savimbi, mas não voltou a fazer nenhuma ofensiva com o im-
pacto do ataque à então vila Teixeira de
Sousa (Luau) na década de 60, na verdade
seu ato de nascimento. O desequilíbrio em
efetivos, em meios logísticos e em armamento com as forças armadas portuguesas,
não eram as únicas razões da passagem a
guerra de muito baixa intensidade.
No Norte, as relações de Mobutu com
as autoridades portuguesas de então limitavam seriamente quaisquer intenções de
mais atividade pela FNLA, aparte algumas
emboscadas onde a presença de Pedro
Afamado era bastante assinalada, dando-lhe prestígio entre os camponeses a norte
do Uíge.
As referidas relações iam a ponto de
Kinshasa permitir a presença em território
congolês de atividades de informação por
alguns comerciantes portugueses em benefício da PIDE. Tive a clara perceção disso
quando passei alguns meses de 1970 no
Congo, com várias idas à fronteira em reconhecimento, precisamente no quadro
daqueles círculos «nacionalistas revolucionários» empenhados em propostas e
estabelecimento de vias capazes de aumentar a pressão militar sobre o regime colo-
No Norte, a maior parte
das ações eram mais
numerosas em Cabinda,
produzidas pelo MPLA
que dispunha de importante
base nas proximidades
um ponto sensível da infraestrutura
económica colonial, ou seja, o Caminho
de Ferro de Luanda (CFL), ligação de
primeiro plano entre a capital e o planalto de Malange. No MPLA o contexto
interno evoluía em torno do «movimento de retificação», do qual emergiu, simultaneamente, nova linha de orientação da sua cúpula e o embrião da Revolta
Ativa (RA).
nial, visando negociações, tema do qual se
falava desde a entrada de Marcelo Caetano
na chefia do governo português.
Esta entrada contribuiu para mais co­
operação fronteiriça entre a PIDE e o
CND (polícia política mobutista), conforme constatei nos referidos reconhecimentos e, pouco depois, notaria a existência de
contactos a alto nível político entre o Senegal e Lisboa, a propósito da Guiné-Bissau.
No entanto, outro elemento existia há mais
tempo, abrangendo também a Zâmbia: as
autoridades portuguesas garantiam o normal movimento comercial da província
congolesa do Katanga e do copperbelt zambiano, pela via ferroviária (CFB) em direção ao Lobito, em troca da proibição de
ataques ao CFB.
Isso criava mais desvantagens às forças nacionalistas no Leste, acrescidas à
ecologia do Moxico pouco propícia à
guerra assimétrica. Aliás, uma das propostas da altura consistia no uso da área
apenas como zona de passagem rápida e
clandestina para regiões mais habitadas e
com mais proteção ambiental. Postura
semelhante seria possível também no
NICKANOROV/RIA NOVOSTI
Guerrilheiros do MPLA caminham sobre campos de arroz durante combate com tropas portuguesas, em 1968
A constante clandestinidade
O quadro da luta clandestina, por sua
vez, manteve ao longo de toda a década
1961-1971 (e nos anos seguintes até ao
Guerrilheiros angolanos preparam-se para uma missão em 1972
Norte, implicando camuflagem já no
próprio Congo sob a ditadura de Mobutu e evitando as proximidades de Noqui
(em Angola) e Matadi (no Congo). As
arborizadas terras de Buela eram adequadas e dariam acesso, em longa marcha, a
25 de Abril) notória estabilidade, com
surgimento constante de núcleos de
ação, fenómeno muito sublinhado até
nos relatórios da PIDE e demais serviços
de informação coloniais, civis ou militares. A incapacidade repressiva de parar
África21– maio 2015
77
Além do papel desempenhado
pela circulação de literatura
clandestina, muitas vezes
procedente de Portugal
através de militares
descontentes, outro
instrumento continuava a
estimular a resistência
urbana: Rádio Brazzaville.
tal tendência significava derrota colonial
neste domínio.
Além do papel desempenhado pela
circulação de literatura clandestina (muitas vezes procedente de Portugal através
de militares descontentes) outro instrumento continuava a estimular a resistência urbana: Rádio Brazzaville. Era escuta
diária massiva apesar dos riscos implícitos
e atingia até os efetivos angolanos do
exército português, em direção aos quais
fazíamos esforços de aproximação.
Tudo isto gerava um panorama geral,
forçando o governo de Marcelo Caetano
a aumentar os seus efetivos militares e as
verbas orçamentais respetivas.
Após a missão no Congo regressei à
«minha base» em Dakar, onde se repercutia bastante a frente de luta na Guiné-Bissau, dada a existência da fronteira
comum. Um certo número de estudantes angolanos estava lá baseado, por períodos mais ou menos longos, proporcionando um clima de debate sobre o
futuro político imediato. Era quase um
microcosmo do nacionalismo angolano
da época, graças à diversidade de opções
ali existentes.
Em Dakar fiz grandes amizades com
militantes do PAIGC e todos notávamos
avanços consideráveis das respetivas forças armadas, a ponto de criarem de facto
zonas livres (onde proclamariam a independência mesmo antes do 25 de Abril).
Aqui, a hipótese de negociações surgiu
de novo. Já anos antes, numa cerimónia
do PAIGC no cinema «Le Paris» (situado na Praça da Independência, Dakar)
ainda em vida de Amílcar Cabral, ouvi
este propor mais uma vez negociações a
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maio 2015 –
África21
Guerrilheiros do MPLA, 1970
Portugal com base nos princípios da
autodeterminação.
No começo da década de setenta tive
indicações, de fonte diplomática, de que
o Presidente senegalês Leopold Senghor,
acompanhado do seu ministro das Relações Exteriores, Karim Gueye, se encontrou em Biarritz com o general Spínola,
acompanhado pelo embaixador português em Paris. Senghor e seu ministro
saíram da reunião convencidos da vontade
de Spínola em avançar para um acordo
mas estava inibido pela presença do embaixador português.
Após o 25 de Abril ficámos a saber
que, em data próxima a esta, a UNITA
tinha mantido contactos negociais com
autoridades militares no Moxico e que
em Londres enviados do PAIGC encontraram-se com um alto funcionário de
Marcelo Caetano. Tudo sem resultado.
A extrema-direita e a «brigada do reumático» (nome dado pelos militares de abril
aos generais apoiantes do velho regime)
mandavam em Portugal e não deixavam
outra hipótese senão o prosseguimento
da guerra por mais uns tempos. Que, a
partir daí até nem foram longos...
BRASIL
A maior reserva ecológica
mundial na Amazónia
MIGRAÇÕES
A hipocrisia da Europa
Seja assinante
ANGOLA
O suspeito caso da seita
A Luz do Mundo
A Nova Movimento – empresa angolana proprietária da África21 – montou
um sistema de recolha de assinaturas regionalizado, a fim de poder atender
melhor, com mais rapidez e de maneira mais vantajosa, os diferentes assinantes da revista.
Assim, as assinaturas serão recolhidas, conforme os casos, em três centros:
Luanda, Lisboa e Rio de Janeiro. Com exceção dos assinantes de Angola e Brasil, todos os demais receberão o seu exemplar pelo correio a partir de Lisboa.
Como os custos de envio também são variáveis, conforme as re­giões,
o preço das assinaturas é igualmente regionalizado.
Eis, a seguir, um quadro explicativo, com a tabela de preços
das assinaturas e com os detalhes acerca dos centros onde os pagamentos
deverão ser feitos, conforme os endereços dos assinantes.
Nº 96 - MAIO 2015 – 500 Kz / 4 USD / 3 € / R$ 15
Boa Sorte,
Nigéria!
Ameaçado pelo Boko Haram,
gangrenado com a corrupção,
o país mais povoado de África
elegeu o Presidente Muhammadu
Buhari que promete reconstruir
o país sobre bases mais sólidas
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€ 35
União Europeia
€ 30
€ 55
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novembro 2014 –
África21
África21– maio 2015
79
moçambique
No Parque Nacional das Quirimbas, o corte desenfreado
de mangal ameaça a sustentabilidade dos ecossistemas
marinhos locais. Alternativas de conservação através de
incentivos financeiros para as comunidades, como o
comércio de créditos de carbono, poderão ser a solução.
Emanuel Novais Pereira MAPUTO
Como salvar esta floresta?
Q
uando se navega na área marinha, com mais de 153 mil hectares, do Parque Nacional das
Quirimbas (PNQ), no litoral da província
de Cabo Delgado, parece improvável que a
enorme mancha verde que cobre grande
parte da zona costeira do continente e das
várias ilhas do sul do arquipélago das Quirimbas possa um dia desaparecer.
De geração em geração, as comunidades costeiras residentes na reserva têm-se
servido do mangal para a sua sobrevivência:
é dele que retiram a madeira para construir
casas e barcos, a lenha que usam como
combustível, o material com que preparam
armadilhas para a pesca, mel e produtos
medicinais. E, talvez em resultado desta
convivência ancestral, a maioria das pessoas
olha para o mangal como um recurso inesgotável, uma perspetiva que um estudo do
Fundo Mundial para a Natureza (WWF,
na sigla em inglês) contraria.
«O mangal do parque não é saudável»,
resume em entrevista à África21 Denise
Nicolau, investigadora do WWF, que liderou uma expedição na área marinha do
PNQ, naquele que foi o primeiro estudo
sobre a resiliência das florestas de mangal da
reserva aos efeitos das alterações climáticas e
que foi realizado a convite do PNQ. «Estivemos no campo durante 17 dias e percorremos cerca de 100 km da costa do PNQ
para tentar amostrar 31 pontos aleatórios,
selecionados com base na sua vulnerabilidade às mudanças climáticas, por exemplo,
80
maio 2015 –
África21
em relação à subida do nível do mar»,
adianta a bióloga.
Iniciando o estudo com a perceção generalizada do mundo científico de que a
área ocupada pelas florestas está a reduzir,
Denise Nicolau acabaria por ser surpreendida ao descobrir que o mangal do PNQ se
está a expandir: em 1991 ocupava 11.244
hectares, uma área que cresceu para 12.438
hectares em 2013.
O cálculo resulta, no entanto, da análise
de imagens de satélite que, apesar dos recentes avanços tecnológicos até à alta resolução,
ainda não permitem analisar a estrutura das
florestas e, por conseguinte, o seu estado de
saúde.
Também a observação a partir da orla
costeira não possibilita o contacto com a
preocupante realidade do desmatamento do
mangal no PNQ, sendo para isso preciso
entrar no inóspito mundo selvagem destas
florestas exóticas, com as suas raízes aéreas
com mais de 30 centímetros de altura,
que lembram estalagmites de grutas, o seu
solo lamacento e os seus sempre sedentos
mosquitos.
«Quando descemos do barco em direção à floresta, vemos um cinturão de mangal vigoroso, mas no interior a situação é
completamente diferente», relata a investigadora moçambicana, frisando que em
muitas zonas «não existem blocos de corte
definidos, mas áreas devastadas».
A preferência pelo corte de mangal no
interior das florestas constata-se não só no
PNQ, mas também em Pemba, capital da
província de Cabo Delgado, a mais de 100
km de distância: só ali se podem encontrar
os troncos retilíneos com valor comercial,
cuja resistência e flexibilidade os tornam
apetecíveis para o setor da construção.
Sem meios e conhecimento
No contexto da sustentabilidade do mangal
do PNQ, que não só protege as comunidades de catástrofes naturais, como ciclones ou
cheias, mas que é também o elemento catalisador da enorme e singular biodiversidade
que por ali se encontra, o estudo do WWF
apresenta outra conclusão preocupante: entre 2002 e 2013 a área de perda atingiu
1333 hectares, suplantando a expansão da
floresta para novas áreas (crescimento de
A observação a partir
da orla costeira não
possibilita o contacto
com a preocupante realidade
do desmatamento
do mangal no PNQ
869 hectares). Na década anterior, o crescimento atingiu 1771 hectares, tendo a área
de perda sido de 203 hectares. Ou seja,
apesar de o mangal se expandir para novas
zonas, verifica-se uma redução nas áreas
onde já estava fixado. «Esta redução está associada à época em que o parque foi estabelecido, o que é incrível», lamenta a técnica
do WWF, salientando a necessidade de se
aprofundar a investigação para se perceber a
razão pela qual os mangais parecem ter ficado mais vulneráveis após a criação da
reserva.
Descrita como uma iniciativa «de baixo
para cima», na medida em que foi requerida
pelas comunidades locais, a criação do
PNQ pelo Governo moçambicano, em junho de 2002, contou com o apoio de várias
organizações, entre as quais a Agência
Francesa de Desenvolvimento e o WWF,
que esteve diretamente envolvido no desenvolvimento do parque e que agora lhe presta
assistência técnica através, por exemplo, da
realização de estudos como o dos mangais.
Com mais de 750 mil hectares distribuídos nas áreas terrestre e marinha, os de-
safios de conservação ambiental do PNQ
são avassaladores e colidem diariamente
com a enorme pressão humana que representa uma população de cerca de 160 mil
habitantes.
À semelhança da maioria dos parques
nacionais, também este enfrenta um problema estrutural ao nível das autoridades de
gestão, em termos de falta de recursos humanos e financeiros.
Para patrulhar os mais de 153 mil hectares da área marinha do parque, o PNQ
dispõe de menos de uma dezena de fiscais e
apenas de um motor de 15 cavalos, que é
trocado de embarcação para embarcação,
consoante a necessidade de transporte.
«O principal desafio são os meios de transporte: os motores e o combustível. Mas
África21– maio 2015
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floresta de mangal do delta do Zambeze
(atualmente de cerca de 40 mil hectares),
é improvável que Moçambique consiga
aceder à iniciativa, atendendo ao seu requisito de demonstração de ameaça de
perda de território. «O mangal não está a
reduzir e, por isso, não tem enquadramento nos projetos do REDD+, mas
existem outras formas de gerar benefícios económicos provenientes da conservação dos ecossistemas e se aderir ao
mercado de carbono, como o pagamento pelos serviços ecossistémicos e como o
Blue Forest, por exemplo», salienta Denise Nicolau.
também temos problemas com o número
de efetivos», admite Paulo William, chefe
de fiscalização da área marinha do PNQ.
Além dos recursos exíguos, a proteção
do mangal do PNQ é também afetada pela
expansão populacional dentro da reserva, o
comércio ilegal e a falta de conhecimento
das autoridades locais sobre a ameaça que o
seu desmatamento representa, com a atenção dos fiscais centrada unicamente na pesca furtiva dentro dos santuários marinhos
ou com recurso a meios ilegais, como redes
mosquiteiras, apesar do corte de mangal
para efeitos comerciais ser proibido.
«Há um trabalho muito grande a ser
feito para a conservação do mangal, não só
para aumentar o conhecimento sobre a sua
importância a nível local, mas também para
o envolvimento das autoridades e das populações no uso sustentável dos mangais, de
forma a assegurar a sua existência para as
gerações seguintes», reconhece Denise
Nicolau.
Salvar os mangais
Com mais de 50 espécies, os mangais encontram-se espalhados pelas regiões tropicais e subtropicais de 118 países, calculando-se que ocupem uma área global de mais
de 137.000 km2. No continente africano,
que guarda cerca de 20% da área mundial
das florestas de mangal, Moçambique é o
país com a terceira maior cobertura (2,3%
da extensão global), depois da Nigéria e
Guiné-Bissau.
Impulsionada pelas iniciativas de comércio de carbono que têm surgido nas últimas décadas na sequência de acordos
82
maio 2015 –
África21
multinacionais para a mitigação dos efeitos
das alterações climáticas, a comunidade
científica tem procurado demonstrar o potencial das florestas de mangal para a retenção de carbono, que chega a ser cinco vezes
superior ao das florestas tropicais terrestres.
A ideia é que os países em desenvolvimento «joguem» nos mercados de créditos
de carbono, angariando assim receitas para
garantir a conservação das florestas de mangal, com proveitos económicos para as comunidades e o Estado. O processo não é
fácil, logo a começar pelo facto da medição
da capacidade de retenção de carbono das
florestas tradicionais não se aplicar às de
mangal, uma vez que estas retêm mais carbono abaixo do que acima do solo.
Neste contexto, um estudo sobre o carbono dos mangais do delta do rio Zambeze,
no centro de Moçambique, a maior área de
mangal do país, foi efetuado pelo WWF,
com o apoio do Fundo Mundial para o
Meio Ambiente, através do Programa de
Desenvolvimento das Nações Unidas, e por
vários parceiros, inicialmente dirigido ao
programa de Redução das Emissões por
Deflorestação e Degradação Ambiental
(REDD+), das Nações Unidas.
Mas, como os resultados do relatório
apontam para uma expansão da área da
Com mais de 50 espécies
os mangais encontram-se
espalhados pelas regiões
tropicais e subtropicais
de 118 países
Reconhecendo a «fraqueza governamental relacionada com as iniciativas de
carbono, especialmente as de mangal», a
bióloga marinha vê um sinal positivo na recente decisão do Governo de colocar as florestas de mangal sob a tutela do Ministério
das Pescas, para que a abordagem de conservação esteja interligada com a dos recursos
marinhos.
No entanto, Denise Nicolau salienta a
necessidade de ser criado um quadro legal
para a proteção dos mangais, que «conduza
ao uso sustentável dos recursos e ao acesso a
iniciativas de geração de receitas, como os
mercados de carbono».
Países como o Quénia, o Vietname e a
Indonésia estão já a recorrer a iniciativas de
«geração de receitas por via de pagamento
dos serviços de ecossistemas providenciados
pelos mangais». Resta saber se também
Moçambique conseguirá tirar partido do
potencial da economia verde.
sociedade
Contra a Mutilação Genital Feminina
Não há registos oficiais que confirmem a
prática da excisão genital feminina em Portugal.
Instituições e ONG portuguesas estão atentas
ao fenómeno, originário de vários países sob
a capa da religião e da tradição. O combate a
esta prática continua na agenda, com ações de
prevenção junto das populações e comunidades
imigrantes africanas.
João Carlos
T
chambú Djassi é muçulmana, natural da Guiné-Bissau a
viver em Portugal. Confessa, sem tabu, que foi vítima de
excisão no seu país natal, onde é mais conhecida por fanado. O seu testemunho faz parte de um documentário produzido
com o propósito de denunciar e prevenir esta prática, que viola os
direitos humanos e afeta o bem-estar das jovens e crianças.
Vestida de traje africano, Djassi diz sem complexo que é
preciso acabar com a Mutilação Genital Feminina (MGF) em
África, por ser uma prática que nada tem a ver com a tradição
cultural e nem sequer está escrita nos preceitos do Alcorão.
Decidiu, por isso, dar a cara contra a violência feminina, intervindo na sua comunidade no âmbito de uma campanha em
curso em Portugal, cofinanciada pelo Programa Cidadania
Ativa, envolvendo, entre outras instituições, a Fundação Calouste Gulbenkian, Liga Portuguesa contra SIDA, EEA Grants
e Câmara Municipal de Lisboa.
Sob o lema «MGF, Não! – Anós I un son», o projeto iniciado
em novembro de 2014 – suportado por fundos noruegueses – atua
com ações de informação e formação junto das comunidades de
imigrantes africanos, com enfoque nos bairros do Vale da Amoreira, perto do Barreiro, e da antiga Quinta do Mocho, nos arredores
de Lisboa. Entre os objetivos, há que desmistificar as justificações
que levam ao exercício do ritual de iniciação das meninas como
prática cultural e social instituída.
Com a imigração, a MGF tornou-se um problema global, sobretudo para a Europa que acolheu muitas comunidades africanas
de países onde a excisão é aceite. «A nossa missão não é impor regras a ninguém», afirma António Guarita, coordenador do projeto,
dando a conhecer o trabalho que está a ser realizado, sobretudo
com a comunidade guineense e junto de cidadãos oriundos do
Senegal e do Mali. A equipa trabalha com o envolvimento de pais,
professores, alunos e forças de segurança. «Se nós conseguirmos
fazer com que estas tendências se retraiam um pouco, e até evitar-
mos que a MGF se estenda muito mais no tempo para salvar algumas meninas desse flagelo, já será muito bom», admite o coordenador. O projeto, que não fecha portas a outras experiências
associativas neste domínio, termina a 31 de março de 2016, altura
em que serão avaliados os resultados da ação e do seu impacto nos
bairros alvo.
É proibido mutilar
O Imã da Mesquita Central de Lisboa, natural de Moçambique,
reafirma que em nenhum versículo ou capítulo do Alcorão é evocada a aceitação da prática da MGF. Além disso, acrescenta, o
profeta nunca recorreu a ela como modelo. «Se fosse prática comum no Islão, então o profeta seria o primeiro a dar o exemplo»,
afirma Sheik David Munir, avisando que, à luz da religião islâmica,
«é proibido» o ato da mutilação de qualquer parte do nosso corpo,
ainda mais de uma criança.
Mário Beja Santos, um estudioso destas matérias, diz que esta
realidade ainda vigente em alguns países, não só em África, «é extremamente complexa», porque põe em causa a saúde pública e a
dignidade humana, afeta a autoestima e provoca sofrimento psicológico e físico atroz com sequelas para a vida.
O seu combate impõe-se. Disso têm consciência as organizações da sociedade civil e instituições que intervêm nesta campanha,
que se justifica levar a cabo uma vez que a Organização Mundial da
Saúde colocou Portugal no grupo dos países em risco.
Músicos guineenses como Braima Kalissa, cuja mulher e filha
passaram pelo drama da excisão, têm dado a voz por esta causa
sempre que necessário. Para Tchambu Djassi, o projeto é importante para toda a sociedade e tudo deve ser feito para evitar a prática
do fanado em Portugal.
Os parceiros envolvidos nesta campanha aplaudem a decisão
do governo da Guiné-Bissau por ter promulgado uma lei que
proíbe e criminaliza a prática da MGF.
África21– maio 2015
83
ANOS
Estádio Nacional de Ombaka
Participe na maior feira
Multi-Sectorial de Benguela.
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84
maio 2015 –
África21
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A crónica de José Carlos de Vasconcelos
O
A Europa e o cemitério
do Mediterrâneo
como o modelo social europeu e a igualdade possível
imenso cemitério em que o Mediterrâneo
entre todos os países da União.
está cada vez mais transformado é uma imagem
Tal é bem notório, em especial no aspeto ético, na
terrível do mundo em que vivemos. E não é a única.
falta de uma resposta à altura, de uma suficientemente
Todos conhecemos outras, para nosso desgosto e verforte e indignada reação humana e humanitária perante a
gonha. Já antigas, da miséria extrema às guerras civis,
tragédia no Mediterrâneo. O que não
dos genocídios aos campos de refugiados.
exclui se deva sublinhar que o problema
Ou novas, como as das barbaridades do
é de enorme complexidade e muito difíEstado Islâmico. E como as do que se
cil solução – mesmo impossível nas
está a passar, com um número crescente
atuais condições –, não podendo a Eurode barcos que naufragam, a abarrotar de
pa acolher todos que a decidem demanemigrantes ilegais que de África tentam
dar. E que, sem prejuízo de passadas (e
chegar à Europa, provocando muitos
em alguns casos presentes) responsabilimilhares de vítimas. O que é absolutadades globais e/ou europeias pela situamente intolerável, do ponto de vista hução nas regiões ou nos países de que são
manitário e moral.
[email protected]
originárias as vítimas, não se podem miVítimas, disse. De muitas coisas. Das
nimizar as responsabilidades maiores de
situações nos seus países ou territórios, que
[email protected]
seus governantes despóticos, corruptos,
aquelas já antigas imagens testemunham.
incompetentes, fomentadores de ódios raciais e tribais, de
Dos novos criminosos «negreiros» que os enganam, exprepotências e violências de toda a espécie.
ploram, empilham em condições piores do que se fossem
Revertendo à Europa, ao estado em que encontra e
gado, causando assim naufrágios mais do que previsíveis.
aos enormes desafios que enfrenta, avulta a evidência de o
Do egoísmo e da falta de solidariedade do «outro lado» a
«caso» da Grécia, a que já aqui me referi, não estar a
que a todo o preço e com todos os riscos querem chegar,
contribuir para o debate sobre o seu futuro e a procura de
em busca de paz, de pão e de esperança, mau grado a
novos caminhos, como se impunha. E, ao invés, estar a
pobreza e as piores dificuldades que os esperam, longe da
mostrar esta coisa inaceitável: a vontade do povo expressa
sua terra e dos seus.
em eleições livres deixou de ter qualquer valor, pelo menos
O «outro lado». Ou seja: a Europa. O velho continos países a quem foram concedidos empréstimos, sob a
nente, que foi, mas já não é, o centro do mundo; e que,
designação piedosa de «programas de ajuda». Porque,
mau grado os pecados ou mesmo crimes históricos, entre
para continuarem a beneficiar do crédito de que, como é
os quais os ligados às colonizações, foi o centro também
óbvio, não podem prescindir no curto prazo, têm de
de não menos históricas conquistas em termos civilizaciomanter duras, injustas e antissociais políticas de «austerinais e sociais, de Direitos do Homem e Estado-Providêndade». Políticas que são o contrário das que prometeram
cia. A Europa que da crise que atravessa representa ainda
e com base nas quais foram eleitos; e que além disso são a
uma promessa de Eldorado para quem vive e morre em
simples continuação das que já falharam e tanto contricondições infra-humanas.
buíram para a Grécia estar como está!
Porque, é verdade, a Europa está em profunda crise.
(A Europa em geral, e a União Europeia – UE – em
particular. Mas por uma «facilidade de expressão» que
não deve nada ao rigor, basta lembrar que fora da UE
está a imensa e poderosa Rússia, uso aqui Europa por
UE). Crise nem tanto económica e financeira quanto de
projeto e de líderes, de solidariedade e de ética. A meu
ver, assiste-se ao (quase?) abandono do chamado projeto europeu no que ele tinha de melhor e mais futurante,
A Europa está em profunda crise.
Nem tanto económica e financeira,
mas de projeto e de líderes,
de solidariedade e de ética
África21– maio 2015
85
Génesis,
cults
de Sebastião Salgado
S
ão 245 fotografias a preto e branco de grande formato que se
podem ver na Cordoaria Municipal de Lisboa. É aqui que Sebastião Salgado apresenta a exposição Génesis, que mostra as fotografias
captadas nas suas viagens realizadas nos últimos oito anos aos lugares
mais recônditos do planeta. Sejam eles nos polos Norte e Sul da
Terra, dos continentes africano, europeu, americano e asiático, mas
também santuários, como a Amazónia e Pantanal no Brasil.
As mulheres da povoação Towari Ypy (Pará, Brasil) usam o fruto
vermelho do urucueiro para colorir os seus corpos
Nesta seleção, escolhida entre milhares de fotografias, por
Lélia Wanick Salgado, mulher do fotógrafo brasileiro e curadora
da exposição, vemos paisagens terrestres e aquáticas, muitas até
hoje intocadas e que urge preservar. Mas, sobretudo, fotos de
animais e comunidades de seres humanos. Vemos homens, mulheres e crianças que nos encaram olhos nos olhos numa visão
serena, sem sorrisos. À semelhança de trabalhos e exposições anteriores, Sebastião Salgado lança aqui outro grito de alerta, como
se fosse uma carta de amor ao planeta. Um apelo utópico e fraterno de irmandade e tolerância entre os homens de todos os lugares
e de todas as religiões.
No mesmo dia da inauguração da exposição na Cordoaria
lisboeta estreou-se o documentário O Sal da Terra, de Juliano
Ribeiro Salgado, filho de Sebastião, e do alemão Wim Wenders.
Um filme em que no ecrã irrompem as enormes fotografias de
Sebastião Salgado, nas minas de ouro na Serra Pelada, no Brasil.
Seguem-se as fotografias que contam histórias sem fim. Ao longo
do documentário faz-se o percurso biográfico de Sebastião Salgado, particularmente dos cinquenta anos de carreira.
A exposição Génesis, inaugurada em10 de abril pode ser visitada até 2 de agosto.
Primeira edição
T
dos STP Music Awards
erminam este mês as inscrições para o concurso STP Music
Awards (STPMA), que será organizado pela primeira vez e no
qual podem participar músicos santomenses a viver no país e na
diáspora. O processo de candidaturas começou a 8 de abril e, de
acordo com a organização, a adesão está a ser positiva. O concurso
é realizado pela Organizer Eventos, que tem como parceiro o grupo Mener, responsável pelo Angola Music Awards.
A organização do STPMA conta com o envolvimento das
embaixadas santomenses, nomeadamente em Lisboa, para receber as inscrições e as obras concorrentes. Esta é a segunda etapa
do projeto que foi lançado publicamente no dia 9 de março. A
primeira fase já está concluída com a constituição da equipa de
trabalho, do corpo de jurados, bem como a definição de parceiros
e patrocinadores. Até final de maio, o júri deverá selecionar os
finalistas por categoria, que também vão ser submetidos à apreciação do público que poderá votar através de diversos meios,
nomeadamente através do Facebook, no site do evento e por sms.
86
maio 2015 –
África21
Nesta primeira edição, o concurso abrange doze categorias:
Melhor Álbum; Melhor Vídeo Clip; Melhor Grupo Musical;
Melhor Grupo Tradicional; Melhor Música Tradicional; Melhor
Artista Masculino; Melhor Artista Feminino; Artista Revelação;
Melhor DJ; Artista mais Popular na Internet; Prémio Carreira e
Música do Ano.
A iniciativa em curso tem como principal objetivo a valorização cultural da música de STP, a promoção de novos valores e a
homenagem aos criadores e intérpretes que ao longo da história
ajudaram a perpetuar a memória do país. A Gala final para a entrega de prémios será a 4 de julho no Palácio dos Congressos e
contará com a participação de alguns artistas angolanos vencedores do Angola Music Awards.
Cabo Verde
econhecidos como duas das maiores plataformas de negócios e contactos culturais
do arquipélago, as edições deste ano do Atlantic Music Expo (AME) e do Kriol
Jazz Festival provaram que os dois se tornaram certames obrigatórios na agenda da
música alternativa. Iniciativa do Ministério da Cultura, o AME juntou cerca de 500
profissionais de todo o mundo – agentes, produtores, jornalistas, empresários, diretores
de salas e de festivais, distribuidores, produtores, fotógrafos e fabricantes – de 7 a 9 de
abril. Pelos palcos do AME passaram artistas como Pura Fé (EUA) Proveta e Penezzi
(Brasil), Karyna Gomes (Guiné-Bissau), Cluttered Clarity (Luxemburgo), E.SY Kenneng (França) Toques do Caramulo e Olavo Bilac (Portugal), entre outros.
Fruto de uma parceria do World Music Expo (Womex), o maior mercado de música do mundo, e da empresa Harmonia, o evento foi complementado com conferências,
ateliês, debates, workshops e palestras. Depois do AME, o Kriol Jazz Festival, considerado pela Internacional Song Lines como um dos 25 melhores festivais do mundo, mais
de uma dezena de artistas cabo-verdianos e estrangeiros estiveram na capital para três
noites de música e, essencialmente, de promoção do jazz de influência crioula. A edição
deste ano homenageou o músico cabo-verdiano Dany Silva.
Centenas de pessoas presenciaram a atuação de artistas renomados como Richard
Bona (Camarões), considerado por alguns especialistas como o melhor baixista da
atualidade, ou Esperanza Spalding, artista revelação da 53.ª edição dos Grammys.
DR
R
na rota mundial da música
Richard Bona
Os contos de Tinga Tinga
conquistam crianças do mundo
G
raças ao primeiro desenho animado cem por cento africano, as crianças americanas e europeias ficam a saber porque
é que o elefante tem uma tromba ou porque é que o leão ruge.
A série televisiva que já conta mais de 50 episódios de 11 minutos
exporta-se para o mundo inteiro e está em vias de suplantar os
heróis de Disney no imaginário da pequenada.
Cláudia Lloyd, produtora inglesa e apaixonada pela literatura
africana, está na origem desta história de sucesso. Mas no início
está a arte gráfica tanzaniana e o pintor Edward Saidi Tingatinga
(1932-72) que fundou nos anos 60 a escola e o ateliê que levam
o seu nome. Este estilo naïf, com animais grandes e brilhantes, de
cores vivas, fez inúmeros adeptos e encontram-se desenhos e
quadros à venda em todos os mercados de artesanato. Lloyd teve
a ideia de misturar esta iconografia com textos inspirados em
contos tradicionais africanos: «Tratava-se de mostrar ao mundo
que a história de África, a cultura de África, o desenho de África,
as músicas de África podem contar-se em toda a parte». A produtora criou um estúdio em Nairobi, no Quénia, onde cada episódio é desenhado à mão e onde trabalham mais de 60 pessoas.
À medida que os Contos de Tinga Tinga foram conquistando
público, o leão azul, o elefante roxo e o macaco vermelho saíram
dos ecrãs e transformaram-se em brinquedos, peluches e livros para
crianças. Segundo um especialista, o sucesso explica-se porque a
série «soube traduzir em imagens um universo de afetos». Quando
um dos heróis se encontra em apuros, os seus amigos ajudam-no,
num universo colorido, onde os animais falam e interpelam diretamente a pequenada. A marca é também uma empresa solidária:
50% dos lucros revertem para uma fundação que financia a construção de escolas e a formação de professores em África.
África21– maio 2015
87
Investir mais
no cinema
A
sétima arte em Angola poderá atingir, a médio prazo, o
patamar já alcançado pela música, literatura e artes
plásticas, admite Ulika Franco, coprodutora do documentário Yetu – A Nossa Música, exibido no Festival de Cinema
Itinerante de Língua Portuguesa (FESTin), que decorreu em
Lisboa de 8 a 15 de abril. A consultora sustenta que, apesar do
país ter outras prioridades, depois de ter passado por uma
guerra há 13 anos será necessário investir na formação na área
do cinema. Esta é uma das razões que explica a fraca participação de Angola em certames internacionais do género.
«O investimento que já não é necessário fazer na área da
defesa pode ser reengajado para apoiar o setor da cultura», disse
à África21, destacando a necessidade de financiamento à produção cinematográfica. «Angola tem bons realizadores», afirma,
dando como o exemplo a obra de Zézé Gamboa, realizador do
O Grande Kilapy, seu mais recente filme nomeado para os Prémios Sophia-2015, que tem como protagonista o ator brasileiro
Lázaro Ramos, convidado deste ano do FESTin.
Angola esteve ainda representada no festival com duas curtas-metragens: Umukulu, que aborda a vida na terceira idade, e
Tchikena, que descreve a dura realidade do êxodo rural e do
desemprego urbano, ambas do realizador Nuno Barreto.
O FESTin premiou várias obras, destacando-se o filme
A Despedida, de Marcelo Galvão, escolhido como a melhor
longa-metragem de ficção. Nélson Xavier, o protagonista, recebeu o prémio de Melhor Ator. Referência também para o
documentário moçambicano Qitupo, Hoyé, de Chico Carneiro e Rogério Manjate, que obteve uma menção honrosa.
Museu da Baleia de New Bedford
leva exposição a Cabo Verde
U
NEW BEDFORD WHALING MUSEUM
ma exposição itinerante do New Bedford Whaling Museum (Museu da Baleia de New Bedford) pôde ser vista
em Cabo Verde em abril na cidade da Praia. A exposição esteve enquadrada no programa de visita ao arquipélago do presi-
Imigrantes cabo-verdianos a caminho da América
88
maio 2015 –
África21
dente do New Bedford Whaling Museum, James P. Russell.
Na altura foi divulgado que se pretende estabelecer, a longo
prazo, a presença desse museu em Cabo Verde, possivelmente
através de uma unidade satélite.
Através de fotos e textos, conta-se as histórias de açorianos
e cabo-verdianos envolvidos desde o século XVIII na pesca da
baleia, e que acabaram por originar as comunidades imigradas
nos EUA com origem nesses arquipélagos. Foi nesse contexto
que os cabo-verdianos foram os primeiros africanos a viajar
voluntariamente para a América. Pelo porto de New Bedford
entraram mais de 70% dos cabo-verdianos que migraram para
os EUA entre 1800 e 1921, lê-se num dos painéis.
O New Bedford Whaling Museum existe desde 1903 e é
um dos maiores museus do mundo dedicado à história da
pesca da baleia e de tudo que se relaciona com essa atividade.
No século XIX, a cidade viveu o seu apogeu económico com
base no setor baleeiro. Mais tarde, empresários cabo-verdiano-americanos criaram linhas de transporte de carga e passageiros ligando o seu porto às ilhas de Cabo Verde. África21– maio 2015
89
livro do mês
A desilusão
do diário pessoal de Lara Pawson
Em nome do povo são, sobretudo, estórias de viagens
da jornalista britânica que tentou investigar
os acontecimentos de 27 de maio de 1977, ou seja,
a tentativa frustrada de golpe de Estado de Nito Alves
Colin Darch*
A
tentativa falhada de golpe de estado iniciada por Nito Alves, do
MPLA, em Luanda a 27 de maio
de 1977, e o seu resultado são eventos bem
documentados. Nito Alves passou os últimos oito anos da luta de libertação na primeira região militar do MPLA, nas matas de
Dembos no nordeste de Luanda, sem qualquer contacto com o resto do MPLA de
1967 até à independência. Emergiu então
com uma base política de apoio, elevado
nível de autoconfiança e sentido de afastamento face ao que David Birmingham descreveu como o «suave ambiente cultural da
liderança política alargada»1. Depois de
1974 estes fatores transformaram-se num
discurso populista e de extrema-esquerda,
contra brancos e mestiços e que provavelmente conduziu à tentativa falhada de tomada do poder que custou a vida a Nito
Alves.
Contudo, este livro não é uma história
sobre o golpe nitista. É antes um diário
pessoal, descrevendo a viagem de investigação de uma jornalista britânica e a tarefa
autoimposta de obter uma explicação coerente para os acontecimentos de 1977.
*Colin Darch é professor na Universidade de
Cape Town e este artigo foi primeiro publicado
no South African Historical Journal
90
maio 2015 –
África21
Em 1999 ou 2000, depois de ouvir falar
de Nito Alves, Lara Pawson decidiu «tentar
descobrir a verdade não contada por detrás
da história do 27». No entanto, apesar do
seu claro objetivo de descobrir os «factos» –
incluindo o de se chegar a saber se de facto
houve ou não um golpe – Pawson nunca
filtra, avalia ou sintetiza a informação que
reúne a partir das suas extensas entrevistas
(e, de forma limitada, de fontes documentais). Nem se interroga sobre as suas próprias suposições quanto ao perfil do Estado
angolano ou do partido no poder durante o
período pós-independência. Para a autora e,
consequentemente, para o leitor, «a verdade
não contada» mantém-se irrecuperável.
O livro é construído como uma série de
registos vagamente interligados e fortemente comentados sobre os encontros mais ou
menos aleatórios de Pawson com testemunhas, participantes e outros em Londres,
Lisboa e Luanda, e a descrição de visitas a
bibliotecas, cemitérios e outros locais. Estes
contos são mais ou menos independentes
uns dos outros, e Pawson frequentemente
antecipa as dúvidas do leitor sobre a utilidade destes relatos, questionando-se sobre a
confiabilidade, veracidade e motivação dos
seus interlocutores: «Alguém me contou
uma história. Por que é que eu hei de acreditar? Será que mais alguém acredita?» Ela
parece ignorar que tem a responsabilidade
de verificar a informação ou testar a fidelidade e coerência do que lhe é contado. Embora nos diga que gravou a maior parte das
conversas não conseguimos perceber se a
autora transcreveu as afirmações dos entrevistados ou as sumarizou. O tom é confessional: Pawson elenca as suas dúvidas, fala
de emoções, do clima, do que come e bebe,
como é a vida dos cães, gatos e insetos locais,
das deslocações de táxi, carros particulares e
transportes públicos. Muitas vezes os seus
comentários raiam o desrespeito – conta
que a casa de banho de um dos entrevistados estava «negligenciada»; menciona um
problema de expressão de outro e diz que
uma refeição que lhe é servida por um simpático anfitrião é «surpreendentemente
saborosa».
Desde o início, Pawson faz várias suposições inter-relacionadas. Uma delas é que
os acontecimentos de 27 de maio de 1977 e
as suas consequências têm sido «esquecidos». Por razões não esclarecidas, Pawson
acredita que houve uma conspiração de silêncio sobre o golpe e que ela, enquanto
jornalista, tem o dever de trazer a verdade a
público. Fala do «bem guardado segredo»
do 27 e deixa implícito que mesmo os respeitados observadores de assuntos da África
Austral como Basil Davidson e Victoria
Brittain foram cúmplices ao silenciarem os
acontecimentos. Ela diz sentir-se «traída
(…) pelos escritores e jornalistas que sempre
admirei na esquerda política». Isto é especialmente injusto no caso de Davidson, que
acabara de chegar a Luanda quando o golpe
ocorreu e escreveu um relato em primeira
mão que facilmente se encontra (2). Ela
também ignora – ou, pelo menos, desconhece devido à sua inexperiência como investigadora – os contemporâneos trabalhos,
embora altamente polémicos, de Simon
Malley (3), Paul Fauvet (4) e David Birmingham (5).
Evidências inconclusivas
A sua segunda suposição é que a tentativa de
golpe a 27 de maio foi seguida por um
massacre em larga escala, no qual muitas
pessoas foram mortas em ajuste de contas
político, e que, consequentemente, os angolanos vivem desde então um clima de medo
em que é impossível qualquer discussão
pública sobre Nito Alves. É certamente
plausível que se tivesse acontecido um massacre de milhares de pessoas poderia haver
uma atmosfera assim. Mas as evidências citadas no livro são extremamente inconclusivas. Pawson visita a campa de algumas vítimas, marcadas por 68 nomes.
Noutros pontos do seu texto, a autora
diz que outros afirmam, ou afirma ela própria, que «milhares» (pág. 3), «dezenas de
milhares» (pág. 32), «pelo menos 25.000»
(pág. 65), «talvez 20.000 ou mais» (pág.
86), «pelo menos 80.000» (pág. 168) e, finalmente, «90.000» (pág. 221) pessoas foram mortas no rescaldo do golpe. Quando
Ndunduma, um entrevistado, lhe diz que
«ninguém conhece os números», ela desvaloriza a afirmação, classificando-a como
«resposta fácil». Mas admite que ela própria
não «viu quaisquer dados sólidos que detalhassem o número de pessoas mortas (…)
Tudo o que tenho é a palavra de alguns angolanos que me incentivaram a investigar».
A hipótese da autora
é que a tentativa
de golpe foi de certa
forma uma conjuntura
crítica na história
moderna angolana
No final do livro não avançámos nada;
Pawson admite não ter «nenhuma pista sobre quantas pessoas morreram…»; «nenhuma prova»; que gostaria de «saber o que é
real e o que é ficção» e, ao fim de 200 páginas, este crítico tem de concordar com ela.
Apesar das dúvidas de Pawson, muitos
académicos hoje aceitarão a avaliação do
jornalista angolano João Melo, citado no livro, de que «a reação do Estado (…) foi
inegavelmente desproporcionada». Se isto
criou o clima de medo que Pawson garante
que «prevalece na Angola de hoje», bem
como entre os angolanos exilados, é outra
questão. Mas a existência – por exemplo –
de uma Associação 27 de Maio com website
dedicado à memória de Nito Alves, e as atividades políticas do rapper Ikonoklasta,
descritas no epílogo, parecem indicar que o
medo foi pelo menos diminuindo nos últimos anos.
A hipótese final de Pawson é que a tentativa de golpe foi de certa forma uma conjuntura crítica na história moderna angolana. Ela cita mas parece não ter entendido
– possivelmente devido ao conhecimento
inadequado sobre a história de Angola que
admite ter – pistas fortes de alguns dos seus
interlocutores sobre o facto de isto não ter
sido bem assim. Um entrevistado angolano
aconselha-a a ser «muito cuidadosa» quanto
a exageros sobre o que foi essencialmente
uma experiência do MPLA. Algumas páginas depois, Pawson admite que o golpe
pode ter sido um momento negro, mas
aparentemente curto. Victoria Brittain diz-lhe que «não foi assim tão importante» e
que os exilados angolanos poderão acreditar
que foi «a pior coisa que alguma vez aconteceu». Mas Pawson nunca sente necessidade
de apresentar uma nova versão do golpe,
preferindo manter-se na ideia de que mencioná-lo ainda é tabu.
Enquanto investigadora e entrevistadora,
Pawson combina uma ineficiência de principiante com timidez. Ela vai à biblioteca da
Escola de Estudos Orientais e Africanos e
parece que esperava que todos os livros sobre
Angola estivessem reunidos nas mesmas prateleiras. Com os entrevistados parece hesitante em fazer-lhes mais perguntas: «Eu quero
continuar (…), mas não quero contrainterrogá-lo»; «Sou medrosa. Tenho medo de
ofender as pessoas...»; «Não tenho coragem
Lara Pawson
Foi correspondente da BBC no Mali, na Costa do Marfim e em São Tomé e Príncipe, entre 1998 e 2007. Também viveu no Gana e na
África do Sul. De 1998 a 2000, trabalhou em
Angola, onde cobriu a guerra civil. Enquanto
isso, a sua ligação a Angola nunca se desvaneceu e ela retorna sempre que possível. É
atualmente jornalista freelance em Londres e
é Writing Fellow no Wits Institute of Social &
Economic Research, da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo.
para lhe perguntar…» Consegue perceber o
que é uma fofoca, mas recicla-a, repetindo,
por exemplo, que Agostinho Neto tinha um
problema alcoólico incapacitante.
No final do Vol. II da sua magistral
obra The Angolan Revolution, publicado em
1978, John Marcum referiu-se aos acontecimentos nitistas, alertando para o facto de
que «apenas um conhecimento detalhado
da época colonial e da história e carácter dos
que lhe puseram um fim nos pode permitir
compreender o que aconteceu após a independência (…) apenas esse conhecimento
nos permitiria compreender porque os líderes negros africanos (…) que passaram anos
arriscados na resistência do MPLA a lutar
pela independência quereriam derrubar um
governo (multirracial) do MPLA apenas
um ano e meio após a independência» (6).
Infelizmente, Pawson preferiu ignorar
estes conselhos. No final, o seu livro é uma
desilusão devido às suas falhas relativamente
à história contemporânea de Angola, a sua
incapacidade para sintetizar e a sua relutância em tentar responder às questões reais e
difíceis que o seu assunto levanta.
Em nome do povo – O massacre
que Angola silenciou
Lara Pawson
Tinta da China, Lisboa, 2014
África21– maio 2015
91
vl o
er
uvir
er
Estado Islâmico – Estado de Terror
Jessica Stern, J.M. Berger
Vogais, Lisboa, 2015
Num momento em que o terrorismo se assume como
um dos principais temas da atualidade internacional, a
forma de intervenção do grupo conhecido como Estado
Islâmico chocou até mesmo os especialistas nestas questões.
A utilização sofisticada e propagandística das redes
sociais, a conquista de território e a mobilização de jovens
combatentes no Ocidente têm revelado uma preponderância
crescente, e sem precedentes, desta organização. Nesta obra
– redigida com base em fontes de informação privilegiadas
– Jessica Stern e J. M. Berger apresentam a sua visão sobre
a génese e as implicações da influência do Estado Islâmico
no mundo, analisando o novo modelo de terrorismo que
este grupo expandiu, desde o Iraque e Síria até ao Norte
de África e outros pontos no mundo. Especialistas em
terrorismo, os autores relatam os métodos usados para
aterrorizar cidadãos e atrair
novos soldados, como a
propaganda dos seus vídeos
ou o apelo sedutor do «jihad
chique». A obra revela também
possíveis formas de resposta
à ação do Estado Islâmico,
realçando a necessidade de
se alterar a conceção atual
sobre terrorismo e responder
à ameaça jiadista de forma tão
célere quanto a expansão destes
grupos.
92
maio 2015 –
África21
É um livro que se passeia pela
família e por todas as suas
particularidades. «Há pais que
discutem por causa dos lugares
de estacionamento e há outros
para quem o mais importante é
um lugar ao sol», afirma-se nas
suas páginas. As famílias destas
histórias retratam diversos perfis
familiares da atualidade, em
vários continentes. Das famílias
tradicionais às recompostas,
das monoparentais às adotivas,
sem excluir famílias com pais
do mesmo sexo, todas são
retratadas e apresentadas
nos cenários do seu dia-a-dia,
num olhar multicultural e numa
bordagem entre o jornalístico
e o literário. Carla Maia de
Almeida é jornalista desde 1992,
é licenciada e pós-graduada
em Comunicação Social pela
Universidade Nova de Lisboa
e tem uma Pós-Graduação em
Livro Infantil Pela Universidade
Católica Portuguesa. Marta
Monteiro, após ter concluído a
licenciatura em Artes Plásticas,
variante de Escultura, pela
Faculdade de Belas-Artes
da Universidade do Porto, foi
docente e formadora durante
vários anos. Dedica-se desde
2012 à ilustração a tempo inteiro
e colabora com publicações
como a Nobrow Magazine,
Washington Post, The New York
Times e Visão.
Amores de Família
Carla Maia de Almeida (texto)
e Marta Monteiro (ilustrações)
Editorial Caminho, Lisboa, Abril
2015
Chama-se Angola –
Contributos à Reflexão,
trata-se de uma compilação
de vários textos escritos pelo
escritor angolano Adolfo
Maria ao longo dos tempos,
que abordam essencialmente
Angola e África. O capítulo
de Angola debruça-se sobre
temas que vão desde o
nacionalismo angolano
ao significado político das
eleições. O prefácio é
da responsabilidade dos
professores Adelino Torres
e Manuel Ennes Ferreira.
Nascido em Luanda, Adolfo
Maria participou na luta pela
independência de Angola,
tendo sido preso pela PIDE.
Foi diretor do Cine Clube
de Luanda e da Sociedade
Cultural de Angola, tendo
sido um dos redatores do
jornal Cultura. Durante a
luta armada foi diretor da
Angola Combatente, a rádio
do MPLA. Atualmente é
colaborador permanente
do jornal cultural O Chá, e
comentador do programa
«Debate Africano» da RDP
África.
Angola – Contributos à
Reflexão
Adolfo Maria
Edições Colibri, Lisboa, 2015
O título do álbum diz tudo:
estamos no universo das
cordas. Séculos atrás,
quando os djinns, espíritos da
floresta africanos, oferecem
a primeira kora a Jali Mady
Wuleng (Jali Mady The Red),
teria 22 cordas. Quando
Jali Mady morreu, os seus
companheiros tiraram-lhe
uma corda, em sua memória.
Mas no Sul do Senegal e
na Guiné-Bissau a kora
de 22 cordas permanece,
dando esta corda adicional
vantagens em termos de
alcance tonal e profundidade.
Para Seckou Keita, essa
corda representa o seu lar: o
local onde o seu coração reside.
Seckou Keita tornou-se no
tocador de kora mais influente
e inspirador da sua geração;
um músico carismático. No
seu novo álbum, 22 Strings/
Cordes, Seckou revela-nos a
kora no seu estado mais puro,
um instrumento que, diz-se,
«consegue apaziguar a raiva
de soldados em guerra e
levar o espírito humano para
um espaço de equilíbrio e
beleza». Seckou conta com a
companhia de Gwyneth Glyn
como artista convidada.
22 Strings/Cordes
Seckou Keita
No novo álbum intitulado
Eve, a cantora e compositora
Angelique Kidjo, natural
do Benim, evoca o nome
da sua mãe, construindo,
neste conjunto envolvente
de melodias repartidas em
13 faixas, três interlúdios
repletos de riqueza em ritmos
poderosos, representativos
da força feminina. As músicas
tornam-se em momentos
íntimos e cheios de emoção,
com as colaborações dinâmicas
de coros tradicionais femininos
do Quénia e de várias cidades
e aldeias do Benim. Nestes
arranjos, cantam num vasto
leque de dialetos nativos
beninenses. «Este álbum é
uma homenagem às mulheres
africanas com quem cresci e
um testemunho do orgulho e
da força por trás dos sorrisos
que mascaram os problemas
do quotidiano», diz Kidjo, que já
tem uma discografia de 20 anos
e milhares de concertos por
todo o mundo. Tradições locais,
transformações cosmopolitas,
solidariedade feminina,
orgulho africano e uma energia
inesgotável têm sido constantes
na sua carreia discográfica.
É uma expatriada que nunca
deixou África para trás, e numa
carreira cheia de influências
transcontinentais, tem estimado
as línguas africanas e a sua
sensibilidade na essência da
sua música.
Eve
Angelique Kidjo
O filme narra a vida de um rapaz
albino na Tanzânia, forçado
pela mãe a viver na cidade com
o tio, após ter presenciado a
morte do seu pai, em criança.
Mas, o rapaz vive sob ameaça
constante, devido a gangues
especializados em rapto e
assassínio de albinos e no
tráfico de partes de corpos, e
de médicos que, ilegalmente,
servem pacientes que acreditam
que, tendo um membro do
corpo de um albino, adquirem
capacidades especiais e
regeneradoras. Realizado pelo
alemão Noaz Deshe, White
Shadow traz-nos uma história
ficcional, mas que remete para
a real situação da população
albina na Tanzânia. O filme
utiliza um trabalho artístico de
imagem e um diálogo contido,
de modo a evidenciar as
incertezas e conflitos internos
das personagens. Procurando
levantar a questão da feitiçaria
por trás dos ataques à
comunidade albina,
White Shadow não é contido
nas cenas de violência.
A história do rapaz é contada
com honestidade e subtilezas.
Existe esperança, humanidade
e beleza onde permanecem
o medo e a brutalidade.
O resultado é poderoso e
comovente.
Apanhados no meio de
uma guerra civil brutal, seis
missionários liberianos
em Monróvia escapam da
violência desmesurada do seu
país. O seu destino: Freetown,
Serra Leoa. Com a ajuda do
líder da igreja local, Phillip
Abubakar, os missionários
realizam a rigorosa viagem,
tendo que enfrentar diversas
privações e durante a qual
um dos membros do grupo
é assassinado por rebeldes.
Baseado em factos reais,
Freetown é uma história de
esperança e sobrevivência.
Centrado em episódios por
vezes violentos e que retratam
um período em que quase
tudo era possível, a película
remete para as histórias de
coragem durante a Guerra
Civil da Libéria, e mostra o
que pode acontecer quando a
força de vontade ultrapassa o
medo, criando a oportunidade
de manter a esperança
viva e firme. Freetown foi
selecionado para o Pan
African Film Festival 2015.
Freetown
Realização Garrett Batty
Atores Robert Conder,
Michael Attram, Nuong
Faalong
Género Drama/Thriller
White Shadow
Realizaçao Noaz Deshe
Atores Hamisi Bazili, Salum
Abdallah, Riziki Ally
Género Drama
África21– maio 2015
93
O PROFIR constitui uma das componentes
do Programa de Industrialização de Angola
2013-2017 e agrega um conjunto de medidas
e um plano de acção que, de forma articulada
com outros programas em curso ao nível local,
concorrem para o fomento da pequena
indústria rural.
O PROFIR tem como objectivo estimular
os empresários, camponeses e pequenos
agricultores a criar pequenas indústrias
enquanto importante alavanca de diversificação
das oportunidades de emprego e a melhoria
da qualidade de vida nos municípios, bem
como gerar rendimento das comunidades
no meio rural e dinamizar a economia local.
MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA
94
maio 2015 –
África21
DR
memória
Eduardo Galeano (1940-2015)
Galeano, imortal
Q
uando recebi a notícia da morte
de Eduardo Galeano, um ser humano e um escritor de extraordinário
valor, senti que necessitava homenageá-lo,
mesmo que fosse de forma singela, evocando as lembranças da sua forte presença em
diferentes momentos da minha vida.
Tive o privilégio de conhecer Eduardo
Galeano em 1974, em Buenos Aires,
quando ali cheguei com o meu companheiro, Neiva Moreira, no contexto da resistência às ditaduras instaladas no Brasil, Chile,
Uruguai. Ele era um grande amigo do
Neiva, que tinha vivido nove anos exilado
no Uruguai, onde eu o conheci.
Já exilado (o golpe de Estado que instaurou a ditadura no Uruguai tinha acontecido em 27 de junho de 1973), Galeano
editava, na Argentina, a revista Crisis, onde
também conheci o seu amigo e colaborador, Eric Nepomuceno. Da equipe editorial faziam parte, ainda, a jornalista Julia
Constenla e o escritor e poeta Juan Gelman. Em 1971 As veias abertas da América
Latina um livro que rapidamente tornou-se um clássico, depois de receber elogios
em todos os continentes de consagrados
escritores, jornalistas e intelectuais e de receber uma aceitação ímpar de parte do
público. O livro voltou às manchetes internacionais no século 21, quando em 2009,
durante uma reunião de Barack Obama
com os líderes da União de Nações Sul-Americanas, pouco antes do início da
plenária da Conferência de Cúpula das
Américas, em Trinidad e Tobago, o Presidente venezuelano Hugo Chávez presenteou o seu homólogo norte-americano
com um exemplar. Memória do fogo de
1986, O Livro dos Abraços, de 1989, Os Filhos dos Dias, de 2012 e As veias abertas de
América Latina são os livros de Galeano
mais conhecidos. Esses livros, além de outros, Mulheres (1997), Días y noches de
amor y de guerra (1978), Voces de nuestro
tiempo (1981); Las palabras andantes
(1993), O Futebol ao Sol e à Sombra (1995),
entre outros, foram traduzidos em mais de
vinte idiomas e têm um número recorde de
reedições.
Antes de exilar-se após o Golpe de Estado de junho de 1973, Galeano tinha dirigido, nos anos 1960, no Uruguai, o diário
Época, um combativo jornal que visava a
formação da militância de esquerda, com
uma clara orientação anti-imperialista. Essa
linha editorial custou a clausura definitiva
do jornal quando a situação política uruguaia começou a deteriorar-se de forma irreversível, depois da morte do Presidente
Oscar Gestido, em 1967, e da sua substituição pelo vice-presidente, Jorge Pacheco
Areco.
Ourives das palavras
Galeano trabalhava as palavras como um
verdadeiro ourives; gostava de lapidar as
frases e de enxugar o texto até onde fosse
possível. Nas suas últimas obras ele conseguiu, com uma capacidade de síntese
extraordinária, passar a sua mensagem em
textos curtos, curtíssimos, sem desperdício.
E manteve-se fiel aos inícios de sua carreira, quando ingressou como ilustrador e
cartunista no semanário socialista El Sol.
A fidelidade às origens de cartunista, alimentada pela facilidade e gosto pelo desenho, marcou a sua obra: Galeano fazia
questão de ser, ele próprio, o ilustrador de
seus livros. Em muitos casos, ele mesmo
desenhava a capa.
A militância de Galeano não era só com
a palavra. Desde as suas primeiras incursões
no jornalismo – com diversas passagens por
publicações e semanários de esquerda – ele
conciliava a profissão com uma ativa participação política; e manteve-se até ao final
como um intelectual militante.
Em 2005, Galeano levou ao delírio uma
plateia que lotava o maior espaço de reuniões
do Fórum Social Mundial, realizado em
Porto Alegre, com a sua brilhante e emotiva
participação numa mesa redonda, da qual
também fazia parte José Saramago, Prêmio
Nobel de Literatura. Quando o Uruguai
teve a oportunidade de dar uma guinada
profunda na política, em 2004, Galeano deu
apoiou público à coligação Frente Ampla.
E pela primeira vez na história do Uruguai, a
esquerda ganhou uma eleição nacional,
conquistando a presidência do país com
Tabaré Vázquez.
Ainda em 2005, Galeano foi convidado
para integrar o Comité Consultivo da recém criada Telesur, a rede de televisão internacional idealizada pelo presidente Hugo
Chávez. Quando Barack Obama assumiu a
presidência dos Estados Unidos, Galeano
respondeu desta maneira uma pergunta sobre o significado dessa vitória: «A Casa
Branca, que em breve será o lar de Barack
Obama, foi construída por escravos negros.
Espero que ele nunca se esqueça disso.»
Aos 74 anos Galeano faleceu, em 13 de
abril; foi derrotado por um câncer de pulmão, com o qual convivia desde 2007.
Presente à cerimônia, o presidente Tabaré Vázquez lembrou o legado literário, político e ético deixado pelo escritor. «Galeano
deixa-nos uma lição de vida, de ética, de
coerência. Ele escreveu como viveu e viveu
como escreveu», afirmou. E acrescentou:
«Ele foi um claro expositor da crua realidade
da nossa América Latina e incansável na tarefa de dar voz aos humildes.»
Beatriz Bissio
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Última página
O intervencionismo
«democrático»
[email protected]
João Melo
A
democracia está hoje na boca de toda a gente, salvo
certas exceções perfeitamente identificadas. De facto,
em regiões onde até ao fim dos anos 80 do século passado predominaram os regimes autoritários e ditatoriais, a democracia representativa foi adotada de modo quase generalizado.
Entretanto, a consciência de que a construção democrática está
prenhe de imperfeições é igualmente comum.
Há uma ideia de que a democracia é imperfeita (ou mesmo,
no limite, inexistente) apenas nos países periféricos, para não dizer
«dominados» ou «explorados». Essa ideia equivocada (na verdade,
a democracia está em crise em todo o lado) é formulada pelas
elites logotécnicas do Ocidente (políticos, intelectuais, jornalistas,
consultores, advogados, economistas e outros) e espalhada pelos
grandes conglomerados multimediáticos existentes, incluindo as
ditas redes sociais.
«Ocidente», como é sabido, é muito mais do que um conceito geográfico. Assim, a lógica, os argumentos e o discurso formulados no centro do chamado «Ocidente» (o eixo Europa-Estados
Unidos), podem também ser encontrados nos nossos países.
Como africano, preocupa-me, em primeiro lugar, o que se
passa no continente a que pertenço. O facto é que muitos setores
dos nossos países, autoproclamados ou considerados críticos,
tendem a repetir simplesmente o discurso das elites ocidentais em
relação ao estado da democracia nos nossos países, esquecendo-se,
desde logo, que é impossível comparar uma experiência de mais
de duzentos anos de História com a de apenas algumas décadas,
casos da implantação da democracia na Europa e nos Estados
Unidos ou em África.
Para os que têm dificuldade em matéria de interpretação de
texto, esclareço: não se trata de negar as imperfeições e mesmo os
atrasos, nem sempre historicamente justificáveis, da construção
da democracia no nosso continente, incluindo, naturalmente,
Angola. Muitas dessas limitações são factuais e não podem ser
negadas.
Para mim, a maka principal é de perspetiva. Não me refiro
àqueles que não passam de instrumentos ao serviço de agendas
externas, contando, para isso, com a generosa cobertura de uma
rede de entidades ocidentais, como partidos, fundações, jornais e
outras. Incomoda-me mais a incapacidade de determinadas vozes
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África21
bem intencionadas de adotar uma perspetiva endógena na análise
da situação política, económica ou social em África. Essa incapacidade torna o discurso de tais vozes pouco efetivo, levando os
seus autores à frustração pessoal e, por vezes, a uma radicalização
injusta e desnecessária.
É preciso insistir que as mudanças democráticas em África
devem ser produto da ação dos seus cidadãos, de acordo com uma
agenda e um timing por eles estabelecido, e não impostas a partir
de fora, como resultado de conspirações urdidas em centrais estrangeiras, algumas delas abrigadas em respeitáveis universidades,
ou, pior ainda, à força das balas, dos canhões e dos drones.
Se ainda havia dúvidas sobre o caráter inadequado, além de
abusivo, dessas intervenções externas feitas em nome da democracia, o fracasso das ditas «primaveras árabes» aí está para demonstrá-lo. O resultado de uma pesquisa feita recentemente por uma
agência internacional acerca da opinião da juventude árabe em
relação à democracia confirma-o dolorosamente: 64% dos jovens
dos países árabes não acredita ou não está seguro de que esse sistema poderá alguma vez funcionar na região.
Outra tendência, talvez ainda pouco percebida, é o reforço da
posição dos setores conservadores e antidemocráticos em África,
como resultado direto da desastrada operação do Ocidente no
norte do continente e no Médio Oriente.
Assim, a destruição do Estado líbio, a militarização do Egito
e o impasse na Síria, em particular, estão a ser usados por esses
setores para tentar bloquear o processo de democratização do
continente. Todas as vozes que defendem a necessidade de ampliar a democracia em África tendem a ser rotuladas de defensoras do caos, como os instigadores das falhadas «primaveras árabes». Ou seja, o Ocidente, mau grado o seu inaceitável
complexo de superioridade, é, graças ao seu intervencionismo,
um dos responsáveis políticos pelo atraso da democratização no
nosso continente.
O intervencionismo ocidental
está a atrasar a democratização
dos países africanos
EXPOSIÇÃO COLECTIVA ITALIANA NA FILDA 2015
De 21 à 26 de Julho de 2015
PAVILHÃO 6
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