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INSTITUTO SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL
FICHA TÉCNICA
Conselho de Redação
Diretor
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Diretor Adjunto
Regina Campos Moreira
Assistente Editorial
Natália Teixeira
Conselho Editorial
António Palma Rosinha
Francisco Proença Garcia
João Freire
Pedro Xavier Mendonça
Felipe Pathé Duarte
Periodicidade
Semestral
Instituto Superior de Comunicação Empresarial – Grupo EFAP
Revista de Comunicação e Marketing, 5 (1)
2013
ISSN 1645-0248
Edição e propriedade
Instituto Superior de Comunicação Empresarial. Morada: Praça do Príncipe Real, n.º 27
1250-184 Lisboa - PORTUGAL
Tel.: + 351 21347 42 83/ + 351 91723 3960
[email protected]
Revista de Comunicação e Marketing, 5 (1), 2013, ISSN 1645-0248
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INSTITUTO SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL
SUMÁRIO
A quadratura do círculo: marketing e responsabilidade social das empresas,
notas para um marketing em sociedade
Pedro Xavier Mendonça ……………………………………………………………..…………..…… 3
A relevância do ensino da publicidade às crianças
Sandra Castro Guimarães …………………………………………………………………….……. 12
A marca “Oliveira da Serra” na novela “Laços de Sangue”: um caso de Brand
Placement
Rita Salvado ……………………………………………………………………………………………… 31
Importância do tribalismo na nova era do marketing
Sara Souto …………………………………………………………………………………..………….… 54
A instrumentalização política da informação
Elsa Jerónimo Pereira ……………………………………………………………………………….. 67
A privatização da defesa e as empresas militares privadas
Francisco Proença Garcia …………………………………………………………………………… 78
Revista de Comunicação e Marketing, 5 (1), 2013, ISSN 1645-0248
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INSTITUTO SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL
PEDRO XAVIER MENDONÇA 1
A QUADRATURA DO CÍRCULO: MARKETING E
RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS,
NOTAS PARA UM MARKETING EM SOCIEDADE
RESUMO
A relação entre marketing e responsabilidade social das empresas possui alguma
consistência, na medida em que as empresas usam o marketing como estratégia ou
instrumento para ações socialmente responsáveis. Contudo, esta relação nem sempre é
consensual. Por vezes, o marketing é associado a operações de “cosmética” que camuflam
o desinteresse social das empresas. Neste texto faz-se uma proposta teórica de
aprofundamento da relação entre estas duas componentes articulando a vertente
analítica do marketing com a ação social. Sugere-se que o marketing, enquanto
aproveitamento comercial dos dispositivos de investigação das ciências sociais, tem o
potencial de ser um meio de compreensão das condições sociais críticas que exigem
intervenção. Distingue-se dos estudos académicos por trazer os procedimentos destes
para o espaço produtivo. É nessa medida que pode fazer uma diferença, contribuindo
para uma relação entre produção e consumo economicamente social desde a sua raiz.
Palavras-chave: Responsabilidade Social das Empresas; Marketing; Sociedade; Ação Social.
ABSTRACT
The relation between marketing and corporate social responsibility already has some
consistency. Corporations follow socially responsible practices through marketing, as a
strategy or instrument. However, this relation is not consensual. Marketing is associated
with “cosmetic” operations that mask corporation’s social indifference. This paper is a
theoretical proposal that makes a relation between these two components, articulating
marketing analytical side with social action. The suggestion is that marketing, as a
commercial use of social sciences’ analytical instruments, has the potential to be a
comprehension device of the critical social conditions that appeal to an intervention. It
distinguishes from academic studies by using their instruments on the productive
domain. That’s why it can make a difference, contributing for a relation between
production and consumption economically social from the bottom.
Keywords: Corporate Social Responsibility, Marketing, Society, Social Action.
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Doutorado em Ciências Sociais - Sociologia; Docente do ISCEM.
Revista de Comunicação e Marketing, 5 (1), 2013, ISSN 1645-0248
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INSTITUTO SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL
PEDRO XAVIER MENDONÇA
A QUADRATURA DO CÍRCULO: MARKETING E
RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS,
NOTAS PARA UM MARKETING EM SOCIEDADE
1. INTRODUÇÃO
Na atualidade, o conceito de “responsabilidade social das empresas” (RSE) já não é
marginal ao discurso empresarial. Faz mesmo parte do complexo que faz a imagem de uma
empresa. Contudo, ainda é discutível afirmar que as práticas aconselhadas por esta
perspetiva são efetivamente concretizadas numa escala profunda e holística.
O objetivo principal deste texto é o de focar em termos teóricos um cruzamento entre esta
noção e o marketing enquanto conhecimento e praxis. Articular estas duas dimensões é
relacionar dois pontos por vezes antagónicos. Esta proposta pretende contrariar esta
oposição, explorando não só o que de RSE já existe no marketing social, por exemplo, mas
também o que de potencialmente útil à RSE há no marketing em termos gerais. A questão
é então da ordem da quadratura do círculo: pode um instrumento tão centrado em
resultados económicos, como o marketing, adquirir funções sociais muito para lá da sua
prática tradicional? Julgamos que sim.
Num primeiro momento, mostraremos a emergência do conceito de RSE e dos imperativos
éticos que o motivam. Depois, abordaremos o ethos do marketing enquanto lugar onde se
gerou um conjunto de dispositivos de persuasão ao consumidor e de análise de mercados.
Em alguns aspetos importantes, o marketing foi associado às ideias de manipulação e
criação de necessidades falsas. Esta visão colocou-o do lado oposto ao das questões sociais,
pelo menos num certo senso-comum e do ponto de vista de uma ciência social crítica.
Perante este quadro, exploraremos de seguida a hipótese de o marketing, mais do que ter
uma componente ética em termos deontológicos, no âmbito da economia social ou no que
diz respeito à RSE com que habitualmente se relaciona, possuir no seu âmago um potencial
social por via da sua vertente analítica, útil para servir uma visão solidária e comunitária,
na medida em que esta necessita de compreender o campo social a que se refere. Disto
decorrerá a tentativa de dar pistas para uma maior inclusão entre marketing e RSE. Para
já, é importante dar algumas indicações sobre a emergência de uma RSE.
2. RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS E IMPERATIVOS ÉTICOS
A RSE surge como uma resposta empresarial às diferentes expressões críticas que uma
sociedade mais cidadã tendeu a impor a uma lógica predatória que tomou muitas das
empresas, em particular as grandes. A este respeito, a RSE acaba por ter tantas vertentes
quantas as que se tornaram problemáticas na relação entre as empresas e a sociedade.
Procura responsabilizar de um ponto de vista ético as organizações pela envolvente social
em que se integram.
A vertente que aparece com maior expressão mediática é a questão ambiental. A ação das
empresas é sem dúvida um dos fatores que fez emergir o problema ecológico. A indústria e
a tecnologia, ou a tecnociência, são realidades cuja dinâmica tem sido grandemente
empresarial, ainda que múltiplos sejam os fatores que fazem a transformação técnica. Esta
força tomou os recursos do planeta sem se ater suficientemente às consequências. Hoje, há
uma maior consciencialização desta esfera na opinião pública, ou pelo menos publicada, no
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que as empresas aparecem como alvos óbvios de crítica, mas também como plataformas de
mudança.
Outro dos aspetos centrais na RSE é a da esfera laboral. A forma como as leis do trabalho
são ou não cumpridas, nomeadamente no que se refere à higiene e segurança, à
discriminação, ao trabalho infantil ou à participação dos trabalhadores na gestão e
propriedade da empresa, é uma das emergências que se colocam às empresas na sua
relação com a sociedade. Resulta da ideia de que a empresa se insere numa comunidade e
que o trabalho é um valor que o trabalhador partilha com a entidade patronal.
A par destas duas dimensões tão importantes, destacadas em particular, por exemplo, no
livro verde da União Europeia, de 2001, com vista a promover a RSE na União Europeia,
surgem também questões relacionadas com a cidadania, a economia, a cultura ou, em
termos mais genéricos, o âmbito social. Nisto, o modo como as empresas lidam com o tipo
de governo de um dado país, a forma como distribuem recursos, apoiam atividades
culturais ou têm atenção aos estereótipos sociais na comunicação que efetuam são
elementos que também são trazidos como preocupações para a esfera da RSE.
De um ponto de vista integrado, isto é, a partir do interior da visão empresarial, a RSE
corresponde ao esforço que as firmas fazem no sentido de responderem às exigências de
uma sociedade reflexiva (Giddens, 2005), que, possibilitando cidadãos mais atentos, cria
imperativos aos quais as organizações se devem acomodar para sobreviver. De um ponto
de vista crítico, e oposto, a RSE não é mais do que uma campanha de comunicação que visa
camuflar práticas abusivas, não compensando em termos holísticos a condição
inerentemente abusiva do capitalismo (Jeantet, 2009).
Do ponto de vista da ética como disciplina filosófica, e neste caso na esfera da sua aplicação
à gestão, a RSE enquadra-se no estímulo que o filósofo Hans Jonas (2006) empreende no
sentido de se passar de uma ética deontológica, presente, por exemplo, em Emmanuel
Kant (2004), a uma ética da responsabilidade. Enquanto aquela se gera a partir do sujeito
e da presença de uma norma universal na sua racionalidade, esta chama a atenção para a
necessidade de conceber uma ética para lá do indivíduo, numa época em que o
desenvolvimento tecnológico trouxe efeitos globais e remotos em relação ao
posicionamento de cada um. Por isso, é necessário considerar as consequências remotas da
ação, colocar a noção de responsabilidade no centro da reflexão ética, integrar o medo na
relação humana com o futuro e repensar a ideia de progresso de modo a colocar objetivos
mais sustentáveis à humanidade. Uma ética das consequências e, portanto, da
responsabilidade, é aquela que reconhece a incerteza quanto aos efeitos das práticas
humanas num globo que se constitui de forma cada vez mais complexa, em que a
consequência de uma ação se torna mais longínqua nas intermediações que espoleta
(Jonas, 2006). Captar a cadeia de responsabilidade é, por sua vez, uma tarefa que exige a
consideração de múltiplos agentes e coisas (Ricoeur, 1988).
Esta é sobretudo uma ética do cuidado e, em certa media, da culpabilização. As empresas
estão no centro da questão, pois são do tipo de organizações que mais agem na sociedade,
logo, que mais consequências produzem, mais efeitos remotos espoletam, mais
responsabilizáveis são. As empresas empreendem, fazem, modificam, criam. Ora, esta
criatividade, por vezes em forma de destruição criadora (Schumpeter, 1996), está no cerne
de muitas das questões que conduzem a uma RSE. As ambientais são as mais óbvias, mas
as transformações decorrentes de uma sociedade tecnológica também têm efeitos no
âmbito laboral, como seja na precarização do trabalho imaterial, para não falar na
industrialização, tão presente nas questões da mecanização e da duração do trabalho que
ajudaram na emergência dos socialismos utópico e realista. Em suma, a complexificação e
abertura da sociedade ocidental contemporânea, que acarretam toda uma camada oculta e
de ocultação, entendidas no âmbito da responsabilidade, ajudam a colocar todas as outras
questões mencionadas no campo da RSE e não somente a ambiental, focalizada em Jonas
(2006).
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Em termos teóricos, várias abordagens cedem mais ou menos à lógica social da
responsabilidade proposta para as empresas, componente em parte originária do que é
próprio de uma economia social em oposição a uma economia do lucro. No âmbito desta
última, Milton Friedman (1970), como um dos teóricos do liberalismo do século XX,
defende que a responsabilidade social de uma empresa é aquela que decorre da sua
atividade de busca do lucro. Parte do princípio de que a luta pelo interesse próprio de cada
agente social constrói, na soma de todos, o bem da sociedade. A única responsabilidade da
empresa é ter lucro, cumprindo a lei.
A esta visão tão autocentrada, e num certo sentido indiferente ao quadro de intenções da
RSE, a teoria dos stakeholders contrapõe um maior interesse pela envolvente da empresa
(Freeman, 2001). Defende que, para um efetiva responsabilidade, a empresa deve procurar
considerar e responder aos seus diferentes stakeholders, isto é, aos interessados que se
relacionam com ela, e não somente aos acionistas, por exemplo. Nisto cabem governos,
consumidores, grupos políticos, trabalhadores, associações ou fornecedores. Esta
integração vê a empresa como uma entidade inserida numa comunidade e não somente
uma organização em busca do lucro. Defende que a relação aos outros é condição prévia
para uma sustentabilidade do lucro e não o inverso, como a teoria anterior.
Um pouco mais longe vai a proposta de Archie Carroll (2001) ao estruturar uma pirâmide
de condições para uma RSE que possa resultar numa ação filantrópica. Esta proposta
permite a elaboração de planos de ação que não percam de vista todos os condicionantes
de uma RSE com resultados. Por isso, defende que uma RSE viável deve estabelecer-se
numa priorização em pirâmide que tenha na sua base a sustentabilidade económica,
seguida da componente legal, dos aspetos éticos e terminando com uma atitude
filantrópica. Deste ponto de vista, devendo haver um procedimento ativo no sentido da
filantropia, esta só é fazível depois de cumpridos os aspetos éticos, legais e económicos.
Valoriza-se uma postura ativa, mas também a consciencialização da necessidade de
assentar a RSE numa viabilidade financeira e comercial.
Por fim, é importante referir a abordagem de Porter e Kramer (2006). Estes autores
procuram fazer coincidir a vantagem competitiva com a RSE. Em lugar de centrarem a
questão numa prática a jusante, que frequentemente se queda em aspetos que apenas
mitigam as consequências negativas das empresas na sociedade, procuram um quadro que
torne a RSE num produto que se diferencie precisamente por essa via. Num certo sentido,
serão aqueles que mais longe vão na tentativa de fazer coincidir a aceitação das forças
produtivas de uma economia liberal com a responsabilidade social. Para isso, aconselham
as empresas a procurarem perceber o que na sua cadeia de valor pode ser aproveitado para
dar conta de questões sociais críticas do contexto da empresa. Esta disposição obriga a
uma especial atenção às interseções entre a organização e a sociedade. É nestas que a
empresa pode prejudicar a comunidade, mas é também nestas que pode desenvolver
produtos e/ou serviços responsáveis. Deste ponto de vista, apela-se a uma estratégia de
raiz.
Façamos agora algumas considerações sobre o modo como o marketing aparece na
atividade empresarial, para depois podermos explanar a sua articulação com a RSE do
ponto de vista que mais nos interessa.
3. MANAGERIALISMO, PUBLICIDADE E MARKETING
Com o século XX, assiste-se a um fenómeno para o qual já Thorstein Veblen (1958 [1904])
chama a atenção: a revolução managerialista ou da gestão, isto é, a separação entre a
propriedade e a gestão da empresa, aquilo que Alfred Chandler Jr. intitula de “capitalismo
managerialista”. Iniciando-se nos EUA, esta tendência cresce para todos os países que se
industrializam (Chandler, 1984).
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O emergir da gestão é acompanhado pela departamentalização das empresas, fomentandose a criação de sectores de I&D, mas também de marketing e vendas. É neste ambiente que
as tarefas relacionadas com as vendas e a publicidade, enquanto elementos da vertente
comercial, ganham relevância ao lado da esfera tecnológica e científica. É nos EUA que
cresce a publicidade como função específica, numa época em que, aumentando a produção,
o problema passa a ser o do escoamento. A publicidade já não tem objetivos humanistas ou
públicos, como acontece no passado, em França, mas rege-se pelo regime concorrencial.
Desenvolve-se num domínio em que os aspetos simbólicos configuram os produtos e a
cultura por via de apelos ao divertimento, ao prazer e ao desejo. A persuasão como objetivo
adquire um lugar central na atividade empresarial (Mattelart, 1996).
Estas componentes acomodam-se numa sociedade onde a comunicação é transversal.
Diversos são os epítetos das ciências sociais que remetem, direta ou indiretamente, para a
importância da comunicação: as sociedades do espetáculo (Debord, 1967), da informação
em termos pós-industriais (Touraine, 1969; Bell, 1976), do simulacro (Baudrillard, 1991),
da utopia da comunicação (Breton, 1994), do ecrã (Manovich, 2001) ou em rede (Castells,
2002) são epítetos de uma realidade em que os processos comunicativos, possibilitados
por grandes transformações tecnológicas, mas também políticas e sociais, são penetrantes.
Por isso, as empresas, ao mesmo tempo que afetam o desenvolvimento tecnológico,
também resultam dele. Por um lado, produzem artefactos e sistemas tecnológicos de
comunicação; por outro, beneficiam destes quando querem persuadir através de
instrumentos de comunicação como a publicidade.
Contudo, para persuadir não basta comunicar. É preciso saber com quem se comunica e
eventualmente influenciar toda a dinâmica produtiva a partir desse conhecimento. É neste
contexto que se delineia a importância do marketing. Esta disciplina surge a par da
publicidade, mas engloba-a. Procura definir alvos no consumo, trazendo algumas ciências como a economia, a sociologia ou a psicologia - aos métodos de escoamento dos produtos
(Mattelart, 1997). Os responsáveis do marketing, tal como os técnicos e os gestores, são
centrais na história económica moderna. Colocam-se entre a produção e o consumo, a
economia e a gestão, produzindo um conhecimento que, além de diagnosticar, transforma
e reinventa as realidades económicas a que se refere. Como disciplina académica, nasce
nos EUA a partir de uma vertente prática da economia e da emergência da gestão. Tem
uma relação muito estreita com as empresas (Cochoy, 1998). Enquadra-se nos propósitos
típicos da ideologia liberal, enquanto valorizadora da iniciativa privada na procura do lucro
(Lien, 1997). Segundo os especialistas, é o “conjunto dos métodos e dos meios de que uma
organização dispõe para promover, nos públicos pelos quais se interessa, os
comportamentos favoráveis à realização dos seus próprios objetivos” (Lendrevie et al.
1996, 28). Portanto, um dos seus conceitos-chave é o de consumidor, o qual se coloca como
alvo de transformação comportamental.
À semelhança do pendor científico atribuído à gestão através do trabalho de Taylor, surge
proposta idêntica para o marketing e vendas. Charles Hoyt, em 1918, defende as ideias de
rigor e objetividade como epítetos científicos para as vendas. Por sua vez, em 1927, Percival
White vai mais longe. No texto Scientific Marketing Management sugere um alcance
maior deste propósito através de uma reversão da influência do marketing. Sustenta que
todo o processo produtivo deve estar submetido ao domínio das vendas, da publicidade e
da distribuição, em suma, do mercado e do consumidor, à luz de uma análise científica
(Cochoy, 1998). Uma posição que nos permite perceber que, enquanto a publicidade se
centra na componente comunicacional, o marketing, além de trazer esta, alarga-se a outras
esferas. Compreende mais claramente a possibilidade de interferência dos processos
analíticos no âmbito não comunicacional em termos estritos de construção de produtos.
Em termos taxonómicos, a distinção entre marketing operacional e estratégico presente
nos manuais desta disciplina deverá alguma coisa a esta intenção de fazer o marketing agir
sobre a produção, para lá da publicidade e da venda. O marketing operacional é aquele que
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atua depois da criação do produto, com a publicidade, o marketing direto ou os serviços
pós-venda; o estratégico age previamente, através de instrumentos como os estudos de
mercado, as escolhas de clientelas alvo ou a conceção (Lendrevie et al. 1996). Enquanto o
primeiro é comunicacional em especial; o segundo tem influência nas configurações dos
produtos e, portanto, segue a sugestão de White.
Na esteira de Veblen (2001 [1921]), estes processos não passam sem diversas críticas. Por
exemplo, Horkheimer e Adorno (2002 [1944]), Packard (2007 [1957]) ou Baudrillard
(1975), entre outros, destacam a forma como estas dinâmicas de influência servem para
manipular o consumidor de modo a favorecer quem o persuade. Nos estudos críticos de
gestão questiona-se o marketing como reprodutor ideológico de discursos e práticas
políticas. Critica-se como falaciosa a ideia de que o consumidor se encontra no centro das
suas preocupações: o aparato técnico que o marketing usa mostrará como na realidade o
consumidor é mais uma entidade manipulada do que livre (ver Saren e Svensson 2009).
Esta é uma das questões com que interpelamos a relação desta disciplina com a RSE, no
próximo ponto, onde o argumento central é exposto.
4. MARKETING E RSE: DA RELAÇÃO ÓBVIA A UMA HIPÓTESE MAIS
PROFUNDA
O marketing não é alheio à RSE. Bem pelo contrário. É um instrumento estratégico para o
“posicionamento” das empresas neste âmbito. Com o emergir dos imperativos éticos
mencionados no início deste texto, as empresas viram-se obrigadas a responder com ações
concretas. O marketing torna-se num aliado óbvio. Por exemplo, na conceção de produtos
verdes que considerem as questões ambientais, o que tem implicações na origem do
produto, na sua transformação, na embalagem e na reutilização. O marketing pode ajudar
na formação de uma marca que incorpore um cuidado em todos estes aspetos, no que a
embalagem sobressai como vertente onde esta prática pode intervir mais diretamente.
Contudo, não devemos esquecer que um estudo de mercado pode ajudar no
desenvolvimento de um produto, e é aqui que o marketing tem a hipótese de ser mais
valioso.
Em termos comunicacionais, o marketing pode ser essencial na construção de uma
imagem publicitária que evite ou mesmo combata estereótipos de género, idade ou étnicos,
por exemplo. Pode acautelar que se transmitam mensagens enganadoras ou
manipuladoras quanto ao preço ou às vantagens. Um preço claro não discriminatório ou
não resultante de cartelização são elementos que podem ser determinados. Neste sentido,
o marketing pode contrariar algumas práticas em que muitos dos seus profissionais
enveredam, explorando vertentes éticas que não deixam de fazer parte da sua natureza:
analisar o consumidor e a realidade que o cerca no sentido de lhes dar uma resposta.
O marketing tem uma intervenção também nas relações que as empresas estabelecem com
organizações da economia social, no interior do que é típico de uma RSE. Deste ponto de
vista, é um instrumento essencial para uma aproximação da lógica do lucro à da ética
social, digamos assim. A este respeito, existem diversos modos de se fazer esta articulação
com a ajuda do marketing. Por exemplo, o chamado “marketing de causas” mobiliza os
recursos desta disciplina no sentido de favorecer uma determinada causa através de uma
sua associação à venda de um produto ou prestação de um serviço. É possível que o
marketing ajude também na simples promoção de uma entidade da economia social ou no
seu patrocínio. Pode ainda ter uma influência direta na transformação de comportamentos
através do marketing social: deixar de fumar ou ter cuidado com o peso, por exemplo.
A existência destes vários instrumentos mostram como o marketing é uma ferramenta
essencial para uma RSE efetiva. Frequentemente faz parte da ação responsável em termos
sociais adquirir a maior visibilidade possível. Gurus do marketing como Philip Kotler
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consideram mesmo que uma marca só consegue ter sucesso internacional se incorporar
nas suas práticas a responsabilidade social (Kotler e Lee, 2005).
Na sociedade contemporânea, inundada de ações persuasivas e invasivas da subjetividade,
o marketing nem sempre tem a melhor imagem. É certamente um produtor e reprodutor
de ideologias, valores estereotipados ou representações distorcidas. Todavia, uma
cidadania ativa e indivíduos reflexivos são condições que, quanto mais emergentes, mais
obrigam a um marketing da transparência e daquilo que poderíamos chamar do
conhecimento social. Esta pista leva-nos a explorar um campo de fuga para fora da mera
incrustação desta disciplina no campo produtivo na direção de uma nova abrangência
social, ainda que não exterior à produção.
A hipótese teórica é então a seguinte: mais do que um instrumento das empresas para
promoverem a sua imagem enquanto entidades socialmente responsáveis ou para
enveredarem por uma ação estratégica de RSE, o marketing é um aparelho de investigação
analítica que pode servir a compreensão dos aspetos socialmente críticos da sociedade,
fomentando uma ação positiva sobre os mesmos no campo da produção. Desta perspetiva,
reforça-se a ideia de que o marketing será útil a qualquer organização.
O marketing tem desde sempre uma componente analítica devedora de ciências sociais
como a psicologia, a sociologia, a gestão ou a economia, como vimos. Naturalmente, não as
substitui. Nem se propõe tal coisa neste texto. Contudo, pretende-se chamar a atenção para
o facto de o marketing se constituir como componente analítica nas mãos da produção em
relação a um consumo. Isto é, o marketing traz a capacidade analítica das ciências sociais
para a atividade económica na sua relação com o chamado “mercado”. Por “mercado”
entende-se os diferentes atores envolvidos na produção, troca e consumo de produtos ou
serviços. Numa visão estrita, remete apenas para o ideal-tipo económico. Optando por uma
postura mais abrangente, será possível ver na ideia de “mercado” algo mais do que um
mero locus comercial. O “mercado” inscreve-se no espaço social. A economia não é um
lugar à parte, como tão bem o mostram os estudos da sociologia económica (Granovetter,
1992). Por isso, no mercado há sociedade. Aliás, o mercado é sociedade, precisamente na
mediada em que não se pode reduzir a troca económica às visões da economia neoclássica
quando se queda em leituras abstratas. Assim, o marketing é o instrumento ideal para uma
compreensão da sociedade por parte das dinâmicas produtivas.
Exemplos de uma relação entre a componente analítica do marketing e um potencial de
compreensão de aspetos sociais críticos é a típica segmentação. Esta é indiferente a esta
relação. Não obstante, pode ser utilizada com diferentes intuitos. Através da segmentação,
que distingue mediante a geografia, a idade ou o género, mas também em termos de
estratificação social, acede-se a um conjunto de instrumentos bastante úteis para
compreender uma comunidade. Com estes dispositivos é possível entender, por exemplo,
os níveis de pobreza de uma população, os hábitos do âmbito da saúde ou aspetos
referentes ao ambiente. A forma como o marketing observa e atende às atitudes e
comportamentos dos consumidores permite o acesso ao “mundo da vida” nas suas mais
variadas esferas, o que possibilita, por outro lado, compreender tendências necessárias - na
transformação tecnológica, por exemplo. Quando alguns autores dos estudos sociais de
tecnologia (Ellul, 1954; Winner 2001 [1977]; em Portugal, ver Garcia, 2003) defendem que
esta se desenvolve de um modo autónomo em relação à vontade social e, portanto,
colocando em causa a ideia de efetiva liberdade humana, mostram como existe um campo
de produção que se faz negligenciando o consumo enquanto espaço de manifestação de
uma deliberação. Isto coloca questões de cidadania. É a isso que respondem as intituladas
“tecnologias alternativas”. O marketing traz consigo um duplo potencial: o de incentivar
esta condição através de processos de manipulação, criando necessidades; ou o de estudar
aprofundadamente as condições materiais dos consumidores de modo a descobrir
vontades endógenas à pragmática do quotidiano, em lugar de resultantes de processos
exógenos. Neste sentido, a preparação dos profissionais do marketing pode ser canalizada
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para uma espécie de etnografia do quotidiano, no qual um espírito observador pode
encontrar, mais do que oportunidades de negócio, componentes críticas na vida dos
cidadãos que podem ser combatidas pelas organizações, nomeadamente as empresariais. A
coincidência entre isto e o negócio resolveria efetivamente a quadratura do círculo, um
pouco na linha do que afirmam Porter e Kramer (2006), mas integrando a visão mais
alargada aqui sugerida.
Um aspeto menos óbvio será a aplicação deste domínio de conhecimento à compreensão
das condições de trabalho, elemento essencial para uma efetiva RSE. Todavia, existem
fórmulas de envolver os trabalhadores em campanhas de voluntariado que podem ser
aplicadas ao seu envolvimento nos processos de decisão da empresa ou no
desenvolvimento de uma cultura de participação, de comunidade e de partilha. O
marketing pode debruçar-se sobre um incentivo a estas possibilidades, como também na
criação de uma cultura que as estimule, aspeto tão essencial. Pode ter um espetro
ideológico, digamos assim, mais alargado, flexível e consciente.
Acresce que, além de aprofundar a sua componente estratégica enquanto elemento mais
abrangente capaz de tocar nas raízes sociais e nos seus elementos críticos, o marketing
pode explorar os aspetos comunicacionais inerentes, seguindo uma lógica de
transparência. Nada melhor do que não ter nada a perder, e, portanto, a esconder, para
que uma organização encontre uma imagem sustentável e protegida pela própria realidade.
5. CONCLUSÕES
Neste texto procurámos fazer uma proposta teórica de aprofundamento da relação entre
marketing e RSE. Primeiro, explanámos os imperativos que conduziram à emergência
desta noção, uma ética específica deste movimento, bem como algumas teorias que
procuram estruturar soluções para uma efetiva aplicação de uma RSE. Segundo,
explicámos a forma como o marketing em termos históricos e conceptuais se inscreveu na
atividade económica. Por fim, procurámos expor a proposta teórica, mas com vista a uma
prática, de um marketing dirigido a uma ação social em termos mais aprofundados e de
raiz do que é comum pensar-se quando se defende um marketing ético ou se pratica um
marketing social. A quadratura do círculo é a relação entre uma atividade persuasiva e as
necessidades sociais. Colocar o marketing ao serviço destas últimas é trazer as empresas
para esse âmbito, aproximando-as de uma lógica social, tão presente, por exemplo, nas
organizações da economia social.
O perigo desta proposta é decerto o da ingenuidade. A prática empresarial atual não é
facilmente enquadrável nesta tentativa. Mas existem traços que podem conduzir a uma
assimilação destes elementos. Como já afirmámos antes, o marketing tem uma vertente
próxima da RSE. Contudo, nem sempre é suficientemente aprofundada de um modo
holístico. Sobretudo, o marketing não é tido em consideração enquanto potencial analítico
para questões sociais no campo produtivo. É esse o aspeto para o qual pretendemos
chamar a atenção. O objetivo é o de aprofundar esta hipótese procurando a quadratura
social no círculo de uma economia concorrencial e por vezes predatória.
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BIBLIOGRAFIA
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Nova York, Basic Books Inc. Publishers.
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Recebido a 04-05-2013. Aceite para publicação a 15-06-2013
Revista de Comunicação e Marketing, 5 (1), 2013, ISSN 1645-0248
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INSTITUTO SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL
SANDRA CASTRO GUIMARÃES2
A RELEVÂNCIA DO ENSINO DA PUBLICIDADE ÀS CRIANÇAS
RESUMO
A influência da publicidade no comportamento de consumo das crianças é um conceito
claramente aceite na esfera social, empresarial e académica. No entanto, apesar de aceite por
todas as partes, esta influência levanta preocupações de cariz social e financeiro. A criação e
desenvolvimento de programas de ensino da publicidade a crianças, pode ser o ponto de
convergência para todas as partes com interesse na questão. Este estudo explora teoricamente, a
importância da literacia da publicidade para as crianças. A investigação foi maioritariamente
descritiva, com base na revisão de informação existente e atual, e, na observação e revisão de um
caso prático. A compreensão da publicidade por parte das crianças, sofre uma evolução até à sua
adolescência. As crianças são consumidores menos experientes, mais ingénuos e por isso mais
influenciáveis. Como resultado da influência da publicidade sofrida pelas crianças surge o
argumento, mais combativo, das associações de consumidores: a taxa de obesidade infantil, e, a
este argumento a indústria responde com a auto-regulação. A relação das crianças com os media
sofre de uma mutação permanente nos últimos 20 anos. O aparecimento de uma geração multitarefas ou multi-orientada, faz com que todos os aparelhos de media, dispositivos multifunções,
sejam plataformas de relacionamento e comunicação. A publicidade é um motor de financiamento
dessas plataformas de entretenimento, funcionando simultaneamente como um conteúdo. O
ensino da publicidade a crianças ajudará à desmontagem da mensagem publicitária e por isso à
sua compreensão mais racional, e, a uma responsabilização deste target em escolhas de consumo
informadas e conscientes. Assumir a presença dos media como uma necessidade adicional no
way of life desta geração, facilitaria a gestão de um processo polémico. Um programa de literacia
da publicidade promove comportamentos informados e responsáveis, e potencia um consumo
baseado em defesas cognitivas presentes.
Palavras-chave: Literacia; Publicidade; Crianças; Media Smart; Media; Geração Multi-tarefas.
ABSTRACT
The influence of advertising on children’s consumer behaviour is clearly a concept accepted in the
social, business and academic field. However, although accepted by all parties, this influence
raises social and financial concerns. The creation and development of educational programs on
advertising to children, can be the focal point for all parties with an interest in the issue. This
study explores theoretically the importance of media literacy to children. The research was largely
descriptive, based on a review of current and existing information, and through the observation
and review of a case study. The understanding of advertising by children, suffers an evolution
until his teens. Children are less experienced consumers, more naive and therefore more
influential. As a result of the influence of advertising suffered by children comes the argument,
more combative, from the consumer associations: the rate of childhood obesity, and to this
argument industry responds with self-regulation. Children's relationship with the media suffers
from a permanent change in the last 20 years. The emergence of a generation multi-task oriented,
makes all media devices, multifunction devices, platforms are relationships and communication
way. Advertising, as content, is a financial motor to these entertainment platforms. The teaching
of advertising to children will help to disassembly of the advertising message and therefore its
more rational understanding, and give capacity to this target in consumer choices informed and
aware. Assuming the presence of the media as an additional need in the way of life of this
generation will facilitate the management of a controversial process. A media literacy programme
promotes: informed and responsible behaviour, and a powered consumption based on cognitive
defences.
Key words: Literacy; Advertising; Children; Media Smart; Media; Multi-tasking generation.
2
Mestre em Marketing Estratégico pelo ISCEM; Docente do ISCEM
Revista de Comunicação e Marketing, 5 (1), 2013, ISSN 1645-0248
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INSTITUTO SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL
SANDRA CASTRO GUIMARÃES
A IMPORTÂNCIA DO TRIBALISMO NA NOVA ERA DO MARKETING
1. INTRODUÇÃO
1.1. Enquadramento do Tema em Estudo
A publicidade é hoje um tema em constante debate, quer pelos objetivos de quem a produz,
quer pelos impactos em quem a recebe. Se nos focarmos no target mais jovem, as crianças,
percebemos que os tempos são de mudança e reflexão. Será um programa de ensino da
publicidade a crianças capaz de gerar uma sociedade de consumo mais consciente e
responsável?
A Revolução Industrial nos finais do séc. XIX provocou o aparecimento de uma sociedade
de consumo, de uma nova forma de estratificação económica e social. Se a mulher foi desde
o início do séc.XX um target considerado importante na comunicação das marcas, já as
crianças foram esquecidas como um público fundamental e determinante no modo e
processo de consumo de um lar (Hansen e Martensen 2002).
É na década de 60 que os primeiros estudos sobre crianças foram realizados, no entanto só
em meados dos anos 70 é que a pesquisa sobre crianças, enquanto consumidores, ganhou
visibilidade na comunidade do marketing (Jamieson, 2008). Neste início de século, um
impressionante conjunto de informação foi acumulada e reunida, sobre a questão da
sociedade de consumo. Os investigadores conseguiram explorar um largo espectro de
tópicos, sobre o consumo das crianças, que abrange o seu conhecimento sobre os produtos,
marcas, publicidade, decisão de compra, preços, e influencia nos pais.
Nas sociedades modernas as crianças crescem num ambiente saturado pelos media, sendo
diariamente confrontadas com milhares de mensagens publicitárias patentes na internet,
televisão, rádio, imprensa, telemóveis, jogos multimédia, e, na rua nos mais diferentes
materiais e suportes. A familiaridade das crianças com as novas tecnologias é referida e
destacada como um aspeto positivo, no relatório de maio de 2007, da União Europeia
sobre o uso dos media por parte das crianças.
As crianças gastam mais tempo com os media do que com qualquer outra atividade, para
além de dormir (Hearold, 1986). Assistimos atualmente à “invasão” da plataforma
multimédia como forma de comunicação, e, entretenimento. Apesar destas mutações, a
televisão continua a ser um meio privilegiado pelos anunciantes como veículo da
mensagem publicitária (ver Fig. 1).
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Repartição do Investimento Publicitário por
Meio em 2010
Internet
5%
Outdoor
13%
Imprensa
17%
Rádio
6%
Televisão
58%
Cinema
1%
Figura 1 – Repartição do investimento publicitário por meio em Portugal. Fonte:
MediaMonitor
Mas, não só o consumo de media veio alterar o comportamento de consumidor das
crianças. A sua “independência” financeira, através da instituição da prática da
“semanada” torna as crianças como novos alvos das empresas, e da publicidade. O dinheiro
que os pais dão às crianças para os seus gastos, é um importante exercício, no
entendimento destas, da economia mundial. Os pais utilizam a ‘’semanada’’ para ensinar às
crianças noções básicas do valor do dinheiro. Muitos adultos reconhecem que, apesar de
não terem tido estes princípios de educação na sua infância, é positivo que estes sejam
incutidos nos seus filhos. A prática de dar dinheiro aos filhos incute nestes valores como a
responsabilidade, a partilha, a caridade e a honestidade (Furnham, 1998).
Embora polémico, não deixa de ser consensual pelos estudos desenvolvidos (Furnham e
Kirkcaldy, 2000), que existem diferenças nas classes sociais relativamente ao tema do
dinheiro que dão aos filhos. A classe média-baixa inicia a prática da semanada um pouco
mais tarde, mas dão mais dinheiro e são mais laxistas relativamente às regras, do que a
classe média. Parece certo que: a classe social dos pais, o seu estilo parental e a escola que
frequentam, limita as crianças na influência que recebem da publicidade. Muitos dos
produtos para crianças são grandes sucessos de vendas, sem que nunca tenham sido
anunciados em televisão. As crianças crescem num mundo cheio de produtos e necessitam
de ajuda, orientação e educação para realizar escolhas informadas.
O complexo ambiente publicitário e o seu impacto no comportamento de consumo das
crianças, é hoje um tema de amplo debate, onde nem sempre, as conclusões se tornam
consensuais. No entanto, é reconhecida a preocupação relativamente ao consumo de
publicidade, quer pelos seus conteúdos quer pelos níveis em que pode ser consumida.
Segundo a APAN (Associação Portuguesa de Anunciantes), em Portugal não há legislação
ou resoluções específicas, nos conteúdos programáticos para crianças. Apenas existe
legislação relativa à atividade televisiva em geral e que, pontualmente, faz referência aos
espectadores mais novos. Já relativamente à Publicidade, esta atividade é regulada pelo
‘’Código de Publicidade’’ que contém as Restrições ao Conteúdo da Publicidade, aos
Menores, no artigo 14º da secção II. Este artigo menciona a vulnerabilidade psicológica das
crianças em estabelecer restrições relativamente à publicidade dirigida a este público.
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Por ano são investidos 15 mil milhões de dólares em publicidade e marketing para crianças,
os marketers estão hoje mais atentos do que nunca a este target por três razões (McNeal,
1999):
 Atualmente as crianças têm um bom “rendimento” (poder de compra),
representando o montante que detêm 3 vezes mais do que há 15 anos atrás. O
aumento deste rendimento provém essencialmente das recompensas com as
tarefas domésticas e do dinheiro dado por familiares durante as férias. No
entanto, também não poderemos ignorar outros fatores no aumento deste
rendimento, como: estilos mais descontraídos de parentalidade, o aumento dos
rendimentos familiares, maiores taxas de divórcio, e a grande maioria dos casais a
trabalharem ambos fora de casa.
 Para além de possuir o seu próprio dinheiro, os jovens influenciam os seus pais no
seus comportamentos de consumidores. Numa idade ainda muito precoce, as
crianças prescrevem aos pais as marcas e produtos de muitos bens de consumo,
como: snacks, cereais, pasta dos dentes e até champôs. À medida que crescem, já
adolescentes dão opinião aos pais sobre o carro que deverão comprar, os
aparelhos de media necessários em casa, e até o destino de férias que a família
deverá ter.
 A terceira e última razão, os marketers reconhecem que as crianças de hoje
representam os consumidores adultos de amanhã. As crianças desenvolvem laços
de lealdade com algumas marcas e estas preferências, muitas vezes, persistem
aquando adultos.
Os media em geral têm na publicidade a sua principal fonte de financiamento. Os produtos
alimentares são a categoria que mais anuncia para crianças (APAN), no entanto dentro
desta categoria são os produtos alimentares com açúcar que mais preocupações levantam.
A taxa de obesidade infantil têm vindo a aumentar no nosso país, e, é neste momento uma
preocupação geral das entidades responsáveis a nível mundial.
Com o obje.ctivo de reduzir a publicidade dirigida a crianças de produtos alimentares, foi
realizado em Novembro de 2009, um acordo entre as marcas: o Pledge Portugal. A
responsabilidade social da publicidade foi o mote para a assinatura do acordo Pledge
Portugal pelas principais empresas de alimentação e bebidas, que vem alterar a
publicidade dirigida a menores de 12 anos. As 26 empresas do sector que assinaram este
compromisso, incluindo marcas como a Nestlé, a Kelloggs, a Iglo, a Matutano, a Sumol ou
a Compal, comprometem-se a não passar mensagens publicitárias para menores de 12 anos
e a não promover iniciativas comerciais em escolas do primeiro ciclo. Promover hábitos
saudáveis no público infantil e combater a obesidade são os dois pontos fulcrais desta
medida.
Um comportamento responsável por parte das marcas, significa dar mais poder e liberdade
aos pais para decidirem o que é bom ou não para os filhos. Este, e outros passos, estão a ser
dados no sentido de abolir a relação entre a taxa de obesidade e o número de horas que a
criança passa em frente ao televisor. O ensino da publicidade às crianças poderá ser a
resposta mais eficaz que ambos os lados, indústria e consumidores, encontrarão para
iniciar a resolução deste problema.
Analisar a relevância e a pertinência do ensino da publicidade para este target, as suas
consequências no seu comportamento de consumo, e, os seus respetivos mecanismos de
defesa, são o âmbito deste estudo.
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2. CRIANÇAS3 ENQUANTO CONSUMIDORES
A publicidade desempenha um papel fundamental na infância, mas a experiência de
compra é igualmente importante na sua socialização enquanto consumidor.
As crianças são desde que nascem consumidores, deixando até à sua adolescência o papel
de comprador para os pais. Quando iniciam a sua fase de socialização com o meio que as
rodeia, iniciam igualmente o seu processo de escolha e seleção. Mas se as crianças nascem
com alguma carga genética na propensão do seu consumo, (enquanto lactentes bebem,
quando têm dentição iniciam os sólidos e no inicio da socialização da escola descobrem as
marcas), é na sua fase de desenvolvimento e aprendizagem cognitiva que empreendem o
seu comportamento enquanto consumidores (Schor, 2005).
É nesta fase de crescimento, desenvolvimento e aprendizagem que a criança, jovem,
adolescente, irá formar a sua atitude futura de consumidor.
O período desde o nascimento até à adolescência contém grandes desenvolvimentos
cognitivos, funcionais e de maturação social. As crianças desenvolvem habilidades que vão
além de aparências percetuais, a pensar de forma mais abstrata sobre o seu meio
envolvente, adquirem capacidades de processar a informação e utilizar as situações
interpessoais o que lhes permite ver o mundo de diferentes perspetivas.
O desenvolvimento social e cognitivo durante esta fase fornece uma base para o
crescimento da sofisticação da criança na perceção, e, no desempenho do seu papel
enquanto consumidor. Ao crescer, o tempo permite melhorias na sua capacidade cognitiva,
contribuindo para o desenvolvimento do conhecimento sobre o que consome, e para as
capacidades de decisão de compra. Por exemplo, o desenvolvimento das capacidades
cognitivas facilita o processo de avaliação dos produtos, comparação destes com outras
alternativas e a decisão de compra no ponto de venda (Perloff, 2007).
Para percebemos melhor, torna-se importante relembrar a teoria de Piaget (1973) sobre o
desenvolvimento cognitivo. Para este psicólogo existem quatro estágios principais do
desenvolvimento cognitivo nas crianças: 1º Sensório-motor (do nascimento até aos dois
anos), 2º Pré-operacional (dos dois aos sete anos), 3º Operacional Concreto (dos sete aos
onze anos), e, 4º Operacional Formal (dos onze até à idade adulta). Para os investigadores
do comportamento infantil, são os estágios Operacional Concreto e Operacional Formal
que permitem a criança estimular a sua capacidade cognitiva na construção do seu ‘’eu,
consumidor’’. No estágio Operacional Concreto a criança pode ser estimulada
simultaneamente em diversas dimensões, e relacioná-las de uma forma relativamente
abstrata. Já no estágio Operacional Formal, a criança apresenta um progresso já mais
próximo dos padrões dos adultos, capazes de um pensamento mais complexo sobre
situações hipotéticas e concretas.
A socialização do consumo evolui num contexto de mudanças cognitivas e sociais
dramáticas, da infância até à juventude. Estas mudanças ocorrem em três estágios
principais – Estágio Percetual, Estágio Analítico e Estágio Reflexivo, (ver tabela 1),
(Hansen et al. 2002)
Estes estágios são caracterizados ao longo de uma série de dimensões que abrangem
importantes mudanças do desenvolvimento, capacidades de decisão e estratégias de
influência na compra. Em termos de desenvolvimento do conhecimento, o movimento do
estágio percetual para o estágio reflexivo é marcado por mudanças de representações
concretas para abstratas (Hansen, et al., 2002).
3
Na revisão da literatura, e na na área de marketing, denomina-se Criança um ser humano até 12 anos de idade, sendo
posteriormente considerada adolescente até aos 19 anos. De acordo com as Nações Unidas, Crianças são indivíduos dos
0 aos 18 anos de idade.
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Torna-se evidente que importantes desenvolvimentos do conhecimento na socialização do
consumo, não emergem de um vazio, mas têm lugar num contexto social, incluindo a
família, amigos, nos mass media, e nas ações de marketing.
Os pais criam oportunidades diretas ao interagirem com os seus filhos sobre seus os
pedidos, as autorizações que lhes dão e as idas às compras. Os amigos são outra fonte
adicional de influência, afetando as crenças do consumidor, ainda criança, e, continuando
pela adolescência. Finalmente os mass media e a publicidade fornecem informação sobre o
consumo e o valor dos bens.
Estruturas do
conhecimento
Estágio Percetual
3-7 anos
Estágio
Analítico
Estágio
Reflexivo
7-11 anos
11-16 anos
Focus
Concreto
Abstrato
Abstrato
Complexidade
Unidimensional
Duas ou mais
dimensões
Multidimensional
Simples
Perspetiva
Tomada de
decisão
Estratégia de
influência
Complexidade
Perspetiva
adaptativa
Contingente (‘’se
então’’)
Perspetiva dupla
num Contexto
social
Egocêntrica
Perspetiva dupla
(sua + outros)
Expediente
Pensativo
Estratégico
Características
percetuais
Características
funcionais
Características
funcionais
Características mais
salientes
Características
relevantes
Atributos individuais
Dois ou mais
atributos
Reportório limitado de
estratégias
Reportório
expandido
Estratégias
Emergente
Egocêntrico
Moderado
Perspetiva dupla
Características
relevantes
Atributos múltiplos
Reportório
completo de
estratégias
Desenvolvido
Perspetiva dupla
num contexto
social
Tabela 1 – Estágios da socialização do consumo (Furnham, 1998).
2.1. Fases do Comportamento do Consumidor durante a Infância
Existem 4 fases no comportamento do consumidor durante a infância, que explicam
muitos dos comportamentos abordados ao longo deste trabalho (Valkenburg e Cantor,
2001).
A primeira fase caracteriza-se por: “sentir necessidades e preferências” e acontece até aos 3
anos. Durante esta fase os consumidores mais novos definem as suas preferências pelos
cheiros, cores, sons, e objetos, todos importantes componentes no comportamento do
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consumidor. Ainda nesta fase, as crianças são primeiramente reativas mais do que
orientadas para objetivos, por isso não são capazes de agir como verdadeiros
consumidores.
Na segunda fase, durante os 4 e os 5 anos, “gritam e negoceiam”, durante esta etapa as
crianças ainda têm alguma dificuldade em distinguir programação de publicidade, e não
compreendem claramente os objetivos dos anúncios. Os marketers têm grande capacidade
de influência nesta fase, porque este target é crente nas menagens, e tem grande poder
sobre os pais, uma vez que de forma irracional desatam a gritar e a chorar quando algo lhes
é negado.
A terceira fase denomina-se pela “aventura e a primeira compra” caracterizando os
primeiros anos do ensino básico, entre os 6 e os 9 anos. As capacidades cognitivas estão em
transição, uma vez que as crianças têm maior capacidade de processar a informação
conceptual, tornam-se mais responsáveis e aumentam o seu grau de atenção. Mas, até para
este grupo os objetivos da publicidade não são ainda na totalidade interpretados. As
crianças fazem a sua primeira compra durante esta fase, assumindo com prazer a sua
“independência” dos pais.
A quarta fase marca os pré-adolescentes, dos 9 aos 12 anos, por uma atitude de
“conformidade e meticulosa”. Para este público é importante que os seus comportamentos
e crenças sejam aceites (e por isso influenciados) pelo grupo onde se inserem. Demonstram
ser bastante sensíveis às normas e valores dos seus pares, assim como ao que os
adolescentes fazem e compram. Desenvolvem uma atitude crítica na avaliação da
informação, comparam produtos, e gostam do conteúdo dos anúncios publicitários. Devido
à sua atenção ao detalhe e à qualidade, muitas crianças desenvolvem nesta fase o espírito
de colecionismo. É importante salientar, ainda que as capacidades enquanto consumidores
nestes jovens desenvolvem-se até ao final da sua adolescência, é perto dos 20 anos que as
características fundamentais do comportamento do consumidor acabaram a sua formação.
2.2.O CONHECIMENTO DOS PRODUTOS E MARCAS
A presença das marcas na vida das crianças é desde cedo imposta pelo mundo em que
vivem. As marcas numa primeira fase da existência, mais do que valores, significam
necessidades. O bebé reconhece a marca do leite pela necessidade fisiológica que tem de
consumir. Não sendo visível o produto ele identifica a marca. As crianças reconhecem os
logótipos aos dezoito meses, e antes de atingirem os dois anos, elas pedem os produtos,
pelos nomes das marcas. Aos 3 anos, dizem os peritos, as crianças acreditam que as marcas
transmitem as suas características. Por exemplo, quando olham para uma marca
conseguem dizer se é divertida, forte ou cool (Schor, 2005).
A afinidade das crianças com as marcas nunca foi tão grande como hoje. A presença das
marcas no dia-a-dia das crianças fez com que estas se tornassem referências, bússolas da
sua imaginação.
Os Estados Unidos são o país com maior número de televisores por lar, e deste número não
pode estar dissociado o facto de 75% dos pré-adolescentes americanos quando
questionados sobre o que gostariam de ser quando fossem adultos, responderem que
querem ser ricos. Este número esmagador só é igualado pelos pré-adolescentes indianos
que querem ser famosos. Nos Estados Unidos as crianças, mais do em qualquer outro
lugar, acreditam que as suas roupas e as suas marcas descrevem quem são, e o seu estatuto
social (Schor, 2005).
Para as crianças, produtos e marcas são provavelmente referências do seu mercado local.
Os produtos e as marcas que conhecem são anunciados na televisão, expostos nas lojas, e
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encontrados nas suas casas. Mesmo antes se serem capazes de ler, as crianças são capazes
de reconhecer embalagens e caracteres das mesmas nas lojas.
Conforme crescem, as tendências da notoriedade das marcas nas crianças tornam-se
evidentes. A notoriedade e a recordação dos nomes das marcas aumentam com a idade.
Este desenvolvimento e crescendo da notoriedade das marcas, fomenta uma grande
compreensão das marcas e categorias de produto. As crianças começam a distinguir
similaridades e diferenças entre as marcas, aprendendo aspetos estruturais, tais como uma
marca está posicionada dentro de uma categoria de produto. O conhecimento que permite
esta compreensão é estrutural.
Os consumidores mais novos iniciam também o seu processo de compreensão do
significado e simbolismo, do estatuto que determinados nomes de marcas lhes dão.
Durante esta fase as crianças desenvolvem preferências por determinadas marcas, mesmo
que a composição dos produtos, de outras marcas, seja relativamente igual. Numa fase
primária da adolescência, as crianças expressam fortemente a sua preferência por alguns
nomes de marcas, baseadas numa compreensão relativamente sofisticada dos conceitos
das marcas e imagens destas.
Um dos objetivos da publicidade é criar lealdade à marca. Criar personagens que sejam
atrativas para as crianças é fundamental quando comunicamos com este target. O Tigre
Tony dos cereais Frosties da Kellogg’s foi criado em 1951, e ainda hoje, embora mais magro
e musculado, este personagem existe. O Ronald McDonald é reconhecido por 96% das
crianças norte americanas (Strasburguer, 2008). Através de contratos de licenciamento
estas personagens da publicidade infantil passam, muitas vezes, para o pequeno ecrã como
atrativo de animação de um programa infantil.
Não é nenhuma surpresa ver as crianças a decorarem as marcas dos anúncios, os seus
jingles e slogans. Um estudo (Center for Science in the Public Interest, 1988) realizado nos
Estados Unidos revelou que as crianças, entre os 8 e os 12 anos, conseguem enumerar 5
marcas de cervejas, mas apenas 4 nomes de presidentes americanos. Estes jovens
lembram-se do nome das marcas e dos conteúdos publicitários mais facilmente que os
adultos.
Mesmo nas crianças em idade pré-escolar (3 a 6 anos) conseguem reconhecer um elevado
número de logótipos e associá-los aos respetivos produtos. Outro estudo (Pine e Nash,
2003), revela que, o reconhecimento de uma marca pode dar origem à preferência dessa
marca. As crianças nesta fase demonstram outro comportamento diferenciado entre
raparigas e rapazes: as raparigas demonstram maior lealdade às marcas do que os rapazes
da mesma idade. Na área alimentar a simples rotulagem de um alimento (indiferenciado)
com uma marca (McDonalds) com a qual as crianças se identifiquem altera
significativamente as perceções do seu paladar.
A lealdade a uma, ou umas determinadas marcas, poderá não ser definitivo nesta primeira
fase da nossa vida, mas as nossas perceções e preferências iniciam aqui o seu processo de
formação.
2.3.AS CRIANÇAS SÃO DIFERENTES DOS ADULTOS
A maioria dos adultos pensa que a sua personalidade não é afetada pelos media. Num
efeito, estudado, a que se chama o ‘efeito da terceira pessoa’, as pessoas frequentemente
dizem que os ‘outros’ são mais fortemente influenciados pelos media do que eles próprios
(Perloff, 2002). Esta diferença na perceção do impacto da publicidade aumenta quanto
mais nova é a “outra” pessoa. Por outras palavras, os adultos têm a perceção de quanto
mais nova for a “outra” pessoa, maior será o efeito dos media sobre ela. O interessante, é
que até as crianças “sofrem” de este “efeito da terceira pessoa”, dizendo que apenas os
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“mais pequeninos” se deixam influenciar pelo que vêem na televisão (Eveland, Nathanson,
Detember, e Mcleod, 1999).
Serão as crianças mais suscetíveis à influencia dos media, do que os adultos? As respostas
a esta questão são radicalmente opostas, Buckingham (2003) defende que as crianças são
ingénuas, vulneráveis e deste modo precisam da protecção dos adultos. Esta perspetival
descreve os media como algo inerentemente problemático e diabólico porque tem
características com as quais as crianças não estão preparadas para lidar. Defende ainda
que o “pânico aos media” sempre nos acompanhou, especialmente em relação aos
conteúdos com sexo e violência. Este pânico aumenta sempre que ocorre uma tragédia
relacionada com os mais novos, como o massacre na Escola de Columbine4, ou sempre que
é desenvolvida uma nova tecnologia multimédia.
Já na perspetiva de Livingstone (2006) as crianças são incrivelmente sofisticadas,
maduras, e são “especialistas” em media. De acordo com esta posição, as medidas para
proteger as crianças e os jovens dos media são de uma natureza protecionista,
paternalistas, e não preparam as crianças para o futuro. As crianças deverão ser dotadas de
poder para poderem controlar as suas experiências de media, negociar e aprender ao longo
do caminho do seu crescimento.
Na verdade, nenhuma destas posições parece ser muito equilibrada e satisfaz um consenso.
A realidade estará provavelmente no meio das duas perspetivas. Todavia, muitos pais,
psicólogos, decisores políticos, e professores concordam que as crianças são diferentes dos
adultos. Todos os aspetos do mundo social e físico são relativamente novos para uma
criança que está sempre ocupada em os descobrir todos os fenómenos do dia-a-dia.
As crianças diferem dos adultos em determinados níveis que têm implicações na forma
como respondem aos media. Os mais novos têm menos experiência com o mundo real e
simultaneamente possuem uma aptidão enorme para aprender e apreender todas as coisas
que lhes são estranhas. Eles estão igualmente menos preparados para compreender a
natureza, os meandros e as distorções dos conteúdos de media. Esta ingenuidade faz com
que as crianças sejam mais crentes, recetoras e tenham mais reações emocionais às
mensagens dos media, quando comparadas com um adulto.
2.4.CRIANÇAS E PUBLICIDADE
O tema da publicidade para crianças é sempre abordado com muita polémica, o consenso e
a unanimidade não existem. Este tema põe a descoberto vários mitos: o mito do
anunciante tortuoso e avarento, e o mito da eficácia do protecionismo. Identificamos dois
grupos: uns a favor (aqueles que estão interessados em educar as crianças no mundo do
consumo), e outros contra a publicidade (aqueles que a querem regular ou acabar com
esta).
A tabela 2 compara as duas abordagens face à existência da publicidade para crianças na
televisão. Esta abordagem pode pecar por ser simplista e estereotipada, não baseada em
evidências, mas não deixa de ser um retrato de ambas as posições.
4
O massacre de Columbine aconteceu em 20 de abril de 1999 no Colorado, Estados Unidos, no Instituto Columbine,
onde os estudantes Eric Harris, de 18 anos, e Dylan Klebold, de 17 anos, atiraram em vários colegas e professores,
matando 13 pessoas e ferindo outras 21.
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Protecionistas
Educadores
Legisla
Educa
Ala esquerda
Ala direita
Anti-negócio
Pró-negócio
Crianças infantis
Crianças adultas
Apoio nos estudos / pesquisas
Apoio nas experiências /
realidade
Colectivista
Individualista
Tabela 2 – Duas abordagens opostas (Hansen et al., 2002)
A criação de legislação que defenda os interesses das crianças tem sido outra face desta
temática. Iniciado o processo na década de 70, o sector tem assistido à sua regulação por
parte dos distintos agentes económicos. Esta questão desenvolve-se por dois eixos: o
primeiro assente em legislação desenvolvida pelos governos de cada país e o segundo
criado pela indústria numa estratégia de auto-regulação.
Os protecionistas argumentam que a publicidade precisa de um controlo apertado através
da legislação. Argumentam ainda, que existe informação, e dados (normalmente estudos
pagos por entidades privadas), que dizem que as crianças não percebem a publicidade, e
acreditam nas armadilhas da publicidade. Acreditam que os anunciantes manipulam os
pais e exploram a ingenuidade das crianças. As vozes (médicos, legisladores e líderes de
opinião) que defendem o fim da publicidade para crianças na televisão têm tido sucesso no
alcance dos seus objetivos em algumas partes da Europa (Finlândia, Noruega),
assegurando a criação de legislação que limite ou elimine a publicidade. No entanto tem-se
demonstrado infrutífera a estratégia de dissuadir as crianças de ver televisão, protegendoas desta forma dos anunciantes (Strasburguer, 2008).
Nos diversos debates realizados pela APAN, os educadores argumentam que será
imprudente e antiético banir a publicidade para as crianças, por duas razões: primeiro
porque as crianças precisam de ser educadas enquanto consumidores, e, banir a
publicidade faria regredir esta formação; segundo argumentam baseados na experiência,
que os anunciantes não são os únicos responsáveis na determinação das preferências de
consumo. Argumentam, ainda que, que a auto-regulação tem sido promovida pelos
próprios anunciantes, e esta é suficiente para proteger as crianças da agressividade da
publicidade. Neste lado encontram-se igualmente alguns teóricos que defendem a
publicidade como um fator de criação e alavancagem da economia.
2.4.1. A Utilização de Defesas Cognitivas contra a Publicidade
A evolução dramática da criança na fase pré-escolar, na qual acredita que os anúncios
publicitários televisivos são entretenimento e informação, transforma-se num adolescente
cético que sabe que os anúncios são persuasivos e na generalidade não dizem a verdade.
Este conhecimento e ceticismo sobre a publicidade é muitas vezes visto como uma ‘’defesa
cognitiva’’ contra a publicidade. As crianças com menos de oito anos são vistas como uma
população ‘’em risco’’ por serem facilmente enganadas pela publicidade. É nesta faixa
etária que esta investigação se foca. Por ser considerada a fase onde a criança constrói as
suas perceções da publicidade, o ensino desta disciplina fará, à partida, todo o sentido na
desconstrução do ceticismo juvenil (Livingstone, 2006).
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O ensino da publicidade a crianças terá bastantes hipóteses de aumentar o nível de
literacia dos media nesta população. No entanto, isto poderá não se traduzir em reacções
de maior discernimento, por parte das crianças, quando confrontadas com a publicidade.
Talvez a razão mais obvia seja do senso comum, mas a literacia para os media não
amolecerá o entusiasmo com que uma criança vê um anúncio de um brinquedo, ou de um
chocolate.
3. LITERACIA MEDIÁTICA
A literacia sobre a publicidade nos media foi definida pelo Conselho Europeu como sendo
constituída por práticas de ensino que utilizam a televisão, rádio e a imprensa, assim como
materiais escritos que têm como objetivo desenvolver competências, para a interpretação
das mensagens transmitidas pelos media. De uma forma generalista, a literacia da
publicidade nas crianças é entendida como o conhecimento que estas têm na construção da
mensagem publicitária.
OBJECTIVOS DA LITERACIA MEDIÁTICA
1. Capacidade de pensamento crítico que permita à audiência desenvolver
julgamentos próprios sobre os conteúdos da publicidade.
2. Uma compreensão do processo dos mass media.
3. Sensibilização do impacto dos media no individuo e na sociedade.
4. Desenvolvimento de estratégias que permitam a discussão e a análise dos
conteúdos das mensagens publicitárias.
5. Conhecimento que os conteúdos de media fornecem informação na cultura
contemporânea e em nós próprios.
6. Compreender e apreciar os conteúdos de media.
7. No caso de intervenientes da mensagem, provê-los de responsabilidade e eficácia
na produção das mensagens de media.
Tabela 3 – Objetivos da literacia Mediática (Silverblatt, 2004)
O ensino sobre o funcionamento dos media conduz a uma maior capacidade por parte das
crianças de reconhecer o conteúdo persuasivo dos anúncios publicitários. Estudos
realizados (AUSTIN et al., 2005) sobre a educação face à publicidade do tabaco e do álcool
sugerem que a literacia em publicidade conduz a alterações comportamentais positivas.
O desenvolvimento do conhecimento nesta área permite um controlo maior por parte das
crianças face a componentes tão distintas como a componente cognitiva, afetiva e
comportamental.
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Figura 2 – Evolução do tempo médio de audiência em televisão, em Portugal.
A idade pode ser um fator importante na literacia mediática das crianças. A forma como
vêem a mensagem publicitária e se deixam influenciar por ela evolui ao longo dos anos.
Como foi abordado durante o ponto 2.1., outros fatores, para além da idade, interferem
neste processo de interpretação da mensagem.
A necessidade de um programa de literacia da publicidade para as crianças surgiu após as
primeiras restrições (1970) feitas nos Estados Unidos, considerando à data a publicidade
como uma mensagem injusta para este público mais novo.
Em Portugal o tempo médio gasto por crianças em frente à televisão tem vindo a estabilizar
sendo atualmente menos de 3 horas por dia (ver figura 2). Segundo estudos da Marketest
as crianças de classes sociais mais baixas despendem significativamente mais tempo em
frente a um televisor.
Sónia Livingstone e Ellen Helsper (2004) propõem um modelo que sugere que o facto de
alguém ser conhecedor ou crítico de um anúncio não significa que não seja influenciado
por ele. Pode até ocorrer que fique mais interessado na mensagem. Este estudo põe em
causa a literacia mediática como arma na desmontagem da mensagem publicitária.
Figura 2 – Estudo Marketest sobre o papel da publicidade no comportamento de compra.
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Um estudo feito, em 2009, em Portugal pela Marktest, vem reforçar os resultados do
modelo de Livingstone e Helsper (2004), concluindo que uma larga faixa de consumidores
31%, em média, considera que a publicidade os ajuda a fazer melhores opções nas suas
compras (ver figura 3). Esta conclusão ainda se torna mais evidente numa faixa ativa e
decisiva no nosso perfil de consumidores, 15-34 anos. O consumidor ao encarar a
publicidade como uma fonte de informação de referência, significa uma acrescida
responsabilidade para os fabricantes na construção da sua mensagem publicitária.
O que saberão as crianças de táticas e recursos da publicidade? O conhecimento ou
literacia sobre a publicidade aparece naturalmente nos primeiros anos da adolescência (11 14 anos), (Boush, e al., 2009). Esta etapa da adolescência coincide com a fase reflexiva do
pensamento. Conforme vão crescendo as crianças transitam de espectadores que veem a
publicidade como puramente informativa, entretimento, e confiável, para espectadores
céticos e analíticos.
A publicidade é também vista pelos adolescentes como um dispositivo que lhes permite
interagir socialmente, servindo como assunto de conversa com os amigos, uma forma de
pertença a um grupo, de integração.
Embora muitos argumentem que a literacia mediática é anti-ética, outros associam-na ao
desenvolvimento da criatividade, da linguagem, e, facilidade de aprendizagem.
Programas como a Rua Sésamo, foram desde sempre alvos de estudos (Fisch e Bernstein,
2001) que evidenciaram que estes são positivos para a aprendizagem e diminuição do gap
cognitivo entre classes economicamente diferentes. Estes mesmos estudos demonstraram
que as crianças são espectadores ativos e envolvidos. As crianças têm a sua base cognitiva e
quando confrontados com programas ou partes menos interessantes, que não percebam ou
inadequadas tendem a distrair-se e a abandonar o visionamento. As crianças querem
perceber o que veem na televisão, se não percebem deixam de a ver. Este público mais
novo aprende mais quando os pais também assistem ou estão apenas presentes (Anderson,
et al., 2001).
As crianças têm a relação com os media que os adultos permitirem, a educação é um
processo de envolvimento entre as duas partes que não pode ser departamentalizada pelos
pais.
O ambiente dos media tem sofrido nos últimos anos a atenção do público pelo potencial
perigo que poderá representar para as crianças. De acordo com pesquisas citadas no jornal
The New York Times (Setembro, 2007), nos EUA, 1 em cada 7 crianças (14%) diz já ter
recebido convites e solicitações de desconhecidos pela internet, e 1 em cada 11 (9%)
receberam contactos/ solicitações de cariz sexual. Estatísticas como esta ajudam a criar
uma espécie de pânico relativamente às novas tecnologias, e, principalmente o seu impacto
nas crianças e jovens. Mas, mesmo os media mais tradicionais provocam alguma
preocupação. Os reality-shows e os jogos de vídeo têm igualmente sido alvo de condenação
pelos seus conteúdos violentos.
É uma realidade que as crianças de hoje se confrontam com um ambiente de media que é
radicalmente diferente daquele com que se relacionaram os seus pais e avós. Termos como
televisão digital, google e avatar, nem sequer existiam há 20 ou 30 anos atrás. As crianças
hoje vivem num mundo multidevice, multiplataforma, multicanal, que as prepara para
raciocínios paralelos, de multi-tarefas, diminuindo o seu grau de concentração num só
tema. A proliferação dos canais de cabo e de satélite, modificou todo o ambiente de media
e entretenimento nos lares. O léxico de media das crianças é já vastíssimo por forma a gerir
toda a parafernália de media que têm em casa.
Paralelamente, as empresas de media, têm que rentabilizar os seus targets a fim de
sobreviver neste ambiente dinâmico e hiper competitivo. Na segmentação dos targets, os
jovens são um segmento bastante rentável. Recentemente a Zon (operadora de Cabo em
Portugal) lançou um comando de televisão específico para crianças, tal invenção orienta os
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mais novos nos canais de programação infantil, jogos, e vídeo-on-demand (ver figura 4). É
uma revolução na abordagem a este público. Não só as estações de televisão têm explorado
este segmento com a criação de programação específica e canais exclusivos. Toda indústria
de tecnologia tem desenvolvido gadgets5 para crianças, os Ipods coloridos e telemóveis
com jogos são os eleitos das crianças no 1º e 2º ciclos escolares.
Em 2006, conforme referenciado pelo The New York Times (Setembro, 2007) 33% (6,6
milhões) das crianças norte-americanas tinha o seu próprio telemóvel. Por fim, será
importante mencionar neste âmbito do ambiente tecnológico, que a tecnologia digital está
a modificar a própria natureza das experiencias de media. Imagens e sons são mais reais
do que nunca, esbatendo a fronteira do mundo real e dos acontecimentos em media.
Figura 3 – Comando Zon Kids
Em Dezembro de 2009, na conferência da Entidade Reguladora para a Comunicação Social
(ERC), a apresentação de um estudo Nacional realizado pela investigadora Cristina Ponte,
da Universidade Nova de Lisboa, revelou que 60% das crianças até aos 15 anos têm
televisão no quarto. Estes dados recentes, vêm reforçar o papel dos pais na relação das
crianças com os media. A razão apontada, nesse mesmo estudo, para esta dieta do
consumo de televisão é o papel de substituição da falta de disponibilidade dos pais.
Mas se todos estes dados parecem muito inovadores, as mais recentes pesquisas 6
realizadas nos Estados Unidos, são assustadoras: durante o período em que estão
acordadas as crianças e jovens entre os 8 e os 18 anos passam 7,30h em contacto com
aparelhos de media (telemóvel, computador, televisão, mp3). Ainda sobre esta realidade,
em Hong Kong numa conferência, realizada em 2009, sobre o tema: Media e o
Desenvolvimento saudável na Adolescência, o Dr. Michael Rich 7, na sua palestra “Screen
Teens: Risk and Opportunity for Adolescents in the Media Age”, comenta que com a
utilização dos media tão omnipresente, está na altura de parar de protestar e assumir que
estes fazem parte das nossas vidas tal como beber, comer ou dormir.
5
Termo utilizado em Marketing para citar dispositivos electrónicos.
Estudo publicado em Janeiro de 2010 pela Kaiser Family Foudation (Generation M2: Media in the Lives of 8- to 18-YearOlds)
7
Pediatra no Hospital de Boston que dirige o Centro de Media e Saúde da Criança.
6
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3.1. O Ensino: Literacia da Publicidade
Reconhecendo a dificuldade de alterar o ambiente publicitário algumas organizações
desenvolveram esforços do sentido de criar programas que ensinassem as crianças a serem
consumidores mais críticos. À medida que a criança cresce, e reconhecendo o objetivo da
venda no conteúdo publicitário, todavia não é capaz de criticar esse conteúdo enquanto vê
os anúncios (Brucks et al., 1988). Noutras palavras, o ceticismo com que podem ver os
anúncios publicitários nem sempre está ativo quando os visionam.
Desde 1980, tanto nos EUA ou na Europa, que assistimos a iniciativas que tentam educar e
despertar o espírito critico das crianças relativamente à Publicidade. No resultado de todos
os estudos realizados, o mesmo output é consensual (Robison, 2001): será um erro
concluir que qualquer um destes programas de literacia será suficiente per si para proteger
as crianças.
O papel dos pais é muito importante na compreensão deste universo de apelos. Tal como
todos os outros conteúdos de media, o papel de mediador dos pais pode desempenhar um
papel fundamental na preparação para o visionamento diário das mensagens comerciais.
A literacia da publicidade para as crianças é atualmente liderada na Europa pelo programa
educativo Media Smart. A escolha deste projeto para avaliação e estudo das hipóteses
inicialmente colocadas, torna-se vital pela sua atualidade e credibilidade.
Em Portugal o programa Media Smart é uma iniciativa da Associação Portuguesa de
Anunciantes (APAN), apoiada pelo Governo e pela União Europeia.
3.2.CASE-STUDY: MEDIA SMART - O QUE É O MEDIA SMART?
É um programa escolar, sem fins lucrativos, que foi lançado em 2002 no Reino Unido,
tendo como objetivo a literacia sobre os media centrando o seu âmbito na publicidade.
Dirigido a crianças entre os 7 e os 11 anos, este programa foi já desenvolvido e
implementado em oito países europeus e continua a crescer.
O processo iniciou-se na divulgação às escolas do programa e o consequente no pedido dos
materiais pedagógicos, que ensinam posteriormente a criança a pensar a publicidade de
forma critica, no contexto do seu dia-a-dia.
O Media Smart é um programa didático, inédito em Portugal, que apresenta sob a forma
de actividades um conjunto de fichas de exercício. Adaptado a estudantes do 1º e 2º ciclos,
permite aos professores iniciar as crianças a descodificar as diversas mensagens
publicitárias comerciais e não comerciais. O programa Media Smart permite igualmente
explicar às crianças as estratégias de marketing levadas a cabo na sociedade atual.
Desde o seu lançamento no Reino Unido, o programa Media Smart tem crescido, estando
hoje a sua esfera de ação em funcionamento também na Alemanha, Holanda, Bélgica,
Suécia, Finlândia, Hungria, e, desde Fevereiro de 2008 também em Portugal.
Os materiais do programa Media Smart foram elaborados de forma a desenvolver as
capacidades das crianças para ler, compreender, apresentar, discutir e escrever sobre
anúncios em papel, bem como em imagem fixa e /ou em movimento. 2100 escolas
portuguesas, já solicitaram materiais para integrarem, eventualmente, o programa nas
atividades curriculares ou extracurriculares.
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Para a APAN, (promotora do projeto), esta adesão "ultrapassou as expectativas" e faz com
que Portugal seja o único país da Europa a atingir uma taxa de penetração do programa de
30% do total de escolas durante o primeiro ano de implementação8.
“Para um público esperto, um olhar mais desperto”, este é o slogan que assina toda a
campanha, baseado numa promessa de formar o espírito crítico e informado dos mais
novos em relação à publicidade. O objetivo deste programa é fornecer aos professores
material didático que possa ser utilizado em sala de aula e responda o melhor possível às
suas necessidades. Os professores são os stakeholders fundamentais neste processo, sendo
permanentemente solicitados a participar na melhoria do programa através de
questionários on-line.
Este programa de literacia da publicidade, procura desenvolver nas crianças capacidades
específicas tais como:

Ver a informação de forma crítica;

Identificar o propósito e eficácia dos anúncios;

Compreender a diferença entre precisar e querer – e o porquê das diferenças;

Identificar os fatores que influenciam as escolhas diárias;

Explicar como é que os anúncios apresentam a informação;
À semelhança dos professores, os pais são outros stakeholders cruciais para o sucesso do
programa. A APAN desenvolveu um folheto dirigido aos pais alertando-os para a
importância da literacia para a publicidade nos diferentes media fornecendo-lhes algumas
“dicas” para ajudarem os filhos. É globalmente reconhecido que a natureza comercial do
mundo atual é relevante na forma como as crianças crescem, e, é muito importante
atualmente ter consciência deste facto quando se constrói uma família. Os hábitos de
compra dos pais são importantes exemplos para as crianças, e, nenhum outro factor
influencia tanto as crianças ou toma o lugar do envolvimento parental.
Ao compreender a função da publicidade na vida das crianças, os pais podem influenciar a
forma como as crianças a vêm e entendem. Eles podem também ensinar as crianças a
utilizar de forma correta a informação publicitária dos produtos.
Por fim e não em último, as crianças são os stakeholders que justificam todo o programa. O
Media Smart tem por objetivo que as crianças assumam uma maior responsabilidade em
relação às escolhas daquilo que vêem e na utilização dos media eletrónicos para si próprios
e para outras crianças. As aptidões específicas nesta área no final do programa deverão
incluir:


A capacidade de distinguir factos de ficção;
A capacidade de identificar e apreciar diferentes níveis de realismo;

Uma melhor compreensão dos atuais mecanismos de produção e distribuição dos
filmes de televisão, jogos, filmes, software interativo, websites;
A capacidade de distinguir reportagens de apoio a causas;




8
Conhecimento e avaliação de mensagens comerciais dentro de programas
(colocação de produtos) e uma abordagem crítica à publicidade;
Conhecimentos dos imperativos económicos e de representação que estão por
detrás da gestão de uma notícia;
A capacidade de explicar e justificar de forma conscienciosa as preferências
relativamente aos media.
Fonte: APAN, Janeiro, 2010.
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O objetivo da publicidade é informar de forma persuasiva de forma a influenciar o
comprador potencial. Se o potencial comprador se sentir, estiver atento e formado, para a
mensagem que recebe, fará com certeza um consumo mais responsável e consciente.
4. CONCLUSÕES
Após a II Guerra Mundial e com o aparecimento de uma sociedade global de consumo, a
publicidade surgiu como uma ferramenta de comunicação das grandes marcas, e de
sobrevivência dos meios de comunicação. As teorias clássicas do desenvolvimento da
criança evoluíram, e, transformaram-se nos últimos 20 anos, por via das solicitações do
seu mundo exterior.
Este trabalho propôs-se a melhorar o entendimento entre a questão da publicidade para
crianças e o ensino da publicidade a estas. Através da revisão de literatura, foi possível unir
conceptualmente as três partes: motivações da indústria, características de sociabilização
da criança e defensores dos direitos das crianças. Por outro lado, com a revisão do caso
prático confirmou-se a excelente aceitação que os stakeholders têm a um projeto de
literacia, envolvendo-se ativamente num fim comum: a formação de um consumidor com
literacia mediática.
Condenar agressivamente, e legislar unilateralmente a evolução da publicidade, em nada
serve na melhoria das condições de desenvolvimento da criança. Na evidência dos
resultados obtidos nesta pesquisa, não poderemos negar o papel influenciador da
publicidade na mente dos consumidores mais novos. Mas, os consumidores mais novos
seguem padrões e estereótipos no que observam. Se os valores incutidos na mensagem
publicitária forem positivos, esta mensagem poderá ser educativa e orientadora para uma
sociedade melhor.
As associações de defesa dos consumidores e de pais deverão em conjunto com a indústria
desenvolver programas de literacia da publicidade. Programas que à semelhança do caso
Media Smart, promovam o esclarecimento das regras de comunicação em publicidade.
Desta forma, a indústria contribui ativamente com a sua responsabilidade social para um
ambiente de consumo informado, e consciente.
Sendo a publicidade um evidente motor da economia, e da sobrevivência das marcas,
ensinar as artes e as técnicas publicitárias às crianças fará com que estas façam escolhas
informadas. Banir a publicidade, provocará um atraso na compreensão, e desenvolvimento
da criança, enquanto consumidor e no seu processo de decisão de compra. Contudo, a
publicidade não deverá ocupar o papel de orientação dos pais no processo de consumo.
Mas a publicidade é um meio que estes têm de ‘’alimentar’’ os seus filhos de informação
referente ao mundo que os rodeia. Os pais são educadores no consumo, mais eficazes do
que as escolas ou até os anunciantes, mas são apenas uma das faces do processo.
A aclamada influência nefasta da publicidade no consumo das crianças, não poderá ser
vista de um só prisma. A educação que os pais dão, o dinheiro que disponibilizam, e, as
regras na utilização deste, é igualmente fundamental no seu nível e tipo de consumo. Negar
a influência e determinação dos pais no entendimento da criança da economia mundial, é
negar as evidências da responsabilidade parental e despejá-las na culpabilidade, única, da
publicidade.
Se a publicidade tem tomado lugar de destaque, na polémica promovida pelas diferentes
entidades reguladoras e defensoras do consumidor, igual privilégio não tem tido a causa do
consumo televisivo por parte das crianças. O envolvimento dos pais enquanto educadores,
e, a disponibilidade destes para o desenvolvimento adequado das crianças tem sido o
trampolim para a relação dominante da televisão com as crianças. Atualmente a televisão é
de facto a babysitter da casa, e a publicidade compõe esse momento.
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Poderemos assim concluir, que a publicidade influencia as crianças nos seus
comportamentos e valores de consumo, não sendo, contudo, a única variável mencionada
ao longo da revisão da bibliografia. Um programa de literacia da publicidade pode ajudar a
criança à compreensão, ambições e limites, da mensagem publicitária. A criança torna-se
um consumidor esperto e “desperto” para os conteúdos e formas da publicidade.
Assim concluímos, que um programa de literacia para a publicidade, como o Media Smart
pode tornar os consumidores (crianças) mais informados e atentos à mensagem
publicitária. Os primeiros objetivos de um programa de literacia estão a ser atingidos, na
formação e informação do público-alvo. Será prematuro concluir as consequências, de um
programa destes, no comportamento de consumo, uma vez que não houve investigação
nesse sentido.
Em suma, um cidadão informado sobre o processo da mensagem publicitária, fará um uso
eficaz dos media no exercício dos seus direitos democráticos e responsabilidades cívicas.
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Associação Portuguesa de Anunciantes: www.apan.pt
Briefing: www.briefing.pt
Center of Science in Public Interest: www.cspinet.org
Entidade Reguladora para a Comunicação Social: www.erc.pt
Harvard Bussiness Review: http://hbr.org/
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Jornal Público: www.publico.pt
Jornal The New York Times: www.nytimes.com
Journal of Advertising: http://ja.memphis.edu/
Journal of Communication: www3.interscience.wiley.com/cgi-bin/home
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Responsible Advertising Organization: www.responsible-advertising.org
The Kaiser Family Foudation: www.kff.org
Recebido a 10-05-2013. Aceite para publicação a 03-07-2013
Revista de Comunicação e Marketing, 5 (1), 2013, ISSN 1645-0248
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RITA SALVADO9
A MARCA “OLIVEIRA DA SERRA” NA NOVELA “LAÇOS
DE SANGUE”: UM CASO DE BRAND PLACEMENT
RESUMO
O Brand Placement na ficção audiovisual apresenta-se, para as marcas, como uma
alternativa à publicidade clássica e linear sujeita à saturação publicitária e à
fragmentação da audiência, utilizando estruturas de construção de significado cada vez
mais complexas. O presente estudo analisa o Brand Placement da marca “Oliveira da
Serra" na novela “Laços de Sangue”, em 43 episódios. Na primeira parte, define-se as
perguntas de partida, os objetivos da investigação e a metodologia utilizada. De
seguida, apresenta-se o enquadramento teórico sobre Telenovela, Marketainment e
Brand Placement. Na segunda parte, apresenta-se a análise empírica, onde se descreve
os tipos de Placement identificados na novela - Anúncio Publicitário, Separador
“Alentejo”, Inserções sem produto e Inserções com produto - e as relações estabelecidas
entre eles; as variáveis de Troup (1991) utilizadas na análise de 12 inserções, 6 com
produto e 6 sem produto, escolhidas aleatoriamente; e as conclusões. Finalmente,
apresenta-se a análise efetuada a cada inserção, os quadros de quantificação e relação,
as fichas de personagens e cenários.
Palavras-chave: Telenovela; Brand placement; Product placement; Marketainement.
ABSTRACT
Brand Placement in audiovisual fiction presents itself, for brands, as an alternative to
the classical linear advertising, subject to saturation and audience fragmentation, using
structures of meaning-making increasingly complex. This study analyzes the Brand
Placement brand "Oliveira da Serra" in the soap opera "Laços de Sangue", in 43
episodes. The first part sets up the research questions, research objectives and
methodology. Subsequently, presents the theoretical framework for Soap Opera,
Marketainment and Brand Placement. The second part presents the empirical analysis,
which describes the four types of placement identified in the soap opera Advertisement, Tab "Alentejo" placement with no product and with product - and the
relations between them; Troup (1991) variables used in the analysis of 12 inserts, 6 with
product and 6 with no product, chosen randomly; and the conclusions. Finally, the
examination of each insertion, quantification and relation boards and the character and
scenario boards.
Key words: Soap opera; Brand placement; Product placement; Marketainement.
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Universidade Católica Portuguesa. Docente do ISCEM.
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RITA SALVADO
A MARCA “OLIVEIRA DA SERRA” NA NOVELA “LAÇOS
DE SANGUE”: UM CASO DE BRAND PLACEMENT
1. INTRODUÇÃO
Num contexto de saturação publicitária, de fragmentação das audiências e de novos
hábitos na forma de ver televisão potenciados pelas novas tecnologias, as telenovelas são,
cada vez mais, poderosos contentores publicitários imunes à concorrência e ao zapping,
sendo por isso alvo do interesse dos marketers.
O Product Placement foi evoluindo e assume, hoje em dia, diversos formatos e expressões
mais complexas, expressas na obra Brand Placement: Integración de Marcas en la Ficción
Televisiva. Evolución, Casos, Estratégias y Tendencias de Cristina del Pino e Fernando
Olivares (2006). É assente na proposta feita pelos autores, do que difere Product
Placement de Brand Placement, que este trabalho de investigação parte.
1.1. Perguntas de Partida
Assim, após uma primeira abordagem ao Placement “Oliveira da Serra” na novela “Laços
de Sangue”, e tendo como base a teoria dos autores mencionados, interessa saber:
a) O que distingue Product Placement de Brand Placement? As inserções da marca
“Oliveira da Serra” na novela “Laços de Sangue” inserem-se em que tipo de
Placement?
b) De que forma é feito o Placement “Oliveira da Serra” na novela “Laços de
Sangue”? Que tipo de inserções, como se expressam e com que estratégia?
c) Qual o resultado do tipo de Placement utilizado? Que construção de significado
resulta dos códigos utilizados?
1.2. Objetivos
Joseph Maxwell (2005) identifica cinco objetivos intelectuais onde os estudos qualitativos
são mais pertinentes e que contribuem para três objetivos práticos. Os intelectuais incluem
perceber os significados, o contexto particular, a imprevisibilidade, o processo e possíveis
explicações causais. Os práticos incluem gerar resultados e teorias credíveis, melhorar as
práticas existentes e colaborar na pesquisa ativa (Maxwell, 2005, p.23-24).
O objetivo deste estudo é o de perceber o processo de construção de Brand Placement
utilizado pela marca “Oliveira da Serra” na novela “Laços de Sangue”, e de que a forma a
utilização de inserções, mais ou menos proeminentes, colaboram para a construção de
significado sobre a marca.
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1.3. Estratégia de Investigação
Este estudo segue o método qualitativo, com recolha de dados audiovisuais sujeitos a uma
análise de conteúdo. Foi realizada a contagem dos placements inseridos em simultâneo e
das categorias observadas, com o objetivo de retirar significado dos mesmos e não de obter
resultados quantitativos.
A presente análise considera, como amostra, as inserções da marca “Oliveira da Serra” na
novela “Laços de Sangue” no período compreendido entre 5 de Janeiro de 2011 e 7 de
Março de 2011, do episódio nº 72 ao episódio nº 115, perfazendo assim um total de 43
episódios.
Este período foi escolhido após um primeiro visionamento de excertos de episódios com
referências à marca que revelaram, além de uma maior incidência de inserções nesta fase,
uma possível relação com a narrativa da novela.
Após circunscrito o período a analisar, foi realizado o visionamento dos episódios e
identificado os tipos de inserções diferentes. Para análise foram selecionadas, de forma
aleatória, seis inserções com produto e seis inserções sem produto.
A estas doze inserções foram aplicadas as variáveis de análise de Troup (1991), descritas no
capítulo 3, e os resultados no quadro 6.4. De seguida, foi construída uma grelha com as
inserções em simultâneo dos diferentes tipos de placement com o objetivo de identificar
padrões processuais.
Além destas, foi analisado um anúncio publicitário inserido na novela e um separador
espaço-temporal com inserção de marca. Para a análise de significado foram utilizadas as
fichas de personagens e cenários.
2. CONTEXTO CONCEPTUAL E TEÓRICO
2.1. A Telenovela
O suporte escolhido para a ação de Brand Placement da marca “Oliveira da Serra” é a
telenovela “Laços de Sangue”, pelo que importa contextualizar e perceber a estrutura
narrativa deste género de ficção.
Uma das formas de entretenimento televisivo mais popular em todo o mundo é a telenovela,
soap opera ou novela. Atrai grandes audiências, e os seus personagens, assim como os atores
que lhes dão vida, tornam-se figuras de culto da cultura popular. Vários autores chamam a
atenção para o papel social da novela e para o efeito que esta tem como tema de conversa
entre as pessoas, assim como para a partilha de informação, pontos de vista e sentimentos
sobre questões de índole pessoal e social. (Creeber, 2001, p. 224).
Glen Creeber (2001) nomeia as características da estrutura narrativa da novela:
a) são séries contínuas, têm um andamento indefinido sem prever um final em que a
narrativa é resolvida;
b) apresentam narrativas sobrepostas de vários grupos de personagens num mesmo
episódio, mas com resoluções alternadas;
c) usam a estratégia de cliff hanger (gancho), em que uma questão ou decisão fica
por resolver, ficando o espectador obrigado a ver o episódio seguinte.
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A antecipação criada no espectador por esta estrutura é a razão mais provável, segundo o
autor, para que as novelas sejam tão prazeirosas (Creeber, 2001).
Outra questão relevante apontada pelo autor relaciona-se com o target. Ao longo dos
tempos as novelas foram construídas assentes na ideia de que o seu target principal são as
mulheres. Mas Creeber (2001) chama a atenção para o facto de as novelas serem assistidas
por ambos os sexos e que continuar a construir a sua trama com base neste pressuposto
pode revelar-se problemático.
No entanto, a representação da mulher abrange vários papéis que não só o de dona-de-casa
e em todos é vista como um indivíduo e não como uma tipologia. De um modo geral, a
mulher é representada como sendo “forte” tanto em termos de personalidade como do
lugar que ocupa na sociedade, com um largo espectro de possíveis identificações relativas à
idade, estado civil, orientação sexual, entre outras, e este é um dos factores apontado como
razão do agrado feminino (Creeber, 2001).
Além da identificação com os personagens, outro ponto de interesse relaciona-se com as
storylines, sejam elas relativas a temas do dia-a-dia em que pouco acontece ou a eventos
dramáticos em que há um grande número de acontecimentos.
Mas para vários autores não é só a identificação com os personagens, ou o tipo de
storylines, que interessam ao target feminino mas também a construção narrativa
chamada por Fiske de “an infinitely extended middle” (cit. por Creeber, 2001). Este ponto
intermédio estendido indefinidamente, em que o estado de equilíbrio narrativo é
perturbado e a resolução nunca é totalmente atingida, é o que cria o verdadeiro interesse
pela novela.
A novela “Laços de Sangue” apresenta uma dinâmica melodramática, que Thomas Tufte,
citando Trinta (1998), descreve como contendo complicações emocionais que envolvem
personagens fortes e uma narrativa romântica tradicional em que o amor verdadeiro
triunfa sobre a adversidade, a caracterização é claramente subordinada ao enredo e contém
cenas de ação espetaculares (Miller, 2003, p.57). Dentro da novela em causa, o núcleo
“Alentejo” onde o Brand Placement analisado se insere, também segue esta dinâmica
embora numa escala mais moderada, já que se desenrola em torno de uma triste história
de amor - a protagonista deste núcleo, Rita, é traída pelo marido - mas em que no final a
ternura vence sobre o mal - Rita apaixona-se de novo e perdoa à amante do marido. Rita
apresenta as características referidas em cima, de uma mulher com personalidade forte e
com um lugar de destaque no seu ciclo social e profissional.
2.2. O Entertainment Marketing
Sendo então a novela um género que atrai grandes audiências, mantendo-as fiéis ao longo
dos episódios e gerando conversa sobre os temas apresentados, é natural que seja um
produto atrativo para os marketers cujo objetivo comercial na divulgação de um produto é
o de atingir um grande número de pessoas e ter a capacidade de gerar word-of-mouth, ou
seja, de fazer passar palavra entre os consumidores.
Segundo Pino e Olivares (2006), a união do marketing com o entertainment - o
marketainment - é um reflexo da comunhão de interesses entre o consumo e o
entretenimento.
Neste sentido, a indústria televisiva, ou os formatos audiovisuais no geral, revelam-se
atrativos e rentáveis espaços publicitários para as marcas satisfazerem os seus objetivos
comerciais e empresariais (Pino e Olivares, 2006, p.21).
Os esquemas tradicionais publicitários foram, ou estão a ser, ultrapassados pelas novas
formas e pelos novos meios. As vias clássicas e lineares de publicitar um produto estão
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ultrapassadas e resultam não eficazes para os anunciantes, devido à saturação publicitária,
à fragmentação da audiência e às novas ferramentas de utilização da televisão digital que
desobriga o espectador de ver publicidade.
Este novo panorama televisivo favorece formas publicitárias interativas e a integração de
presenças comerciais em todo o tipo de programas e formatos. A ficção audiovisual é um
desses espaços, e os anunciantes usam-no para fazer chegar as suas mensagens. (Pino e
Olivares, 2006, p.24).
Os autores enunciam os fatores para que as marcas escolham este tipo de suporte:
“a) o alto poder prescritor e modelador dos actores e personagens que interagem com
as marcas; b) a maior verosimilhança e credibilidade que se consegue ao
protagonizar sequências da vida quotidiana; c) o menor custo por impacto; d) a
possibilidade de alargar sinedie a vida do placement (...); e) a comercialização das
teleséries (...)” (Pino e Olivares, 2006, p.25)
Assim, ao associar-se a uma novela de êxito como “Laços de Sangue”, aos seus atores e ao
estilo de vida que eles representam, a marca “Oliveira da Serra” ganha notoriedade,
penetração, recordação e vendas.
2.3. O Brand Placement
Uma das formas de marketainment é o Product Placement, que o Dicionário J. Walter
Thompson de Comunicação e Novas Tecnologias, citado por Pino e Olivares (2006), define
da seguinte forma:
“(...) técnica de comunicação que consiste em inserir estrategicamente produtos
comerciais nas sequências ou nos guiões cinematográficos ou televisivos com fins
publicitários. O Placement oferece a possibilidade de chegar a grandes audiências, é
altamente credível, a marca ou produto aparece sem concorrência e proporciona uma
elevada credibilidade e rentabilidade.” (cit. por Pino e Olivares, 2006, p.51)
Pino e Olivares (2006) acreditam ser mais correto utilizar o termo Brand Placement do
que o termo Product Placement, na medida em que existem vários tipos de Placement que
não só o de produtos, como por exemplo, de serviços, de marcas, de uma empresa, de
famosos ou de organizações públicas e privadas (Pino e Olivares, 2006).
Depois de analisado o Placement “Oliveira da Serra” em “Laços de Sangue” e seguindo a
definição dos autores, a seguir citada, estamos claramente perante uma estratégia de
comunicação de Brand Placement, já que as referências não se limitam ao produto, mas
também à marca, à empresa e ao sector.
“O Brand Placement é toda a presença ou referência audiovisual, verbal o visual,
explícita e intencional de uma marca (de produto ou empresa; individual, sectorial
ou articulada; de pessoa física ou jurídica), claramente identificada, alcançada
mediante a gestão e negociação com a produtora de conteúdos, no contexto espacial
ou narrativo do género ficcional, especialmente cinematográfico ou televisivo, apesar
da plataforma física por onde é emitida.” (Pino e Olivares, 2006, p.55)
No entanto, os autores fazem referência à natureza da aparição como “claramente
identificada” o que nem sempre é verdade, já que existem referências subtis e
subliminares, como no objeto em análise neste estudo, e que não podem deixar de ser
consideradas como Placement, na medida em que a construção de significado, por parte de
quem as vê, remete claramente para a marca.
A literatura considera duas dimensões de Brand Placement: o placement proeminente e o
placement subtil. O proeminente classifica as marcas que se apresentam de forma
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declarada numa cena, e o subtil as que se apresentam de forma não declarada (Johnson,
2008, p.8). No placement proeminente, a marca interage fisicamente com os personagens,
pode fazer parte da narrativa ou até ser considerado um “personagem”. O placement subtil,
devido a sua natureza discreta e à sua mistura com os cenários, pode não ser lembrado ou
reconhecido pelas audiências (Johnson, 2008, p.9). Estas duas dimensões referem-se a
formas de apresentação das marcas que, mais ou menos declaradas, são passíveis de
identificação visual, áudio ou audiovisual.
No entanto, existem referências subliminares onde não é possível identificar a marca de
forma visual ou sonora, mas que remetem para a mesma.
Como veremos no capítulo seguinte, é da conjugação de vários tipos de Placement, mais
proeminentes e mais subtis, que resulta essa construção de significado subliminar e que
obriga à associação imediata à marca em questão.
3. ANÁLISE EMPÍRICA
3.1. Estratégia de Comunicação de Brand Placement
A partir do visionamento dos episódios, no período identificado, constata-se uma relação
efetiva, paralela e em crescendo, das inserções da marca com a narrativa e com a história
de vida dos personagens. Observa-se quatro tipos de inserções diferentes, que compõem
claramente uma estratégia de comunicação integrada, e por isso, se considera tratar-se de
Brand Placement e não de Product Placement, assente nas premissas apresentadas no
capítulo anterior.
O facto de estes quatro tipo de inserções, compostos por formas e conteúdos diferentes,
entrarem em simultâneo no ar e de se conjugarem de forma arquitectada, resulta numa
indiferenciação entre os placements mais proeminentes e mais subtis, criando um efeito de
“Pavlov”: cada vez que os personagens utilizam palavras como azeite, olival ou lagar é feita
uma associação mental inconsciente imediata à marca “Oliveira da Serra”.
Assim, a estratégia de comunicação de Brand Placement observada é a seguinte:
a) Inserção de um Anúncio publicitário “Oliveira da Serra” entre o genérico e o início
do episódio, precedido e sucedido pelo marcador de publicidade, durante 13
episódios consecutivos, seguida de uma interrupção de 5 episódios, e novamente
durante mais 13 episódios consecutivos - Placement Proeminente;
b) Utilização do Separador “Alentejo” para inserção de logótipos “Oliveira da Serra”
nas imagens das máquinas de apanha da azeitona e camião de distribuição,
misturadas com imagens de paisagem alentejana - Placement Subtil;
c) Placement sem produto, expresso em referências verbais implícitas à marca
através de referências ao azeite, lagar, olival ou à produção do azeite em geral,
inseridas na narrativa - Placement Subliminar;
d) Placement com produto, expresso em referências verbais e visuais explícitas à
marca, e de visualização, manipulação, demonstração e consumo do produto Placement Proeminente.
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3.1.1.
Anúncio Publicitário – Placement Proeminente
Este anúncio entra pela primeira vez no genérico do episódio nº73, quando no episódio
anterior (nº72) se assiste, durante a novela, a uma cena de prova do azeite em família, em
que a personagem principal deste núcleo (Rita) apresenta e dá a provar o “Oliveira da Serra
Lagar do Marmelo” aos restantes personagens.
No dia seguinte, através deste anúncio, o grande público é convidado a provar o azeite,
estabelecendo assim uma relação direta entre ficção e realidade.
O anúncio é composto pelas imagens da cena da novela, onde se veem grandes planos do
tabuleiro do pão, da garrafa do azeite nas mãos de Rita e do pão a ser molhado no azeite.
Estas são misturadas com imagens da paisagem alentejana, de azeitonas, do olival, da casa
tipicamente alentejana, entre outras do género, que são as mesmas usadas no separador da
novela relativo ao “Alentejo” (cada location (local) da novela tem um separador próprio) e
as usadas como establishing shot (plano inicial) da casa da herdade, cenário do enredo.
O anúncio termina com um packshot (plano do produto) onde se vê a garrafa do azeite na
mesa da sala da herdade, com um selo onde se lê “Prove o azeite da novela Laços de
Sangue”.
Durante o anúncio, ouve-se o seguinte texto em voz off:
V.O.: “Ter em casa o melhor ingrediente da sua novela... porque não? Seja um dos
primeiros a receber em sua casa a oferta de uma garrafa Oliveira da Serra Lagar do
Marmelo, da novela Laços de Sangue! Vá ao Facebook, faça-se amigo de Oliveira da Serra e
saiba como.”
Através desta promoção o espectador pode habilitar-se a receber uma garrafa de azeite.
Esta voz off só está no ar até ao episódio nº 74 (2 episódios) mudando posteriormente para
o apelo à compra:
V.O.2: “Ter em casa o melhor ingrediente da sua novela... porque não? Oliveira da Serra
Lagar do Marmelo, da novela Laços de Sangue! Descubra o personagem principal dos seus
cozinhados numa loja Jumbo ou Pão de Açúcar perto de si.”
Resumindo, em primeiro lugar assiste-se a uma cena da novela onde o azeite é apresentado
e provado pelos personagens; no dia seguinte entra o anúncio (composto por imagens da
cena da novela e do separador da novela) com o convite à prova do azeite ao grande público
através de uma mecânica promocional de oferta; e dois episódios depois é substituído pelo
apelo à compra através da referência à presença do azeite nos supermercados.
A linguagem visual do anúncio mantém os códigos estéticos usados nas imagens da novela,
estabelecendo uma notória ligação à mesma e criando uma dificuldade de diferenciação
entre um e outra, que neste caso só é contrariado pelo separador de publicidade e pela voz
off em tom promocional.
3.1.2. Separador “Alentejo” – Placement Subtil
Este separador, ou stock shot, é usado para indicar passagem de tempo e/ou de
cenário/localização, e cada location da novela tem um diferente.
Observa-se dois tipos de stock shot relativos ao “Alentejo”: com e sem inserção da marca
“Oliveira da Serra”.
O separador com inserção de marca tem uma duração de aproximadamente 10 seg. e
mistura imagens da paisagem alentejana, de azeitonas, do olival, da casa tipicamente
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alentejana, entre outras, com imagens da apanha da azeitona onde entram os logótipos nas
máquinas e camiões de distribuição, ou imagens do edifício do lagar.
Todas as imagens, com ou sem marca, apresentam os mesmos códigos estéticos, ou seja, o
mesmo tipo de enquadramento, de iluminação, de valores cromáticos, de ritmo de
montagem, criando assim uma linguagem fílmica única e coerente, ligada pela música, e
tornando quase impercetível a mensagem comercial apresentada.
3.1.3. Placement sem Produto – Placement Subliminar
Este tipo de inserções, de menções verbais implícitas à marca, misturadas nos diálogos
entre os personagens, são consideradas neste estudo como placement, embora a marca não
seja claramente identificada. E são-no porque a estória da novela e do produto são uma só
e a mesma.
Aliás, o puncto desta estratégia de comunicação está assente no facto de a marca ter, ela
própria, uma estória de vida no enredo, que é a mesma estória de vida da personagem da
novela e, por outro lado, acompanha a história real do produto.
Ou seja, Rita vai lançar um lagar e uma nova marca de azeite. Esse lagar existe na
realidade, foi inaugurado recentemente e é, em simultâneo, o cenário onde se passa a
estória. A estória é sobre os esforços e vitórias de Rita nesta sua empreitada de olivicultora.
O lançamento do azeite nos supermercados, as idas a concursos internacionais e os
prémios, acontecem na vida real do produto e ao mesmo tempo na novela.
Esta mistura entre vida real do produto e estória do produto na novela, entre história do
produto e estória dos personagens, entre inserções de anúncios misturadas com
separadores misturados com referências subtis e proeminentes, todas com os mesmos
códigos visuais, os mesmos personagens e os mesmos cenários, tornam impossível não
estabelecer uma relação imediata entre a mínima referência ao azeite e a marca “Oliveira
da Serra”. Segue-se um exemplo de diálogo considerado nesta categoria. De referir que no
diálogo é usado o claim (frase publicitária) da campanha publicitária a decorrer em
paralelo, mas que não há qualquer aparição visual ou sonora referente à marca.
Orlando (engenheiro agrónomo do lagar): Doutora, o nosso azeite é tão bom que se vende
sozinho.
Rita (empresária): Mas tem que ser promovido, porque se as pessoas não souberem que
ele existe, não vão procurá-lo.
Orlando: Sim, claro.
(Rita pega num envelope)
Rita: Isto deve ser… deve ser as revistas que têm um artigo sobre nós.
Orlando: Aponte o que eu lhe vou dizer, Doutora. O nosso azeite vai ser famoso.
Rita: Temos que sonhar alto.
(Rita folheia a revista)
Rita: Deixa lá ver… o que é que eles escreveram. Ah, está aqui!
Rita (a ler): Porque não fazer o melhor azeite do mundo? (risos) Bem, só o título já é
fantástico!
Orlando: Pode-se lá dizer mal do nosso azeite. É um espetáculo!
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3.1.4. Placement com Produto – Placement Proeminente
Este tipo de inserções são as que apresentam referências verbais e visuais explícitas e
declaradas à marca, em que o produto é exibido, manipulado, consumido e mencionado de
forma flagrante. Algumas destas inserções são totalmente, do início ao fim da cena, sobre o
produto. No entanto, pela utilização do mesmo tipo de diálogo, dos mesmos códigos
visuais e fílmicos, e pela associação entre as narrativas do produto e da novela, não são
intrusivas, nem se destacam da restante linguagem.
3.2.Análise de Relações entre Placement
Para analisar a arquitetura das inserções foi criado um Quadro de Relação entre
Placements (ver anexo 2) que conjuga os quatro tipos de inserções: com produto, sem
produto, anúncio, e separador. O objetivo é o de perceber a utilização simultânea entre os
diferentes tipos de placement, e se existe algum padrão nessa utilização.
A variáveis de análise consideradas são:
a) Com produto: indica que nesta inserção entra o produto físico;
b) Sem produto: indica que nesta inserção não entra o produto físico, embora possam
existir outro tipo de referências visuais ou verbais à marca;
c) Anúncio: indica que esta inserção foi antecedida do anúncio à marca;
d) Separador: indica que esta inserção foi antecedida do separador com marca.
Da leitura do Quadro de Relação entre Placements (ver anexo 2) observa-se que:
• os placements sem produto são antecedidos na sua maioria (4 em 6) pelo anúncio
publicitário à marca;
• os placements com produto são antecedidos na sua maioria (4 em 6) pelo separador
com marca;
Conclui-se, assim, que existe uma preocupação em associar a utilização do anúncio quando
os placements não exibem o produto, e pelo contrário, em associar o separador quando os
placements exibem o produto, criando desta forma um equilíbrio entre imagens do
produto com imagens das cenas do olival, que incluem logótipos da marca. Desta forma,
em cada episódio, existe sempre variedade de referências, entre visuais, verbais, de
produto, ou outras, sem saturação e conjugadas de forma equilibrada.
3.3. Variáveis de Troup
No trabalho de análise de conteúdo das inserções foram utilizadas as variáveis do modelo
de investigação de Troup (Pino e Olivares, 2006, p.53):
a)
Localização: descreve onde tem lugar a cena em que se insere a marca e
estabelece as seguintes categorias: interior (casa/residência, escritório/local de
trabalho, etc) e exterior.
b) Contexto: descrição da natureza da cena/cenário em que a marca se mostra ou
menciona. As categorias são: positivo, negativo e neutro.
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INSTITUTO SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL
c)
Contacto físico: indica se o ator entra ou não em contacto com algum suporte
da marca. As categorias são: em contacto, consumido, sem contacto e
mencionado mas não visto.
d) Papel do ator: descreve o papel do ator que entra em contacto com a marca
que menciona: pode ser principal ou secundário, ou o produto é visto mas não há
contacto nem menção.
e)
Natureza da aparição, ou a forma em que o produto se mostra: como o
próprio produto, como publicidade afixada ao produto (um cartaz elétrico ou de
néon), menção verbal, uma combinação de aparição visual e menção verbal, a
embalagem do produto, um expositor (p.e. uma máquina dispensadora de cocacola), um veículo distribuidor ou outros.
f)
Personalidade do ator: descreve o carácter e o estilo de vida do ator que tem
contacto ou que menciona a marca, baseado apenas na cena em que a marca se
apresenta. As categorias são positiva, negativa ou neutral.
g)
Protagonismo: indica se a marca ocupa um protagonismo central e principal
na cena ou se está em segundo plano. As categorias de análise criadas são:
central, periférico ou produto mencionado mas não visto.
h) Duração: o tempo que duram as inserções de marca.
Depois de analisados, os dados recolhidos (dados no anexo 3) foram quantificados e os
resultados expressos no Quadro de Resultados das Variáveis de Troup (ver anexo 4).
Da análise do Quadro de Resultados das Variáveis de Troup (ver anexo 4), que mede a
quantidade de categorias observadas em cada placement, por variável, no total de 12
placements, observa-se que:
• a maioria das cenas se passa em interior, na sala e na cozinha da herdade (9 em 12);
• o contexto é na maioria positivo (10 em 12), e não se observa nenhuma situação
negativa;
• o contacto físico com o produto apresenta um equilíbrio entre as categorias em
contacto (6 em 12), consumido (4 em 12) e mencionado (5 em 12);
• o papel do ator mais usado (Orlando) é secundário (12 em 12), mas a atriz principal
(Rita) contracena com este, e com outros atores secundários, a maioria das vezes (9
em 12);
• a natureza das aparições são na totalidade de menções verbais (12 em 12), logo
seguidas pelas aparições visuais (8 em 12) e pelas de produto (6 em 12);
• o protagonismo do produto é central na maioria (8 em 12);
• a personalidade do ator é na totalidade positiva (12 em 12);
• e a duração da cena com placement é na maioria de 1 a 2 minutos.
Assim, conclui-se que a marca procura transmitir uma imagem positiva, na medida em que
tanto o contexto da cena como a personalidade do ator é positiva. A comprová-lo acresce
ainda o facto de que, durante os 5 episódios em que se dá a traição de Rita pelo marido,
não existem placements à marca.
Tanto no contacto físico com o produto, como na natureza das suas aparições, constata-se
um equilíbrio de utilização das várias categorias, reforçando a preocupação com a não
repetição, e não saturação, das formas de placement.
O facto de o protagonismo do produto ser na maioria central confirma que não é
necessário o produto estar presente de uma forma proeminente na cena para que
mantenha igual destaque.
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3.4. Personagens e Cenários
Da análise das fichas dos personagens e dos cenários (ver anexos 4 e 5), observa-se que:
• os personagens (com mais interação com o produto) Orlando e Rita têm educação
superior, são jovens adultos (23 e 30 anos), têm uma aparência geral simples mas
cuidada, apresentam uma beleza natural, são trabalhadores, empreendedores e
decididos, com bom carácter;
• os cenários são de ambiente confortável, apresentam tons quentes e motivos
campestres sem excessos rústicos, aliando um lado rural à modernidade da
arquitetura do lagar.
Conclui-se, assim, que existe uma intenção aspiracional em relação aos personagens,
construída pelo aspeto físico e pela educação e personalidade, e uma intenção de associar
um lado nostálgico, de regresso às origens, através da utilização de ambientes calmos e
rurais, sem perder a modernidade e a inovação, seja pelo know how dos personagens seja
pelas condições físicas do lagar e do olival.
4. CONCLUSÕES
Da análise efetuada neste estudo ao Brand Placement “Oliveira da Serra” na novela “Laços
de Sangue” observa-se a utilização de quatro tipos de placement - anúncio, separador, com
produto e sem produto - de forma estruturada e sem repetição do tipo de inserção:
placement proeminente, subtil e subliminar, no mesmo episódio. Observa-se uma utilização
equilibrada no tipo de menção - verbal, visual ou de produto, assim como, do tipo de
contacto - em contacto, consumido ou mencionado - fazendo com que algumas inserções
mais proeminentes, anúncios autênticos quando isoladas, sejam contrabalançadas com
outras mais subtis, criando um equilíbrio geral. De referir que estas inserções proeminentes
demoram, na maioria, entre 1 a 2 minutos, o que equivale ao dobro e ao quadruplo de um
spot (anúncio de TV) tradicional. Constata-se uma contaminação subliminar das cenas sem
placements, tendo em conta a associação imediata de referências a azeite, olival e lagar, entre
outras, com a marca “Oliveira da Serra”, seja por via da menção verbal, seja pelos códigos
fílmicos utilizados - de enquadramento, cromáticos, de iluminação e de montagem - que, ao
serem coerentes, criam uma unidade visual, ligando desde a inserção mais proeminente (o
anúncio e os placements com produto) à mais subtil (o separador e os placements sem
produto). Da conjugação dos vários tipos de Placement, mais proeminentes e mais subtis,
resulta essa construção de significado subliminar que obriga a uma associação imediata à
marca. Observa-se, ainda, uma intenção de conjugar conceitos de modernidade e de tradição
através dos códigos estéticos presentes nos cenários, dos códigos psicológicos aspiracionais
dos personagens e da construção narrativa que agrega a história real do produto com a
estória dos personagens e da novela, misturando ficção e realidade. Esta mistura de ficção e
realidade começa no produto com a novela, e através desta, acaba no produto com o
espectador.
Revista de Comunicação e Marketing, 5 (1), 2013, ISSN 1645-0248
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BIBLIOGRAFIA
CASEY, Bernadette et al. (2002). Television Studies. The Key Concepts. Londres,
Routledge.
CREEBER, Glen (2001) The Television Genre Book. Londres: BFI
JOHNSON, Glynnis M. (2008). Consumers’ perceptions of the ethics and acceptability of
product placement in movies: african americans and anglo Americans. PhD dissertation.
The University of Texas at Austin December, 2008
MAXWELL, Joseph (2005). Qualitative Research Design: an interactive approach.
Thousand Oaks, London, New Delhi: Sage.
MILLER, Toby, ed. (2002). Television Studies. Londres: BFI
ORZA, Gustavo F. (2002). Programación Televisiva. Un modelo de análisis
instrumental. Buenos Aires: La Crujía.
PINO, Cristina del (2006). El 'brand placement' en seis series españolas. De Farmacia de
guardia a Periodistas: un estudio empírico. Revista Latina de Comunicación Social, 61.
Disponível em http://www.ull.es/publicaciones/latina/200617delPino.htm
PINO, Cristina del, e OLIVARES, Fernando (2006). Brand Placement: Integración de
Marcas en la Ficción Televisiva. Evolución, Casos, Estratégias y Tendencias. Barcelona:
Gedisa Editorial.
TROUP, Marilyn L. (1991). The Captive Audience: A Content Analysis of Product
Placements in Motion Pictures. Master’s thesis. The Florida State University.
Revista de Comunicação e Marketing, 5 (1), 2013, ISSN 1645-0248
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ANEXOS
Para visionar os episódios aceder a http://lacos-de-sangue.blogspot.com/, clicar no nº do
episódio e no nº da parte indicada (ver anexo 1). O timecode do placement está indicado
nos quadros de análise dos placements (ver anexo 3).
ANEXO 1. DESCRIÇÃO DOS PLACEMENTS ANALISADOS
Placement Episódio
Parte
Cena
P1
72
1/4
Prova do azeite em família
P2
73
1/3
Conversa no Lagar
P3
73
2/3
Aprovação dos rótulos das garrafas
P4
74
1/3
Apanha da azeitona
P5
82
3/3
Prova profissional do azeite no Lagar
P6
84
3/9
Telefonema com resultado da prova do azeite
P7
84
P8
87
2/4
Ida do azeite a concurso internacional
P9
88
3/4
Demonstração do pop up
P10
92
1/3
Lançamento do azeite no mercado
P11
109
3/4
Artigo sobre o azeite nas revistas
P12
115
1/2
Prova de dois tipos de azeite diferentes
3/9 e 4/9 Conversa no Olival
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ANEXO 2. QUADRO DE RELAÇÃO ENTRE PLACEMENTS
Este quadro identifica que tipos de Placement entram em cada episódio, em simultâneo,
com o fim de identificar um padrão na utilização dos mesmos.
sem
produto
anúncio
P1 episódio 72
P2 episódio 73
•
P3 episódio 73
P4 episódio 74
•
com
produto
•
•
•
•
•
P5 episódio 82
•
•
•
P7 episódio 84
•
•
P8 episódio 87
•
P9 episódio 88
P10 episódio 92
•
•
P6 episódio 84
P11 episódio 109
separador
•
•
•
•
•
•
•
•
P12 episódio 115
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•
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ANEXO 3. QUADROS DAS VARIÁVEIS DE TROUP
3.1. Análise a Placements com Produto
Placement 1 | Episódio 72 | Prova do azeite em família
P1
episódio 72 | parte 1/4
Localização
interior (sala da residência da herdade)
Contexto
positivo (situação de consumo em família)
Contacto físico
em contacto (Rita segura na garrafa), consumido (Rita, Orlando,
Vicente e Francisca provam azeite)
Papel do ator
principal (Rita), secundário (Orlando, Vicente, Francisca)
Natureza da
aparição
produto (garrafa de azeite), menção verbal (Rita diz nome do
azeite: lagar do marmelo), aparição visual (garrafa, rótulo, azeite)
Personalidade
do actor
positiva (Rita mostra orgulho, entusiasmo e expectativa, restantes
personagens também)
Protagonismo
do produto
central (cena integral sobre a prova do azeite)
Duração
1m 42seg (7:10 - 8:52)
Placement 3 | Episódio 73 | Aprovação dos rótulos das garrafas
P3
episódio 73 | parte 2/3
Localização
interior (sala da residência da herdade)
Contexto
positivo (situação de partilha entre o casal)
Contacto físico
em contacto (Rita e Vicente em contacto visual com imagens do
produto)
Papel do actor
principal (Rita), secundário (Vicente)
Natureza da
aparição
menção verbal (Rita diz nome do azeite: lagar do marmelo, Rita diz
nome do atributo do produto: pop up), aparição visual (imagem de
garrafas, rótulos e pop up)
Personalidade
do actor
positiva (Rita mostra satisfação e aprovação, Vicente concorda e
reforça)
Protagonismo
do produto
central (visto e mencionado, cena integral sobre os rótulos do
azeite)
Duração
1m 03seg (7:25 - 8:28)
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Placement 5 | Episódio 82 | Prova profissional do azeite no Lagar
P5
episódio 82 | parte 3/3
Localização
interior (laboratório do lagar)
Contexto
neutral (ambiente profissional moderno e competente, mas sério)
Contacto físico
consumido (prova profissional pelos técnicos)
Papel do actor
principal (Rita), secundário (Orlando)
Natureza da
aparição
produto (garrafas de azeite), publicidade ao produto (cartazes),
menção verbal (Rita diz nome da marca: Oliveira da Serra),
aparição visual (logótipos)
Personalidade
do actor
positiva (entusiasmo e expectativa com a prova do azeite)
Protagonismo
do produto
central (visto e mencionado, a cena integral é sobre a prova do
azeite)
Duração
1m 20seg (7:40 - 9:00)
Placement 9 | Episódio 88 | Demonstração do pop up
P9
episódio 88 | parte 3/4
Localização
interior (cozinha da residência da herdade)
Contexto
positivo (chegada esperada das garrafas de azeite)
Contacto físico
em contacto (Rita segura na garrafa), consumido (Rita faz
demonstração do pop up)
Papel do actor
principal (Rita), secundário (Orlando)
Natureza da
aparição
produto (garrafa de azeite), menção verbal (Rita diz nome do
atributo do produto: pop up, diz nome da marca: Oliveira da Serra,
diz nome do claim: o melhor azeite do mundo), aparição visual
(nome, logótipo, garrafa, rótulo), embalagem do produto (caixote)
Personalidade
do actor
positiva (Rita e Orlando mostram grande entusiasmo)
Protagonismo
do produto
central (visto e mencionado, a cena integral é sobre o produto)
Duração
1m 20seg (9:14 - 10:34)
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Placement 10 | Episódio 92 | Lançamento do azeite no mercado
P10
episódio 92 | parte 1/3
Localização
interior (cozinha da residência da herdade e sala)
Contexto
positivo (lançamento da marca no mercado)
Contacto físico
em contacto (Domingos segura na garrafa e mostra pop up)
Papel do actor
secundário (Orlando e Domingos), principal (Rita)
Natureza da
aparição
produto (garrafa de azeite), menção verbal (Orlando e Domingos
conversam sobre lançamento do azeite no mercado), aparição visual
(garrafa, rótulo)
Personalidade
do actor
positiva (Domingos e Orlando mostram entusiasmo pelo
lançamento, Domingos mostra espanto pelo pop up, Rita mostra
entusiasmo)
Protagonismo
do produto
central (a cena integral é sobre o produto, mostrada na cozinha,
mencionada na sala)
Duração
2m 02seg (17:35 - 19:37)
Placement 12 | Episódio 115 | Prova de dois tipos de azeite diferentes
P12
episódio 115 | parte 1/2
Localização
interior (cozinha da residência da herdade)
Contexto
positivo (prova informal do azeite)
Contacto físico
em contacto (Orlando segura na garrafa), consumido (Orlando,
Domingos e Alzira provam azeite)
Papel do actor
secundário (Orlando, Domingos e Alzira)
Natureza da
aparição
produto (2 garrafas de azeite), menção verbal (referem-se às
propriedades de cada azeite), aparição visual (azeite, garrafa,
rótulo)
Personalidade
do actor
positiva (demonstram curiosidade na prova)
Protagonismo
do produto
central (visto e mencionado, a cena integral é sobre o produto)
Duração
0m 58seg (12:32 - 13:30)
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3.2. Análise a Placements sem Produto
Placement 2 | Episódio 73 | Conversa no Lagar
P2
episódio 73 | parte 1/3
Localização
exterior (lagar)
Contexto
positivo (elogio ao lagar)
Contacto físico
mencionado mas não visto (referência à qualidade do azeite)
Papel do actor
principal (Rita), secundário (Orlando)
Natureza da
aparição
menção verbal (Rita e Vicente falam sobre a qualidade do lagar),
aparição visual (edifício)
Personalidade
do actor
positiva (entusiasmo com as condições do lagar)
Protagonismo
do produto
central (o lagar é visto e mencionado)
Duração
20seg (5:25 - 5:45)
Placement 4 | Episódio 74 | Apanha da azeitona
P4
episódio 74 | parte 1/3
Localização
exterior (olival)
Contexto
positivo (situação de visita do casal à apanha da azeitona)
Contacto físico
mencionado mas não visto (Rita e Vicente conversam sobre a
apanha da azeitona e produção do azeite)
Papel do actor
principal (Rita), secundário (Vicente)
Natureza da
aparição
menção verbal (Rita e Vicente falam sobre a produção do azeite)
Personalidade
do actor
positiva (Rita mostra felicidade e entusiasmo, Vicente concorda e
reforça)
Protagonismo
do produto
mencionado mas não visto (cena integral sobre o azeite, marca não
vista)
Duração
1m 58seg (10:46 - 11:44)
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Placement 6 | Episódio 84 | Telefonema com resultado da prova do azeite
P6
episódio 84 | parte 3/9
Localização
interior (sala e escritório da residência de Lisboa, cozinha da
herdade)
Contexto
positivo (momentos anteriores ao casamento do irmão de Rita)
Contacto físico
mencionado mas não visto (Rita recebe chamada telefónica sobre o
resultado da prova do azeite, Rita partilha noticia com mãe)
Papel do actor
principal (Rita), secundário (Orlando e Francisca)
Natureza da
aparição
menção verbal (Rita refere azeite)
Personalidade
do actor
positiva (Rita mostra grande satisfação, Orlando e Francisca
também)
Protagonismo
do produto
mencionado mas não visto (conversa sobre a prova do azeite)
Duração
1m (1:40 - 2:40) + 1m 12seg (9:02 - 10:14) = 2m 12 seg
Placement 7 | Episódio 84 | Conversa no Olival
P7
episódio 84 | parte 3/9 e 4/9
Localização
exterior (olival)
Contexto
neutral (apanha da azeitona)
Contacto físico
em contacto (contacto visual)
Papel do actor
secundário (Orlando e Domingos)
Natureza da
aparição
menção verbal (conversa sobre produção do azeite), aparição visual
(logótipos nas máquinas e em tabuletas no olival)
Personalidade
do actor
positiva (entusiasmo com a produção do azeite)
Protagonismo
do produto
central (visto e mencionado, a cena integral é sobre a produção do
azeite)
Duração
12seg (10:16 - 10:28) + 1m 08seg (0:00 - 1:08) = 1m 20 seg
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Placement 8 | Episódio 87 | Ida do azeite a concurso internacional
P8
episódio 87 | parte 2/4
Localização
interior (sala da residência da herdade)
Contexto
positivo (chegada esperada de Rita à herdade)
Contacto físico
mencionado mas não visto (conversa sobre ida do azeite a concurso
internacional)
Papel do actor
principal (Rita), secundário (Orlando)
Natureza da
aparição
menção verbal (Rita e Orlando referem azeite)
Personalidade
do actor
positiva (Rita e Orlando mostram grande entusiasmo)
Protagonismo
do produto
mencionado mas não visto (a cena é sobre o produto, mas não se vê)
Duração
1m 04seg (12:56 - 14:00)
Placement 11 | Episódio 109 | Artigo sobre o azeite nas revistas
P11
episódio 109 | parte 3/4
Localização
interior (sala da residência da herdade e cozinha)
Contexto
positivo (chegada das revistas com artigo sobre o azeite)
Contacto físico
mencionado mas não visto (Rita fala e mostra revista a Orlando e
Domingos)
Papel do actor
principal (Rita), secundário (Orlando e Domingos)
Natureza da
aparição
menção verbal (Rita diz nome do claim: o melhor azeite do mundo)
Personalidade
do actor
positiva (Rita e Orlando mostram grande entusiasmo)
Protagonismo
do produto
mencionado mas não visto (a cena é sobre o produto, mas não se vê)
Duração
1m 32seg (7:48 - 09:20)
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ANEXO 4. QUADRO DE RESULTADOS DAS VARIÁVEIS DE TROUP
Quantidade de categorias observadas em cada placement, por variável, no total de 12
placements.
interior
exterior
9/12
3 /12
Localização
Contexto
positivo
negativo
neutro
10 /12
0 /12
2 /12
em
conta
6 /12
cto
Contacto físico
Protagonismo
produto
do
Personalidade do ator
Duração
sem
contac
0 /12to
4 /12
mencionad
o
5 /12
principal
secundário
9 /12
12/12
Papel do ator
Natureza da aparição
consumido
produto
verbal
visual
publicid.
6/12
12/12
8/12
1/12
embalag
.
2/12
central
periférico
mencionado
8/12
0/12
4/12
positiva
negativa
neutral
12/12
0/12
0/12
até 1 min
1min - 2min
mais de 2min
2/12
8/12
2/12
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ANEXO 5. FICHAS DOS PERSONAGENS
Rita Ribeiro Fonseca (Joana Seixas)
Papel
Principal (relativamente ao seu núcleo)
Características
físicas e estilo
30 anos, alta, magra, cabelo e olhos castanhos, pele branca,
beleza natural.
Estilo casual cuidado, de extrema simplicidade, tanto no
cabelo (liso, corte a direito pelo queixo) como na forma de
vestir (calças, camiseiros e casacos de malha). Usa cores
neutras (branco, cinza, bege) e sapatos rasos.
Características
gerais
Deixa Lisboa para viver na herdade da família, ex-corretora
da bolsa, irmã de um dos personagens principais da novela,
classe alta, família latifundiária no Alentejo, casada.
Passa a gerir o lagar, olival e produção de azeite da herdade.
Características
emocionais e
psicológicas
Tem como objectivo reerguer o olival descuidado da família e
produzir azeite de alta qualidade.
Independente, empreendedora, trabalhadora.
Calma, de trato afável, mas assertiva.
Muito profissional e rigorosa.
Orlando Ayres (Ângelo Rodrigues)
Papel
Secundário (relativamente ao seu núcleo)
Características
físicas e estilo
24 anos, alto, atlético, cabelo e olhos castanhos claros, pele
bronzeada, beleza natural.
Estilo casual cuidado, moderno campestre. Usa cores neutras
(verde, caqui, castanho). Forte sotaque alentejano.
Características
gerais
Sempre viveu e vive no Alentejo, é engenheiro agrónomo,
contratado por Rita para a ajudar a reerguer o olival.
Apaixonado pelo campo, pela natureza e pela observação de
pássaros.
Características
emocionais e
psicológicas
Tem como objetivo ajudar a reerguer o olival.
Prestável, dedicado e trabalhador.
Simpático, de trato afável, mas emotivo.
Profissional e competente.
Outros personagens que interagem com o produto, mas com menor protagonismo:
Domingos Machado (José Carlos Garcia), 48 anos, caseiro na herdade há vinte e três
anos. É um homem robusto, mas de temperamento calmo, um bom vizinho e um
trabalhador honesto.
Vicente Fonseca (Manuel Wiborg), 35 anos, casado com Rita, é um bon vivant, um
citadino submerso nos ambientes criativos e trendy. A perspetiva de ter que se mudar para
o Alentejo é vista por ele com desagrado.
Francisca Sobral (Emilia Silvestre), 52 anos, mãe de Rita, é uma mulher activa e de
espírito aberto, habituada a privar com músicos e gente ligada às artes e à cultura.
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INSTITUTO SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL
ANEXO 6. FICHAS DOS CENÁRIOS
Sala da residência da herdade
Perfil
Sala de estar confortável, de casa de campo, com requinte rústico.
Cores
Amarelos, ocres, laranjas, beges. Apontamentos de verde e
bordeaux.
Texturas
Florais e campestres, vergas, madeira, barro e ferro.
Iluminação
Quente e difusa, vários pontos luminosos.
Mobiliário
Sofás e poltronas, cadeiras de verga, mesa de centro.
Oliveira natural, objetos de barro e ferro de estilo moderno ou
rústico.
Cozinha da residência da herdade
Perfil
Cozinha rústica e confortável, tipicamente alentejana
Cores
Amarelos, ocres, laranjas, branco.
Texturas
Madeiras, ferro, barros.
Frutas e legumes.
Iluminação
Quente e acolhedora.
Luz natural do exterior.
Mobiliário
Bancada de trabalho central, mesa e cadeiras.
Recebido a 06-05-2013. Aceite para publicação a 17-06-2013
Revista de Comunicação e Marketing, 5 (1), 2013, ISSN 1645-0248
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SARA SOUTO10
A IMPORTÂNCIA DO TRIBALISMO NA NOVA ERA DO MARKETING
RESUMO
Através das ações de Marketing, torna-se necessário, atingir os indivíduos nas suas
emoções, pois só assim as organizações conseguirão, de forma sustentada, manter as suas
marcas no mercado.
O conceito de exploração de sentimentos considerados como necessidade secundária, surge
agora contextualizado numa sociedade, onde a preocupação com aquilo que é unicamente
racional associado às necessidades básicas, já não existe.
Cada indivíduo tende, cada vez mais, a estabelecer relações com outros, que partilhem os
mesmos sentimentos e que se aproximam a nível de motivações e personalidades,
formando uma “TRIBO”.
Estas tribos têm características muito específicas e são fonte de informação de extremo
valor para as marcas, se conseguirem infiltrar-se no seu interior, quer virtualmente, quer
fisicamente, sendo bem recebidas pelos seus membros.
O fenómeno tribal tem vindo a ganhar expressão, principalmente com a utilização da
internet, através do crescimento das redes sociais, pois os tribalistas podem vir de qualquer
parte do mundo, com diferentes contributos, que devem ser recebidos pelas marcas e
controlados pelas mesmas.
As tribos de hoje tendem a ser, cada vez mais, globais, sem barreiras geográficas, sociais,
económicas ou culturais, podendo contribuir para o crescimento duma marca em grande
escala e, é este comportamento tribal, que deve ser referência para a implementação de
uma bem-sucedida estratégia de Marketing.
Palavras-chave: Tribos; Partilha; Ligação; Comportamento tribal; Estratégias de
marketing tribal; Redes sociais
ABSTRACT
For marketing strategies to be successful, they have to touch people’s emotions, as only by
doing so, can brands maintain their position in the marketplace.
Exploiting people’s feelings has been considered secondary and has taken place within a
social context that only linked reason with basic needs. Currently, however, this is no
longer the case.
More and more, individuals tend to share relationships with others having similar feelings,
motivations and personalities, in effect, forming a “TRIBE”.
These tribes have specific characteristics and provide a rich source of important
information for brands, if they are able to be infiltrated in the tribes, virtually or physically,
and be well received by its members.
This tribal phenomenon is growing fast, mainly with the use of the internet, through the
boom of social networks, as tribal members can come from any part of the world, and so,
bring their different contributions, which should be received and controlled by the brands.
Today’s tribes tend to be global, with no geographic, social, economic or cultural
boundaries and they can contribute to a brand’s growth on a major scale. It is this tribal
behaviour that should act, as a reference point, for implementing a successful Marketing
strategy.
Key words: Tribes; Sharing; Link; Tribal behavior; Tribal marketing strategies; Social
networks.
10
Mestre em Marketing Estratégico pelo ISCEM; Docente do ISCEM
Revista de Comunicação e Marketing, 5 (1), 2013, ISSN 1645-0248
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INSTITUTO SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL
SARA SOUTO
A IMPORTÂNCIA DO TRIBALISMO NA NOVA ERA DO MARKETING
1. A IMPORTÂNCIA DO TRIBALISMO NA NOVA ERA DO MARKETING
Na sociedade moderna, novas configurações interpessoais têm vindo a surgir, dando
origem às redes de ligações em grande parte organizadas por afinidades emocionais.
Estas novas tendências de fragmentação da sociedade, refletem novos padrões de consumo
e põem em causa o marketing tradicional que utiliza uma abordagem top-down, focalizada
na relação unilateral da marca com o consumidor, sendo este visto como passivo e isolado.
2. O COMPORTAMENTO TRIBAL
Os consumidores estão, cada vez mais, a juntar-se a grupos, para partilhar e expressar as
suas emoções através de rituais e práticas.
Este comportamento tem um impacto enorme no consumo, pois reflete a sua busca pela
identidade, aceitação, expressão e liberdade, comportamento este, muito pouco patente no
marketing tradicional.
Os consumidores na sociedade moderna valorizam bens pela sua capacidade de ligação aos
outros, pelo que, chegou a altura de repensar a empresa, as marcas, a sua estratégia,
chegou a altura das empresas estarem atentas a este emergente fenómeno tribal.
O princípio base do marketeer de hoje deverá ser proporcionar a ligação entre
consumidores (ver figura 1), privilegiando as ações na ótica C2C (consumer to consumer).
MARCA
CONSUMIDORES
MARCA
CONSUMIDORES
Figura 1 – Marketing tradicional vs marketing atual
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INSTITUTO SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL
3. AS TRIBOS
O conceito de tribo foi lançado no marketing por Cova (1997), que trouxe para esta ciência
os estudos da sociologia e da antropologia cultural, até então desprezados pelo
racionalismo das ciências exatas.
A palavra tribo refere-se ao ressurgimento de valores arcaicos de identificação local,
religiosidade, sincretismo e narcisismo, onde uma ordem social se mantém, sem um poder
central ou submissão a regras. Elas representam uma contracultura ao poder institucional,
onde pessoas se reúnem com os mesmos objetivos, não em torno de alguma coisa racional
ou moderna, mas em torno do não racional e de elementos arcaicos como localização,
relacionamento, emoção e paixão.
Pertencer a estas tribos, para o indivíduo, começa a ser mais importante do que pertencer a
uma classe social ou a um segmento de mercado específico.
O que irá diferenciar uma tribo moderna das constituições das tribos arcaicas, é o facto de
elas serem efémeras e não totalmente agrupadas, das pessoas poderem pertencer a várias
tribos diferentes, dos laços pós-modernos das tribos serem conceptuais, pelos seus
membros relacionarem-se pela partilha de sensações.
Para Cova (1997), uma tribo é definida como uma rede heterogénea de indivíduos em
termos de, por exemplo, idade, sexo ou rendimento, que estão ligadas pela partilha por
uma paixão ou emoção.
São estas paixões e emoções, que constituem o denominador comum das tribos pósmodernas. As tribos existem, para representar manifestações rituais e simbólicas dos seus
membros e estão constantemente em movimento.
Esta é a forma mais poderosa de se manter a identidade das tribos da sociedade pósmoderna. Uma pessoa pode pertencer a várias tribos ao mesmo tempo, comportando-se de
forma diferente em cada uma delas. Em cada situação, o indivíduo assume um papel e
veste uma diferente "máscara". Esta variação de comportamento social impede que as
tradicionais ferramentas de análise possam avaliá-lo de forma precisa.
A noção de tribo não é particularmente revolucionária. A maior diferença está na dupla
identidade dos agrupamentos das tribos pós-modernas que são simultaneamente
primárias e secundárias. No grupo primário estão as experiências concretas do dia-a-dia,
no secundário as necessidades de interagir com outros grupos. Uma das características dos
dias atuais é a simultaneidade - movimentos de agrupamento e individualização, que
ocorrem simultaneamente na vida de cada pessoa.
Os relacionamentos nas tribos ocorrem pela partilha dos momentos em que as pessoas
estão reunidas e os locais onde se reúnem, física ou virtualmente, como os momentos de
sugestões, das atividades do dia-a-dia, da fantasia e da imaginação de cada membro da
tribo.
Entre os papéis assumidos nas tribos encontramos (Cova, 2002):

o membro - que tem uma relação profunda e diária com os rituais do grupo;

o especialista - que conhece o assunto com profundidade mas não mantém um
vínculo direto com os rituais;

o participante - que interage com todo o grupo;

o simpatizante - que convive esporadicamente com o grupo sem criar vínculos
maiores.
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O consumidor tribal procura marcas e produtos que ajudem a formar a sua imagem, junto
às tribos a que pertence. O valor da marca, produto ou serviço, não vem mais da função
que este possui, mas do que ele é capaz de transmitir e dos significados que estão inseridos
na formação da sua imagem.
A leitura do significado de uma marca pode assumir diversas formas, já que ela é feita
pelos membros das tribos: uma marca pode ser para um grupo o seu principal objeto de
culto e para outro, um exemplo de aversão.
Os componentes destes dois grupos, quando analisados pelas clássicas ferramentas de
pesquisa do consumidor, podem apresentar os mesmos perfis e, ao mesmo tempo,
produzirem leituras antagónicas sobre o produto e a marca. Ou seja, o que antes era
tratado como público-alvo de uma determinada marca, precisa agora de ser revisto à luz da
capacidade de significados que a tribo é capaz de lhe atribuir.
O comportamento em grupo é uma evidência no ambiente comunicacional contemporâneo
da pós-modernidade, possibilitando o seu crescimento pela inexistência de barreiras à
comunicação.
“Ao que atualmente assistimos em termos de movimento social, é ao que podemos chamar
advento das tribos” (Maffesoli, 2006), o que significa o fim do individualismo, através de
associações contratuais e racionais, estabelecidas pelos próprios indivíduos a fim de que
seja acentuada, cada vez mais, a dimensão afetiva e sensorial. O individualismo é
substituído pela necessidade de identificação com um grupo.
Segundo Maffesoli (2006), as relações entre os homens e os objectos tecnológicos,
exprimem as extensões dos seus afectos e sociabilidades. Para ele, os meios de
comunicação geram modos de comunidade e tribalização: apreciam a televisão, os
telemóveis, os jogos de video, a internet, enquanto vectores de experiências afirmativas na
sua vida diária.
As novas tribos utilizam símbolos, locais, cultos, rituais e imaginários à semelhança das
tribos indígenas, embora diferenciando-se destas por não terem espaços geográficos
concretos e as fronteiras serem conceptuais e efémeras. Assim, podemos perceber o valor
efetivo que a sinergia das forças que atuam na sociedade pode constituir para o avanço
tecnológico, pois falamos aqui da redescoberta de que o indivíduo não pode existir isolado,
pelo contrário, deve ligar-se aos outros por meio de culturas, costumes e comunicação,
criando fortes laços de reciprocidade.
A humanidade foi sempre e continuará a ser tribal, mas de novas e diferentes maneiras. A
proximidade já não basta. O onde já não equivale ao quem. A realidade é que a geografia, a
cultura e a religião já não correspondem entre si. As novas tribos são comunidades globais,
constituídas por pessoas que percebem realmente que têm algo em comum,
independentemente da sua nacionalidade.
Como efeito da biografização, os sistemas de valores alteram-se em termos de espaço e de
duração. Antigamente eram eternos, agora são efémeros. Morria-se com os mesmos
valores com que se crescia. Hoje em dia, os valores são provisórios. As normas
costumavam ser como a nossa pele, agora podemos mudar, por opção. Além disso, a maior
parte das pessoas apenas tinha um conjunto de valores. No mundo do “Capitalismo
Karaoke”, podemos professar várias crenças em simultâneo. Trata-se de "eu e as minhas
tribos" e não de "a tribo" (Ridderstrale e Nordstrom, 2006). Estas tribos constituem
agrupamentos por interesses comuns, que compartilham um estilo de vida com valores e
gostos comuns, definindo um estilo de vida tribal muito próprio.
Apesar desta cultura tribal poder existir fora do mundo virtual, a internet favorece essas
relações, pois é a forma, por excelência, que permite às tribos articularem e divulgarem as
suas ideias e opiniões.
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Assiste-se então a uma consequente heterogeneização e também a um emergente
pluriculturalismo, que dá origem à formação de tribos, constituídas por diversos pequenos
grupos, que estabelecem uma rede de amigos com interesses em comum, dividindo um
espaço comum, não exclusivamente físico mas também virtual (internet). De facto, com o
crescimento da internet, as tribos podem fortalecer-se de uma forma quase absurda, tendo
em vista que é muito mais fácil encontrar pessoas com interesses comuns ligadas a uma
rede.
O conceito de neo-tribalismo sustenta-se na relatividade do coeficiente de pertença, pois
como cada pessoa pode pertencer a uma infinidade de tribos pode investir, em cada uma
delas, uma parte pessoal importante. Este “borboleteamento” é uma das características
principais e essenciais da atual organização social. O conhecimento das neo-tribos podem
claramente facilitar os gestores de marketing no tipo de comunicação a desenvolver.
“A marca que pretende comunicar com os públicos-alvo e segmentos alvo, ao identificar
determinadas tribos, poderá, de uma forma espontânea, direcionar as suas campanhas de
acordo com os gostos e preferências destes grupos de consumidores” (Cova, 2007). Mas, o
verdadeiro objetivo na criação de uma tribo, não é conseguir mais consumidores, mas
transformar “fãs” ocasionais, em “fãs” apaixonados pela marca.
Estas novas tribos podem congregar-se em torno de uma marca, de um produto, de um
estilo de vida, de uma atividade, de um clube, de uma associação, de um ídolo.
4. OS INTERVENIENTES NUM ECOSSISTEMA TRIBAL
“Conte-me e eu vou esquecer. Mostre-me e eu vou lembrar. Envolva-me e eu vou entender”
(Confúcio).
Como afirma Seth Godin (2008), as tribos põem o mundo a funcionar, sempre foi assim e
sempre será. Num ecossistema tribal, há uma heterogeneidade de indivíduos (ver figura 2),
que se agrupam por uma mesma paixão ou emoção e porque são capazes de ações
coletivas.
Figura 2 – Membros de tribos (imagens dos sites das marcas)
O que diferencia este ecossistema tribal, ou neo-tribal, do ecossistema tribal arcaico, é o
facto de ser efémero, pois na sociedade moderna “as pessoas podem pertencer a várias
tribos diferentes, os laços são conceptuais e os seus membros relacionam-se através da
partilha de sensações” (Cardoso, 2009).
As pessoas criam um relacionamento com o produto que adquirem, através de ligações que
podem ser: “de auto conceito - o produto ajuda a estabelecer a identidade com o seu
utilizador; de nostalgia - o produto atua como elo com o eu no passado; de
interdependência - o produto faz parte da rotina diária; ou de amor - o produto promove
elos emocionais de afeto, paixão ou outra emoção intensa” (Solomon, 2002). A necessidade
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de relacionamento é inerente à existência do ser humano, e, os membros duma tribo de
hoje aproximam-se por diversos motivos, criando elos que podem ser duradouros ou
efémeros.
Ao adquirir uma marca, o consumidor tribal não quer sentir-se isolado. Ele quer ser
reconhecido, pelo consumo dessa marca, como integrante e representante de uma ou mais
tribos.
Para Solomon (2002), o consumidor tribal age por experiências emocionais ou por
integração - que expressa aspetos do eu ou da sociedade; por classificação - onde as
pessoas se envolvem para comunicar, tanto para si como para os outros, a sua associação
com as marcas; ou pode gerar um jogo - onde as marcas são usadas para que o consumidor
participe de uma experiência mútua e funda as suas identidades com a do grupo.
Analisar o perfil do consumidor tribal requer habilidade, para lidar com todas as múltiplas
facetas que ele pode passar a assumir no seu comportamento.
Duma análise quantitativa, macro, segmentada por faixa etária, classe social e sexo, houve
a evolução para a análise de perfis qualitativos que visam conhecer quem é o consumidor,
quais os seus hábitos de consumo, de leitura e a sua forma de pensar. Deve pesquisar-se o
comportamento de consumo tribal associado à análise do sentimento, que envolve as
relações entre as pessoas, suas afinidades, paixões e emoções.
Para Cova (1997), o consumidor parece confuso na escolha de uma marca, impedindo
qualquer organização de se estruturar estrategicamente de acordo com categorias. Ele é
capaz de escolher produtos antagónicos ou mesmo gastar menos num movimento de anticonsumo. Isto provoca uma confusão no sistema económico, que é baseado no consumo e
explica a dificuldade de enquadrar o consumidor por preferências.
O que pode dificultar a identificação do consumidor tribal é, então, o facto de não
conseguir-se caracterizar o consumidor por segmentos e nichos, já que estes já não
correspondem à estrutura pós-moderna.
O avanço tecnológico que permitiu a cada pessoa estar ligada a uma rede de computadores
ou à internet, somado a esta transição da característica individualista do sujeito moderno
para o pós-moderno, levam os indivíduos a criarem novos espaços de relacionamentos.
O que os membros duma tribo querem é:
 estar ligados
 criar razão de existirem
 fazer a diferença
 fazer-se notar
 ter interesse para a tribo
 a sua falta ser sentida
Os consumidores tribais agrupam-se emocionalmente em torno de uma marca, dão valor à
afinidade e à relação. Vive-se numa época em que as necessidades básicas encontram-se
minimamente satisfeitas, dando espaço a que as secundárias tomem poder. É aqui que o
consumo restrito ganha forma, é personalizado, como se dum ritual se tratasse e o
consumo fosse visto como “sagrado”.
Os critérios psicográficos devem assumir um maior destaque em detrimento dos
sociodemográficos, habitualmente utilizados, pois a aproximação ao consumidor tribal
deve ser feita através da criação de laços emocionais, através de uma interação eficaz com a
marca, assumindo o membro da tribo, um papel defensor da sua marca.
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5. O LÍDER TRIBAL
Tribos sem um líder são apenas multidão. “Uma tribo é um grupo de pessoas ligadas entre
si, ligadas a um líder e ligadas a uma ideia” (Godin, 2008).
A sociedade tem cada vez mais tribos, unidas por marcas, produtos, serviços, valores,
ideias, atividades ou interesses, mas, tem que haver alguém que lidere estas tribos, que
crescem exponencialmente através da quebra das barreiras geográficas, através da
tecnologia, permitindo uma difusão e partilha crescente da informação.
O uso das atuais ferramentas tecnológicas é fundamental para liderar uma tribo. Antes da
internet era difícil coordenar e liderar uma tribo, era mais demorado passar a palavra, era
complicado coordenar ações, era impensável crescer rapidamente.
As novas tecnologias foram criadas para desenvolver redes de comunicação entre as tribos,
dando-lhes voz ativa na sociedade moderna. Mas, a internet é apenas uma ferramenta,
uma forma simples de obter resultados. O verdadeiro poder das tribos não passa
exclusivamente pela internet, mas também por todas as formas de comunicação off-line,
pois tem tudo a ver com as pessoas.
O líder só precisa de querer fazer as coisas acontecerem, precisa ter paixão e atitude,
precisa de criticar e ser curioso, precisa provocar a confusão. “O verdadeiro líder tem que
ter fé no objetivo comum à tribo, enfrentar o medo de errar ou de ser mal compreendido e
de ser um fã da mudança. As tribos dão-nos uma vida melhor. Liderar uma tribo é a
melhor vida de todas” (Godin, 2008). Saber gerir situações, persuadir, organizar
prioridades e visualizar o sucesso, são características que estão na base de alcançar a
liderança de uma tribo.
Como já foi mencionado, o marketing dos dias de hoje utiliza as atuais ferramentas
tecnológicas, sobretudo a internet, através de emails e de redes sociais como o Facebook, o
hi5, o Twitter, entre outras, para liderar tribos, pois cada vez mais existem mais tribos, com
os seus membros reunidos em torno das mesmas opiniões e atitudes quer relativamente a
marcas, produtos, serviços, ideias políticas ou apenas para partilha de interesses. Quem
quiser pode liderar estas tribos, que crescem diariamente, porque a tecnologia quebrou as
barreiras geográficas e a velocidade com que a informação chega é enorme. Basta para isso
acreditar no objetivo comum à tribo e estar apto a receber sugestões de mudança. O
sucesso na liderança de uma tribo resulta da paixão e atitude, da crítica e da curiosidade: é
preciso gerir situações, persuadir os outros, organizar prioridades, visualizar o sucesso.
O líder pode melhorar a eficácia da sua tribo ao transformar o interesse comum numa
paixão e num desejo de mudança, ao proporcionar os meios que permitem aos seus
membros estreitar a comunicação entre eles e ao impulsionar a tribo, para que cresça e
ganhe novos membros.
As características de um líder incorporam noções de desafio, criação de uma cultura,
curiosidade, carisma, comunicação, ligação, comprometimento.
6. O MARKETING TRIBAL
Depois dos anos 50/70 terem sido marcados pelo modernismo da época, caracterizado
pelo aparecimento de novas realidades e visões como o individualismo, a liberdade, a
universalidade e o progresso, surgiram novos valores após 1980, com o tribalismo, a
ligação, a autenticidade, a proximidade, dando assim origem aos apaixonados por marcas
(Dionísio, 2008).
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Assistimos à emergência dos grupos de adeptos, experts, colecionadores e frequentadores
de nichos de mercados, que partilham já valores e interesses com outras pessoas,
independentemente do local geográfico onde se encontrem. Para estes, a ligação é o mais
importante, mais até que o produto ou a marca em si, pois vivem a sua comunidade com
paixão e autenticidade.
Esta vivência em comunidade, assemelha-se ao que antigamente era chamado
comportamento tribal e, é esta forma de estar em sociedade, que hoje chamamos neotribalismo.
Deu-se início a uma era, onde as redes de consumidores ativos contribuem para a
construção de marcas, surgindo como co-produtores das mesmas (os prosumers). Os
consumidores deixam de consumir apenas pela funcionalidade dos produtos, passando a
eleger as ligações e a partilha.
A tendência comportamental dos consumidores é organizarem-se e participarem em
tribos. Atualmente, pela sua própria definição, o marketing tribal privilegia a relação
pessoal entre a organização e o consumidor. A empresa deve entrar na tribo de forma
cuidadosa e partilhar a mesma linguagem, emoções e rituais (Cova et al, 2007). Há uma
aproximação aos consumidores com os mesmos interesses, oferecendo a estes, marcas,
produtos e serviços, que vão ao encontro das suas necessidades e desejos comuns.
As marcas devem criar laços emocionais, graças à interação eficaz com o seu público-alvo.
Podemos considerar então, que marcas de sucesso são aquelas que conseguirem essa
interação com os consumidores, tornando-se quase parte da sua rotina diária.
No marketing tribal, há uma “tribo” que tem que ser considerada, ou seja, um grupo de
pessoas que partilham as mesmas características ou algum tipo de interesse semelhante, a
quem é apresentada uma marca que se sabe à partida que irá satisfazer os seus interesses e
as suas vantagens serão partilhadas.
Um dos principais objetivos do marketing tribal, é transformar estranhos em amigos e
amigos em clientes (Godin, 1999). Podemo-nos relacionar com uma tribo através dos
diferentes tipos de marketing: viral, boca-a-boca, buzz e blended marketing. Todos eles nos
permitem contactar eficazmente com uma tribo, se a ligação a ela for corretamente
estabelecida. Como podemos verificar, o marketing tribal tem a sua "pedra de toque" no
contacto interpessoal, físico e/ou virtual (ver figura 3), na capacidade inata das pessoas se
agruparem, de criarem tribos com as quais se identificam e com as quais vivem e
convivem.
Figura 3 – Exemplo de uma comunidade tribal exclusivamente virtual
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Tirando partido deste facto, consegue-se mais facilmente agrupar os consumidores para
uma determinada marca, produto ou serviço. "Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem
és!" Estes novos consumidores podem também ser uma força negativa, podendo opor-se às
marcas e destruir os seus valores.
Com a crescente penetração da internet no quotidiano dos consumidores, todos se
relacionam com maior facilidade, o que, para além de ser uma grande alteração de
comportamento, pode trazer riscos para as empresas.
Este poder dos consumidores lança novos desafios às empresas habituadas a trabalhar
num mundo físico, que têm agora que aproveitar as oportunidades que encontram no
mundo virtual, identificando e minimizando as ameaças que esse novo mundo lhes pode
trazer.
De facto, as empresas e as suas marcas precisam deste novo relacionamento virtual, para
dar sustentabilidade ao seu sucesso e para promover a fidelização e lealdade, através de
identificação com a tribo que mantêm.
7. ESTRATÉGIAS DE MARKETING TRIBAL
Numa estratégia de marketing tradicional, os consumidores são vistos como passivos e
isolados, em que a abordagem empresarial é feita, focando a relação empresa-consumidor.
Na sociedade moderna, esta técnica visa fortalecer os laços existentes com o consumidor,
ou seja, o consumo torna-se agora algo emocional.
O marketing tribal preocupa-se com a exploração do lado sentimental/emocional dos
consumidores em detrimento do lado racional. Preocupa-se em avaliar a personalidade, os
sentimentos e motivações da sua “tribo” e desta forma personalizar, cada vez mais, as suas
marcas e produtos, de acordo com esta.
As estratégias de marketing tribal focam grupos de indivíduos que partilhem os mesmos
interesses em marcas, produtos ou serviços, a que chamámos de comunidades tribais. O
objetivo destas estratégias visa dar a possibilidade, a estas comunidades tribais, de
espalhar as vantagens dos produtos, obtendo assim a criação de grupos de consumidores,
facilitada pelas novas tecnologias, como a internet.
Na sociedade moderna, os marketeers não podem ser apenas marketeers, têm que ser
líderes tribais, pois é na liderança da tribo que está a capacidade de influenciar os
consumidores, membros da tribo.
Através das novas tecnologias de informação, os elementos das tribos têm acesso às
notícias atualizadas das empresas e das marcas, aos seus novos produtos, podendo
também interagir, para além dos membros da tribo, com os elementos da própria empresa,
dando e obtendo sugestões, ideias, conselhos, obtendo uma sensação de grupo, partilha e
união, motivando-os à partilha dos mesmos interesses.
A consolidação da fidelização dos seus consumidores, torna-se mais fácil e a empresa e as
suas marcas ganham notoriedade. Alimenta-se o culto pela marca e assiste-se ao aumento
do número de pessoas pertencentes à tribo.
As estratégias de marketing atuais, assumem uma realidade diferente ao assistirem à
formação de tribos para a partilha de paixões, através de rituais e práticas comuns.
Nesta busca por identidade, aceitação, expressão e liberdade, os consumidores passam a
valorizar os bens de consumo, pela sua capacidade de ligá-los uns aos outros e as marcas
têm de proporcionar essa ligação entre consumidores.
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Como o conceito de marketing tribal surge a partir do momento em que é possível estar em
contacto com qualquer pessoa, a qualquer hora ou local, as estratégias de marketing tribal
têm de ter uma maior preocupação em saber quais as marcas, produtos ou serviços que
ligam os consumidores de forma entusiástica e emocional. Este é o grande valor da ligação
tribal!...
Com o objetivo de criar um território para as suas marcas e de direcionar a comunicação,
as estratégias de marketing tribais terão de segmentar o mercado, dirigindo-se a grupos de
consumidores que têm em comum a partilha de determinados valores.
Estes grupos deixam de ser constituídos com base num qualquer modelo tradicional de
segmentação, dando lugar a um conceito mais universal e transversal, a diferentes grupos,
com diferentes características (ver Tabela 1).
Uma tribo é uma rede de
pessoas heterogéneas, em
termos de idade, sexo,
classe social, entre outros
indicadores,
que
estão
ligadas por uma paixão ou
emoção, capazes de agir
coletivamente, em que os
seus membros não são
apenas consumidores, são
também participantes.
≠
Um segmento é um grupo
homogéneo de pessoas, que
possuem
as
mesmas
características, que não estão
ligadas entre elas e que não
são
capazes
de
agir
coletivamente, sendo os seus
membros
apenas
consumidores
de
determinada
marca/produto/ serviço.
Tabela 1 – Diferenças entre tribo e segmento de mercado
O que está em causa numa tribo é a partilha de sentimentos e de emoções, implicando o
lançamento de marcas e/ou serviços que permitam o cumprimento dos objetivos. Para
trás, fica o consumo de mera satisfação de necessidades básicas, entrando-se numa nova
vertente de consumo, que tem valor simbólico para o consumidor e para toda a
comunidade de que faz parte, que se traduz em rituais. Para estes consumidores
“tribalistas”, importa mais o valor de ligação do que o valor material de uso de um
determinado produto ou serviço.
Com esta nova aproximação ao consumidor, as marcas conseguem interagir de forma
eficaz com o seu público-alvo, criando assim uma relação mais emocional. Este é um novo
caminho que os marketeers devem começar a dar atenção, se querem chegar eficazmente
ao seu público-alvo.
As estratégias de marketing, face às novas organizações sociais que aqui se vêm
identificando como tribos, deverão assim enfatizar o valor da ligação com as marcas ao
serviço da comunidade e não a servirem-se da comunidade (Harley Davidson – Harley
Owners Group, Apple, Clube Nespresso, Nike).
Uma estratégia de marketing tribal enfatiza o valor de ligação do produto ou marca, pondo
a marca ao serviço dos membros da tribo. As tribos são meias de comunicação
extremamente eficazes, mas só fazem aquilo que querem. Aderir a uma tribo é fácil, mas o
desafio está em conseguir liderá-la, pois essa liderança é crucial para a eficácia de uma
estratégia de marketing tribal.
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Uma estratégia de marketing tribal tem que reforçar as ligações entre os membros da
comunidade tribal, devendo a marca posicionar-se como elemento central da tribo, liderála e tornar-se numa marca de culto.
Ao tentar delinear uma estratégia, qualquer marca deverá saber diferenciar os seus
produtos, estruturar a sua identidade, definir o seu público-alvo, utilizar formadores de
opinião e líderes de opinião, fomentar a troca de experiências e de diálogo e criar uma
imagem apelativa. O que uma estratégia de marketing tribal deve fazer, é usar em seu
proveito um grupo de consumidores, para assim controlar a promoção da sua marca e
estimular o seu consumo: criar subtilmente, de forma não explícita, a sua tribo e mantê-la,
liderando-a.
Para liderar a sua tribo, uma marca tem que implementar uma estratégia de marketing,
que passe por aproximar a comunicação dos membros da tribo (Dionísio, 2009), realizar
eventos para contactar com a tribo, reforçar a mensagem de legitimidade de apoio da tribo,
disponibilizar-se para servir a tribo e não para servir-se dela, estimular feedback dos
públicos, fomentando a comunicação interativa.
Nas estratégias de marketing tribal, devem criar-se laços especiais com os consumidores,
para que eles sintam que a marca tem uma preocupação especial e única relativamente aos
seus gostos e aos da sua tribo. As marcas devem criar uma relação mais emocional e
entusiástica com os consumidores e, estes consumidores, assumir-se-ão como defensores
da marca, que deve fazer parte integrante da sua vida e eles próprios verão a marca como
símbolo da sua tribo.
A difusão da marca pode ser efetuada, como já abordamos, de forma rápida pela internet,
por exemplo, com recurso a redes sociais, blogs, fóruns, emails ou através do “boca-aboca”. Esta interação das tribos e das marcas, permite a obtenção de informação
importante para a melhor satisfação dos consumidores.
Para atingir as comunidades tribais, as empresas devem, assim, tirar o foco das relações
empresa-consumidor e passar a privilegiar a relação entre os consumidores. Devem sair da
visão da empresa como suporte das relações, para a esfera de apoio aos relacionamentos. A
fidelização do consumidor de forma cognitiva deve ser substituída pela fidelização através
dos cultos e rituais, que possuem significado para a tribo, como também a lealdade, que
deixa de ser cognitiva para passar a ser afetiva.
As estratégias de marketing tribais deverão facilitar a convivência e a agregação das tribos,
utilizando ferramentas para personalizar as ligações e suportar a ligação entre os seus
membros (ver figura 4).
Figura 4 – A ligação tribal aumenta o valor da marca (Slideshare - Seth Godin on tribes)
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Os marketeers deverão contudo saber, que ao fidelizarem um membro da tribo, terão
grande possibilidade de chegar a toda a tribo, devendo para isso utilizar a linguagem e os
elementos gráficos dessa mesma tribo, para que haja uma identificação mais fácil entre
marca e tribo.
As principais vantagens de uma estratégia de marketing tribal são:

Permitir segmentar o mercado de uma forma espontânea;

Facilitar a comunicação;

Criar uma relação de afetividade entre as marcas e os consumidores.
As desvantagens:

Como as tribos são efémeras, a comunicação terá de ser feita no tempo certo;

Poderá não interessar a determinadas empresas, visto trabalhar apenas nichos
de mercado;

O investimento neste tipo de campanhas terá de ser bem estratificado, pois se a
tribo não durar muito tempo e se os seus seguidores forem em número
reduzido, os recursos consumidos poderão não ter retorno.
8. CONCLUSÕES
As marcas têm que “ouvir” os membros da tribo, têm que envolver-se com a tribo, têm que
partilhar com a tribo, têm que conhecer bem a sua linguagem tribal. É preciso haver
interatividade entre a marca e os membros da tribo.
Como a tendência comportamental atual e futura do consumidor é a tribal, torna-se
fundamental desenvolver estratégias de marketing direcionadas a estes grupos de pessoas
(tribos) que partilham as mesmas ideias, os mesmos valores e interesses, para assim poder
uni-las em torno de uma marca. Os membros destas tribos têm um forte sentimento de
pertença às mesmas, pelo que aqui surge um potencial de sucesso para as marcas
fortíssimo, desde que entendam a tribo.
As estratégias de marketing tribal, devem implementar ações que visem facilitar e
promover a socialização dos consumidores (membros da tribo), com a partilha de
sentimentos e emoções comuns com a marca. As marcas devem criar espaços, dando às
tribos o poder de comunicar, desenvolver a base para o estabelecimento dos contactos, o
que é diferente de mandar os consumidores segui-las. É isto que faz um líder tribal e é isto
que deve fazer uma marca, para garantir uma aceitação positiva dentro da tribo.
O posicionamento das marcas deve ser feito de forma a não interagir diretamente com os
seus consumidores, numa relação unilateral, mas deixá-los fazê-lo, de forma controlada,
“infiltrando-se” na sua tribo ou fidelizando consumidores a uma comunidade da marca,
que poderá vir a ser a sua própria tribo (da marca). Os consumidores tribais devem ser
vistos pelas marcas como parceiros, que lhes podem transmitir algo que as enriqueça,
partilhando experiências, pois estes desempenham hoje, um papel ativo na construção da
marca. É a ligação entre as tribos e as marcas, que se torna um Fator Crítico de Sucesso
para estas.
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Recebido a 10-05-2013. Aceite para publicação a 14-06-2013
Revista de Comunicação e Marketing, 5 (1), 2013, ISSN 1645-0248
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INSTITUTO SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL
ELSA JERÓNIMO PEREIRA11
A INSTRUMENTALIZAÇÃO POLÍTICA DA INFORMAÇÃO
RESUMO
Considerando a atual vivência das consequências de uma revolução da informação e dos
mercados – que de forma integrada concorrem para um cenário global onde fluxos de
informação transnacional, técnicas de persuasão e estratégias manipulatórias da perceção
pública resultam na consolidação do já comummente apelidado Estado-Espetáculo –
afigura-se-nos cientificamente pertinente a análise crítica da Informação, quer como driver
de influência, quer como vetor de poder. Assente no argumento da impossibilidade de
coadunar o governo da Nação, ou a defesa da Soberania Nacional na cena política
internacional, com o improviso, a Informação surge como elemento facilitador e agilizador
da tomada de decisão política. Assim, é propósito deste artigo a análise do papel
desempenhado pela Informação ao nível dos principais movimentos sociais e estruturas de
poder, haja em vista a perceção da relação da informação com os media, a opinião pública
e, sobretudo, com o poder político.
Palavras-chave: Política; Poder Politico; Informação; Media; Opinião Pública; Tomada
de decisão.
ABSTRACT
Media and markets revolutionary outcomes are contributing to a global scenario where
transnational flows of information, persuasion techniques and public perception
manipulation strategies are drawing in the consolidation of the already named “State
Show” – there for, it is scientifically relevant a critical review on information, whether as
driver of influence, either as a vector of power. Argument based on the impossibility of
consistent government of the nation, or the defense of national sovereignty in international
politics, with improvisation, the information appears as a facilitator, stimulating the
political decision-making. Thus, the purpose of this article is to analyze the role of
information in key social movements and power structures, in order to understand the
relationship of information with media, public opinion, and especially with political power.
Key words: Policies; Political Power; Information; Media; Public Opinion; Decision making.
11
Aluna do Executive Master Programme em Diplomacia Económica do ISCEM
Revista de Comunicação e Marketing, 5 (1), 2013, ISSN 1645-0248
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INSTITUTO SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL
ELSA JERÓNIMO PEREIRA
A INSTRUMENTALIZAÇÃO POLÍTICA DA INFORMAÇÃO
1. INTRODUÇÃO
Na atual sociedade de Informação, a vantagem competitiva e passível de conversão em
Poder reside na capacidade de adquirir, selecionar, tratar, analisar e utilizar de forma
eficaz a informação.
Para a transformação da Informação em elemento de Poder “(…) muito contribuiu a
significativa redução dos custos na sua recolha e transmissão (…), o poder da informação
flui para aqueles que a podem editar e validar com credibilidade, evidenciando clara
capacidade para a filtrar (Nye: 2002: 254).
2. PERTINÊNCIA DA INVESTIGAÇÃO
Considerando:

a complexidade crescente da sociedade do saber;

a democratização do Conhecimento;

a acrescida importância da dimensão económica do Poder;

a quebra de barreiras ideológicas e físicas em consequência da revolução da
Informação e da globalização;

o desenvolvimento acelerado de tecnologias e meios de comunicação;

a exposição dos Estados a ameaças exteriores sob a forma de terrorismo
internacional, e a pressões económicas, sob a forma de manipulação de mercados;
Afigura-se-nos cientificamente pertinente uma análise critica do papel da Informação, no
contexto do processo de tomada de decisão politica. Assim circunscreveremos a nossa
atenção á Informação vocacionada para o apoio aos níveis da decisão politica interna e
externa, e dissecaremos a Informação na forma como é veiculada e absorvida pelas
diferentes estruturas de Poder.
3. OBJECTIVOS DA INVESTIGAÇÃO
Neste sentido, é nosso propósito a análise da Informação em correlação com 3 variáveis:

A relação da Informação com os media e consequente influência no processo de
tomada de decisão politica;

A relação da Informação com a opinião pública, enquanto grupo de pressão, ora
persuasor do poder politico, ora manietado pela Informação;

A relação da Informação com o Poder político, a sua utilização ao nível das relações
entre os diferentes atores da cena internacional, e no plano interno.
Revista de Comunicação e Marketing, 5 (1), 2013, ISSN 1645-0248
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4. QUADRO CONCEPTUAL
4.1. Conceptualização da Informação
Considerando que “o contínuo progresso das técnicas de pesquisa, processamento e
difusão da informação alargou enormemente o conhecimento público dos factos e dos
acontecimentos” e que “através dos meios de comunicação social e dos sistemas
informáticos sabemos imediatamente, on real time, o que se passa em qualquer parte do
mundo coberta por eles,” (Pereira: 2004:180) interessa diferenciar, na medida em que os
termos são com frequência utilizados indiscriminadamente, entre Informação, tecnologias
de informação e sistemas de informação.
Por Informação, “ (…) entenda-se o conjunto de dados colocados num contexto,
relacionados com o espaço, o tempo, o cenário da ação”. As tecnologias de informação “
(…) são suportes lógicos e equipamentos que permitem executar tarefas como aquisição,
transmissão, armazenamento, recuperação e exposição de dados”, enquanto que os
sistemas de informação “ (…) correspondem ao conjunto de meios, recursos e
procedimentos organizados, tendo em vista a produção de informação para apoio à
decisão” (Thomson: 2000: 18), ou seja, na expressão de Ernâni Lopes 12 “trata-se de um
quadro organizacional, um meio gerador de valor acrescentado para a ação”. (Lopes:
2003: 221)
Adiante, trataremos com especial detalhe, a questão das Informações Estratégicas, em
virtude da sua pertinência e atualidade.
Na esfera da diplomacia económica, quer seja no domínio empresarial, quer seja no
domínio do Estado, toma-se como incontestável que, na base da atuação dos múltiplos
atores está o recurso permanente à articulação entre o binómio informação e formação
(conceção, criação e utilização da capacidade para cruzar e fertilizar diferentes tipos de
informação), logo, a capacidade de atuação e, consequentemente de exercer poder, está
diretamente relacionada com a maior ou menor capacidade de dispor de uma (informação)
e de outra (formação).
A compreensão da importância da Informação depende da compreensão do papel das
“transformações tecnológicas nas sociedades, que, na sua generalização popular, são
expressas pelo termo de Idade de Informação, e que, ao nível da lógica dos sistemas
económico, estão a gerar a transição do Capitalismo Industrial, que conhecemos,
sabemos como funciona e sabemos como gerir, ou sabíamos, para alguma forma de
Capitalismo Informacional, que não conhecemos, não sabemos como funciona e como
gerir ” (Lopes: 2003: 220).
4.2. Conceptualização da Decisão Política
De forma sumária, entenda-se a decisão como um “processo pelo qual um ou mais
indivíduos selecionam uma ação de entre um conjunto de alternativas, para de acordo
com certos critérios, atingir objetivos pré-estabelecidos” (Thomson: 2000: 32), e
composto pelos seguintes elementos:

existência de um decisor;

existência de um contexto da situação de decisão;
12
Conferir na íntegra em: Ernâni Rodrigues Lopes – Informação, Informações & Estratégia Económica e Empresarial. In
Informações e Segurança, p. 221 e seguintes.
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INSTITUTO SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL

duas ou mais opções possíveis para o decisor;

consequências (ou resultados);

objetivos a atingir por parte do decisor.
No entendimento de David Easton, as decisões são outputs do sistema político. No seu
âmago, a decisão política aparece como a distribuição de valores, investida de autoridade,
no seio de uma sociedade. Easton refere ainda que a decisão política visa responder a
problemas e exigências, num sentido lato, e que o circuito input – caixa negra – output
simplifica um processo tendencialmente complexo, resultado dos inputs produzidos na
caixa negra pelas próprias autoridades políticas, os withinputs (Easton: 2003: 711).
Em Easton, a decisão política pode ser entendida quer como ato de decidir, ou seja, como
manifestação de vontade, quer como processo enfatizado na necessidade, utilidade e
indispensabilidade da visão do sistema político, assim, a análise da decisão política deverá
ser feita à luz da dialética da defesa e do ataque, uma vez que:

a decisão restringe o leque de opções;

a alteração da decisão acarreta custos políticos;

a tomada de decisão sem definição anterior do objetivo, é politicamente inútil.
A controvérsia quanto à natureza da tomada de decisão, e quanto ao paradigma mais
apropriado para o enquadramento do tema, persiste. Contudo, a polémica não lhe retira
valor, na medida em que a tomada de decisão não passa somente por uma escolha
meramente abstrata entre alternativas que procuram a maximização da utilidade, é
cumulativamente um processo em formação e em associação, composto por escolhas
parciais e compromissos entre os interesses das organizações e pressões burocráticas em
competição.
A Teoria da Decisão identifica um conjunto de variáveis relevantes, e analisa e cria cenários
de relacionamento possível entre essas variáveis. Apontamos aqui um avanço significativo
face à análise política tradicional, uma vez que a Teoria da Decisão não se esgota nos
Estados como entidades metafísicas e abstratas, optando antes, por salientar o papel do
decisor político, na medida em que o seu comportamento condiciona as opções
governativas que empreende. Logo, há uma necessidade metodológica de definir o Estado
em termos dos seus agentes decisórios, aqueles que agem em seu nome, partindo-se do
pressuposto de que os decisores atuam num contexto total, abarcando o nível interno
(sistema político nacional) e externo (a totalidade do sistema internacional).
Os decisores baseiam-se em imagens da realidade desenhadas pela Informação. Partindo
deste argumento, facilmente se compreende que a perceção seja uma variável central na
Teoria da Decisão. O processo de perceção da realidade por parte dos decisores, não é de
fácil sistematização, em virtude da sua natureza empírica, todavia, é indispensável
compreender “como se escolhe?”. A interrogação relativa ao modo como se escolhe é
passível de resposta em três grandes tipos de teorias ou esquemas de decisão:

O Modelo Racional;

O Modelo Incremental;

O Modelo “dumpster”.
No modelo racional, parte-se do carácter pensante do decisor político, que consciente das
suas alternativas, procede a cálculos e ponderações com base na utilidade, valores e
probabilidade e escolhe a opção que corresponde ao ótimo, ou que é a melhor possível
dadas as circunstâncias. Assim, o modelo coloca o individuo no centro da análise, e assume
que o decisor pode sempre decidir com base num leque de opções, pode priorizar as opções
e escolher a mais favorável, e pode decidir similarmente perante alternativas idênticas.
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Pese embora o considerável avanço na teoria da racionalidade sinóptica, nem sempre os
decisores políticos escolhem de entre todas as opções em aberto e possíveis, além do que,
algumas das decisões originam consequências que não podem ser racionalmente planeadas
ou previstas. Ciente disso, Herbert A. Simon avançou com a teoria da racionalidade
limitada, sugerindo que as unidades de decisão analisam de forma sequencial as
alternativas disponíveis até chegarem aquela que tem o nível mínimo de aceitabilidade, ou
seja, rejeitam-se sucessivamente as soluções que não satisfazem até se encontrar uma
solução consensualmente satisfatória que permita agir. O decisor já não se preocupa em
examinar todas as alternativas, em controlar todas as variáveis, em ponderar todas as
consequências possíveis, e não aspira à maximização dos dados e das informações, limitase antes à satisfação de algumas exigências fixadas de maneira mais realista, restringindose ao número de alternativas e consequências que julga adequado ponderar.
O modelo Incremental13 de Charles Lindlom defende que os processos de decisão e de
produção de políticas públicas avançam por tentativas através de acordos e permutas
assentes sobre decisões já tomadas, revendo-as e modificando-as. Assim se compreende,
que o processo de decisão se baseie em pequenos ajustamentos que dependem mais das
correlações de forças, de relações e negociações, e da concorrência constante entre os
vários intervenientes que caracterizam os sistemas políticos democráticos, do que de uma
postura racional formal ou resultado de um único plano. Logo, os decisores são mais
conservadores com as decisões que tomam. Evitam iniciativas inovadoras, evitam decidir
sobre questões fundamentais que resultem na mudança significativa do universo social
externo, na medida em que são mais arriscadas e potencialmente mais onerosas, sobretudo
se forem erróneas, portanto, minimizam e/ou evitam.
Comparativamente com Lindblom, James March e Johan Olsen revelam no “dumspter”,
acrescido ceticismo quer na racionalidade quer nos ajustamentos recíprocos, em virtude da
necessária exigência de conhecimentos e competências nem sempre disponíveis. As
exigências e as pressões tornam indispensável a tomada de decisão. Em situações de limite
de tensão, o decisor recorre ao contentor das alternativas disponíveis.
4.3. Quadro Cénico
Na análise da tomada de decisão em política externa, Graham Allison14 é um dos autores de
referência incontornáveis. Pese embora a insistência dos estudos de relações internacionais
no enfoque em Lindblom e no encarar do comportamento dos Estados na sua vertente
racional, Allison aponta fundamentos justificadores da divergência do modelo racional no
que concerne à tomada de decisão. O modelo clássico do ator racional reitera as ideias
apresentadas no ponto anterior: os Estados são peças-chave que agem de forma racional,
ponderando custos e benefícios das várias escolhas políticas, na procura da opção que
maximize a utilidade. Na ótica de Graham Allison, seriam adeptos do modelo racional,
Morgenthau, Schelling e Kissinger.
O modelo clássico racional provou a sua utilidade face a muitos objetivos, mas carece de
complementaridade com a máquina governativa, com o processo organizacional e com o
13
“Como a formulação de políticas públicas é feita de forma fragmentada, sem conhecimento total e sem uma
autoridade racional que centralize e controle todas as fases do processo, leva a que a perspectiva do muddling through
seja a forma mais correta de interpretar o processo de decisão política nos nosso dias”, Lindblom citado por Rod Hague
e Marting Harrop – Comparative Government and Politics, 4th ed., London: Macmillan Press, Ltd, 1998, p. 257.
14
Allison é mundialmente conhecido pela sua análise à Crise dos Mísseis de Cuba onde indicou que a decisão e a
formulação de políticas foram desenvolvidas em resposta ao processo de negociação estabelecido entre oficiais chave e
atores políticos. Para mais detalhes, conferir em G.T. Allison – Essence of Decision: Explaining the Cuban Missile Crisis,
Boston, Little Brown, 1971.
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modelo de política burocrática. Neste caso, as decisões resultariam mais dos efeitos e
estrutura das organizações e da competição existente entre as unidades de decisão que
funcionam de acordo com comportamentos regulamentados, do que de ações deliberadas.
A segunda perspetiva de Allison assenta no modelo de processo organizacional. “Os
departamentos tendem a lidar com situações standard próprias, negligenciando a
ligação com os objetivos gerais da organização a que pertencem. Nos casos em que
aparecem situações novas ou quando as de rotina não estão a ter uma boa prestação,
então opta-se pela política incremental de mudanças, passo a passo. Neste contexto, será
feita uma procura limitada para encontrar a primeira decisão satisfatória, e mais uma
vez salienta-se a preferência das organizações para evitarem efeitos não previstos e
incertos, concentrando-se assim em decisões e problemas de curto prazo” (Tansey: s/d:
224).
Quanto ao último modelo de Allison, o burocrático, conhecido pelo processo de negociação
política, a tomada de decisão é vista como o resultado do jogo entre diversos jogadores que
ocupam posições distintas. De outra maneira ainda, o resultado dependerá em muito das
competências para a negociação, dos recursos disponíveis e das regras do jogo.
5. A MEDIATIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO
No entendimento do General Loureiro dos Santos, os valores relacionados com a economia
são predominantes, a informação é vista como um produto, o que reforça a sua qualidade
de instrumento para o exercício do poder. Daqui resulta a concentração dos meios de
comunicação em multinacionais que, a partir de certo nível, passam a disputar o poder
político, dificultando a manutenção da sua independência face aos centros do poder
económico (Santos: 2003).
Igualmente, Mário Mesquita corrobora a evidente ligação dos media ao poder político
“mesmo nos acontecimentos ditos ‘genuínos’ existe sempre uma forte dose de construção
mediática, que desde logo se manifesta não só na focalização e na forma de expressão,
mas na relevância que lhes é atribuída, conferindo-lhes dimensão regional, nacional ou
planetária, ou dissolvendo-os na torrente da “sobreinformação” quotidiana” (Mesquita:
2013: 19).
O autor apresenta uma série de comentários acerca do uso generalizado da expressão
“quarto poder” e, em sua substituição, fala de um “quarto equívoco”. Assim, quando
aborda os chamados “poderes republicanos”, menciona a permanente crise de legitimidade
em que vivem atualmente, justificando o emprego da terminologia.
O próprio poder mediático dissemina a informação e tem sido alvo de uma perda de
credibilidade. Continuando com Mesquita, este afirma que, na análise do denominado
“quarto poder”, encontramos muitos equívocos: “Equívocos quanto à sua definição,
porque embora se tenha autonomizado, de forma notória, em relação às instituições
políticas, o ‘campo dos media’ continua a ser influenciado, cercado e utilizado pelos
outros poderes, incluindo económicos e tecnológicos; equívocos quanto à legitimidade,
porque a liberdade de expressão, constituindo a matriz da liberdade de imprensa, se
aplica a todos os cidadãos – e não só aos proprietários dos media e aos jornalistas”
(Mesquita: 2013: 23).
O general Loureiro dos Santos comenta: ” Muitas vezes pode não se distinguir qual o
motivo pelo qual determinada notícia de grande efeito mediático vem a lume na
comunicação social. Se como resultado de uma iniciativa e corresponde profissionalismo
de um agente da comunicação. Se materializando uma estratégia de poder de qualquer
ator nela interessado ” (Santos: 2003: 26).
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Numa dupla perspetiva, o General Loureiro dos Santos refere que o uso dos media
adquiriu um protagonismo de enorme peso na conduta da guerra. Há que salientar a sua
influência como elemento apoiante do aparato militar, e também a sua força como vetor
independente de intervenção estratégica.
6. A PERCEÇÃO PÚBLICA DA INFORMAÇÃO
A política externa de uma democracia não pode ser conduzida com êxito a não ser que a
consulta da opinião pública seja uma constante. Ou seja, uma decisão política, só será
legítima se reconhecida e suportada pela opinião pública. De outra maneira ainda, numa
sociedade aberta a eficácia do poder dependerá em larga escala da adesão da opinião
pública.
A importância da informação como instrumento da política está intimamente ligada com a
função que a opinião pública sempre desempenhou, e continua a desempenhar, na
sociedade. A Sociedade das Nações foi a primeira organização a dar relevância à alta
função da opinião pública. Na mesma linha de ideias, a ONU, de acordo com a
interpretação de Goodrich e Hambro, chamaram à Assembleia Geral “a consciência aberta
do mundo”.
O professor Adriano Moreira também alude ao tema, questionando-se acerca da existência
de uma opinião pública mundial autónoma. E é nesta sua observação que podemos ligar os
dois conceitos em análise: “Sabemos que o mundo é cada vez mais uma unidade, mas o
simples facto de se ter tentado e podido mobilizar essa opinião pública mostra que se
trata de alguma coisa que pode ser produzida, condicionada, manejada,
independentemente da sua correspondência a uma exata informação e valoração dos
factos. [...] A relação evidente entre a opinião pública mundial, o cumprimento das
regras internacionais e o interesse do Estado soberano transformaram a propaganda
num sério problema de governo que exigiu a criação de departamentos especiais em toda
a parte. O problema da imagem dos povos foi o ponto de referência desta problemática”.
(Moreira: 2004: 31)
Ou seja, a opinião pública ganhou relevância quando a sociedade civil se separou do Estado
moderno, mostrando dinamismo e solidez suficientes para acompanhar as decisões dos
poderes políticos face aos interesses públicos.
As sondagens assumiram – se como imprescindíveis, e a prová-lo veja-se o caso americano,
que recorre com muita frequência a esta técnica de medição para, entre outros objetivos,
evitar choques na adesão a certas decisões. Assim se prepara a opinião pública – e esta é
também encarada como uma alternativa ao controlo imediato das decisões do governo.
Os grupos de interesse têm um importante papel na formação da opinião pública gerindo a
controvérsia e esforçando-se para obter aliados entre os desinteressados. Desta forma o
desinteresse e a não informação contribuem para a ação desses grupos visando moldar
opiniões, provocando, através propaganda, o estabelecimento de atitudes emocionais e
sentimentos favoráveis à sua causa e, influenciando assim, o processo de decisão.
Logo, a opinião pública é, declaradamente, uma alavanca na mão do demagogo. Daí ser
vista num duplo aspeto: expressão genuína da vontade do povo e meio de manipulação
desse povo. Por responder, permanece a questão de saber como é que os media se
desenvolvem nas sociedades abertas, e sobretudo, se há opinião pública em sistemas
centrais que controlam os media.
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7. A INSTRUMENTALIZAÇÃO POLÍTICA DA INFORMAÇÃO
Os decisores políticos, enquanto enquadrados no cenário do mundo atual anteriormente
esboçado, fazem uso de informação integrada em tempo real e que se destina a apoiar, de
forma abrangente e coerente, os processos de tomada de decisão ao nível político,
interagindo com o planeamento contingencial ao nível estratégico.
A verdade é que a realidade não permite que o Governo continue a decidir baseado em
julgamentos intuitivos, capazes de gerar riscos enormes. É sintomática a apetência para
uma cada vez maior manipulação da informação, uma condição de possibilidade e um
instrumento vital da política e da estratégia de qualquer ator do sistema das relações
internacionais, procurando ambas utilizar em proveito próprio as tecnologias convergentes
das telecomunicações e da informática, a proteção e a distribuição da informação. Por
outro lado, pretende-se atingir, com eficácia e oportunidade, o grande público ou alvos
selecionados, concretizando uma capacidade de influenciar e condicionar a opinião
pública, fator relevante da gestão do comportamento social.
De acordo com as teorias liberalistas das relações internacionais – defendidas por
Keohane, Bull e Nye, entre outros – o soft power aparece como elemento crítico do sistema
e, no seu essencial, refere-se à edução, informação, cultura e diplomacia, no essencial, e a
sua importância reside no modo como o decisor político poderá jogar esse trunfo.
Susan Strange alerta que para além da capacidade (militar) os políticos têm à sua
disposição o poder estrutural – aquele que condiciona o ambiente de decisão do outro -,
que é acima de tudo, uma capacidade de influência e de condicionamento da agenda
política.
A relação tradicional entre hard power e soft power15 aparece de certo modo enfraquecida
na era da informação marcada pela já referida interdependência complexa.
A propaganda, enquanto instrumento de ação estratégica do soft power, não é nova na
forma de informação livre. Hitler e Estaline utilizaram-na com eficácia na década de 1930 e
o controlo da televisão por Milosevic era essencial para o seu poder na Sérvia na década de
1990. Assim, qual é o papel da propaganda na sociedade moderna? Podemos vê-la com
uma função motora ao nível da política internacional, e também ao nível da decisão
interna?
Em termos de conceito Jowett e O”Donnell definem propaganda como uma tentativa
sistemática e deliberada para moldar perceções, manipular conhecimentos e direcionar o
comportamento para obter uma resposta que favorece a intenção desejada do
propagandista16. No mesmo sentido, o Instituto Americano de Análise da Propaganda
refere-se à “expressão das opiniões ou de ações efetuadas deliberadamente por indivíduos
ou grupos, com vista a influenciar a opinião ou a ação de outros indivíduos ou grupos,
com referência a fins pré-determinados e por meio de manipulações psicológicas”. (citado
por Oliver Thomson: 2000: 15)
Avançamos numa tentativa de síntese: utilização por um grupo de pessoas de todo o tipo
de técnicas de comunicação com o fim de obter alterações de atitude ou de comportamento
noutro grupo de pessoas.
15
Segundo o Gen. Loureiro dos Santos n”A Idade Imperial, Lisboa: Publicações Europa-América, 2003, p.300,
“[...]Poderes: um, que afecta mais directamente os elementos materiais, que se designa por hard power; outro, que se
dirige directamente às mentes e aos corações, que se designa por soft power. [...] (este último) integra essencialmente
as áreas do conhecimento (educação), das comunicações e da cultura.” (itálico no original)
16
Para explicação pormenorizada da definição apresentada sugere-se a leitura de Garth S. Jowett e Victoria O”Donnell –
Propaganda and Persuasion, 3rd ed., USA: Sage Publications, 1999, p. 6-9.
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A propaganda tornou-se num dos instrumentos de política externa mais usados e eficazes
visando a concretização de objetivos políticos face a outro país-alvo, por intervenção direta
ou indireta no seu processo político. A propaganda, cuja eficácia e praticabilidade depende
em muito dos meios tecnológicos de suporte, e que não pode ser confundida ipsis verbis
com falsidade, aparece como um aspeto fundamental da política internacional moderna.
Na verdade, os governos, através dos propagandistas, tentam influenciar as atitudes e os
comportamentos de populações estrangeiras ou de grupos específicos (étnicos, religiosos,
políticos e económicos) dessa população, na expectativa de que estes possam depois
influenciar as ações do seu próprio executivo.
De forma virtual, todos os governos conduzem programas de informação externa com o
propósito de criar uma imagem favorável do seu país e das suas políticas governamentais
no estrangeiro. Assim, se são vulgares as agências que promovem o turismo e o comércio,
também existem outras com uma missão claramente política.
Importa salientar, que a abordagem aos serviços de informações é essencial, uma vez que
estes se destinam a estudar e esclarecer situações das quais podem surgir ameaças e
perigos, reduzindo o grau de incerteza e facilitando a tomada de decisão política ou militar,
ou de outro nível ainda.
É importante vincular de forma clara a diferença entre os conceitos: as informações 17 –
significando serviços, sistemas e processos – como conceito próprio, não são o mero plural
de informação (vocábulo já aqui amplamente explicado). Há quem defenda o termo
inteligência, seguindo de perto o vocábulo do mundo anglo-saxónico (intelligence), outros
optam por chamar-lhe informações externas ou simplesmente informações, como acaba
por ser mais usual.
Com efeito, na opinião do professor Pedro Borges Graça no seu texto Metodologia da
Análise nas Informações Estratégicas, “independentemente do termo, a realidade
abordada é a de procura, recolha, tratamento, análise e difusão de dados, notícias e
informações que conferem um certo nível de vantagem competitiva a um determinado
Estado (por intermédio do Governo) nas relações internacionais, partindo do princípio
da salvaguarda do interesse nacional.”18
As informações estratégicas são instrumentos fundamentais para a governação de qualquer
sociedade politicamente organizada, que tem de prevenir ou enfrentar ameaças à sua
segurança.
Para terminar o tema, e num olhar particular sobre Portugal, a visão do General Pedro
Cardoso “É necessário restaurar a confiança do público e dos políticos nos serviços de
informações nacionais […] Teremos de ultrapassar este período de aprendizagem
democrática, pois nenhum país, por mais poderoso que seja, pode conceber uma política
externa, de defesa, económica ou qualquer outra sem dispor das informações que
proporcionam o conhecimento essencial, sobre o qual tais políticas assentam.”19
(Cardoso: 2004: 294).
17
António de Jesus Bispo – A Função de Informar. In Informações e Segurança, ob. cit., p. 78; refere que as “informações
no sentido restrito de processo, que consistem na análise da informação com vista a obter conhecimento, constituem-se
como patamar acima da informação, como o trabalho efectuado sobre os dados para lhes dar sentido no quadro dos
propósitos a quem ele serve, seja o Estado, uma unidade militar ou uma empresa. É a compreensão da informação
relacionada, organizada e contextualizada”.
18
Para detalhe da informação apresentada, conferir Pedro Borges Graça – Metodologia da Análise nas Informações
Estratégicas. In Informações e Segurança, p. 430.
19
Sugere-se o desenvolvimento da temática em Gen. Pedro Cardoso – As Informações em Portugal.
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8. CONCLUSÃO
”Quando o caiu o Muro de Berlim não soubemos pela CIA, mas pela CNN.
Quando a URSS se desmoronou, foi-nos dito pela CNN e não pela CIA.
Quando Saddam Hussein invadiu o Koweit foi a CNN que nos contou, não a CIA.
Não precisamos da CIA. Temos a CNN”20
Se o que não é mediatizado não tem existência, tal significa que a Informação é hoje um
produto condicionado ao mercado é á vantagem competitiva.
Considerando a assunção de que o aumento dos contactos transnacionais e da intervenção
multiplicada de players difusos, que não só o Estado, como anteriormente, conjugada com
a diminuição dos custos das comunicações, conclui-se que tais circunstancias geraram um
sistema internacional global, contudo não universal.
Haja em vista a maximização do poder subordinado, conclui-se que a Informação assumiu
o papel de persuasor e condicionador de massas. Conclui-se ainda que o que distingue a
capacidade de atuação e consequente mente de exercício de poder, reside no maior ou
menor grau de disposição de Informação.
O Decisor politico com recurso aos meios online e on real time, passou a suportar a sua
decisão com base na Informação. É sintomática a cada vez maior apetência pela filtragem e
seleção de Informação, no sentido da sua instrumentalização ao serviço da política. Assim,
a Informação coloca ao dispor do decisor político a capacidade de limitar o ambiente de
decisão do outro, a capacidade de influenciar e de condicionar a agenda politica. A
Informação investe-se agora de um novo poder – soft power - capaz de rivalizar com
alguns dos tradicionais hard powers instituídos.
Em termos da tomada de decisão, conclui-se que o processo resulta da combinação de
variáveis, e que a realidade não permite a adoção isolada de cada um dos modelos
apresentados, mas uma utilização combinatória em função do ambiente político.
Contudo, a principal conclusão é a da insubstituibilidade das Informações, por informação,
pelo que terminamos com a citação do Comandante Virgílio de Carvalho, em Estratégia
Global, que resume, por um lado o reconhecimento da enorme importância política da
Informação, mas que reconhece a sua debilidade e incapacidade de se substituir a um
serviço de Informações Estratégicas: “ As informações não são apenas necessárias para se
prevenirem espetaculares e dramáticas ações de terroristas. São precisas também para
que as políticas e as estratégias nacionais, civis, militares, possam deixar de ser traçadas
a olho” (Carvalho: 1986: 101)21.
20
Anúncio publicitário patrocinado pela CNN
Para detalhe da informação apresentada, conferir Virgílio Carvalho – Estratégia Global e subsídios para uma Grande Estratégia
Nacional. In ISCSP - UTL, texto policopiado, 1986, p. 101.
21
Revista de Comunicação e Marketing, 5 (1), 2013, ISSN 1645-0248
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Recebido a 19-06-2013. Aceite para publicação a 08-07-2013
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FRANCISCO PROENÇA GARCIA 22
A PRIVATIZAÇÃO DA DEFESA E AS EMPRESAS MILITARES PRIVADAS
RESUMO
Este breve ensaio procura caraterizar o emergir das empresas militares privadas e da sua
importância na conflitualidade internacional, evidenciando-se o caso norte-americano, nos
territórios do Afeganistão e do Iraque.
Palavras-chave: Nova conflitualidade; Empresas militares privadas; Segurança;
Mercenários; Forças armadas; Regulamentação internacional.
ABSTRACT
This short essay seeks to characterize the emergence of private military companies and
their importance in international conflict, taking as example the United States presence in
Afghanistan and Iraq.
Key words: New wars; Private military companies; Security; Armed forces mercenaries;
International regulations.
22
Tenente-Coronel, Agregado em Relações Internacionais. Docente do ISCEM. Este artigo resulta da adaptação do texto
apresentado no I Congresso de Segurança e Democracia, realizado na Faculdade de Direito da Universidade Nova de
Lisboa a 3 de Dezembro.
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FRANCISCO PROENÇA GARCIA
A PRIVATIZAÇÃO DA DEFESA E AS EMPRESAS MILITARES PRIVADAS
NOTA INTRODUTÓRIA
Este breve ensaio procura caraterizar a problemática da privatização da defesa no início do
século XXI. Com esta privatização emergiu um novo instrumento político e militar,
constituído pelas empresas militares privadas, que vieram introduzir alterações
substantivas na condução e perceção do fenómeno da guerra. O texto aborda ainda o ténue
enquadramento jurídico do espaço de atuação deste tipo de empresas.
1.
Na conflitualidade atual, devemos ter em consideração o novo paradigma que surge com a
alteração significativa na estrutura das Forças Armadas e no emergir da civilinização,
onde assumem grande relevância as modernas Empresas Militares Privadas (EMP), que
prestam serviços e tarefas de natureza militar.
A privatização do conflito e o uso de mercenários não são um fenómeno novo. Porém, o
presente contexto é substancialmente diferente e as Corporate Warriors, na expressão de
Singer (2003), têm um enquadramento jurídico distinto dos mercenários tradicionais.
Podemos considerar como elementos de diferencialidade das EMP em relação aos
mercenários23: a sua estrutura organizacional com diretores e acionistas, estarem
legalmente registadas, prestarem contas ao fisco e à segurança social, visarem o lucro a
longo prazo, e operarem em vários teatros e para vários clientes ao mesmo tempo. Tratase, assim, de organizações privadas de natureza comercial, cujo objeto é o fornecimento de
um largo espectro de serviços de natureza militar e de segurança a entidades nacionais e
não nacionais, apresentando-se como alternativa aos serviços tradicionalmente
consagrados às Forças Armadas dos Estados.
Existem várias tentativas para categorizar estas empresas, normalmente incidindo sobre o
tipo de serviços prestados, que segundo Singer (2003) são os seguintes:


Military Provider Firms (empresas fornecedoras de militares) que se centram no
ambiente táctico, fornecendo serviços na linha da frente do espaço de batalha,
através do empenhamento direto dos seus especialistas em operações de combate;
Military Consulting Firms (empresas de consultoria militar) que fornecem serviços
de aconselhamento e treino. Oferecem análise estratégica, operacional e/ou
organizacional e têm empenhamento com o cliente a todos os níveis, mas sem haver
23
De acordo com o primeiro Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 1949, e segundo o seu artigo 47.º um
mercenário apresenta as seguintes características: (a) “é especialmente recrutado localmente ou fora do local de
conflito para lutar nesse mesmo conflito” (b) toma de forma direta parte nas hostilidades”, (c)“é motivado pelo desejo
de ganhos privados”, (d) “não é um nacional da parte em conflito nem um residente do território controlado por uma
parte do conflito”, (e) “não é um membro das forças armadas de uma parte no conflito”.
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INSTITUTO SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL

“contacto directo”. Não operam no espaço de batalha: embora a sua presença possa
dar forma ao ambiente estratégico, operacional e táctico, é o cliente que corre o
risco final no espaço de batalha;
Military Support Firms (empresas de apoio militar) que fornecem serviços militares
suplementares, incluindo auxílio não letal; apoio logístico, aprovisionamento e
transportes, assim como apoio técnico.
2.
As modernas EMP emergem a partir de 1967, ano em que Sir David Stirling, um dos
fundadores do Special Air Service (SAS) britânico, criou a Watch Guard International,
uma companhia que empregava antigo pessoal do SAS britânico para treinar militares no
exterior. A partir dos anos 70 do século XX, destaca-se em África a Executive Outcomes,
com grande envolvimento nas guerras civis de Angola e da Serra Leoa (Garcia, 2010). Com
o esboroar do antigo império soviético, e a sequente redefinição dos dispositivos militares,
ficaram disponíveis inúmeros homens e material que, com iniciativa, se organizaram e
criaram diversas empresas que passaram a estar activas e a desempenhar um papel
diferenciador em zonas de conflito ou de transição, um pouco por todo o planeta. A partir
dos anos 90 do mesmo século o termo EMP começa a ser vulgarizado no léxico militar.
Com a Guerra nos Balcãs, a actividade sofre um grande incremento, mas o grande boom
emergiu com o conflito no Iraque.
A actuação destas empresas é hoje global, estando contabilizadas mais de 250 companhias
que funcionam em mais de 50 países nos diversos continentes, da Libéria a Timor, da
África do Sul à Chechénia, dos Balcãs à Colômbia, sendo, no entanto, os seus principais
teatros de intervenção o Afeganistão e o Iraque, com 90 mil contractors para 99 mil
soldados norte-americanos, no Afeganistão, e no Iraque 64 mil contractors para 45 mil
soldados norte-americanos (Schwartz; Swain, 2011).
O Comando Central gastou perto de 30 mil milhões de dólares em 2008, ano em que no
Afeganistão os contractors, correspondiam a 69% do efetivo total de norte-americanos
(Schwartz; Swain, 2011).
As EMP vendem os seus serviços a multinacionais, ONG’s, Organizações Internacionais
como as Nações Unidas, contando como seus principais clientes os Estados. Em termos
financeiros, entre 1994 e 2002, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos negociou
contratos no valor de 300 mil milhões de dólares e, estima-se, que o rendimento desta
indústria atinja em 2013 o valor de 200 mil milhões de dólares (Schwartz; Swain, 2011).
Porém, a existência destas empresas afeta as Forças Armadas dos diversos Estados, que
investem montantes elevadíssimos na formação e treino dos seus homens, assistindo
depois à transferência de muitos dos seus militares para os quadros das EMP, que não têm
assim que suportar qualquer encargo com a sua qualificação (Spearin, 2006).
A sangria dos quadros das Forças Especiais tem as suas consequências, ficando muitas das
especialidades sem peritos suficientes para o cumprimento de determinadas missões e,
dado que o principal motivo para a passagem destes militares para as EMP se prende
sobretudo com os salários (quatro a cinco vezes superiores) (Military Technology, 2007),
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tornam-se necessárias medidas urgentes para evitar uma perda de capacidades nas Forças
Armadas. Neste sentido, as SAS britânicas transformaram, em Julho de 2006, a
incorporação nas suas forças numa opção definitiva em vida ativa, isto é, qualquer
elemento que integre aquela força, só tem duas possibilidades de a abandonar: por morte
ou reforma.
São inúmeras as justificações que levam os Estados a contratar estas empresas (Vaz,
2005). Nos Estados considerados fracos, o recurso a este tipo de empresas prende-se,
sobretudo, com a incapacidade de dar resposta às necessidades básicas de segurança das
populações, ao passo que no mundo pós-moderno esse recurso apresenta-se mais como
uma consequência de considerandos económicos, sociais e políticos. No caso particular dos
EUA, foi o paradoxo entre a efetiva redução de efectivos, por um lado, mas manutenção de
ambições e responsabilidades globais, por outro lado, que conduziram a uma reflexão
sobre o seu papel no mundo.
A necessidade de ponderação de índole económica, social e política conduziram a uma
progressiva diminuição de efetivos, no momento em que se defrontavam (defrontam) com
as exigências do desafio da sua longa luta “contra o terrorismo” a nível global, e a
necessidade de, ao mesmo tempo, terem que assegurar níveis de prontidão operacional
para fazerem face a outras ameaças e manterem uma presença militar mundial. Assim, o
recurso às EMP surgiu como inevitável, cabendo a estas sobretudo a substituição das
Forças Armadas em missões não consideradas vitais para a segurança nacional.
3.
O crescimento destas empresas e a diversificação dos serviços por si prestados não foi, no
entanto, acompanhado de regulamentação internacional específica. Não podemos no
entanto considerar que haja um vazio legal, havendo um conjunto de legislação nacional e
internacional que direta ou indiretamente regulam esta atividade.
Normalmente as EMP devem operar de acordo com o enquadramento legal do país objeto
do contrato e a nível internacional. Lembramos, entre outros, o Direito Internacional
Humanitário e diversas legislações sobre mercenários. Porém, equacionam-se vários
problemas, como a aplicação direta da legislação sobre mercenários24, e muitas vezes os
Estados que contratam esta prestação de serviços têm um sistema judicial debilitado para
que possam efetuar o controlo destas empresas.
No Iraque, por exemplo, estão protegidas contra a responsabilidade criminal, como
aconteceu no caso dramático da prisão de Abu Ghraib, onde os abusos foram cometidos
24
O problema com o artigo 47 do Protocolo Adicional I prende-se sobretudo com as alíneas a) pois tem que ser provado
que um recrutamento especial para um determinado conflito ocorreu. Como o pessoal contratado pelas EMP é,
muitas vezes, contratado a longo prazo ou até numa base permanente, não pode, desta forma, ser considerado
mercenário. Com a alínea b) o problema coloca-se relativamente à exclusão de conselheiros e formadores, entre
outros. E como quase todas as EMP não entram em combate (na definição da NATO de combate), não podem ser
consideradas mercenárias. A alínea c) acrescenta um elemento perigoso: a motivação. É difícil julgar alguém como
mercenário argumentando que está envolvido só por desejo de lucro. Não só há mais motivações, como a ideológica
ou a política, como também seria fácil contornar este ponto. Com as alíneas e) e f) a questão seria facilmente
resolvida com o Estado cliente, dando nacionalidade ou residência, ou integrando simplesmente o indivíduo nas
Forças Armadas. Um exemplo deste tipo de prática é a integração dos Gurkhas dentro das Forças Armadas Britânicas.
Outro problema com este artigo é o facto de apenas contemplar conflitos armados internacionais e não guerras civis.
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quer por profissionais das EMP quer por militares, mas apenas os militares foram
responsabilizados pelos seus atos.
Em março de 2007, os EUA deram um passo significativo para contrariar esta situação,
tendo sido aprovada legislação que coloca as EMP sob a alçada da lei e dos Tribunais
Militares. Anteriormente, esta modalidade aplicava-se apenas em situações em que o
Congresso tivesse declarado formalmente guerra. Com a alteração agora introduzida, a lei
passa a contemplar Operações de Contingência (Military Technology, 2007), onde se
incluem as realizadas no Iraque e no Afeganistão.
Estas iniciativas são o indicador de esperança na regulamentação. No entanto, ficam ainda
a faltar os mecanismos de controlo e inspeção a nível internacional, pois enquanto a
regulamentação e fiscalização não forem eficientes, receamos que este tipo de empresas
não possam ou não queiram entender, na mira do lucro, a “natureza complexa dos
interesses nacionais e aceitem participar num jogo em que a sua posição, sem ser
claramente oposta aos interesses do seu país, também não possa considerar-se favorável”
(Vaz, 2005), subsistindo assim o perigo real de existir um poder militar armado nãoresidente na legitimidade do Estado.
Em síntese, as EMP configuram uma nova realidade, complexa e ainda mal estudada, que
carece de regulamentação e fiscalização, mas também do nosso estudo e aprofundamento
como académicos e acompanhamento enquanto cidadãos.
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Recebido a 20-03-2013. Aceite para publicação a 14-06-2013
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