Escolhi a arteterapia movida pelo simples desejo de encontrar
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Escolhi a arteterapia movida pelo simples desejo de encontrar
Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO Alquimy Art Curso de Especialização em Arteterapia Pós-Graduação lato sensu CORES, SONS, MOVIMENTOS E FORMAS A VIDA SE TRANSFORMANDO ATRAVÉS DA ARTE Carla Vizconde Veraszto Osasco, SP 2008 CARLA VIZCONDE VERASZTO CORES, SONS, MOVIMENTOS E FORMAS A VIDA SE TRANSFORMANDO ATRAVÉS DA ARTE Monografia apresentada à FIZO - Faculdade Integração Zona Oeste, SP e ao Alquimy Art, SP, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Especialista em Arteterapia. Orientadora: Prof. MsC. Deolinda Fabietti. Osasco, SP 2008 VERASZTO, Carla Vizconde Cores, Sons, Movimentos e Formas – a vida se transformando através da arte. Carla Vizconde Veraszto – Osasco; [s.n.], 2008. 52p. Monografia (Especialização em Arteterapia) – FIZO, Faculdade Integração Zona Oeste. Alquimy Art, SP. 1. Arteterapia 2. Continuum das Terapias Expressivas Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO Alquimy Art CORES, SONS, MOVIMENTOS E FORMAS – A VIDA SE TRANSFORMANDO ATRAVÉS DA ARTE Monografia apresentada pela aluna Carla Vizconde Veraszto ao curso de Especialização em Arteterapia em 28 de junho de 2008 e recebendo a avaliação da Banca Examinadora constituída pelos professores: __________________________________________________________ Profa. MsC. Deolinda M. C. F. Fabietti, Orientadora. __________________________________________________________ Profa. Dra. Cristina Dias Allessandrini, Coordenadora da Especialização. __________________________________________________________ Profa. Esp. Izilda Freitas Rolim, Convidada. À minha querida mãe (in memorian), pela forma carinhosa que se dedicou a nossa família nos ensinando o valor da vida, Ao meu pai e meu irmão, pelo apoio incondicional e por acreditarem sempre, Ao meu querido companheiro e minha pequena Gabriela, por me ensinarem todos os dias que a alegria pode fazer parte de cada instante da vida. Agradecimentos Neste espaço aqui reservado lembro-me de muitas pessoas que ao passarem por minha vida contribuíram, direta ou indiretamente, para a concretização deste sonho e percebo o quanto foi significativo a existência delas em minha vida. Em especial agradeço: À Deolinda, mestra, sempre presente nesta caminhada pela Arteterapia. O apoio, as palavras, as orientações e a compreensão oferecida por esta querida professora me permitiram descobrir a grandeza de um trabalho caminhando lado a lado com o respeito aos meus momentos e sentimentos. Foi uma grande satisfação conhecê-la e tê-la como orientadora. À minha querida mãe Gaby, in memorian, que me ensinou o significado do Amor, a importância de colorir a vida, transformá-la, construir e reconstruí-la através dos materiais, acreditar nos sonhos e nos seres humanos. Sem sua presença, que me acompanha dia após dia, minhas buscas pessoais não teriam sido possíveis. Ao meu querido pai Estéfano, que através de sua força, perseverança e luta constante pela vida, ensinou que tudo é possível. Sua inabalável crença nos filhos foi o suporte necessário a todas as nossas conquistas. Ao meu irmão e amigo Estéfano, que mesmo distante permanece sempre presente. Você, meu querido amigo e confidente, foi aquele que nunca me deixou desistir. Ao Felipe, companheiro, amigo, luz no meu caminho. Pessoa que completa e dá sentido aos meus dias. Sem sua presença nada disso teria sido possível. Sua alegria contagiante e seu inesgotável otimismo me ensinam que sempre há um lado bom em tudo. À minha pequenina Gabriela, que mesmo tão miúda, já me ensina tanto a respeito da vida. A você, pequenina, que preenche a casa com a mais pura felicidade e inocência e, me mostra o tempo todo como é bonita a magia de estarmos vivos e como é fácil a simplicidade de ser aquilo que se é, dedico todo meu trabalho e carinho naquilo que faço. A Ana e Humberto Fanchini, que deram início à possibilidade de tornar o sonho desta Especialização possível. Agradeço pelo apoio. À professora Cristina, em especial, que com sua paciência e sabedoria, engrandeceu meu trabalho com sugestões preciosas e acompanhou todo o meu percurso na Arteterapia, agradeço pelas palavras e pelo incentivo. Em especial também à professora Beatriz Ribolla, que acompanhou meu desenvolvimento no processo de estágio e orientou minhas buscas e descobertas pela Arteterapia. Seus ensinamentos e seu carinho por nós, suas alunas, preencheram com significado cada encontro que tivemos. Aos professores que conheci neste curso em Arteterapia, agradeço por todas as experiências vividas, os ensinamentos, os sorrisos, as lágrimas, as descobertas acerca de mim mesma. À Margaret, que em todos os contatos sempre se mostrou muito disposta e pronta a contribuir na finalização deste trabalho, através da revisão final, e que sem a ajuda e dedicação não seria possível finalizá-lo. A todos os colegas de turma que tive o grande prazer de conhecer. Aos companheiros de São Paulo (turma 2005, 2007 e 2008) e às companheiras de Piracicaba (turma 2005/2006), pela convivência e troca de experiências. Às pessoas que participaram comigo do estágio em Arteterapia. Meu sincero agradecimento pelo carinho que recebi ao longo de nossos encontros. Às amigas Fátima e Liege que, cada qual a seu modo, me ensinam e engrandecem a vida. Pela força que conheci em ambas, pela dedicação a tudo que fazem e pela imensa alegria em viver. A todos os companheiros e amigos de trabalho que conheci ao longo desses anos e que me apoiaram e torceram por mim. A todos aqueles que de forma direta ou indireta, tenham trazido contribuição para este trabalho. A todos aqueles que por períodos longos ou curtos tenham passado pelo meu caminho. Aqui deixo registrado e reitero meus mais sinceros agradecimentos. Cada um que passa em nossa vida Cada um que passa em nossa vida Passa sozinho... Porque cada pessoa é única para nós, E nenhuma substitui a outra. Cada um que passa em nossa vida Passa sozinho... Mas não vai só... Levam um pouco de nós mesmos E nos deixam um pouco de si mesmos. Há os que levam muito, Mas não há os que não levam nada. Há os que deixam muito, Mas não há os que não deixam nada. Esta é a mais bela realidade da vida... A prova tremenda de que cada um é importante E que ninguém se aproxima do outro por acaso... Saint Exupery RESUMO O presente trabalho se propõe a buscar uma melhor compreensão dos fundamentos que justificam e embasam a prática em Arteterapia através do estudo teórico do Continnum das Terapias Expressivas e das Oficinas Criativas®, métodos que justificam o uso de recursos expressivos e artísticos em atendimentos terapêuticos. Para tanto, pretende-se entender o mecanismo oferecido para o desenvolvimento do sujeito, por meio da manipulação de materiais e do fazer artístico acompanhando seu processo de crescimento e desenvolvimento pessoal. Este estudo também compara Terapia Ocupacional e Arteterapia buscando a compreensão de suas diferenças e similaridades, suas complementações e as possibilidades de intervenção em cada área específica. Desta forma, se torna possível preencher algumas lacunas que ficaram durante a formação da autora em Terapia Ocupacional, no que diz respeito à utilização do instrumento de trabalho desta profissão, a atividade, durante a construção do processo terapêutico de cada indivíduo. Descreve, primeiramente, a busca pessoal da autora pela Arteterapia e em seguida, é feita a comparação entre essas duas áreas do saber, Terapia Ocupacional e Arteterapia. Tem sua seqüência no resgate histórico da Arteterapia, o que facilita a compreensão da utilização da arte como forma de expressão do mundo subjetivo.Segue com o capítulo sobre Arteterapia apresentando este instrumental como facilitador da ativação dos mecanismos de restabelecimento da saúde e do bem-estar pessoal, diante da manipulação de materiais e da possibilidade de criação.E, finalmente, aponta a contribuição deste instrumental no processo de formação do terapeuta, para então mergulhar no entendimento das Oficinas Criativas® e do Continuum das Terapias Expressivas (ETC). Espera-se com este trabalho tornar mais simples e acessível a compreensão destes referenciais em Arteterapia àqueles que por ela tenham curiosidade e interesse. Palavras-chave: Arteterapia – Continuum das Terapias Expressivas – Oficinas Criativas®. ABSTRACT This work intends to focus on a better understanding of the fundaments that explain and establish the Art Therapy practice through the Expressive Therapy Continnum and the Creative Workshop theoretical studies, methods that justify the use of expressive and artistic resources in therapeutic process. To make this possible, we intend to understand the presented mechanism applied to each individual‟s development, through materials manipulation and artistic procedures, following its growth process and personal development. This study also compares the Occupational Therapy and Art-therapy searching for the comprehension of their differences and similarities, their complements and intervention possibilities in each specific area. With that it‟s possible to eliminate some conceptual gaps remained after the author studies in Occupational Therapy, specially concerning the application of these instruments in this activity, during the therapeutic construction process of each individual. The work starts with the author‟s description of the search process for Art-therapy knowledge improvement, followed by a confrontation between both areas, Occupational Therapy and Art Therapy. Following these points, the author presents the art-therapy historical, which facilitates the understanding of art application as an expression of the subjective world. It proceeds with a chapter presenting Art Therapy as a facilitator for the health and personal welfare reestablishment activation mechanisms, aroused from this materials manipulation and creational possibilities. Finally, the author explains the Art Therapy contribution for the therapeutic formation process, and then deeply discusses the Creative Workshops and the Expressive Therapy Continuum understanding. This work intents to simplify these Art therapeutic references for those who are interested in or have curiosity in the subject. Key-Words: Art-therapy - Expressive Therapy Continnum - Creative Workshops. SUMÁRIO RESUMO.............................................................................................................. 09 ABSTRACT.......................................................................................................... 10 INTRODUÇÃO INICIANDO O PERCURSO................................................................................. 12 1. TERAPIA OCUPACIONAL E ARTETERAPIA: DOIS CAMINHOS QUE SE COMPLEMENTAM ............................................................................................. 17 2. ARTETERAPIA - BREVE CONTEXTO HISTÓRICO...................................... 22 3. ARTETERAPIA................................................................................................ 26 4. CONSTITUINDO-SE TERAPEUTA: a contribuição da arteterapia neste processo............................................................................................................. 31 5. OFICINAS CRIATIVAS ®................................................................................. 36 6. CONTINUUM DAS TERAPIAS EXPRESSIVAS (ETC)................................... 41 CONSIDERAÇÕES FINAIS REFLEXÕES ACERCA DA ARTETERAPIA E SUAS POSSIBILIDADES ........ 49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 51 INTRODUÇÃO INICIANDO O PERCURSO Escolhi a Arteterapia movida pelo simples desejo de encontrar neste recurso um instrumento de trabalho e acabei encontrando muito mais que isso. Foi assim que começou meu percurso neste caminho, mas não minha busca profissional. Minha trajetória profissional começou antes mesmo que eu pudesse perceber. Já desde a infância me interessava por profissões da área da saúde e direcionei meus estudos sempre com esse objetivo. Ao chegar o momento de optar por uma profissão, conheci o curso de Terapia Ocupacional e percebi que ele me daria a oportunidade de unir dois grandes desejos pessoais: a possibilidade de trabalhar atendendo terapeuticamente e a possibilidade de trabalhar com recursos expressivos. É por meio de seu instrumento de trabalho, a atividade, que o terapeuta ocupacional vai permitindo que cada pessoa construa sua nova história. A atividade é o meio pelo qual se revelam desejos, dores, sonhos, ilusões, esperanças, amores ou desamores. É pelo fazer que cada pessoa se desvenda e se reconhece, também encontrando novas alternativas para antigas dificuldades. A atividade torna-se um meio pelo qual cada pessoa passa a conhecer mais de si, do outro e do meio em que vive. Em 1998, iniciei meus estudos em Terapia Ocupacional na Universidade Federal de São Carlos, ainda conhecendo pouco sobre essa profissão. 12 Nos cinco anos de graduação surgiram muitas perguntas acerca do instrumento de trabalho desta profissão, “as atividades humanas”. O que seria isso? Como trabalhar com algo tão particular para cada pessoa? Como introduzir recursos expressivos dentro dos atendimentos e utilizá-los de forma a tornar aquele momento efetivo para cada pessoa que fosse atendida por mim? Passei os cinco anos de faculdade em meio a questionamentos sobre essas tais “atividades” e seu real valor como instrumento terapêutico, diante de uma profissão que se consolidava e da insegurança de tantos colegas e da minha própria. Ao mesmo tempo em que percebia e acreditava na utilização dos recursos expressivos dentro do setting terapêutico, muitas dúvidas surgiam em relação a como isso ocorria de fato e como se processa para o indivíduo que passa pelo atendimento terapêutico. Em outros momentos também surgiram dúvidas em relação a como propor essas atividades dentro do atendimento, uma vez que o objetivo não era ocupar por ocupar e sim dar margem aos conteúdos internos de cada paciente e, desta forma, abrir a possibilidade de mudança e reconstrução da própria vida. Em meio a tantas perguntas e angústias me fiz terapeuta ocupacional, acreditando no valor e na intensidade que as atividades poderiam gerar nas pessoas, mas ainda buscando outras explicações não vistas nas cadeiras da universidade. Foram cinco anos de aprendizado profissional, mas principalmente cinco anos de crescimento pessoal muito intenso. 13 Concluí o curso de Terapia Ocupacional em fevereiro de 2003 e logo fui tentar colocar em prática aquilo que havia aprendido dentro de um trabalho de atendimento a adolescentes inseridos em medidas sócio-educativas. Aprendi muito com o convívio direto com esses adolescentes e suas famílias, assim como também pude compreender um pouco mais como se dava na prática a introdução das atividades dentro do setting terapêutico. Ainda assim, dúvidas de como as transformações ocorriam para aquelas pessoas quando estavam realizando as atividades propostas, ainda permaneciam. A busca por uma especialização voltada para o fazer, complementada com o artístico, tornou-se um objetivo cada vez mais visível à medida que obtinha informações e conhecia pessoas que já haviam passado pela experiência no Alquimy Art - Centro de Pesquisa em Aprendizagem. O gosto pelo artístico, pelas formas e pelo processo criativo, tudo isso sempre me encantou. A arte de manipular materiais, vendo-os se transformarem, cheios de significado, acompanha-me desde pequena onde aprendi ao lado da minha maior mestra, minha mãe, o poder e a magia de ver a construção de peças saídas de recortes de revistas, tecidos, massas, barro ou tintas, colorindo minha infância e minhas recordações. Essa foi a grande herança deixada por ela que partiu tão cedo, mas que plantou em mim a curiosidade de criar. Formando a matéria, ordenando-a, configurando-a, dominando-a, também o homem vem a se ordenar interiormente e a dominar-se. Vem a se conhecer um pouco melhor e a ampliar sua consciência nesse processo dinâmico em que recria suas potencialidades essenciais. (OSTROWER, 1977, pág. 53) 14 Desta forma, não entendia a atuação do terapeuta ocupacional, senão na utilização constante de linguagens simbólicas, que emergem espontaneamente junto ao fazer da atividade. Materiais dos mais diferentes tipos assumindo o papel de relíquias mágicas, ganhando força em situações reais e se transformando em cada mão que os manipula na concretização do processo terapêutico que se desenrola através dos dias. Quando a transgressão se dá através da linguagem, salvam-se os objetos e as palavras de serem remetidos unicamente ao sempre igual e, principalmente, salva-se o sujeito de ser uma cópia fiel do mesmo, que repete sem significar ou que significa sem alterar a si mesmo e ao mundo. O resgate de um olhar polifônico para as coisas reativa o sujeito que pensa, que altera o mundo ressignificando-o e se permitindo ser alterado por esse mundo, numa troca fundamental para o estabelecimento de uma realidade mais criativa. (ANDREIULO; CERDEIRA, 1999, pág. 21) No início de 2005 surgiu a possibilidade de concretizar o desejo de cursar a especialização em Arteterapia e, assim, dei início à minha trajetória neste curso. Cheguei encantada, embora confesse, assustada, com tantas novidades e prazer. Havia uma mistura de medo, angústia, curiosidade, alegria e satisfação por ter conseguido colocar mais uma parte de meus sonhos em andamento. As primeiras aulas me abriram uma possibilidade enorme de recursos de trabalho, mas também aos poucos fui percebendo que à medida que participava delas, meu próprio mundo interno pedia espaço para sair. Não era isso que eu estava buscando, o que me assustou, pois percebi que o crescimento profissional, inicialmente meu objetivo, somente seria possível por meio de um crescimento e uma entrega pessoal, ainda mais profunda e significativa. Essa briga entre o que era meu e o meu desejo de aprender novos recursos para o trabalho, não me permitiu a tranqüilidade de passar pelo curso como eu 15 imaginei de início. Somente quando parei de brigar comigo mesma, pude voltar a enxergá-lo dentro de sua grande potencialidade. Hoje, ainda me sinto iniciando o percurso. Talvez, um pouco mais madura, um pouco mais consciente e um pouco mais livre, mas ainda assim, apenas iniciando o percurso, dentro daquilo que percebo ser o encontro do material com o humano e no próprio encontro do humano com o humano. 16 1. TERAPIA OCUPACIONAL E ARTETERAPIA: DOIS CAMINHOS QUE SE COMPLEMENTAM A Terapia Ocupacional caracteriza-se por ser uma profissão da área da Saúde que promove a prevenção, o tratamento e a reabilitação, tornando a vida da pessoa mais participativa e acessível. Cria e reorganiza rotinas, recuperando, ampliando e tornando mais acessível a participação das pessoas em antigas e novas atividades. O terapeuta ocupacional é o profissional que busca novas possibilidades para que a pessoa construa uma nova vida produtiva e criativa, muitas vezes, uma nova identificação social, entendida como uma inserção social. As intervenções em Terapia Ocupacional ocorrem pelo uso da atividade, elemento central que orienta a construção do processo terapêutico. A atividade é o meio pelo qual o terapeuta estabelece contato com o seu cliente e o entende em seu meio e nas relações que estabelece com ele. É a ponte entre o terapeuta e a pessoa para o resgate de sua autonomia. A arte se mostra como um dos elementos a ser utilizado dentro dos recursos terapêuticos. Outras formas compreendem o fazer das atividades de vida diária como comer, se vestir, tomar banho, usar o computador, comunicar-se; atividades de vida prática como passear, trabalhar, se locomover; atividades de trabalho, não somente o impacto físico, mas também o sofrimento psíquico e social; e, atividades de lazer em geral. Todas as possibilidades que unem o indivíduo à sua vida, sua forma de estabelecer contatos e se inserir no mundo. 17 Desta forma, a Terapia Ocupacional se mostra como uma profissão bastante flexível de forma a oferecer diagnóstico amplo dos problemas que envolvem a vida produtiva / criativa dos seres humanos – com bebês, crianças, adolescentes, adultos e idosos. Não trata somente de doenças, mas da vida saudável e criativa das pessoas. Portanto, a Terapia Ocupacional pretende por meio de atividades resgatar a autonomia e o vínculo da pessoa com o seu meio permitindo a esta sua reinserção social. Acredita-se que “ao desempenhar uma atividade você se torna cada vez mais o que você está tentando ser – assumindo papéis, habilidades, cultura e significados” (HAGEDORN, 1999, pág. 179). Entre a possibilidade de infinitas atividades, a arte ganha espaço na atuação do terapeuta ocupacional como instrumento capaz de acessar conteúdos internos, promover o resgate da auto-estima e servir de elo entre o indivíduo e seu mundo pessoal e social. Às vezes, torna-se a única forma que a pessoa tem de retomar seu espaço dentro de sua própria família ou em seu contexto social. O uso da arte em Terapia Ocupacional despertou interesse com a atuação de Nise da Silveira, orientada sob a perspectiva junguiana, que “desenvolveu e coordenou ateliês de arte com pacientes psiquiátricos internados, criando em 1946, a Seção de Terapêutica Ocupacional no Centro Psiquiátrico Dom Pedro II em Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro” (VASCONCELLOS & GIGLIO, 2006, pág. 25). Possibilitava, assim a seus pacientes participarem de um espaço voltado a criação, à pintura, modelagem, música, trabalhos artesanais, desenhos e quaisquer manifestações de arte dentro de um processo que se estabelecia contra a cultura hospitalar de “choques elétricos, coma insulínico, psicocirurgia e psicotrópicos que aprisionam o indivíduo numa camisa-de-força química” (SILVEIRA, 2001, pág. 16). 18 Neste espaço de intervenção em Terapia Ocupacional a pessoa tinha o resgate de sua individualidade e capacidade criadora, de cuidado e valorização do seu ser indivíduo. Neste clima, sem quaisquer coações, através de atividades diversas verbais ou não-verbais, os sintomas encontravam oportunidade para se exprimirem livremente. O tumulto emocional tomava forma, despotencializava-se. Os resultados foram rápidos e evidentes. As atividades logo infundiram vida aos locais onde eram exercidas, modificando o ambiente. (SILVEIRA, 2001, pág. 16) A partir de seu trabalho nasce o Museu de Imagens do Inconsciente, inaugurado em 20 de maio de 1952, em uma pequena sala vinculada aos ateliês de pintura e modelagem. Nise da Silveira contribui significativamente com o uso de atividades expressivas no tratamento a pessoas portadoras de problemas psiquiátricos, oferecendo oportunidade ao indivíduo de descobrir seu potencial criativo. A arte já não é apenas mais um simples fazer, um tornar ocupado ou fazer do paciente psiquiátrico um ser produtivo economicamente, mas sim, uma forma de capacitá-lo a entrar em contato com o seu íntimo, se conhecer, se aceitar, se estruturar enquanto pessoa, ganhando significado e importância. Desta forma, a Arteterapia vem contribuir e engrandecer o trabalho do terapeuta ocupacional que escolhe trabalhar utilizando recursos expressivos, de modo que seu contato com o indivíduo possa se expandir além da comunicação verbal e encontrar significados em outras formas de expressões. Na Arteterapia a mobilização criativa exerce o papel fundamental que possibilita transformações e promove o autoconhecimento. Neste contexto, a arte não se mostra como um mero coadjuvante esperando sua hora de ganhar espaço dentro do cenário principal. Ela é a mestra que oferece à pessoa formas de atuar 19 neste cenário que é a vida, se fazer presente e resgatar todas as possibilidades perdidas ou ainda desconhecidas. Desta forma, a Arteterapia permite o encontro com o que há de mais profundo no ser humano: sua capacidade de criar e recriar formas de viver e se conhecer. A Arteterapia e a Terapia Ocupacional caminham juntas na busca de novas formas de atuação junto aos indivíduos que clamam por mais espaço dentro de uma sociedade enrijecida em seus conceitos e seleta em seus padrões. É preciso espaço para criar, é preciso ousadia para transpor o rotineiro, o usual, ir além das capacidades aprendidas e conhecidas. A arte permite esse caminho acolhendo diferentes formas de expressão, vida e conhecimento. A arte não segrega, apenas incorpora ao todo as diferentes formas de existir. A Arteterapia mostra a possibilidade de compreender melhor o ser humano e entrar um pouco mais além na consciência e subconsciência do homem. O processo arteterapêutico se desenvolve através de expressões artísticas, sejam eles, materiais gráficos, plásticos e/ou cênicos e se configuram como instrumentos facilitadores do trabalho terapêutico e social, acreditando que a arte tenha, por ela mesma, propriedades curativas (ALLESSANDRINI, 1999). É pela arte que se constrói, mais facilmente, o poder do riso, a possibilidade do choro, o encontro ou o reencontro com o próprio corpo, o conhecimento de novas possibilidades, o resgate da auto-estima, o reviver de fases da vida, a própria vida pedindo espaço para sair. A arte auxilia o terapeuta na prevenção de problemas físicos e psíquicos, facilitando o contato e o desenvolvimento do indivíduo com seus potenciais individuais na busca de qualidade de vida pessoal e profissional. 20 Desta forma, tentar entender como são ativados os mecanismos de restabelecimento da saúde e do bem-estar pessoal diante da manipulação dos materiais e da possibilidade de criação, abre espaço aos estudos em Arteterapia. Novamente os questionamentos surgem. De que modo a Arteterapia pode contribuir dentro de um processo terapêutico? O que mobilizam, no indivíduo, as atividades expressivas vivenciadas em Arteterapia? Desde a formação como terapeuta ocupacional essas perguntas aparecem com determinada insistência e, neste momento, encontra-se a possibilidade de compreensão deste processo. Segue, portanto, um resgate histórico da Arteterapia que se propõe a auxiliar na busca por essas respostas. 21 2. ARTETERAPIA - BREVE CONTEXTO HISTÓRICO Vasconcellos e Giglio (2006), em seu livro Arte na Psicoterapia, trazem um importante apanhado histórico da utilização da arte como forma de expressão do mundo subjetivo, relatando que esta parceria começou no final do século XIX, passando a ser mais valorizado no início do século XX, quando houve maior interesse na compreensão desse processo priorizando estudos nas produções de pacientes psiquiátricos. Neste período a arte produzida por doentes mentais teve significativas repercussões no campo da psiquiatria, no meio artístico e no público em geral causando interesse, curiosidade e excitação em seus apreciadores. Segundo Andrade (2000), datam de 1876 as primeiras publicações de pesquisas sobre as manifestações artísticas de doentes mentais, realizadas por Max Simon que fez uma classificação de patologias segundo essas produções. Já em 1888, Lombroso, um advogado criminalista desenvolve análises psicopatológicas dos desenhos realizados por doentes mentais para classificar doenças. A partir de então, inúmeros pesquisadores passam a desenvolver estudos a respeito das produções e dos trabalhos artísticos dos pacientes psiquiátricos e seguem estudos até que em 1906, Mohr, compara trabalhos realizados por doentes mentais, pessoas normais e grandes artistas. Desse estudo percebe a manifestação de estórias de vida e conflitos pessoais e levanta a possibilidade de essas produções artísticas serem utilizadas como testes para o estudo de diversos aspectos da personalidade. 22 Paralelamente a esses estudos, neste início de século, Freud passa a escrever sobre os artistas e suas obras vistas sob a luz da teoria psicanalítica. Observa que o insconsciente se manifesta por meio de imagens, sendo uma comunicação simbólica com função catártica. E também que essas imagens escapavam da censura da mente com mais facilidade que as palavras, podendo transmitir mais diretamente seus significados. (ANDRADE, 2000, pág. 51) A partir desses estudos, Freud passa a descrever a criação artística como produto de uma função psíquica e a arte passa a ter um valor como observação terapêutica, com possível uso diagnóstico. Já na década de 20, Jung começa a utilizar a arte como parte de tratamentos psicológicos e a considera como símbolos do inconsciente individual ou, muitas vezes, do inconsciente coletivo. Para Jung, a criatividade é uma função psíquica natural da mente humana e tem função estruturante do pensamento, podendo ser usada como um componente de cura (ANDRADE, 2000). A partir de então, Jung dá continuidade a suas pesquisas passando a utilizar técnicas de desenhos livres para facilitar a interação verbal com o paciente e na crença da possibilidade do homem organizar seu caos interior utilizando-se da arte. Decorrentes destes estudos, nos anos 20 e 30, muitos trabalhos são desenvolvidos tendo como base as teorias freudianas e junguianas. Andrade nos lembra que foi Margaret Naumburg a primeira a sistematizar a Arteterapia, em 1941: A autora começa a desenvolver seu trabalho e sua teoria a partir de suas concepções educacionais e associações livres em trabalhos realizados espontaneamente por seus pacientes. Em princípio, o conteúdo objetivado pelo trabalho expressivo serviria como um espelho o qual reflete informações e pode estabelecer um diálogo entre consciente e inconsciente. (2000, pág. 53) 23 Edith Kramer, em 1958, é quem passa a observar o comportamento além do produto final, sem levar tanto em consideração o trabalho de arte, mas sim, o processo de se fazer arte sem a necessidade da verbalização, introduzindo um importante requisito para a formação e qualificação do arteterapeuta. Em 1973, Janie Rhyne aplica princípios da teoria gestáltica ao trabalho com arte: “Enfatiza a Atenção na vivência do presente, a Atenção total ao momento, o dar-se conta do fazer consciente e o reaprender a confiar nos dados da experiência pessoal” (ANDRADE, 2000, pág. 57). Segundo os princípios da Gestalt-terapia a vivência com a arte permite a capacidade de tornar a experiência criativa disponível para que as pessoas possam entrar em contato com os seus conflitos e ao expressá-los abre a possibilidade de reorganizar as próprias percepções para um melhor equilíbrio da personalidade. No Brasil, em 1923, Osório César, estudante interno do Hospital Juquerí, em São Paulo, começa a desenvolver estudos sobre a arte dos doentes mentais, criando em 1925 a Escola Livre de Artes Plásticas do Juquerí, em Franco da Rocha. Na década de 20 mantém correspondência com Freud e passa a ser o precursor no Brasil da análise da expressão psicopatológica de doentes mentais internados em instituição psiquiátrica. Além de Osório César, outro grande nome que teve papel fundamental no uso da arte como recurso terapêutico no Brasil é o de Nise da Silveira, que criou a Seção de Terapêutica Ocupacional no Centro Psiquiátrico D. Pedro II em Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, conforme dito anteriormente. Silveira utiliza a arte como forma de comunicação entre terapeuta e paciente: “Comunicar-se por formas alternativas torna-se o veículo possível onde a palavra 24 fracassa, pois o indivíduo não pode transmitir sua organização incomum de captação da realidade interior-exterior” (ANDRADE, 2000, p. 60). Segue, a partir de então, em São Paulo um trabalho em Arteterapia com Maria Margarida M. J. de Carvalho que reúne seus dois mundos de interesse: a psicologia e a arte e passa a se dedicar ao estudo e à pesquisa deste campo de trabalho, começando, em 1968, a atuar em consultório com Arteterapia. 25 3. ARTETERAPIA A Arteterapia caracteriza-se por ser um processo terapêutico que se utiliza de recursos expressivos para conectar mundos internos e externos através da sua simbologia. É a arte livre, unida ao processo terapêutico que permite à Arteterapia apresentar-se como uma técnica especial (CIORNAI, 2004). A relação terapêutica se dá através da interação entre o sujeito (criador), o objeto (criação) e o terapeuta. A livre expressão que ocorre nas Oficinas Criativas®, método de trabalho desenvolvido por Allessandrini (1996), o uso de materiais artísticos não se dá por meio de disciplinas, e sim, como caminho, como linguagem e roteiros para desenvolver experiências, permitindo promover o autoconhecimento, elemento essencial para a renovação e reestruturação pessoal de vida. O processo arteterapêutico é vivenciado em ateliê e pode acontecer individualmente ou em grupo. As atividades têm como finalidade criar um espaço para a expressão criativa, a comunicação, o contato com potenciais da personalidade em seus aspectos cognitivo, emocional e sensorial - através dos órgãos do sentido (visão, audição, tato, olfato, paladar) -, favorecendo a integração de conteúdos emocionais, trazendo uma maior harmonia tanto na saúde física quanto na emocional, para a visualização e realização de metas construtivas. Essas atividades são constituídas de diferentes formas de expressão, podendo se utilizar música, relaxamento, imaginação ativa, técnicas com a utilização de materiais gráficos (desenho, gravura, pintura), plásticos (escultura e modelagem 26 em barro, sucata, massas diversas, etc.) e cênicos (expressão corporal, música, teatro, poesia), trabalhos corporais e verbais (ALLESSANDRINI, 1999). Quando lidamos com as mensagens escondidas por trás da consciência muitas são as formas de expressão. Que magia será essa do diálogo que nos permite trocas de formas tão diversas: palavras, ações, olhares, silêncio, toque, objetos que falam por nós? Falar de coisas próprias, muitas vezes, só é possível quando se tem um objeto intermediário que fala por nós, que expõe nossas fraquezas ou nossas conquistas ou que revive nossas experiências, ressignificando-as. Os recursos arteterapêuticos possibilitam um encontro da pessoa com ela mesma e um explorar de conteúdos que antes permaneciam silenciosamente guardados. Bem sabemos que cada pessoa desenvolve melhor alguns aspectos e menos outros, há pessoas que apresentam maior facilidade de expressão pela ação e movimento corporal, outras pelos meios cinestésicos como amassar argila ou pintar com os próprios dedos; outros ainda sentem-se mais à vontade ao realizarem atividades verbais e intelectuais. Entendendo essa singularidade é que utilizamos a arte como meio possível de atingir a todos, estimulando aspectos ainda não desenvolvidos e facilitando novas formas de expressão, através dos materiais e trabalhos corporais propostos. Cada material e atividade propostos trazem em si experiências em diversos níveis (cinestésico, sensorial, perceptual, afetivo, cognitivo, simbólico e criativo), desperta aspectos do ser e mobiliza transformações e aprendizagens em diferentes formas de agir, pensar e expressar, permitindo atingir todas as formas de viver e conviver (CIORNAI, 2004). 27 Mobilizar a capacidade criativa é como abrir um grande baú. Nunca se sabe, ao certo, o que iremos encontrar e ao mesmo tempo têm-se à frente instrumentos antes não imaginados: para tocar, sentir, fazer lembrar, compreender. O diálogo com bonecos, os movimentos possibilitados com auxílio de pedaços de panos, o encontro com seu lugar seguro, a manipulação do barro, a dança, o traço, as cores, as trocas e criações em conjuntos, o vivenciar de personagens... Tudo permite um maior conhecimento acerca de si mesmo. Tomemos como exemplo a sucata, o construir bonecos com materiais diversos (tecidos, bolas de isopor, papéis, varetas de madeira, etc.). Materiais que pareciam, à primeira vista, já dispensáveis em nosso dia-a-dia. Sua manipulação deixa livre a imaginação criativa, o papel já não é mais somente papel, transforma-se em pés e mãos; o tecido passa a ser roupa, com poder de comunicação; o isopor transforma-se em um rosto contendo significados e expressões. O boneco já não é só um boneco, conta histórias, revela segredos, tem vida e lembranças. Quanta magia em pedaços de sucata, que aos poucos ganham corpo e despertam emoções, assim como o trabalho apresentado a seguir. (Figura 1) 28 Figura 1 “Olá, meu nome é Mitcha, venho de muito longe, de um daqueles países pequeninos da Europa cujo nome agora já não faz diferença. O que eu mais gosto no meu país são as danças. Ah, como eu me divertia. Sabem aquelas reuniões de milhares de pessoas com toda a família e os amigos reunidos. As danças em roda, a fogueira queimando, as pessoas se divertindo, se envolvendo. Me diverti muito por lá, mas já era hora de partir e sentia que meu coração estaria em outro lugar. Percorri muitos lugares, fiz alguns amigos para a vida toda e agora estou aqui no Brasil. Encontrei parte do meu coração, mas ainda há coisas a buscar. Minha vida tem sido só trabalho, então sinto falta dos amigos e das festas, mas acho que devo estar bem perto do restinho de mim, afinal tenho buscado tanto, não é possível estar ainda tão longe...” Magia que poderia ser conseguida de diversas formas com os materiais que temos disponíveis: tintas, barro, papéis, tecidos, nosso próprio corpo. Esse é o motivo que nos impulsiona a querer conhecer mais, criar, aprender, modificar ações e possibilitar transformações futuras. A Arteterapia abre espaço para o novo, para as escolhas e para o despertar da vida, permitindo ao indivíduo se conhecer, se aceitar para depois poder se transformar. Como afirma Ciornai (2004) em seu livro Percursos em Arteterapia, a dificuldade em dar “sentido aos nossos sentidos” e em expressar verbalmente sensações ou sentimentos quando estes ainda nos são indefinidos, ou seja, quando não se configuram ainda como figuras que percebemos com clareza e nitidez, pode frequentemente ser facilitada por outras linguagens. 29 É disso que nos fala a Arteterapia, dessa possibilidade de ampliar as formas de expressão, olhar por outros ângulos, perceber formas ainda desconhecidas ou não reconhecidos por nós. A Arteterapia é uma prática terapêutica que trabalha com a intersecção de vários saberes como educação, saúde, arte e ciência, buscando resgatar a dimensão integral do homem (OSÓRIO, 1998 apud ANDRADE, 2000) e, assim como diz Philippini (2000), a Arteterapia resgata a promoção, a prevenção e a expansão da saúde. Na arte a pessoa pode relaxar suas defesas e permitir-se contatar, sentir, elaborar e exprimir o que de outra forma poderia ser-lhe perigoso e/ou ameaçador; seus impulsos, raivas, sonhos, desejos inconfessáveis, seu ser mais profundo e autêntico. Mas ao ousar expressar e experienciar o novo, o reprimível, o censurável, aquilo a que normalmente não se permite, ao vivenciar na „realidade da arte‟ o que não lhe é usual, o indivíduo pode surpreender-se: pode obter um conhecimento inusitado e inesperado sobre si mesmo, sobre os outros e sobre o mundo. (CIORNAI, 2004, pág. 74). Ciornai descreve o processo em Arteterapia demonstrando como os sentimentos mobilizam percepções acerca de si mesmo, quando diz que. [...] ao criar beleza, harmonia, delicadeza a pessoa entra em contato com estas qualidades em si; ao expressar raiva, revolta e indignação, a pessoa percebe a força do seu poder pessoal. E ao dar expressão ao ser poder criativo, as pessoas ficam não só orgulhosas do que fizeram como revelamse a si mesmas, passando de uma atitude de autocrítica a uma atitude bem mais positiva de curiosidade sobre si mesmas. Isso faz do processo criativo e da atividade artística em arteterapia um meio de crescimento pessoal que permanentemente nos encanta e fascina. (2004, pág. 83) Na arte tudo é possível, tudo tem um sentido e uma procedência. É através do fazer artístico que podemos entrar em contato com nossa própria beleza, nossa própria força e sensibilidade. 30 4. CONSTITUINDO-SE TERAPEUTA: a contribuição da Arteterapia neste processo No início, assim como nos diz Ferguson, ”gostamos e até nos emocionamos com as possibilidades quase divinas que vemos em nós mesmos nos momentos de exaltação. Assim mesmo, simultaneamente, estremecemos de fraqueza, espanto e medo diante dessas mesmas possibilidades” (1995, pág. 86). Resgatando registros pessoais do início da minha formação em Arteterapia, encontro relatos que justificam a frase acima e, traduzem de certa forma, a percepção que é permitido ao indivíduo vivenciar durante seu processo pessoal: “Ao prosseguir, aos poucos, o medo do novo vai diminuindo e resta espaço para a curiosidade e algumas descobertas. Embora experiências anteriores se façam presentes, novas formas de olhar começam a se configurar e o pensamento acompanha o fazer, ao mesmo tempo em que tenta entender o processo para depois se fazer conhecimento. O corpo se entrega, ainda com receio de se machucar e hesita desnudar-se diante do desconhecido. Tudo é velho e novo, conhecido e pessoal desconhecido. A certeza de ter escolhido o caminho certo faz avançar. Ao mesmo tempo em que o coração explode de alegria por ter se reencontrado, treme com lembranças e com conquistas que percebe ter feito. Não é à toa que está tão agitado. Nunca se percebeu tão capaz, nunca pensou ir tão longe, pois ainda, muitas vezes, se sente fraco e pequenino. Não há como negar: percebe-se forte. Deseja continuar, pois além da teoria e depoimentos “vive” a certeza de que vale a pena”. 31 Figura 2: Construção da mandala (2005), Passar pelas atividades e poder vivenciá-las talvez seja a forma mais segura e simples de se fazer aprender, pois não há dúvidas das dimensões vivenciadas e da profundidade dos sentimentos tocados. Cada vez que se revive situações, também se faz possível transformar aprendizados, conhecer-se melhor, entender os “porquês” que não queriam calar, e principalmente entender o quanto todos somos humanos. São experiências riquíssimas que se cristalizam e que fazem o olhar que se tem ao outro, suavizar. Aprendemos com isso a acolher. Há constantemente a construção do conhecimento, no processo de aprendizagem. Novos esquemas são formados... e novas situações de aprendizagem são vivenciadas. [...] Conflito, dúvida, inquietação e por vezes paralisação... Alegria, desafio do poder descobrir... insight e surpresa do se perceber capaz... luta no coordenar movimentos e gerenciar ações por vezes tão difíceis de coordenar [...]. (ALLESSANDRINI, 1994, pág. 24) É preciso disponibilidade interna para transformar-se. Dar alguns passos são importantes neste processo de se constituir arteterapeuta: o primeiro é assumir o medo; o segundo é se permitir experimentar, sentir; o terceiro, talvez, a aceitação, 32 reflexão; o quarto a mudança interna, pessoal; o quinto a contribuição ao todo. Um caminho que se descobre aos poucos, com respeito. Aqueles que acreditam na possibilidade de uma transformação social iminente não são otimistas com relação à natureza humana; em vez disso, confiam no próprio processo de transformação. Tendo experimentado uma modificação positiva em suas próprias vidas – mais liberdade, sentimento de afinidade e de unidade, mais criatividade, maior capacidade de lidar com o estresse, uma noção de sentido da vida -, essas pessoas admitem também que outras possam mudar. Acreditam ainda que se um número suficiente de pessoas descobrir novas capacidades em si mesmas, naturalmente conspirarão para criar um mundo hospitaleiro para a imaginação, crescimento e cooperação humanos. [...] Só podemos saber o que o cérebro pode fazer se o solicitarmos. (FERGUSON, 1995, pág. 67) Passar pela rica experiência de vivenciar atividades e se ver envolta em seus próprios desenhos que contam sua história, sentir seu corpo perdendo o medo de explorar o espaço, ver as cores significando seus sentimentos são experiências transformadoras e formadoras daquele que se propõe em seguida, oferecer isso ao outro. Figura 3 Experiência em grupo com materiais gráficos (2005) Figura 4 33 Ser terapeuta é ser alguém que aprende a mostrar esses caminhos, essas inúmeras possibilidades e se doa ao outro, ao relacionamento. Alguém que esteja disposto a dividir sua vida com outras vidas e passar os dias na presença de histórias fantásticas pessoais, se permitindo estar nesse encontro sem julgamentos e nem verdades pré-concebidas. Ser terapeuta é ser alguém que permite ao outro explorar toda a sua beleza e simplicidade, toda a grandeza de ser Humano. Não é simples a tarefa de entrar no mundo do outro. É preciso estar atento ao nosso próprio mundo, saber ouvir e, sobretudo estar disposto a querer compreender. É uma relação que se constrói aos poucos, e por meio de um cuidar constante ela se solidifica e se estabelece. Estar disponível ao outro, significa muitas vezes deixar de lado idéias e conceitos individuais, tanto quanto seja possível, para simplesmente conseguirmos olhar por outros pontos de vista. Estabelecer uma relação requer disponibilidade de ambas as partes, como afirmou Hycner, O cliente necessita experienciar profundamente em seu íntimo que o terapeuta o compreende ou, pelo menos, que está fazendo um esforço humanamente possível para compreendê-lo. É somente a disposição dos dois participantes de se engajarem neste tipo de aliança e vínculo que irá permitir que o ambiente terapêutico seja verdadeiramente curativo. (1995, pág. 112) Portanto, a formação de um arteterapeuta requer disposição para o encontro com o ser presente que existe em cada um, facilitado pelo processo de aprendizagem vivida dentro do ateliê. É na entrega às vivências que ocorre um despertar natural, permitindo a transformação pessoal que Allessandrini (2004, p. 122) nos mostra em sua afirmação quando diz que “cada participante se descobre e 34 se reconhece como educador, aquele que ensina a si mesmo e aprendendo infinitamente vai ao encontro do outro, tendo sempre muito a trocar”. E, para finalizarmos, vale lembrar que Hycner (1995, p.104), em seu livro “De Pessoa a Pessoa – psicoterapia dialógica” traz uma grande contribuição ao entendimento da relação entre terapeuta e cliente quando menciona o pensamento de Buber (1958/1961) que se refere à limitação imposta ao cliente quando o terapeuta já o aceita como algo fixo e diagnosticado, ao contrário da possibilidade infinita, quando o terapeuta o percebe em processo de transformação, capaz de confirmar ou tornar real suas potencialidades. 35 5. OFICINAS CRIATIVAS® O processo arteterapêutico pode ocorrer dentro de uma estruturação criada por Allessandrini (1996/2000) denominada Oficinas Criativas®. A vivência deste processo permite ao sujeito passar por diferentes etapas e fazer de sua experiência criativa a forma pela qual irá transpor dificuldades e limitações, se conhecer mais intimamente e, aprender a lidar com todos esses aspectos integrando-os e incorporando-os à sua maneira de viver e se mostrar presente ao mundo . Segundo descrição da própria Allessandrini, Oficina Criativa é o trabalho, em psicopedagogia, de atendimento individual ou grupal, composto de certas etapas, no qual o sujeito expressa criativamente uma imagem interna por meio de uma experiência artística para, posteriormente, organizar o conhecimento intrínseco a esse fazer expressivo. (1996, pág. 88) É assim que ela descreve o método que criou para trabalhar com arte em psicopedagogia e que transpôs para o processo de Arteterapia. As Oficinas Criativas® são construídas por encadeamentos que direcionam o modo como o indivíduo dará continuidade ao seu processo de descoberta, expressão e elaboração de seus conteúdos pessoais e significativos a cada momento de sua experiência neste processo. São cinco etapas elaboradas dentro de Oficinas Criativas®: sensibilização, expressão livre, elaboração da expressão, transposição e avaliação. Na etapa da sensibilização as atividades desenvolvidas ligam o sujeito à situação que será trabalhada na seção terapêutica. Neste momento, o sujeito voltase para si e para a percepção de seu eu e dos objetos que o cercam. 36 Após esse primeiro estágio que pode ocorrer através de exercícios lúdicos, atividades corporais, observação dirigida ou outros recursos, segue-se para a etapa da expressão livre. Na expressão livre, o sujeito dará forma à experiência vivida durante a sensibilização através de expressões não verbais, podendo utilizar-se de diversas técnicas e materiais artísticos. Em seguida, passa para a fase da elaboração da expressão em que ocorre o aprimoramento da linguagem escolhida. Durante esta fase, o sujeito dá mais sentido às figuras e formas, dando-lhes mais contorno, linhas e cores, ainda no nível da arte e da representação não-verbal, passa a estabelecer uma distância reflexiva e uma elaboração da atividade desenvolvida. A próxima etapa é chamada de transposição da linguagem. É nesta etapa que se propõe ao sujeito a transposição de seu trabalho à linguagem verbal, possibilitando uma elaboração mais diretiva e estruturada, fazendo-se uso das funções do pensamento e do raciocínio nas operações mentais. Finalmente, chega-se a avaliação, fase em que o sujeito faz uma retomada de todo o processo vivenciado desenvolvendo sua percepção crítica e a aquisição de novos conhecimentos. Nesta fase o sujeito mantém um distanciamento com o que foi produzido e é capaz de rever cada etapa identificando os processos que foram significativos. Com este encadeamento de vivências dentro de Oficinas Criativas®, torna-se possível oferecer ao indivíduo diferentes formas de acessar seus conteúdos internos, entendê-los e ressignificá-los. As etapas que se articulam em Oficinas Criativas® oferecem um espaço e um tempo de transformação delicado e intenso. 37 Na proposta da Arteterapia, a linguagem artística é o fio condutor do desenvolvimento dos recursos físicos, cognitivos e emocionais do sujeito. É pelo fazer artístico que a pessoa desenvolve habilidades, utiliza seus recursos internos para resolver conflitos e externaliza aspectos de seu mundo subjetivo, sejam conscientes ou não. Através do trabalho desenvolvido em Oficinas Criativas o sujeito é capaz de recuperar sua capacidade de aprender consigo e com o mundo. A arte e a expressão são os facilitadores dessa criação, possibilitando uma relação positiva com o aprender. O sujeito passa a construir sua rede de conhecimentos através de idéias e sentimentos, descobrir e inventar pela própria arte, através de seus trabalhos em pintura, modelagem, marcenaria, criação de histórias e textos, dramatização, construção de maquetes, etc. (ALLESSANDRINI, 1996, pág. 90) O processo permite que, [...] o(s) sujeito(s) vivifica(m) algo que é terapêutico e transformador por já estar inscrito como salutar em seu inconsciente. Reviver em um novo contexto preparado para ser mobilizador de transformação, implica ativar mecanismos naturalmente evolutivos. Um nível diferenciado de aprendizagem e de elaboração dos conteúdos se produz. (ALLESSANDRINI, 2004, pág. 121). Allessandrini (2004) nos mostra a liberdade deste método quando afirma que a metodologia permite a cada terapeuta, educador, arteterapeuta ou psicopedagogo construir sua própria forma de atuar com a Oficina Criativa® desde que realize dinâmicas possíveis de permitirem ao(s) sujeito(s) viver(em) uma experiência significativa. Ao profissional cabe utilizar com sabedoria toda a gama de possibilidades que podem ser empregadas na construção das dinâmicas, direcionadas pela sua sensibilidade e pelo seu conhecimento, a fim de atingir seus objetivos dentro de certa rede de intenções pré-determinadas. A autora ainda nos faz perceber que o ato criador está presente tanto naquele que orienta a Oficina Criativa® quanto no que a experiência: “O homem caminha em direção a algo que é qualitativamente melhor, porque é criado com consciência e 38 amorosidade”. (1997; 1998, pág. 119 apud Ciornai, 2004). “Com intenção e empenho. Com direção temporal e espacial. Os meios articulam-se para que o projeto seja realizado” (2004, p. 119). Neste contexto de cuidar e ser cuidado cada detalhe assume sua significância nas relações e nas descobertas que se estabelecem entre sujeito, terapeuta e criação. O ateliê terapêutico ganha a dimensão e a força de um espaço sagrado, capaz de promover importantes transformações pessoais e guardar segredos até então nunca revelados. Torna-se um espaço mágico, envolvente, intrigante, que merece destaque em sua construção. O setting terapêutico contém peças fundamentais na construção da Oficina Criativa® e contribui de forma significativa em todo o processo terapêutico. Sua construção não é apenas física, mas “existencial, corporal e conceitual, para atender e acolher o outro, e de todas as formas vinculares – de presença, ações e linguagem – que atravessem os atendimentos” (CASTRO, 2007, pág. 31). Sua construção e organização deve estar a gosto do terapeuta que a ocupa, mas preparada para receber alguém de passagem e que se espera daí muito levar. É um lugar para construir e desconstruir; que não dê a perceber que está pronto e nem em que base se sustenta, para que o passageiro possa ter na sua passagem um lugar seu, escolhendo o canto e a forma para fincar sua base. Depois, ao reconhecer essa base, possa com ela partir e fincá-la em outros terrenos. (BENETTON, 2006, pág. 105) O setting em Terapia Ocupacional traz elementos que preenchem e dão vida a este espaço, como os odores, as cores e os ruídos que lembram a vida cotidiana, o trabalho ou os clubes de lazer. É neste espaço e por meio de materiais dos mais variados tipos como: tintas, papéis, madeira, cola, terra ou produtos de culinária que o paciente se descobre e se utiliza das atividades que lhe são familiares ou estranhas, dependendo da situação ou do seu desejo. 39 E, concluindo, Benetton ainda nos presenteia quando nos lembra que “este espaço aberto „internamente‟ para receber, só se completa se o mantivermos sempre aberto „externamente‟ para estimular o partir” (2006, p. 105). São todos estes detalhes que colorem de forma especial o encontro que se dá também na Arteterapia quando o sujeito pode conhecer e reconhecer a si próprio através do auxílio e da facilitação exercida pelo terapeuta e pelos diferentes materiais que toma contato. Os mecanismos ocorridos por trás deste encontro, aquilo que podemos conhecer, mas não conseguimos enxergar, o que nos permite compreender todo o processo capaz de gerar tantas transformações está no referencial que oferece à Oficina Criativa® a estrutura básica desse conhecimento: o Continuum das Terapias Expressivas – ETC – o que faremos a seguir. 40 6. CONTINUUM DAS TERAPIAS EXPRESSIVAS (ETC) Ao longo de nossas vidas vamos sendo submetidos a inúmeras experiências que vão moldando as formas pelas quais reagimos ao mundo que nos cerca. Todas elas, de certa forma, auxiliam na construção de nossa personalidade, porém às vezes, mantemos padrões limitados de respostas e isso nos leva a lidar com diferentes situações sempre com os mesmos padrões. A aquisição deste comportamento enrijece nossas respostas a estímulos diversos e reduz nossas possibilidades de exploração de todo o potencial existente em cada um de nós. A atividade artística e o processo criativo permitem a modificação desses padrões, a exploração de novas formas de agir e o conhecimento interno e externo de tudo aquilo que temos presente em nós e daquilo que nos cerca. O Continuum das Terapias Expressivas (KAGIN e LUSEBRINK, 1978), é o referencial que nos oferece a estrutura desses movimentos transformadores e a base para compreendermos o constante construir e desconstruir ocorrido na Oficina Criativa®. Kagin e Lusebrink, (1978) foram os responsáveis por formularem um modelo conceitual de expressão e interação com o meio em diferentes níveis, constituindo o Continuum das Terapias Expressivas (ETC), (LUSEBRINK, 1990). Allessandrini (2004, p. 119) ao citar Kagin e Lusebrink, (1978), ressalta o conhecimento trazido por eles de que “o continuum representa quatro modalidades de interação com os materiais, que teoricamente refletem os diferentes modos de interação humana”. 41 O continuum consiste em quatro níveis organizados segundo uma seqüência desenvolvimentista da formação de imagens e processamento de informações. Este modelo pressupõe que se trabalhe em uma seqüência iniciando-se pelo movimento sensório e motor, em seguida focando a ação nos aspectos perceptivos e afetivos, para finalmente se chegar ao nível cognitivo e simbólico. Esta seqüência é considerada terapêutica e transformadora do sujeito, pois reflete os níveis de desenvolvimento humano e de construção cognitiva (ALLESSANDRINI, 2004). O quarto nível, o criativo, pode estar presente em qualquer momento podendo aparecer em qualquer um dos níveis. Segue a representação esquemática elaborada para expressar o Continuum das Terapias Expressivas, segundo Lusebrink (1990): CR (criativo) C (cognitivo) Sb (simbólico) P (perceptual) A (afetivo) K (cinestésico) S (sensorial) No nível sensório motor trabalha-se com a liberação da energia por meio da ação e do movimento. Neste contexto o pólo sensorial refere-se às sensações 42 experimentadas pela atividade interna do organismo e o pólo motor pelo movimento expresso na ação do sujeito (ALLESSANDRINI, 2004, pág. 120). O pólo cinestésico do nível sensório-motor está relacionado ao trabalho direto com a expressão por meio da ação e do movimento corporal. O pólo sensorial tem referência com a sensação tátil ou qualquer outra experimentada com o meio artístico. A interação com o nível sensório-motor pode conduzir ao próximo nível, chamado de perceptual-afetivo, em que o indivíduo pode perceber a forma ou o afeto relacionado à expressão (LUSEBRINK, 1990, pág. 17). No nível perceptual-afetivo é possível se trabalhar as percepções e as emoções geradas no indivíduo a partir de sua interação com os materiais artísticos. Essas percepções seriam o resultado das ações e sensações vivenciadas no nível sensório-motor internalizadas e possíveis de serem expressadas por formas e imagens mentais associadas a elas como nos desenhos (ALLESSANDRINI, 2004, pág. 120). O pólo perceptual deste nível se foca nas formas ou nas qualidades estruturais da expressão, como a definição de limites, a diferenciação de formas, no esforço para alcançar a representação correta de uma experiência interna ou externa (LUSEBRINK, 1990, pág. 17). O pólo afetivo modifica a forma e dá uma estrutura ao afeto, sendo reconhecido na utilização de cores intensas, de materiais fluídos, na distorção das formas que traduzem expressões de raiva, etc. Quando ocorre a internalização e a abstração das experiências vividas no nível perceptual-afetivo, então, é possível avançar ao próximo nível, o cognitivosimbólico (LUSEBRINK, 1990, pág. 17). 43 No nível cognitivo-simbólico ocorre o processamento de informações em níveis cada vez mais complexos, trabalhando o pensamento lógico e analítico, representadas por meio da linguagem e da representação mental da ação. Neste nível, a exploração do material, seu agrupamento, sua categorização, o reconhecimento das relações e o seqüenciamento temporal permitem a internalização das propriedades dos materiais e desenvolvem, no sujeito, a habilidade de compreender as ações necessárias para manipulá-los na realização de um projeto interno (ALLESSANDRINI, 2004, p. 120). O pólo cognitivo está focalizado nas operações analíticas e seqüenciais, no pensamento lógico e na resolução de problemas (LUSEBRINK, 1990, pág. 17). O pólo simbólico centra-se na formação do conceito intuitivo, na compreensão e na atualização de símbolos e de expressões simbólicas do significado (LUSEBRINK, 1990, pág. 17). A experiência criativa pode ocorrer em qualquer um dos níveis do ETC, pois neste nível é possível que aconteça uma síntese entre a experiência interior e a realidade externa. “O ato criativo culmina numa experiência afetiva de encerramento e um senso de unidade entre o meio e a mensagem” (LUSEBRINK, 1990, p. 18). Lusebrink (1990) nos sugere algumas questões que podem ser direcionadas ao cliente de forma bastante dirigida nos diferentes níveis do ETC, seriam elas: 1. “O que você está fazendo? O que você quer fazer? Você pode mostrar isso?” – são feitas para respostas ao nível cinestésico. 2. “O que você sente?” – focaliza a atenção nas sensações. 3. “O que você vê ou percebe?” – dirige a atenção aos aspectos perceptuais da expressão. 4. “Como você se sente?” – focaliza o afeto. 44 5. “Como diferentes partes se relacionam umas com as outras? Quais são os passos necessários para resolver o problema?” - e questões similares focalizam operações cognitivas. 6. “O que isso significa para você?” - ou – “Qual sua ligação com isso?” – elaborações dos aspectos simbólicos da expressão. Para o nível criativo Lusebrink afirma que, [...] uma expressão criativa geralmente não necessita de reflexão verbal visto que ela representa uma declaração. Os sentimentos de plenitude e satisfação que acompanham uma expressão criativa devem ser reconhecidos pelo terapeuta, bem como pelo cliente. (1990, pág. 18) A partir daqui é possível que já consigamos vislumbrar toda a importância deste método ao ser utilizado em processos terapêuticos. Se existem formas de acessar cada um dos níveis e são possíveis de fazê-las pela manipulação de materiais ou vivências corporais significativas, então, há formas de fazer com que o sujeito as utilize para alcançar níveis cada vez mais avançados de desenvolvimento. Betensky (1973b), citado por Lusebrink, afirma que, [...] um trabalho artístico faz com que todos os níveis – físico, emocional e racional – sejam ativados ao mesmo tempo, [pois] fisicamente, essa experiência produz uma maior consciência das sensações internas; emocionalmente, a experiência traz à tona profundos e fortes sentimentos [e] racionalmente, há um incrível aumento no processamento de informações que junta partes anteriormente desconexas. Ao focalizarmos o produto artístico, fazemos dele uma experiência unificadora, real e criativa, integrando os diversos níveis de expressão num todo coerente. (1990, pág. 28) Lusebrink nos apresenta uma tabela que descreve as características de cada nível, suas dimensões curativas e as funções emergentes, entendendo que “quando os níveis estão de acordo, a informação é transmitida e transformada de um nível para outro, de maneira fluída e o organismo funciona de forma dirigida a uma meta” (1990, pág. 32). 45 Tabela 1 Características dos diferentes níveis do “Continuum das Terapias Expressivas (ETC)”, dimensões de cura e funções emergentes de cada nível de expressão. Nível Dimensões de Cura Função Emergente Soltar a energia, ritmo. Percepção da forma, afeto. Ritmo lento, consciência das sensações internas. Formação das imagens internas, afeto. Organização dos estímulos, formação de boas gestalts. Interações esquemáticas, rotulagens verbal, autoinstruções. Consciência do afeto apropriado. Rotulagem verbal dos sentimentos, internalização das imagens afetivas e simbólicas. Resolução criativa de problemas utilizando a interação entre o verbal e o imaginário. Cinestésico Movimentos motores, gestos, o fazer, exploração dos materiais. Sensorial Explorações táteis, foco nas sensações internas. Perceptual Ênfase na forma, elementos formais, imagens concretas. Afetivo Expressão dos sentimentos e disposições, ênfase na cor. Cognitivo Formulação de conceitos, abstração, auto-instruções verbais. Simbólico Intuitivo, formação de conceitos auto-orientados e abstração, pensamento sintético. Criativo Expressão criativa que leva a um senso de fechamento (ou conclusão) e/ou satisfação. Generalização de experiências concretas, relações espaciais. Resolução de símbolos através de significados pessoais; generalização de experiências pessoais concretas. Transação criativa com o meio ambiente, autoatualização criativa. Insights que levam à descoberta de novas partes do eu, integração de partes reprimidas ou desassociadas do eu. Fonte: Tabela retirada do Texto: Imagética e Expressão Visual na Terapia (Lusebrink, 1990, pág. 33) Quando ocorre algum problema no processamento de informações e expressões refletindo na ausência de interação ou desconexão entre os diferentes níveis é possível utilizar algumas estratégias neutralizadoras que melhoram a conexão entre esses níveis, como nos mostra a tabela 2 (LUSEBRINK, 1990). Ele alerta para o fato de que a desconexão nem sempre é maléfica, pois como resultado dessa desconexão podem surgir novas conexões criadas entre os níveis. 46 Tabela 2 Manifestações patológicas em expressões, refletindo ausência de interação entre os níveis. Características das Experiências Internas, Expressões Visuais e Estratégias Neutralizadoras Níveis Cinestésico Sensorial Perceptual Afetivo Cognitivo Simbólico Características Estratégias Hiperatividade, afeto expresso como ação destrutiva; inabilidade de estabelecer uma pausa entre o impulso e a ação; inabilidade de perceber as conseqüências de suas próprias ações; perseverar em ações cinéticas. Ansiedade, sensações avassaladoras internas, sem componentes afetivos; acentuada morosidade, pode se manifestar como fascinação com um número crescente de detalhes das sensações ou percepções; ou pode ser vivenciado como perda de ânimo. Rígido, formação de imagens concretas e formas de percepção; partes parecem estar isoladas umas das outras; inabilidade de combinar detalhes em conjuntos (gestalts); geometrização de aspectos formais de expressão; falta de afeto ou afeto controlado. Afeto avassalador; projeção do afeto no ambiente; imagens afetivas podem parecer alucinações; formas distorcidas e/ou falta de forma; cores amarronzadas ou intensas, dependendo da categoria no diagnóstico ou na apresentação do problema. Presença de estereótipos; insistência em estruturas rígidas ou imagens concretas; inabilidade em generalizar; análise progressiva dos detalhes; perda de significado pessoal; abstração como forma de distanciamento emocional. Identificação com os símbolos; percepção simbólica da realidade, aliada à percepção fisionômica; simbolismo estereotipado; simbolismo abstrato sem referências pessoais ou afetivas. Estabelecimento efetivo de limites; redução de estímulos incluindo isolamento do ambiente e/ou estímulo afetivo; contato verbal ou físico; o terapeuta moldando e introduzindo formas. Reflexão sobre possíveis afetos subjacentes; ação cinética. Relaxamento; representação através do manuseio de materiais; expressão do afeto através de meios visuais; explorar sensações ou significados simbólicos. Ênfase na forma e nas operações cognitivas para ganhar distância nas reflexões; ambiente limitado e uso de materiais estruturados e resistentes; definição das imagens simbólicas. Exploração de objetos concretos através do tato; exploração do significado simbólico; exploração do componente afetivo; introdução à cor. Exploração do afeto associado a símbolos; orientação sobre a realidade presente; experiências sensoriais e perceptivas concretas; exploração do significado e manifestações seqüenciais de símbolos. Fonte: Tabela retirada do Texto: Imagética e Expressão Visual na Terapia (Lusebrink, 1990, pág. 35) 47 Estes quadros permitem entender melhor a característica de cada nível, suas funções emergentes, assim como suas manifestações patológicas e as diferentes possibilidades de minimizá-las ou transpô-las. A visualização de todas essas informações possibilita uma melhor elaboração de como acontecem essas transposições entre os níveis e de como é possível utilizar recursos artísticos e expressivos no objetivo de promover e oferecer ao sujeito inúmeras opções para resgatar seu processo de crescimento e evolução contínua em um espaço terapêutico. Neste contexto de relações é preciso que o terapeuta se mantenha atento para entender e considerar o nível básico de expressão do cliente, como ponto de partida. Para que isto aconteça Lusebrink propõe que “os três primeiros quadros produzidos em terapia podem indicar o nível de processamento de informação e expressão utilizadas, preferencialmente, pelo cliente”. (1990, pág. 38) Desta forma, é possível ao terapeuta obter informações sobre seu cliente baseado em seus trabalhos e uni-lo à sensibilidade para que junto com este possam escolher materiais e formas de expressão do imaginário. O terapeuta deve permanecer atendo aos possíveis processos de resistência que possam surgir para possibilitar ao cliente a transposição destes. O Continuum das Terapias Expressivas nos fornece subsídios teóricos para a fundamentação da prática arteterapêutica e afirma que esta base “fornece uma abordagem às necessidades individuais de cada cliente, lidando tanto com as qualidades emergentes quanto com as resistências, levando em conta um objetivo a ser alcançado” (LUSEBRINK, 1990, pág. 46). 48 CONSIDERAÇÕES FINAIS REFLEXÕES ACERCA DA ARTETERAPIA E SUAS POSSIBILIDADES Buscando compreender melhor os fundamentos que justificam e embasam a prática em Arteterapia foi possível também compreender melhor a prática profissional como terapeuta ocupacional. Por meio do mergulho no entendimento do Continnuum das Terapias Expressivas e das Oficinas Criativas® foi possível entender o mecanismo oferecido ao desenvolvimento do sujeito pelas manipulações de materiais e do fazer artístico. Após esse estudo e busca pelas respostas a tantas perguntas que ficaram em aberto com o final da formação como terapeuta ocupacional, ficou mais claro os caminhos pelos quais desejo prosseguir. A Arteterapia abriu espaço novamente para os sonhos, as descobertas e as infinitas possibilidades do Ser. Neste contexto pude conhecer melhor aquilo que estava guardado em meu mundo interno, aprender a respeitar minha história de vida, voltar a acreditar em um mundo de diferenças, que até então não se fazia tão claro. Além de cumprir com seus objetivos iniciais de entendimento das transformações ocorridas no sujeito através da facilitação das atividades artísticas e 49 na compreensão das contribuições oferecidas pela Arteterapia ao processo terapêutico, este trabalho pôde também incluir outros dois aspectos importantes: - Contribuição no entendimento da diferenciação entre terapia ocupacional e Arteterapia em suas similaridades, complementações e possibilidades de intervenção; e, - Tornar mais simples e acessível a compreensão do Continuum das Terapias Expressivas e da própria Arteterapia àqueles que por ela tenham curiosidade e interesse. E assim, numa constante e crescente espiral de cores, sons, movimentos e formas a vida se faz Vida através da arte. 50 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLESSANDRINI, C. D. (org.). Tramas Criadoras na construção do ser „si mesmo‟. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. ________. Ateliê Terapêutico na Formação de Arteterapeutas. In: CIORNAI, C. (org.). 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