O que acontece quando um cavalo de cor diferente entra na corrida

Transcrição

O que acontece quando um cavalo de cor diferente entra na corrida
GT – MÍDIA E POLÍTICA: OPINIÃO PÚBLICA E ELEIÇÕES
O que acontece quando um cavalo de cor diferente entra na corrida?
O painel das estratégias eleitorais dos políticos afro-americanos nas eleições municipais
nos Estados Unidos.
Cloves Luiz Pereira Oliveira
Doutorando em Ciência Política - IUPERJ
Professor Assistente da UEFS-Ba
Pesquisador do Programa A Cor da Bahia-UFBa
[email protected]
Trabalho apresentado no XXVI Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em
Ciências Sociais – ANPOCS, de 22 a 26 de outubro de 2002, Caxambu - MG.
Resumo
A emergência de políticos negros vencendo corridas eleitorais para prefeitos de grandes
cidades americanas marcou uma grande virada na história política dos Estados Unidos. Em
1990, mais de 300 cidades americanas eram governadas por prefeitos negros, incluindo
neste conjunto metrópoles nacionais como: Nova York, Los Angeles, Chicago e Atlanta.
Com base numa revisão da literatura recente sobre raça e política nos Estados Unidos, esta
comunicação aponta os principais aspectos que contribuíram para o sucesso das
candidaturas negras nos pleitos municipais americanos, como também o quadro dos
obstáculos que os políticos negros enfrentaram para conquistar o poder. Tendo em vista a
escassez de literatura sobre a relação entre raça e política no Brasil, mesmo depois dos
episódios das eleições de políticos negros para governar às cidades de São Paulo e Porto
Alegre, este estudo propõe um olhar atento sobre a experiência americana - sem
preocupações de forçar comparações entre a situação americana e brasileira - buscando
compreender os fatores que contribuíram para este fenômeno de re-configuração do poder
político que aconteceu nos Estados Unidos.
1
O que acontece quando um cavalo de cor diferente entra na corrida?1
“The key for us was to take the fear of the unknown out of the
equation. I want to give people a reason to vote for me, not
against someone else.” (apud Colburn, 2001:40).
1- Introdução2
Em 1996, ao ganhar as eleições para prefeito de São Paulo, o economista Celso Pitta
(PPB) materializou “o choque político do ano” (Barros & Morris, 1996). A relevância deste
episódio difundida e construída nas manchetes de jornais, revistas e telejornais, deve-se,
sobretudo, ao fato deste carioca de 50 anos ter se tornado o primeiro negro eleito para
administrar a maior cidade brasileira. Considerando-se a importância do cargo e o
ineditismo desta vitória, uma vez que o acesso aos cargos políticos no Brasil tem sido
marcado pelo quase monopólio de homens brancos oriundos das elites, com raros casos de
políticos negros conquistando as cadeiras de prefeitos de grandes cidades e governadores, é
compreensível que a eleição de Celso Pitta para prefeito de São Paulo tenha se tornado
importante fato jornalístico e político3 (Felinto, 1997; Kachani, 1996). Neste cenário
político brasileiro recentemente dominado pela “videopolítica”, no qual tecnologias de
marketing político e narrativas jornalísticas desempenham papel significativo na
construção e des-construção da imagem de candidatos, políticos, partidos e plataformas
eleitorais, considero que uma questão que parece relevante para nós
é saber o que
- Agradeço aos Professores César Guimarães (IUPERJ – Rio de Janeiro), Marcus Figueiredo (IUPERJ –
Rio de Janeiro) e Minion KC. Morrison (Universidade de Missouri - USA) pelo encorajamento para produzir
este artigo. Sou grato também ao Professor Pedro Jaime Coelho Junior (Faculdade Jorge Amado – Bahia) pela
leitura critica deste artigo. As responsabilidades por eventuais falhas deste trabalho são do autor.
1
2
- O título desta comunicação é inspirada no trabalho do cientista político C. Anthony Broh (1987) A Horse of a Different
Color: Television treatment of Jesse Jackson´s 1984 Presidential Campaign . Neste livro Broh (1987) reporta que a
corrida de cavalos tem sido uma metáfora popular para descrever as campanhas eleitorais nas coberturas jornalísticas nos
Estados Unidos. O termo “dark horse” foi usado pela primeira vez para descrever uma indicação surpresa de um
candidato republicano nas primarias presidenciais em 1920, caracterizando-se por representar um candidato com poucas
chances de ganhar as eleições na opinião dos jornalistas e especialistas políticos, por ser alguém sem experiência prévia e
sem legitimidade no mundo da política.
3
- Oliveira (2000) nota que desde a redemocratização na década de 80, temos assistido a emergência de candidaturas
negras vencendo eleições para prefeito e governador. Alceu Collares-PDT elegeu-se prefeito de Porto Alegre em 1985 e
governador do Rio Grande do Sul em 1990; Albuino Azeredo-PDT conquistou o governo no Espírito Santo em 1990. O
autor observa que mesmo quando derrotados nos pleitos majoritários, os políticos negros que despontam nas corridas
eleitorais têm atraído à atenção de jornalistas e cientistas políticos por trazerem à tona questões que usualmente ficam
ausentes dos debates políticos, como os problemas de preconceitos, desigualdades raciais e apelos à identidade étnica
como estratégias eleitorais, como nas campanhas de Edvaldo Brito-PTB em 1985 e de Benedita da Silva-PT em 1992,
respectivamente às prefeituras de Salvador e do Rio de Janeiro.
2
acontece quando um cavalo de cor diferente entra na corrida. Em outras palavras, qual é a
influencia que o fenótipo negro e/ou a identidade racial dos candidatos exercem na
definição das estratégias discursivas dos políticos negros e dos seus adversários nas
campanhas? Qual é a dinâmica dos debates entre os candidatos e entre estes e a opinião
pública durante as campanhas eleitorais que envolvem candidatos negros? Quais são as
estratégias eleitorais empregadas pelos políticos negros para adequar suas candidaturas às
aspirações do eleitorado num cenário onde a imagem dos negros é marcada por estereótipos
que os desqualificam para o exercício do poder, tais como: o Brasil, os Estados Unidos e a
África do Sul.
Infelizmente, como indicado alhures (Oliveira, 2000), poucos pesquisadores
buscaram compreender a influência da raça na participação político-eleitoral dos candidatos
negros no Brasil. Diante de tal lacuna na literatura sociológica sobre a relação entre raça e
política entre nós, ao mesmo tempo em que vislumbramos a emergência de candidatos
negros com potencial para conquistar grandes pleitos locais e estaduais, esta comunicação
mira os Estados Unidos buscando compreender os aspectos que marcaram a experiência
dos políticos afro-americanos que conquistaram às prefeituras das principais cidades
americanas nos últimos 30 anos.
Este olhar atento sobre a experiência americana se
justifica principalmente porque até meados dos anos noventa, mais de 300 cidades
estadunidense haviam sido comandadas por prefeitos negros, incluindo neste conjunto
metrópoles nacionais como Nova York, Los Angeles, Chicago e Atlanta. Quando
lembramos que até o início dos anos 60, os Estados Unidos esposavam práticas
segregacionistas que configuravam quase dois mundos distintos, “separados e desiguais”,
para brancos e negros, basta olharmos, como sugere Colburn & Adler (2001), para o caso
de Atlanta, cidade de maioria negra no sul dos Estados Unidos, para percebermos a
amplitude do fenômeno de re-configuração do poder políticos que aconteceu nas cidades
norte-americanas.
“In 1962 Atlanta´s city hall remained strictly segregated
with separete restrooms, drinking fountains, and
employment listings´ for African Americans and whites,
the historian Jon C. Teaford has noted moreover, a local
ordinance forbade African-American police officers from
arresting whites. Twelve years later Atlanta had a African-
3
American mayor and an African-American police chief”.
(Colburn & Adler, 2000, p. 1).
Como mostra a Tabela 1, virtualmente quase todas as grandes cidades americanas haviam
elegido um prefeito negro entre 1968 e 1996. Em algumas delas, como Atlanta, Berkeley,
Detroit, Los Angeles, New Orleans e Washington, D.C., o cargo de prefeito tem sido
ocupado por políticos negros há pelo menos quatro mandatos ininterruptos (Colburn, 2001).
Com base numa revisão da literatura recente sobre raça e política nos Estados
Unidos, esta comunicação aponta os principais aspectos que contribuíram para o sucesso
das candidaturas negras nos pleitos em grandes cidades, o quadro dos obstáculos que estes
políticos enfrentaram para conquistar o poder, e as estratégias discursivas empregadas pelos
políticos afro-americanos e pelos seus adversários nas disputas eleitorais para prefeito após
os anos 60. Convêm destacar que a expectativa deste trabalho não é forçar comparações
entre a situação americana e brasileira, mas desenhar um breve painel da emergência das
candidaturas negras nos Estados Unidos.
2- A emergência do poder político-eleitoral dos negros americanos
As ciências sociais americanas já acumularam abundantes evidências sobre a
influência da raça no comportamento político e eleitoral nos Estados Unidos. Extensa
literatura tem mostrado a existência de distintos padrões de voto segundo raça, diferenças
no tratamento aos candidatos brancos e negros na cobertura jornalística, bem como
diferenças no modo como os principais partidos políticos americanos, o Democrata e o
Republicano, se posicionam frente à questão racial (Broh, 1987; Colburn & Adler, 2001;
Liu, 2001; Perry & Parent, 1995a 1995b; Streb, 2000). Analisando a política local nos anos
60, pesquisadores observaram que a hostilidade dos eleitores brancos aos políticos negros
aumentava à medida que a proporção de negros alcançava cerca de 30% da população total
(Liu, 2001). Se existe esta relação estreita entre composição demográfica, relações
interraciais e dinâmica eleitoral, como compreender o sucesso dos candidatos negros a
prefeitos? Qual foi a estratégia eleitoral adotada por estes candidatos para vencer estas
eleições? Como mostram os historiadores Colburn & Adler (2001), na coletânea AfricanAmerican Mayor: Race, Politics and the American City, que reúne um conjunto de nove
ensaios que analisam a experiência de emergência dos prefeitos negros entre 1967 a 1996, a
4
eleição de Carl B. Stokes e Richard G. Hatcher para prefeituras das cidades de Cleveland,
Ohio e Gary, Indiana, respectivamente, em 1967, intensificou ainda mais as reflexões sobre
o enigma racial, porque marcou a eleição dos primeiros negros para governar cidades
americanas e a emergência de um poder político-eleitoral negro4.
Para Adler (2001), quatro fatores favoreceram o sucesso eleitoral dos candidatos
negros nos pleitos municipais: i) o movimento dos direitos civis; ii) a mudança na
composição étnica e racial das populações das cidades americanas, quais passaram a ser,
majoritariamente, negra e latina, devido ao fenômeno do êxodo dos brancos que passaram a
viver nas regiões de subúrbios das cidades; iii) a pressão negra sobre a máquina política
local; e iv) a construção de alianças políticas dos negros com outros grupos étnicos, como:
latinos e judeus.
Segundo Adler (2001), existe um consenso entre os pesquisadores de que os
movimentos dos direitos civis dos anos 50 e 60 alicerçaram a emergência dos políticos
negros nos Estados Unidos. Diversos impactos tiveram estes movimentos na vida política
americana, sendo destacada a importância que eles tiveram para “re-franquear” o direito de
voto aos negros e contribuir para a formação política de lideranças negras. Os movimentos
de direitos cíveis atuaram, destacadamente, em campanhas para supressão de diversos
mecanismos subjetivos de avaliação para concessão de direito de voto (criteria for
citizenship elegibility), como os testes de analfabetismo, que impediam que expressivo
contingente de negros pudessem ingressar no eleitorado americano. O autor enfatiza que
apesar da ausência de leis que proibissem os negros de votar e serem votados, na prática os
negros, enquanto grupo, eram alijados dos processos eleitorais. Segundo Perry & Parent
(1995b), só para se ter uma idéia do impacto deste movimento, as campanhas de
cadastramento de eleitores no sul dos Estados Unidos foram responsáveis pela entrada de
aproximadamente 4 milhões de novos eleitores negros na arena política entre o período de
1965 a 1975. Além disso, a participação nos movimentos contribuiu para que alguns
ativistas ingressassem na arena política formal5, como também para a inserção na agenda
4
- O livro African-American Mayor: Race, Politics and the American City (2001) serve como principal referencia para a
composição desta comunicação, porque ele reúne um elenco de trabalhos embasados em extensa referencia bibliográfica e
material empírico sobre processo de ascensão ao poder dos políticos negros na esfera municipal.
5
-Segundo Colburn (2001), alguns autores afirmam que a primeira geração de prefeitos negros foi composta,
majoritariamente, por ativistas dos movimentos dos direitos civil nos anos 60, que converteram o prestígio e experiência
5
política e eleitoral de questões voltadas para atender os direitos civis dos negros e minorias
nos Estados Unidos (Pinderhughes, 1995).
Depois das campanhas de registro eleitoral dos movimentos dos direitos civis, o
aumento do contingente de negros e latinos na população das cidades foi o principal fator
que contribuiu para impulsionar a conquista do poder político local pelos negros (Adler,
2001; Perry & Parent, 1995b). A mudança na composição das populações das cidades,
intensificada nos anos 60, na esteira de políticas governamentais, que subsidiaram a
ocupação residencial das regiões suburbana, provocou uma verdadeira onda migratória, que
levou milhares de pessoas da classe média e elite branca a fugir das cidades para morar nos
subúrbios. Para se ter uma idéia do impacto deste fenômeno, em 1990, 41% dos afroamericanos viviam nas cidades centrais das regiões metropolitanas com mais de um milhão
de habitantes, contra apenas 15% dos brancos (Adler, 2001). Este fenômeno demográfico
não apenas levou ao esvaziamento das cidades, mas também provocou diversos
desdobramentos na esfera econômica e política. O empobrecimento das cidades com a
redução das arrecadações, serviços e negócios deprimiram a economia local.
Por outro lado, a fuga dos brancos e o aumento da concentração de negros nas
cidades produziram uma hiper-segregação e mudanças na composição do eleitorado nas
cidades. Este cenário de hiper-segregação, hostilidade racial e aumento do eleitorado negro
parece ter sido fundamental para o surgimento de políticos negros como importantes atores
no jogo do poder político local. Diversos autores têm observado que tais mudanças na
composição do eleitorado têm sido responsáveis, historicamente, por expressivas alterações
na composição das máquinas políticas, nas bases de estruturação das alianças, e, em última
instância, até na redistribuição do poder local (Adler, 2001, Dawson, 1994). O apelo à
solidariedade racial e étnica - retóricas anti-semitas, anticatólica, ódio e/ou solidariedade
racial, que de longa data têm influenciado as disputas políticas americanas – ressurge, neste
contexto, como a principal arma para subverter fidelidades partidárias profundamente
enraizadas. Como exemplo, Adler (2001:1) reporta que nas eleições para prefeito de 1967,
na cidade de Gary, o coordenador do comitê central do Partido Democrata no condado de
Lake declarou que iria apoiar o candidato republicano a prefeito, porque “[este candidato]
adquirida nestes movimentos em capital eleitoral para conquistar cargos nos diversos níveis do poder. Contudo, ele
mesmo contesta tal interpretação, como veremos mais adiante na discussão sobre o perfil dos prefeitos negros, apontando
o número exato de prefeitos oriundos deste movimento.
6
(...) não era o tipo certo de Negro... para votar”; enquanto na cidade de Cleveland, o
candidato republicano conquistou 127.328 votos num colégio eleitoral onde seu partido só
tinha 39 mil eleitores registrados.
Neste contexto, sem a prevalência de nenhum grupo racial no eleitorado, o sucesso
eleitoral passou a depender, cada vez mais, tanto da ajuda do seu próprio grupo, quanto do
apoio dos seus aliados. A nova distribuição étnico-racial do eleitorado proporcionou aos
negros mais força para negociar os termos das suas alianças e os apoios nas disputas
políticas locais com os caciques partidários, as elites políticas e os empresários. Os
políticos brancos, que estavam acostumados a obter os votos negros em troca de ações
paternalistas, tiveram que ceder às demandas deste grupo por mais poder e espaço na arena
política, uma vez que os votos negros nas cidades podiam “desalinhar” as máquinas dos
partidos. Como fizeram os irlandeses, italianos e judeus em eleições passadas, em cidades
como Chicago e New Orleans, os políticos negros também passaram a usar a sua
capacidade de mobilizar o apoio dos seus “irmãos e irmãs” como arma eleitoral (Carton,
1984; Cavanagh, 1983; Dawson, 1994; Hirsch, 2001).
Esta nova re-configuração das posições e dos recursos dos atores nas disputas
eleitorais acabou por influenciar na definição das estratégias das campanhas e nas
plataformas políticas dos candidatos negros e brancos. O grande desafio dos políticos era
transpor as clivagens raciais num cenário onde o sucesso dependia, significativamente, da
capacidade
de
construir
apelos
eleitorais
trans-étnicos
e
trans-raciais.
Neste
empreendimento, os políticos negros encontraram nos latinos, judeus e liberais brancos
grandes aliados em varias cidades. As alianças com os latinos se articulavam porque ambos
viviam os problemas urbanos de carência de moradia, discriminação no emprego,
brutalidade policial, serviço deficiente de segurança, educação e saúde, favorecendo, assim,
a defesa de plataformas comuns. Já a parceria com judeus e liberais baseava-se na
expectativa que os políticos negros pudessem manter os afro-descendentes sob controle,
i.e, sem ameaças de saques, quebra-quebras e conflitos raciais6 (Adler, 2001).
6
- Durante os anos 60, os Estados Unidos assustaram-se com ondas de revoltas urbanas de negros com saques
e ‘quebra-quebras’ nas cidades. Em 1992, pudemos assistir nos telejornais os conflitos que eclodiram em Los
Angeles e se entenderam até Washington, D. C., após as notícias da absolvição de quatro polícias brancos
que foram filmados espancando o motorista negro Rodney King nos arredores de Los Angeles (Chang &
Dias-Veizades, 1999).
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Contudo, para a maioria dos analistas a chave do sucesso eleitoral dos políticos
negros nos pleitos municipais foi à capacidade deles de mobilizar a solidariedade racial
(Gillette Jr., 200 1, Hirsch, 2001, Lane, 2001; Liu, 2001; Moore, 2001). Eles argumentam
que a maioria dos prefeitos negros foi eleita em cidades onde os afro-americanos eram
maioria do eleitorado ou então somavam entre 35 a 45 por cento da população (ver Tabela
2). Outros pesquisadores, no entanto, redimensionam o peso da solidariedade racial nesta
equação e destacam também a influência das mudanças na estrutura econômica e política
nas cidades na emergência dos prefeitos negros (Adler, 2001). É destacado que problemas
como a desindustrialização e o aumento do desemprego tornaram as cidades mais pobres e
excluíram os trabalhadores negros e latinos da dinâmica econômica; enquanto o “novo
federalismo” restringiu o apoio financeiro federal às cidades e delegou aos gestores
municipais às responsabilidades de resolver seus problemas sociais. Na visão de Adler
(2001), este corte de transferência de recursos federais para as cidades fizeram com que as
crises econômicas que as cidades viviam - com prefeituras deficitárias, desemprego e
déficit habitacional – passassem a encabeçar as agendas das campanhas dos candidatos a
prefeito, diminuindo, assim, de alguma maneira, a percepção de que os conflitos raciais
seriam o principal problema da vida nas cidades. Sua analise caracteriza-se por ressaltar
que, nestas circunstâncias, ser eleito prefeito não significava conquistar um prêmio tão
valioso, mas um grande desafio de governabilidade. Ver-se, portanto, que se atribui a
emergência dos prefeitos negros à eclosão de fatores conjunturais e estruturais,
principalmente a confluência de políticas anti-racistas, redistribuição do poder local e a
construção de alianças políticas estratégicas.
3- Concorrendo a prefeito nos Estados Unidos
3.1- Sobre o perfil dos prefeitos negros
Discutir sobre o perfil dos prefeitos negros é um item fundamental para
compreendermos a inserção destes políticos no poder, principalmente no ambiente político
americano, marcado pelo uso maciço da mídia na construção da imagem dos candidatos
(Jamieson, 1992). Segundo Colburn (2001), a avaliação da formação do candidato negro
mostrou-se crucial para conquistar o apoio dos eleitores. Este autor afirma que, questões
relativas à educação formal dos candidatos negros a prefeito concentravam a preocupação
dos eleitores brancos, sendo este item aquele que mais estruturava as críticas sobre a
8
qualificação e a competência destes políticos para governar cidades grandes e complexas.
Mesmo o eleitorado negro parecia preferir os políticos negros que possuíam maior
instrução e eloqüência.
Para Colburn duas gerações de políticos surgiram entre o período de 1967-1996.
Analisando o perfil de 67 negros eleitos prefeitos de cidades com população maior que 50
mil habitantes entre os períodos de 1967-1976 e 1977-1996, este autor percebeu que apesar
dos traços particulares que acentuavam o perfil de cada geração de prefeitos negros, eles
possuíam um conjunto de características comuns. Tendo como referência os dez anos que
separam a eleição dos primeiros prefeitos negros em 1967, a primeira geração é conhecida
como o período das “primeiras lideranças negras”, caracterizando-se por balizar a transição
do ativismo dos direitos civis para as disputas eleitorais7; enquanto a segunda considera os
anos que se seguiram pós 1977. O autor destacar que este segundo grupo de políticos tem
sua entrada na vida pública marcada pelos reflexos das mudanças estruturais que
aconteceram nas cidades americanas e dos “sucessos e fracassos” obtidos pelas políticas de
ação afirmativa, principalmente da ampliação das oportunidades de inserção de negros em
carreiras profissionais de nível superior8.
De acordo com Colburn (2001), os prefeitos negros eram majoritariamente homens
(94%), com nível superior de educação, muitos portadores de diplomas de doutorado (18%)
e mestrado (35%) e predominância de advogados (50%). Destaca-se neste perfil a
predominância de homens e a expressiva presença de indivíduos com formação escolar
superior, não somente acima da média da população, como dos candidatos a prefeito em
geral. A sub-representação das mulheres negras é atribuída tanto à predominância de
homens nos movimentos dos direitos civis dos anos 60 - os quais constituíram a base da
7
- Segundo Colburn (2001), até os anos 80, para as lideranças negras a conquista do poder político aparecia como uma
estratégia para conseguir igualdade nos Estados Unidos. O slogan “black power” cristalizava o impulso de integração,
ainda que para isto fosse necessário o confronto com as instituições políticas americanas. Apelos ao “orgulho negro”,
“nacionalismo negro”, “ideologia de auto-determinação do povo negro” eram algumas das ideologias que estavam na
base da mobilização política eleitoral da primeira geração de políticos negros que se aventurou na competição para
prefeito.
8
- Segundo Colburn (2001), o trabalho e a experiência política dos prefeitos negros variou ao longo do tempo, refletindo
as mudanças no ambiente racial dos Estados Unidos e as aspirações destes indivíduos. A primeira geração de prefeitos era
composta por advogados (39%), militares (28%), professores (22%) e funcionários públicos municipais ou estaduais
(11%). Ao passo que a segunda geração de prefeitos – surgida depois de 1977 – era oriunda de um leque mais
diversificado de profissões, encontrando-se entre estes: juizes, professores universitários e funcionários públicos federais.
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emergência político-eleitoral dos negros - quanto aos obstáculos do sexismo presente na
sociedade americana como um todo.
Sobre a experiência política dos prefeitos negros antes de conquistar o poder,
Colburn afirma que existem autores que defendem que a primeira geração de prefeitos
negros ascendeu dos movimentos dos direitos civis para entrar na política profissional. Mas
ele mesmo questiona esta hipótese, mostrando que dos 18 políticos negros eleitos na
primeira safra, apenas dois deles tinha surgido dos movimentos dos direitos civis. Segundo
seu levantamento, a maioria dos prefeitos negros tinha ocupado alguns cargos legislativos
ou executivos nas esferas municipais, estaduais ou federais antes de chegar à chefia do
município. Em síntese, antes de se tornarem prefeitos, os políticos negros, freqüentemente,
haviam sido vereadores, deputados estaduais e/ou secretários de governo.
Um dado bastante significativo do perfil destes políticos é a filiação partidária.
Observa-se que os prefeitos negros chegaram ao poder, predominantemente, sob a bandeira
do Partido Democrata; poucos deles tiveram o apoio dos republicanos para se eleger.
Dentre aqueles que conquistaram as prefeituras de grandes metrópoles, nenhum pertencia
ao Partido Republicano. Alguns autores (Dawson, 1994; Perry & Parent, 1995b; Streb,
2000) sugerem que esta relação de fidelidade entre os negros e o Partido Democrata tenha
se consolidado nos anos 50, como fruto do reconhecimento deste grupo ao apoio que os
democratas deram aos movimentos dos direitos civis dos anos 50 e 60, aos programas de
ação afirmativa dos anos 70 e 80, como também ao engajamento, tradicional, o partido
revela na defesa de projetos voltados à promoção do bem-estar social dos americanos. Para
Streb (2000), esta aliança entre os negros e o Partido Democrata teria se consolidado, ainda
mais, com o progressivo sucesso alcançado pelos candidatos negros defendendo esta
legenda.
Por fim, o perfil destes políticos mostra que eles têm tido experiência de conquistar
eleitorados com características sócio-demográficas bem diversificadas, num leque bem
amplo de cidades, em quase todas as regiões dos Estados Unidos. Além disso, o que é
importante destacar, é que os prefeitos negros foram eleitos tanto em cidades com maioria
da população negra, quanto naquelas aonde eles são minoria, como ilustram os casos de
Atlanta e Seattle (ver Tabela 2). Na opinião de Colburn (2001), observando o perfil sócioeconômico dos prefeitos, percebe-se que para viabilizar as suas candidaturas e atrair apoio
10
dos eleitores, os prefeitos negros tiveram que, freqüentemente, ostentar qualidades
educacionais e sócio-profissionais muito acima das massas. Ao mesmo tempo, observa-se
que a sociedade americana tem gradualmente aceitado – mesmo com resistência - a
participação de negros na arena política e à frente de importantes agências do estado.
3.2 - Pretos e brancos em disputa
Segundo Adler (2001), nos últimos 30 anos, os eleitores brancos raramente
cruzaram a linha racial para votar em candidatos a prefeitos negros. Isto significa que,
tradicionalmente, os candidatos brancos tenderam a conquistar, quase unanimemente, o
apoio dos brancos. Mas é importante que se assinale, como fazem diversos autores, que esta
clivagem política racializada é observada em ambos os lados (Adler; 2001; Liu, 2001).
Com efeito, a típica proporção de votos recebida pelos prefeitos negros traz: entre 90% a
98% de votos negros e entre 10% a 25% de votos brancos. Segundo Adler (2001), a
proporção de 25% de votos inter-raciais, como os obtidos por David Dinkins, em 1989,
para se tornar o primeiro negro eleito prefeito de Nova York, representa, exatamente, o
máximo que um político negro já obteve de apoio do eleitorado branco para conseguir se
eleger nos pleitos municipais americanas. Para suplantar esta barreira racial, a estratégia
dos políticos negros era simples, estruturada em duas frentes de ações. Primeiro, conseguir
capturar a maioria quase absoluta dos votos negros, o que significa capturar nunca menos
que 90% dos votos dos negros. Segundo, construir alianças inter-etnicas para suplantar a
resistência dos eleitores “anticandidatos negros” e, assim, obter os votos necessários para
vencer.
Tendo que conseguir pelo menos 10% de seus votos entre os brancos, os candidatos
negros encontraram seus aliados potenciais, freqüentemente, entre os liberais pertencentes
aos segmentos da classe média e classe alta branca. Colburn (2001) informa que a
estratégia era construir coalizões que ultrapassem as fronteiras raciais, cujo formato mais
comum era: candidatos negros, elite branca e os liberais brancos do segmento da classe
média. O eleitorado negro e os liberais brancos tinham em comum o interesse no
crescimento econômico e no controle da criminalidade nas cidades. Um traço curioso das
estratégias dos políticos negros era antes de apresentar os argumentos para convencer os
eleitores a votar neles, era fundamental neutralizar as rejeições às suas candidaturas entre os
11
não-negros. Dessa forma, as campanhas tinham que ter necessariamente um apelo e
simbologia bi-racial, com visitas a comícios, casas, organizações e autoridades brancas.
Segundo Colburn (2001), na maioria das campanhas eleitorais que os negros
tiveram sucesso, o fator racial sempre foi crucial. Entre 1965 e 1980, nas metrópoles mais
tradicionais, a estratégia consistiu em mobilizar maciçamente os eleitores negros, os
brancos liberais e as minorias, usando nas campanhas uma retórica de apelos à
solidariedade e aos princípios dos movimentos dos direitos civis. Isto é um apelo eleitoral
totalmente “racial-oriented”. Nas cidades mais novas da região do sul e oeste americano,
onde às condições econômicas das cidades pareciam estar melhores, os discursos e
plataformas tinham pouco apelo racial, concentrando-se em questões que envolvesse mais
amplamente os interesses da comunidade.
A estratégia dos políticos negros consistia em mobilizar os eleitores negros, fazer
alianças com organizações civis brancas, atrair à atenção da mídia e conquistar o apoio da
máquina do partido. Regularmente, as igrejas negras configuravam-se quase como comitês
de campanha dos políticos negros. Além delas, um amplo leque de organizações negras
militava nas campanhas, tais como: fraternidades, jornais, rádios, sindicatos e grupos de
direitos civis. Segundo Colburn (2001), as estratégias dos negros seguiram um padrão
típico ao de outras minorias étnicas que tentaram competir na política americana. O traço
fundamental foi a pesada dependência de apoio das organizações de caráter étnico e pouco
apoio das instituições da sociedade mais ampla.
Outra estratégia era desenvolver duas frentes de ataques, com apelos específicos aos
negros e aos brancos, como se estivessem disputando quase duas campanhas distintas.
Como exemplo Colburn (2001:40-41) lembra que:
“In New York David Dinks conducted a campaign at two
levels. One was citywide and directed to liberal whites
and latinos; the other was localized in the black
community. His message differed, and he and his aides
were careful to prevent his message to black residents from
becoming publicized citywide and perhaps alienating
supporters in the liberal white and latino communities.”
Colburn (2001:39) explica que “a eleição de um prefeito negro geralmente ocorreu
depois de uma eleição ou séries de eleições na qual uma coalizão ‘negra-branca’ ajudou a
12
eleger um candidato branco e na qual um prefeito branco facilitou a transição para uma
liderança municipal negra, indicando um certo número de afro-americanos para cargos
importantes no governo municipal” (tradução do autor). É justamente com a proeminência
que alguns políticos negros passam a ganhar em cargos importantes da administração
municipal, com a cooperação entre lideranças negras e brancas, que se contribuiu para
amenizar as preocupações da população branca sobre a competência dos negros para
administrar a cidade, como também os temores sobre a possibilidade de se deflagrar um
golpe de estado negro na política local (Colburn, 2001). Na visão de Colburn, estas previas
alianças foram fundamentais para socializar eleitores, empresários e profissionais, sobre os
impactos de uma liderança negra comandando à prefeitura. Assim, o autor (Colburn,
2001:40) assegura que: “O medo dos brancos diminuiu gradualmente, e o foco da
campanha começou a se afastar da discussão sobre raça em direção a discussão sobre a
biografia dos candidatos negros e a agenda política para a cidade” (tradução do autor).
Também contribui para o sucesso das campanhas dos políticos negros, o ineditismo
destas candidaturas pleiteando o cargo máximo do poder municipal (Colburn, 2001).
Segundo Colburn (2001), por serem neófitos nas disputas eleitorais, os candidatos negros
conseguiram chamar atenção do público e atrair grande cobertura da mídia. Tal visibilidade
tem seus aspectos positivos e negativos. Seu lado positivo era que ela propiciava que os
candidatos conseguissem propaganda gratuita para catapultar suas campanhas logo cedo na
corrida eleitoral, ajudando, assim, a queimar etapas no processo de divulgação e construção
da imagem dos candidatos. Seu lado negativo era que ela também contribuía para gerar
hostilidade e medo entre os eleitores brancos quanto aos avanços e às conseqüências da
eleição de um prefeito negro. Colburn (2001) afirma que a habilidade dos políticos negros
para conseguir criar receptividade entre os brancos a sua candidatura para prefeito
geralmente determinou os resultados das eleições. Segundo ele, a simples disposição de se
apresentar para debates com oponentes brancos já indicava, positivamente, aos eleitores
brancos o caráter moderador do candidato negro, como também a habilidade dele para
governar a cidade.
Em seu estudo para compreender os fatores que tem levado os brancos a votarem
em candidatos negros, Liu (2001) notou que o endossamento do jornal a candidatura negra
estimula os eleitores brancos a cruzarem a fronteira racial para votar. Se este candidato
13
ostentar, ainda, o status de mandatário disputando a reeleição, suas chances de conseguir o
apoio de outros grupos raciais aumentam. Contudo, Colburn (2001) pondera sobre o grau
de influencia que a condição de mandatário teria nestes casos, dizendo que mesmo os
mandatários negros – que na condição de incumbents poderiam gozar das vantagens
simbólicas e logísticas que os candidatos a reeleição, regularmente, possuem nos pleitos
americanos - tem tido pouco sucesso para vencer as barreiras do voto racialmente
orientado. Ele sustenta que, seja na condição de mandatário, seja na condição de desafiante,
os políticos negros têm atraído apenas fração pequena dos eleitores brancos, geralmente
aqueles de tendência política mais liberal.
Um segundo aliado, freqüente, dos políticos negros nas disputas eleitorais tem sido
os latinos. Algumas das mais destacadas alianças entre negros e latinos foram arquitetadas
em eleições nas cidades de Nova York, Chicago e Los Angeles. Tom Bradley, por exemplo,
ex-tenente de polícia e vereador, que permaneceu vinte anos governando Los Angeles,
precisou construir alianças com a comunidade latina para pavimentar suas vitoriosas
campanhas para a prefeitura da maior metrópole da costa oeste americana nos anos 70 e 80.
Ver-se que as alianças constituíram-se numa resposta dos negros ao aumento da diversidade
étnica nas cidades americanas; situação que, também, os colocava como uma minoria
eleitoral (Parker, 2001; Pettigrew & Alston, 1988).
3.3 - Estratégias retóricas: racializar ou des-racializar? Eis a questão
Segundo Colburn (2001), apesar do eleitorado americano revela-se, historicamente,
racialmente dividido, a questão racial só esporadicamente configurou-se como a principal
questão nas corridas eleitorais para prefeito nos Estados Unidos. A interpretação mais
freqüente é que a condenação pública de discursos racistas, juntamente com as leis de
direitos civis, tem desencorajado os apelos eleitorais racistas, principalmente nas grandes
cidades. O paradoxal deste cenário era observar campanhas não racializadas, mas nas quais
os apelos raciais continuavam presentes nas retóricas dos diversos atores. Os autores
consideram que se utiliza apelo racial quando um candidato chama a atenção para a raça do
seu oponente ou daqueles que o apóiam ou quando a mídia dedica desproporcional atenção
a indicação da raça do candidato ou daqueles que o apóiam (Reeves, 1997). É importante
14
salientar que nas eleições municipais americanas os apelos raciais apresentaram-se como
uma arma estratégica usada tanto por candidatos negros, quanto por candidatos brancos.
A estratégia dos candidatos brancos era estimular ansiedade e medo no eleitorado
branco, pintando um quadro de desordem e criminalidade, se um político negro se tornasse
prefeito (Colburn, 2001; Bayor, 2001; Lane, 2001). “Seria o levante dos negros!”. Os
ataques aos candidatos negros colocavam em dúvida sua competência, acusando-os de
serem inexperientes e despreparados para governar a cidades. Outro ataque comum era
estimular o medo entre os brancos de recrudescimento de polarização racial na cidade. A
retórica dos candidatos brancos enfatizava que seus governos eram conduzidos em favor de
todos, enquanto os candidatos negros trabalhariam apenas em prol dos interesses dos
negros.
Na medida em que as candidaturas negras ficaram mais comuns, os apelos raciais
passaram a ser codificados (Colburn, 2001; Streb, 2000). A estratégia dos políticos brancos
era enfraquecer os adversários negros propondo uma agenda com itens racialmente
correlatos, discutindo questões que, regularmente, afligem mais os negros, como por
exemplo: crime, drogas, “sem-tetos” e violência urbana. A idéia que se queria sugerir é que
os políticos negros: ou não teriam isenção para resolver estes problemas, ou dedicariam
demasiada atenção para resolvê-los.
Os candidatos negros também usavam apelos raciais como estratégia eleitoral.
Freqüentemente, eles usavam uma estratégia eleitoral baseada no pragmatismo, bem ao
estilo do marketing político, rechaçando ideologias de protesto racial, separatismo e “black
nacionalism” (Cavanagh, 1983; Colburn, 2001). Sua estratégia principal era des-racializar
as campanhas, especialmente quando estavam discursando para o eleitorado branco ou
concorrendo em cidade majoritariamente branca. Segundo Parker (2001), um caso
exemplar de uso desta estratégia de ‘des-racialização’ da campanha aconteceu nas eleições
para prefeito de Los Angeles, em 1973, quando Tom Bradley, do partido democrata,
tornou-se o primeiro prefeito negro da segunda maior cidade dos Estados Unidos9.
9
- Sem fugir ao padrão do perfil dos prefeitos negros, Thomas Bradley tinha formação em direito e advogou durante um
período até entrar para a Câmara Municipal de Los Angeles, em 1967. Ele tornou-se vereador pelo partido democrata,
depois de ser o primeiro negro a alcançar às altas posições no Departamento de Polícia de Los Angeles (Parker,
2001:155).
15
Parker (2001) analisa que, a eleição de Bradley foi marcante porque Los Angeles
possuía uma população muito heterogênea e os negros constituíam menos de 18% deste
contingente, diferente de outras grandes cidades que elegeram negros como prefeito onde
eles eram maioria ou quase a maioria da população. Isto significa que para se eleger,
Bradley precisou atrair não somente os votos dos negros, mas também uma grande
proporção de eleitores em outros grupos étnicos. Nesse contexto, sua estratégia de
campanha foi encampar um discurso moderado, palatável aos interesses de todos os
segmentos da sociedade. Bradley perdeu a primeira eleição para prefeito em Los Angeles
em 1969, quando enfrentou o prefeito republicano Sam Yorty. Os ataques feitos a Tom
Bradley, na sua primeira disputa para a prefeitura, no calor das mobilizações dos direitos
civis, ameaçaram a população de Los Angeles dizendo que “os militantes viriam e
intimidariam os vereadores... e depois o que poderia a polícia fazer? Como é que eles iram
lidar com os [militantes negros] amigos do prefeito que esta lá para apóia-los” (Parker,
2001:158). (tradução do autor).
Segundo Parker (2001), quando venceu em 1973, Bradley neutralizou os ataques
racistas do seu oponente distanciando-se das questões relacionadas com raça e colocandose como um candidato em favor de toda a cidade. Sua retórica tentava aproximá-lo de
ícones da política americana, particularmente John Kennedy, argumentando que apesar de
católico, o ex-presidente tinha governado em nome de toda a nação, então ele, que por
acaso era negro, iria governar em favor de toda a cidade. Além de tentar vencer as
rejeições de base racial, Bradley teve também que lutar no campo político-ideológico para
vencer as clivagens partidárias. Sua agenda, então, tentou agradar a liberais e
conservadores, falando em lutar contra injustiça e pobreza para os primeiros, e controle da
criminalidade para os segundos. Tratava-se, portanto, de uma estratégia de apelo “crossracial” e “cross-sectional”. Por fim, Bradley recusou-se a ser porta-voz dos interesses dos
negros, postava-se como um político em favor dos interesses de todos, disposto a exercer
uma prática política “color blind” e distante das lideranças da comunidade negra10.
Segundo Parker (2001:154), o ex-prefeito de Los Angeles era signatário da retórica de que
o “sonho americano estava ao alcance de todos, bastando para tanto determinação pessoal”.
10
- Para Parker (2001), uma peça reveladora da sua estratégia de construção de imagem Bradley é uma fotografia na qual
ele aparece na capa de uma revista ne,,,,,gra americana de circulação nacional – numa matéria comemorativa de sua
primeira eleição - tendo ao seu lado os ícones da política americanas como Abrahan Lincoln e John Kennedy.
16
Em seus pronunciamentos de campanha e enquanto prefeito, ele dizia: “Jovens de todas
raças, credos e cores – Eu quero que eles saibam que se eles trabalharem duro, eles podem
vencer. Eles podem olhar para... [mim] e dizer, ‘Se ele pode, eu também posso’” (Tradução
do autor). Proclamando esta retórica, Bradley manteve-se no cargo por cinco mandatos
seguidos, chegando a disputar o governo do estado da Califórnia por duas vezes, na década
de 80 (Pettigrew, & Alston, 1988).
Ao mesmo tempo em que declaravam um discurso des-racializado para a sociedade
mais ampla, os políticos negros congregavam em torno das suas candidaturas para prefeito
solidariedade étnica, mesmo entre segmentos muitas vezes antagônicos em termos políticos
e ideológicos. Eles criavam barreiras simbólicas nas comunidades negras (especialmente as
igrejas), preservando-as como um reduto cativo só para eles. As propagandas dos políticos
negros apelavam aos negros e latinos, como fez David Dinkins em New York, explorando
temas e imagens que preocupavam suas comunidades, discutindo violência policial e
violência contra os negros.
Em situações de acirradas disputas, alguns candidatos negros tentaram usar apelos
raciais para mobilizar o eleitorado afro-americano para vencer seus oponentes, como narra
Colburn (2001:45).
“By the 1990s some black candidates in tight races attempted to
use race overtly to mobilize black voters against their opponents.
In Cleveland, George Forbes, who had almost no support among
whites in the city, sought to use race to undermine the campaign
of his black opponent, Michael White, who had considerable
support in the white community, by referring to him derisively as
‘Whites Mike’ and slumlord. Elihu Harris, the African-American
mayor who faced stiff challenge from a Chinese-American
opponent his 1994 reelection campaign in Oakland, California,
told an audience of black voters, ‘When I see black folks tell me
they´re going to vote for Chinese man, it makes me angry’.
Black must vote for their own people, he insisted”.
Nas campanhas bi-raciais, as retóricas centradas no confronto de alteridade, isto é:
oposição entre “nós” e “eles”, é freqüentemente posta no palco dos debates por diversos
atores. Outro bom exemplo desta retórica é o episódio do discurso do então presidente Bill
Clinton defendendo, emocionadamente, num comício, a reeleição do prefeito de Nova
York, David Dinkins, seu correligionário no Partido Democrata. Ele enfatizava que a
17
batalha de Dinkins era mais difícil porque “muitos de nós estão ainda sem muita disposição
de votar em pessoas que são diferentes de nós” (Biles, 2001:147). Com base no texto de
Biles (2001), sobre a experiência do advogado David Dinkins para tornar-se o primeiro
negro a governar Nova York, podemos observar um outro exemplo de uma disputa eleitoral
na qual a retórica de apelo étnico e racial apresentou-se como arma decisiva.
Segundo Biles (2001), David Dinkins foi eleito prefeito de Nova York em 1989,
com o apoio de uma coalizão inter-étnica composta por negros, latinos e judeus. Muitos
analistas acreditam que a imagem de uma cidade aflita com tensões e conflitos raciais
estimulou os eleitores a escolherem Dinkins para governar a maior cidade americana, que
ostentava, à época, uma população de aproximadamente 7 milhões 300 mil habitantes
(sendo: 42% brancos; 25,2 Negros; 24,3% Latinos, 6,7% Asiáticos, 0,6% de outros grupos).
Surpreendendo os especialistas, Dinkins – que era um bem sucedido advogado de 62 anos,
formado na mais tradicional universidade negra americana, com passagens como deputado
estadual e como coordenador de administração regional do município - venceu as eleições
formando uma coalizão capaz de bater nas primárias democratas o prefeito Ed Kock, que
tentava sua quarta reeleição (1978 a 1990). Depois, com a mesma estratégia, ele derrotou,
nas eleições gerais, o promotor republicano Rudoulf Giuliani, com 51% contra 48% dos
votos, numa das mais acirradas disputas que Nova York já assistiu11.
Segundo Biles (2001:138), “numa cidade assustada pela polarização racial, Dinkins
clamava que era capaz de dispersar esta tensão aparentemente apelando para eleitores de
todas as cores”. Metaforicamente, Dinkins se apresentava quase como um candidato arcoíris, não como um político negro, mas como um político da coalizão (Biles, 2001). Apesar
deste discurso, observa-se que, entre os negros nova-iorquinos, a eleição de Dinkins era
vista como uma vitória particular para eles, pois teriam um negro governando a maior
metrópoles do país. Em sua campanha, Dinkins exaltava a irmandade e cooperação para
resolver os problemas da cidade. No elenco de problemas que aguardava o futuro prefeito
incluía uma cidade atolada em dívidas, problemas fiscais, excesso de funcionários na
11
- Para alguns analistas, a eleição de Dinkins foi um marco na história americana. Primeiro, porque ele conseguiu
compor uma retórica eficiente para uma coalizão onde os negros constituem apenas 25% da população. Segundo, porque
sua experiência também revelou que o problema do político negro não se restringe a dificuldade de acesso aos cargos
executivos, mas também compreende os obstáculos ao exercício de sua administração (Biles, 2001). Biles (2001) sublinha
que além dos obstáculos para dominar estruturas burocráticas vivas e erráticas, máquinas político-partidárias combativas,
lobbies agressivos e grupos de pressões mais vigilantes, os prefeitos negros tem sua administração, ironicamente,
particularmente mais vulnerável quando os incidentes raciais exigem uma resposta sua perante a opinião pública.
18
máquina municipal, confronto com diversos fornecedores de serviços da prefeitura, déficits
habitacionais e precariedade dos serviços de educação e saúde.
Como tem sido visto em campanhas polarizadas envolvendo negros, os ataques a
Dinkins questionavam sua experiência administrativa. Os ataques raciais, realizados de lado
a lado, tentavam ligar a imagem dos candidatos a personagens, notadamente, envolvidos
em práticas racistas. Dessa forma, Dinkins associou a imagem de Rudoulf Giuliani ao líder
da seita racista Ku Klux Klan, enquanto Giuliani tentou ligar a imagem de seu opositor ao
Líder da Nação do Islã, que era famoso por seus discursos anti-semitas. Biles (2001)
observa que, os debates raciais nas campanhas, usualmente, são iniciados (ou melhor,
precipitados) por declarações de políticos ou celebridades com capacidade de atrair a
atenção da mídia. O que se supõe é que isto ocorra porque os candidatos têm receio de
encampar esta discussão, pois sabem que ela sempre se revela muito explosiva e
imprevisível quanto às reações do eleitorado. Assim sendo, observa-se que tem cabido a
mídia americana a iniciativa de agendar as discussões sobre questões raciais nas
campanhas.
Dinkins foi vencido na eleição seguinte por Giuliani, por 50,7% a 48,3% dos votos,
tornando-se o primeiro prefeito negro de grande cidade a perder a reeleição no primeiro
mandato. A principal arma de seu adversário republicano, que ficaria depois famoso,
internacionalmente, por implantar em Nova York uma política de segurança pública de
"tolerância zero ao crime", foi o apelo à “defesa da lei e da ordem” na sua campanha.
Em resumo, tendo em vista o quadro acima descrito é que alguns autores entendem
que raça apresenta-se sempre como um tema de campanha quando temos um candidato
negro concorrendo nas eleições nos Estados Unidos (Pettigrew & Alston, 1988). Como nos
mostra o caso das eleições de Thomas Bradley em Los Angeles e David Dinkins, em Nova
York, vemos então que: primeiro, a presença da questão racial fica aguçada pela sua
ausência; isto é, observa-se a resistência por parte dos candidatos de incluí-la no debate
eleitoral. Segundo, pela maneira subliminar que raça é mencionada, através de palavras
racialmente codificadas e slogans que sugerem idéias de pertencimento a grupos, situações
de descontrole e prenúncio de caos. Terceiro, os candidatos negros são identificados com
figuras de extrema esquerda ou “extremistas” que amedrontavam os brancos. Quarto, é
estimulado reflexões sobre os limites da lealdade partidária e lealdade racial.
19
Embora componha seu modelo com base nas analises de eleições estaduais, existem
autores que defendem a tese que o uso dos apelos raciais nas campanhas depende da
percentagem de negros e de brancos da classe trabalhadora na população (Streb, 2000).
Trata-se da Teoria da Ameaça que defende que quando mais negros existem na população
mais ameaçados os brancos se sentem, gerando tensões que desencadeiam em hostilidade
racial nas campanhas eleitorais. Quando a população negra é menor, os dois partidos
cortejam seus eleitores, conseqüentemente as tensões raciais tendem a ser menores (Streb
(2000). Streb (2000) desenha um modelo que observa mudanças de estratégias de apelo
racial segundo a proporção de negros na população, dividindo-a em pequena (até 10% de
negros), média (10 a 25% de negros) e grande presença (acima de 25%). Segundo ele,
quando a classe trabalhadora branca é pequena e os negros constituem um grupo grande da
população, maiores são as possibilidade dos republicanos fazerem apelos negativos
baseados na raça. Nos estados com menor população negra, os apelos negativos nunca
foram feitos e os candidatos republicanos e democratas cortejaram os eleitores negros com
propostas não racializadas.
3.4 - Plataforma política
O sucesso das campanhas dos prefeitos negros em certa medida é creditado às
características de sua plataforma. Na visão dos analistas, os candidatos negros vitoriosos
foram, freqüentemente, aqueles que construíram plataformas com propostas atrativas aos
eleitores negros e brancos (Colburn, 2001:33). Contudo, Colburn destaca (2001) que esta
não era uma tarefa fácil, pois, no caso americano, questões aparentemente universais
podem ser vistas de maneira diferente por grupos raciais e étnicos distintos, levando, por
conseguinte, também a demandas distintas de cada grupo. Por exemplo, observava-se que
os negros tendiam a simpatizar mais com propostas de construção de moradias, enquanto os
brancos mostravam-se mais acolhedores às propostas de redução de impostos. Nestas
circunstâncias, a estratégia dos prefeitos negros era construir uma plataforma com
propostas centradas em questões econômicas, que tocavam em problemas que afetavam as
grandes cidades daquele período e transcendiam as candidaturas individuais.
Tratava-se, portanto, de uma agenda política que tinha como preocupação central
resolver problemas de desenvolvimento econômico e combate ao crime nas cidades.
20
Propostas de criação de programas de desenvolvimento econômico (revitalização
econômica, atração de empresas, criação de pólos de desenvolvimento, geração de emprego
e combate ao desemprego) foram sempre a primeira questão da agenda. Em segundo lugar
figurava o combate ao crime e as drogas. O pacote de propostas se completava com
promessas de investimento nas escolas públicas, revitalização urbana, moradia e transporte.
Nota-se que o objetivo da plataforma era apelar quase universalmente ao eleitorado da
cidade, pois compreendia temas de interesse de vários segmentos, independente da raça,
gênero ou classe social.
Para Colburn (2001), como a crise sócio-econômica das cidades médias e grandes
americanas neste período dos anos 70 e 80 revelava um quadro de imensa depressão,
mesmo segmentos da elite branca pesavam que um prefeito negro pudesse ao menos
resolver os problemas de criminalidade e drogas que as cidades enfrentavam. Confiava-se
que os lideres negros pudessem melhor negociar com os negros e com a “underclass”
urbana em geral, controlando, assim, os protestos raciais e criminalidade. Segundo este
autor, tal quadro tem levado alguns analistas a defender que o sucesso das campanhas dos
políticos negros seria fruto, de um lado, do apoio do eleitorado negro, de outro lado, da
resignação do eleitorado branco que se sentiu desesperado diante do caos que se abatia
sobre as cidades. Contudo, Colburn questiona a acuidade desta interpretação, argumentando
que os políticos negros também conseguiram se eleger em cidades prósperas onde as
propostas políticas prometiam gerar mais desenvolvimento e diversidade econômica.
4- Considerações finais
Dentre tanto fatores que influenciam os resultados de eleições, três fatores
principais parecem ter contribuído para a eleição dos prefeitos negros nos Estados Unidos:
as atitudes raciais, a situação política e a escolha de uma estratégia da campanha
apropriada. O painel descrito pelos autores resenhados neste artigo revela que os políticos
negros americanos foram, constantemente, desafiados a suprir as expectativas dos eleitores
negros e a vencer as desconfianças e rejeições dos eleitores brancos. As evidências
levantadas por vários destes autores mostram que a solidariedade racial esta na base do
sucesso das candidaturas negras a prefeito. Neste sentido, pode-se observar a existência de
uma relação positiva entre a proporção maior de negros na população e o sucesso eleitoral
dos políticos negros. Contudo, dada a diversidade étnica presente na maioria das cidades
21
americanas, o sucesso dos candidatos a prefeitos negros também dependeu,
substantivamente, da capacidade dos líderes negros de construir alianças inter-étnicas.
Os obstáculos postos a primeira eleição dos prefeitos negros incluíram a resistência
dos partidos (democratas e republicanos) de apoiar um candidato negro, a hostilidade dos
empresários para financiar campanhas, as pressões das comunidades negras para ver suas
demandas pontuadas na plataforma dos candidatos e o racismo. Os analistas destacam,
ainda, a influência da cultura política de cada local como elemento definidor do acesso dos
negros aos cargos executivos municipais nos Estados Unidos. Um ponto comumente
enfrentado pelos políticos negros em suas campanhas foi a resistência e a oposição das
elites políticas e às clivagens raciais.
A experiência americana revelou que raça apresentou-se sempre como um tema de
campanha quando se apresentava um candidato negro concorrendo nas eleições municipais
em cidades marcadas por histórico de relações raciais tensas e desiguais (Pettigrew &
Alston, 1988). Vimos que o apelo racial tendeu a configura-se como uma arma estratégica
usada tanto por candidatos negros, quanto por seus adversários, quando se disputava
corridas eleitorais bi-raciais.
Usualmente, a estratégia de luta dos desafiantes brancos tem procurado provocar a
emergência de estereótipos raciais arraigados na sociedade como parâmetros para
julgamento da qualidade dos candidatos. Devido à etiqueta social de fraternidade e valores
democráticos, os ataque raciais diretos tem se mostrados inapropriados para conquistar o
eleitorado. Assim sendo, a desqualificação da competência política e técnica dos candidatos
negros caracteriza-se como o principal ataque. A segunda ofensiva consiste em forçar uma
agenda eleitoral de temas “racializados”, cujos problemas e soluções envolvam a
comunidade negra, tais como: criminalidade, seguridade social, drogas, política de
habitação, ação afirmativa, etc. Neste sentido, a ênfase em discutir questões de “lei e
ordem” é disparado o principal tema das campanhas dos políticos brancos para mobilizar o
apoio dos eleitores brancos, como ilustra o confronto entre Rudoulf Giuliani e David
Dinkins nas disputas pela prefeitura da cidade de Nova York, em 1989 e 1993.
Ironicamente, observa-se que a estratégia de des-racializar as campanhas bi-raciais
termina por lançar mais luz sobre o significado da raça nas eleições e na avaliação dos
candidatos. O ponto central da estratégia da des-racialização é tentar dificultar que os
22
eleitores se orientem por estereótipos raciais negativos contra os negros na hora de
escolherem seus candidatos, como também de não provocar hostilidade racial entre os
eleitores. Em síntese, esta estratégia pressupõe que para se eleger é necessário não enfatizar
questões raciais. E sua premissa fundamental é que no jogo das eleições, o apelo racial é
uma carta jogada com bastante cuidado.
Como toda estratégia de planejamento de ação, esta também envolve dilemas sobre
quando e como usá-la. Alguns analistas acreditam que nem sempre a des-racialização é a
melhor estratégia, pois da mesma forma que os apelos raciais podem provocar reações
dos eleitores mais racistas, esta estratégia também pode motivar o apoio dos eleitores
simpáticos as causas dos negros. Já entre aquelas pessoas sem intenso envolvimento com a
questão racial, a raça do candidato tem pouca importância na sua avaliação. Os efeitos dos
apelos da des-racialização dependem da distribuição das atitudes raciais no eleitorado. Em
colégios eleitorais onde se cultivam maciçamente valores democráticos e onde se criticam
as desigualdades raciais e onde os negros são minoria, os apelos a políticas públicas
racialmente orientadas para corrigir estas desigualdades podem ser eficientes.
Sobre a relação entre comunicação e política nesta disputas, observa-se que a
quantidade (e qualidade) de informação lançada no ambiente eleitoral sobre questões
raciais tem importante papel nas eleições. É observado que o volume de debate sobre
questões raciais tem possibilidade de influenciar a maneira como os candidatos negros são
avaliados pelos eleitores brancos (Johnson & Holbrook, 2001). Neste contexto, a mídia tem
sido o principal agente à chamar atenção sobre a questão racial nos pleitos, caracterizandose, inclusive, por destacar nas suas matérias a origem racial dos candidatos, sobretudo
quando eles são negros (Streb, 2000). Dessa forma, pode-se observar que a natureza do
tratamento que a mídia dedica aos candidatos negros tem sido, em certa medida, o fiel
da balança em muitos pleitos, porquanto ela pode estimular tanto as clivagens raciais,
quanto endossar as candidaturas negras (Jamieson, 1992; Streb, 2000).
As interpretações divergem quando elas procuram conceituar as relações entre raça
e política nos Estados Unidos atualmente. De um lado, ver-se estudiosos que afirmam que o
padrão de votação continua a ser fortemente influenciado pelo fator racial. De outro lado,
existem outros que defendem que o peso da variável racial tem diminuído no jogo eleitoral
e que fatores mais intrínsecos a política como: identidade partidária, qualidade dos
23
candidatos e natureza das propostas, tem tido papéis mais centrais. Contudo poucos negam
que os apelos raciais mantêm-se como uma arma poderosa nas campanhas, especialmente
nas grandes cidades. Observa-se, inclusive, que o padrão de votação dos candidatos negros
tende a variar segundo o tamanho da cidade. Cidades de porte médio e aquelas localizadas
na região sul dos Estados Unidos, conhecida como “Cinturão do Sol”, experimentam menor
polarização racial, ao passo que nas grandes cidades a polarização se revela ainda acirrada
(Colburn, 2001).
Ao final, depois de observarmos este breve painel sobre a emergência dos prefeitos
negros americanos, pode-se concluir que para compreendermos melhor os fatores que
contribuíram para o sucesso destas candidaturas faz-se necessário observarmos um
conjunto amplo de variáveis, muitas delas comuns a qualquer corrida eleitoral, outras
exclusivas às eleições que envolvem políticos negros. Assim sendo, nota-se que o sucesso
do candidato negro dependeu: do cargo em disputa, do partido político pelo qual concorreu,
da cultura política local, da conjuntura política, da extensão das alianças políticas e
partidárias aliadas a sua candidatura, dos recursos econômicos do candidato para a
campanha, dos recursos de comunicação e propaganda disponíveis ao candidato, das
estratégias de campanha do candidato, do tratamento dados pela mídia à questão racial e ao
candidato, da natureza da participação das organizações negras na sociedade e na
campanha, e, finalmente, do padrão cultural de relações inter-raciais na sociedade local e
nacional. Talvez por que envolva tantas variáveis tem sido difícil, seja lá nos Estados
Unidos seja no Brasil, prever o que acontece quando este cavalo negro entra na corrida
eleitoral.
.
24
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26
ANEXOS
Tabela 1. Cidades governadas por prefeitos negros com população maior que 50
mil/habitantes, 1968-96.
Cidade
Prefeito
Tempo de mandato
Ann Arbor, Mich.
Albert Wheeler
1975-78
Atlanta, Ga
Maynard Jackson
Andrew Young
Bill Campbell
1974-82, 1990-94
1982-90
1994-
Baltimore, Md.
Kurt Scmoke
1987-
Berkeley, Calif.
Warren Widner
Gus Newsport
1971-79
1980-88
Birmingham, N.C.
Richard Arrington
1979-95
Camden, N.J.
Melvin Primas
Aaron Thompson
1981-89
1990-
Charlotte, N.C.
Harvey Gantt
1983-87
Chicago, Ill
Harold Washington
1983-90
Cleveland, Ohio
Carl Stokes
R. Michael White
1967-72
1990-
Compton, Calif.
Doris Ann Lewis
Davis Walter Tucker
1973-77
1987-93
Dallas, Tex.
Ron Kirk
1996-
Dayton, Ohio
James Howell McGee
Richard Dixon
1970-82
1987-
Denver, Colo.
Wellington Webb
1991-
Detroit, Mich.
Coleman Young
Dennis Archer
1973-93
1994
Durham, N.C.
Chester Jenkins
1989-91
East Orange, N.J.
William Hart
Thomas Cooke Jr.
John Hatcher Jr.
Cardell Cooper
James Estel Wiliams Sr.
William Edegar mason Sr
Carl Officer
Gordon Bush
James Sharper Jr.
1971-79
1979-83
1983-91
1991-95
1971-75
1975-79
1979-91
19911983-87
Gary, Ind.
Richard Hatcher
Thomas Barnes
1966-87
1988-95
Grand Rapids, Mich
Lyman parks
1971-75
Hartford, Conn.
Thurman Milner
Carrie Saxon Perry
1981-87
1987-93
Inglewood, Calif.
Edward Vicent
1983-95
Kansas City, Mo
Emmanuel Cleaver
1991-
Los Angeles, Calif
Thomas Bradley
1973-93
Memphis, Tenn.
W.W. Herenton
1991-
East St. Louis, Ill.
Flint, Mich.
27
Minneapolis, Minn
Sharon Sayles Belton
1994
Mt. Vernon, N.Y.
Ronald Blackwood
1981-
Newark, N.J.
Kenneth Gibson
Sharpe James
John Daniels
1970-86
1986-94
1990-
Ernest Morial
Sidney Barthelemy
Marc Morial
David Dikins
1978-86
1986-94
19941990-94
Oakland, Calif.
Lionel Wilson
Elihu Harris
1977-90
1990-94
Philadelphia, Pa.
Wilson Goode
1984-92
Pontiac, Mich.
Wallace Holland
Walter Moore
1974-86
1986-96
Portsmouth, Va.
James Holley III
1984-88
Raleigh, N.C.
Clarence Lightner
1973-75
Roanoke, N.Y.
Noel Tayler
1975-92
Rochester, N.Y.
William Johnson
1994-
Rockford, Ill
Charles Box
1990-93
Seattle, Wash.
Norman Rice
1989-97
Spokane, Wash.
James Chase
1991-85
St. Louis, Mo
Freeman Bosley
1993-97
Trenton, N.J.
Douglas Palmer
1990-
Washington, D.C.
Walter Washington
Marrion Barry
Sharon Pratt Kelly
1974-79
1980-90, 1994-98
1990-94
New Haven, Conn.
New Orleans, La.
New York, N.Y.
Fonte: Colburn, David (2001) Running for Office: African-American Mayor from 1967 to 1996. AfricanAmerican Mayor: Race, Politics and the American City. Chicago: University of Illinois Press. Pp. 25-26
28
Tabela 2. Cidades governadas por prefeitos negros, 1970-1990
População (1000s)
Cidade
Ann Arbor, Mich
Atlanta, Ga
Baltimore, Md
Berkeley, Ca
Birmingham, Ala
Camden, N.J.
Charlotte, N.C.
Chicago, Ill
Cleveland, Oh
Compton, Calif
Dallas, Tex.
Dayton, Ohio
Detroit, Mich.
Durham, N.C.
East Orange, N.J.
East St. Louis, Ill.
Flint, Mich.
Gary, Ind
Grand Rapids, Mich.
Hartford, Conn.
Inglewood, Calif.
Kansas City, Mo.
Los Angeles, Ca
Memphis, Tenn.
Minneapolis, Minn.
Mt Vernon, N.Y.
Newark, N.J.
New Haven, Conn.
New Orleans, La.
New York, N.Y.
Oakland, Calif.
Philadelphia, Pa.
Pontiac, Mich.
Portsmouth, Va.
Raleigh, N.C.
Roanoke, Va.
Rochester, N.Y.
Rockford, Ill.
Seattle, Wash
Spokane, Wash.
St. Louis, Mo.
Trenton, N.J.
Washington, D.C.
Afro-Americanos (%)
1970
1980
1990
1970
1980
1990
100
495
906
114
301
103
241
3400
751
79
844
243
1500
95
75
70
193
175
198
158
90
507
2800
624
434
73
382
138
593
7900
362
1900
85
111
123
92
295
147
531
171
622
105
757
108
425
787
103
284
85
315
3000
574
81
905
194
1200
101
78
55
160
152
182
136
94
448
2900
646
371
67
329
126
558
7000
339
1700
77
105
150
100
242
135
494
171
453
92
630
110
394
736
103
265
87
396
2700
506
90
1000
182
1000
137
74
41
141
117
189
140
110
435
3500
619
368
67
275
130
497
7300
372
1600
71
104
212
96
230
140
516
177
397
89
607
7
51
46
24
42
40
30
33
38
74
25
31
44
39
54
69
28
53
11
28
14
22
18
39
4
36
54
26
45
21
35
34
28
40
23
19
17
9
7
1
41
38
71
9
67
55
20
56
53
31
40
44
75
29
37
63
47
83
96
41
71
16
34
57
27
17
48
8
49
58
32
55
25
47
38
37
45
28
22
26
13
10
2
46
45
70
9
67
59
19
63
56
32
39
47
55
30
40
76
46
90
98
48
81
19
39
52
30
14
55
22
55
59
36
62
29
44
40
42
47
28
24
32
15
10
2
51
49
66
Fonte: Colburn, David (2001) Running for Office: African-American Mayor from 1967 to 1996. In AfricanAmerican Mayor: Race, Politics and the American City. Chicago: University of Illinois Press. Pp. 35
29

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