Marcos Vinicio Araujo Junior Maressa Priscila Daga de Souza Carla

Transcrição

Marcos Vinicio Araujo Junior Maressa Priscila Daga de Souza Carla
Marcos Vinicio Araujo Junior 1
Maressa Priscila Daga de Souza 2
Carla Roberto Ferraz Rodrigues 3
1- Marcos Vinicio Araujo Junior, Enfermeiro. Egresso da Faculdade Federal do
Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, Residente Multiprofissional em Saúde
da Família pela Faculdade Santa Marcelina – FASM – SP. E-mail:
[email protected]
2- Maressa Priscila Daga de Souza Ribeiro, Mestre em Saúde Pública,
preceptora da Residência Multiprofissional em Saúde da Família - FASM.
3- Carla Roberto Ferraz Rodrigues, Doutora em Enfermagem, docente da
Faculdade Santa Marcelina e coordenadora da Residência Multiprofissional
em Saúde da Família - FASM.
Quantificar e planejar: avaliação da “demanda espontânea” em uma unidade
básica em São Paulo.
Quantify and plan: assessment of "spontaneous" in a basic unit in São Paulo.
Avaliação da “demanda eventual”.
RESUMO:
Este estudo objetivou quantificar e classificar a “demanda eventual” de uma
unidade básica de saúde com Estratégia da saúde da Família (ESF), localizada na Zona
Leste de São Paulo, especificamente na Cidade Tiradentes, por um período de doze
meses, observando seu comportamento. Trata-se de uma pesquisa quantitativa,
retrospectiva documental, na qual analisamos as planilhas utilizadas pela instituição
para lançar os atendimentos de livre demanda. Computamos um total de 7.756
atendimentos que não foram agendados. Identificamos as queixas de maior expressão
numéricas, as queixas que apresentam influências sazonais e as que se mantém
constantes. Mostrando a necessidade de repensar as formas de atendimentos,
agendamentos, processos de trabalho e a precisão de realizar planejamentos partindo
dos conhecimentos loco – regionais.
SUMMARY:
This study aimed to quantify and classify the "potencial demand" for a basic
health unit with the Family Health Strategy (FHS), located on the East Side of São
Paulo, specifically at Cidade Tiradentes, for a period of twelve months, observing their
behavior. It is a quantitative, retrospective documentary, in which we analyzed the
spreadsheets used by the institution to launch emergency care to demand. Computed a
total of 7,756 calls that were not scheduled. We identify the numerical expression
biggest complaints, that have seasonal influences and which remains Constant, showing
the need to rethink ways of appointments, schedules, work processes, precision and
planning to make use of the knowledge loco - regional.
Palavras-Chaves: Necessidades e Demandas de Serviços de Saúde; Saúde da
Família; Atenção primária à saúde.
Key Words: Health Services Needs and Demand; Family Health; Primary Health
Care
INTRODUÇÃO
O modelo de assistência à saúde, anterior à criação do SUS, caracterizava-se
como curativo, discriminatório e mercantilista, com assistência hospitalocêntrica e
médico – centrada16. A utilização dos recursos tecnológicos era feita de forma
irracional, não existia planejamento prévio de suas ações e seu funcionamento dependia
de que os usuários procurassem o serviço por “livre iniciativa”, ou seja, suas ações
estavam diretamente relacionadas ao grau de conhecimento e/ou sofrimento de cada
indivíduo, reforçando a atitude de só procurar o serviço de saúde quando este se sentir
doente11, formando a “demanda espontânea”. O modelo médico assistencial privatista
não se encontra organizado para atender as reais necessidades da população e é incapaz
de alterar significativamente os níveis de saúde da mesma7.
Durante a reforma sanitária houve a criação do Sistema Único de Saúde (SUS),
considerado o responsável pelo rompimento com o modelo até então vigente de atenção
à saúde16. Contudo, apesar das mudanças resultantes da implantação do SUS, o modelo
médico assistencial privatista/ “tradicional” ainda predomina. A transição para a
proposta do SUS tem demonstrado conflitos entre as propostas do modelo e os
interesses dos usuários. O modelo proposto é representado pela figura clássica de
pirâmide, com ampla base representando a Atenção Básica, a parte intermediária os
serviços secundários e o topo os serviços de maior complexidade. Este modelo tem
como motivação a tentativa de racionalizar e ordenar o fluxo, oferecendo a assistência
nos espaços adequados para cada nível de complexidade do sistema de saúde2.
Atualmente a AB é considerada a coluna da organização do sistema tecnoassistencial no Brasil, e o Programa da Saúde da Família é estratégia prioritária para sua
organização. Teve início em 1994 e, devido aos incentivos do Ministério da Saúde,
houve a adesão por parte dos gestores estaduais e municipais. É elementar para a
assistência atual. Abalizada na Política Nacional de Atenção Básica, a Estratégia Saúde
da Família (ESF) tem como especificidade atuar no território realizando cadastro
domiciliar, realizar diagnóstico situacional procurando proporcionar ações a partir da
realidade local, oferecer assistência integral e contínua, elaborar ações planejadas com
foco na família e comunidade, desempenhar ações interinstitucionais e oferecer espaço
de construção da cidadania6.
A Unidade Básica de Saúde que será “palco” do estudo é conhecida pelos
profissionais como uma unidade com altos números de “demanda Eventual”. Esta
característica ocasionou o surgimento de uma hipótese durante as atividades práticas da
Residência Multiprofissional: que a demanda espontânea poderia dificultar o
funcionamento pleno da ESF. A forma como a “demanda eventual” é tratada continua a
perpetuar o modelo médico centrado, curativista e individual, num primeiro momento
mostrando o não planejamento prévio.
É de extrema importância conhecer, entender e planejar. Uma vez que
identificamos um problema que influencia o funcionamento da ESF, devemos
problematizar nossas ações e organizar o serviço para conseguir suprir e/ou atender de
forma mais eficaz, evitando grandes transtornos para o funcionamento do restante das
atividades da unidade. O planejamento do processo de trabalho deve ser feito
localmente e com máxima resolutividade possível, pautado nas necessidades da
população. O trabalho em saúde não se realiza sobre coisas ou objetos, e sim sobre
pessoas, com base numa intersecção partilhada entre usuários e o profissional, no qual o
primeiro é parte do processo10. Diante do exposto, este estudo tem como objetivo
quantificar e classificar a “demanda eventual”, avaliando seu comportamento anual.
MATERIAL E METODOLOGIA
Trata-se de um estudo quantitativo, retrospectivo documental3, por um período
de 12 meses. A unidade básica de saúde (UBS) fica localizada no extremo da Zona
Leste de São Paulo, mais especificamente no distrito de Cidade Tiradentes, com uma
área de 15.12 km² e uma população estimada de 204.007.000 em 20088. Depara-se com
isolamento geográfico, o qual se apresenta como barreira para os usuários buscarem
atendimentos em outros níveis do sistema. O hospital de referência localiza-se a 5 km e
necessita de no mínimo 40 minutos de transporte público. O serviço de pronto
atendimento mais próximo é uma AMA, localizada a 3 km - tempo previsto de
locomoção com transporte público: 30 minutos4.
A UBS possui três equipes nucleares, duas equipes de saúde bucal e o Núcleo de
Apoio à Saúde da Família (NASF). Sua área de abrangência fica responsável por 3.089
famílias, com total de 11.584 usuários14. A fim de caracterizar a demanda foram
levantados dados relacionados às idades, o sexo e as queixas dos munícipes no
momento da procura por atendimento, por livre iniciativa. A extensão da amostra será
delimitada pelo período de um ano, de setembro de 2009 à setembro de 2010. Este
período foi selecionado para abranger possíveis variações e influências sobre o
comportamento da “demanda espontânea” e apresentar uma amostragem significante.
Os dados são secundários, uma vez que a coleta foi realizada pelas auxiliares de
enfermagem, responsáveis pelo preenchimento das planilhas de registro da “demanda
eventual”. Tal planilha é instrumento utilizado cotidianamente na unidade básica com a
intenção de registro e controle dos profissionais durante os atendimentos, e são
utilizadas para lançar a produção dos médicos e enfermeiros que realizam o atendimento
da “demanda eventual”. Os dados foram compilados e classificados, em seguida
dispostos em gráficos descritivos e descrições tabulares. A distribuição temporal foi
realizada em ciclos mensais do dia 21 ao dia 20 por 12 meses, visto que os fechamentos
dos dados de produção obedecem a esse período.
A classificação das queixas visa facilitar a visualização dos dados, uma vez que
apresentaram grande variedade, houve a necessidade de em agrupa-lás em classes. Estas
foram agrupadas conforme suas expressões numéricas, durante análise dos dados,
permitindo a obtenção das seguintes classes: sistemas respiratório, urinário,
ginecológico, tegumentar, circulatório (pressão arterial alterada), digestivo e também
glicemia alterada, dores crônias e agudas, temperatura corpórea alterada, acidentes,
demanda eventual esperada e outras. Para melhor exemplificação as classes de queixas
podemos observar a seguir:
1- Queixas respiratórias: tosse, resfriado, bronquite, sinusite, rinite, falta de ar,
asma, peito cheio, coriza, apnéia.
2- Queixas tegumentares: Prurido, alergias, dermatites, varicela, lesões
cutâneas, furúnculo, manchas, micoses, calos, hematomas, verrugas, unha
encravada, pele ressecada,
3- Queixas ginecológicas: Prurido vaginal, corrimentos, aumento do fluxo
menstrual, queixas após coleta de papa.
4- Queixas digestivas: diarréias, vômito, cólicas, queimação, hemorróida,
prurido anal.
5- Queixas urinárias: disúria, crise renal, hematúria e infecção.
6- Queixas relacionadas à dores crônicas e agudas: articulações, baixo ventre,
perna, otalgia, corpo, pescoço, pé, abdômen, joelho, cefaléia, garganta,
muscular, tornozelo, coluna, mamas, lombar, braço, otite, peito.
7- Acidentes: cão, rato, contusão, luxação, queda, corte, queimadura, engasgo,
picada de insetos, choque elétrico.
8- Outros: Mal estar, desmaio, tonturas, sangramento, choro, edema, verminose,
diminuição da acuidade auditiva, tendinite, amigdalite, ronco, diminuição do
apetite, crise renal, anemia, fraqueza, rouquidão, cãibra, edemas, monilíase,
ulcera, DST, suspeita de hepatite, reação vacinal, alopecia, irritação ocular,
dificuldade para amamentar, desmaio, convolações, nódulos palpáveis, etc.
9- Demanda eventual esperada: Teste de gravidez, curativos, cauterizações,
troca de receitas, condutas que não necessitaram do enfermeiro ou medico.
Para classificação das idades, nos espelhamos no Sistema de Informação da
Atenção Básica (SIAB), dividindo em menores de um ano e maiores de sessenta anos.
As outras faixas etárias foram agrupadas em intervalos de dez anos.
O estudo foi aprovado em julho de 2011 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (CEP/SMS-SP). O acesso aos dados foi
autorizado pela gerente da unidade e a Organização Social Santa Marcelina. Os dados
que tivemos contatos não possibilitavam a identificação do munícipe, resguardando a
confidenciabilidade e a privacidade.
RESULTADOS
Entre 21/09/09 a 20/09/10, houve um total de 7.756 atendimentos em “livre
demanda”, deste total, 262 (3,3%), não foram contabilizados, uma vez que representam
lançamentos errados e ilegíveis. Desta forma, consideramos 7.494 nosso número total
de atendimentos no ciclo de 12 meses. Com a classificação das queixas, observamos
que as de maior expressão numérica são as respiratórias, com 1.806 (24%), e as dores
crônicas e agudas com 1.621(21,6%), seguida pela demanda eventual esperada, com
1.279 (17%), queixas relacionadas ao sistema tegumentar com 522 (7,5%) e sistema
digestivo com 395 (5,2%), todos, responsáveis por 75% dos atendimentos no período.
Os outros 25% estão distribuídos nos demais tipos de queixas, uma vez que apresentam
grande variedade de queixas e baixa expressão numérica. Contabilizou-se os gêneros
que procuraram o atendimento, expondo a predominância do sexo feminino com 4.693
(62,6%) frente aos 2.801 (37,3%) do sexo masculino (Gráfico 1).
Em meio às queixas relacionadas ao sistema respiratório, a tosse é a principal
queixa com 68%, seguida dos resfriados e bronquites com 9% cada e a falta de ar com
6%. Em dores crônicas e agudas o item de maior índice é a dor de garganta
representando 25% dos atendimentos, cefaléia com 19%, dores não específicas com
10%, otalgia e dores na coluna/costas com 7%. O trabalho propende a identificar e
caracterizar a “demanda eventual”, por este motivo se ressaltará os números de maior
expressão.
Utilizou-se também a variável idade empregando o padrão do SIAB para realizar
seu agrupamento. Como resultado, menores de 1 ano ocuparam 4,9% do total da
demanda eventual, 1-9 anos 18,7%, 10-19 anos 23,68%, 20-39 anos 18,4%, 40-49 anos
5,9%, 50-59 anos 24,4% e os maiores de 60 anos com 3,7% (Gráfico 2).
Sistema Respiratório
Dores agudas e crônicas
Demanda eventual esperada
Sistema Tegumentar
Alteração Temperatura Corpórea
Sistema Digestivo
Pressão arterial alterada
Ginecológicas
Glicemia Alterada
Sistema Urinário
Acidentes
Outros
Masculino
Feminino
0
1000
2000
3000
4000
5000
Gráfico 1. Dados Gerais do periodo de 21/09/09 a 20/09/2010
30,00%
25,00%
20,00%
15,00%
10,00%
5,00%
0,00%
Série1
<1a
1-9a
10-19a
20-39a
40-49a
50-59a
>60
4,90%
18,70%
23,60%
18,40%
5,90%
24,40%
3,70%
Gráfico 2: Distribuição por faixa etária da Demanda Eventual.
DISCUSSÃO
A ação de procurar uma unidade de saúde, quando o usuário decide que é
necessário procurar o serviço, é considerada como “demanda espontânea” ou “demanda
eventual”. A “chave” para começar a compreender a “demanda espontânea” está na
discussão de acesso e acessibilidade. Acessibilidade se refere às características do
serviço e dos recursos de saúde que facilitam ou limitam seu uso por potenciais
usuários, oferecendo ferramentas para explicar as variações no uso de serviço de saúde.
Encontramos duas dimensões da acessibilidade: primeiro a sócio organizacional,
relacionado a serviço ofertado e a segunda dimensão são os aspectos geográficos que
obstruem ou aumentam a capacidade de uso do serviço15.
No conceito de acesso podemos citar algumas dimensões como:
- disponibilidade de serviço em relação à necessidade apresentada;
- acessibilidade caracterizada aqui como adequação da distribuição geográfica dos
serviços e o usuário;
- acolhimento, organização para receber o usuário;
- aceitabilidade e atitude das pessoas e dos profissionais de saúde em relação às
características e práticas comuns15.
As razões que influenciam a procura e o acesso ao serviço de saúde são: a
dificuldade de deslocamento, utilização de transporte motorizado ou gasto de dinheiro
no transporte, procurar sempre o serviço perto de casa e o número de vezes que se vai
até a unidade para conseguir uma consulta12.
Uma característica da unidade básica relacionada ao estudo é referente à sua
geografia e serviços ofertados. A mesma encontra-se na divisa dos municípios de São
Paulo-SP e Ferraz de Vasconcelos-SP, proporcionando uma demanda expressiva, porém
não contabilizada fora de sua área de cobertura. Como citado anteriormente, o serviço
mais próximo fica há 30 minutos via transporte público, o qual já mostra três influências
importantes na procura do serviço de saúde: dificuldade de deslocamento, utilização de
transporte motorizado e gasto de dinheiro no transporte.
O documento norteador elucida o compromisso das unidades básicas de saúde e
serve como apoio para organizar o trabalho dos profissionais. Partindo deste
documento, uma equipe completa, teoricamente, deveria ofertar 1.968 consultas
eventuais/ano, realizadas por profissionais graduados. Desta forma uma Unidade
Básica, com três equipes, ofereceria 5.904 consultas eventuais/ano. (TABELA 1)9.
Tabela 1. Demonstrativo de consultas /Mês para Enfermeiros e Médicos
Colunas1
Enfermeiro Medico
Consultas para demanda eventual / semanal
16
25
Consultas para demanda eventual / mês
64
100
Consultas para demanda eventual / ano
768
1200
Consultas para demanda eventual/ano em Três equipes
2.304
3.600
Total de consultas para demanda eventual realizadas
5.904
Deste total de consultas, não estão contabilizados os agendamentos prioritários,
desta forma, observamos que o total de atendimentos eventuais contabilizados durante o
estudo, ou seja, 7.494, extrapola em 1.590 os atendimentos propostos pelo documento
norteador, valor que se aproxima ao número de consultas de uma equipe anualmente.
Contudo estes valores apresentam limitações e influências de diversos fatores, como a
disponibilidades de recursos materiais, humanos, tecnológicos, financeiros, geográficos
e de busca de atendimento pela população adscrita, que tem influência direta no
rendimento do profissional, nas faltas dos agendamentos prioritários, ausências, faltas,
flexibilizações, horas extras e feriados.
A ESF é considerada a porta de entrada no sistema de saúde, porém, estudiosos
demonstram que existe uma inconsistência neste modelo, no sentido de pretende realizar
ações individuais e coletivas de forma integral e plena. Após quase duas décadas da
implantação da ESF, ainda, encontramos divergências na atuação do modelo. Parece
haver uma subversão da proposta da ESF, as quais podem elucidar com a definição de
duas visões deste modelo. A primeira quase “purista” em que as ações são, na grande
maioria, de promoção da saúde e prevenção das doenças, com as práticas orientadas
pelo saber epidemiológico e dedicado a fazer vigilância em saúde. A segunda visão,
mais “realista”, em que a ESF tem que se comprometer com a necessidade de “não
deixar ninguém sem atendimento” e amoldar o processo de trabalho para atender suas
demandas2.
Partindo da suposição da sobrecarga na ESF, devemos compreender que o
modelo relaciona-se com muitos espaços micro políticos e de organização em saúde,
portanto somente a sigla PSF não significa necessariamente mudança nem o exclusivo
modelo de fazer saúde13. Desta forma observamos que o modelo assistencial apresenta
grandes influências na “demanda eventual”, por apresentar um processo dicotômico no
atendimento da população, ou seja, apresenta uma inconsistência na tentativa de incluir
o atendimento integral e coletivo em sua plenitude.
Referente às queixas de maior expressão numérica, e que demonstram
influenciar diretamente os números totais da demanda eventual, ressalta-se que as
queixas relacionadas a dores crônicas e agudas apresentam uma constância no ano
(Gráfico3), apresentando uma média de 135 atendimentos/mês, indicando a necessidade
de planejamento das equipes a fim de abarcar essa demanda ou de promover ações que
visem sua diminuição. Nos casos de dores crônicas pode-se pensar na possibilidade de
ofertar consultas mais elaboradas para investigações diagnósticas e, articular esta
demanda com o NASF, a fim de incluir e/ou elaborar estratégias de alívio da dor
crônica, mudando o foco do pensamento do efeito da dor para sua causa.
900
800
700
600
500
400
300
200
100
Sistema Respiratório
Dores Agudas e Crônicas
Total
0
Gráfico 3. Distribuição Sazonal da "Livre Demanda" no período de 21/09/209 a
20/09/2010
Com a tenacidade das queixas, devemos vislumbrar a necessidade de mudanças
na agenda dos profissionais de forma a englobar a “demanda eventual”, sendo
importante manter as vagas direcionadas às “prioridades”, consideramos atendimentos
prioritários as ações programáticas preconizadas pelo ministério da saúde. Entretanto,
deve-se pensar em possibilitar o acesso para as “não prioridades” a fim de evitar o
atendimento de queixa conduta sem análise efetiva das causas, possibilitando a
utilização integral do espaço da “demanda eventual” possibilitando a mudança de
paradigma na tentativa de aumentar a resolutividade e diminuir futuros retornos. Evitar
o agendamento “cego”, realizado sem parâmetros e automaticamente. Acreditamos que
os agendamentos devem ser organizados e administrados pela equipe, com discussão,
flexibilidade e agendamento após escuta, evitando burocracias administrativas e
procurando espaço na agenda para as verdadeiras prioridades.
As prioridades podem apresentar mudanças no seu eixo em determinados
períodos. Podemos exemplificar as queixas relacionadas ao sistema respiratório
(Gráfico 3), que duplicam seus valores no intervalo de 21/02/10 a 20/06/10.
Observarmos que na transição do verão para o outono, de 20/02/10 a 20/03/10, os
números se duplicam, permanecendo até o final do outono (20/06/10). O outono no
hemisfério sul inicia-se após o verão, de 22 de março até 20 junho, aproximadamente, e
tem como característica a mudança brusca de temperatura, juntamente com a baixa
umidade do ar1, podendo favorecer o aparecimento de patologias respiratórias.
Conseguimos identificar um fator de risco relacionado a mudanças do tempo,
desta forma devemos incorporar a noção de “risco” e buscar identificar os “fatores de
risco” envolvidos da determinação de doenças, e assim diminuir seus impactos7.
Devemos utilizar a prevenção, promoção e a educação permanente para usuários e
profissionais, os preparando para tais mudanças no perfil epidemiológico, nos
organizando para atendê-los. Podemos pensar no fortalecimento e valorização das
orientações casa a casa, com a intenção de preparar essa população para identificar
fatores de riscos, e ofertar o conhecimento e instrumentos para amenizá-los. E durantes
os períodos de maior risco, preparar as unidades e profissionais para ofertarem o serviço
de forma estruturada.
Na Gráfico 1 conseguimos identificar a predominância do sexo feminino: 62,6%
frente aos 37,3% masculino. As diferenças entre os sexos e a morbidade apresentam
grandes complexidades e variam de acordo com os sintomas apresentados e a fase do
ciclo de vida. As descobertas não são únicas, porém a diferença de sexo no uso do
serviço de saúde é consistente e predominante nas literaturas da última década. Mesmo
havendo estudos mostrando que as mulheres vivem mais que os homens, estas
apresentam maior número de morbidades e problemas psicológicos, confirmando
nossos resultados pela predominância na procura do serviço5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A “demanda eventual” exibida, aparentemente, mostra estar elevada referente à
capacidade da unidade básica, assim, podemos criar a hipótese de sobrecarga do serviço
e dos recursos humanos, uma vez que, geograficamente, existe a influência de, a
mesma, estar na divisa de municípios e apresentar-se distante dos serviços de referência.
A falta de acesso em outros espaços da unidade pode apresentar influência para o
aumento dos números da “demanda eventual”, uma vez que a “demanda eventual” não
deve ser a única porta de entrada dos usuários que não se encaixam nas prioridades,
além de outros fatores, como o modelo predominante, organização institucional e social.
Existe uma demanda de serviço que as atividades planejadas não conseguem
sanar, por este motivo devemos repensar a forma de agendamento, priorização,
acolhimento e a escuta qualificada a fim de direcionar à outros tipos de atendimentos
com a intenção de reduzir a “demanda eventual”, favorecendo a saúde da população e
aumento a resolubilidade das ações propostas.
As principais limitações do trabalho estão relacionadas ao rigor aplicado no
método da coleta, pois são dados secundários, não existindo qualquer treinamento para
sua coleta, visto que, dada a qualidade dos dados, foi impossível a análise de 100% da
amostra. Além disso, não existiu padronização nas coletas de dados com os usuários,
pois as queixas trazidas apresentam a possibilidade que o relatado não seja o verdadeiro
motivo da sua procura ao serviço.
Antes de qualquer ação e, para que haja um adequado e resolutivo atendimento,
deve-se partir da realidade local, conhecendo e entendendo as demandas levantadas em
nossa área de abrangência, oportunizando assim um trabalho mais próximo da
efetividade.
REFERÊNCIAS
1.
Brasil Escola [Internet]. Brasil: [acesso em 2011 set 10] Disponível em:
http://www.brasilescola.com/geografia/outono.htm.
2. CECILIO LC. Modelo tecno-assistencial em saúde: da pirâmide ao círculo, uma
possibilidade a ser explorada. Cad Saúde Pública [Internet].1997;13(3):469-78.
Disponível
em:
http://www.scielo.br/pdf/csp/v13n3/0171.pdf
10.1590/S0102-311X1997000300021
DOI:
3. GIL AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª. Ed. São Paulo: Atlas; 2009.
Cap.12. p 175
4. GOOGLE. Google maps. [Internet]. [acesso em 2011 fev 27] Disponível em:
http://maps.google.com.br.
5. Macintyre S, Caça K, Sweeting H. Sweeting H. Gender differences in health: are
things really as simple as they seem. Social Science & Medicine; 1996.(42)4:
617-24.
6. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Básica. 2007; (4): 1- 68.
7. PAIM JS. Modelos de atenção e vigilância da saúde. In: ROUQUAYROL, MZ;
FILHA, NA. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003, p. 567-604.
8. PREFEITURA DE SÃO PAULO. Portal da Prefeitura da Cidade de São Paulo
[Internet].
São
Paulo:
[acesso
em
2011
fev
27]
Disponível
em:
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/sub.php?p=127
58.
9.
Prefeitura Municipal de São Paulo. Documento Norteador: Compromisso das
unidades básicas de saúde com a população.2005; 1-41.
10. RIBEIRO L, RIBEIRO M, DIAS K, MATOS K, FERREIRA T. O diagnóstico
administrativo e situacional como instrumento para o planejamento de ações na
estratégia saúde da família. Cogitare Enferm [Internet]. 2008; 13(3): 448-52.
Disponível
em:
http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/cogitare/article/view/13044/8823
11. ROCHA SMM, LIMA RAG, SCOCHI CGS, VENDRÚSCULO DMS, MELLO
DF. Estudo da assistência integral à criança e ao adolescente através da pesquisa
qualitativa. Rev.latino-am.enfermagem [Internet]. 1998; 6(5): 5-15. Disponível
em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v6n5/13855.pdf
12. Scatena LM, Villa TCS, Netto AR, Kritski AL, Figueiredo TMRM, Vendramini
SHF, et al . Difficulties in the accessibility to health services for tuberculosis
diagnoses in Brazilian municipalities. Rev. Saúde Pública [Internet]. 2009;
43(3):
389-397.
Disponível
em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003489102009000300001&lng=pt DOI: 10.1590/S0034-89102009005000021.
13. Shimith MD, LIMA MAD. Acolhimento e vínculo em equipe do programa
saúde da família. Cad.Saúde Pública.2004 nov; 20(6): 1487 - 94
14. Sistema de Informação de Atenção Básica SIAB. versão 6.1: Secretaria
Municipal de Saúde; 2011.
15. Travassos C, Martins M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização
de serviços de saúde. Cad. Saúde Pública [Internet]. 2011; 20(2): 190-98.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102311X2004000800014&lng=e DOI: 10.1590/S0102-311X2004000800013.
16. Volpato LF, Meneghim MC, Pereira AC, Ambrosano GMB. Planejamento da
qualidade nas unidades de saúde da família, utilizando o Desdobramento da
Função Qualidade (QFD). Cad. Saúde Pública [ Internet]. 2010; 26(8): 156172.
Disponível
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102311X2010000800010&lng=en DOI: S0102-311X2010000800010.
em: