sabor livre

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sabor livre
Campus Agrário de Vairão • Rua Padre Armando Quintas 4485-661 Vairão • Portugal
sabor livre
Plataforma
Excelentíssima Senhora Neelie Kroes, Comissária Europeia da Concorrência
C/c:
Excelentíssimo Senhor Stavros Dimas, Comissário Europeu do Ambiente
Excelentíssimo Senhor José Manuel Barroso, Presidente da Comissão Europeia
Excelentíssima Senhora Comissária,
Serve a presente para manifestar a apreensão da Liga para a Protecção da Natureza (já
manifestada em, anterior queixa à anterior Senhora Comissária Europeia do
Ambiente), em nome das organizações não governamentais de ambiente que
constituem a Plataforma Sabor Livre, em relação a afirmações que têm sido
repetidamente produzidas e publicadas na imprensa por responsáveis da empresa
Energias de Portugal, relativamente à necessidade, por parte do Estado Português, de
comparticipação nos custos de investimento da projectada central hidroeléctrica no
vale do Sabor. A possibilidade de um eventual auxílio configuraria, a nosso ver, uma
violação do princípio da não-discriminação no acesso a apoios estatais, posição essa
que passamos a elaborar.
As recentes afirmações por parte da empresa Energias de Portugal (EdP) referentes à
necessidade de assegurar o financiamento da barragem do Sabor a partir de outras
mais valias que não a mais-valia em geração eléctrica parecem indiciar uma pressão
para a concessão de financiamento à infra-estrutura eléctrica, com base na
argumentação de potenciais externalidades positivas que o empreendimento poderia
prever.
Essa argumentação levaria, a nosso ver, a uma grave distorção no mercado eléctrico,
dado que o aumento de capacidade de uma empresa de geração eléctrica seria feito
abaixo do preço efectivo de mercado. Mais importante, contudo, é que não é de todo
líquido que as externalidades positivas em causa efectivamente existam, seja do ponto
de vista da agricultura e do aumento do potencial agrícola (a área de irrigação e a
mais-valia gerada são negligenciáveis face aos danos ecológicos e serão de qualquer
forma, capturadas pelo valor de mercado dos próprios terrenos, pelo que não
justificam a atribuição de subsídios), seja do ponto de vista turístico (o próprio EIA
evidencia a menos-valia negativa que o empreendimento traria para o turismo
regional).
Assim sendo, e dada a posição já repetidamente assumida por parte da empresa EdP
do seu desinteresse pelo empreendimento eléctrico do Baixo Sabor em circunstâncias
que não sejam as de um efectivo subsídio directo à geração hidroeléctrica, importa:
- garantir que a avaliação custo-benefício do empreendimento do Baixo Sabor não
tenha em conta falsas “mais-valias” que acarretem compensações desnecessárias à
EdP ou a qualquer outro operador;
- esclarecer como se pretende financiar um empreendimento cuja viabilidade
comercial é posta em causa pelo potencial beneficiário, na ausência de
compensações;
- exigir transparência em todo o dossier do Empreendimento do Sabor, para que se
evitem situações de benefício escandaloso de pessoas e grupos determinados.
Enquadramento jurídico comunitário
No actual estado de desenvolvimento do mercado ibérico e europeu de electricidade, a
liberalização do mercado pressupõe a progressiva desvinculação dos EstadosMembros em relação aos operadores, mesmo em relação aqueles que, por razões
históricas, tenham ainda propriedade estatal. O Tratado de Amesterdão, no seu artigo
87 estipula que as excepções à regra geral de proibição de ajudas estatais se
circunscrevam às situações identificadas no seu parágrafo terceiro, a saber:
“a) Os auxílios destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões em
que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de
subemprego;
b) Os auxílios destinados a fomentar a realização de um projecto importante de
interesse europeu comum, ou a sanar uma perturbação grave da economia de um
Estado-Membro;
c) Os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou
regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de
maneira que contrariem o interesse comum;
d) Os auxílios destinados a promover a cultura e a conservação do património, quando
não alterem as condições das trocas comerciais e da concorrência na Comunidade
num sentido contrário ao interesse comum;
e) As outras categorias de auxílios determinadas por decisão do Conselho,
deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão.”
No nosso entender, e apesar da situação deprimida da economia local da região de
Trás-os-Montes, o projecto da central hidroeléctrica não fornece mais-valias regionais
que não sejam passíveis de ser capturadas pelo mercado e como tal não passíveis de
subsidiação. É o caso da eventual capacidade de irrigação, muito onerosa e limitada
no actual projecto, ou dos eventuais projectos turísticos, também eles limitados pelas
características físicas da barragem. Em todo o caso, estas actividades existem
actualmente e de forma sustentável, pelo que não se perspectiva como necessária a
sua subsidiação. Assim, a situação de excepção indicada na alínea a) não se verifica.
A alínea b) também não se verifica: a economia nacional portuguesa não sofre de um
desequilíbrio grave no que à oferta energética diga respeito, e não se poderá
argumentar que o projecto da barragem possa constituir um projecto importante à
escala europeia.
De igual forma, a alínea c) não se pode justificar, dada a destruição iminente de
património de interesse europeu, incluindo uma área proposta no âmbito da Rede
Natura 2000 e uma Zona de Protecção Especial no âmbito da Directiva Aves.
Por último, a facilitação do desenvolvimento da actividade da geração de energia não
justifica a consideração, no âmbito da alínea c), porquanto esta actividade se encontra
em fase de liberalização e qualquer apoio estatal concedido à empresa promotora do
projecto, na ausência de fortes externalidades negativas (ou mais-valias), constituirá
uma violação da legislação comunitária. Neste âmbito, a liberalização do mercado
europeu de electricidade, introduzida pela Directiva 96/92 e reforçada pela Directiva
2003/54 vem militar contra aumentos de capacidade de geração suportados pelo erário
público, sendo clara a preferência comunitária por um sistema de autorização pontual
de aumentos de capacidade. A promoção de novas fontes de energia renováveis ou
uma eventual compensação por ganhos ambientais ou regionais só é possível,
seguindo o espírito da Comunicação da Comissão sobre Ajudas Ambientais, de uma
forma não-discriminatória, o que não será manifestamente o caso, se se vier a efectuar
o pagamento de qualquer pressuposta mais-valia.
A estes argumentos, acrescem os já veiculados anteriormente pelas organizações não
governamentais da Plataforma por um Sabor Livre, que a seguir se enumeram de
forma sintética:
a) A construção do empreendimento do Baixo Sabor, irá afectar habitats e
espécies com importância e/ou ameaçados a nível europeu, que o Estado
Português se comprometeu a conservar segundo Directivas Comunitárias,
constituindo uma violação clara da legislação ambiental comunitária,
nomeadamente pela existência de alternativa de localização, de acordo com o
parecer dado pela entidade nacional responsável pela área da conservação da
natureza.
b) No plano da Política Energética Nacional, o projecto não representa uma mais
valia de forma alguma relevante. O potencial de poupança de energia
economicamente viável pode ultrapassar os 12 000 GWh/ano de electricidade,
ou seja, quase 1/3 do total dos consumos do país, facto muito mais importante
que a barragem em causa.
c) O contributo dos empreendimentos na redução das emissões de Gases de
Efeito de Estufa, nomeadamente do CO2, é irrelevante, representando cerca de
0,17% do total de emissões em Portugal.
d) O projecto não ajudará ao cumprimento da Directiva das Energias Renováveis,
uma vez que não estará finalizado antes de 2010.
Desta forma, considera a Liga para a Protecção da Natureza no quadro das
organizações não governamentais de ambiente reunidas na Plataforma Sabor Livre,
que a Comissão Europeia deverá inquirir sobre a arquitectura financeira que venha a
ser proposta para o financiamento de um eventual empreendimento hidroeléctrico no
vale do rio Sabor, de forma a avaliar da sua compatibilidade com os objectivos das
Políticas Comunitárias de Energia e Concorrência.
Esperando de V. Exa. a melhor receptividade para o nosso alerta, agradecemos desde
já toda a atenção dispensada.
Com os nossos melhores cumprimentos.
(……………………………………….)
A Plataforma Sabor Livre é formada pelas associações Quercus, LPN, Fapas, GEOTA, Olho Vivo e SPEA, que se uniram para
salvaguarda do rio Sabor sem barragens. Este movimento conta ainda com o apoio de: Environmental Defense e AAMDA,
ADEGA, Adenex, ADP Mértola, Água Triangular, ALDEIA, Almargem, Amigos da Montanha, Amigos do Mar, ANATA, A
Rocha, Associação Vento Norte, Campo Aberto, CEAI, CEEA, Clube Celtas do Minho, Coagret, Corema, Crepúsculos,
Ecologistas en Acción, Euronatura, FAPAS (España), FEG, Federation of Environmental and Ecological Organizations of
Cyprus, GAIA, Grupo Flamingo, IRN, Melgaço Radical, Molima, NEPA-AAUTAD, Nuceartes, Oikos, Projecto Palhota Viva.