Entre o Chão e o Infinito. Calçadas, azulejos e mosaicos de

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Entre o Chão e o Infinito. Calçadas, azulejos e mosaicos de
Entre o Chão e o Infinito. Calçadas, azulejos e mosaicos de Eduardo Nery – ‘A Óptica imaginada’
por Paulo Henriques, in Eduardo Nery. Exposição Retrospectiva. Tapeçaria, Azulejo, Mosaico, Vitral (1961-2003),
Museu Nacional do Azulejo, 2003.
[...] A linguagem de abstracção óptica desenvolvida por Eduardo Nery, adequa-se de modo excepcional a
esta intenção de transformar os revestimentos de azulejo como presença sensível nos espaços construídos,
­integrando-os e qualificando-os esteticamente, em absoluto respeito pelo lugar.
Neste espírito surge, entre 1993 e 1994, o projecto para tratamento plástico dos alçados de uma escadaria na
avenida Infante Santo em Lisboa, a última de cinco escadarias monumentais que articulam o eixo rodoviário
com os blocos de habitação projectados pelos arquitectos Hernâni Gandra, João Abel Manta e Alberto Pessoa,
em 1957, e que haviam recebido painéis de azulejos desenhados por Carlos Botelho, Júlio Pomar com Alice Jorge,
Rolando Sá Nogueira e Maria Keil. [...]
O princípio do módulo de repetição está presente, agora não com um desenho em azulejo mas com uma placa
cerâmica quadrada de grande dimensão, vidrada em dois tons de uma cor lisa, cuja face maior é um plano
­inclinado a cerca de 15º, elemento capaz de infinitas combinatórias.
O princípio da mobilidade óptica da superfície é também aplicado não por combinatórias de padrão ou por
gradações cromáticas, mas pelo dinamismo real que o posicionamento das placas constrói, ou seja, pelo
­diferente comportamento das luzes incidentes sobre os planos inclinados.
O princípio de integração da intervenção artística no espaço construído cumpre-se pela monocromia escolhida,
uma cor de laranja forte e outra mais amarelada, certa com o ocre alaranjado da parede de tijoleira vidrada
existente.
Quer a peça cerâmica quer o modo de aplicação têm o quadrado como base, forma que estrutura a malha
gráfica que surge sempre virtualmente distorcida em obliquidades variáveis, resultantes do jogo de sombras
projectadas de umas peças sobre as outras, dinamismo que alude às inclinações das rampas da escadaria.
Estes mecanismos de integração da obra não anulam, antes reforçam, a sua autonomia própria, afirmativa
pela simplicidade da solução, as placas em relevo sensibilizando os planos de parede, peças com dimensões
­adequadas à imponência do suporte arquitectónico, acontecimento surpreendente na cidade pela sua poderosa
cor, o laranja quase saturado.
Eduardo Nery reutilizou esta placa numa longa parede do Museu de Olaria de Barcelos, composição projectada e
produzida entre 1993 e 1996, mas agora com acabamento de brilho metálico, superfície reflectora que introduziu
ainda maior dinamismo e variação na superfície da parede.
Implantada numa rua estreita, sem recuo que permita a leitura frontal de todo o painel e com menor incidência
solar, o painel é, mais do que nunca, uma presença óptica de realidades difusa e fugidia, vista sempre com
­distorções de perspectiva, de baixo para cima ou lateralmente, circunstância por hipótese adversa mas que
Eduardo Nery integrou no projecto para o revestimento cerâmico que, com a modelação e brilho da superfície,
produz constantes ritmos oblíquos e imagens intersectadas entre si, as que se vão reflectindo no meio envolvente.
A matriz directa deste trabalho pode ser encontrada, em 1979, num projecto de tratamento plástico de uma
parede na delegação da companhia aérea VARIG, na Praça do Marquês de Pombal em Lisboa, composição
com planos de espelho colocados em posições oblíquas, imagens em constante mudança por devolverem os
­movimentos sempre variados do quotidiano.
De novo aqui o artista fornecia ao espectador, mais do que uma visão fixada em imagem, uma espécie de
­máquina óptica que nos devolvia a infinita e fragmentada percepção da realidade.
A cerâmica com brilho metálico usada no Museu de Olaria de Barcelos teve outra aplicação no revestimento
integral de uma fachada cega adjacente ao edifício da sede da Associação Nacional das Farmácias, em ­Lisboa,
produzida entre 1995 e 1996, estrutura simulada de pilastras, vigas e janelas que repete a existente, com azulejos
de cores lisas desenhando os elementos opacos e os de brilho metálico simulando a transparência das janelas. [...]