Proposta pedagógica
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Proposta pedagógica
Escola Internacional Lumiar - Proposta Educativa Princípios Pedagógicos da Escola Lumiar Democracia e liberdade são os preceitos básicos da Proposta Pedagógica da Escola Lumiar. A partir destes nascem uma administração e uma pedagogia específica. A administração da escola é compartilhada igualmente por educadores e educandos. Toda semana é realizada uma assembléia em que são apresentadas propostas e são discutidos os problemas do dia-a-dia da Escola, onde vale o princípio democrático: " cada cabeça um voto". O objetivo é que a comunidade escolar seja autônoma na resolução de questões gerenciais e pedagógicas, assumindo responsabilidade pelas decisões tomadas e por sua execução. Coerente com a administração, o educando tem a liberdade de escolher o próprio itinerário de aprendizado. O conhecimento é concebido não como a reprodução de um conjunto de informações, mas como o produto de uma interação apaixonada e livre entre os educandos e educadores. Nesse processo, tanto educador como educandos são sujeitos. As dimensões racional, cientifica, sentimental, estética e sensorial integram, sem qualquer hierarquia. O conhecimento é concebido em sua dimensão histórica: inacabada e dinâmica. Dessa maneira educador é alguém aberto a infinitas formas do aprender, estando sempre disponível a orientar cada educando em seus itinerários. A pluralidade da comunidade escolar é importantíssima, de forma que a união de diversas faixas etárias e a convivência entre pessoas de diferentes grupos socioculturais é seu pressuposto. Fins e Objetivos A Lumiar oferece ensino formal para crianças e adolescentes de 2 a 1o anos, com base em uma gestão democrática, em que educadores, educandos e pais compartilham da responsabilidade pela comunidade escolar. O objetivo primeiro da Lumiar é oferecer aos jovens de todas as classes sociais condições para que se tornem cidadãos: Responsáveis por suas ações e capazes de determinar o curso e a dimensão de suas atividades A formação de indivíduos autônomos é o objetivo de toda proposta educacional. No entanto, os jovens raramente são exercitados para esta autonomia. Na escola democrática, os educandos organizam seu cotidiano e planejam seu aprendizado desde os quatro anos de idade. Apenas deste modo é possível adquirir um real sentido de responsabilidade pelas escolhas e decisões individuais e valorizar de fato o comportamento ético. Capazes de aprender diferentes ofícios, desenvolver talentos e se aprofundar em qualquer área do conhecimento humano A revolução na informática está produzindo mudanças tão rápidas nas sociedades modernas que não é mais possível determinar qual conhecimento específico será necessário para a realização pessoal e profissional do cidadão nos próximos anos. A seleção de algumas áreas específicas às quais crianças e adolescentes são normalmente expostos, evidencia processos excludentes preconceituosos que de fato restringem o conhecimento que um ser humano é capaz de desenvolver. Deste modo, o objetivo da educação deve ser habilitar o indivíduo a aprender qualquer ofício e se aprofundar em qualquer área, seguindo seu ritmo e suas inclinações, sem utilizar o conhecimento como instrumento disciplinador – que estabelece o “horário do trabalho”, a interdição às brincadeiras, os instrumentos de avaliação e controle. Na escola democrática o processo de aprendizado é vivido com grande prazer, sendo impossível dissociá-lo do horário de lazer. Participantes ativos em todos os processos decisórios que envolvam a comunidade em que vivem O comportamento ético e os valores democráticos só podem ser desenvolvidos se forem praticados no dia a dia. Traduzir valores democráticos em conteúdos temáticos de currículos rígidos e compulsórios é inútil e até mesmo contraproducente. A democracia precisa ser vivida. É importante a participação dos educandos em todas as decisões relativas ao cotidiano escolar. É participando que se aprende a questionar, desenvolver argumentações, formar alianças, ceder e convencer. É, sobretudo, vivendo a possibilidade real de implementar sugestões que se aprende a valorizar a participação nas instâncias de decisão e a responsabilidade comunitária. Pessoas equilibradas (Ou, pessoas virtuosas) A Lumiar constitui-se num meio ambiente favorável ao desenvolvimento emocional, físico, intelectual, psíquico e social. Esse desenvolvimento propicia os sentimentos de bem-estar, equilíbrio e satisfação - o mais próximo, enfim, do estado de felicidade. As pessoas equilibradas, ou virtuosas, são aquelas que diante de situações novas, estão inteiras dosando racionalidade e paixões. O que entendemos por desenvolvimento voltado para uma pessoa equilibrada ou virtuosa pode ser sintetizado na idéia de dosagem das paixões. Uma característica da modernidade é a separação radical entre Razão e Paixão, e a transformação da Razão em lei até o ponto de reprimir totalmente as paixões e associá-las à menoridade. Já para certos pensadores da Antiguidade, Razão e Paixão não podem ser separadas. O virtuoso, ou ético, é aquele que sabe "dosar" suas paixões; conforme as circunstâncias, age em harmonia com as paixões. É neste sentido dado pela Antiguidade que tomamos a educação das paixões: saber colocá-las a sua disposição . Cidadãos capazes de aprender com a diferença A Lumiar possibilita a convivência de pessoas de diferentes culturas, origens sociais e idades e constrói o conhecimento sem hierarquias, concebendo as diferentes visões e tradições como patrimônios da humanidade. É assim que os jovens adquirem a capacidade de valorizar e aprender com as diferenças. Cf. Lebrun , 1987. Justificativa Esta proposta segue a tradição pedagógica inspirada em Jean-Jacques Rousseau e que se espalhou e desenvolveu no mundo todo pelas obras de educadores como Johan Heinrich Pestalozzi , Leon Tolstoi , Janusz Korczak , Homer Lane , Wilhelm Reich, Alexander Sutherland Neill e Paulo Freire . Hoje em dia, esta linha – que recebe diferentes nomes como educação democrática, pedagogia centrada no estudante, pedagogia libertária, pedagogia crítica, entre outros - orienta centenas de escolas públicas e privadas espalhadas pelos cinco continentes . Observando o desenvolvimento de seus alunos na escola Yasnaia-Poliana, que dirigiu entre 1857 e 1860, Leon Tolstoi percebeu que as crianças criadas sob o princípio democrático se tornam mais capazes e responsáveis por suas ações porque viveram de fato a experiência de tomar decisões e assumir as suas conseqüências. Se esta tradição pedagógica ainda não frutificou no Brasil no ensino formal, nos espaços de educação informal ela tem se multiplicado. Trata-se de projetos que procuram atrair meninos e meninas em situação de risco para atividades artísticas e culturais complementares à escola. Buscam as atividades que lhes são de maior interesse para garantir que se engajem em um processo educativo. Livres para fazer suas escolhas, os jovens dedicam-se e se desenvolvem grandemente. No âmbito da educação formal, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 introduziu o sistema de ciclos e de progressão continuada. Em 1998, foram lançados os Parâmetros Curriculares Nacionais nos quais a escola é concebida como espaço flexível, aberto, dinâmico, conectado com o mundo exterior pela integração com os pais, a tecnologia, o meio ambiente, a economia, a televisão, os museus, os centros de saúde etc. A presente proposta aspira enriquecer as propostas de melhoria e renovação do ensino no país, introduzindo novos conceitos na administração e nas relações sociais escolares. ROUSSEAU, 1940. Sobre Pestalozzi: LUZURIAGA, 1946. TOLSTOI, 1978. KORCZAK, 1981; 1983; KORCZAK & DALLARI, 1986; GEVERTZ, 1991; LEWOWICKI, MURAHOVSCHI & SINGER, 1998. LANE, 1968. FREIRE, 1999; FREIRE & ILLICH, 1975. Sobre as experiências atuais, ver ALVES, 2001; GREENBERG & SADOFSKY, 1998; SINGER, 1997. Organização Administrativa e Técnica 1 Recursos Financeiros A Lumiar busca parcerias que garantam ensino gratuito a estudantes de baixa renda, bem como a oferta de material didático, assistência alimentar, médica, odontológica, transporte e auxílio de custo para as famílias manterem seus filhos na escola. Os recursos são provenientes de outras fundações e empresas nacionais e estrangeiras, que financiam os educandos mediante concessões de bolsas de estudos e outros tipos de auxílio. Como é prioridade da escola garantir a convivência de jovens de diferentes níveis sociais, busca-se incluir na comunidade também estudantes de classes média e alta que custeiem seus próprios estudos. Finalmente, o Instituto Lumiar também pode auxiliar na manutenção da escola. Trata-se de em um think tank em educação, que reúne profissionais de diferentes áreas – cientistas, artistas, educadores – para procurar um redesenho do modelo escolar para os tempos atuais. O objetivo é reestruturar a forma e o conteúdo do modelo escolar contemporâneo realizando pesquisas sobre as possibilidades abertas pela tecnologia, bem como novas propostas de seleção, organização e apresentação dos conteúdos curriculares. Para tanto, o Instituto está buscando estabelecer intercâmbio de projetos e de profissionais com os principais centros de pesquisa na área no Brasil e no mundo. Em médio prazo, serão formulados cursos de formação continuada para educadores em diferentes atividades (professores, facilitadores, orientadores, mestres etc.) e também será desenvolvido material de apoio coerente com a proposta educativa da Lumiar . Divisão Administrativa Quatro são os valores fundamentais da gestão escolar proposta: democracia , responsabilidade, transparência e reversibilidade das decisões . Estes valores são interdependentes, de modo que se eliminando um deles, os demais perdem seu significado. Toda a estrutura escolar é decorrente destes valores. Do ponto de vista administrativo, a gestão democrática , tem como efeitos o maior envolvimento de todos os participantes, a satisfação com o trabalho e o desenvolvimento da criatividade. Mas, para que a gestão participativa seja implementada, são necessários alguns mecanismos básicos. Em primeiro lugar, é preciso que todos tenham igual acesso às informações, o que implica que as relações não podem ser hierárquicas. Assim, a estrutura organizacional não pode se dar sob a tradicional forma piramidal, em que uma direção é encarregada de todas as decisões relativas à vida escolar, e o grau de participação e o acesso às informações relativas a estas decisões são relativamente menores conforme a distância que separa a base (os estudantes) do topo da pirâmide (os diretores). Ao contrário, todos os membros da comunidade escolar devem estar no mesmo nível e todas as decisões importantes sobre a vida escolar devem ser tomadas de forma colegiada. A experiência mostra que a participação nas decisões que afetam a vida de cada um, mesmo que seja administrativamente mais difícil, motiva e aumenta a autoestima. Mas, esta participação tem que ser real e efetiva, sem que haja espaço para subterfúgios que restabeleçam a estrutura piramidal, já que a base para a manutenção desta estrutura é a confiança. O segundo mecanismo fundador da gestão democrática é a rotatividade das posições. Ao longo de sua vida escolar, os educandos devem participar do maior número possível de comitês para desenvolver uma ampla gama de habilidades, experimentar diferentes posições administrativas e, conseqüentemente, potencializar sua criatividade. Em relação aos educadores, esta rotatividade também é importante para que eles não fiquem limitados às suas especialidades e para que não se corra o risco de criar estruturas centralizadoras. Em terceiro lugar, é preciso que os grupos de trabalho sejam pequenos – o que é conhecido como “respeito aos limites da escala humana”, garantindo a participação de todos. O último mecanismo é a reversibilidade das decisões tomadas, quer dizer, as decisões da Assembléia são sempre passíveis de revisão e retificação desde que a própria Assembléia tenha considerado relevante rediscuti-las. Sendo todos igualmente responsáveis pelo bom andamento da instituição, tornam-se desnecessários mecanismos autoritários de controle e vigilância sobre o cumprimento de horários e tarefas. A estrutura colegiada se apresenta como a única possibilidade para o trabalho criativo e inovador, uma demanda da sociedade contemporânea. Mais do que isso, a formação de pessoas criativas, responsáveis e participantes, objetivo maior preconizado pela educação democrática, só pode ser alcançado se o próprio espaço escolar se organizar sobre estes princípios. Trata-se de coerência entre o projeto pedagógico e a organização administrativa, e coerência é elemento primeiro do processo educativo. É somente participando de processos decisórios, que o educando aprenderá a decidir; somente exercitando a curiosidade, desenvolverá a criatividade; somente respondendo por suas escolhas, tornar-se responsável. Conselho Escolar Composto pelos educadores, educandos, pais dos educandos e membros exteriores à comunidade escolar - pessoas das instituições financiadoras, pessoas de destaque em sua atuação profissional e política, pessoas interessadas na educação democrática que solicitem a participação nesta instância e sejam aprovadas pela assembléia e, finalmente, ex-educandos ou ex-educadores que queiram manter o vínculo com a Lumiar . O Conselho reúne-se trimestralmente, e é responsável por determinar os valores dos salários; recomendar educadores a serem contratados; aprovar desligamentos de educadores; aprovar mudanças no regimento escolar; expedir diplomas. Finalmente, cabe a esta instância a avaliação contínua do projeto escolar. Assembléia Escolar Composta por todos os educadores e educandos que queiram participar, é responsável pela administração cotidiana da escola. Todas as decisões relativas a esta administração – da menos a mais importante – são tomadas pela Assembléia: aprovação do orçamento e de gastos previstos ou extraordinários; contratação e demissão de educadores; regras de convivência e de utilização do espaço comum; criação e manutenção dos comitês; cursos a s erem oferecidos. A assembléia reúne-se semanalmente e a sua coordenação é feita por dois membros da comunidade – o mesário e o secretário - eleitos periodicamente. Para cada Assembléia há uma pauta anteriormente conhecida e uma ata posteriormente divulgada. Fórum Composto por educandos e educadores eleitos pela Assembléia. O número de membros, a duração de seu mandato e a freqüência de seus encontros também são decididas pela Assembléia. O Fórum encaminha situações conflituosas buscando desfechos adequados para os envolvidos e se responsabiliza pelo cumprimento das regras escolares. Os membros do Fórum podem formular reclamações contra indivíduos que estejam prejudicando a comunidade escolar ou o espaço comum. O educando ou o educador que se sente contrariado ou agredido formula uma reclamação para o Fórum, que ouve as partes envolvidas e encontrará soluções satisfatórias a ser implementadas mediante acordo entre todos. As partes podem, se não se convencerem da decisão do Fórum, recorrer na Assembléia. Finalmente, os membros do Fórum podem também ser solicitados a resolver um conflito no momento mesmo em que ele estiver ocorrendo, sem necessariamente ter que esperar pela reunião, desde que as partes concordem com a mediação. Comitês Todas as posições administrativas e de manutenção da Lumiar são ocupadas pelos membros da comunidade – educandos e educadores – que se candidatam a participar de comitês e são aprovados pela Assembléia para a função por um certo período de tempo. O mecanismo privilegiado para a formação dos comitês é a rotatividade de posições. Os comitês são responsáveis pelo gerenciamento dos recursos e pelo andamento das atividades sob sua alçada, em todas as etapas de sua implementação. Os comitês reportam-se à Assembléia, que tem o poder de destituí-los, caso não cumpram com suas responsabilidades. Aplicada com sucesso nas empresas do grupo Semco há quase vinte anos . Sobre esta experiência e seus resultados ver SEMLER, 1988. Organização da Vida Escolar Níveis e Modalidades de Educação e Ensino A Lumiar oferece a educação básica, englobando os níveis de ensino infantil, fundamental e médio. Gestão Democrática do Conhecimento A Lumiar constitui-se em um espaço de produção do conhecimento. Conhecer não é ter erudição, nem manipular um certo repertório, mas sim ter uma posição diante desse repertório, utilizá-lo de uma maneira livre e criativa, reinterpretá-lo segundo as suas experiências intelectuais (ou seja, racionais, estéticas, sentimentais, políticas) ou mesmo invalidá-lo parcialmente. O objetivo é estimular e ajudar a desenvolver o conhecimento, e não passar informações. Hoje em dia, a rede mundial pode dar mais, melhores e mais rápidas informações do que qualquer aula. No entanto, conhecimento não é ter acesso a um número qualquer de informações, mas saber o que fazer com elas. Na concepção educativa da Lumiar, a idéia norteadora é de produção coletiva e gestão democrática do conhecimento. Para isto, a escola desenvolve uma tecnologia nova, que almeja resolver um problema histórico da educação: a defasagem teórica, tecnológica, técnica da escola em relação a outros lugares sociais de produção do conhecimento (universidades, ateliês, laboratórios, empresas etc.). Na Lumiar, os cursos são oportunidades em que “mestres”- pessoas com particular interesse, cuidado e paixão por certo estudo, que se dedicam a um ramo de atividades, que têm habilidade ou prática especial em determinada coisa - compartilham seus saberes com os educandos. Não é transmissão de informação, nem de conhecimento, mas sim compartilhar um saber-fazer. A proposta é, por um lado, acabar com a supremacia do pensamento científico sobre todas as outras formas de pensamento que foram negligenciadas pela escola e, por outro, diminuir a imensa dependência que existe em nossa sociedade, uma sociedade que expropria os saberes tradicionais e comunitários e coloca em seu lugar um “profissional”. Neste longo processo de especialização, todos nós nos tornamos menos capazes de compreender a política, a economia, a infância, nossa mente, nosso corpo. A Lumiar está na contramão desse processo buscando reencontrar-se com a capacidade do educando para se tornar sujeito de seu aprendizado. É com esta concepção democrática do conhecimento que se busca abranger a base comum estabelecida pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, conferindo-lhe uma nova estrutura, que ultrapasse o confinamento disciplinar e os pré-requisitos hierarquizantes. Critérios de Organização Curricular A organização curricular é estruturada em um único ciclo, com alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados, baseados no interesse e na competência de cada um. O Mosaico é uma tecnologia para a gestão do conhecimento que faz reconhecer a diversidade de saberes, mesmo aqueles que não são validados por sistemas acadêmicos. Construindo-se com base nas descrições que os mestres fazem de suas habilidades e competências, o Mosaico disponibiliza para a comunidade escolar uma multiplicidade organizada de saberes. Trata-se de uma construção dinâmica, consultável por meio do Banco de Mestres. Assim, ficam disponíveis no Banco de Mestres tanto as aptidões comportamentais (saber ser) como as habilidades ( savoir-faire , know-how ) e os conhecimentos teóricos. Permitindo a expressão da diversidade de competências, o Mosaico não fecha os Mestres em uma profissão ou categoria. Caminhar pelo Mosaico significa desenhar um percurso em uma rede, um percurso único, porque cada pedra pode conter um Mosaico inteiro. A interação dos estudantes com as peças do Mosaico produz uma construção dinâmica de saberes que não resulta de uma classificação a priori: ela é a expressão, evoluindo em tempo real, dos percursos de aprendizagem e de experiência dos membros da coletividade. Cada estudante constrói o seu Mosaico e o Mosaico da coletividade escolar cresce e se transforma na medida da evolução dos saberes de cada estudante e dos projetos por ele realizados. Na forma do Mosaico tridimensional, os estudantes podem passar de uma pedra para a que está a seu lado, explorando os saberes de base, ou podem ir de uma pedra para aquela que lhe está imediatamente abaixo, experimentando saberes mais especializados. Mas a organização dos saberes expressa pelo Mosaico não é fixa, ela reflete a experiência coletiva de um grupo humano e vai portanto, evoluir com esta experiência. O Mosaico não reflete as divisões habituais em disciplinas, em níveis, em cursos ou segundo recortes institucionais. Ao contrário, o dispositivo de construção dinâmica e de percurso que ele propõe produz um espaço de saber sem separações, em reorganização permanente segundo contextos e usos. A representação em Mosaico permite determinar a posição ocupada por um saber em um dado momento e os itinerários de aprendizagem possíveis para se ter acesso a este ou aquele saber. O Mosaico permite ao estudante perceber sua situação no "espaço do saber" e elaborar, com conhecimento de causa, suas estratégias de aprendizagem. Trata-se, portanto, de um instrumento a serviço do laço social para troca de saberes e emprego de competências, que coloca em funcionamento uma pedagogia cooperativa, não compartimentada e personalizada. O Mosaico oferece instrumentos de determinação e mobilização das habilidades. No Mosaico, é possível fundir, dividir, conectar peças, introduzir pequenas peças em grandes peças etc. A construção proposta pode ser generalizada progressivamente, por extensão e conexão, nunca impondo normas a priori. No Mosaico, a organização e o valor dos conhecimentos não são congelados, mas são permanentemente reorientados pelos estudantes. É importante ressaltar que o Mosaico não faz uma escolha pela transdisciplinaridade, pluridisciplinaridade (estudo de um objeto por várias disciplinas) ou interdisciplinaridade (transferência de métodos de uma disciplina para outra). Tampouco ele descarta as disciplinas. Elas são pedras do Mosaico, pedras que contêm em si outros mosaicos e que podem ser exploradas de acordo com o interesse de cada um, como saberes disponíveis, porém não totalizadores. Tendo o Mosaico como mapa, muitas são as oportunidades de aprendizado na Lumiar. Cursos planejados com mestres : o Instituto Lumiar e os educadores da Lumiar buscam entre os pais, as pessoas da comunidade em que a escola está inserida e pessoas exteriores à comunidade, pessoas com notório conhecimento ou habilidade em uma determinada área que atuam como mestres em cursos que partem dos interesses dos educandos e se encadeiam em uma continuidade lógica e significativa. Cursos de iniciativa dos educandos : constituem-se com base no interesse de grupos de educandos que desejam estudar temas específicos com um mestre na área. Este mestre pode ser um educador, um membro do Conselho, um educando com alguma habilidade específica ou alguém contratado especialmente para este fim, por tempo determinado, e com autorização da Assembléia. Uma vez que o curso tenha sido aprovado, os participantes decidem sobre a sua duração, o formato e a freqüência dos encontros. A relação entre o mestre e a classe é do tipo contratual, o que significa que se uma das partes não cumpre com suas obrigações, o curso é encerrado. Estudos individuais : constituem-se com base no interesse do educando por um tema específico no qual decide se aprofundar usando os recursos da Lumiar : livros, revistas especializadas, vídeos, cd-rom, pesquisas na rede mundial, laboratórios etc. Nesta pesquisa, o educando conta com a orientação dos educadores. Participação nas Assembléias, Fóruns e Comitês : assumir posições administrativas na escola possibilita aos educandos a oportunidade de desenvolver um amplo leque de habilidades e acumular experiência em diferentes campos de atuação, tais como: administração, contabilidade, economia, direito, culinária, eletricidade, eletro-técnica, marcenaria, carpintaria, biblioteconomia, secretariado, turismo, editoração, jornalismo, informática, relações públicas, horticultura e reciclagem. Nas Assembléias e no Fórum, os educandos desenvolvem o maior objetivo da escola: responsabilidade social, respeito ao bem comum e à ordem democrática. Intercâmbios : constituindo-se a Lumiar num centro de referência para a educação democrática, é facilitado também o intercâmbio com as escolas semelhantes espalhadas pelo mundo e com as muitas iniciativas educacionais de interesse no Brasil. Assim, os educandos podem passar temporadas em outros estados e países e também hospedar em suas casas educandos destes outros lugares, possibilitando a troca de experiências e o aprimoramento dos estudos de línguas estrangeiras. Vivência cultural : conferências, mesas redondas, seminários presenciais e virtuais (fóruns, chats , netmeetings ), mostras de vídeo, festas e festivais são organizados pela comunidade escolar e facilitados pelo Instituto Lumiar . Visitas e viagens : por iniciativa de educandos e educadores, organizam-se visitas freqüentes a concertos de música, espetáculos de dança, bibliotecas, museus, cinemas, teatros, eventos esportivos, planetários e outros locais de interesse. Fora da cidade, é possível organizar viagens a outros locais do estado de São Paulo bem como outras regiões do país, em que é possível explorar o meio ambiente e social de modo a complementar a formação do cidadão brasileiro. Educadores e educandos criam, em conjunto, oportunidades de sistematização do conhecimento adquirido individualmente e de compartilhar deste conhecimento com a comunidade escolar e com pessoas exteriores a ela. É no momento da sistematização e exposição dos trabalhos, que os educandos desenvolvem a capacidade de reelaboração e superação da linguagem de senso comum. Alguns exemplos de como se dá esta sistematização individual e coletiva do conhecimento: • • • • • • • • • • Tradução de artigo ou livro de interesse em língua estrangeira Produção de livro, revista ou jornal com artigos sobre temas de interesse da comunidade Produção de programa de rádio, televisão, filme, documentário ou página virtual Relatório sobre alguma atividade social, política ou cultural desenvolvida junto à comunidade Monografia sobre algum tema específico Obra de arte: pintura, gravura, escultura, música, conto, poesia, romance, teatro, fotografia, dança etc. Experimento científico ou desenvolvimento de algum procedimento científico. Desenvolvimento de software ou tecnologia da computação Projeto arquitetônico Proposta de solução para um problema social ou ecológico reconhecido Como dizia Tolstoi, o exercício do aprendizado não por coação, mas sim pela curiosidade é a única forma de respeitar o conhecimento e desenvolver nas crianças o gosto pelo saber. Fazendo uma licença no pensamento de Neill, podemos fazer ainda uma analogia com a jam session do jazz, quando cada músico mostra seu virtuosismo, improvisando sobre um mesmo tema, solando inclusive, mas sempre fazendo parte de um conjunto belo. Nas palavras de Tolstoi, “À medida que as crianças se adiantam nos estudos, mais se estende o ensino e mais se impõe a necessidade da ordem. Portanto, em uma escola que se desenvolve normalmente e sem violência, quanto mais instruídos são os discípulos, mais capazes da ordem tornam-se eles, mais sentem eles mesmos a necessidade dela, e mais se estabelece a autoridade do professor” . Para Neill, a forma de educar a criança para a auto-regulação é incentivar-lhe os sonhos possíveis, libertando-a dos impossíveis e encorajando-a sempre a encontrar seu caminho. Respeito ao conhecimento O conhecimento deve ser respeitado, o que significa que jamais pode ser utilizado como forma de punição ou de recompensa que se expressam nos sistemas de notas, gradações, tudo aquilo enfim que transforma o processo de conhecimento em um castigo, sofrimento, esforço, dor, obrigação. Ao contrário, o conhecimento é desejado e reconhecido como uma recompensa em si, bem como todos os trabalhos desenvolvidos pela comunidade escolar e para ela. Referências ALVES, Rubem, 2001. A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. Campinas: Papirus. CHAVES, E duardo O. C., 2002. Sua Escola a 2000 por Hora: Uma Nova Educação para uma Nova Era . São Paulo: Instituto Ayrton Senna. FOUCAULT, Michel, 1971. A ordem do discurso . São Paulo: Edições Loyola (original: “L'ordre du discours. Leçon inaugurale au College de France”, 1970). Freire , p aulo & ILLICH, Ivan, 1975. Diálogo . Buenos Aires: Busqueda. Freire, p aulo, 1999. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido . São Paulo: Paz e Terra. GEVERTZ, Rachel, 1991. Um pouco sobre a lendária figura de Janusz Korczak: a atuação da Associação Janusz Korczak do Brasil . São Paulo: AJKB. G reenberg , Daniel & SADOFSKY, Mimsy, 1998. Starting a Sudbury School: a summary of the experiences of fifteen start-up Groups. Massachussets: SVS Press. ILLICH, Ivan, 1971. Deschooling society . New York: Marion Boyars. KORCZAK, Janusz & DALLARI, Dalmo de Abreu, 1986. O direito da criança ao respeito. São Paulo: Summus Editorial (original de Korczak: 1924). KORCZAK, Janusz, 1981. Quando eu voltar a ser criança . São Paulo: Summus Editorial. (original: 1926). KORCZAK, Janusz, 1983. Como amar uma criança . Rio de Janeiro: Paz e Terra. (original: 1920) . LANE, Homer, 1968. Conversas com pais e mestres . São Paulo: IBRASA. Lebrun , Gerard, 1987. O Conceito de Paixão, in: Novaes, A. (Org.) Os Sentidos da Paixão . São Paulo: Cia. das Letras. 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