CAESB: saneamento básico, preço de luxo

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CAESB: saneamento básico, preço de luxo
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CAESB: saneamento básico, preço de luxo
Marcos Kohler
Na revisão anual das tarifas de água e esgoto do Distrito Federal para 2015, que acaba de
autorizar, a Agência Reguladora de Água, Energia e Saneamento Básico do DF– ADASA – não
deixou por menos: 16,2%, quase 10 pontos percentuais acima da inflação. Enquanto isso, a SABESP,
concessionária de São Paulo, foi autorizada a reajustar suas tarifas em 6,5%, índice compatível com a
inflação do período de referência.
Conceder aumentos muito acima da inflação para esses serviços tem sido a prática da
ADASA. Com isso, a agência tem chancelado o descontrole operacional e financeiro que caracteriza
a gestão da Companhia de Saneamento do DF (CAESB) nos últimos anos. Exatamente o oposto do
que deveria fazer: cobrar eficiência na gestão da concessionária pública, em obediência ao seu
mandato de defender os interesses dos consumidores e preservar a viabilidade financeira da
prestação dos serviços.
A observação de alguns poucos indicadores de desempenho da CAESB é suficiente para
demonstrar que a empresa vem dissipando os generosos aumentos recebidos ao longo do último
quinquênio, com visível queda na sua capacidade de geração de caixa livre.
Os dados do Gráfico 1 mostram que a folha de pagamentos da empresa vem crescendo a
taxas significativamente maiores que as da receita operacional – que é a soma de todas as contas de
consumidores ao longo do ano. Mesmo contando com um crescimento exuberante de 55% no
faturamento no período, a CAESB não conseguiu manter estável a relação entre o faturamento e a
folha. A despesa com pessoal mais que dobrou – um aumento de 105%, frente a uma inflação de
25,2% (IPCA anual julho a junho – base 2009). Isso significa que a folha teve um crescimento real
de 63,6%.
Gráfico 1
Evolução de indicadores financeiros e operacionais da CAESB
(base 2009)
120,0%
100,0%
80,0%
60,0%
40,0%
20,0%
0,0%
-20,0%
Produção total
Receita
tarifa média
água e coleta operacional bruta unitária (R$/m3)
esgoto
2010
2011
2012
IPCA
Insumos
adquiridos de
terceiros
evolução folha
2013
Fontes de todos os gráficos: Demonstrações Financeiras e Relatórios Anuais da Administração da CAESB
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O forte aumento real do faturamento da CAESB não se deu somente pela elevação de
tarifas unitárias (por m3 cúbico de água e esgoto) e pela expansão do volume de serviços prestados.
Parcela representativa do aumento da tarifa média é decorrente da extinção, na prática, da categoria
“residencial popular”, como se vê no Gráfico 2. Os consumidores “residenciais normais”, que, em
2010, representavam 50,2% dos consumidores, agora representam 94,0%! O percentual de
consumidores “residenciais populares” caiu de 44,4% para 0,1%. Isso quer dizer que apenas 1 em
cada 1000 consumidores do DF é ainda enquadrado nessa categoria, quando em 2010 a proporção
era de 444 para mil.
Gráfico 2.
Classificação sócio-econômica dos consumidores CAESB
(2009 a 2013
100,0%
90,0%
80,0%
70,0%
60,0%
50,0%
40,0%
30,0%
20,0%
10,0%
0,0%
Resid. normal
Resid. popular
2010
Outros
2013
O aumento de preços ao consumidor causado por essa reclassificação é significativo:
33,7%. Para exemplificar, 1.000 litros de água na tarifação inicial da CAESB para as “residências
populares” custariam hoje R$1,66 – caso o segmento não tivesse sido extinto; já para os
consumidores “residenciais normais” a tarifa é de R$ 2,20. Como se vê, além de avançar nos preços
bem acima da inflação, a política de preços do saneamento no DF é ainda mais abusiva contra os
mais pobres.
Os subsídios nos sistemas de saneamento básico no Brasil são cruzados. Consumidores de
maior poder aquisitivo pagam mais caro, porque níveis maiores de consumo têm tarifas unitárias
maiores. Duas variáveis determinam o grau de subsídio: o nível do consumo (quanto menor o
consumo, menor o preço unitário) e a classificação sócio-econômica. O subsídio por volume de
consumo é bastante eficaz, no sentido em que é autorregulável. Se o consumidor passa a consumir
mais, sua tarifa média sobe, sem necessidade de qualquer controle burocrático, pois faixas de
consumo mais elevadas têm tarifa mais alta. Se houve redução dos beneficiários do subsídio pelo
critério sócio-econômico, deveria ter havido queda concomitante nas tarifas mais altas, mantendo
fixa a tarifa média.
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Voltando ao Gráfico 1, a tarifa média faturada pela CAESB cresceu 40% no período de
2009 a 2013 - saindo de R$ 2,80 (por mil litros de água e esgoto) para R$ 3,89 - frente a uma
inflação de 25,2%.
A disparada das tarifas unitárias explica a forte elevação do faturamento real da CAESB
(descontada a inflação) de 23,8%, enquanto a produção cresceu menos da metade desse percentual:
apenas 11,7%: saiu de 308 milhões de m3, em 2009, para 344 milhões de m3, em 2013, como mostra
o Gráfico 3.
Gráfico 3.
Evolução da produção e do faturamento real da CAESB
(2009 a 2013)
25%
20%
15%
10%
5%
0%
faturamento real
produção
Outra tendência preocupante vista no Gráfico 1 é a compressão dos gastos com insumos de
terceiros, que tiveram crescimento de 17,6% entre 2009 e 2013, inferior ao índice de inflação do
período (de 25,2%). Isso pode ser um indício de possível canibalização da rede e dos equipamentos
da empresa, embora sempre exista a possibilidade de que essa redução de custos esteja relacionada a
ganhos de eficiência. Ao mesmo tempo, mostra a desproporção entre o aumento da folha de
pagamento e os demais custos de operação. A título de comparação, a Sabesp gerou, em 2013,
receita bruta de aproximadamente R$ 12,9 bilhões e gastou com pessoal 1,6 bilhão, uma
percentagem de 12,4%. Já a CAESB faturou R$1,3 bilhão e despendeu R$ 556 milhões com folha de
pagamento, uma proporção de 42%, o equivalente a 3,5 vezes o gasto relativo com pessoal da
SABESP.
Existem outras anomalias flagrantes. O Gráfico 4 demonstra que o lucro líquido vem
sendo erodido. A erosão do lucro e o encolhimento dos gastos com terceiros são indícios de que a
empresa talvez se torne incapaz de manter e expandir sua rede nos níveis requeridos pelo consumo
de uma população crescente. Também grave e anômala é a tendência de crescimento da parcela do
lucro distribuída aos empregados, em detrimento do acionista majoritário – o GDF. Em 2011 se deu
o caso mais alarmante dessa prática perdulária: apesar da queda expressiva no lucro, os empregados
amealharam participação de R$ 9,5 milhões, mais do que o dobro do que restou ao acionista
controlador, meros R$ 4 milhões. Em 2012, com aumento no lucro, a participação dos empregados
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foi de R$ 37,6 milhões, ou 70% do que foi destinado ao GDF. No caso da SABESP, a participação
no lucro dos empregados, em 2013, foi de R$ 68,5 milhões, diante de um lucro líquido de R$ 1,9
bilhões, uma proporção de 3,6%.
Gráfico 4.
Lucro líquido e participação dos empregados no lucro (em R$ mi) e
relação entre participação e lucro (%)
CAESB - 2009 a 2013
120,0
250,0%
100,0
200,0%
80,0
150,0%
60,0
100,0%
40,0
50,0%
20,0
-
0,0%
2009
2010
lucro líquido
2011
participação no lucro
2012
2013
relação participação/lucro
Diante da atual crise hídrica de São Paulo, poder-se-ia argumentar que, apesar dos bons
indicadores financeiros, a Sabesp não é um exemplo a ser seguido. Em relação a essa crítica, há duas
réplicas possíveis. A primeira é que a situação no Distrito Federal é confortável somente em função
de investimentos pesados feitos antes de 2009 e de uma hidrologia mais favorável que vem atingindo
a região. De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, no quadriênio 20102013, a Sabesp investiu R$ 9,6 bilhões, ante R$ 600 milhões da Caesb. Como proporção do
faturamento, esses gastos correspondem a 26% e 13%, respectivamente. Assim, a crise hídrica de
São Paulo se deve, muito provavelmente, a alguma falha de planejamento da estatal, mas não a
insuficiência de investimento. Pelo nível dos investimentos da CAESB, se a situação hidrológica
fosse igual, talvez os efeitos sobre o Distrito Federal fossem piores.
Em resumo, o que se vê na CAESB é a subordinação do interesse público às demandas
salariais das corporações – em prejuízo da eficiência do serviço e dos consumidores e contribuintes,
especialmente os mais pobres. O mesmo padrão de captura que levou a administração direta do
Distrito Federal à falência. É preocupante que esse modus operandi venha contando com a
prestimosa complacência da agência reguladora, que, assim, parece ter perdido a noção de sua
finalidade.
É preciso que a ADASA explique seus critérios de tarifação. De outro modo, o
saneamento básico no DF acabará se tornando artigo de luxo.
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