8. A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE Rio [de Janeiro], 4 [de

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8. A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE Rio [de Janeiro], 4 [de
8. A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Rio [de Janeiro], 4 [de] agôsto [de 1924?]
Você não imagina o sucesso que tem feito a sua “Cantiga do Viúvo”. Todo o
mundo que lê aquilo fica logo em transe.
O Vila, que anda numa fase de “Serestas” sôbre versos nossos. Já musicou o
meu “Anjo da Guarda”, o “Desejo” do Guilherme, a “Iara” do Mário, “Abril” e “Canção
de um Crepúsculo Carioca” do Ribeiro Couto, etc.
Pois a “Cantiga do Viúvo” também está feita e ficou deliciosa. Sobretudo o “me
beijou, me consolou” e o final “acabou” que acaba da maneira mais acabada que já
acabou neste mundo.
MANUEL.
Um abraço do
9. AO MESMO
Rio [de Janeiro], 3 de setembro [de 1924?].
Impossível mandar a seresta da “Cantiga do Viúvo”. O Vila já entregou o
original à casa Artur Napoleão. Seria preciso mandar tirar cópia do borrão do Vila. A
3$000 por página, seriam uns 9$000. Ando numa miséria tão safada que preciso
defender os tostões pra comer!
A Germaninha Bittencourt cantora vai dar no próximo dia 16 um concêrto de
música brasileira, uma parte do qual é constituída por seis das serestas, entre elas a dos
teus versos.
Nada tenho feito.
Um abraço, e os melhores votos para tua Senhora. M.
10. AO MESMO
Rio [de Janeiro], 21 [de] outubro [de] 1924.
Fico-lhe muito obrigado pela gentileza de me ter enviado os artigos que publicou
em jornais de Minas acêrca da poesia moderna. Êles revelam uma inteligência ágil e o
claro conhecimento do assunto. Você tocou em mais de um ponto a respeito dos quais
aqui se conversa muito. Assim, por exemplo, o problema do nacionalismo na arte
brasileira. O Graça Aranha condena o primitivismo e bate-se pelo universalismo. Esse
universalismo entretanto não exclui os temas nacionais, como êle próprio se encarregou
de mostrar no Malasarte. O Oswald de Andrade defende o primitivismo, mas o
primitivismo dêle é civilizadíssimo: creio que há mal-entendido na rotulação: o que êle
quer é acabar com a imaginária livresca, fazer olhar para a vida com olhos de criança ou
de selvagem, virgens de literatura. Conheço alguns poemas Pau-Brasil, onde há coisas
assim: “A lua nasceu, com licença da Câmara Municipal”. É ingênuo, mas ingenuidade
de civilizado. Sucede o mesmo com as músicas negras de Vila-Lôbos. Em suma, não se
trata de falar ou cantar como crianças negras ou selvagens mas de se exprimir com o
mesmo lirismo ingênuo. Pensando bem, creio que no fundo estão todos de acôrdo e o
problema é enquadrar, situar a vida nacional no ambiente universal, procurando o
equilíbrio entre os dois elementos. O Mário de Andrade, que me parece ser o nosso
maior poeta atual e o segundo grande poeta brasileiro (o primeiro foi Castro Alves)
parece ter resolvido o problema nos seus últimos poemas, sobretudo no “Noturno de
Belo Horizonte”, que é todo o Brasil, ou pelo menos, um pedaço enorme de Brasil,
sentido com larga emoção por um espírito de alcance e de cultura universais.
Obrigado pelo que diz de mim. Mostrou ter-me compreendido o que sempre é
tão reconfortante. Você já deve ter parado nas estradas para ver o quadrinho malicioso
dos sapos em symposium ao redor de um poste de iluminação...
A sua admiração nada tem de provinciana e lisonjeou-me grandemente.
Aliás sou provinciano também –– um provinciano, de Pernambuco, que vive
desde menino na côrte, com uma burra saudade dos engenhos, onde aspirou aquêle
cheiro das tachas de açúcar, das quais disse Nabuco, e com razão, que nos embriaga
para tôda a vida.
Receba um abraço e disponha do amigo e ador,
MANUEL BANDEIRA.
11. AO MESMO
Rio [de Janeiro], 5 [de] fev[ereiro de] 1925.
Só agora respondo à sua cartinha de boas-festas. Demorei tanto porque pensei
retribuí-las pessoalmente, pois andei armando uma viagem até aí na companhia de
Gilberto Freyre, que como eu ainda não viu as velhas cidadinhas mineiras do tempo em
que o reyno era mais christão. As combinações falharam.
Agora o Rodrigo me acena com a possibilidade de dar um jeito quando fôr para
aí. Tomara! Ando com a necessidade inadiável de ver Ouro Prêto, Mariana, S. João d’El
Re, Congonhas e Sabará!
Tenho lido os seus poemas ùltimamente publicados, todos excelentes ––
“Quadrilha”, “Social”, “Papai Noel às Avessas.”
Muito obrigado pela remessa do Diário que percorro sempre com prazer.
Até breve ou então até um dia!
Recomende-me aos poetas daí, João Alphonsus, etc.
Um abraço do
MANUEL.
12. MARTINS DE ALMEIDA
Rio [de Janeiro], 23 [de maio de 1925.]
Eu acho que você gosta de mim. Pra teimar em escrever assim pra um ingrato, só
gostando mesmo. Pois fêz muito bem e pode gostar: 1º porque eu preciso de ser gostado
e 2º porque eu também gosto de você.
Sim, recebi tudo: carta felicitando pela primeira crônica de A Noite, revistas e
agora cartãozinho. Eu não estava imbuído de nenhuma idéia a seu respeito que mesmo
de longe fôsse pejorativa. Imagino você gordo, cara redonda, pacatão, preguiçoso de
físico, muito guloso e bom à bessa. Isso tudo por causa da sua letra esparramada. E’
assim mesmo? Se você não fôr assim, não sei como vai ser! Eu não aceito você de outra
maneira!!
JÁ SEI DANÇAR
Mas não fiquei o maior poeta do Brasil não. Em poesia, Martins, continuo a ser
coiòzinho. Pra que me torcer, Martins? Eu sou coiòzinho mesmo. Só que às vezes me dá
dor de côrno e eu fico safado e faço a “Vulgívaga”.
Agora ando muito coiòzinho. Prova êste.
MADRIGAL TÃO ENGRAÇADINHO
Teresa você é a coisa mais bonitinha que eu vi até hoje na minha vida; inclusive o porquinho-daíndia que me deram quando eu tinha seis anos.
Abração do
MANUEL.
13. A JOANITA BLANK
Rio [de Janeiro], 8 de julho de 1925.
Como você não tem aí grandes divertimentos, venho lhe contar umas lérias. Em
primeiro lugar, divirta-se com as bobagens de X. no Jornal. As fotografias são dois
borrões, mas eu tenho cópia, que comprei do fotógrafo, o qual veio procurar-me aqui no
meu quarto. Magu ficou muito encabulada com essa notícia, e andava tão impressionada
(julgando que a festa foi um fracasso, uma bagunça, etc.) que tomou nojo da mansion e
aproveitou a ida de Zé Cláudio a São Paulo para ir com êle. Não há razão para ela estar
assim: todo mundo achou a festa ótima. Imagine que duas pessoas perderam jóias –– a
Maria Barroso, uma esmeralda, e Cecília Pereira um brilhante; pois foram achados no
jardim! Até nisso houve sorte.
A outra léria engraçada é a história de uma conferência feita em Havana por um
diplomata brasileiro sôbre literatura brasileira. Falou muito sôbre mim e contou que eu
passei quase tôda a minha vida na Europa, encerrado numa clínica de Leysin, vendo
morrer dia a dia os meus companheiros. Depois regressei ao Brasil, “carregado de
amargura e sofrimento”. Está claro que morri. A minha morte parece que foi uma cena
muito tocante. Eu tinha pedido que tocassem a Sonata ao Luar. Assim fizeram e eu
exalei o último suspiro, dizendo as seguintes palavras –– Mon Dieu, comme ile est dur
de mourir quand je pourrais créer tant de beautés!
Mais gozado do que isso, não é possível. Ontem jantei com Mário 1 no “Cristal”
(grappe-fruit, deliciosa pescadinha cozida e mille-feuilles) e depois fomos ouvir os
americaninhos do Yale Glee Club, um coral magnífico. Cantaram Negro Spirituals,
canções de estudantes, cânticos religiosos e três coisas muito bonitas de Vila-Lôbos.
Grande sucesso. O Instituto cheio à cunha. Americano que não acabava mais. No fim do
concêrto cantaram o nosso hino, o que provocou grande entusiasmo. Aliás as músicas
do Vila também foram cantadas em português com boa pronúncia (Na Baía tem, etc.).
Por hoje só. Um abraço de
1
Mário: Mário de Andrade
MANÉ.
14. A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Rio [de Janeiro], 31 [de] agôsto [de] 1925.
Viva! a Revista está muito boa. Só tem de provinciano aquêle destaque
tipográfico dado aos versos do Pereira e do Onestaldo. Mando-lhe uns versos, mas exijo
que saia no corpo comum do resto do texto.
C. que assina a nota crítica sôbre o livro de Crémieux é você? Achei admirável e
concordo em gênero, número e caso com o que diz do Proust.
Gostei dos seus versos, dos do Nava, do João Alphonsus (gostei também muito
da “Pesca da Baleia”), das notas críticas do Martins de Almeida e de Emílio Moura. O
Mário diz de vocês que é o grupo de modernistas mais fortes que o Brasil tem.
Aconselho diplomacia nas relações com o passadismo mineiro, Aproximação e sova por
meio da prosa raciocinadora.
Porrada só como revide.
Um abraço do
MANUEL BANDEIRA.
15. A JOANITA BLANK
Rio [de Janeiro], 10 e outubro de 1925.
Joanita, quando você voltar vou te ensinar comer melado de Campos. E’ bom!
Guita, quando você voltar vou te ensinar comer melado de Campos. E’ gochtoso,
memo! Pra dizer isso é preciso demorar bastante no “goch...” e depois pronunciar bem
depressinha o “toso, memo”. Para ficar completo tem que se fazer um jeitinho ridículo
com as mãos, dando um pulinho e ficando com a cara de Juca Castro Silva quando
acaba de se rir. Digo tudo isso porque a rainha 2 pode querer aprendê, não é? Pra Mami 3
o melado é puxa-puxa demais, Mami é mulhé pra mel de abelha.
Proporção
Melado: Joki : : mel de abelha : Mami.
Donde
Mel de abelha = Mami melada por cima de Joanita.
2
3
Rainha Guilhermina, da Holanda, onde se encontrava a destinatária da carta.
Mami: a mãe de Joanita Blank.
FÊCÔLÔCO! FÊCÔLÔCO! 4
Mário de Andrade me mandou um caderno de versos antigos dêle, passadistas, e
no meio tinha esta quadrinha
O amor deixa na alma louca
Uma lembrança amargosa.
Caju, que é fruta gostosa,
Deixa um apêrto na bôca.
Por isso Mami não gosta de caju.
Bom, basta de lezera. Adeus.
MANÉ.
16. A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE.
Rio [de Janeiro], 26 [de] outubro [de] 1925.
Recebida a sua de 7.
Vou ver então se do n.º 4 em diante posso mandar à Revista umas cartas do Rio.
Não me confinarei, porém, no rincão musical, onde não passo de tapeador intruso. E
será só por afeto a vocês, pois nenhuma vontade tenho de escrever. E’ que vocês, sem
parolagens nem lembranças, têm uma fôrça de simpatia cativante. Por aqui quando se
fala no “grupo mineiro” é com admiração, respeito e uma enorme esperança. E de fora
também recebo testemunhos iguais: do Ribeiro Couto, por ex.. Se você escrever a êle
(enderêço: Pouso Alto, E. de Minas), receberá colaboração na certa.
Se lhes fôr possível, mantem-me de novo o 1.º e o 2.º n.ºs da Revista. Dei os
meus. O 2.º ao crítico da Vanguarda, José Vieira, que gostou muito de vocês e vai
escrever sôbre a Revista. Para que livraria daqui mandam vocês a Revista? Procurei no
Garnier, no Leite Ribeiro, no Boffoni e não achei. Convém mandar para essas três
livrarias.
O Guilherme de Almeida embarcou esta manhã para o Recife. Foi muito feliz no
sul. Descobriu uns dois ou três rapazes que são poetas de verdade e inteligentes: terreno
virgem onde a semente caiu e grelou imediatamente. Augusto Meyer, 21 anos, escreveu
uma coisa chamada “Boi-Tatá” que é definitiva. A firma Prudente & Sérgio já a
confiscou para a “Estética”. O Brasil é a província, Carlos Drummond.
4
Fêcôlôco: Ficou louco.
O que faltava à província era a informação. Mas olhe agora São Paulo! Olhe
Minas! Olhe o Rio Grande!
Receba, com o Almeida 5 e o Moura 6, um abraço apertado do MANUEL.
17. AO MESMO
Pouso Alto, 3 de fevereiro, [de 1926.]
“Ouro Prêto”, “Cantiga de Viúvo” e “Infância” são os poemas mais gostosos que
já li de você. Mas me diga: Que quer dizer o verso “Procuro na valise os Alpes
tiritando”? Nem eu nem o Couto entendemos. Tanto o cu do pato como o cu do pinto
estão lindos e me encantaram. A paisagem burguesa não me interessou. A cantiga do
viúvo é absolutamente perfeita: dá dor de côrno. Também absolutamente perfeita ficará
para o meu gôsto a “Infância” se você tirar o verso “Comprida história que não acaba
mais”. É um verso morto que destoa no poema onde cada palavra parece afundar no
passado.
D r u m m o n d
v o c ê
f
a
é
c
d e
t
o
(quis fazer um bonito underwoodico e remingtônico em sua honra mas me borrei todo;
foi Couto que botou azar)
O Losango Cáqui já foi gozado aqui. Aliás já era meu conhecido em manuscrito.
Novos pra mim só os poemas “Jorobabel”, guai estupendo. “Toada sem Álcool” e
“Toada da Esquina” quebrando, deliciosamente de resto a unidade reservista e teutocoió do livrinho. Mário é o bicho e faz a gente (inclusive Couto deblaterador) sentir o
P Ê S O.
Se você não fôsse pau e tivesse querido ficar pra dormir no dia em que jantou
aqui com uma pressa tão grande que nem o vinho acabou de beber, eu teria lido pra
você (era meu intento) a “Evocação do Recife”, coisa que fiz por pedido e sugestão do
Gilberto Freyre. Eu quando digo aquilo mato o auditório na cabeça, ainda quando o
passadismo circunstante se complica de matronas multíparas. É preciso corrigir dois
erros de composição: “Depois do jantar a gente grande tomava a calçada etc.” e lá pro
5
6
Almeida: Martins de Almeida.
Moura: Emílio Moura.
fim “O mundo com uma porção de coisas que não se entendia bem”, o mundo não, a
vida.” “A vida com uma porção de coisas que não se entendia bem.”
Gilberto Freyre é um rapaz de 24 anos, creio. Informaram-me que já esteve 4
anos nos Estados Unidos. É inteligentíssimo. Não é modernista mas gosta muito de nós.
Está fazendo no Norte uma campanha em favor das boas tradições brasileiras. Parece
que foi êle quem descobriu aquêle desenhista meu chará e o Joaquim Cardozo que
também é pintor. Êsses três passadistas me parecem muitíssimo mais interessantes do
que os “modernistas” de lá, todos muito fraquinhos.
Bem. Como Ribeiro Couto continua a botar azar.
Vou acabar
. . . acabar. . .
. . . acabar. . .
Um abraço ao Martins de Almeida (a quem devo resposta) e outro pra você do
BANDEIRA.
18. A JOANITA BLANK
Rio [de Janeiro], ... [fevereiro? de] 1926.
Já fui visitar o Oiticica, que foi sôlto, e levar o meu livro. Fui com o Sérgio
Buarque. Oiticica estava um pouco adoentado e nos fêz subir para o quarto. Uma bruta
sala caiada, uma cama de casal e três caminhas de criança, uma baita mesa de trabalho
no centro da sala. Três menininhas a-do-rá-veis se preparavam pra dormir. Uma delas
deitou-se e ficou da cama com os olhinhos muito espertos olhando pra mim. Eu disse
assim: Tu parece um coelhinho!
O Oiticica contou coisas fantásticas da Ilha Rasa! Vocês naturalmente pensam,
como eu pensava, que é um rochedo com o farol em cima e mais nada, não é? Pois
fiquem sabendo que é uma ilha maior que Paquetá, com florestas, plantações de
coqueiros, cana de açúcar, batatas, etc., com muita cabra, pássaros, gatos selvagens
(gatos domésticos levados pra lá e que ficaram selvagens). Enfim, incrível.
A revista que Mami mandou é muito interessante. Naturalmente, como é
modernista, Sérgio Buarque conhecia e assina! Aquela Parisys sôbre quem vinha uma
crônica está aqui agora com a companhia do Cassino de Paris. Ainda não fui ver. A
censura obrigou o pessoal a se vestir mais, mas apesar disso um grupo de sujeitos da
liga pela Moralidade vaiou lá uma artista que êles acharam indecente. Houve protestos,
palmas, o charivari do costume. As mulherezinhas devem se divertir com isso.
Vou traduzir para a Vida Doméstica a história do alemão que andou o mundo a
pé. Tudo que cai nesta rêde é peixe.
Joanita se lembra de uma professorinha morena, bonitinha, que tem uma voz
muito esganiçada (da Escola do Curvelo)? Uma que eu dizia que era irmã do tal
jornalista que almoçava no Heim com o Ribeiro couto no tempo em que êste pensava
que para ficar rico bastava andar de automóvel e comer no Heim? Pois Costinha
principiou um flirt com ela. No outro dia de noite êles estavam conversando no telefone
e junto da mesa estava o meu livro de versos. Por falta de assunto, Costinha disse: ––
“Vou dizer uns versos pra você”. Abriu o meu livro e leu uma poesia. A professorinha
não quis acreditar que eram meus. Costinha leu outra coisa. Eu acho que ela pensava
que eram do próprio Costinha. Pediu então que no dia seguinte mandasse o meu livro.
Costinha mandou. O resultado vocês já imaginaram: veio o álbum para autógrafo. Mas
com a recomendação que devia ser coisa feita de propósito para o álbum. Na primeira
página retrato da dona com o nome assim: “Maria Bomfim Lima (Bihi). “Bihi” é o
apelido. Então escrevi:
TUDO EM I
Por mais rara que fôr (como eu queria)
E’ ruim
A rima
–– Já vi ––
Para eu a pôr neste álbum de Maria
Bomfim
Lima
(Bihi).
Soube depois pelo Costa que ela achou “muito gracioso”.
Bem, o resto vai depois. Dia 12 tem vapor. Dia 13 tem vapor. Dia 14 tem vapor.
Holandês, inglês e alemão.
Muitas e muitas saudades de
MANÉ.
19. À MESMA
Rio [de Janeiro], 11 de fevereiro de 1926.
Estou na minha casinha! Sinal que estou contente, na baita da sala de trás com o
bruto sol e o bruto mar todos dois entrando pela alma da gente adentro! Encontrei
Costinha correto e aumentado. Comprou um terno Maple e uma gueba vitrola de
armário, onde o prelúdio de Pugnani e a Ave-Maria de Schubert ficam um assombro. E’
gozado aí por volta das 5 h. ficar no quartinho, afundado no Maple, ouvindo um fox-trot
bem triste!! Encontrei aqui cartas de vocês que foi um regalo.
Mas vamos tratar da vida. Pretendia, como disse em carta anterior, sair de Pouso
Alto no dia 9 de manhã, parar em Rezende e continuar viagem no dia seguinte. Mas a
Rêde Sul-Mineira está muito escangalhada com as chuvas, os trens andam com um
atraso danado e como o Couto precisava estar infalìvelmente em Rezende no dia 9,
resolvemos antecipar a partida para o dia 8. Desceríamos para Resende no misto que
passa em Pouso Alto às 7,30 da noite. Pois, minha gente, foi uma expedição! Primeiro
pra começar, a estrada de Pouso Alto para a estação estava se consertando, de sorte que
não passava nem automóvel nem charrete. À vista do que tivemos que ir... de carro de
boi! Dois caixões com uma manta por cima e nos instalamos eu, a Menina 7 e o Couto e
levamos uma hroa pra chegar –– uma coisa que o automóvel faz em 10 minutos. Com
os balanços do carro a Menina, xentes! embruiou o estômago e quando chegou à estação
gumitou, gumitou que não foi vida. O carro ia cantando, o crepúsculo estava estupendo
e o Couto (que raspou a cabeça à máquina! está agora completo!) me disse: “Você,
Manuelzinho, nunca pensou que havia de ter a honra de viajar em cima de um órgão!”
Chegados na estação soubemos que o trenzinho vinha com um atraso de 2 horas.
Apenas. Ficamos lá como almas penadas, a Menina, xentes! com o estômago pendurado
na bôca e eu safado da vida. Resolvi logo vir direto ao Rio, aproveitando a
correspondência com o noturno. Chegamos a Cruzeiro à meia-noite. Como a Menina
estava derreada, xentes! com a gumitação e o Couto com dor nos rins, êles resolveram
pernoitar em Cruzeiro. Instaram muito comigo pra ficar. Mas eu estava plus que jamais
o gafanhoto noturno que quer acabar de uma vez com a maçada. Ficar em Cruzeiro,
para estranhar a cama, não dormir e no dia seguinte viajar de dia, que me cansa tanto?
Pois sim! Comprei passagem no noturno, sem cama. Chegou o trem com meia hora de
atraso COMPLETAMENTE CHEIO. O Couto quis me reter. Eu arrisquei viajar em pé.
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Menina: Sra. Ribeiro Couto.
Tive sorte. Logo que o trem partiu, passou o chefe do trem e eu, com o meu arzinho
mais corruptor, perguntei se não podia se dar um jeito pra me arranjar cama. Não tinha,
mas em Queluz (1/2 hora depois) ia vagar um leito. Nem foi preciso corrupção. Bati os
13$200 e me espichei no matelas. Não dormi mas fiz melhor: ouvi durante tôda a noite
o poema futurista “Petreque-petreque! Petreque-petreque! Tunel! Petreque-petreque.
Pontilhão! Petreque-petreque –– fiiiiiiiiiiiii...u! Parada. A lanterninha do vigia. Uma voz
no meio da noite. Etc.”
MANÉ.
Dag!
20. A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Rio [de Janeiro], 21 [de] 9[setembro de 19]26.
Estou à espera dos versos prometidos. Concordo em falar franco. Aliás você já
sabe o juízo que faço dos seus versos: poesia da melhor que se faz atualmente no Brasil.
Onde tenho gostado menos de você é nas entrevistas e artiguinhos: não vale mais a pena
brigar nem bancar o desprêzo. Nem é bom falar mais em modernismo. Preferia que você
trabalhasse em algum ensaio: medite que nunca se escreveu inteligentemente sôbre os
nossos poetas mortos: não há um estudo bom sôbre os românticos! Os críticos anteriores
à sua geração não tomavam de poesia, e os poetas eram ou burros ou ignorantes quando
não uma e outra coisa... Você é poeta e inteligente.
Os melhores votos pela saúde de sua mulher. Abraço do M.
21. A ANTÔNIO DE ALCÂNTARA MACHADO
Rio [de Janeiro], 13 [de] out[ubro de] 1926.
Já enviei o meu livro ao Jean Duriau. Ao seu outro pedido é mais difícil atender:
não que eu guarde ressentimento de Terra Roxa. De fato não tenho nada senão isto:
NOTURNO NA FAZENDA
Saparia no brejo?
Não: são os quatro cãezinhos policiais bebendo água.
A bica secou há mais de quatro meses. Sou assim. Tem vêzes que levo mais de
um ano sem fazer um verso. Quando já me esqueci de ter sido poeta, um belo dia, na
ocasião menos própria às vêzes, vem a graça de Deus de repente... Então geralmente
faço três, quatro coisas a seguir.
Quanto à minha prosa, não dou a ela a menor importância: me sinto como um
cavaleiro desmontado. Ainda ùltimamente no 2.º n.º da Revista do Brasil tive essa
impressão comparando, envergonhado, as minhas notas à prosa tão ágil, tão môça! de
você –– sempre admirável na argumentação –– do Prudentico, do Ribeiro Couto, do
Gilberto Freyre. Como vocês escrevem bem! Me dá dor de côrno, palavra! Ora numa
revista de vanguarda, como Terra Roxa importa que demos sempre o melhor de nós
mesmos. Porque quando se cai na vanguarda, o resto da tropa passa por cima...
MANUEL.
Um abraço afetuoso do
22. AO MESMO
[Sem data. Outubro de 1926?].
Convite aos Antropófagos
Vocês não estão cumprindo bem os seus deveres de antropófagos. E’ verdade
que você engoliu num ápice o Dr. Fernando de Magalhães, e que o nosso querido
Mário, no espaço de uma só manhã, deglutiu perfeitamente Gandi, Lenin e Luís Carlos
Prestes (com grande nojo do Graça Aranha, que viu nesse petit déjeuner canibal uma
escandalosa confusção de valores). Mas para a sanha de quem via vindo a nossa comida
pulando, confesse que é pouca a aferração mental dos companheiros.
O jovem Antônio de Santa Engrácia,8 redator de sueltos no Jornal do Brasil, tem
razão: os antropófagos estão abusando da goiabada. O Brasil corre, neste momento de
brasilidade modernista, o risco de degenerar em República de Pesqueira. Ora eu, apesar
de pernambucano, não gosto muito da goiabada de Pesqueira: prefiro a de Campos, que
tem cascão. Admito a goiabada (como sobremesa), mas exijo o cascão.
Convém, outrossim, chamar a atenção para a dispepsia precoce de alguns
curumins antropófagos. O Rosário Fusco, por exemplo, meteu-se a devorar o Mário, não
digeriu e revessou aquêle
8
Pseudônimo de Ribeiro Couto.
O meu amor, rapazes,
que me embrulhou o estômago de uma vez. Assim não se pode comer!
Mas o principal assunto desta não é nada disso. Eu queria era apresentar aos
antropófagos o Dr. Artur Imbassahy, autor deste pedaço de prosa estampado no Jornal
do Brasil de 28 de junho:
Carlo Zecchi é um pianista de tão diamantina têmpera que chega a fazer suportar
sem enfado e até mesmo a se ouvir com certo interêsse aquelas duas extravagâncias de
Ravel: –– Alvorada del Gracioso e o Jeux d’Eau. Lamentara eu, entretanto, que o
programa estivesse mesclado com aquêles produtos de uma inspiração enfezada,
nascidos exclusivamente do cálculo, sem que por êles passassem os eflúvios do coração,
e cujo valor único depende sòmente de um executante de brilho, dotado de uma técnica
como a do temido virtuose, sob cujos dedos aquelas páginas alcançaram um colorido
que até êste momento eu desconhecia.
O Dr. Imbassahy é crítico musical do Jornal do Brasil. Há dez anos se bate pela
aspiração de ver levantada a tampa dos pianos nos números de acompanhamento. Tem,
como se vê, incontestável competência em assuntos musicais. Antropófagos, eu
proponho a deglutição imediata do Dr. Imbassahy!
Verdade que a carne é dura. Mas pode-se entregar o pior pedaço ao empresário
Felício Mastrangelo, que tem bons dentes, ar feroz e excelente estômago.
Seu, muito codialmente,
MANUEL BANDEIRA.
23. A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Rio [de Janeiro], 17 [de] dez[embro de 19]26.
Bons Anos! Quase um mês que recebi sua carta. Desculpe a demora, que é
devida à incerteza e aborrecimentos de vida. Parece que por tôda a semana que entra
largarei do Rio para uma viagem escalada até Belém do Pará. Terei que descer em
Bahia, Recife (não a Mauristad dos armadores das Índias Ocidentais!...), Paraíba, Natal,
Fortaleza, S. Luís. Estarei de volta dentro de dois meses. Vou a serviço da Agência
Brasileira, S. A. de fins jornalísticos.
Gostei muito da “Elegia do Rei de Sião”, salvo o último verso que acho
dispensável. Gostei extraordinàriamente de uns outros versos seus que vi em mãos do
Sérgio Buarque (No meio do caminho tinha uma pedra, etc.). Frisei a minha gostação
porque pelo Sérgio soube que o Mário lhe desaconselhara a publicação do poema, por
julgá-lo o melhor exemplo de cansaço cerebral. De fato assim é. Mas que é que se
procura num poema, –– é poesia, sim ou não? Há ocasiões em que no cansaço cerebral
só fica uma célula lírica aporrinhando com uma baita fôrça emotiva!
Agradeço-lhe a remessa do Diário. Tenho lido o que V. lá tem publicado sob
pseudômino. Li o artigo do menino. O guri promete, mesmo. Mandei o meu livro a êle
com uma dedicatória de agradecimento. Creio que ficou satisfeito.
Por aqui nada de novo, literàriamente. No próximo n.º da R. do Brasil vai uma
nota minha debochando os discursos da recepção do João Carlos, João não, Luís Carlos.
Escrevi também uma entrevista pro Jornal. Aparecerá no próximo domingo ou no
seguinte.
Adeus, Carlos Drummond de Andrade.
M.
Um abraço e muita saudade.
24. A GILBERTO FREYRE.
Rio [de Janeiro], 4 de junho [de 1927].
Recebidos os cinco exemplares do teu poema. Vila-Lôbos está na Europa. Já
entreguei os exemplares do Rodrigo e do X. A êste fiz sentir a nuance das dedicatórias,
sem falar na minha. Quando êle estava todo fagueiro por ter ganhado o “caro”, eu
mostrei que o meu pedaço era maior porque era “querido”. Ficou safado. Disse que não
aceitava o “caro”, que também queria o “querido”. Que eu ganhei o “querido” porque
fui a Pernambuco, mas que êle também havia de ir a Recife. Êsse ano êle está estudando
alguma coisa et pour se délasser toma de vez em quando um daqueles monumentais
porres da série um milhão.
Agora descobrimos um joguinho de bar chamado “cavalinhos”, que é o tipo do
fine.
EXPLICAÇÃO DO JOGUINHO DE BAR CHAMADO CAVALINHOS:
Quando já se tomaram uns sete ou oito chopes, acavalam-se os papelões como se
vê na gravura n.º 1.
E’ a pista.
Cada um dos parceiros tira à sorte numa figura do dado: é o seu cavalo (ou égua
se fôr a rainha, dama ou p., como queira chamar a mulher do rei e amante do Jack).
Não esquecer que os nomes de Dinazarda e Queen Elizabeth dão sorte.
Alinham-se então os cavalos segundo se vê na gravura n.º 2.
e o que tem maior figura (o ás é a maior, a que se seguem rei, dama, valete, etc.), deita
um dado. Se sai a sua, êle empurra o cavalinho para cima do primeiro papelão e tem
direito a deitar novamente o dado. Se se f., passa o copo adiante. Quando sai a figura
correspondente ao cavalinho de outro parceiro, empurra-se o cavalinho do outro
parceiro e passa-se o copo adiante.
Geralmente se joga a 200 réis o páreo, mas há grandes prêmios de 400 réis
(Criação Nacional ou Animação), 500 réis (Paulo de Frontin, Dr. Zózimo Barroso,
grande poeta Manuel Bandeira, etc.), raramente 1.000 réis (Araci Côrtes).
O joguinho é muito excitante e quando menos se espera está tudo no porre.
Teu poema, Gilberto, será a minha eterna dor de côrno. Não posso me conformar
com aquela galinhagem tão gozada, tão sem-vergonhamente lírica, trescalando a
baunilha de mulata asseada. S!
Tua antologia já está comigo. Vou ficar com ela mais alguns dias para travar
relações com os irmãozinhos de língua inglesa. Quanta mulher batuta. Felizmente as
nossas Rosalinas não têm a poesia das Alice Corbin, das Mary Carolyn Davies, das
Hildegarde Flamer. Senão, que seria do amarelo?
I am going to die too, flower, in a litle while do not be so proud.
P. que a pariu! P. que o pariu também, Orrick Johns that glories in his parasites.
Que poeta estupendo! que mocidade insolente!
E o tal de Ford Madox Hueffer do poema Antwerp, e o Kreymborg e o Xará
Emanuel Carnevali, que achou expressão lirica para a observação do meu médico do
sanatório da Suíça. (Êle me disse um dia que os meus pulmões apresentavam lesões
“teòricamente incompatíveis com a vida”).
O delicioso Carnevali diz:
I do not understand the cosmic humour
That lets foolish impossibilities, like me, live.
E mais abaixo na mesma “Invocation to Death”:
If she would only come quietly like a lady.
The first lady and the last.
Quanta vez pensei isto! Mas só em inglês é possível dizer
“If she world only come quietly”
MANUEL.
Um abraço, Gilberto.
25. A JORGE DE LIMA
Rio [de Janeiro], 9 de janeiro de [19]30.
Recebi a sua cartinha e os dois ensaios. Muito obrigado. Li-os com vivo prazer.
Não tão grande quanto o que me dão os seus poemas. A respeito do Proust nada sei
senão o pouco que tenho lido em alguns críticos. Confesso o meu aleijão: ainda não
pude meter o dente no Proust. Quando êle ainda não estava em moda tentei tê-lo e
desanimava achando-o monstruosamente cacête. Fiz várias investidas bem fracassadas.
Se abria o livro ao acaso e lia um pedaço gostava bem, parecia-me tudo interessante,
substancial e embastido. Continuando a leitura voltava sempre a impressão de cacetada.
Mas agora tenho de tomar providências sérias porque não é mais possível continuar
desconhecendo Proust. Vou “estudar” Proust. Como se faz com o primeiro romance que
se lê numa língua que ainda se está aprendendo: lerei 20 paginas por dia como uma
obrigação. Pode ser que l’appétit vienne en mangeant. Atribuo uma parte dos meus
fracassos proustianos ao tipo ou antes formato da edição que acho antipaticíssimo:
naquelas páginas largas a análise implacàvelmente minuciosa do Proust ainda parece
mais comprida, mais délayée. Sei que estou empregando mal o adjetivo, Poust não é
délayé, todavia é a impressão que dá à minha impotência de atenção.
Tenho ido freqüentemente às quintas-feiras à casa do Álvaro. A Eugênia estêve
em São Paulo onde deu um recital com programa ótimo. De você disse o “Inverno” que
agradou muito. Ela está ensaiando para ir ao Recife.
Seu nome aqui continua na berra. Ainda há poucos dias vi uma referência a você
do Tristão de Ataíde. Está de formando a impressão de que a sua “Negra Fulô” é uma
das coisas mais reussidas do modernismo. A mesma opinião tenho do “Inverno” que
acho perfeito e delicioso como lirismo e como composição.
Adeus. Receba um apertado abraço do amigo
MANUEL BANDEIRA.
26. A ANTÔNIO DE ALCÂNTARA MACHADO
Rio [de Janeiro], 20 de janeiro de [19]30.
Alcântara, Infelizmente
infelizmente não posso
aceitar o seu a sua
“Invitation au Voyage”
para ir nadar na Riviera
fumar dormir fazer versos
colhêr florinhas nos bosques
onde não tem sabiás
e dançar nos hotéis-pálaces.
Bateu a crise no açúcar
mais braba que no café
Província mandou dizer
que não paga mais
Pois é.
Adoeceu seu Castilhos
e se mudou faz um mês
De sorte que Manuelzinho
ficou de tanga outra vez
Vai raramente ao cinema
voltou a comer no Reis
anda de bonde e em matéria
de charutos já não fuma
nem mau charuto holandês
Não posso ir mais pra Pasárgada
Houve revolução lá
proclamaram a república
Depois a mulher que eu quero
não está lá mesmo
Pra quê?
Melhor é ficar pr’aqui
Na véspera de Finados
estava tão aporrinhado
que escrevi de aporrinhado
êste “Poema de Finados”. 9
27. A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Rio, 8 de maio de [19]30.
Muito obrigado pela remessa de Alguma Poesia e da dedicatória do delicioso
poeminha “Política Literária”. O seu livro é dos mais puros da nossa poesia. V. com
mais três ou quatro são os poetas que me satisfazem: gosto dêsse seu lirismo de
aporrinhado e quanto à forma, à expressão não tenho nenhuma restrição: nenhuma falta
de gôsto, nenhum descaída, nenhuma palavra dessas que a gente acha pau ou bêsta nos
outros. Nenhum poema insignificante, tudo medular. Por aqui a impressão geral (geral
entre os nossos) é ótima: impressão de raro e de sólido.
Mas não lhe escrevo agora para lhe dar as minhas impressões e sim para lhe
comunicar os endereços pedidos. O de Prudentinho, 11, 2.º andar, Rua da Alfândega ––
Rio. O de Ribeiro Couto, Consulat du Brésil –– Marseille.
Mande também para o Recife ao Gilberto Freyre com dedicatória sêca (A. G. F.
of. o autor). O Gilberto é diretor da A Província, Av. Marquês de Olinda, 273, e eu vou
dar notícia do livro na seção crítica do jornal.
Escreverei também um artigo para o Diário Nacional de São Paulo onde
comecei a colaborar semanalmente, aos sábados. Provàvelmente o artigo sôbre o seu
livro virá no número de sábado 10. Mas não espere grande coisa, pois não sou crítico:
será apenas uma declaração de amor, naturalmente bem gôche (como as mlheres
gostam).
Grande abraço do amigo e admireur, como diz meu primo Antoninho Bandeira,
MANUEL BANDEIRA.
28. A ANTÔNIO DE ALCÂNTARA MACHADO
Rio, [de Janeiro], 21 de junho de [19]30.
Recebi duas cartinhas suas e os retalhos de jornais. O grande libertino da
sensibilidade agradece os seus cuidados. Por aqui se manifestou o Cartier, o Múcio
9
Seguia-se a transcrição do poema.
Leão, creio que só. A Província de 10 de junho embandeirou em arco com um retrato
dêste tamanho e na seção dos Livros Novos notícia-crítica do Gilberto sob pseudônimo.
Sõbre Pasárgada, uma observação interessante: que os desejos ali manifestados (montar
a cavalo, andar de bicicleta, subir no pau de sebo, tomar banho de mar, ouvir histórias
de Rosa) são tudo sonhos de menino doente. Por outro lado o Ovalle descobriu que
Pasárgada tem um sentido místico (eu acabo Rimbaud!): Pasárgada é o céu, o rei é
Nosso Senhor, a mulher que eu quero na cama que escolherei é o supremo amor no
supremo bem, etc. Provàvelmente as prostitutas bonitas são as onze mil virgens!
Mário voltou ontem sem ter podido fazer nada do que pretendia. Brincou muito,
não sei se no sentido macunaimaico, comeu em todo o caso algumas peixadas boas na
“Cabaça Grande”, disse algumas dezenas de vêzes o leitmotiv “É-ma-ra-vi-lho-so!” e
acabou acompanhado à plataforma da Central por um grupo selecionado de amigos,
entre os quais se contavam os compositores Gallet e Fernandez, o aduaneiro Ovalle,
Ciceródias, Gordoschmidt, etc.
As coisas pelo Jornal não andam boas. Seu Assis foragiu há três dias. Foi um
custo danado (de seu Guimarães, não meu) para receber dois vales seus e já tem mais
très a haver. Tenho pois em minhas mãos uma pele de duzentão sua. Em caso de
urgência é só apitar. Ainda tenho comigo um artigo (o sôbre o Byron de Maurois) que
deverá sair domingo, 29.
Vi prego recomendar-me a Lolita. Abraços do amigo
MANUEL.
29. A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Rio, 25 de junho de [19]30.
Duas cartas suas a responder, a última enviando-me a notícia sôbre o meu
livrinho no Minas Gerais. Muito obrigado por tudo. Quando eu lia os seus poemas
avulsos não senti nunca o que senti agora relendo-os em livro, isto é, uma grande
afinidade entre os nossos lirismos, não sei se é bem isso ou se é uma aproximação de
técnica no sentido de depuração lírica. Eu não era assim mas cada vez fico mais. E’ uma
técnica de aporrinhado, de quem não quer fazer as coisas, mas é obrigado a fazê-las e
então faz com uma má vontade exata e sincera. O Mário diz que há um perigo horrível
nisso. Não acho não, se afinal tanta gente gosta, e se tanta gente gosta, e eu sinto que
gostam de nós com uma certa paixão, está preenchida para os que são como o Mário
aquela condição de arte social, arte que ajunta, que une. Como quer que seja, é a única
espécie de arte que posso fazer agora. E no passado as coisas boas que fiz foram as que
vieram dêsse jeito.
Mário voltou a São Paulo no dia 19. Não estava safado com V. Por quê?
Ah então a quadrinha do brinde foi tirada da minha crônica no Para Todos?
Achei-a no Burton, um inglês que li quando tive de escrever o artigo sôbre Ouro Prêto
para o n.º mineiro do O Jornal.
Adeus, Carlos. Receba um abraço apertado do seu amigo
MANUEL.
30. A ANTÔNIO DE ALCÂNTARA MACHADO
Rio, [de Janeiro], 5 de julho de [19]30.
As nossas últimas cartas se cruzaram. O empregado do escritório do Rodrigo,
Seu Guimarães, está de posse de três vales para haver o cobre do O Jornal. Suponho
que até agora não terá recebido, apesar da comissão prometida. Me contaram que Seu
Assis reduziu de um conto o ordenado do M. F. de Andrade. Não sei se é verdade. Os
boatos de revolução passaram. O consorcista desforagiu, mas andou com um mêdo
danado que dinamitassem as novas maquinarias da Rua 13 de Maio.
A propósito dos seus vales, deu-se uma coisa pau que não sei como consertar
com elegância. De uma vez que marquei encontro com o Guimarães na Livraria
Católica, êle custou a dar as caras e como eu tivesse encontro combinado em outro
lugar, deixei o vale com o Schmidt. Pois o excomungado perdeu-o! E agora eu não sei a
que artigo corresponde! Você, traquejado em coisas de jornal, me mande dizer como se
faz agora. Rodrigo só volta no meado do mês.
Passei dois dias em Teresópolis com Bigodão (irmão do Gilberto Freyre), que
chegou do Recife inesperadamente casado com uma menina de 18 anos. Havia 18 anos
justos que eu não voltava a Teresópolis. Fiquei reencantado e sem compreender como
passei tanto tempo sem ir lá. Você precisa conhecer aquilo. E’ uma maravilha, com
pronúncia do Mário: MA-RA-VI-LHA.
Hoje de manhã dei de cara à entrada do elevador do Nicolas fotógrafo com
Filipe e Teresa. A gloriosa chispou, o glorioso deteve-se e trocou algumas palavras
amáveis comigo. Teve agora uma crise terrível, quase morre e a minha Libertinagem foi
uma companheira deliciosa de convalescença. O pobre do Graça estava com um arzinho
bom. Apesar da brabura da doença, não tinha aspecto abatido.
Ovalle é agora secretário de revista literária e tem se revelado homem de
negócios solerte, na opinião do Gordinho.
Sinto dizer-lhe que o rapaz que lhe propus para copista não pode ocupar-se mais
da tarefa, anda desmanivando em coisas de fotografia e com o tempo todo tomado.
MANUEL.
Adeus. Abraços do
P. S. Seu Guimarães acaba de telefonar dizendo que recebeu o dinheiro esta
manhã. Recebeu trezentão. Descontados cinqüenta de comissão (vinte dos duzentos,
trinta dos trezentos), tem V. em minha mão 450$000. Mande as suas ordens, meu caro
M.
capitalista.
31. AO MESMO
Rio [de Janeiro], 2 de agôsto de [19]30.
Chegou o artigo “Praga”, como já tinha chegado anteriormente o vale que veio
para substituir o que o Schmidt perdeu. Já está tudo nas mãos do Rodrigo.
V. conhece, decerto conhece, o Bragaglia? O Viggiani não fala agora senão no
Bragaglia. No outro dia fiz o Viggiani confessar que não tinha achado graça nenhuma
nas suas anedotas fascistas (de mau puxei conversa sôbre o assunto).
O Cícero Dias anda muito interessado em saber quanto valerá um livro velho
que comprou agora: Mundo Subterrâneo do padre Atanásio Kircher, creio que é a
primeira edição (1662). Veja se o Yan pode dar alguma informação. O diabo é que o
Yan há de querer que se diga o ano exato, a qualidade do papel, o número dos
buraquinhos de traça e, quem sabe lá, talvez também o sexo das traças que fizeram os
buracos. Em todo caso, tente.
As novidades schmidtianas e ovallescas continuam a aparecer com pontualidade.
Reclamam a sua colaboração. Dei um poema com desenho de Cícero para o próximo
número.
Ciao.
MANUEL.
32. A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Rio [de Janeiro], 14 de dezembro de 1931.
Tenho o prazer de lhe apresentar o meu amigo Godofredo Filho, o melhor poeta
da Bahia de hoje. Vai conhecer vocês, a quem deve ser caro, pois cantou em versos
formosíssimos a melancolia teimosa de Ouro Prêto.
Como vai você? Tenho muitas saudades daquele almôço em sua casa: quando
matarei de novo esta fome especial? Não vejo jeito. Ando agora numas tentativas de
trabalho, bulindo devagarzinho com o pulmão como se faz com cachorro que não se
sabe se morde. Na United Press, traduzindo telegrama. E’ divertido gozar em primeira
mão o cinismo fascista: todo discurso é “importantíssimo” e o Duce não dá um peido
que os balilas não cantem Giovinezza. De vez em quando dana-se a haver interferências
(as ondas, irritadas com tanta mentira farreando nos ares) e então é xth y ka macdonawt
smaif fs sif commons rnw que não se entende nada e o argentino Fusone, que eu e o
Sérgio Buarque de Holanda chamamos Al Fusone, diz –– Es inutilizable. E a gente vai
fumar um cigarro no balcão do 19.º andar da A Noite. A Praça Mauá lá embaixo sussura
“L’invitation au suicide” e como há um refúgio cercado de automóveis por todos os
lados, e as luzes da ilha das Cobras, de Niterói, dos subúrbios estão tão bonitas que a
gente dá uma banana para as estrêlas:
Constellations
Maitresses vraiment
Trop insouciantes!...
Abraços do
MANUEL.
32-BIS. A SYBLEY DERHAM
Rio [de Janeiro], 26 [de] maio [de] 1932.
Agradeço a atenção de sua amável cartinha de agradecimentos por eu lhe ter
emprestado o meu cut-away.
Embora satisfeito que êle não tenha podido servir, visto indicar isto que meu
jovem amigo prospera em musculatura, lamento ter perdido a oportunidade de lhe ser
útil.
Aproveito a ocasião para informá-lo que o tal cut-away é um veterano com as
mais gloriosas tradições, pois já vestiu meu pai, falecido em 1920, ano em que foi
reformado para meu uso por um dos menos hábeis alfaiates do Rio, falido há alguns
anos. Serviu-me em dois casamentos e um entêrro. Passou e voltou e tornou a passar de
moda várias vêzes. Tem, enfim, o senso da eternidade. Se eu acrescentar ainda que foi
originàriamente confeccionado em Paris e viajou a Londres, onde possìvelmente se terá
avistado com o Lord Mayor e outras personalidades gradas, terei feito sentir o orgulho
com que o torno a pôr à sua disposição... Caso o amigo emagreça novamente.
MANUEL BANDEIRA.
Sempre seu,
33. A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Rio [de Janeiro,] 27 de julho de [19]33.
Sossega, Literatura é isso que você está vendo: hoje dá poemas de Pedro Nava,
amanhã de Carlos Drummond de Andrade e depois de amanhã ninguém sabe o que será.
Venho pedir-lhe autorização para os poemas de amanhã. Li em casa do Rodrigo o
“Brejo das Almas”, que achei uma delícia. Mandei pedir ao Afonsinho que lhe falasse
sôbre isso, mas refleti que precisava comunicar a minha nova residência que é à Rua
Morais e Vale n.º 57, apartamento 54. Fica essa rua na Lapa, a Lapa dos Carmelitas e
das prostitutas. Na verdade não é rua, senão beco, e nela vem morrer o outro beco, o
Beco dos Carmelitas, o beco famoso, onde não há homem no Rio que não tivesse pago o
tributo à Venus Vulgívaga. Enfim –– o “Beco”.
Faço o pedido dos poemas. Não lhe peço mais nada porque não vejo dinheiro na
revista e não tenho a desfaçatez gorda do Schmidt para solicitar colaboração não
remunerada. Todavia fica você sabendo que a Literatura é papelucho onde você manda
e que está inteiramente ao seu dispor. Peço-lhe dizer a mesma coisa aos amigos daí
(João Alphonsus e demais), aos quais não escrevo, porque ando cheio de trabalhos e a
saúde é muito pouca.
Grande abraço do amigo velho
MANUEL.
P. S. Falei agora com o Rodrigo que me disse haver vários poemas do “Brejo”
que já foram publicados. Diga-me quais, obrigado.
34. AO MESMO
Rio [de Janeiro,] 30 de outubro de [19]33.
Recebi a sua carta com o retalho de jornal e os versos do novo poeta. Muito
obrigado por tudo. Achei ótimo o que você escreveu sôbre a sua Itabira. O novo poema
também me agradou muito.
A respeito, porém, de Literatura, dá-se o seguinte: aquilo não tinha jeito. Aceitei
dirigi-la porque fui convidado para isso pelo imbaixadoiri e acreditei que a culónia
compareceria com a publicidade, de molde a permitir arranjar boa colaboração paga.
Tudo falhou e deu em água de barrela, ou melhor, em .......... do Schmidt
.............................................................................................................................................
... Mas fui agüentando, porque é dificílimo romper com o Schmidt. Êle encosta a cara
no rosto da gente, beija, e como tem visgo o danado, a gente continua mesmo. Mas o sô
Maia, o português da livraria, entendeu de me tomar satisfação de um anúncio do Ariel,
que inseri no n.º 6 para tapar um buraco da paginação, eu me queimei, dei um estouro e
larguei a m. a tempo, porque tinha que me tratar sèriamente de uma crise de
insuficiência hepática. Agora sou, além de tísico, hepático. Me sinto elegantíssimo,
precisando tomar sal de Karlsbad e fazer dietas caras.
Mas sim. Não tenho mais nada com Literatura, que nem olho mais. Se, porém,
você e o poeta quiserem aparecer no quinzenário, mandarei a colaboração ao Schmidt.
Se preferirem Ariel, dá-la-ei ao Cruls. Se o poeta preferir o Rio-Magazine, onde os
poemas poderão levar uma ilustração de Santa Rosa, também o posso obter. Digam-me
o que preferem.
Parei a colaboração no Estado por causa da bílis e por enquanto não penso em
recomeçar.
Adeus, Carlos. Um grande abraço do
MANUEL.
35. A PAULO RIBEIRO DE MAGALHÃES
Rio [de Janeiro], 9 de novembro de 1933.
Não bobão, só hoje é que recebi na redação do Diário de Notícias as suas cartas
de 20 e 30 do mês passado. Portanto suspenda a sua cólera de paulista bravo. Desejo
saber com precisão o seu endereço, pois em tempos escrevi uma carta para a tal
sociedade de artistas modernos e você não a recebeu.
Já tinha sabido pelo professor das suas novas atividades como crítico musical.
Preciso conhecer o estilo do crítico e por isso lhe peço remeter-me de vez em quando
um número do Estado em que venha alguma coisa sua,
Então já soube que andei bambo, e bem bambo, com doença de fígado? Uma
retenção de bílis que me deixou num desânimo de morte. Perdi 4 quilos e fiquei amarelo
feito chim. A coisa durou mais de mês. Entrei na dieta e agora estou melhor. No mais
feio da crise não me lembrei que contava entre os amigos um hepático de fama como
você. Foi aquêle vizinho fronteiro médico que me encontrando um dia disse: Por que
você não toma aquêle remédio que eu dei uma vez a seu amigo que morava com você?
Aí me lembrei do empregadinho da Victor que acordava tôdas as manhãs de bôca
amarga e ôlho amarelo.
Agora venha a história dos três pastéis.
Abraços do amigo velho e co-hepático
MANUEL.
36. A GILBERTO FREYRE
Rio [de Janeiro], 10 de janeiro de [19]34.
As nossas cartas se cruzaram. Não há, pois, motivo para as lamuriazinhas
irônicas do sociólogo.
O sociólogo está na ordem do dia com a publicação da grande Casa Grande.
Ficou um bichão de bom aspecto que já está ficando conhecido como o “Ulisses”
pernambucano... A piada deve ser invenção do Murilo Mendes. O que ficou bem
safadinho foram os clichés das fotografias.
As informações dos livreiros é que o livro está tendo muita saída. O Cruls não
esperou o exemplar dêle e comprou e leu logo e ficou estarrecido de admiração pelo
sociólogo. Disse que apesar de esperar muita coisa, nunca pensou que fôsse assim! que
pensava “que fôsse mais literário”...
O Roquette também está no auge da admiração. Recebeu o livro há três dias e
ontem à noite, na hora educativa da Rádio-Sociedade, encheu todo o tempo falando do
livro, classificando-o de obra monumental. Eu e o Rodrigo ficamos inconsoláveis de ter
perdido isso. Quem nos informou foi o Cruls. Disse o Roquette que à parte qualquer
outro valor da obra, só a bibliografia que você reuniu representa uma contribuição
inestimável. Fêz grandes elogios às suas opiniões sôbre miscigenação. Não esqueceu a
linguagem e leu trechos inteiros do livro.
Por enquanto é o que sei. Mas à proporção que fôr sabendo mais, irei fazendo a
reportagem.
O calor aqui está brabo. Anteontem jantei em casa do nosso Rodrigo, que
continua ainda nas dores do parto da Casa Grande, num grande paraísmo de amizade,
interessadíssimo pelo sucesso do livro. O Joaquim Pedro está cada vez mais bonito,
calmo, acho que vai dar um scholar.
E por falar em criança, eis a última de Sacha (netinha de mme. Blank): viu um
cartão de festas muito mozarlesco, dêsses com flôres estufadas e dêsse azul e côr-derosa bem lambido; ficou extasiada, so pretty, e não sabendo mais como exprimir a
admiração e a ternura: May I sleep with it? Tudo que ela gosta muito, quer dormir com.
De noite, mete o dedão na bôca, se atraca com o brinquedo predileto e cai no sono.
Adeus, sociólogo. Um grande abraço do
FLAG.