Galgos e Lebres - V Criação de Galgos

Transcrição

Galgos e Lebres - V Criação de Galgos
Efemérides
Galgos e Lebres - V
Criação de Galgos
por: Sebastião Perestrello
Terminado o extenso arrazoado sobre genética e hereditariedade, que espero não tenha enfastiado os
leitores, é altura de entrar no assunto em que estamos interessados: a criação de galgos.
A exposição sumaríssima que escrevi sobre genética e hereditariedade, leva-nos à conclusão inevitável de que é
impossível prever a qualidade dos produtos de cruzas que ao criador parecem dever ser esperançosas. Vezes sem
conta, os criadores sofrem amargas decepções de ninhadas tiradas de boas cadelas, e padriadas por bons cães de
excelentes linhas. A causa dos insucessos é evidentemente devido a factores regressivos dos pais; factores
imprevisíveis hoje, e quem sabe, talvez para sempre insondáveis.
No entanto, a hereditariedade assegura uma Iei incontestável: o semelhante tende a reproduzir o semelhante.
Na Natureza, a procriação dos animais, obedece a uma lei de selecção natural, como Darwin definiu; na criação
dirigida, está sujeita a critérios humanos que obtêm melhores ou piores resultados conforme a sorte e a selecção
inteligente for melhor ou pior.
Não há dúvida que têm havido em Portugal, uns cães que normalmente geraram bons filhos. Como exemplos refiro-me
ao Maesydd Meltonian; ao Poacher's Hide; ao High Life. Não me refiro a outros; dou apenas estes como exemplos.
O primeiro, deu geralmente cães bons, rápidos, que se viravam bem, e cuja descendência ainda hoje é digna de
nota. O segundo, deu galgos talvez com menos velocidade, mas duros e bem configurados atlèticamente. O terceiro
marcou uma época de campeões. O que é de notar também é que estes resultados foram conseguidos em cruzas com
inúmeras cadelas, o que provou terem os machos o condão de terem a faculdade de transmissão de excelentes
qualidades.
Por outro lado darei como exemplo, um cão de excelente linha que nunca reproduziu um galgo deveras bom: o
Park President.
Com referência à influência materna, lembrarei, por exemplo, que a Tanota parece ter tido também a faculdade
de gerar bons filhos com qualquer cão. Em contraste, uma cadela que foi animal fora de série: a Gira da Cerca, não
conseguiu ter filhos que se lhe comparassem, apesar dos esforços do seu dono: o Sr. Jorge Pinheiro, que a cobriu com
o que lhe pareceu bom. A Janota foi uma cadela boa na caça; a Gira foi uma verdadeira campeã.
O exemplo que dei, só vêm confirmar a impossibilidade absoluta de previsão de resultados de cruzas. Não é
possivel com o que sabemos, predeterminar os factores dominantes ou regressivos do galgo e da galga que cruzamos.
A ciência ainda lá não chegou para nos ajudar.
Esta flutuação de melhores e piores faculdades em gerações sucessivas, não deve, no entanto, levar o criador a
desistir totalmente na insistência de criar produtos dos seus cães de boa linha ainda que de faculdades reduzidas, pois é
muitíssimo provável, que apesar dos filhos não serem satisfatoriamente bons, os netos o voltem a ser. A experiência ao
longo de 54 anos em Inglaterra prova que surge de repente um campeão, que é neto ou bisneto dum cão notável anos
antes.
Refiro-me à Inglaterra porque é nesse pais que há registos que nos permitem chegar a esta conclusão.
Vou seguidamente e resumidamente enumerar os casos que estatisticamente aprovam a afirmação acima, e
baseio-me na descendêncía dum cão: Fiery Furnace, desde 1902 até 1956, na Prova da «Waterloo Cup» somente.
Escolhi três filhos do Fiery Furnace, que incidentalmente nunca foi ganhador da Prova: Farndon Ferry, raiado
com branco; Father Flint, raiado; Lottery, amarelo.
O Farndon Ferry ganhou a Taça em 1902; o Father Flint ganhou-a em 1903; o Lottery dividiu a repescagem em
1907, com o Shake a Fut, filho do Father Flint.
Da descendência de Farndon Ferry destaco dois cães: Friendly Foc e Bachelor's Acre.
O Friendly Foe nunca ganhou nada, mas o seu filho Tide Time ganhou a Taça em 1912. O Bachelor's Acre foi
finalista da repescagem dos cães vencidos na primeira volta em 1907. Os ingleses chamam à repescagem dos cães
vencidos na primeira volta: «Purse», e dos da segunda «Plate». Usarei estes termos a seguir.
Temos aqui portanto o primeiro lapso: o Farndon Ferry não padriou um vencedor, mas o seu neto, cinco anos
depois tornou a fazer triunfar a sua ascendência. É conveniente lembrar nesta altura, que os vencedores da Taça, são
sempre muito solicitados logo a seguir à vitória para, por bom dinheiro, padriarem inúmeras cadelas, e portanto a sua
descendência é posta à prova quase de seguida.
0 Friendly Foe teve outro filho: o Jawleyford, que se não distinguiu como corredor, mas que foi o pai de Beaded
Bob que foi finalista em 1922. Deu também à posteridade dois notáveis padriadores, que nunca ganharam: o Staff
Officer e o How D'ye Do.
0 Staff Officer, depois dum lapso de duas gerações deu quatro vencedores da Taça: o Shortcoming em 1921; o
Latto em 1923; o Cushey Job em 1924; o Pentonville em 1925. Teve outro filho o Latude, que por sua vez padriou o Too
True, que não se distinguiram, mas este último padriou o Bryn Truthful vencedor em 1934. Isto dá-nos um lapso desde o
Farndon Ferry em 1902 para o vencedor de 1934 de 32 anos, e cinco gerações. A descendência do Cushey Teb não se
distinguiu.
O Latto teve, entre outros: o Red Robin; o Raingauge, que se não distinguiram como corredores. Teve também o
Harleo que ganhou a «Purse» em 1927, e o Rowan que foi finallsta na mesma prova.
O Raingauge padriou Ben Tinto, vencedor da Taça em 1932.
O Red Robin, que por sinal era preto, teve uma descendência extraordinária. O seu filho Dee Robin venceu a
«Plate» em 1931. Padriou Rotten Row que se distinguiu notàvelmente nos anos de 1936, 1937 e 1938, ganhando
sucessivamente o segundo lugar na Taça; a Taça; e ainda novamente finalista. Foi também pai do Dee Rock, um dos
melhores cães de Inglaterra, e que ganhou a «Purse» em 1933 e a Taça em 1935.
Teve um outro filho: o Dannielli, que nada fez de notável mas que foi pai de dois vencedores da Taça: o
Perambulate em 1938; o Hand Grenade em 1936. Em 1940, o seu filho: Chancellor foi finalista da Taça, e um outro filho:
Tokio, finalista da «Plate» em 1938. O Danielli ainda padriou também o April Burglar, que se não distinguiu, mas que foi
pai do Maesydd Michael, vencedor em 1946. Um filho deste vencedor veio para Portugal e chamava-se Maesydd Mick.
O Chancellor foi o pai do vencedor em 1943: Countryman.
O Rotten Row, entre os seus filhos teve o Dee Raft que foi finalista da «Plate» em 1941, e finalista da «Purse»
em 1942. Outro filho seu: Dew Prince ganhou a «Plate» em 1942. Este Dew Prince, apesar de não se ter distinguido
grandemente foi o pai do Park Parker, vencedor da «Plate» em 1949, e do célebre Roving Minstrel, finalista em 1949, e
vencedor em 1950. Foi também pai do Scorpion, ganhador da «Purse» em 1949, e finalista em 1950.
O grande Dee Roch teve dois vencedores da Taça em 1939 e em 1940, respectivamente o Delightful Devon e o
Dec Flint. Teve também três finalistas em Dutton Rock em 1939 e Stambridge Celerity em 1941 e String em 1943. Teve
também o Screen vencedor da «Purse» em 1940; Boiler, finalista da «Purse» em 1941, e Right Ahead, vencedor da
«Plate» em 1945, e em 1940, Delahaye, finalista da «Plate». Deixei para último lugar, um outro grande galgo o seu filho
Swinging Light, vencedor da Taça, duas vezes, em 1941 e em 1942. Este grande galgo chamado Swinging Light foi o pai
do Constable que ganhou a Taça em 1949. Foi ainda também pai de dois vencedores da «Plate» em 1947 e 1948
respectivamente chamados Traffic Light e Maesydd Monarch. Foi também pai de Maesydd Meltonian que veio para
Portugal e que tanto se evidenciou como pai.
O Dec Rock ainda teve outro filho que se não distinguiu, chamado Radiant Light, que foi pai do Bryn Tritoma,
finalista da «Plate» em 1944 e vencedor em 1945. Foi também pai do Bryn Festal que veio para Portugal.
Um outro filho de Dee Reck foi o Trade Test que também nada fez de notável, a não ser o ter sido pai do Noted
Sunlight, vencedor em 1948, e por sua vez progenitor do Sucker, finalista em 1953.
Vou agora voltar atrás ao How D'ye Do, filho do Friendly Foe, porque a sua descendência foi deveras notável.
Foi filho deste cão o célebre Guardis Brigade, vencedor da «Purse» em 1921, e vencedor da taça em 1922. Este cão,
por sua vez, foi pai do Jovinal Judge, vencedor em 1926. O Jovial Judge teve um irmão: o Brave Escort, outro que se
não distinguiu, e que foi pai do Rustting Reed, vencedor em 1934.
Um outro filho do Guard's Brigade foi notável como corredor e como pai: o célebre White Collar. O próprio
ganhou a Taça em 1928: o seu filho Genial Nobleman em 1933; o seu neto Mellow Outlook foi em 1937; o seu bisneto
Dutton Swordfish tornou a ganhar a Taça em 1944. Aqui temos uma sequência invulgar pois não se verificaram lapsos
de qualidade em quatro gerações seguidas.
Houve um filho do Doniclli chamado Tokio, a que acima já me referi, que se pode também considerar um
segundo lapso, mas que na geração seguinte já produziu um finalista: Western Water em 1947. Outro obscuro filho do
Tokio: Tokio Chittering Choice, foi pai do Peter's Peet vencedor em 1951. Este cão foi por sua vez pai do Eton Graduate,
que em cachorro em 1955 foi finalista da Taça, e de Scarecrow vencedor da «Purse» no mesmo ano.
Um outro filho do Fiery Furnace foi, como já se disse acima, o Father Flint. Este cão só teve um filho notável:
Such a Sell que foi finalista em 1909. Teve mais uns seis filhos que eram apenas de valor relativo e que ganharam
lugares cimeiros na «Purse» e na «Plate» desde 1906 a 1909.
O outro filho do Fiery Furnace, que também já mencionei, foi o Lottery. Este cão teve dois filhos notáveis: o
Winning Number, vencedor em 1915 e o Leucoryx, finalista em 1914. Teve um outro filho chamado Lad's Luck, que é um
esplêndido exemplo de lapso por três gerações. O Lad's Luck foi pai, do Transval Dictator, avô do Lawman, que nada
fizeram, e bisavô do Church Street, vencedor em 1930.
Mas a descendência do Lad's Luck ainda voltaria a distinguir-se depois de lapsos. O primeiro lapso foi o seu filho
Scoop, que foi pai do vencedor de 1927: Golden Seal, e avô de Had Again, finalista em 1931.
O Had Again teve um filho chamado Hamilton Tighe, que nada fez como corredor, mas que ainda teve algum
sucesso como pai, padriando o Victory Light, vencedor da «Purse» em 1942, e o Rugged Alps, finalista da Plate no
mesmo ano.
Este Hamilton Tight também foi o pai de outro cão que ficou célebre apenas como pai: o Lord Lieutenant. Este
cão foi pai: do Life Line, vencedor em 1949; pai: da Lady of the Lamp, finalista em 1948; da Lily of Laguna, finalista em
1951; do Lucifer Light finalista da «Purse» em 1953; do Warrior's Sword, vencedor da «Purse» em 1951; do V.I.P.,
vencedor da «Plate» em 1955; do Record Maker, vencedor da «Purse» em 1951.
O Lord Lieutenant também foi pai do Latin Lexicon, que foi pai do Park Pretender, que foi o vencedor da «Purse»
em 1952, e cujo filho: Park Peakhill, vencedor da Taça Barbican em 1952, veio para Portugal. Teve mais dois filhos;
Land Locked e Leuteu Loaf, que venceram a Barbican também em 1950 e em 1951, respectivamente. Ainda teve mais
outro filho: Autumn Double, finalista da «Plate» em 1954.
Para terminar, vou-me referir ainda a mais um filho do Lord Lieutenant, que ilustra bem os lapsos que são de
esperar, para demonstrar que se não devem desprezar os cães de bom sangue, que, por circunstâncias genéticas, não
dão bons frutos na primeira ou seguintes gerações. Nestes casos que vou agora comentar temos: Had Again, teve na
primeira geração Hamilton Tighe; na segunda Lord Lieutenant, na terceira Large as Life, que se não distinguiram a sair
da trela. Na quarta geração surge uma série notável. O Large as Life deu dois vencedores da Taça, respectivamente
Dew Whaler em 1952 e Holystone Lifelong em 1953. Este vencedor de 1953, foi pai do Eternity Ring, finalista em 1956.
Ainda o Large as Life, teve uma cadela, chamada Worsted Slippers, que foi coberta pelo vencedor da Taça em
1954: Cotton King, de cuja união nasceu a Luda Dixie que veio para Portugal. A Worted Slippers ganhara a Taça
Barbican em 1954. Um outro filho do mesmo cão: Scandalous Behaviour, também foi importado para o nosso país,
juntamente com outro irmão, chamado Stink Bomb.
Outros cães, filhos do Large as Life, que se distinguiram, foram: Shower Bath, finalista da «Purse» em 1951 e
finalista da «Plate» em 1952; Snuff Box, vencedor da «Plate» em 1952; Warrior’s Sword, vencedor da «Plate» em 1951;
Janitor, vencedor da «Purse» em 1954; Tuscan Meadow, finalista da «Plate» em 1955.
Parece-me que consegui provar: primeiro, tècnicamente que há sempre que esperar insucessos nas cruzas mais
esperançosas, e segundo, pràticamente que estas quebras de qualidade são infelizmente frequentes. Não deve o criador
portanto, desprezar os filhos de cães de bom sangue em primeira geração. Deve e pode aproveitá-los tirando deles
filhos de pai ou mão conforme, pois ser-lhe-á possível fazer renascer a qualidade, assim como do Had Again vieram a
descender notáveis corredores na quarta geração. Há que insistir, e procurar a cruza, na qual o factor dominante seja
aquele que se deseja.
In Jornal “O Mundo Canino” – Julho de 1972