embriaguez no trabalho – justa causa

Transcrição

embriaguez no trabalho – justa causa
EMBRIAGUEZ NO TRABALHO – JUSTA CAUSA
Texto de Vanessa Ferrari Teixeira - estagiária de Direito
Tendo em vista a alta incidência de funcionários embriagados em serviço
em obras de construção civil, segue um estudo sobre a possibilidade de
utilização do bafômetro para a constatação de eventual embriaguez dos
empregados e a conseqüente dispensa por justa causa.
A nossa legislação atual não regulamenta o uso de bafômetros em
empresas ou mesmo por particulares, tendo em vista ser um tema
relativamente recente. Apesar disso, existem alguns julgados sobre o
assunto, os quais são divergentes, o que causa dúvidas acerca da
possibilidade ou não da realização de tal teste para a constatação de
embriaguez durante a jornada de trabalho.
Dessa forma, no presente estudo, serão apresentados os fatores essenciais
para que a dispensa por justa causa na hipótese de embriaguez não seja
revertida nos tribunais e como a utilização do bafômetro pode auxiliar nesse
sentido.
Inicialmente há que se considerar que o artigo 482 da Consolidação das Leis
do Trabalho ("CLT") enumera, taxativamente as hipóteses em que o
empregador pode demitir um funcionário por justa causa, desobrigando-se
assim do pagamento da multa de 40% (quarenta por cento) referente aos
depósitos fundiários e outras verbas pertinentes à rescisão contratual.
Abaixo, segue a transcrição do referido artigo:
"Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho
pelo empregador:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do
empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual
trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha
havido suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer
pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de
legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o
empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa,
própria ou de outrem;
l) prática constante de jogos de azar.
Parágrafo único - Constitui igualmente justa causa para dispensa de
empregado
a
prática,
devidamente
comprovada
em
inquérito
administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional. (Incluído pelo
Decreto-lei nº 3, de 27.1.1966)"
Como se pode perceber, a alínea f do artigo 482 da CLT trata a embriaguez
de duas formas distintas. A primeira refere-se à embriaguez habitual, ou
seja, aquela que ocorre na vida particular do empregado, fora do ambiente
de trabalho, mas que interfere em no labor em decorrência de seus efeitos,
prejudicando assim a execução dos serviços por parte do trabalhador. Já a
embriaguez em serviço, a qual será tratada daqui em diante, requer que o
empregado apresente-se embriagado no serviço ou que, na decorrência
deste, acabe por se embriagar.
Se o empregado comparecer embriagado ao serviço cometerá falta grave,
permitindo ao empregador dispensá-lo por justa causa, conforme
demonstra jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região a
seguir transcrita.
"EMENTA: Falta Grave - Embriaguez no Serviço - Motorista - Comete falta
excessivamente grave o motorista que se embriaga em serviço, tendo em
vista que a sua função requer atenção e sobriedade, pois além de colocar
em risco a integridade física de terceiros, coloca em risco o patrimônio do
empregador, ensejando a quebra do contrato de trabalho com justa causa."
(TRT15ª R. - Proc. 15.666/95 - Ac. 3ª T. 23.793/97 - Rel. Juiz Luiz Carlos
de Araújo - DOESP 01.09.1997).
Entretanto, para que a rescisão do contrato de trabalho por justa causa não
seja anulada em juízo, a empresa deve apurar o fato grave rigorosamente,
colhendo o maior número de provas possíveis, tais como depoimentos,
exames clínicos e até mesmo realizando o teste do bafômetro, a fim de que
reste comprovada a embriaguez do funcionário.
É também aconselhável que, ao se verificar o estado de embriaguez do
funcionário, seja por meio do bafômetro ou por simples observação, este
seja impedido de entrar no ambiente de trabalho, devendo ser
imediatamente levado ao departamento médico da empresa, a fim de que
possam ser realizados exames clínicos.
Para que se configure a justa causa, devem ser considerados elementos
objetivos e subjetivos, sendo estes a adoção de determinado ato eivado de
culpa (negligência, imprudência ou imperícia) ou dolo por parte do
empregado. Já os elementos objetivos são:
1.Tipificação legal: o ato do funcionário deve estar previsto na legislação
trabalhista, em especial no artigo 482 da CLT;
2.Gravidade: o ato praticado pelo funcionário deve ser grave de tal forma
a abalar a confiança do empregador no empregado;
3.Imediação: a dispensa por justa causa deve ser aplicada imediatamente
após a constatação da prática de conduta ou ato que enseje a demissão,
levando-se em consideração, ainda, no caso da embriaguez, o estado do
empregado [01], sob pena de incorrer o empregador em perdão tácito;
4.Proporcionalidade: a pena deve ser proporcional à conduta do
empregado, dessa forma, faltas leves devem ser punidas com advertências
verbais ou por escrito e, somente as faltas mais graves, que afetem a
confiança do empregador no empregado, é que devem ensejar a justa
causa; e
5.Forma: a legislação trabalhista não prevê nenhuma formalidade para a
comunicação da dispensa por justa causa, vedando apenas a anotação do
motivo da rescisão do contrato de trabalho na carteira do funcionário.
A prova da ocorrência do ato que deu origem a justa causa é do
empregador, cabendo ao empregado apenas provar a sua negativa. Dessa
forma, aconselha-se que as empresas cubram-se do maior número de
provas possível, a fim de tornar inquestionável o fato de o trabalhador estar
bêbado em serviço.
Considerando-se que a embriaguez constitui-se de uma falta grave
cometida pelo empregado, a maior parte da jurisprudência entende que,
desde que devidamente comprovada pelo empregador, ela enseja
diretamente a rescisão do contrato de trabalho por justa causa, sem
prescindir de advertências ou suspensões, não havendo assim a
necessidade de reincidência.
Outrossim, há uma recente corrente doutrinária que considera a
embriaguez como uma doença e, como tal, o empregador deve, antes de
dispensar o funcionário por justa causa, encaminhá-lo para tratamento,
devendo buscar ainda soluções alternativas, como campanhas preventivas.
Dessa forma, temos que a dispensa por justa causa decorrente de
embriaguez é uma questão controversa tanto na doutrina como na
jurisprudência, sendo certo apenas que há a necessidade de uma prova
cabal para a sua comprovação.
Nesse diapasão, diversas empresas vêm utilizando-se do bafômetro como
método para a comprovação da efetiva embriaguez do funcionário. Como já
foi dito, nossa legislação é omissa quanto ao assunto e, até o presente, não
existem muitos julgados a respeito.
O grande problema na utilização do bafômetro refere-se à constante
alegação de que tal teste conflitaria com os princípios constitucionais da
inviolabilidade da vida privada e da intimidade, levando-se em consideração
ainda, que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Entretanto, não se deve perder de vista o poder diretivo e disciplinar do
empregador, previsto no artigo 2° da CLT, pelo qual os empregados, por
estarem subordinados ao empregador, estão sujeitos ao seu poder de
direção. O referido poder diretivo e disciplinar é um direito potestativo que
permite ao empregador conduzir as atividades desenvolvidas pelo
empregado sempre em benefício de uma melhor produtividade e com o
menor custo possível. Tais poderes são inerentes ao contrato de trabalho.
Nesse sentido é direito do empregador zelar pelo ambiente de trabalho, por
seus equipamentos e, ainda, pelos empregados durante o período de labor,
assim, a existência de um trabalhador embriagado na empresa pode causar
sérios danos. Logo, é perfeitamente possível que a empresa formule um
regulamento interno instituindo a utilização do bafômetro como um método
de prevenir eventuais acidentes.
Tal regulamento deve ainda estabelecer as condições de uso do aparelho e
as possíveis sanções a serem aplicadas caso seja constatado um alto teor
alcoólico durante o labor, dentre elas, a demissão por justa causa. É
importante ainda que tal medida seja amplamente divulgada na empresa, a
fim de que todos os funcionários fiquem cientes de sua existência.
Ressalte-se que o empregado não é obrigado a realizar o teste do
bafômetro e empregador não pode obrigá-lo a tanto, uma vez que tal
atitude pode configurar um constrangimento ilegal, pelo qual o empregado
pode reclamar uma indenização por danos morais.
Na hipótese do funcionário furtar-se à realização do referido teste e caso
existam indícios de embriaguez, o empregador deve tomar outras medidas
para comprová-la, tais como registro de atos praticados, inclusive com
provas testemunhais, e exames clínicos.
Dessa forma, caso entenda-se pela adoção do teste do bafômetro nas
obras, aconselha-se a elaboração prévia de um regulamento detalhado que
estabeleça as condições de seu uso, bem como as sanções a serem
aplicadas na hipótese de ser constatada a embriaguez, dentre as quais
pode-se incluir a demissão por justa causa, tendo em vista o artigo 482, "f"
da CLT, sem prejuízo da realização de outros testes que auxiliem na
comprovação de que o funcionário estava efetivamente embriagado. Ainda,
tal medida deve ser acompanhada de campanhas preventivas e, sempre
que possível, deve-se orientar os empregados a procurarem auxílio médico.
Notas
1. "EMENTA: JUSTA CAUSA - EMBRIAGUEZ EM SERVIÇO Demonstrado pela prova dos autos que o reclamante estava
em dia de serviço e somente foi dispensado de trabalhar
depois de verificado o seu estado de embriaguez,
caracterizada a justa causa, sendo que o fato de não ter sido o
mesmo despedido imediatamente, dado o seu estado de
alteração no momento, mas apenas no dia seguinte, não retira
a imediatidade da punição." (TRT15ª R. - Proc. 27390/99 - Ac.
12029/01 - SE - Rel. Juiz Carlos Alberto Moreira Xavier DOESP 02.04.2001).