VII JORNADA DE DIREITO CIVIL Ministro Ruy Rosado

Transcrição

VII JORNADA DE DIREITO CIVIL Ministro Ruy Rosado
VII JORNADA DE DIREITO CIVIL
Ministro Ruy Rosado
Coordenador Geral da Comissão Científica
Professor Roberto Rosas
Coordenador Científico
Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino
Coordenador Científico Responsabilidade Civil
Desembargador Federal Rogério de Meneses Fialho Moreira
Coordenador Científico Parte Geral
Professora Ana de Oliveira Frazão
Coordenadora Científica Contratos
Professor Gustavo José Mendes Tepedino
Coordenador Científico Coisas
Professor Otávio Luiz Rodrigues Júnior
Coordenador Científico Família e Sucessões
Professor Paulo Roberto Roque Antonio Khouri
Coordenador Científico Obrigações
Grupo
Comissão de Trabalho
1
Responsabilidade Civil
Quantidade
Proposições
44
2
Parte Geral
3
Sigla
Páginas
RC
2/45
48
PG
47/94
Contratos e Obrigações
65
CO
96/160
4
Coisas
41
DC
162/202
5
Família e Sucessões
79
FS
204/282
Brasília/DF, 28 e 29 de setembro de 2015.
1
COMISSÃO RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSÁVEL: MIN. PAULO DE TARSO VIEIRA SANSEVERINO
RC - Proposição 1.1
Parte da legislação: C/C - LIVRO III- DOS FATOS JURÍDICOS
Artigo: 186
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A indenização por dano moral, como função punitiva, deve ser compreendida, para que
faça sentido, como instrumento de calibração econômica do comportamento do agente
ofensor. O chamado dano moral não se verifica somente quando há lesão relativa à
ofensa aos direitos de personalidade do sujeito, mas também quando um sujeito comete
ato ilícito.
Justificativa:
1-A força normativa dos fatos e a situação excepcional consolidada – sentenças que
fazem uso corrente de expressões pedagógicas, preventivas, dissuasórias – de nítido
caráter punitivo, suplanta eventual inercia legislativa ou hiato existente entre os direitos
legislados e a realidade social. 2-A configuração do dano moral no plano do ato ilícito existência no plano normativo de regra que impõe dever legal de não lesar - impõe
como obrigação correlata a de indenizar nos casos de violação da norma por um
comportamento contrário ao de indenidade, sendo o ato ilícito qualquer ato praticado
por terceiros que repercuta danosamente na esfera patrimonial ou no aspecto do homem
como ser moral. 3-Para muito além da possibilidade de instrumento preventivo e de
controle de acesso ao judiciário, as indenizações punitivas exercem forte proteção aos
vulneráveis, nos moldes dos processos coletivos, que hoje vem obtendo resultados reais
e não devem mais ser entendidas como inviabilização da atividade econômica e sim
como contrapeso aos reiterados ilícitos praticado. 4-Obstáculo sempre presente nos
debates acerca da impossibilidade de se adotar a indenização como pena e exemplo de
superação e legalidade a Lei 12.529/09, art. 37 Seção III, prevê a “pena” por infração,
afastando por completo a impossibilidade de tais aplicações na seara civil. Ressalte-se
que essa cisão é oriunda do Código Civil dos Franceses onde ocorreu a separação do
direito civil e o direito penal, cisão essa que não mais se coaduna com nosso
ordenamento jurídico que já possui fundamentos próprios com rica personalidade e
maturidade.
2
RC - Proposição 1.2
Parte da legislação: Responsabilidade Civil – Da Obrigação de Indenizar
Artigo: 186 e 927 do Código Civil c/c 9º do CDC (Lei nº 8.078/90)
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O cigarro é um produto de periculosidade inerente, que o consumidor, no exercício do
seu livre-arbítrio, decide usar ou consumir, circunstância que exclui a responsabilidade
civil, porque o dano provocado pelo tabagismo decorre de culpa exclusiva da vítima, e,
ainda, não há como estabelecer nexo causal entre o tabagismo e doenças
estatisticamente a ele relacionadas, possível somente quando evidenciado quão
relevante foi o cigarro para o dano.
Justificativa:
O cigarro não é um produto defeituoso, mas um produto de periculosidade inerente (STJ
- REsp 1.113.804/RS, Relator em. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 24/6/2010) que o
consumidor, no exercício do seu livre-arbítrio, decide usar e consumidor, circunstância
que exclui a responsabilidade civil (STJ – REsp 886347/RS, Rel. Des. HONILDO
AMARAL DE MELLO CASTRO, convocado do TJ/AP, DJe de 08/06/2010).
Na lição da Professora TERESA ANCONA LOPEZ, titular do Departamento de Direito
Civil da Faculdade de Direito da USP, a liberdade de fumar é um direito humano tanto
quanto a liberdade de não fumar, e é dever do Estado tutelar e tornar harmônicas essas
duas liberdades quando estiverem em rota de colisão, repudiando-se o “higienismo
estatal”. (Cfr. Nexo causal e produtos potencialmente nocivos: e experiência brasileira
do tabaco, p. 15/17, Ed. Quartier Latin do Brasil, São Paulo, verão de 2008)
Estatisticamente, o câncer de pulmão, em especial, e outras doenças, em geral, são
comumente associadas ao tabagismo, mas essas doenças são multifatorias, ou seja,
podem ser causadas por diversos fatores, dentre eles a alimentação, álcool, carga
genética e o modo de vida.
O nexo causal pressupõe, portanto, a comprovação inequívoca ou a determinação de
quão relevante foi o cigarro para a ocorrência do dano.
3
RC - Proposição 1.3
Parte da legislação: Código Civil (Lei 10.406/2002) – Títulos III (Dos Atos Ilícitos) e
IX (Da Responsabilidade Civil)
Artigo: 186 e 927
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O simples inadimplemento de uma obrigação contratual não gera dano moral, salvo se
dele também decorrer reflexamente lesão de ordem extrapatrimonial para o contratante
atingido.
Justificativa:
O inadimplemento de uma obrigação contratual não gera em princípio dano
moral, como já decidiu reiteradas vezes o Superior Tribunal de Justiça (cf. REsp
1471838/PR, Rel. Min. Ricardo Villa Bôas Cueva). Entretanto, quando há reflexo
deletério também sobre os atributo da personalidade, os danos morais tornam-se
devidos a despeito de terem como causa o descumprimento parcial ou total do
contrato. Já no ano de 1911 Corte de Cassação Francesa reconhecia a existência da
chamada cláusula de segurança do passageiro, permitindo à doutrina concluir que
excepcionalmente seria possível que o descumprimento de certas obrigações
contratuais poderia gerar danos de ordem imaterial (PLANIOL, Marcel; RIPERT,
Georges. Tratado practico de derecho civil francés: las obligationes. Habana:
Cultural, 1946, t. VI, p. 667). A demonstração dessa tese também foi feita com
especial habilidade no âmbito da Common Law no já clássico livro de Grant Gilmore
The death of contract. (2. ed. Columbus: Ohio University, 1995). A jurisprudência
atual do STJ reconhece a possibilidade de reflexos extrapatrimoniais a partir do
inadimplemento contratual em situações como a recusa de cobertura em planos de
saúde (1286839/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino), interrupção no
fornecimento de energia elétrica (AgRg no AREsp 655.900/MG, Rel. Min. Moura
Ribeiro), hospedagem (AgRg no AREsp 629.677/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro),
dentre várias outras. Assim, dependendo do objeto da relação contratual, torna-se
possível a existência de danos morais surgidos em razão de seu inadimplemento.
4
RC - Proposição 1.4
Parte da legislação: Responsabilidade Civil (Código Civil)
Artigo: 187 e 927, CC/2002
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O dano temporal ou cronológico é configurado enquanto categoria lesiva
extrapatrimonial autônoma e distinta do dano moral-psicológico, tutelando a
compensação de agressões indevidas ao tempo – bem jurídico escasso, irreversível,
intangível e ininterrompível –, com fundamento no princípio da reparação integral dos
danos à pessoa e na abertura semântica do sistema de responsabilidade civil.
Justificativa:
Na atualidade, o tempo – bem jurídico relevante por ser escasso, intangível,
ininterrompível e irreversível (DESSAUNE, “desvio produtivo do Consumidor”, 2011,
p. 108) –, é mais que dinheiro, sendo também (qualidade de) vida, liberdade e
dignidade. A tendência de especificação dos danos extrapatrimoniais (dano estético,
dano pela perda de uma chance, biológico etc) e o crescente valor jurídico do tempo na
sociedade pós-moderna aumenta o interesse social na tutela autônoma do tempo
humano. Em 2005, o desembargador André Gustavo C. de Andrade (“Dano moral em
caso de descumprimento de obrigação contratual”), defendeu que o tempo
desperdiçado seria compensável como dano moral. Em seguida, Marcos Dessaune
popularizou o tema na obra “Desvio Produtivo do Consumidor” (2011), porém
assinalou que sem regulação jurídica própria, provavelmente, o desvio produtivo seria
um “um mero ‘novo fato gerador de dano moral’” (p. 133-135). Em março de 2014,
propôs-se a autonomia do dano temporal (MAIA, RDC 95) em relação ao dano moralpsicológico por força da especificidade do bem jurídico “tempo”. Em agosto de 2014,
reconheceu-se a autonomia do dano temporal em relação ao dano moral no processo n.
0005804-43.2014.8.26.0297 (Jales-SP), abrindo-se caminho jurisprudencial para o
debate. O dano temporal é lesão extrapatrimonial distinta do dano moral-psicológico,
tutelando as especificidades do bem jurídico tempo, compensável graças ao “princípio
da reparação integral” (ver obra homônima de SANSEVERINO, 2010, p. 257 ss.) das
lesões à integridade humana e da abertura semântica do sistema de responsabilidade
civil.
5
RC - Proposição 1.5
Parte da legislação: Responsabilidade Civil (Código Civil)
Artigo: 187 e 927, CC/2002
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A indenização compensatória por dano temporal ou cronológico – categoria lesiva
autônoma de dano extrapatrimonial relacionada ao bem jurídico tempo –, pode ser
cumulada com o pleito indenizatório de dano patrimonial e/ou compensatórios de outros
danos de natureza extrapatrimonial quando, a partir do mesmo evento lesivo, outros
bens jurídicos além do tempo tenham sido lesionados, tudo em conformidade com o
princípio da reparação integral e da tutela da dignidade humana.
Justificativa:
O direito brasileiro passa por uma fase de especificação contínua dos danos
extrapatrimoniais. Nesse ponto, exemplificativamente, cita-se o dano estético (Teresa
Ancona Lopes, In: “Dano Estético”), o dano pela perda de uma chance (STJ, REsp
1.254.141/PR; REsp 1291247/RJ), o dano à vida de relação (vide: Paulo Sanseverino,
“Princípio da reparação integral: Indenização no Código Civil”, p. 301 ss). Em
decorrência da incipiência da categoria lesivo-temporal, podem surgir dúvidas acerca de
sua cumulabilidade com outras formas de dano extrapatrimonial ou mesmo com o dano
patrimonial. Pois bem, relembra-se que o dano estético – após anos de amadurecimento
da discussão –, foi reconhecido não somente como categoria autônoma e ainda foi aceita
sua cumulabilidade via enunciado sumular: “É lícita a cumulação das indenizações de
dano estético e dano moral” (Enunciado Sumular n. 387/STJ). Na mesma esteira
interpretativa, o dano temporal poderá ser cumulado com outras categorias de dano
extrapatrimonial decorrentes do mesmo evento lesivo, quando as consequências
atingirem múltiplos bens jurídicos (ex.: tempo, moral-psique, patrimônio, chance etc).
Ou seja, se um mesmo evento lesivo causar dano temporal, patrimonial e/ou moralpsicológico (entre outras categorias extrapatrimoniais), nada impede a cumulação de
pleitos compensatórios em nome do princípio da reparação integral dos danos
suportados pela dignidade de integridade humana.
6
RC - Proposição 1.6
Parte da legislação: Código Civil, Parte Especial, Livro I, Tít. V, Dos contratos em
geral.
Artigo: 422.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
“O interesse negativo, na responsabilidade civil pré-contratual, é limitado ao dano
positivo, que resultaria da inexecução do contrato.”
Justificativa:
Fundamento teórico: Teoria da culpa in contrahendo e a do Dano da confiança. O novo
Código Civil não recepcionou uma fórmula para tratar da responsabilidade na fase das
negociações dos contratos. A expressão normativa utilizada para designar a atuação da
responsabilidade contratual é a do art. 422. Tal dispositivo, com formato de cláusula
geral, faz menção expressa às hipóteses de conclusão e execução do contrato.
Reconheceu-se, porém, no art. 422, uma forma de expressar a responsabilidade civil
pré-contratual, através do Enunciado n° 25 da I Jornada de Direito Civil, mas não se tem
referência quanto à extensão do dano. A noção de interesse contratual negativo permitiu
como melhor compreender e situar o limite do dano na fase de negociação. No caso, o
interesse negativo não se confunde com o dano positivo, que decorre da inexecução do
contrato. A questão controvertida que se coloca, e não é resolvida de forma normativa,
diz respeito à possibilidade do ressarcimento com base no interesse negativo superar o
seu equivalente positivo. O próprio Jhering afirmara que uma pretensão ao
ressarcimento por dano na culpa in contrahendo não poderia ser superior àquilo que se
conseguiria com a execução do contrato. O entendimento que prevalece é no sentido de
reconhecer a responsabilidade apenas do interesse negativo, já que o que se pretende
aqui, com a reparação, é compensar o prejudicado decepcionado com o negócio
frustrado e tal compensação não guarda nenhuma relação com o objeto do contrato não
estabelecido, que constitui a prestação principal e, como não chegou a se estabelecer,
não pode ser incluída no montante do dano.
7
RC - Proposição 1.7
Parte da legislação: Código Civil e Lei de Propriedade Intelectual (nº9297-96).
Artigo: Art. 422 do Código Civil.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Não se caracteriza como dano moral de per se o atraso ou o não pagamento de
prestações correspondentes, pelo exercício da defesa das instituições de seguridade
social e de previdência, pública ou privada, no qual se questiona, por desconhecimento
ou dúvida, a qualidade de beneficiário.
Justificativa:
O pagamento das prestações de seguridade social e previdenciárias se submete ao
preenchimento dos requisitos legais e contratuais, dentre entre eles a comprovação da
qualidade de beneficiário do destinatário de tais pagamentos. Persistindo eventuais
questionamentos quanto a essa qualidade de beneficiário, está justificado que as
instituições de seguridade social e de previdência, pública ou privada, por dever
diligência com os valores sob sua guarda, não procedam ao pagamento até que seja
ultimada a devida averiguação do preenchimento desse requisito. Por decorrência
lógica dessas premissas, tais instituições não incorrem em nenhuma agressão aos
interesses psico-físicos do segurado e ou à dignidade da pessoa humana ao protelar ou
não efetuar os pagamentos das prestações correspondentes, pois está fazendo uso de
uma prerrogativa inerente às suas atribuições.
8
RC - Proposição 1.8
Parte da legislação: Responsabilidade Civil
Artigo: 884 e 886 do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Constitui enriquecimento sem causa, assim definido no art. 884 do Código Civil,
qualquer invasão na esfera jurídica de outrem que tenha como efeito direito e imediato a
geração de riqueza para o ofensor. O lucro que o ilícito gera para o ofensor têm natureza
jurídica distinta do dano por este causado ao lesado. Assim, a compensação a que se
refere o art. 886 do CC somente ocorre quando, além da reparação do dano e retorno do
lesado ao status quo ante, este, de algum modo recebeu parte significativa do lucro
gerado pela lesão sofrida.
Justificativa:
O lucro gerado pela invasão na esfera jurídica de outrem não deve ser absorvido pelo
ofensor, sendo da essência do enriquecimento sem causa a sua imediata restituição ao
lesado, independentemente do dano moral ou material que do ilícito tenha advindo. Não
se ajusta à lógica do sistema jurídico, pautado pelo respeito à boa fé e à função social do
contrato e pela prevenção ilícito, que, em situações dessa natureza, em função de, ao
lesado garantir-se a indenização pelo dano sofrido, possa o ofensor reter para si todo o
proveito econômico gerado pela afronta ao direito de outrem. Caso contrário, estaria o
artigo 886 do Código Civil, instituindo um direito de opção: cumprir a lei ou descumprila mediante o pagamento apenas da indenização pelo dano causado, retendo consigo
todo o lucro que dessa lesão possa eventualmente advir.
9
RC - Proposição 1.9
Parte da legislação: Código Civil de 2002
Artigo: 927
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O dano à imagem restará configurado quando presente a utilização indevida deste bem
jurídico, independentemente da concomitante lesão a outro direito da personalidade,
sendo dispensável a prova do prejuízo do lesado ou do lucro do ofensor para a
caracterização do dano moral por se tratar de modalidade in re ipsa.
Justificativa:
Ainda que o Código Civil aparentemente não tenha atribuído uma tutela autônoma ao
direito à imagem, condicionando, salvo exceções, a possibilidade de sua compensação à
concomitante lesão da honra de seu titular, este entendimento parece questionável, se
analisado de acordo com as disposições constitucionais previstas no art. 5º, incisos V e
X, que conferiram autonomia à compensação pelo dano à imagem. Na legalidade
constitucional, torna-se necessário valorizar a vontade da pessoa humana, que deverá
expressar o seu consentimento de forma expressa ou tácita, mas sempre
inequivocamente. Conforme entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça,
em regra, diante da violação do direito à imagem nascerá para o seu titular o direito à
compensação pelo dano moral na modalidade in re ipsa. Nesta hipótese, não seria
necessário prova concreta do prejuízo de ordem moral para a vítima e nem do efetivo
lucro do ofensor, bastando a própria violação à exteriorização da personalidade da
vítima. Neste sentido, conferir Maria Celina Bodin de Moraes em Danos à Pessoa
Humana: uma leitura civil constitucional dos danos morais e o Código Civil
interpretado conforme a Constituição da República, vol. I, organizado por Gustavo
Tepedino et al. Julgados selecionados: REsp 138.883, Rel. Min. Carlos Alberto
Menezes Direito, DJ 05.10.1998; ERESP 230.268/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo
Teixeira, DJ 04.08.2003; REsp 794.586/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, DJe 21.03.2012;
REsp 299.832/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 27.02.2013; REsp
1.432.324/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 04.02.2015.
10
RC - Proposição 1.10
Parte da legislação: DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR
Artigo: 927
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O patrimônio do ofendido não pode funcionar como parâmetro para o arbitramento de
indenização por dano extrapatrimonial, não podendo o quantum ser reduzido em função
da baixa capacidade econômica da vítima.
Justificativa:
O modelo de responsabilidade civil por dano extrapatrimonial previsto no Código Civil
atribuiu ao juiz ampla discricionariedade na fixação da indenização. Para tanto, deverá
ele se valer de critérios previstos no Código - extensão do dano (artigo 944), grau de
culpa do ofensor (artigo 944, parágrafo único) e culpa concorrente da vítima (artigo
945); e outros, sugeridos pela doutrina, que tenham em vista o objetivo pedagógico,
punitivo e desestimulante da indenização. No exercício deste arbitramento, não pode o
magistrado valer-se da condição econômica do ofendido, sob pena de atribuir menor
indenização àqueles que detenham menor patrimônio. Este entendimento violaria o
princípio da reparação integral, pois permite fixar indenizações desproporcionais ao
dano causado; afrontaria o princípio da igualdade (artigo 5º, caput, Constituição
Federal), pois introduz critério discriminatório no cálculo do quantum indenizatório; e
não se revela compatível com a cláusula constitucional de proteção da dignidade
humana. Ademais, ao receber indenização, não há, em rigor técnico, enriquecimento
sem causa por parte da vítima (artigo 884). A exclusão do critério da capacidade
econômica da vítima, todavia, não exclui a obrigação de fixar a indenização de modo
proporcional e razoável.
11
RC - Proposição 1.11
Parte da legislação: DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR
Artigo: 927
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A indenização pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo
admitido o ressarcimento in natura, na forma de retratação pública ou outro meio, desde
que requerido pelo ofendido.
Justificativa:
Não há, no Código Civil, norma que imponha a indenização pecuniária como meio
exclusivo para reparação do dano extrapatrimonial. Causado dano desta natureza, nasce
para o ofensor a obrigação de reparar (artigo 927), o que deverá ocorrer na forma de
uma compensação em dinheiro e/ou de ressarcimento in natura, conforme tem admitido
a doutrina (por todos: SCHREIBER, Anderson. Reparação Não-Pecuniária dos Danos
Morais. In: Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin (Org.). Pensamento crítico do
Direito Civil brasileiro. Curitiba: Juruá Editora, 2011). No plano constitucional, tal
entendimento revela-se compatível com o quanto dispõe o art. 5º, inciso V, que, dirigido
ao ofendido, assegura o direito de resposta, além de indenização em função do dano
causado. Por último, o ressarcimento in natura revela-se compatível com uma lógica de
despatrimonialização da responsabilidade civil, de modo a garantir ao ofendido a
reparação integral do dano, o que nem sempre é alcançado mediante simples pagamento
em dinheiro.
12
RC - Proposição 1.12
Parte da legislação: Direito das Obrigações
Artigo: 927, parágrafo único
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Considerando que a circulação de veículos é uma atividade que, por sua natureza,
implica risco para os direitos de outrem, responde o seu condutor de forma objetiva
pelos danos causados. Sua responsabilidade, porém, é excluída pelas causas normais de
exclusão do nexo de causalidade, como força maior, fortuito externo, fato de terceiro e
fato exclusivo da vítima.
Justificativa:
Apesar de se tratar de atividade lícita e útil, a circulação de veículos implica notáveis
riscos para todos, haja vista as mais de 50.000 mortes no trânsito a cada ano, só no
Brasil. Assim, é razoável imputar-se a quem cria tais riscos, a responsabilidade pela
reparação dos danos concretizados, independentemente de culpa, tal como acontece na
maioria dos países europeus.
O fato de se tratar de responsabilidade objetiva, porém, não significa que o
proprietário/condutor do veículo seja sempre responsável, pois as causas normais de
exclusão da causalidade também afastam o dever de reparar os danos, como é o caso da
força maior, o fortuito externo, o fato de terceiro e o fato exclusivo da vítima. Assim, se
um condutor sofre mal súbito, perde o controle do veículo e atropela um transeunte,
deve reparar os danos resultantes, mesmo que não tenha havido com culpa (fortuito
interno). Já outro condutor que, dirigindo prudentemente, vem a atropelar um pedestre
que repentinamente atravessa correndo a pista, colocando-se na trajetória do veículo,
não responde pelos danos causados. A exclusão da responsabilidade se daria não por
ausência de culpa, mas por exclusão do nexo de causalidade.
Não se ignora a opinião quase unânime que ainda prevalece no sentido de que a
expressão “atividade”, constante deste dispositivo, deveria ser interpretada no sentido de
atividade empresarial ou assemelhada. Todavia, aceita a ideia de que a responsabilidade
civil moderna procura proteger as vítimas e não punir o causador dos danos, penso
estarmos maduros para ampliar a exegese do referido dispositivo legal.
13
RC - Proposição 1.13
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 927, parágrafo único
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A responsabilidade civil do provedor Internet pelos danos à pessoa humana nas redes
sociais é objetiva, por envolver atividade de risco, consistindo a notificação do
provedor em condição de procedibilidade.
Justificativa:
Em face da rede social, que trava relações de hospedagem dos dados fornecidos pelo
usuário, incide o regime de responsabilidade civil objetiva, pela atividade de risco, seja
pelo Código Civil ou pelo Código de Defesa do Consumidor. A referência à
responsabilidade subjetiva pressupõe um erro de conduta, consistente em negligência ou
imprudência, incompatíveis com a segurança das informações que transitam na Internet.
Afirma Bruno Miragem (Responsabilidade por danos na sociedade da informação e
proteção do consumidor: defesas atuais da regulação jurídica da Internet. Revista de
Direito do Consumidor. n. 70. Abr-jun./2009. p. 51 ) que , mesmo nas relações
privadas que não sejam de consumo, regidas pelo Código Civil, a atividade
habitualmente desenvolvida é capaz por si só de ocasionar a responsabilidade por risco
da atividade, nos termos do parágrafo único do art. 927 do Código Civil”.
Assim decidiu o STJ no REsp 1117633-RO, 2ª t, j.09.03.2010, rel.Min.Antonio
Herman Benjamin) e no REsp 1.175.675-RS(4ª t, j.09.08.2011). No mesmo sentido, a
doutrina de Guilherme Magalhães Martins ( Responsabilidade civil por acidente de
consumo na Internet. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p.368. )
A notificação do provedor Internet, prevista no art. 19 da Lei 12.965/14, constitui
mera condição de procedibilidade, para as ações de reparação de danos movidas em
face daqueles prestadores, não implicando um juízo de valor ensejador de culpa.
14
RC - Proposição 1.14
Parte da legislação: Código Civil/2002
Artigo: Art. 927, caput
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Configura-se indenizável a violação verificável ao “projeto de vida” individual,
consubstanciado na perda arbitrária, ou grave comprometimento, das expectativas
legitimamente alcançáveis pela pessoa humana no exercício de suas liberdades
fundamentais, em consonância com princípio da confiança.
Justificativa:
Extraível do julgamento do caso Loayza Tamayo vs. Peru pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos – CorteIDH (1998), o conceito de “Projeto de Vida” distingue-se das
concepções de “lucro cessante” e de “dano emergente”, na medida em que se vincula
diretamente à realização integral da pessoa ofendida, considerando sua vocação,
aptidões, circunstâncias, potencialidades e aspirações, que lhe permitam estabelecer
razoavelmente determinadas expectativas e alcançá-las. Seu fundamento situa-se,
portanto, na dignidade da pessoa humana e em seu espaço legítimo de autodeterminação
(SCHÄFER; MACHADO, A reparação do dano..., 2013), em consonância com
diversos julgamentos da CorteIDH (v.g.: Cantoral Benavides vs. Perú, 2001; Gelman
vs. Uruguay, 2011).
Nesse aspecto, cumpre destacar a necessidade de harmonização normativa entre o
vigente Código Civil (2002) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969),
especialmente em face de precedente do c. Supremo Tribunal Federal que qualifica o
citado tratado internacional protetivo de direitos humanos na condição de norma interna
supralegal (RE-349.703/RS).
No âmbito da jurisprudência nacional, a concepção jurídica do “projeto de vida”
encontra substrato perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal
em julgamento de questões vinculadas à união homoafetiva (RESP-1.183.378/RS; RE477.554/MG) e à paternidade (RESP-922.462/SP; RE-363.889/DF), sempre em
conexão com a perspectiva jurídico-axiológica de caráter dinâmico e duradouro da
dignidade da pessoa humana.
15
RC - Proposição 1.15
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 927
Enunciado proposto (resumo da proposição):
São válidas as cláusulas de não-indenizar nas associações civis, salvo nas hipóteses de
dolo, morte, lesão grave, danos extrapatrimoniais ou contrariar normas de ordem
púbilca.
Justificativa:
A previsão de normas internas de não indenizar nas associações civis (fruto da
autonomia da associação e vontade vinculante de seus associados) são perfeitamente
lícitas e acarretam a irresponsabilização do entidade associativa segundo entendimento
do STJ abaixo: “Clube social. Furto. Validade da cláusula estatutária que estabelece não
responder o clube por furto de bens do associado que ocorra em suas dependências.
Respeito à autonomia da vontade, uma vez inexistente ofensa a norma jurídica, cuja
observância seja inarredável, ou a algum princípio ético”. (STJ – RESP 86.137-SP – 3a
T. – Rel. Min. Eduardo Ribeiro – DJ 24/03/98). Diante disto, a princípio, as cláusulas de
não-indenizar ou excludentes de responsabilidade previstas nos estatutos sociais das
associações são lícitas, notadamente quando tratar de questões eminentemente
patrimoniais. Apesar desta licitude a priori das cláusulas de não-indenizar nas
associações civis, existem limites para a validade das mesmas. São inválidas as
cláusulas de não indenizar que prevejam exclusão de responsabilidade em caso de dolo,
morte e lesão grave, danos extrapatrimoniais ou contrariedade a normas de ordem
pública.
16
RC - Proposição 1.16
Parte da legislação: Responsabilidade Civil. Da obrigação de indenizar (arts. 927 a 954
do Código Civil).
Artigo: 927 e 187 do Código Civil.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O art. 187 do CC pode ser aplicado para o abuso praticado no âmbito do processo, a
gerar a correspondente responsabilidade civil do agente (art. 927 do CC).
Justificativa:
Em Jornadas anteriores existiram tentativas de aprovação de enunciado tratando do
abuso praticado no âmbito do processo civil, todas sem sucesso (III, IV e V Jornadas).
Todavia, tendo em vista a emergência do Novo Código de Processo Civil, que consagra
a boa-fé objetiva em vários de seus dispositivos, passa a ser ainda mais imperiosa a
necessidade de uma ementa doutrinária sobre o tema. Cabe apontar que julgado recente
do Superior Tribunal de Justiça bem aplicou a responsabilidade civil decorrente do
abuso no âmbito processual. Conforme o aresto, “o ato ilícito é um gênero do qual são
espécies as disposições insertas nos arts. 186 (violação do direito alheio) e 187 (abuso
de direito próprio) do CC. Ambas as espécies se identificam por uma consequência
comum, indicada no art. 927, ou seja, a reparação. Havendo excesso quanto ao limite
imposto pelo fim econômico ou social do direito exercido, pela boa-fé ou pelos bons
costumes, está caracterizado o abuso de direito. Nas hipóteses específicas de execução,
o CPC traz regra segundo a qual ‘o credor ressarcirá ao devedor os danos que este
sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em
parte, a obrigação, que deu lugar à execução’ (art. 574). Esse dispositivo, de natureza
idêntica ao art. 187 do CC, pois ambos visam ao ressarcimento na hipótese de danos
decorrentes de abuso de direito, é utilizado em casos de emprego abusivo da ação
executiva"” (STJ, REsp 1.245.712/MT, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j.
11.03.2014). A proposta é direta e objetiva, não oferecendo qualquer risco para a tutela
do acesso à justiça.
17
RC - Proposição 1.17
Parte da legislação: CC - Responsabilidade Civil
Artigo: 927, parágrafo único e 944, caput e parágrafo único
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O principio da reparação integral constitui o parâmetro essencial para a fixação da
indenizaçãdo por dano material, entretanto, no que respeita à responsabilidade fundada
no risco da atividade desenvolvida pelo causador do dano, é essencial que o julgador,
em face do disposto no parágrafo único do art. 944 do CC, analise se houve, também,
ação ou omissão culposa antes de fixar a indenização. Como a responsabilidade civil
cumpre uma função essencial de prevenção do ilícito, constituiria um estímulo à
negligência ou imprudência de quantos desenvolvem atividades potencialmente de
risco, não pudessem ser favorecidos com a redução equitativa da indenização fixada,
quando for manifesto ser o dano resultado absoluto do risco da atividade, sem
contribuição culposa, ainda que mínima, para o resultado danoso.
Justificativa:
Dentre as funções da responsabilidade civil sobressai a prevenção do ilícito e a
solidariedade social, o que garante ao lesado a plena reparação dos danos sofridos. A
cláusula geral de responsabilidade objetiva potencializa o cumprimento dessas funções e
põe o dano no centro do sistema. É imperioso, contudo, que não se perca de vista que,
quanto maior o risco da atividade, mais numerosos devem ser os deveres de cuidado
adotados. Portanto, sobrevindo o dano material, atuará como forte estímulo para a
adoção desses deveres, em certa pedida eficientes, que os que desenvolvem atividade de
risco sejam beneficiados por uma redução equitativa da indenização. A culpa mínima,
conjugada ao exercício de uma atividade lícita, porém de risco, deve justificar uma
indenização equilibrada, contudo, sem desprendimento do interesse maior que é a
recomposição da situação jurídica do lesado. A redução equitativa, pressupõe,
essencialmente, demonstre o ofensor que a prevenção foi o norte principal da sua
atividade e que o dano sobreveio, pura e simplesmente do risco e da imprevisibilidade
dos fatos da vida, não de uma aposta vazia na sorte ou na fatalidade. Portanto, sendo a
reparação integral fundamento essencial do sistema de responsabilidade civil objetiva, a
regra de exceção prevista no parágrafo único do art. 944 do CC deve ser utilizada para
enaltecer e premiar os bons, os zelosos, os que apostam na prevenção, mas são
sorteados para reparar o dano gerado na loteria do risco.
18
RC - Proposição 1.18
Parte da legislação: Da responsabilidade civil; Da indenização
Artigo: Art. 927, Art. 944 e Art. 945.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A fixação da indenização devida nos casos de responsabilidade civil objetiva deverá ser
realizada equitativamente, observando-se as circunstâncias concretas e de acordo com
múltiplos parâmetros como, dentre outros, a culpabilidade das partes e a relação pessoal
de causalidade com o evento danoso.
Justificativa:
No direito civil contemporâneo o princípio da reparação integral, norma regente do
procedimento de fixação da indenização devida, não implica absoluta equivalência entre
dano real e dano indenizável, inclusive no que concerne aos casos de responsabilidade
civil objetiva. No contexto das Jornadas de Direito Civil, mesmo, nota-se esta
orientação a partir de interpretação do enunciado 459, que trata da repercussão do nexo
de causalidade nos casos de responsabilidade civil objetiva.
A responsabilidade civil objetiva nasceu sob o signo da equidade, visando sanar
deficiências do modelo subjetivo identificadas principalmente nas relações assimétricas,
como entre Poder Público e cidadão, na de emprego ou na de consumo. Quando o
Código Civil institui cláusula geral de responsabilidade civil objetiva, abre-se um novo
campo, muito próprio, que é o da responsabilidade objetiva na relação paritária, entre
pessoas que se relacionam sem subordinação de qualquer natureza.
Na responsabilidade civil objetiva observa-se a independência do vínculo de
responsabilidade de qualquer juízo acerca da ilicitude da conduta do responsável, a
quem é atribuído o dever de indenizar com base em critérios de política legislativa.
Advoga-se a necessidade de formulação de regime próprio de fixação da indenização
nas hipóteses de responsabilidade objetiva, orientado pelo princípio da equidade, que
operaria como critério metodológico para seleção de parâmetros materiais de avaliação
da relação entre as partes, visando o arbitramento justo da indenização, modelo
semelhante ao aplicado na fixação da compensação devida em razão de dano moral.
19
RC - Proposição 1.19
Parte da legislação: Título IX da Responsabilidade Civil – Capítulo I – Obrigação de
indenizar
Artigo: 931 do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O art. 931 aplica-se aos produtos com periculosidade inerente em qualquer relação
jurídica, independentemente de haver defeito nos referidos produtos postos em
circulação no mercado pelos empresários individuais e pelas sociedades empresárias.
Justificativa:
O art. 931 do CC traz uma hipótese de responsabilidade valorada pelo critério objetivo
no sistema brasileiro, ampliando o sentido de fato do produto posto no art. 12 do CDC,
sem com ele conflitar (Enunciados CJF 42 e 190), bem como incide nos casos de risco
do desenvolvimento (Enunciado CJF 43) em qualquer relação jurídica (Enunciado CJF
378). Os casos abarcados pelo art. 931 são atingidos pelas excludentes do critério
objetivo de valoração da responsabilidade (Enunciado 562). Essa responsabilidade dos
empresários individuais e das sociedades empresárias que colocam produtos em
circulação no mercado independe de defeito no produto, cujo risco está vinculado ao
empreendimento ou a atividade. Nessa linha, o art. 931 se aplica aos produtos com
periculosidade inerente ou latente (unavoidably unsafe product or servisse) colocados
no mercado pelos empresários individuais e pelas sociedades empresárias. Para Herman
Benjamin esses produtos “trazem um risco intrínseco atado a sua própria qualidade ou
modo de funcionamento” (BEJAMIN, Antônio Herman; MARQUES, Cláudia Lima;
BESSA, Leonardo R. Manual de direito do consumidor. 4.ed. São Paulo: RT, 2012, p.
151), como as facas, cordas, sacos, travesseiros, os cigarros, as armas, entre outros,
inclusive pelo fato de poderem trazer riscos desconhecidos por quem o adquire, como
nos casos de medicamentos e agrotóxicos. Para ser considerado com periculosidade
inerente, esta deve ser normal em relação ao produto e previsível (em relação a quem
adquire), a fortalecer o dever de informação daquele os empresários e das sociedades
empresárias no mercado acerca dos produtos por eles postos em circulação.
20
RC - Proposição 1.20
Parte da legislação: Responsabilidade Civil
Artigo: 931
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O Art. 931 não é repetição e não se confunde com a disposição do Art. 12 do CDC, pois
estabelece um modelo de responsabilidade das empresas e dos empresários pelos
produtos postos em circulação independentemente do reconhecimento da relação de
consumo.
Justificativa:
O Art. 12 do CDC estabelece um modelo de responsabilidade civil destinado à
responsabilidade pelo fato de produto, porém tal responsabilidade é destinada às
relações de consumo. O Art. 931 é mais abrangente, porque destina-se à
responsabilidade civil pelos danos de produtos postos em circulação. No entanto, como
o próprio dispositivo refere, é direcionado aos casos de responsabilidade objetiva para
além das situações previstas em lei, por isso, pode ser aplicado em virtude dos danos
decorrentes de produtos nas relações que o empresário estabelece com outros
empresários ou com qualquer pessoa, sem que seja necessária a relação de consumo.
Com o dispositivo, perde espaço a necessidade de demonstrar, muitas vezes de maneira
artificial, a existência de uma relação de consumo, porque o próprio dispositivo trata de
uma modalidade de responsabilidade objetiva para os casos de fato de produto para
além dos casos previstos no CDC. Mesmo nas relações empresariais em que o
comprador ou o destinatário do produto não controla o processo produtivo de um
insumo ou um produto de uso industrial, ainda assim poderá responsabilizar o fabricante
com fundamento no Art. 931. Se o produto causar dano ao adquirente, impõe-se a
responsabilidade do empresário ou da empresa que fornece o produto com fundamento
no Art. 931 (a jurisprudência pátria, ainda que de maneira tímida, confirma o
posicionamento Apl. 00055687320088260565 TJSP, Apl. 70064376981 TJRS, Apel.
70058820853 TJRS). O enunciado visa evitar a aplicação alargada e equivocada do
CDC para casos regulados no Código Civil.
21
RC - Proposição 1.21
Parte da legislação: Responsabilidade Civil
Artigo: 931
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O fabricante responde pelos danos provocados pelos produtos que coloca em circulação
nos termos do Art. 931. Não há responsabilidade solidária entre o fabricante e o
empresário que somente revende o produto.
Justificativa:
O Art. 931 estabelece a responsabilidade civil objetiva do empresário individual e das
empresas pelos danos decorrentes de produtos postos em circulação, sem contudo fazer
a distinção entre a atividade exercida pelo empresário (comerciante ou fabricante). A
omissão pode acarretar equívocos, pois uma interpretação literal poderia sugerir que
fabricante comerciante são responsáveis solidários. A interpretação acarretaria um
modelo de responsabilidade civil nas relações comerciais mais severo do que o previsto
no próprio CDC, que é destinado à proteção do consumidor (no CDC a responsabilidade
do comerciante é subsidiária). A norma do Art. 931 do CCB é dirigida ao fabricante,
pois o comerciante não detém o conhecimento técnico sobre o produto; em geral, recebe
os produtos em embalagens lacradas e por isso não tem como controlar, prever ou
prevenir as suas consequências danosas, tampouco tem condições de alterar ou controlar
as técnicas de fabricação. O fabricante é o “titular do processo produtivo segundo o
qual, o produto é idealizado ou concebido e fabricado” (Calvão da Silva, 2008, p. 129) e
por isso tem condições de controlar o perigo e prevenir os danos potenciais do produto,
podendo, suportar as consequências danosas, através de uma distribuição equitativa do
risco para eventual reparação do dano. A responsabilidade pelo fato do produto é
naturalmente do fabricante e somente excepcionalmente deve ser dirigida ao
comerciante. O enunciado visa evitar o equívoco de vincular o comerciante à
responsabilidade civil pelo fato do produto com base no Art. 931 (Apl. 70058820853
TJRS, TJ-SP - AI: 00491604320138260000).
22
RC - Proposição 1.22
Parte da legislação: Da Obrigação de Indenizar
Artigo: 932, III, do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A responsabilidade civil reparatória do empregador pelos atos de seus empregados e ou
prepostos deve decorrer da comprovada relação de causa entre a prática do ilícito e
orientações ou exigências fornecidas pelo próprio empregador. Para que a
responsabilização civil ganhe mobilidade vertical em um contexto hierárquico, deve
ficar demonstrado que o ato ilícito necessariamente decorreu de atitudes (ativas ou
passivas) daquele não diretamente envolvido em sua prática, ainda que para isso se
considere a inversão do onus probandi.
Justificativa:
Tornou-se comum a responsabilização civil indenizatória de empregadores por atos
ilícitos praticados por seus funcionários, independentemente da análise do contexto que
os motivou. Essa interpretação adere ao entendimento de uma mobilidade vertical na
categorização da responsabilidade civil sem maiores critérios avaliativos, o que
possibilita a responsabilização direta e automática de um empregador pelos atos de seus
empregados quando praticados no exercício de sua função, ainda que esses atos
decorram de uma postura particular e completamente discricionária do próprio
funcionário. A relação causal entre o ato ilícito praticado e potenciais atitudes do
empregador que o desencadearam deve restar provada, sob pena de se atribuir indevida
responsabilidade civil a quem não contribuiu para o ilícito. De forma exemplificativa,
admitir a responsabilidade de uma empresa em um acidente automobilístico por
desatenção de seu funcionário emerge como correto quando se apura a imposição de
uma pesada jornada de trabalho, mas se transfigura como errado quando se comprova
que o “cenário laborativo” em que trabalhava o empregado em nada colaborou para
tanto. Tendo em vista a maior facilidade do empregador para provar esses parâmetros de
orientação e trabalho, ao magistrado cabe considerar a possibilidade, caso a caso, de
inversão do ônus da prova.
23
RC - Proposição 1.23
Parte da legislação: Responsabilidade Civil por fato de terceiro.
Artigo: CC, art. 932, inciso I.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O genitor que objetiva se eximir do dever de reparação de um ato praticado por seu filho
menor não pode invocar em seu favor o fato de não possuir a guarda do mesmo,
considerando caber a ele o dever legal de supervisionar os interesses do menor (art.
1.583, §5º do CC), ressalvadas as hipóteses de ocorrência de alienação parental.
Justificativa:
Sendo a responsabilidade dos pais pelos filhos menores calcada na teoria objetiva da
responsabilidade civil (art. 933 do CC), conforme enunciado 450 da V Jornada de
Direito Civil, o genitor que eventualmente não possuir a guarda do menor também deve,
em regra, ser responsabilizado. Não cabe, portanto, a não atribuição do dever de
reparação ao genitor que voluntariamente deixa de cumprir os deveres constitucionais
(art. 229 da CF) e infraconstitucionais (e.g. art. 1.634 do CC) para com o menor, o que
inclusive caracterizaria o benefício gerado da própria torpeza do ato de omissão.
Ademais, deve-se excluir deste entendimento as situações em que o afastamento das
obrigações familiares for decorrente de alienação parental, já que nestas hipóteses o
genitor não deu causa à perda parcial ou total dos poderes-deveres inerentes ao
exercício do poder familiar.
24
RC - Proposição 1.24
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 932, inciso I
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A responsabilidade civil dos pais pelos atos dos filhos menores prevista no artigo 932,
inciso I, do Código Civil, não obstante objetiva, pressupõe a demonstração de que a
conduta imputada ao menor, caso o fosse ao um agente imputável, seria entendida como
culposa. Em outras palavras, a responsabilidade objetiva dos pais pressupõe a
concorrência culposa do filho menor na causação do dano.
Justificativa:
A alteração do regime de responsabilidade dos pais pelos atos dos filhos menores foi
uma das inovações do Código Civil de 2002, passando-se da culpa presumida para a
imputação objetiva. Por isso, ao lado de outras situações relacionadas à
responsabilidade por ato de terceiro, seu fundamento não mais reside na inobservância
de um dever de vigilância, mas na necessidade “de se garantir ressarcimento à vítima”
(TEPEDINO; BARBOZA; MORAES. Código Civil Interpretado conforme a
Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, vol. II, p. 830). Não obstante
esta necessidade, mas especialmente tendo em conta que não se trata de uma imputação
que encontra propriamente o seu fundamento no exercício de uma atividade de risco, é
que se exige parcimônia por parte do interprete no sentido de delimitar o alcance da sua
abrangência. Em razão disso, a mais abalizada doutrina tem sustentado “que objetiva é a
responsabilidade dos pais [...] e não das pessoas pelas quais são responsáveis”, de modo
que, para a sua incidência, “será preciso a prova de uma situação que, em tese, em
condições normais, configure a culpa do filho menor”, interpretando-se o dispositivo
“no sentido de que, praticado o ato em condições de ser considerado culposo se nas
mesmas condições tivesse sido praticado por pessoa imputável” (CAVALIERI FILHO,
Programa de Responsabilidade Civil. 6ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 203). Se
assim não for, chegar-se-ia ao extremo de uma mesma situação submeter-se a uma regra
de imputação objetiva apenas porque cometida por um menor, quando não o seria se
praticada por um imputável. Neste sentido inclina-se a jurisprudência do STJ, conforme
se infere em REsp n.º 777327/RS, 3ª Turma, rel. Min. Massami Uyeda, DJe 01/12/2009.
25
RC - Proposição 1.25
Parte da legislação: Código Civil de 2002
Artigo: 932, III, do Código Civil de 2002.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A instituição hospitalar privada responde, objetivamente, na forma do art. 932, III, do
Código Civil, pelos atos culposos praticados por médicos integrantes de seu corpo
clínico.
Justificativa:
Trata-se de proposta de alteração do Enunciado 191, aprovado durante a III Jornada de
Direito Civil, a fim de que nele conste expressamente a indicação de que a
responsabilidade hospitalar, na hipótese de incidência do art. 932, III, do Código Civil,
é objetiva em relação àquele que expiou o dano. Tal proposta tem por objetivo afastar a
interpretação, já adotada esporadicamente por alguns Tribunais, no sentido de que a
responsabilidade civil do hospital dependeria da demonstração de culpa do profissional
técnico por ela contratado. Tal entendimento assenta-se na premissa de que se não
houver a demonstração de culpa do profissional, tendo ele agido corretamente, não
haveria dano indenizável, pelo hospital. Todavia, tal posicionamento reduz,
indevidamente, a aplicação da responsabilidade civil objetiva dos estabelecimentos
hospitalares, especialmente porque a premissa não é necessariamente verdadeira, já que
o art. 932, III, do Código Civil não submete a responsabilidade do empregador à
demonstração de culpa do seu empregado e, ademais, pode conduzir à exclusão da
teoria do risco do serviço prestado.
26
RC - Proposição 1.26
Parte da legislação: Capítulo I do Título IX do Código Civil
Artigo: 932
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Os pais respondem solidariamente com a instituição de ensino pelos danos decorrentes
de atos praticados por seus filhos menores no ambiente escolar, ressalvado eventual
direito de regresso dos genitores em face da instituição.
Justificativa:
Conforme consolidado no enunciado 450 da V Jornada de Direito Civil e na
jurisprudência majoritária dos tribunais superiores, a responsabilidade dos pais pelos
atos danosos praticados por seus filhos menores decorre do exercício do poder familiar,
não sendo exigível que, quando do momento da conduta, os filhos estejam na
companhia de seus genitores. Nesse sentido posicionou-se a Quarta Turma do STJ no
julgamento do REsp 1074937/MA, em 01/10/2009. Essa ampliação na interpretação do
âmbito da responsabilidade civil decorre do fato de que o Código Civil de 2002 busca
garantir maior proteção à vítima, possibilitando seu retorno ao status quo ante, mediante
reparação integral. Tal assertiva resta comprovada ao se analisar a elevação dos casos de
responsabilidade objetiva previstos no novel diploma legal (artigos 734; 927, parágrafo
único; 931; 932; 933; 936; 937 e 938, todos do Código Civil), em especial seu artigo
187, que, ao qualificar o abuso de direito como ato ilícito, permite a responsabilização
do titular desse direito independentemente de culpa. Portanto, em respeito à nova ótica
da responsabilidade civil contemporânea, ao postulado da reparação integral e à ideia de
que a responsabilização dos pais decorre do poder familiar, deve-se entender pela
solidariedade entre os genitores e a instituição de ensino, pelos danos decorrentes de
atos de seus filhos menores no ambiente escolar. Contudo, ressalva-se àqueles eventual
direito de regresso em face desta, sempre que o dano advier de conduta culposa da
instituição.
27
RC - Proposição 1.27
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Art. 932, I c/c 928 c/c 1.583
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Diante da guarda compartilhada, a responsabilidade civil por dano material é daqueles
que estiverem com o menor em sua companhia.
Justificativa:
Necessária a interpretação extensiva do art. 932, I do Código Civil porque a guarda
compartilhada pode ir além dos pais, como por exemplo com os avós e nesse caso,
quando estiverem na companhia dos avós e estes menores praticarem algum dano, estes
serão responsabilizados. Como exemplo de guarda compartilhada diferenciada podemos
citar o seguinte REsp:
CIVIL E PROCESSUAL. PEDIDO DE GUARDA COMPARTILHADA DE MENOR
POR TIO E AVÓ PATERNOS. PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL.
SITUAÇÃO QUE MELHOR ATENDE AO INTERESSE DA CRIANÇA. SITUAÇÃO
FÁTICA JÁ EXISTENTE.
CONCORDÂNCIA DA CRIANÇA E SEUS GENITORES. PARECER FAVORÁVEL
DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
I. A peculiaridade da situação dos autos, que retrata a longa co-habitação do menor com
a avó e o tio paternos, desde os quatro meses de idade, os bons cuidados àquele
dispensados, e a anuência dos genitores quanto à pretensão dos recorrentes, também
endossada pelo Ministério Público Estadual, é recomendável, em benefício da criança, a
concessão da guarda compartilhada.
II. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1147138/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA
TURMA, julgado em 11/05/2010, DJe 27/05/2010)
28
RC - Proposição 1.28
Parte da legislação: Responsabilidade Civil
Artigo: CC, art. 934
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O direito de regresso previsto no art. 934 do Código Civil não se restringe às hipóteses
do artigo 932.
Justificativa:
O CC, art. 934, procura disciplinar o direito de regresso daquele que indenizar a vítima,
sem que seja o causador direto do dano e, pois, o obrigado principal. Trata-se de
reconhecer a quem não causou diretamente o dano – mas mesmo assim é chamado a
indenizar a vítima – o direito de cobrar do causador direto do dano e principal obrigado
aquilo que houver pago à vítima a título de indenização.
A parte final do artigo – referindo-se à relação de descendência entre o causador direto
do dano e o pagador da indenização como uma excludente do direito de regresso – pode
conduzir à crença de que a disposição se refira exclusivamente às hipóteses de
responsabilidade indireta por fato de terceiros do art. 932, o que é reforçado pelo fato de
que os artigos 933 e 934 estão em aparente “sintonia” funcional com o art. 932.
Ocorre que o direito de regresso daquele que, chamado a indenizar por dano causado
por terceiro, venha a pagar em lugar do causador direito do dano e principal devedor
não se limita às hipóteses do CC, art. 932. A exemplo do que ocorre nas relações de
consumo, na fiança, nas locações de veículos etc., pode eventual participante do fato
econômico (que não haja causado dano, mas que obtenha proveito da transação) vir a
ser chamado a responder, reconhecendo-se-lhe o direito a cobrar do causador direto e
devedor principal aquilo que houver pago à vítima.
O enunciado, portanto, procura conferir à disposição legal a interpretação que melhor
define seu alcance, evitando uma indevida restrição de sua aplicabilidade às hipóteses
do art. 932 do Código Civil.
29
RC - Proposição 1.29
Parte da legislação: Responsabilidade Civil e Criminal
Artigo: 935
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A independência de que trata o artigo 935 se aplica na hipótese de julgamento do mérito
por uma ou outra searas quando não seja afastada criminalmente a autoria ou a
existência do fato. Quando a sentença criminal decidir pela não-autoria ou inexistência
do fato, a atipicidade produzirá efeitos no âmbito cível.
São aceitáveis divergências quanto ao enquadramento jurídico de fatos e atos, mas não
pode haver dúvida quanto à ocorrência de um ou outro.
Justificativa:
Este enunciado é no sentido contrário à atual jurisprudência do STJ.
No julgamento do REsp 1.484.286 o Recorrente foi condenado ao pagamento de perdas
e danos decorrentes de acidente veicular a despeito de ter sido absolvido criminalmente
por atipicidade.
O Relator, Ministro Marco Aurélio Bellizze, destacou que a jurisprudência do STJ pela
independência entre as justiças cível e criminal impunha que se ignorasse, ali, a
ausência do reconhecimento de culpa em sede penal. Destacou, contudo, que sua
opinião pessoal era pela alteração deste entendimento. Segundo o Ministro, em casos de
atipicidade reconhecida na justiça criminal não se pode falar em responsabilidade
porque não pode haver culpa onde não há autoria ou inexiste fato.
Segundo o Ministro afirmou em sessão de julgamento, sem autoria não há que se falar
em imperícia, imprudência, negligencia (culpa) ou dolo que justifiquem tanto a
responsabilidade criminal quanto a civil.
Este raciocínio exposto pelo Em. Ministro em sessão parece mais coerente do que o
atual entendimento do STJ.
Seria anomalia jurídica o reconhecimento de qualquer responsabilidade civil face a ação
ou omissão não acontecidos ou que o magistrado criminal diga que um evento não
aconteceu e o cível diga que sim. São aceitáveis divergências quanto ao enquadramento
jurídico de fatos e atos, mas não pode haver dúvida quanto à ocorrência de um ou outro.
30
RC - Proposição 1.30
Parte da legislação: Responsabilidade Civil. Da obrigação de indenizar (arts. 927 a 954
do Código Civil).
Artigo: 938 do Código Civil.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A responsabilidade civil tratada pelo art. 938 do CC é objetiva.
Justificativa:
Trata-se de proposta aprovada com unanimidade pela comissão de responsabilidade
civil na VI Jornada de Direito Civil, mas vetada pelo plenário, por falta de compreensão
da redação anterior. Assim, propõe-se nova redação, de forma mais direta e objetiva. O
enunciado demonstra a superação do modelo de culpa presumida pelo Código Civil de
2002, tendo sido consagrada a responsabilidade objetiva pelo art. 938 do CC, diante de
um risco criado pelo habitante do prédio. A proposta está baseada na melhor doutrina
(DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 637;
GODOY, Cláudio Luiz Bueno. Código Civil comentado. Coord. Ministro Cezar Peluzo.
São Paulo: Manole, 2007. p. 782; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de
responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 215-216; VENOSA, Sílvio de
Salvo. Código Civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2010. p. 893; ALVES, Jones
Figueirêdo; DELGADO, Mário Luiz. Código Civil Anotado. São Paulo: Método, 2005,
p. 406; GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de
Direito Civil. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 10ª Edição, 2012, p. 230). Da jurisprudência,
concluindo pela responsabilidade objetiva em casos tais, por todos: TJMG, APCV
3004817-41.2009.8.13.0313, Rel. Des. Cabral da Silva, julgado em 17/07/2012,
DJEMG 25/07/2012; TJRS, AC 13004-17.2011.8.21.7000, Passo Fundo, Nona Câmara
Cível, Rel. Des. Leonel Pires Ohlweiler, Julg. 29/02/2012, DJERS 09/03/2012; TJSP,
APL 9084673-60.2006.8.26.0000, Ac. 5530053, Santos, Vigésima Quinta Câmara de
Direito Privado, Rel. Des. Vanderci Álvares, Julg. 26/10/2011).
31
RC - Proposição 1.31
Parte da legislação: Responsabilidade civil
Artigo: 940 do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A cobrança judicial de obrigação alimentar comprovadamente paga, sem ressalvar as
quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, atrai a incidência da restituição em
dobro prevista no art. 940 do Código Civil.
Justificativa:
A atribuição de valores à execução de alimentos, notadamente quando proposta pelo
violento expediente da prisão civil, deve se pautar por um rigoroso detalhamento de
cálculos, de modo a evitar que a liberdade do devedor seja restringida por valores não
abrangidos pela obrigação alimentar remanescente.
Ciente das consequências processuais da descuidada elaboração de cálculos, a
incidência da cominação estatuída pelo art. 940 do Código Civil servirá de desestímulo
ao credor que insiste em atribuir à execução valor que lhe seja mais favorável, na
expectativa de que sua atitude não seja reprimida à luz da teoria da irrepetibilidade das
verbas alimentares.
32
RC - Proposição 1.32
Parte da legislação: Título IX – Da Responsabildiade Civil, Cap. I – Da Obrigação de
Indenizar
Artigo: 940
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A penalidade do art. 940 do Código Civil se aplica também ao que demanda
judicialmente por dívida que nunca existiu, e não apenas pelas dívidas pagas ou
cobradas a maior. E, depois da entrada em vigor do CC/02, tendo sido demonstrado pelo
devedor o pagamento parcial ou total, ou a inexistência da dívida, o dolo na cobrança
indevida será presumido contra o cobrador, que para se eximir da penalidade deve
provar a sua boa-fé ou o erro escusável.
Justificativa:
Pela vetusta jurisprudência do STF (súmula 159 do STF) e do STJ (p. ex.: REsp nº
1.964-RN, Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER, DJ 02.04.90) restou pacificado que, no
caso do art. 1.531 do CC/16 (atual 940 do CC/02), era indispensável a prova pelo
devedor de que o credor estaria com má-fé na sua demanda por dívida já paga ou em
excesso. Essa orientação inutilizou a aplicação da penalidade no sistema individualista
do CC/16 e está agora a ser inadvertidamente reproduzida sob a égide da nova
sistemática civil, devendo, portanto, ser refeita a releitura do instituto do art. 940 do
CC/02 orientada pelos princípios da socialidade, operabilidade e eticidade. Assim, feita
essa releitura e com vistas à operabilidade do referido dispositivo, há que se reconhecer
que ele versa sobre a cobrança judicial indevida perpetrada com má-fé ou erro
inescusável de (i) dívidas quitadas totalmente; (ii) dívidas quitadas parcialmente; e (iii)
dívidas que nunca existiram. A responsabilidade é subjetiva, mas com uma
particularidade, pois compete ao credor a demonstração de que a sua cobrança colocada
em dúvida pelo devedor não é de má-fé ou que seu erro seria escusável. Há, desse
modo, uma presunção juris tantum contra o pretenso credor. O devedor deverá fazer
prova apenas de eventual pagamento ou de que a cobrança é excessiva, mas não é
possível lhe imputar o dever de provar a volição da parte adversa.
33
RC - Proposição 1.33
Parte da legislação: Código Civil de 2002
Artigo: 944
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Na quantificação do dano moral ocorrido no ambiente virtual deverá ser levada em
consideração a facilidade com que o conteúdo lesivo pode ser transmitido e armazenado
por terceiros, em nível global, o que tornaria remota a sua efetiva exclusão da rede.
Justificativa:
A facilidade com que as pessoas têm acesso a conteúdos íntimos e dados de terceiros no
ambiente virtual vem provocando frequentes violações aos direitos da personalidade.
Verifica-se que as diversas oportunidades de compartilhamento de conteúdo
promovidas por determinados sites e aplicativos, bem como a extrema simplicidade
para a criação de contas pessoais, grupos e postagens, acabam contribuindo com a
divulgação e a exposição injustificada de bens e direitos de terceiros. Neste sentido, cf.
o REsp 1.168.547. Em 2012, a Min. Nancy Andrighi salientou o interesse coletivo que
envolve a controvérsia referente aos danos a direitos da personalidade nas redes sociais
por conteúdo de terceiro, em razão de sua enorme difusão e da crescente utilização deste
meio como artifício para a consecução de atividades ilegais (REsp 1.308.830). A
preocupação mostra-se justa, tendo em vista que o espaço virtual permite a rápida
expansão do dano, o que se mostra especialmente grave nos casos denominados de
pornografia de vingança, hipóteses em que ocorre a divulgação, sem autorização de seus
participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou
de atos sexuais de caráter privado. De forma a tutelar integralmente a pessoa humana e
garantir as funções preventiva e compensatória da responsabilidade civil, parece
adequado que na quantificação do dano moral ocorrido no ambiente virtual seja levada
em consideração, para elevar o valor da compensação, a facilidade com que o conteúdo
lesivo pode ser transmitido e armazenado por terceiros, em nível global, o que tornaria
difícil a sua efetiva exclusão e o restabelecimento do status quo ante.
34
RC - Proposição 1.34
Parte da legislação: Código Civil.
Artigo: Art. 944.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Para a incidência do dever de indenizar do adquirente de imóvel desmatado, decorrente
da responsabilidade civil ambiental, é dispensada a comprovação do nexo de
causalidade entre a conduta e o dano, uma vez que a obrigação tem natureza real. Ou
seja, a posição de garantidor da preservação ambiental decorre automaticamente da
relação de posse ou propriedade.
Justificativa:
Na verificação do dano ambiental dimana uma dificuldade para precisar qual foi a
conduta poluente, a sua data e, ainda, o seu Autor. Por isso, para a efetividade da
responsabilização por danos ao meio ambiente não basta lançar mão de sua sedimentada
natureza objetiva, na modalidade de risco integral (fixada, por exemplo, no recurso
especial repetitivo 1.354.536-SE, noticiado no informativo 538 do Superior Tribunal de
Justiça).
É preciso corroborar a sua incidência ao possuidor ou proprietário do bem - seja por
aquisição originária ou derivada - tão somente pela comprovação do dano ambiental e a
relação de posse ou propriedade, sendo dispensada a comprovação do nexo etiológico.
Tal peculiaridade decorre de sua natureza real ou propter rem, que, em prol da efetiva
tutela do bem jurídico difuso e tem o condão de tornar solidária a responsabilidade entre
o causador do dano e o poluidor. O enunciado está em consonância com os precedentes
do Superior Tribunal de Justiça, Resp 1.056.540-GO, noticiado no Informativo 404 e
Resp 1.179.316-SP.
35
RC - Proposição 1.35
Parte da legislação: Código Civil.
Artigo: Art. 944.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A responsabilidade civil por dano ambiental público é imprescritível, uma vez que não
há direito adquirido a poluir e o dano é renovado constantemente pelas condutas
danosas permanentes ou instantâneas com efeitos permanentes.
Justificativa:
O enunciado vai ao encontro da jurisprudência dominante do Superior Tribunal de
Justiça de que as infrações ao meio ambiente são de caráter continuado, motivo pelo
qual as ações de pretensão de cessação dos danos ambientais são imprescritíveis. Citese, por exemplo, o AgRg no REsp 1421163 / SP, julgado em 06/11/2014
36
RC - Proposição 1.36
Parte da legislação: Código Civil.
Artigo: Art. 944.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A responsabilidade civil por dano ambiental tem natureza bifronte ou ambivalente. A
indenização do dano ambiental público, ou dano social, pode assumir caráter punitivo,
com finalidade pedagógica e dissuasória. O caráter corretivo da indenização por danos
metaindividuais não gera enriquecimento sem causa, já que o valor da indenização é
destinado à coletividade e concretiza o princípio da função social da responsabilidade
civil.
Justificativa:
A doutrina e jurisprudência costumam mencionar a natureza bifronte do dano ambiental,
como se vê, por exemplo, no Resp 1.374.284, julgado sob o rito do art. 543-C, e Resp
1.373.788.
No recurso especial 1.354.536, julgado sob o rito dos recursos repetitivos fixou-se a tese
de que o explorador de atividade econômica é alçado automaticamente à posição de
garantidor da preservação ambiental. Tudo isso para possibilitar a equação econômica
de internalização das externalidades negativas geradas por sua atividade, sendo
irrelevante a consideração sobre a licitude de sua conduta.
Nesse julgado, o Superior Tribunal de Justiça entendeu, ainda, inadequado conferir à
reparação civil do dano ambiental moral individual caráter punitivo imediato.
Em interpretação contrario sensu o dano ambiental público, que tem caráter de dano
social, admite caráter punitivo. O Professor Antônio Junqueira de Azevedo admite o
caráter punitivo do dano social no artigo “Por uma nova categoria de dano na
responsabilidade civil: o dano social.”.
Cumpre trazer à baila ainda o Enunciado 456, aprovado na V Jornada de Direito Civil
do CJF, em que se reconheceu a existência do denominado dano social. O próprio
Superior Tribunal de Justiça já admitiu sua existência, em obter dictum. Outro exemplo
de dano social foi o caso de uma fraude ocorrida em um sistema de loterias, em que o
TJ/RS, no Recurso Cível 71001281054.
37
RC - Proposição 1.37
Parte da legislação: Da Responsabilidade Civil – Dever de reparação civil integral para
os atos de improbidade administrativa.
Artigo: Art. 944, caput e parágrafo único do Código Civil combinado aos artigos 5º e
12, caput e incisos I, II e III da Lei nº 8.429, de 02.06.1992.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A reparação civil decorrente dos atos de improbidade administrativa deverá sempre ser
integral, não se aplicando a regra excepcional do parágrafo único do art. 944 do Código
Civil que considera o grau de culpa do agente infrator como elemento de dosagem da
indenização.
Justificativa:
A exceção prevista no parágrafo único do art. 944 do Código Civil nos remete à
importância do juízo de equidade, diante das circunstâncias que possam gerar
conseqüências anormais no resultado do dano. Em se tratando de atos de improbidade
administrativa, acentua-se a necessidade do diálogo entre as fontes (Código Civil e Lei
de Improbidade Administrativa), na medida em que os agentes públicos condenados nas
ações civis públicas por improbidade administrativa costumam veicular a proposição
defensiva de redução dos valores a ressarcir, relacionando-os às avaliações mais
favoráveis dos graus de reprovação de suas condutas.
Contudo, a tese que defendemos, neste enunciado, é a de que, em se tratando de danos
causados por atos de improbidade administrativa, tal alternativa deve ser descartada,
pois sobreleva a importância do adequado ressarcimento ao Erário Público, o que, por si
só, afasta o poder de disponibilidade do juízo a respeito de tais verbas públicas.
Sendo assim, a reparação civil pelos danos causados, em decorrência dos atos de
improbidade administrativa, deve ser integral, sejam as condutas lesivas tipificadas nos
arts. 9º, 10º ou 11º da Lei de Improbidade Administrativa. Vale menção o que já foi
decidido, por este Colegiado, a respeito do caráter pedagógico ou mesmo punitivo da
responsabilidade civil, e que constou no Enunciado nº 379 da Jornada IV. Além disso,
o próprio Enunciado 46 da Jornada I, retificado pelo Enunciado nº 380 da Jornada
IV, deixa clara a importância do cuidado que devemos ter ao interpretar a redução da
indenização ao princípio da reparação integral do dano.
38
RC - Proposição 1.38
Parte da legislação: Responsabilidade Civil (Código Civil)
Artigo: 944, caput, e parágrafo único do artigo 953, ambos do CC/2002
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O dano temporal ou cronológico – por ser categoria lesiva autônoma e específica de
dano extrapatrimonial –, deve ter sua compensação pecuniária fixada em base equitativa
por arbitramento judicial a partir das peculiaridades do caso concreto e do postulado da
proporcionalidade, aplicando-se, por analogia, o parágrafo único do artigo 953 do
CC/2002, buscando razoabilidade e equilíbrio no valor compensatório a fim de evitar o
enriquecimento sem causa, desestimular o desrespeito ao tempo humano alheio e ainda
compensar a perda de tempo irrecuperável.
Justificativa:
Certamente, a “indenização mede-se pela extensão do dano” (art. 944, CC/2002).
Porém, a doutrina e a jurisprudência sempre tiveram dificuldades para quantificar danos
de natureza extrapatrimonial. Nesse contexto, a solução mais adequada para
quantificação da compensação do dano temporal é indicada pela doutrina de Paulo de
Tarso Vieira Sanseverino: “No Brasil (...) tem-se a regra específica do art. 953,
parágrafo único, do CC/2002 (...) no caso de ofensa contra a honra. (...) Na falta de
norma expressa, essa regra pode ser estendida, por analogia, às demais hipóteses de
prejuízo sem conteúdo econômico” (In: Princípio da Reparação Integral, 2010, p. 281,
g.n.). Assim, a compensação do dano temporal deve ocorrer por apreciação judicial
equitativa conforme as peculiaridades do caso concreto. Não é recomendável a
utilização do parâmetro “hora de trabalho”, sob o risco de converter o dano temporal –
categoria extrapatrimonial que atinge bem irrepetível (o tempo) –, por via transversa,
em mecanismo de obtenção de lucros cessantes, este sim eventualmente aferível por
hora de trabalho desperdiçada. O dano temporal é desconectado de prejuízo material ou
moral-psicológico, embora estes possam também decorrer do mesmo fato lesivo. Assim,
a nova categoria lesiva do dano temporal – inconfundível com a perda da uma chance,
com o dano moral e com lucro cessante, pois tutelam bens jurídicos diferentes –, deve
levar em consideração a gravidade do abuso no desperdício de tempo alheio, a
reincidência do agente e ser fixado por arbitramento equitativo nos mesmos moldes do
dano moral, mutatis mutandis.
39
RC - Proposição 1.39
Parte da legislação: Parte Especial – Livro I – Do Direito das Obrigações – Título IX –
Da Responsabilidade Civil
Artigo: Arts. 944, caput e 948, II, do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Em homenagem ao princípio da reparação integral do dano (art. 944, caput, CC), no
caso de pluralidade de credores de pensão alimentar decorrente de homicídio (art. 948,
II, CC), a cota do que faltar ou perder o direito acrescerá aos demais até que cesse o
direito do último pensionista.
Justificativa:
Na liquidação do dano material, sob a ótica da reparação integral do dano em caso de
homicídio, o inciso II do artigo 948 do Código Civil prevê que o responsável pela
ofensa que ceifou a vida da vítima assuma a manutenção daqueles que guardavam
relação de dependência com ela. De acordo com a situação fática, essa verba pode ser
rateada em favor de vários credores sucessíveis entre si como, por exemplo, o cônjuge
ou companheiro sobrevivente e seus filhos. Se um deles falecer, não se extinguirá o
dever indenizatório.
Na realidade, a cota do que faltar deve ser rateada entre os demais sobreviventes, pois
na ótica de recompor no ofendido, a perda que sofreu, é pertinente presumir-se que se a
vítima estivesse viva, a sua renda seria redistribuída entre os seus dependentes acaso um
deles viesse a falecer. Sob tal premissa, nesse caso, parece correto admitir a existência
de direito de acrescer em favor dos credores sobreviventes, somente se extinguindo o
dever indenizatório quando cessar o direito do último pensionista como já se orientou o
Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.155.739/MG, sob
a relatoria da eminente Ministra Nancy Andrighi.
A despeito de pequena vacilação na aplicação dessa regra, entendemos pertinente a
aprovação do enunciado que pode ser de grande valia aos magistrados no momento de
estabelecer a liquidação de sentença.
40
RC - Proposição 1.40
Parte da legislação: Da Responsabilidade Civil – Da Indenização
Artigo: Art. 949.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Quando a lesão for causada por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga,
a pessoas transportadas ou não, o ofensor indenizará o ofendido apenas nos valores não
cobertos pelo seguro DPVAT.
Justificativa:
Em tempos hodiernos a vida nas cidades está cada vez mais ligada com a mobilidade
urbana e a locomoção das pessoas. Neste viés, percebe-se que diariamente pessoas
sofrem acidentes ocasionados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua
carga. Tem vigência em nosso ordenamento jurídico a Lei nº 6.194, de 19 de dezembro
de 1974, que dispõe sobre o seguro DPVAT. Nesta esteira, vale ressaltar que as pessoas
que sofrem lesões em decorrência da situação acima apresentada são indenizadas na
forma da Lei nº 6.194/74. Por vezes, o ofensor paga todo o tratamento e as despesas
necessárias ao ofendido e depois, este, ingressa requerendo o seguro DPVAT pelo
mesmo motivo, recebendo ao final, duas vezes. Assim, obrigar o ofensor a indenizar o
ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim de sua
convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido, seria
contribuir para que o ofendido se aproveitasse da situação e recebesse valores maiores
do que os devidos, descaracterizando a boa-fé nas obrigações do nosso direito privado.
Por esta razão, revela-se prudente, primeiro verificar o que será indenizado pelo seguro
DPVAT, para, após, imputar a responsabilidade em indenizar para o ofensor, naquilo
em que o referido seguro não alcançar, todavia, foi necessário para o restabelecimento
do ofendido.
41
RC - Proposição 1.41
Parte da legislação: Direito das Obrigações, Título IX (DA RESPONSABILIDADE
CIVIL), Capítulo II
Artigo: Art. 950.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A hipótese prevista no art. 950 configura dano patrimonial. Consequentemente, caso a
vítima exerça o direito potestativo previsto no parágrafo único do mesmo dispositivo
legal, o valor do pensionamento deverá ser fixado equitativamente pelo juiz, de forma a
representar o valor material do prejuízo, considerando inclusive o rendimento financeiro
que o valor aplicado poderia render. Como regra, não deverá o arbitramento representar
apenas o resultado da multiplicação dos valores mensais pelo número de meses
indicados pela expectativa média de vida da vítima.
Justificativa:
Partindo da premissa de que o art. 950 disciplina hipótese de dano material, o princípio
da reparação integral impõe que se observe seus limites inerentes, um dos quais é de que
o valor da indenização não supere o valor do prejuízo. Receber um valor mensal ao
longo dos anos tem um determinado significado econômico. Receber antecipadamente
toda a soma dos valores mensais tem um significado econômico bastante distinto, quer
para quem recebe, quer para quem paga.
Exemplificativamente: um motorista de ônibus que receba R$2.000,00 de salário
mensal sofre danos causados por outrem. Como resultado das lesões, tal motorista não
mais pode dirigir ônibus, mas pode ser cobrador, cujo salário é de R$1.000,00. Seu
prejuízo mensal, à luz do art. 950, é de R$1.000,00, que ele receberia em forma de
pensionamento mensal ao longo de sua vida. Caso ele tivesse 30 anos de idade ao sofrer
as lesões e se supusesse que ele teria uma expectativa de vida de 75 anos, e exercesse o
direito potestativo previsto no parágrafo único, não seria o caso de simplesmente
multiplicar R$1.000,00 por 520 (45 anos vezes 12 meses), pois somente com os
rendimentos financeiros da aplicação de tal vultosa quantia ele teria um rendimento
bastante superior aos mil reais. Além disso, ignora-se qual seria realmente a duração da
vida da vítima.
Daí porque é prudente que o juiz fixe o valor do capital a ser pago de uma só vez
considerando todas essas variáveis.
42
RC - Proposição 1.42
Parte da legislação: Parte Especial – Livro I – Do Direito das Obrigações – Título IX –
Da Responsabilidade Civil
Artigo: Art. 951 do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A realização de cirurgia plástica estética ou embelezadora atrai para o médico uma
obrigação de resultado. Diante da ocorrência do dano haverá presunção de culpa, cujo
efeito é a inversão do ônus da prova.
Justificativa:
Há muito que a doutrina e jurisprudência majoritárias são concordes em admitir que a
cirurgia plástica estética ou embelezadora acarreta para o médico uma obrigação de
resultado ante a assunção do compromisso com o efeito embelezador prometido.
Contudo, não nos parece correta a assertiva que já vimos em arestos e doutrina de que
em razão de se tratar de obrigação de resultado, dispensada estaria a prova da culpa,
somente se livrando o médico do dever de reparação se provar o rompimento do nexo
causal como culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior, sob pena de se
vulnerar os artigos 14, § 4º do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, 186 e 951,
do Código Civil que afastam a responsabilidade civil objetiva na hipótese de lesão
perpetrada por profissional liberal.
Desta forma, harmonizando a natureza da obrigação, as normas jurídicas apontadas, a
dificuldade extremada da produção de prova segundo a ótica da culpa provada e a
necessidade de se dar ao médico a possibilidade de provar a inexistência de erro
médico, a melhor orientação é a que consta do enunciado, conforme se verificou, por
exemplo, em acórdão da lavra do Ministro Luis Felipe Salomão publicado no
Informativo nº 491/2012 (REsp nº 985.888/SP) e, mais recentemente, no Agravo
Regimental em Recurso Especial nº 574.627-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Vieira
Snseverino, julg. em 25/03/2015.
43
RC - Proposição 1.43
Parte da legislação: Responsabilidade Civil. Da obrigação de indenizar (arts. 927 a 954
do Código Civil).
Artigo: 953 do CC
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A interpretação do art. 953, parágrafo único, do Código Civil não pode conduzir à
conclusão de que a reparação moral exclui a material, sendo cabível a cumulação de
ambas as indenizações nos casos de crimes contra honra.
Justificativa:
Relativamente à indenização por injúria, difamação ou calúnia (crimes contra a honra),
o art. 953 do Código Civil adota a possibilidade de reparação, podendo o dano atingir
tanto a honra subjetiva quanto a honra objetiva da vítima. Na dicção do parágrafo único
do dispositivo, caso o ofendido não possa provar o prejuízo material, caberá ao juiz
fixar, equitativamente, o valor da indenização. Não pode existir dúvida sobre a plena
cumulação dos danos materiais e morais em casos de lesões à honra, na linha da
Súmula 37 do STJ. Como pontua Cláudio Bueno de Godoy "mesmo o CC/2002 ao
prever uma indenização equitativa, no parágrafo do artigo presente, parece indicar uma
indenização moral. Entretanto, vem bem a calhar a alteração proposta no Projeto de Lei
276/2007 para explicitar que 'a indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá
na reparação dos danos materiais e morais que delas resultem ao ofendido'. E, como
regra geral, fixada a indenização material de acordo com a extensão do prejuízo e a
moral por arbitramento judicial" (GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Código Civil
Comentado. Coord. Ministro Cezar Peluso. São Paulo: Manole, 4ª Edição, 2010, p.
956). Assim, plenamente justificada a proposta, afastando-se qualquer dúvida quanto à
cumulação dupla de danos reparáveis nos casos expostos.
44
RC - Proposição 1.44
Parte da legislação: Responsabilidade Civil
Artigo: CC, art. 953 e 954
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Nos artigos 953 e 954 do Código Civil, a ausência de prova a que se refere o legislador
diz respeito à extensão do prejuízo, não à sua existência.
Justificativa:
A partir das expressões “Se o ofendido não puder provar prejuízo material” (CC, art.
953, p. ún.) e “se este não puder provar prejuízo” (CC, art. 954, caput), o legislador
nos permite a seguinte pergunta: a ausência de prova mencionada nos artigos se refere à
existência do prejuízo ou apenas a sua extensão? Assim redigido, o CC parece apontar
para a existência do prejuízo, o que conduziria a resultados absurdos.
No art. 953, o CC condiciona a indenização ao fato de não ter o autor conseguido provar
“prejuízo material”. Ora, essa indenização equitativa, que deverá o juiz fixar caso o
autor não consiga provar prejuízo material, é indenização por dano material ou moral?
Se por prejuízo material, o juiz estará condenando por danos materiais sem prova da
ocorrência de danos. Afinal, Se o autor não conseguiu provar (a existência de) danos
materiais o juiz deveria julgar improcedente o pedido. A fixação de indenização, nesse
caso, implica em admitir-se condenação sem prova do dano. Tratando-se de prejuízo
moral, teremos uma subsidiariedade entre o dano material e o dano moral. Seria
interpretar assim o dispositivo: “caso o autor não consiga provar prejuízo material, o
juiz fixará equitativamente uma indenização por dano moral”.
O enunciado, portanto, tem o objetivo de esclarecer que os arts. 953 e 954 do CC não
autorizam condenação em indenização por danos materiais cuja existência não foi
provada, referindo-se apenas à ausência de provas sobre a extensão do prejuízo
material, permitindo ao juiz que, nesse caso, defina o valor da indenização por
arbitramento, valendo-se da equidade como critério de decisão.
45
46
COMISSÃO PARTE GERAL
RESPONSÁVEL: DES. ROGÉRIO DE MENESES FIALHO MOREIRA
PG - Proposição 2.1
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 3 e 4
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Presume-se a capacidade civil das pessoas com deficiência, sendo exceção sua
incapacidade (art. 84, § 3º e art. 85, § 2º, da Lei 13.146/15), a ser demonstrada por
opinião multidisciplinar em processo judicial e limitadamente às situações jurídicas
patrimoniais. Justifica-se a incapacidade excepcional do deficiente com base na
isonomia constitucional (art. 3º, III, CF), sendo a curatela um instrumento para realizála, limitadamente aos atos previstos no art. 1.782 do CO.
Justificativa:
Verifica-se que a Lei 13.146/15 não pretende abolir a possibilidade de qualificar o
deficiente mental como incapaz absoluta ou relativamente, embora, invertendo a lógica
anterior, torne sua interdição medida excepcional e limitada a específicos atos
patrimoniais, tal como autoriza o art. 84, § 1º, da Lei 13.146/15.
Daí porque não constam mais no rol dos incapazes, como previam os artigos 3º, II, e 4º,
II, do CO, embora esses dispositivos já condicionassem a incapacidade à inexistência do
“necessário discernimento para a prática desses atos” (incapacidade absoluta) e ao
“discernimento reduzido” (incapacidade relativa). Desse modo, embora incluído no rol
dos incapazes, o deficiente com pleno discernimento para participar da vida civil era
considerado capaz antes mesmo da referida reforma.
Note-se que o art. 84, § 1º, do estatuto, autoriza, “quando necessário”, que a pessoa com
deficiência seja submetida à curatela, limitadamente as situações patrimoniais, como
complementa seu artigo 85. E sabe-se que a curatela é mecanismo de suprimento da
incapacidade, a pressupor ausência de discernimento suficiente para atuar pessoalmente
nos atos da vida civil.
Admitir o deficiente mental necessariamente como capaz é atribuir autonomia a quem
não tem o substrato da consciência para exercê-la, de modo que o deficiente desprovido
de discernimento seria injustamente excluído da tutela diferenciada e protetiva do
ordenamento, como é o caso da responsabilidade civil subsidiária (art. 928 do CO), da
anulabilidade e nulidade dos atos que pratique (art. 171, I, CO; e art. 166, I, CO).
47
PG - Proposição 2.2
Parte da legislação: Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015 e Código Civil
Artigo: 6º da lei nº 13.146/99 e arts. 3º e 4º do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O art. 6º da Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, estabelece presunção de validade de
todos os atos da vida civil realizados pela pessoa com deficiência, o que justifica as
alterações introduzidas nos arts. 3º e 4º do Código Civil.
Justificativa:
A lei 13.146, de 06.07.2015, tem como finalidade precípua não apenas a denominada
inclusão das pessoas com deficiência, como também o reconhecimento da igualdade
entre essas pessoas e aquelas outras que não tem deficiência que implique limitações ao
exercício efetivo, concreto de sua vida física e emocional. Houve uma preocupação do
legislador no sentido de assegurar a igualdade entre pessoas deficientes e não
deficientes, determinando a superação dos obstáculos a essa igualdade, seja mediante a
utilização de equipamentos físicos padronizados, seja assegurando instrumentos
jurídicos voltados para a verificação da vontade do deficiente. Entre eles, a decisão
apoiada. É com este norte – o de estabelecer a igualdade – que se deve ler e interpretar o
texto da referida lei. No caput do art. 6º consta que a deficiência não afeta a plena
capacidade civil da pessoa. Deduz-se daqui a presunção de validade de todos os atos da
vida civil por ela praticados, hipótese confirmada pela modificação introduzida por essa
lei nos arts. 3º e 4º do Código Civil. Os incisos do art. 6º, anunciados pela expressão
inclusive, têm como finalidade ressaltar possibilidades, decisões pessoais e atos em
relação aos quais o legislador considerou relevante a sua previsão expressa, certamente
por força do quanto está definido na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência e seu Protocolo Facultativo, em que se respalda a lei. Essa exemplificação
não permite que se conclua que apenas em relação às manifestações de vontade ali
descritas ou de natureza similar pode haver essa presunção de validade. Assim sendo,
realizado o ato por vontade da pessoa deficiente, a invalidade do mesmo por ausência de
discernimento deverá ser judicialmente comprovada.
48
PG - Proposição 2.3
Parte da legislação: Código Civil e 13.146/2015
Artigo: CO, arts. 4o, III, 104, I e 171, I e Lei 13.146/2015, art. 5o, caput
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Mesmo com a entrada em vigor da Lei 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da
Pessoa com Deficiência), a anulabilidade dos atos e negócios jurídicos praticados pelas
pessoas que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade,
não depende de sentença de interdição, resguardados os direitos de terceiro de boa-fé.
Justificativa:
Desde o CO-1916, passando pela redação original do CO-2002, consolidou-se o
entendimento de que os atos e negócios realizados pelos enfermos e deficientes mentais,
sem discernimento para a prática, eram nulos independente da sua declaração via
sentença de interdição. A jurisprudência, tanto do STF (RE 88916) como do STJ (REsp
9.077/RS e 296.895/PR) diferenciava as situações, de forma que: a) nas ações de
nulidade em que o incapaz já era interditado ao tempo do ato ou negócio, exigia-se
apenas a prova da própria interdição; b) nas ações em que o incapaz não era interditado
ao tempo da celebração do ato/negócio jurídico, exigia-se a demonstração inequívoca da
existência da afecção que retirasse o discernimento e conferia-se proteção ao terceiro de
boa-fé. A entrada em vigor da Lei 13.146/2015 fará com que as pessoas que, por causa
transitória ou permanente, em geral, não puderem exprimir a sua vontade, passem a ser
relativamente incapazes; mas a mesma lei diz, também, em seu art. 5o, caput, que tais
pessoas devem ser protegidas de toda forma de negligência. Daí que, harmonizando
essas duas premissas, há de se concluir que, embora anuláveis os atos e negócios
celebrados pelas pessoas definidas pelo art. 4o, III do CO, com a redação dada pela Lei
13.146/2015, eventual ação desconstitutiva não pode ter como condição sine qua non de
procedência a prévia interdição judicial. Assim, se o sujeito que sofre causa transitória
ou permanente que o impeça de exprimir a vontade praticar ato ou negócio quando
ainda não interditado, a ação anulatória pode ser procedente, mas dependerá de prova
inequívoca da incapacidade e será resguardada a boa-fé subjetiva de terceiro.
49
PG - Proposição 2.4
Parte da legislação: Capacidade Civil / Emancipação
Artigo: CO, art. 5º, parágrafo único, inciso I.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Em ocorrendo a prática de ato ilícito por menor voluntariamente emancipado (CO, art.
5º, §único, I), não há a responsabilização solidária dos genitores, salvo quando o ato de
emancipação vier a ser anulado ou tornado nulo judicialmente.
Justificativa:
A emancipação voluntária (CO, art. 5º, §único, I) é ato permitido pela legislação civil,
consistindo em ato jurídico perfeito quando respeitados os requisitos exigidos
legalmente. Assim, não se pode presumir, em hipótese de ato ilícito praticado por menor
emancipado voluntariamente, que o ato emancipatório ocorreu com o fito de desonerar
os genitores de suas obrigações ou mesmo de serem responsabilizados civilmente por
atos praticados pelo menor após a emancipação.
Jurisprudência dominante do STJ: ARgAI 1.239.557/RJ e REsp 122.573/PR
Jurisprudência minoritária do STJ: REsp 764.488/MT
50
PG - Proposição 2.5
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 11 do CO/02.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Art. 11: A readequação da naturalidade, quando lastreada na autonomia da vontade, na
livre busca da felicidade e na dignidade humana, afigura-se como um direito da
personalidade.
Justificativa:
Embora o mais comum seja a retificação do nome, o STJ admite a alteração da
naturalidade do indivíduo nas ações de retificação de registro civil (REsp
1194378/MG), nas hipóteses de erro material. Porém, é possível que isso ocorra também
como decorrência do direito à identidade pessoal. Figure-se uma pessoa que venha a
nascer em uma dada região do país, por um acaso do destino, apenas de passagem,
mesmo sem raízes ou qualquer vínculo com o Estado da Federação onde ocorreu o
parto. Talvez jamais conheça, tampouco visite, após o natalício, o lugar onde foi trazida
ao mundo, cuja cultura lhe é estranha, cujas tradições não se lhe incorporam, ou seja,
uma origem imposta pela vida. Em tese, podemos conceber um cearense, filho de
tradicionalíssima família gaúcha, que aprecia a iguaria do Chimarrão, identifica-se com
a história dos Farrapos, brada o hino do Estado do Rio Grande do Sul, expressa-se como
um genuíno sulista, torce pela vitória do time alegrense, descende de gaúchos, dentre
outros tantos elementos. Com isso, à luz da dignidade humana, da autonomia da
vontade, da livre busca da felicidade, é de se reconhecer a possibilidade de retificação
do registro civil, no que toca à naturalidade, por razões de autoatribuição, sentimento de
pertencimento, autorreconhecimento, condição, laços culturais, ascendência, tradição
etc. Ora, se até mesmo o gênero biológico pode ser readequado, para harmonizar-se com
a orientação sexual do indivíduo, inclusive com alteração do nome, ainda que sem a
promoção da cirurgia de transgenitalização, o que se dirá a naturalidade. Esta, como
mais um elemento da personalidade, traduz uma projeção da dignidade humana. No
Direito, quilombola é quem se considera como tal (art. 2º, Decreto 4.887/2003). Assim
caminha o Direito quando se trata de aspectos da personalidade: no
autorreconhecimento.
51
PG - Proposição 2.6
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 12
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Art. 12. Os descendentes na forma do art. 12 do CO e na falta do titular do direito,
possuem legitimidade para requerer a anulação de registro de adoção quando não existir
relação sócio afetiva entre o adotante e o adotado.
Justificativa:
A proteção posmortem da personalidade da pessoa diz respeito a interesses próprios
desta mesma pessoa enquanto em vida. Daí que, em defesa desses direitos da
personalidade o CO prescreveu a legitimidade para exercer providencias o cônjuge, aos
descendentes e ascendentes e aos colaterais até quarto grau, ou seja, a lesão é feita à
personalidade de falecido, mas em face da não transmissibilidade dos direitos da
personalidade, é atribuída aos sucessores legais legitimação processual para a defesa,
proteção e reivindicação de tais direitos. Assim, sendo um dos fatores primordiais para
concessão da adoção a vinculação afetiva entre adotado e adotante e se esta condição
nunca existiu ou se a mesma se perdeu, não mantendo mais os laços afetivos entre as
partes pode qualquer descendente requerer a revogação da adoção que nunca existiu de
fato, mas apenas de direito, ou seja, no papel.
52
PG - Proposição 2.7
Parte da legislação: Lei 13.146, de 06 de julho de 2015
Artigo: 13
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Ainda que haja risco de morte ou de emergência em saúde, a pessoa com deficiência
não deve ser submetida a tratamento médico que previamente recusou em declaração de
vontade por ela firmada, pessoalmente ou mediante decisão apoiada.
Justificativa:
A lei 13.146, de 06.07.2015, tem como finalidade precípua não apenas a denominada
inclusão das pessoas com deficiência, como também o reconhecimento da igualdade
entre essas pessoas e aquelas outras que não tem deficiência que implique limitações ao
exercício efetivo, concreto de sua vida física e emocional. Impõe o respeito à autonomia
privada e à autodeterminação, afastando a liberdade de gerir a sua própria vida, os seus
interesses patrimoniais e não patrimoniais, apenas quando restar efetivamente
demonstrada a impossibilidade de escolha, de discernimento. A dificuldade de expressar
a sua vontade, antes capaz de ensejar a incapacidade para os atos da vida civil, é agora
superada pelo instituto da decisão apoiada.
Houve uma preocupação do legislador no sentido de assegurar a igualdade entre pessoas
deficientes e não deficientes, determinando a superação dos obstáculos a essa igualdade,
seja mediante a utilização de equipamentos físicos padronizados, seja prevendo
instrumentos jurídicos voltados para a verificação da vontade do deficiente.
Ora, o dispositivo em análise, o art. 13, estabelece a obrigatoriedade da intervenção
médica quando há risco de morte ou de emergência em saúde, sem fazer qualquer
menção à possibilidade de prévia declaração em sentido contrário. Seguiu a linha da
Resolução nº 1021/80 do Conselho Federal de Medicina (transfusão de sangue).
Não havendo dispositivo similar na legislação constitucional e civil em relação às
pessoas consideradas não deficientes, afronta o princípio da igualdade e a finalidade da
própria lei expressamente se autorizar a intervenção médica, mesmo que previa e
validamente recusada.
53
PG - Proposição 2.8
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 14
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A validade da disposição pós-morte, total ou parcial, do corpo humano, com fins
científicos ou altruísticos, depende de autorização dada, em vida, pelo próprio de cujus.
Em observância aos prolongamentos dos efeitos jurídicos pós-morte dos direitos da
personalidade, notadamente, no caso, o direito ao próprio corpo, a concessão de
autorização por cônjuge ou parente tem caráter subsidiário, devendo ser buscada apenas
em caso de inexistência de manifestação de vontade do próprio morto a esse respeito.
Justificativa:
O art. 4º da lei nº 9.434/97 regulamenta a retirada de órgãos do corpo de pessoas
falecidas para fins de transplante, prevendo, para tanto, a necessidade de autorização de
cônjuge ou parente do morto. Verifica-se, porém, que tal previsão vai de encontro com
aquele direito subjetivo, integrante do rol dos direitos da personalidade, que é o
verdadeiro autorizador da prática de transplantes, qual seja, o direito ao próprio corpo.
O direito ao próprio corpo apresenta vertente voltada ao corpo vivo (integridade física),
mas também importante aspecto referente ao corpo morto (cadáver), sendo disciplinado,
a esse respeito, no artigo 14 do Código Civil, o qual é cristalino ao afirmar um direito à
“disposição gratuita do próprio corpo”. Isto é, o dispositivo em questão não deixa
dúvidas ser titular do direito ao próprio corpo, inclusive ao corpo morto, o “futuro de
cujus”. O exercício de tal direito terá por agente, então, a própria pessoa, que deverá, em
vida, manifestar-se acerca da destinação total ou parcial de seu cadáver (= “tecidos,
órgãos e partes do corpo”, para usar a mesma redação da legislação especial).
Diante do exposto, de rigor a interpretação sistemática do ordenamento jurídico
nacional, à luz da melhor doutrina dos direitos da personalidade, para dar prevalência à
externalização de vontade realizada em vida pelo de cujus, tal qual demanda o artigo 14
do Código Civil. E, em caráter subsidiário, aplicar-se-ia a regra do artigo 4º da lei
9.434/97, a fim de buscar obter autorização de cônjuge ou parente à doação de órgãos,
apenas em caso de inexistência de externalização de vontade a esse respeito do
verdadeiro titular do direito ao próprio corpo (morto).
54
PG - Proposição 2.9
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 15
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Alteração da redação do en. 403, CJF, com: (i) supressão do atual inciso “a”; (ii)
remissão ao enunciado 138 para a escolha ou recusa de tratamento por incapazes; e (iii)
inclusão da expressão “escolha de tratamento médico”, em adição à “negativa de
tratamento médico”. Assim ficaria a redação: “Art. 15. O Direito à inviolabilidade de
consciência e de crença, previsto no art. 5º, VI, da Constituição Federal, aplica-se
também à escolha ou negativa de tratamento médico, inclusive com recusa à transfusão
de sangue, com ou sem risco de morte, em razão do tratamento ou da falta dele, desde
que observados os seguintes critérios: a) manifestação de vontade livre, consciente e
informada, observando-se quanto aos incapazes o enunciado 138; e b) oposição ou
escolha que diga respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante”
Justificativa:
A doutrina evoluiu no sentido de se reconhecer a vontade de incapazes em relação às
situações existenciais, em homenagem à dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III,
CRFB), o que culminou na edição do en. 138, CJF. Não há razão, contudo, para a
negativa da tutela da vontade dos incapazes com razoável discernimento apenas em
relação à inviolabilidade de consciência e de crença, tal como faz a alínea “a” do en.
403 em sua atual redação. Afinal, a autonomia sobre o corpo e sobre a vontade é, assim
como outros direitos da personalidade, ligada aos atributos da pessoa humana. A
vontade do incapaz é considerada para o exercício dos demais direitos da personalidade;
a redação atual do en. 403, todavia, prevê a desconsideração da manifestação volitiva do
incapaz apenas para a escolha de tratamento médico, o que importa em diminuição da
tutela da inviolabilidade de consciência. A escolha informada e consciente de
tratamento médico não pode ficar ao alvedrio dos médicos, do Estado ou mesmo dos
pais, em visão típica de modelo social patriarcal. A proposta objetiva não a vinculação
absoluta à vontade dos incapazes, mas apenas que ela seja levada em consideração pelas
comunidades médica e jurídica. A inclusão da referência à escolha de tratamento
médico é relevante, pois a atual redação dá a falsa noção de que a recusa de transfusão
de sangue pelos membros do grupo religioso Testemunhas de Jeová importa em pura
recusa de tratamento médico. Porém, os religiosos não descartam tratamentos e
cirurgias
sem
sangue
(http://www.jw.org/pt/testemunhas-de-jeova/perguntasfrequentes/por-que-testemunhas-jeova-nao-transfusao-sangue/, acesso em 19 de julho
de 2015)
55
PG - Proposição 2.10
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 20
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A autorização da pessoa biografada ou de coadjuvantes é inexigível para publicação de
obras literárias ou audiovisuais.
O uso de nome, imagem e história não enseja indenização ao biografado, se funcionário
público ou pessoa pública, ou aos coadjuvantes.
O biógrafo responde, independentemente de culpa, por inverdades.
É do prejudicado o ônus da prova da inverdade, salvo quanto a calúnias, a serem
provadas pelo biografado, mediante critério de preponderância de provas.
Justificativa:
A primeira parte do enunciado reproduz a conclusão da ADI 4815. A segunda parte,
desdobra a conclusão do STF: a liberdade de biografar pressupõe que a publicação da
biografia, por si só, não gere dever de indenizar. No entanto, se o biografado não é
pessoa pública, reserva-se o direito à reparação. A terceira parte, recupera o direito à
proteção à honra e à imagem-atributo do biografado e dos coadjuvantes. A
responsabilidade objetiva decorre do próprio risco da atividade do biógrafo. No entanto,
somente são indenizáveis as inverdades. Fatos verdadeiros, ainda que difamatórios, não
são indenizáveis. A última parte diz com o ônus da prova da inverdade. Propõe-se sua
imposição ao biografado ou coadjuvante prejudicado. Para isso, há pelo menos três
fundamentos. Primeiro, o prejudicado será o autor da ação – art. 333, I, CPC. A
imposição do ônus da prova ao biógrafo representaria inversão do ônus. Segundo, a
inversão do ônus seria indesejável, por restringir, de forma oblíqua, a liberdade de
biografar. Terceiro, o biógrafo é assistido pela prerrogativa do sigilo de fonte – art. 5º,
XIV, CF. Essa prerrogativa seria ameaçada pela inversão do ônus. A exceção, quanto ao
ônus da prova, é relativa às calúnias. Tendo em vista a presunção de inocência (art. 5º,
LVII, CF), a legislação penal impõe a quem atribui o crime o ônus da prova da verdade
das declarações – art. 138, §3º, CP. A presunção também se aplica no âmbito cível. No
entanto, deve ficar claro que não se exige o mesmo grau de certeza para a condenação
no processo penal. Aplica-se o standard probatório da preponderância, na medida em
que está sendo debatida reparação de danos, não pena.
56
PG - Proposição 2.11
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 20
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Art. 20: A tutela do direito à imagem, em face de sua previsão constitucional, é
independente da ofensa a qualquer outro direito da personalidade.
Justificativa:
Historicamente já se admitiu que a tutela da imagem estava fundamentada no direito à
honra, “cuja proteção foi, desde cedo, vista como corolário da tutela da dignidade
humana”. Hoje, entretanto, o disposto no art. 5º, X da Constituição Federal não deixa
dúvida quanto à independência do direito à imagem em relação aos demais direitos da
personalidade.
Antes mesmo do surgimento da referida disposição constitucional, Pontes de Miranda já
afirmava que se perdeu muito tempo até a distinção entre o direito à honra e o direito à
imagem, bem como que o direito à imagem não se confunde com o direito à intimidade,
isto é, “o direito a que se exclua o tornar-se conhecido algum fato, qualidade ou a
pessoa mesma”.
Particularmente no que toca à honra, Roxana Borges muito bem destacou que a
“exposição ou captação não autorizada da imagem de alguém, para ser ilícita, não
requer a ofensa à honra da pessoa retratada ou filmada, assim como é indiferente a
intenção, dolosa ou culposa, daquele que indevidamente a utiliza”.
Desse modo, deve-se reconhecer a autonomia do direito à imagem, de tal forma que não
se faz necessária, para sua lesão, a ocorrência de violação a outros bens jurídicos, como
a intimidade, a identidade, a honra etc. Seja como for, faz-se também mister o
reconhecimento da constante intersecção dos diferentes aspectos da personalidade.
Por conseguinte, não há nenhum sentido na previsão do art. 20 do CO, que faz
depender a violação do direito à imagem da ocorrência de lesão à honra, à boa fama ou
à respeitabilidade, bem como ao exigir a existência de destinação econômica. A imagem
é violada puramente pela sua utilização sem autorização.
Por fim, vale notar que o enunciado proposto complementa o de número 279 e está em
consonância com a Jurisprudência do STJ.
57
PG - Proposição 2.12
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 21
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto dos arts. 20 e 21 do CO
pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI n. 4815, não afasta a necessidade de
autorização do biografado para a reprodução da sua imagem em documentários e filmes
baseados na biografia.
Justificativa:
A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4815, relatora Ministra
Cármen Lúcia, empregou a técnica de declaração de inconstitucionalidade sem redução
de texto em relação aos arts. 20 e 21, de sorte que continua a ser necessária a
autorização do biografado para a reprodução da sua efígie na própria biografia ou em
documentários e filmes nela baseados.
A rigor, a decisão do Supremo Tribunal Federal se fundou em incompatibilidade dos
arts. 20 e 21 do Código Civil com os arts. 5.º, IV, IX, XIV, e 220, §§1.º e 2.º, da
Constituição Federal, o que demonstra a subsistência de necessidade de autorização para
a veiculação de outros direitos da personalidade, como a imagem e o nome.
Três exemplos recentes justificam as razões do presente enunciado, a saber, os
documentários e os filmes baseados nas vidas de Cazuza, Tim Maia e Garrincha.
A proteção a imagem é composta por 3 acepções, sendo elas a imagem-retrato aquela
que descreve características físicas da pessoa; a imagem-atributo, que descreve
características imateriais como personalidade e comportamento, e a imagem-voz, que é
caracterizada pelo timbre. A decisão do STF refere-se apenas à imagem-atributo, de
modo que não abrange a imagem-retrato, o que importa na desnecessidade de
autorização tão somente para que se produzam livros e filmes a respeito da vida de
alguém.
58
PG - Proposição 2.13
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 21
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Art. 21 do Código Civil de 2002 - A depender do caso concreto, o direito ao
esquecimento pode ser assegurado por uma tutela judicial inibitória, salvo quando
houver interesse público na divulgação do fato supostamente desabonador, a exemplo
da publicação de biografias.
Justificativa:
Recentemente, o STF entendeu ser inexigível o assentimento de pessoa biografada
relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais (ADIn 4815), asseverando
que os excessos devem ser coibidos repressivamente (por meio do direito de resposta,
de uma indenização por danos morais ou pela responsabilização criminal por delito
contra a honra). Com isso, o STF negou o direito ao esquecimento (este reconhecido no
Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil) quando em confronto com a liberdade de
publicar biografias, mas sem eliminar a possibilidade de seu reconhecimento em outros
casos concretos. É hora, pois, de reafirmar a existência do direito ao esquecimento. Esta
é a posição conciliadora de Gustavo Tepedino (Opinião Doutrinária acerca da
interpretação conforme a Constituição dos arts. 20 e 21 do CO, Organizações Globo,
15.06.2012, p. 25), ao afirmar que o direito ao esquecimento cede espaço ao interesse
público inerente à publicação de biografias. Sobretudo, mais do que ser reconhecido, o
caso concreto pode exigir que o direito ao esquecimento seja protegido por uma tutela
judicial inibitória, conforme admitiu o STJ em dois precedentes (REsp 1.334.097/RJ e
REsp 1.335.153/RJ). Isso porque a violação do direito à honra não admite a restitutio in
integrum. A compensação financeira apenas ameniza o abalo moral, e o direito de
resposta proporcional ao agravo sofrido também é incapaz de restaurar o bem jurídico
violado, visto ser impossível restituir o status quo. Como afirma Marinoni, é dever do
Juiz encontrar, dentro de uma moldura, a técnica processual idônea à proteção do direito
material, de modo a assegurar o direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva
(art. 5º, XXXV, CF/88). Disso se conclui que não se pode sonegar a tutela judicial
inibitória para resguardar direitos dessa natureza, pois nenhuma outra é capaz de
assegurá-los de maneira tão eficiente.
59
PG - Proposição 2.14
Parte da legislação: Parte Geral do Código Civil de 2002
Artigo: Art. 50 do Código Civil de 2002
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional, que prescinde de
ação própria para ser deduzida, cabendo ao interessado o ônus de demonstrar, arrimado
em arcabouço probatório idôneo, a satisfação dos requisitos do art. 50 do Código Civil
(desvio de finalidade ou confusão patrimonial).
Justificativa:
A desconsideração da personalidade jurídica é exceção ao princípio da autonomia da
personalidade da pessoa jurídica (art. 20 do Código Civil de 1916), a permitir a
responsabilização dos sócios por suas obrigações. De gênese jurisprudencial, passou a
ser prevista no art. 50 do Código Civil de 2002 e decorre da primazia do princípio da
boa-fé, consubstanciando importante instrumento vocacionado a coibir a fraude nas
relações jurídicas. O Novo Código de Processo Civil versa sobre o assunto nos arts.
134/137.
O afastamento do véu da personalidade da pessoa jurídica se dá episodicamente, sem
redundar na formal dissolução da pessoa jurídica, e em caráter de estrita
excepcionalidade, podendo ser operacionalizada por mero incidente processual, daí
prescindir da propositura de ação autônoma. Com isso, a discussão dar-se-á nos autos
do processo na qual deduzida, carreando-se o ônus da prova ao interessado (art. 333, I,
do Código de Processo Civil), impondo-lhe demonstrar cabalmente o desvio de
finalidade ou a confusão patrimonial, esteado em arcabouço fático idôneo e não em
meras conjecturas.
A fixação de balizas à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica se impõe
a fim de evitar sua banalização, em detrimento da segurança que deve nortear as
relações jurídicas.
60
PG - Proposição 2.15
Parte da legislação: Das Pessoas Jurídicas (Livro I, Título II, Capítulo I, do Código
Civil Brasileiro de 2002)
Artigo: Artigo 50, CO/02
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A desconsideração da personalidade jurídica pode ser requerida em qualquer fase do
processo, inclusive durante o cumprimento de sentença e na ação de execução baseada
em título executivo extrajudicial, conforme dispõe o artigo 134 do novo Código de
Processo Civil.
Justificativa:
Travou-se ampla divergência acerca da possibilidade de o credor pleitear a
desconsideração da personalidade jurídica na fase de cumprimento de sentença ou em
sede de ação de execução fundada em título executivo extrajudicial. O STJ adotou
entendimento favorável à decretação da desconsideração da personalidade jurídica
incidentalmente nos autos do processo de execução, com a subsequente inclusão dos
sócios no polo passivo, considerando, assim, desnecessário o ajuizamento de ação
autônoma de conhecimento com esse fim (REsp 418385/SP). Por outro lado, delineouse corrente contrária, segundo a qual a desconsideração da personalidade jurídica
somente poderia ser pleiteada e decretada na fase de conhecimento, em caso de título
executivo judicial, ou em ação de conhecimento autônoma, na hipótese de título
executivo extrajudicial, não havendo que se falar em decretação incidental à execução,
sob pena de violar a garantida do contraditório aos sócios, que, até então, eram terceiros
à relação jurídico-processual em curso. O novo CPC pacificou a controvérsia, ao prever
expressamente, em seu artigo 134, a admissibilidade da formulação do pedido de
desconsideração da personalidade jurídica em qualquer fase do processo. Desse modo,
com a entrada em vigor do diploma processual, dissipa-se a divergência, sendo
autorizado ao credor requerer a desconsideração da personalidade jurídica na fase de
cumprimento da sentença e na ação de execução fundada em título executivo
extrajudicial.
61
PG - Proposição 2.16
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Art. 50
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A aplicação da desconsideração expansiva da personalidade jurídica em âmbito
administrativo observará os parâmetros do art. 50 do Código Civil, quando não
fundamentada exclusivamente em outro ato normativo ou na Constituição Federal.
Justificativa:
A doutrina e a jurisprudência têm compreendido como um dos desdobramentos da
desconsideração da personalidade jurídica a possibilidade de expansão dos seus efeitos
para atingir o patrimônio dos sócios ou acionistas que, diante das circunstâncias e prova
avaliadas, fraudulentamente constituíram uma nova pessoa jurídica para se furtar de
sanções impostas ou transferiram-na para terceiros ou para outra pessoa jurídica do
mesmo grupo econômico (MS 32.494, rel. Min. Celso de Mello, DJe. 12.11.2013; RMS
15.166, rel. Min. Castro Meira, DJ 8.09.2013). Trata-se da denominada desconsideração
expansiva da personalidade jurídica em âmbito administrativo, que admite a projeção
dos seus efeitos para atingir o patrimônio dos sócios sob o pressuposto de que a matéria
não estaria sujeita à reserva de jurisdição (TCU 189/2001, 75.295/1994-7, rel. Min.
Guilherme Palmeira). Com isso, tem se evitado que os sócios e acionistas de uma
pessoa jurídica suspensa, impedida de participar de licitação, contratar com a
Administração Pública ou declarada inidônea, possam criar uma nova pessoa jurídica
para participar de licitação com o Poder Público.
Não obstante tal aspecto, é essencial a adoção de algumas cautelas e elementos
objetivos de justificação racional na aplicação destes desdobramentos da
desconsideração da personalidade jurídica. E, para tanto, os parâmetros definidos pelo
art. 50 do CO poderiam ser utilizados quando não fundamento o ato em outro ato
normativo ou na Constituição Federal. A circunstância de o STF e o STJ admitirem tais
poderes implícitos requer sejam apontados alguns critérios objetivos para não se obstar
de maneira infundada o exercício da atividade econômica.
62
PG - Proposição 2.17
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 50 do Código Civil, 28 do CDC e 133 do CPC/15
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A interpretação sistêmica dos artigos 50 do CO/2012, 28 do CDC e 133 do CPC/15
autoriza a desconsideração inversa da personalidade jurídica do sócio, nos mesmos
moldes da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, bastando seja
evidenciado que o sócio faz uso indevido da pessoa jurídica para camuflar o seu
patrimônio pessoal ou blindar o patrimônio das várias empresas que se estruturam como
grupo econômico empresarial, ainda que desenvolvam atividade econômica
substancialmente diferenciada.
Justificativa:
No âmbito do capitalismo global e transnacional não é incomum a formação de grupo
econômico entre empresas que desenvolvem atividade econômica substancialmente
diferenciada, coordenadas pelo objetivo de gerar riqueza para um grupo específico de
sócios e empresários. Em situações tais, várias pessoas jurídicas são constituídas com
integralização de bens particulares de sócios que, no momento seguinte cedem suas
quotas societárias para terceiros com os quais já se relacionam no âmbito de holdins de
participação ou holdings familiares, sendo a desconsideração inversa da personalidade
jurídica dos sócios o fio condutor dessas construções de blindagem patrimonial,
concebidas, inicialmente, como medida gerencial de planejamento tributário, mas que,
podem se transformar em instrumento de fraude aos credores. Tendo o CPC 2015
previsto, expressamente, a desconsideração inversa da personalidade jurídica, o art. 50
do CO ao trata do abuso de personalidade jurídica, envolve a pessoa jurídica e os sócios
pessoa física.
63
PG - Proposição 2.18
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Art. 50 combinado com Art. 187
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Em caso de abuso de direito da personalidade da pessoa física, que se sujeita a ser
interposta pessoa para ocultar bens ou desviá-los em favor do interponente, é possível a
desconsideração da personalidade da pessoa física para que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações que recaem sobre o interponente sejam estendidos
aos bens da pessoa interposta.
Justificativa:
A “inexistência” de patrimônio dos executados judiciais pode ter duas causas: uma real
e outra ficta. A insolvência real é aquela em que o devedor, pelas adversidades da vida,
efetivamente não consegue produzir riquezas a ponto de pagar seus credores. Já a
insolvência ficta se verifica nos casos em que o executado continua com ostentoso
padrão de vida, mas formalmente nada tem em seu nome, pois continuam exercendo
normalmente suas atividades negociais em nome alheio (laranjas). Vige hoje a regra da
pessoalidade das obrigações (art. 591 do CPC), sendo verdadeira exceção a
possibilidade de extensão da responsabilidade para alcançar terceiros. O art. 50 do
Código Civil é uma dessas exceções previstas no ordenamento, assim como também o é
a simulação (art. 167, CO), a fraude contra credores (art. 158, CO) e a fraude à
execução (art. 593, CPC). No entanto, a Jurisprudência tem alargado as hipóteses legais
de extensão da responsabilidade para além daquelas literalmente previstas em lei, como,
v. g., a desconsideração inversa da personalidade da pessoa jurídica. Embora sejam
esses institutos eficazes à repressão das fraudes e abuso de direito, visam à nulificação,
anulação ou ineficácia de negócio jurídico, respectivamente, (de)limitando o objeto
sobre o qual se satisfará a responsabilidade, muito diferente do que gera a extensão da
responsabilidade pela desconsideração da personalidade, que o alarga, de modo a poder
ser constrito todo o patrimônio do terceiro que será chamado à responsabilidade pelo
abuso de direito, o que pode e deve ser perfeitamente também aplicado para chamar à
responsabilidade as pessoas físicas interpostas.
64
PG - Proposição 2.19
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Art. 53
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Os “fins não econômicos” a que se refere o art. 53 do Código Civil não impedem o
exercício de atividade empresarial pelas associações, desde que o lucro obtido não seja
distribuído entre os associados e se reverta em prol dos objetivos estatutários.
Justificativa:
O Código Civil de 2002 optou por seguir a vertente doutrinária cujo parâmetro vinculase ao exercício da atividade não econômica da associação, em detrimento da essência de
seu campo de atuação (arts. 53 e 981). Com isso, as associações foram relacionadas, em
grande medida, ao caráter filantrópico, religioso, cultural e social das suas funções.
Francesco Ferrara preferia se valer da finalidade e da variabilidade do número de
membros como critérios, de modo que contesta a natureza não econômica das atividades
como diferencial entre sociedades e associações, pois seria plenamente admissível que o
fizessem em benefício da consecução dos seus próprios fins, contanto que sem visar
estritamente o lucro e distribui-lo entre seus integrantes (FERRARA. Teoría de las
personas jurídicas. 2. ed. Granada: Comares, 2009, p. 341-342). E, de fato, o não
exercício de atividade econômica não deveria ser eleito como fator específico das
associações. Primeiro, em virtude da inapropriada confusão entre os conceitos de
atividade econômica e finalidade exclusivamente lucrativa. Segundo, porque nada obsta
que desempenhe atividades econômicas vinculadas aos seus objetivos. Por sinal, esta é
uma das hipóteses ligadas à imunidade tributária de associações de assistências social
sem fins lucrativos, (art. 150, VI, “c”, da CF; AgRg/AI 785.459/RS, Rel. Min. Celso de
Mello, DJe 19.12.2011). Terceiro, nenhum óbice se erige até mesmo contra o exercício
de atividade econômica organizada e habitual, destinada à circulação de riquezas por
uma associação, ou seja, a sua caracterização como empresa, desde que não isto não
seja a sua meta existencial e não distribua os lucros entre os associados.
65
PG - Proposição 2.20
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 3
Enunciado proposto (resumo da proposição):
As taxas de manutenção criadas por associação de moradores não podem ser impostas a
proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo.
Justificativa:
As associações de moradores podem expressar a existência dos chamados condomínios
de fato, todavia, conforme o disposto no artigo 5o, inciso XX da Constituição Federal,
ninguém é obrigado, nem pode ser compelido, a se manter associado. Precedentes do
Superior Tribunal de Justiça. REsp 444.931/SP.
66
PG - Proposição 2.21
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 53 e 1113
Enunciado proposto (resumo da proposição):
As associações civis podem se transformar em sociedades empresárias, desde que não
haja proibição legal.
Justificativa:
Exposição de motivos: Permite-se a transformação das associações civis em sociedades
empresárias desde que não haja proibição legal pelos seguintes motivos: a). pelo
princípio da preservação da pessoa jurídica, não faz sentido extinguir uma pessoa
jurídica (que tem função social muito importante na sociedade) quando pode preservála, ainda que em outra roupagem; b). a dissolução de associações civis é extrema
conforme exegese do art. 5º, XIX da Constituição Federal; c). inexiste proibição legal
para transformar associação civil em sociedade empresária, o que faz incidir o art. 5º, II
da Constituição Federal; d). grande parte da doutrina prevê a possibilidade de
transformação de associação civil em sociedade empresária como Alfredo de Assis
Gonçalves Neto, o ex-Presidente da JUCESP Amando Luiz Rovai, Wendel de Brito
Lemos Teixeira e Modesto Carvalhosa; e). o art. 1113 do Código Civil permite a
transformação sem fazer qualquer ressalva ou limitação no que tange às associações
civis; f). o art. 27,§9º da lei 9615/98 (Lei Pelé) admite transformação de associação civil
desportiva em sociedade empresária; g). a Receita Federal do Brasil por meio da
Solução de Consulta nº 7 de 03 de junho de 2002 aceita tal transformação de associação
civil de ensino superior em empresa; h). na prática, tem-se conhecimento de várias
associações que se transformaram em empresas (Clubes de futebol profissional,
instituições de ensino etc, inclusive a BOVESPA – Bolsa de Valores de São Paulo); i) a
interpretação que deve ser adotada ao artigo 2033 do Código Civil, que se refere de
forma categórica à cisão e à transformação das pessoas jurídicas.
67
PG - Proposição 2.22
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 55
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A possibilidade de instituição de categorias de associados com vantagens especiais
admite a atribuição de pesos diferenciados ao direito de voto, desde que isso não
acarrete a sua completa supressão em relação a matérias submetidas obrigatoriamente à
assembleia.
Justificativa:
O direito de voto e o de representação em assembleias é apontado por Pontes de
Miranda como modalidades de direitos específicos preferentes. Somente haverá a
possibilidade de estipulação de padrões diversificados de voto quando em contraste com
os direitos específicos gerais de que são titulares todos os indivíduos. O poder de veto
da escolha de administradores seria um bom exemplo.
O CO 2002 tratou no art. 59 das competências da assembleia geral para alterar o
estatuto, mediante um quorum em que considerados todos os integrantes, sem qualquer
menção à possibilidade de exclusão de voto de alguma categoria. Ou seja, o voto é
direito comum a todos os associados quanto às matérias deliberadas em assembleia e, ao
que tudo indica, não era admitida a sua exclusão em 1916, e continua a não ser em
2002. A liberdade de associação não autoriza, assim, que a representação seja fulminada
mediante a exclusão de um direito comum a todas as categorias, conforme o art. 58 CO.
Importante esclarecer, todavia, que, uma coisa é a vedação da exclusão do direito de
voto, outra bem diversa é a previsão de critérios diferenciadores de voto, segundo a
categoria do associado. Para efeito de controle normativo dos padrões deliberativos,
basta investigar se o associado concordou previamente com a configuração de alguma
especificidade do seu voto, se o ato constitutivo o previu ou se constou da própria
deliberação permitida por ele (art. 58 do CO). Estes balizadores da definição dos
critérios diferenciados de voto devem guardar estrita observância com elementos
justificadores do discrímen concebido.
68
PG - Proposição 2.23
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 61 e parágrafos
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O art. 61 do Código Civil e seus parágrafos são inconstitucionais por impor à associação
civil a destinação de seu patrimônio à instituição com fins idênticos ou semelhantes,
afrontando a liberdade de associação e propriedade privada.
Justificativa:
Exposição de motivos: O art. 61 do Código Civil de 2002 e seus parágrafos aniquila
parte importante do núcleo essencial do direito fundamental de associação, pois seria a
mesma coisa de conceder validade e eficácia a um dispositivo do Código Civil que
obrigasse os cidadãos destinassem grande parte de seu patrimônio quando de seu
falecimento para alguma entidade ou para o Estado. Trata-se de confisco (afrontante à
propriedade privada). Outrossim, parte tal dispositivo de uma premissa falsa de que
todas as associações são beneficiadas pelo Estado, quando na verdade é apenas uma
parte destas que recebe apoio estatal e normalmente insuficiente. Como se não bastasse,
é desarrazoável e desproporcional exigir que pessoas se aventurem em criar uma
associação com todas dificuldades inerentes e risco de insucesso, atuem em substituição
do Estado, coloquem seu tempo e dinheiro em tal empreitada e ainda tenham que ser
mais lesados ainda ao não poderem repartilhar o patrimônio da associação na hipótese
de dissolução. O mandamento constitucional de estímulo do associativismo e não
intervenção na organização e funcionamento das associações (art. 174, §2º e art. 5º,
XVII e XVIII da Constituição Federal) foram totalmente desobedecidos com a redação
do art. 61 do Código Civil. Assim, da forma atual, o art. 61 do Código Civil e seus
parágrafos são inconstitucionais.
69
PG - Proposição 2.24
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 62, parágrafo único
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O art. 62, parágrafo único, com redação dada pela Lei n.º 13.151/2015, deve ser
interpretado de modo a excluir apenas as fundações com fins lucrativos.
Justificativa:
O art. 62, parágrafo único possuía redação extremamente restritiva originalmente, que
foi objeto de alargamento interpretativo através dos enunciados 8 e 9 da I Jornada de
Direito Civil. Em 2006 foi apresentado Projeto de Lei no Senado com o objetivo de
evitar interpretações restritivas na matéria, visto que poderiam representar o
encerramento de importantes fundações, inclusive aquelas com fins científicos,
educacionais ou de promoção do meio ambiente. Com isso, houve modificação
legislativa em julho de 2015 que pode conceder nova margem de discussão sobre a
licitude de algumas fundações. Diante das circunstâncias, torna-se adequado reafirmar o
enunciado 9 da I Jornada de Direito Civil, o qual é mais abrangente que o enunciado 8.
70
PG - Proposição 2.25
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 93
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Além de se diferenciar das pertenças, as partes integrantes devem ser classificadas como
essenciais ou não essenciais.
Justificativa:
Muito embora no Código Civil em vigor, quanto aos “bens reciprocamente
considerados” tenha sido adotado o modelo de matriz alemã, a doutrina em geral, e, por
conseguinte, a jurisprudência, não atentaram para o fato de que ao se distinguir as
pertenças das partes integrantes, as últimas devem ser classificadas como partes
integrantes essenciais ou não essenciais. Uma coisa pode ser classificada como parte
integrante essencial, como parte integrante não essencial, ou como pertença, em
decorrência do grau de vinculação que ela possui com a coisa principal. A pertença
possui um grau mínimo de vinculação com a coisa principal, pois a conexão entre elas
não é física, mas apenas espacial, estabelecida por um critério econômico-social (usos
do tráfico). O grau de vinculação mais intenso é o da parte integrante essencial,
enquanto o da parte integrante não essencial é médio, pois, embora ambas possuam
conexão física com a coisa principal, a parte integrante essencial não pode ser separada
da coisa principal sem que isso importe em destruição ou diminuição de seu valor ou
das outras partes que compõe a unidade, ao contrário da parte integrante não essencial,
que pode ser separada sem que isso importe em destruição ou diminuição de seu valor
ou das outras partes que compõem a unidade. Em razão dessa distinção, a parte
integrante essencial não pode ser objeto de direito real em separado da coisa principal e
sempre terá a consorte da coisa principal, ao contrário da parte integrante não essencial,
a qual pode ser objeto de direito real em separado da coisa principal, e pode não ter a
consorte da coisa principal, por declaração da vontade dos figurantes de um negócio
jurídico.
71
PG - Proposição 2.26
Parte da legislação: Código Civil e Constituição Federal
Artigo: CO, Art. 102; CF, arts. 183, § 3o e 191, parágrafo único
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A imprescritibilidade (impossibilidade de usucapião) dos bens públicos alcança não só
os de uso comum do povo e de uso especial, como também os de natureza dominical.
Justificativa:
Na forma com que foram redigidos os arts. 183, § 3º e 191, parágrafo único da
Constituição Republicana de 1988, a referência a impossibilidade de usucapião de
imóveis públicos é genérica, sem ressalva. Isso leva a crer que não se tratou de uma
simples forma de redigir o texto constitucional, de arte a permitirem-se interpretações
restritivas (considerando inusucapíveis apenas os bens de uso comum e os de uso
especial). Infere-se da norma que o legislador constituinte fez uma opção política de
impedir a usucapião de imóveis públicos em geral (o que é elastecido pelo art. 102 do
CO para qualquer espécie de bem), ao que tudo indica, para evitar as indevidas
apropriações das coisas públicas, as quais, ainda que não devidamente aproveitadas,
conservam seu potencial de servir à coletividade, enquanto, se usucapida pelo particular,
servirá apenas ao interesse exclusivo deste. É o que concluiu há muito o STF, ainda na
vigência do CO-1916, através da Súmula 140, pela qual “desde a vigência do Código
Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por
usucapião”. A circunstância de se tratarem de coisas que não são fora do comércio (CO,
art. 101) não influencia na conclusão, tanto porque o contrário é possível (usucapião de
coisas fora do comércio, como, por exemplo, de bens gravados com cláusula de
inalienabilidade - REsp 418.945/SP, julgado em 15/08/2002, DJ 30/09/2002, p. 268),
como porque o critério utilizado pelo legislador quanto à imprescritibilidade é
independente daquele formulado para a inalienabilidade, tanto que tratadas em
dispositivos distintos, a primeira no art. 102 do Código Civil e a segunda em seus arts.
100 e 101.
72
PG - Proposição 2.27
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 108
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O valor de 30 salários mínimos constante no art. 108 do Código Civil brasileiro, em
referência à forma pública ou particular dos negócios jurídicos que envolvam bens
imóveis, é o atribuído pelo Fisco.
Justificativa:
A matéria já foi objeto do enunciado 289 em que afirma que “O valor de 30 salários
mínimos constante no art. 108 do Código Civil brasileiro, em referência à forma pública
ou particular dos negócios jurídicos que envolvam bens imóveis, é o atribuído pelas
partes contratantes, e não qualquer outro valor arbitrado pela Administração Pública
com finalidade tributária.”. No entanto, o STJ decidiu de forma diversa no REsp n.º
1.099.480/MG (Relator Marco Buzzi, julgado em 02/12/2014) com a finalidade de
conferir maior “segurança jurídica” aos negócios que envolvem bens imóveis. A
proposta de enunciado serve como uma atualização do enunciado 289 em conformidade
com a atual posição do STJ.
73
PG - Proposição 2.28
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 112 e 113
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Art. 112 e 113. Na interpretação dos negócios e atos jurídicos deve-se buscar a primazia
da realidade dos fatos.
Justificativa:
A primazia da realizada fática sobre a forma amplia a noção de que operador jurídico, no
exame das declarações volitivas, deve atentar mais a intenção dos agentes do que ao
envoltório formal através de que transpareceu a vontade (art. 112 do CO). O princípio da
verdade real sobre a forma constitui-se em poderoso instrumento para a pesquisa e
encontro da verdade real em uma situação de litígio. Não deve, contudo ser banido
unilateralmente do operador do direito. Desde que a forma não seja da essência do ato, o
interprete e aplicador do direito deve investigar e aferir se a substancia da regra foi
atendida na prática efetivada entre as partes, ainda que não seguida estritamente à conduta
especificada pela legislação. Isto ocorre porque o interprete há de conduzir-se tendo em
mente o sentido teleológico da convenção, a partir do qual estará em condições de
penetrar no elemento anímico que se encontra alojado, expressa e implicitamente, em
cada uma das disposições projetadas. Não se trata, é bom ressalvar, de perquirir a vontade
individual de cada um dos sujeitos envolvidos no litígio antes da formalização da avença,
indagando-lhes as intenções mais recônditas, mas de descobrir e aviventar a essência do
complexo volitivo que forma a unidade no ato ou negócio jurídico. A visão do julgador
não está na letra do negócio ou ato jurídico celebrado, mas nas atitudes dos envolvidos
(OLIVERIA, James Eduardo. Código Civil. Anotado e comentado. 2ª Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2010, p. 129-132). Em síntese, “o que importa é a vontade real, e não a vontade
declarada” (Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. Curso de Direito Civil. Parte
Geral e LINDB, 13ª Ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 510).
74
PG - Proposição 2.29
Parte da legislação: Da Condição, do Termo e do Encargo (Parte Geral, Livro III,
Título I, Capítulo III da Lei 10.406 de 10.01.2002)
Artigo: 136
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Art. 136: A extinção do encargo de execução continuada a ser cumprido por pessoa
jurídica beneficiária, na hipótese em que inexista estipulação de termo final ou
disposição legal específica, dar-se-á, analogicamente, nas mesmas circunstâncias do art.
1.410, inciso III do Código Civil.
Justificativa:
Não se pode conceber ônus a ser cumprido por prazo ilimitado ou perpétuo. Tal ideia
importa em absurdo jurídico. Além disso, o princípio da função social da propriedade
vem relativizando, ponderadamente, as denominadas cláusulas limitadoras da
propriedade. Tal abrandamento é perceptível mormente nas hipóteses em que a
limitação – cogitadas sua finalidade e adequação aos princípios constitucionais – vem
sendo contrária à fruição da propriedade não apenas por seu titular mas também pelo
grupo social. A manutenção indefinida do encargo acaba por comprometer a livre
circulação do bem e o cumprimento de sua própria função social. Sendo a beneficiária
da liberalidade uma pessoa jurídica – cuja existência pode durar indefinidamente – e
havendo estipulação de encargo de execução continuada sem demarcação de seu termo
final, torna-se imperiosa a definição do momento da extinção do ônus. Neste sentido, a
proposta sugere como parâmetro o inciso III do art. 1.410 do Código Civil, cujo
fundamento prende-se a mesma ratio limitadora. Tal parâmetro, contudo, não deve ser
observado quando outras disposições legais regulem a duração máxima da atividade a
ser executada pela pessoa jurídica responsável, como bem exemplificam os acórdãos
dos REsp nº 219.808-MG e 23.915-MG, divulgados pelo informativo 213 do STJ. A
matéria interessa a inúmeras pessoas jurídicas de caráter filantrópico que, favorecidas,
mas com limitação decorrente do encargo, pretendem promover a circulação ou a
adequada exploração do bem após terem se desincumbido de seu ônus.
75
PG - Proposição 2.30
Parte da legislação: Parte Geral
Artigo: CO, art.138, 145, 151, 156, 157 e 158
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Aplicam-se aos negócios jurídicos processuais previstos no art.190 do Novo Código de
Processo Civil os defeitos dos negócios, constantes no código civil (erro ou ignorância,
dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores), e os seus efeitos.
Justificativa:
Novidade no atual Código de Processo Civil, o art.190 do NCPC admite um
autorregramento da vontade processual das partes.
Como tal, o negócio jurídico acima, além de possuir necessariamente os mesmos
elementos de validação de qualquer outro negócio jurídico (art.104, CO) – atentando-se
para o seu objeto mais restrito (por envolver exercício de função essencialmente
pública, que é a jurisdição), precisa externar manifestações de vontades (dos
envolvidos) livres de qualquer mácula, subjetiva e/ou objetiva.
Justifica-se, assim, a conclusão acima exposta, ao passo que o art.190, parágrafo único,
NCPC, limita o controle judicial aos casos de nulidade, abusividade em contrato de
adesão ou manifesta vulnerabilidade.
No entanto, as hipóteses de anulação de qualquer negócio jurídico (não por analogia,
mas por aplicação direta) devem justificar o controle judicial negociado. Ademais, a
falta desse controle acabaria por convalidar vício em negócio jurídico processual que
poderia repercutir no direito material versado.
Além disso, outra não foi a opção do legislador que, inclusive, protegeu o
hipossuficiente no negócio jurídico (mesmo sem qualquer hipótese de anulação). Logo,
ainda mais se justificaria o controle judicial em casos de anulação por defeito de
anulabilidade no consentimento.
76
PG - Proposição 2.31
Parte da legislação: Parte Geral
Artigo: 167 CO (simulação)
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Sendo a simulação causa de nulidade do negócio jurídico, a mesma pode ser alegada e
conhecida em sede de embargos de terceiro, pois não se confunde com o vício social da
fraude contra credores, que deve ser alegado em ação própria.
Justificativa:
Com o advento do código civil de 2002 e o fortalecimento do princípio da boa-fé nas
relações jurídicas, o “vício social” da simulação passou a receber tratamento jurídico
distinto daquele conferido aos demais vícios do negócio jurídico. Diferentemente das
consequências impostas aos negócios jurídicos que contenham os vícios do erro, dolo,
coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores, os quais podem ensejar a
anulação do negócio (art. 171, II, 177 e 182 CO), no caso do negócio jurídico simulado,
a consequência será a de nulidade (art. 167, 166, VII, 168 e 169 CO).
Ocorre que ainda tem sido frequente, no âmbito dos tribunais, aplicar-se à simulação
tratamento jurídico análogo àquele conferido à fraude contra credores, invocando-se,
inclusive, a Súmula 195/STJ (editada em 1997).
Contudo, salvo melhor juízo, referido tratamento jurídico conferido à simulação se
mostra equivocado na vigência do código civil atual, pois tecnicamente a simulação não
se encontra mais inserida no capítulo destinado a tratar dos “defeitos do negócio
jurídico”, mas sim no capítulo seguinte, que regula o sistema das invalidades do negócio
jurídico. Assim, tratando-se de hipótese que gera a nulidade absoluta do negócio, aplicase o disposto nos artigos 168, caput e parágrafo único e 169 do mesmo diploma legal,
os quais estabelecem, inclusive, que o juiz deverá se pronunciar a respeito de hipótese
de nulidade “quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar
provadas”, pronunciando-se, portanto, de ofício.
77
PG - Proposição 2.32
Parte da legislação: Da fraude contra credores (Livro III, Título I, Capítulo IV, Seção
VI do Código Civil Brasileiro de 2002)
Artigo: Artigo 171, inciso II, CO/02
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A fraude contra credores enseja a ineficácia sucessiva (inoponibilidade) da alienação ou
oneração fraudulenta dos bens em favor do credor que a pleiteou, não havendo que se
falar em anulabilidade.
Justificativa:
O artigo 171, II, do CO/02 dispõe que a fraude contra credores ensejaria a anulabilidade
do negócio jurídico. No entanto, a doutrina e a jurisprudência do STJ (AgRg no AREsp
413.948/RS) sustentam, com acerto, que o ato praticado em fraude contra credores é
válido, sendo que o reconhecimento da fraude contra credores em sede de ação pauliana
enseja, em verdade, a ineficácia sucessiva da alienação ou oneração fraudulenta apenas
em favor do exequente que tenha pleiteado o seu reconhecimento em juízo. Isso porque,
caso se tratasse de anulabilidade, os bens alienados ou gravados fraudulentamente
retornariam ao patrimônio do executado, prestando-se, assim, a satisfazer as dívidas por
ele adquiridas com diferentes credores. No entanto, o que ocorre é que, uma vez
reconhecida a fraude contra credores em ação própria, a alienação ou oneração
fraudulenta será considerada ineficaz apenas em relação ao exequente que a tenha
pleiteado em juízo. Diz-se sucessiva a ineficácia, tendo em vista que “o negócio jurídico
fraudulento nasce plenamente eficaz, inclusive perante a execução em curso, de modo
que a responsabilidade incidente sobre o bem alienado só se configura mediante o
exercício bem-sucedido da ação pauliana” (ZAVASCKI, 2004, p. 210). O entendimento
ora exposto é ratificado pelos artigos 792, §1º e 137 do novo CPC, os quais dispõem
que a alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente, sendo certo
que, tradicionalmente, tanto a jurisprudência quanto a doutrina processual pátrias tratam
da fraude contra credores e da fraude à execução – que, afinal, são espécies do gênero
alienação fraudulenta de bens − como sendo ambas ensejadoras de ineficácia.
78
PG - Proposição 2.33
Parte da legislação: Compra e Venda
Artigo: 182 e 1034,II.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A invalidade do ato constitutivo de pessoa jurídica, seja fundação, associação civil,
EIRELI ou sociedade tem como efeito a dissolução judicial. A disposição do Art. 182
do Código Civil deve ser interpretada em consonância com o disposto no Art. 1034, I do
mesmo Código.
Justificativa:
A aplicação da disposição do Art. 182 do Código Civil aos atos constitutivos de pessoas
jurídicas precisa ser interpretada de modo sistemático, pois sua aplicação literal pode
provocar efeitos desastrosos, especialmente em pessoas jurídicas cujo ato constitutivo
teve a invalidade (seja nulidade ou anulabilidade) reconhecida muitos anos após o início
de suas atividades.
As pessoas jurídicas mantém relações ao longo de anos com terceiros, além dos sócios,
associados ou instituidores, não sendo possível a restituição fática de muitos efeitos.
Contratos de trabalho, obrigações fiscais, etc., não podem ser resolvidos por
“indenização”, tampouco é plausível a extinção da personalidade jurídica como efeito
da nulidade. Uma interpretação literal do Art. 182 não se coaduna com os fins da norma.
O Direito Societário contém disposição que pode servir de baliza interpretativa ao Art.
182, que é o disposto no Art. 1.034, I, que prevê a dissolução das sociedades.
No regime da dissolução o liquidante irá promover os fins previstos no Art. 182, que é o
de liquidar o patrimônio, apurando ativos e passivos, para, ao final, restituir o acervo
aos titulares legítimos.
Embora essa matéria seja pacífica em relação às sociedades, a ausência de disposição
equivalente ao Art. 1.034, I na regulamentação das fundações, associações civis ou
mesmo EIRELIs torna importante a edição do enunciado proposto.
79
PG - Proposição 2.34
Parte da legislação: Código Civil brasileiro
Artigo: Art. 187 do CO brasileiro
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Previsibilidade de conduta culposa e dano não são pressupostos necessários à
caracterização da ilicitude civil prevista no enunciado normativo do art. 187 do CO
brasileiro. A ilicitude, capaz de gerar restrições a um direito geral de liberdade pelo
estabelecimento de obrigações de fazer e não-fazer, resta caracterizada a partir do
exercício de ponderação entre liberdades colidentes, sendo orientada a
proporcionalidade em concreto pelos elementos do fim econômico ou social, da boa-fé e
dos bons costumes. Havendo dano a caracterizar hipótese de responsabilidade civil,
conduz-se o exame do caso à interpretação conjunta dos enunciados normativos dos
arts. 187 e 927 do CO brasileiro.
Justificativa:
O art. 187 do CO brasileiro preocupa-se em disciplinar caso de conduta ilícita gerada a
partir de uma restrição de liberdade imposta pelo caso concreto e só aferível após a
solução resultante da análise de um conflito de liberdades por meio da ponderação. Um
ato ilícito, no caso, não identificado a partir de um elemento subjetivo relacionado ao
agente – a previsibilidade da conduta culposa -, mas configurado por uma situação
objetiva e concreta, decorrente do exame da conduta humana a partir das condições
fáticas e jurídicas impostas pela realidade do caso e testadas por meio de uma
proporcionalidade aplicada ao caso. O enunciado normativo permite ainda que se
identifiquem os elementos que condicionam, de forma ideal, a análise da conduta
avaliada em concreto no enunciado normativo. Ou seja, o que se torna esperado da
conduta humana em determinada situação de conflito de liberdades, no sentido de que a
conduta sob exame atenda o que reste definido, para as peculiaridades do caso, por fim
econômico ou social, por boa-fé ou por bons costumes. Torna-se essencial examinar em
que medida restou ameaçada a confiança depositada pelo indivíduo na relação de
convivência (boa-fé). É uma confiança que se fará determinada por dados empíricos da
tradição (bons costumes) e das características especiais do caso concreto trazido à
apreciação do intérprete (fim econômico ou social).
80
PG - Proposição 2.35
Parte da legislação: Código Civil/2002
Artigo: Art. 189
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Nas pretensões decorrentes de doenças profissionais ou de caráter progressivo, o
cômputo da prescrição iniciar-se-á somente a partir da ciência inequívoca da
incapacidade do indivíduo e da origem, natureza e extensão dos danos causados.
Justificativa:
Considerando a premissa jurídico-axiológica, segundo a qual a pessoa humana
qualificada na concreta relação jurídica em que se insere, de acordo com o valor social
de sua atividade, figura na condição de categoria central do atual direito privado, e não
mais o sujeito de direito neutro, anônimo e titular de patrimônio (TEPEDINO, Do
sujeito de direito..., 2006), imperioso concluir por uma interpretação que se harmonize
com os direitos fundamentais e os princípios constitucionais (FACHIN, Teoria crítica...,
2003).
A jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça evidencia-se em consonância com a
proposta ora apresentada, nos termos do julgamento do RESP-291.159/SP. De forma
similar, ilustra o Tema de Recurso Repetitivo n.º 875/STJ.
Entretanto, a presente proposta de enunciado possui amplitude mais larga, na medida
em que não se restringe às situações de “acidente típico”, nem somente ao “teste fático
da invalidez”, eis que dirige sua incidência para as hipóteses de doença profissional ou
de caráter progressivo, com conjugada avaliação acerca da origem, natureza e,
especialmente, da extensão dos danos que lhe sejam originários, diante de sua evolução
diferida no tempo.
81
PG - Proposição 2.36
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 198, I
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A execução de alimentos do menor impúbere prescreve somente após decorrido o prazo
de dois anos da data em que completar 16 anos de idade.
Justificativa:
Dispõe o artigo 198, inciso I do Código Civil quanto a não ocorrência da prescrição em
relação aos incapazes de que trata o artigo 3º do Código Civil. Ressalta-se sua
incidência em ações de execução de alimentos nas quais o alimentado é menor
impúbere, em razão da disposição do artigo 206, § 2º do Código Civil. Neste, o Código
Civil traz expresso o prazo prescricional de dois anos para pretensão de prestação de
alimentos, contados a partir da data em que se vencerem, argumento que muito tem sido
usado para diminuir ou mesmo suprimir o montante do débito do alimentando. Não se
olvide que os alimentos são direitos sociais esculpidos no artigo 6º da Constituição da
República Federativa do Brasil e devem ser garantidos, especialmente ao menor, posto
que sua pretensão depende da atuação atenta dos operadores do Direito.
82
PG - Proposição 2.37
Parte da legislação: Parte Geral.
Artigo: 199, inciso I
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Inclui-se como interrupção de prescrição aquisitiva a expedição de decreto
expropriatório para a afetação pública da propriedade (extracomercialidade
superveniente) com a posterior alienação de bem publico para particulares, sendo
incomputável os efeitos da prescrição aquisitiva para fins da usucapião, quando
existente clausulas de condição resolutiva e/ou suspensiva no ato administrativo, de
modo que interrompe o prazo prescricional para a aquisição de propriedade mediante
usucapião, seja para os beneficiados a tal título, seja para terceiros, iniciando sua
contagem quando do termino imposto na clausula da condição resolutiva e/ou
suspensiva.
Justificativa:
Havendo decreto expropriatório (extracomercialidade superveniente) com a posterior
alienação de bem publico para particulares é incomputável os efeitos da prescrição
aquisitiva para fins de usucapião, quando existe clausulas de condição resolutiva e/ou
suspensiva. A jurisprudência do STJ é pacifica nesse sentido: STJ; REsp 1.092.010;
Proc. 2008/0213697-0; SC; Segunda Turma; Rel. Min. Castro Meira; Julg. 12/04/2011;
DJE 15/09/2011; STJ - REsp 6.578-0 - PR - 1ª T - Rel. Min. Milton Luiz Pereira - DJU
09.05.94; STJ, 2.º T., REsp 21222-BA, rel. min. Hélio Mosimann, v.u., j. 10.12.1993,
DJU 11.4.1994, p. 7626 – JSTJ 70/198 e STJ; RESP 21222; BA; Segunda Turma; Rel.
Min. Hélio de Melo Mosimann; Julg. 10/12/1993; DJU 11/04/1994; pág. 07626.. Em se
tratando de terra pertencente à União, Estado ou Municipio, ou mesmo já arrecadada e
alienada mediante condição resolutiva a ocupação da área por qualquer pessoa será tida
como mera detenção, não convalidando a posse até a decorrência do prazo imposto pela
condição resolutiva ou suspensiva.
83
PG - Proposição 2.38
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Art. 202, parágrafo único
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Admite-se a prescrição intercorrente pela interpretação do art. 202, p.u., do CO, de
modo a permitir o reinício do prazo interrompido se o credor, intimado pessoalmente
para dar andamento ao processo, permanecer inerte.
Justificativa:
O art. 202, p.u., do CO, disciplina o termo inicial para o reinício da contagem do prazo
prescricional interrompido por uma das hipóteses previstas pelos incisos do referido
artigo.
Se a causa interruptiva é extrajudicial, o reinício ocorre a partir do próprio ato
interruptivo. Já se causa é judicial, o prazo reinicia a partir do trânsito em julgado, tendo
a parte o mesmo prazo de prescrição da pretensão para exigir o cumprimento da
sentença (Súmula 150 do STF).
Embora não haja referência expressa à prescrição intercorrente no art. 202, p.u., do CO,
a correta interpretação do dispositivo permite extrair norma admitindo essa categoria
jurídica. Justifica-se que o prazo prescricional interrompido fique paralisado durante o
curso do processo, e até o trânsito em julgado, em razão de inexistir inércia do titular e
até mesmo condições de adotar outro comportamento que não seja aguardar o desfecho
do processo, sendo o tempo consumido para a entrega da jurisdição inerente ao
mecanismo da justiça.
Ao contrário, se o processo é paralisado por causa imputável ao próprio titular da
situação jurídica, ao manter-se em estado de letargia, desaparece aquela causa
justificadora da paralisação, a justificar o reinício do curso do prazo, deixando a
situação jurídica de merecer tutela do ordenamento jurídico. Impõe-se apenas a
intimação para que dê andamento ao processo, configurando-se assim a inércia
decorrente da desídia do credor e autor da demanda judicial.
84
PG - Proposição 2.39
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 202
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A limitação legal quanto ao impedimento da interrupção prevista no art. 202 do Código
Civil apenas se justifica quando for decorrente de idêntico instrumento jurídico
conforme rol taxativo previsto nos incisos de referido dispositivo. Caso haja
justificativa jurídica para que o interessado se utilize de mais de uma hipótese de
interrupção, a mesma pode se dar por mais de uma vez se observada a boa-fé objetiva.
Justificativa:
Referida regra de interrupção da prescrição limitada em uma única vez (constante do
art. 8º do Decreto 20.910/1932 e do art. 202 do Novo Código Civil) possui apenas uma
única interpretação válida: só se interrompe a prescrição uma única vez quando a
interrupção decorre de idêntico instrumento/meio jurídico. Isto se justifica pelo fato de
que, havendo interrupções decorrentes de instrumentos jurídicos distintos (ex. protesto
cambial e ajuizamento de ação), é destituída de sentido a interpretação de que apenas o
primeiro ato interrompe o lapso prescricional.
85
PG - Proposição 2.40
Parte da legislação: Código de Processo Civil
Artigo: 205, caput
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Aplica-se a regra do artigo 205, caput, do Código Civil para pretensões de nulidade de
registro imobiliário, quando praticadas pelo ente público com o objetivo de retomada de
bem imóvel de particular. A imprescritibilidade determinada pelo parágrafo único do
artigo 191 da Constituição Federal é aplicável somente nos casos em que o particular
pretender adquirir imóvel do patrimônio público; não o contrário. Entendimento que se
coaduna com o princípio da segurança jurídica dos atos administrativos.
Justificativa:
A pressão social por reforma agrária tem impelido a União Federal a buscar por
alternativas para a resolução dessa questão, e uma delas tem sido a tentativa de
transferir para o patrimônio público áreas de posse e domínio histórico do particular,
alegando nulidades em seu registro imobiliário e invocando a imprescritibilidade dessa
pretensão, baseada no art. 191 da Constituição Federal. Em que pese a prevalência do
interesse público sobre o privado, a regra contida na norma constitucional citada não
possui adequação com a citada pretensão, e nem assim pode ser interpretada por se
tratar de mandamento com caráter excepcionalíssimo e exclusivo. Pretensões
direcionadas à nulidade de matrículas imobiliárias com desconstituição de sua cadeia
dominial, quando praticadas pelo ente público, também devem ser alvo da figura
jurídica da prescrição (art. 205, caput, do Código Civil), notadamente porque essa
nulidade incidirá sobre atos intrínsecos à atividade registral, com natureza estatal e
exercida em caráter privado por delegação do próprio Poder Público, correlacionada ao
senso e noção de segurança jurídica dos atos administrativos. Há que se reconhecer o
princípio da continuidade do registro imobiliário como pilar de sustentação para a
estabilidade dos negócios jurídicos que o envolvem, razão pela qual a adoção da
aplicação da prescrição no caso apontado se faz necessária.
86
PG - Proposição 2.41
Parte da legislação: Código Civil. Título IV, Capítulo I, Seção IV
Artigo: 205
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Por não se tratar de dano decorrente de acidente de consumo, tampouco de
enriquecimento sem causa, mas de pagamento indevido, a pretensão ao ressarcimento
da taxa de serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI) e da comissão de corretagem
adimplidas em razão do compromisso de compra e venda de bem imóvel prescreve em
10 (dez) anos, nos termos do artigo 205 do Código Civil.
Justificativa:
Ab initio, destaca-se que, embora a relação jurídica seja disciplinada pelo Código de
Defesa do Consumidor, a análise da prescrição será com esteio no Código Civil. Isso
porque a lei consumerista apenas insculpe no seu art. 27 o lapso prescricional para os
casos de reparação pelos danos decorrentes de acidente de consumo.
Logo, por se aplicado o Código Civil nesse ponto, questiona-se qual prazo prescricional
deve incidir. Deveras, enquanto o instituto de enriquecimento sem causa prescreve em
3(três) anos, com base no art. 206, § 3º, IV, o de pagamento indevido, por falta de
previsão específica, caduca em 10 (dez) anos, nos termos do art. 205.
Tratando-se de institutos disciplinados diversamente pelo legislador, a ação de
enriquecimento sem causa será ajuizada somente se não houver regra específica
regulando a relação jurídica entre as partes. Se houver, poderá ser utilizado esse
instituto como princípio e não como regra.
Com base nessa premissa, as cobranças da taxa SATI e da corretagem não se alicerçam
na devolução por enriquecimento sem causa, mas na restituição de pagamento indevido
em razão da existência de cláusulas contratuais consideradas abusivas e devidamente
discutidas com espeque nas regras próprias do CDC (v.g. arts. 39, V e 51, III e IV).
Em suma, a pretensão ao ressarcimento da taxa SATI e da corretagem, por dizer
respeito a valores pagos indevidamente e sem interstício específico para demandar,
prescreve em 10 (dez) anos, aplicando-se o prazo geral do art. 205 do CO.
87
PG - Proposição 2.42
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 205 e 206, § 3o, V
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se somente
à responsabilidade extracontratual, destinando-se à responsabilidade contratual o prazo
genérico de dez anos previsto no art. 205 do Código Civil.
Justificativa:
No julgamento do REsp 1276311/RS (Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA, julgado em 20/09/2011, DJe 17/10/2011), o Superior Tribunal de
Justiça inaugurou o entendimento de que, em se tratando de responsabilidade contratual
“o caso não se amolda a nenhum dos prazos específicos do Código Civil, incidindo o
prazo prescricional de dez anos previsto no artigo 205, do mencionado Diploma”. Em
outros julgados posteriores, a Corte Superior já se manifestou novamente no mesmo
sentido, a exemplo do AgRg no REsp 1344043/DF (Rel. Ministra MARIA ISABEL
GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 04/02/2014) e do REsp
1222423/SP (Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado
em 15/09/2011, DJe 01/02/2012). Pode-se questionar de qual seria o motivo de se
entender que a expressão “pretensão de reparação civil” não abarca a responsabilidade
contratual. É que, consoante regra de hermenêutica já consagrada, não se pode dar
interpretação extensiva às regras sobre prescrição, que implicam em perda de direito por
quem o tem. Trata-se de franca aplicação analógica, aos fatos jurídicos em geral, do art.
114 do Código Civil de 2002. A interpretação restritiva das normas sobre prescrição já
foi reconhecida pelo STJ nos julgamentos do REsp 799.744/DF (Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/09/2006, DJ 09/10/2006, p. 300) e
do REsp 1273311/SP (Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 01/10/2013, DJe 10/10/2013)
88
PG - Proposição 2.43
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Art. 206, § 3º, V.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
É de 3 anos, pelo art. 206, § 3º, V, do CO, o prazo prescricional para a pretensão
indenizatória da seguradora contra o causador de dano ao segurado, pois a seguradora
sub-roga-se em seus direitos.
Justificativa:
Controverte-se sobre o prazo prescricional aplicável na hipótese de sub-rogação, pela
seguradora, nos direitos do segurado. De acordo com o art. 786 do CO, “paga a
indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e
ações que competirem ao segurado contra o autor do dano”.
Como sabido, é de 1 ano o prazo prescricional da pretensão do segurado contra a
seguradora e vice-versa (art. 206, § 1º, II, CO). Em regra, o termo inicial para a
contagem do prazo recai sobre a ciência do fato gerador da pretensão, excepcionada a
hipótese do seguro de responsabilidade civil, cuja contagem é feita após a citação na
ação ajuizada pelo terceiro prejudicado. No caso de segurado vítima de dano, a relação
jurídica é obrigacional e absolutamente diversa, sendo o ato ilícito sua fonte. O
segurado torna-se credor do autor da lesão.
Sendo a sub-rogação a substituição naquela relação jurídica, automaticamente o prazo
prescricional do credor originário (segurado) passará a ser o da seguradora, ou seja, o
prazo para a responsabilidade civil prevista pelo art. 206, § 3º, V, do CO.
Essa posição vai ao encontro do que admitia o Egrégio STJ antes da entrada em vigor
do CO/02 (REsp 191162/DF), embora aplicando-se o prazo geral de 20 anos, pois não
havia prazo específico para a pretensão de responsabilidade civil, ao contrário do que
ocorre no CO/02 (3 anos), cujo art. 206, § 3º, V, do CO, aplica-se tanto para a
responsabilidade contratual como para a extracontratual (Enunciado 419 da V Jornada
de Direito Civil). E no mesmo sentido existe precedente no STJ posterior ao CO/02
(REsp 1162649 / SP).
89
PG - Proposição 2.44
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 215, § 1º, inciso VII.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
“A declaração de vontade das partes na escritura pública lavrada por tabelião pode ser
manifestada e formalizada mediante assinatura eletrônica ou certificado digital, do
modo como aplicado no processo judicial eletrônico.”
Justificativa:
A evolução constante da tecnologia e da informática aplicada aos atos jurídicos está a
exigir a modificação de procedimentos até agora adotados no ambiente físico, com a
progressiva utilização dos meios digitais. Assim passou a ocorrer no âmbito do processo
judicial eletrônico, regulado pela Lei 11.419/2006, e que representa uma realidade no
Poder Judiciário. As atividades notariais e registrais também seguem a evolução
tecnológica, e a adoção da assinatura eletrônica e do certificado digital para a
formalização e lavratura de escrituras e procurações deve seguir esses novos
procedimentos, que agilizam e facilitam a execução desses atos, inclusive com maiores
padrões de segurança jurídica. O art. 11 da Lei 11.419/2006 equipara os documentos
digitais a toda modalidade de documento físico ou analógico, e a validade dos atos de
declaração de vontade manifestados em meio eletrônico encontra previsão expressa no
art. 10 da Medida Provisória 2.200/2001, que institui a Infra-Estrutura de Chaves
Públicas Brasileira – ICP/Brasil. A jurisprudência do STJ vem consolidando o conceito
e aplicação da assinatura eletrônica e do uso dos certificados digitais nos processos
judiciais (2ª Seção, AgRg na Rcl 23601/SP; 2ª Turma, AgRg no REsp 1500361/RS; 3ª
Turma, AgRg no AREsp 620586/RS; 4ª Turma, AgRg no AREsp 187151/SP) e o Novo
Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015, art. 205) consagrou, em definitivo, o uso da
assinatura eletrônica nos atos judiciais.
90
PG - Proposição 2.45
Parte da legislação: Geral
Artigo: 219, §5º
Enunciado proposto (resumo da proposição):
À luz do art. 2.028 do Código Civil, o juiz somente poderá reconhecer de ofício a
prescrição, com o fundamento do art. 219, §5º do Código Civil, se já houver
transcorrido mais da metade do prazo estabelecido na lei revogada; caso contrário
deverá observar o art. 10 do novo Código de Processo Civil.
Justificativa:
Sabe-se que as novas leis processuais, em regra, têm aplicabilidade imediata, entretanto
alguns prazos que já estão em contagem podem ter um procedimento diverso. De acordo
com o art. 219, §5o do Código Civil, o juiz pode pronunciar, de ofício, a prescrição,
contudo o Código de Processo Civil de 2015 impede que o juiz decida, em qualquer
grau de jurisdição, sem a manifestação das partes.
A prescrição, enquanto instituto de direito material, foi tratada de forma anômala e
equivocada no art. 219 do novo Código de Processo Civil. Ignorou - se seus atributos,
em especial o fato de apenas atingir a pretensão e não o direito. Não pode, portanto, se
submeter à característica da aplicação imediata de prazos processuais, o que requer seja
pensada uma regra de transição como a do enunciado ora proposto, como medida de
compatibilização entre o Código Civil de 2002 e o novo Código de Processo Civil.
Por isso, estas situações devem ser combinadas com o art. 2.028 do Código Civil, o qual
garantirá um período de transição maior, promovendo sua efetiva aplicação. Sendo
assim, nos casos em que já se passaram mais da metade do tempo estabelecido pela lei
revogada, o juiz poderá determinar a prescrição de ofício, caso contrário, deverá seguir
a nova lei, sendo necessária a manifestação das partes.
De fato, o que se busca é uma limitação no uso do art. 219, §5o do Código Civil pelos
magistrados, permitindo que o Novo Código de Processo Civil seja efetivamente
implantado, já que o princípio do contraditório efetivo o permeia completamente.
91
PG - Proposição 2.46
Parte da legislação: Da prova (Livro III, Título V, do Código Civil Brasileiro de 2002)
Artigo: 221
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O instrumento público lavrado por oficial público incompetente ou sem a observância
das formalidades legais, desde que assinado pelas partes, ostenta a mesma eficácia
probatória do instrumento particular, na forma do artigo 407, do novo Código de
Processo Civil.
Justificativa:
O novo Código de Processo Civil equipara o instrumento público ao particular, no que
concerne à sua força probante, sempre que lavrado por oficial público incompetente ou
inobservadas as formalidades prescritas em lei para o ato.
Considerando-se, por outro lado, que o artigo 221 do Código Civil de 2002 destina-se
precisamente a conceituar o instrumento particular, contemplando os seus requisitos
legais, afigura-se recomendável a edição de enunciado que agregue o teor da norma
processual ao disposto na codificação civil pátria, de modo a promover salutar
interpretação sistemática de nosso ordenamento jurídico.
92
PG - Proposição 2.47
Parte da legislação: Lei 13.105/2015 (novo CPC)
Artigo: Art. 332, §1º
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O juiz deve decretar ex officio a prescrição ou a decadência, mesmo nos casos em que se
aplique a Lei 13.105/2015
Justificativa:
A redação original da Lei 10.406/2002 previa que “Art. 194. O juiz não pode suprir, de
ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz.”. A palavra
“pode” suscitou dúvidas, de forma que foi aprovado o enunciado 154, afirmando que “O
juiz deve suprir, de ofício, a alegação de prescrição em favor do absolutamente
incapaz.” (a matéria também foi objeto dos enunciados 155 e 295). A Lei 11.280/2006
revogou o art. 194 do CO e modificou o art. 219, §5º do CPC para constar que “O juiz
pronunciará, de ofício, a prescrição”. Consolidou-se a posição de que a prescrição
deveria ser pronunciada ex officio. A Lei 13.105/2015 (novo CPC) trouxe redação que
pode trazer margem para dúvida, suscitando novamente conflitos já vivenciados na
jurisprudência. O art. 332 no novo CPC dispõe que o juiz “julgará liminarmente
improcedente” o pedido formulado na inicial em determinadas hipóteses previstas nos
respectivos incisos. No entanto, relegou topograficamente as hipóteses de prescrição e
decadência para o §1º e afirmou que o juiz “poderá” julgar liminarmente improcedente
em tais casos (“§ 1º O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido
se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.”). A imprecisão
terminológica e o formato adotado pode permitir a compreensão de que não há dever de
julgar liminarmente improcedente o pedido formulado nas hipóteses de prescrição e
decadência.
93
PG - Proposição 2.48
Parte da legislação: Parte Geral
Artigo: CO, art. 422
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A aplicação do venire contra factum proprium exige: 1) duas condutas de uma mesma
pessoa; 2) identidade das parte envolvidas; 3) desenvolvimento do tema numa mesma
situação jurídica; 4) que o fato anterior tenha criado uma situação de confiança; 5) um
dano ou potencial dano decorrente da contradição.
Justificativa:
A boa fé objetiva possui um cunho interpretativo (art.113, CO), restritivo de direitos
(art.187, CO) e integrativo (art.422, CO). Neste último, destaca-se o venire contra
factum proprium.
A crescente aplicação dessa expressão da boa fé objetiva nos planos contratual (o que
inclui o aspecto pré e pós contratual) e processual (art.5º, NCPC), acaba por exigir uma
maior especificação dos seus requisitos elementares, afinal, se o diagnóstico for
equivocado, o remédio a ser prescrito também será equivocado e, além de não melhorar
os sintomas que o paciente tem sentido, podem torná-los ainda piores.
Desse modo, é essencial que haja mais de uma conduta da mesma pessoa, à medida que,
se o segundo fato decorrer de evento da natureza (fato jurídico stricto sensu), por
exemplo, não há que se imputar qualquer deslealdade ao beneficiado.
Outrossim, é preciso que ambas as condutas humanas contraditórias tenham se
desenvolvido no âmbito da mesma situação jurídica, numa espécie de preclusão material
do sujeito que já optou por uma via!
Por fim, a existência de dano decorrente (efetivo ou potencial) exige a alteridade dos
efeitos da mudança de comportamento, sendo suficiente, para tanto, a produção de dano
na outra parte envolvida ou em terceiro diretamente relacionado.
Com isso, almeja-se conferir maior objetividade e, por conseguinte, maior
convergência, na qualificação jurídica do tema nos casos concretos, sobretudo diante da
recente processualização da matéria (em relação aos negócios jurídicos processuais).
94
95
COMISSÃO DE CONTRATOS E OBRIGAÇÕES
RESPONSÁVEIS: ANA DE OLIVEIRA FRAZÃO E
PAULO ROBERTO ROQUE ANTONIO KHOURI
CO - Proposição 3.1
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 393 e 424.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
É nula a cláusula contratual inserida no âmbito dos contratos de adesão, em relações de
consumo ou não, que imponha ao aderente a assunção dos riscos por caso fortuito ou
força maior.
Justificativa:
Como se sabe, o art. 393, in fine do CC/02 traz uma exceção à regra de que "[o] devedor
não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior", permitindo que
o devedor, por expressa disposição contratual, assuma esses riscos. Desta forma, é da
natureza das obrigações que o devedor não responda pelos danos advindos de caso
fortuito e força maior, sendo possível apenas por livre manifestação de vontade.
Paralelo a isso, é cada vez mais comum a existência de cláusulas contratuais que
imponham esta assunção de risco ao aderente nos contratos de adesão. Contudo, é
inconteste que a celebração de contratos de adesão importa, em certa medida, na
mitigação à liberdade de contratar, já que apenas uma das partes conserva a faculdade
de estabelecer as cláusulas, cabendo a outra, apenas, a escolha de contratar ou não.
Ciente disso, o art. 424 CC/02 estabelece que "[...] são nulas as cláusulas que estipulem
a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio". Por
certo, a assunção dos riscos pelos danos advindos de caso fortuito e força maior
representam uma renúncia à regra da irresponsabilidade. Assim, o art. 393 precisa ser
interpretado em sintonia com o art. 424, de modo que se reconheça a nulidade da
cláusula contratual que imponha ao aderente a renúncia à regra da irresponsabilidade
pelos danos causados por caso fortuito e força maior. Esse também parece ser o
entendimento de Gustavo Tepedino (in, Código Civil Interpretado, v. I).
Com isso, mostra-se relevante a manifestação dessa Comissão de Trabalho a fim de
contribuir para a melhor interpretação dos dispositivos legais mencionados.
96
CO - Proposição 3.2
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: arts. 394, 395 e 475
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A concessão de prazo de graça não implica novação objetiva, renúncia ao direito de o
credor pleitear o ressarcimento que a mora der causa, desde o primeiro vencimento, e
afasta do credor o ônus de provar a essencialidade do inadimplemento. Contudo, obsta o
exercício de qualquer ação do credor perante o devedor ao logo do tempo suplementar.
Justificativa:
Pouco investigado no direito Brasileiro (vide Pontes De Miranda. Tratado ..., t XXVI. p.
11-12), o Nachfrist (prazo de graça ou suplementar) tem origem no § 323 BGB, o qual
admite a concessão do prazo suplementar com efeito resolutivo, tanto na hipótese de
falta de entrega como na de entrega defeituosa ou não conforme. A relevância do prazo
de graça se avulta em vista do DL 538/2012 e D. 8.327/2014 (CISG) que valoriza e
protege a posição do credor que estende o termo final do cumprimento da prestação
(arts. 24 e 44). O novo posicionamento do direito nacional (D. 8.327/2014) reforça a
tendência da máxima utilidade e conservação do contrato, colocando-se a resolução pelo
inadimplemento ou pela mora, enquanto negócio jurídico fixo (Fixgeschäft), como
ultima ratio e mediante demonstração da essencialidade do inadimplemento ou da
inutilidade do tardio cumprimento da prestação. Com efeito, entram em questão os arts.
394, 395 e 475 do Código Civil, por estabelecerem um rígido sistema temporal de
cumprimento da prestação e de consequências pelo descumprimento, sem tutelar os
interesses do credor que lança mão do Nachfrist. Por esse, confere-se prazo suplementar
e somente quando vencido o segundo prazo configurar-se o direito resolutório do
contrato, mesmo que não seja essencial o inadimplemento. Assim: valoriza-se a
conservação do contrato; impede-se que o credor exerça qualquer direito contra o
devedor ao longo do tempo estendido, sob pena de venire contra factum proprium;
afasta do credor o ônus de provar a essencialidade do inadimplemento; não configura
renúncia do credor a eventual direito ressarcitório pela mora do primeiro prazo.
97
CO - Proposição 3.3
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 421
Enunciado proposto (resumo da proposição):
É imprescindível avaliar os componentes psicológicos das relações contratuais para a
definição do equilíbrio sócio-econômico entre as partes.
Justificativa:
A lei civil, embora tradutora do costume, não consegue desenhar a relação do fato social
com a individualidade dos agentes atuantes numa sociedade, ainda mais quando essa
apreciação é sempre dificultada pelo fato de se tratarem de valores intangíveis.
Ora, o espectro social se agiganta, desconstituindo a realidade das relações (exemplo:
durante a vigência da Constituição de 1824, a preservação dos direitos humanos,
expressamente mencionada, excluía escravos, não considerados na espécie. Eram
coisas). Ora, a dificuldade científica das considerações psicológicas se apresenta, até
porque, não raro, o julgador se projeta inconscientemente, no fato, sem se dar conta de
mecanismos de transferência e autodefesa, que acabam por influenciar o julgado. Daí, a
ratificação da necessidade de se exponenciar a observação dos critérios científicos
psicológicos. Sobre a matéria Pontes de Miranda esboçou preocupações traduzidas na
obra “À margem do Direito” (Ensaio de Psicologia Jurídica: Bookseller, Campinas,
2002), cujo estímulo está em o autor ter considerado a psicologia jurídica teoria basilar
do direito.
98
CO - Proposição 3.4
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: CC, arts. 421 e 422
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Aplicam-se aos negócios jurídicos de direitos autorais o disposto sobre a função social
dos contratos, boa-fé e demais princípios contratuais.
Justificativa:
Os princípios contratuais estabelecidos nos artigos 421 e 422 do Código Civil alcançam
todos os negócios jurídicos privados, mesmo com relação àqueles direitos estabelecidos
em leis especiais. As características sistêmicas do ordenamento jurídico asseguram sua
unidade, ao par que as axiológicas reafirmam a centralidade da constituição, e, na
medida em que boa-fé e função social são princípios representativos da eticidade e
solidariedade, como nos ensinam os professores Miguel Reale e Judith Martins Costa,
exige-se sua efetividade e penetrabilidade por todo o sistema jurídico, a fim de propiciar
a construção unitária do ordenamento, tema em que merecem destaques as contribuições
do professor Gustavo Tepedino. Justifica-se este enunciado pela necessidade de
consolidação deste entendimento paradigmático e consequente redução de recursos
repetitivos e casos judiciais em torno do tema.
99
CO - Proposição 3.5
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 294
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A cessão de crédito é negócio jurídico de natureza causal, de forma que o devedor
poderá opor ao cessionário a nulidade do negócio jurídico subjacente.
Justificativa:
Como dispõe o próprio artigo 294 do Código Civil, o devedor pode opor, perante o
cessionário, as exceções e objeções que tinha contra o cedente. Uma destas é a nulidade
do negócio jurídico subjacente por ilicitude dos motivos, conforme exposto no artigo
166, IV, do Código Civil. Ademais, a causa da atribuição reside no negócio subjacente,
de modo que o acordo de transmissão não tem o condão de alterar aquela.
100
CO - Proposição 3.6
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: CC, arts. 421 e 425
Enunciado proposto (resumo da proposição):
As garantias contratuais não se restringem às pessoais, às reais, às tipificadas no Código
Civil ou na Legislação Especial. Com suporte na liberdade contratual e, portanto, em
concretização da autonomia privada as partes podem pactuar garantias atípicas.
Justificativa:
A dicotomia pessoais/reais não exaure o universo das garantias contratuais. “Apesar da
correção da bipartição tradicional, desde sempre houve figuras que a ela não se podiam
reconduzir, como os privilégios gerais ou a separação de patrimónios, tendo a evolução
da prática vindo ainda a admitir outros casos especiais de garantia, como a transmissão
da propriedade com esse fim ou as garantias especiais sobre certos direitos.” (LEITÃO,
Luís Manuel Teles de Menezes. Garantias das Obrigações. Coimbra: Edições
Almedina, 2008, p. 15). Segundo Vera Maria Jacob de Fradera: “as clássicas garantias
fidejussórias, fiança e aval, não esgotam todas as hipóteses possíveis de prestação de
garantia, do tipo pessoal, admitindo-se, neste âmbito, contratos inominados e atípicos”.
(FRADERA, Vera Maria Jacob de. Os contratos autônomos de garantia. In: Revista
Ajuris, vol. 53, nov 1991. Porto Alegre, p. 242). A liberdade contratual,
consubstanciada na autorregulamentação dos interesses particulares, abrange a
faculdade de contratar e não contratar, a liberdade de escolha da pessoa com quem
contratar, bem como a liberdade de fixar o conteúdo do contrato. No direito de escolher
o conteúdo do contrato encontra-se encartado o de construir a garantia contratual que
convém às partes. Ensina Vera Maria Jacob de Fradera que “as prestações de garantia
não se submetem a numerus clausus nem a nomenclatura exaustiva.” (Idem). O
aprofundamento das garantias, em sua dimensão de atipicidade, é questão da maior
relevância diante da cláusula geral de negócio jurídico processual prevista no art. 190 do
CPC/2015.
101
CO - Proposição 3.7
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: CC, arts. 421 e 425
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Da conjugação dos arts. 421 e 425 do Código Civil com o art. 190 do CPC/2015, em
diálogo de fontes, deriva a norma segundo a qual as partes possuem a faculdade de
estabelecer, via negócio jurídico processual, técnicas processuais diferenciadas
objetivando a efetiva e célere implementação de garantias contratuais.
Justificativa:
Uma vez que permite a criação de técnicas processuais adequadas e efetivas para a
arquitetura e a implementação de garantias contratuais, o negócio jurídico processual
(art. 190/CPC 2015) surge como novo instrumental que necessariamente deverá ser
estudado com atenção pelo ângulo da teoria geral das obrigações e dos contratos. Abrese, pois, a perspectiva de um renovado Direito das Garantias para a realidade jurídica
brasileira. Um vasto campo de estudos e de trabalhos se estende aos profissionais que
atuam na área jurídica. Ante o fato de a cláusula geral em foco permitir negócios
jurídicos processuais atípicos, fica instituído no ordenamento jurídico nacional, de
forma inovadora, a possibilidade de qualquer particular definir programas contratuais
com o suporte de garantias eficientes. Cuida-se de uma abertura sem precedentes, a
demonstrar que garantias contratuais adequadas e operáveis não são privilégios
reservados apenas a grupos detentores de poder econômico.
Impossível, doravante, pensar em garantias contratuais sem considerar a participação do
negócio jurídico processual.
102
CO - Proposição 3.8
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 423
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Nas contratações de adesão, havendo conflito de conteúdo entre cláusulas resolutivas
expressas, deve prevalecer a que se mostrar mais favorável aos interesses do aderente,
em sintonia com o que dispõe o artigo 423, do Código Civil.
Justificativa:
A lei brasileira, diferentemente da legislação europeia, não possui um diploma
específico para as contratações de adesão fora das relações de consumo. Dessa forma,
nos contratos de adesão firmados entre particulares, existem inúmeras cláusulas que
geram manifesto desequilíbrio entre as partes, prejudicando a análise dos termos do
contrato.
Todavia, observando-se o Código Civil e os princípios dele derivados, verifica-se que
atualmente não são aceitos, pelos nossos tribunais, contratos de adesão manifestamente
injustos. Afinal, se todas as cláusulas de um contrato são elaboradas por apenas uma das
partes envolvidas no negócio, e à outra parte cabe apenas a faculdade de aderir ou não à
contratação, é evidente que a nulidade das cláusulas contratuais neste contrato não pode
ser restringida apenas à hipótese prevista no art. 424. O que se defende é que o art. 424
apenas exemplificou um dos tipos de nulidade comuns nas contratações de adesão.
Contudo, nas contratações de adesão, uma cláusula muito comum é aquela que encerra
antecipadamente o vínculo contratual quando há outra cláusula em que são previstos
prazos determinados. Neste caso, se o encerramento prematuro do contrato não se
mostra favorável aos interesses do aderente, o melhor seria – em sintonia com o
disposto no art. 423 – prestigiar a cláusula que estabelece o vínculo por prazo
determinado. Ademais, o contrato que cumpre com a sua função social não é aquele
encerrado antecipadamente, mas sim o contrato devidamente cumprido conforme
estipulação das partes.
103
CO - Proposição 3.9
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: CC, art. 424
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A cláusula de exclusão de responsabilidade insertada no contrato de adesão civil ou
interempresarial é válida, desde que não comprometa direito resultante da própria
natureza do negócio e sejam observadas a boa-fé objetiva e a função social do contrato.
Justificativa:
Na nova visão do Direito Civil-Constitucional as cláusulas de irresponsabilidade
perderam força, pois na prática, elas, às vezes, se mostram abusivas e distanciadas da
nova principiologia do direito contratual, em especial, pela sua desconexão com os
princípios da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1, III, CRF/88) e da Solidariedade (Art.
3, I, CRF/88). Por outro lado, mesmo diante da unificação do Direito Privado (no que se
tange ao Direito Obrigacional) com o Código Civil de 2002, não se pode olvidar que
nas relações civis e principalmente as interempresariais, onde as partes contratantes
(Empresário x Empresário) são profissionais e objetivam o lucro e a eficiência dos
contratos (Cf. ROPPO, Enzo. O contrato...), a cláusula de irresponsabilidade torna-se
por vezes necessária e imperiosa para viabilidade econômica do contrato. Assim, não
ocorrendo renúncia antecipada do aderente a direito resultante da própria natureza do
negócio e, ainda, havendo estrita observância aos princípios da boa-fé objetiva e função
social, a referida cláusula deve ser considerada válida nos contratos de adesão civis e
interempresariais.
104
CO - Proposição 3.10
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 441
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O art. 441, do Código Civil, deve ser interpretado no sentido de abranger também os
contratos aleatórios, desde que a álea recaia sobre a existência da coisa e não sobre sua
qualidade.
Justificativa:
Segundo a literalidade do dispositivo, a garantia contra vícios redibitórios se aplicaria
apenas aos contratos comutativos diante da incerteza dos contratantes inerente aos
contratos aleatórios. Entretanto, a interpretação do art. 441 deve ser revisitada à luz do
princípio do equilíbrio contratual, para abranger também os contratos aleatórios, desde
que a álea se refira apenas à existência da coisa. Com efeito, se a álea se circunscrever à
quantidade da coisa contratada, não abrangendo sua qualidade, a parte que recebeu a
coisa defeituosa, mesmo que em virtude de contrato aleatório, poderá se valer da
garantia por vícios redibitórios. Caso, por outro lado, a álea recaia sobre a qualidade da
coisa, há de se afastar necessariamente a aplicação da disciplina pertinente aos vícios
redibitórios, vez que as partes assumiram o risco de a coisa a ser entregue se encontrar
com vício de qualidade que a torne imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminua o
valor. Caberá, portanto, ao intérprete, diante do caso concreto, estabelecer com precisão
os limites da álea do negócio, verificando se nela se insere a qualidade da coisa, sua
quantidade ou ambas.
105
CO - Proposição 3.11
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, arts. 464 e 170
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Na adjudicação compulsória, o suprimento da vontade da parte pelo juiz se limita à
conversão do contrato preliminar em definitivo, vedado ao juiz interferir de forma
discricionária e injustificada na autonomia privada das partes.
Justificativa:
Determina o Art. 464 do Código Civil que, esgotado o prazo determinado no contrato
preliminar, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte
inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar. Dispositivo
semelhante se encontra no 466-B do Código de Processo Civil de 1973, que determina
que, caso uma das partes não cumprir obrigação de concluir um contrato, a outra parte
poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado.
Não é prerrogativa do Estado-juiz interferir na relação jurídica contratual, de modo que
o suprimento da vontade das partes não pode abalar a autonomia da vontade das partes
ao celebrar contrato preliminar. Segundo Caio Mário da Silva Pereira, o Código de 2002
dá primazia à execução específica da obrigação de fazer contida no contrato preliminar.
Dessa forma, não pode o juiz, na ocasião da adjudicação compulsória, interferir no
conteúdo das cláusulas contratuais, limitando sua atuação à garantia do cumprimento da
obrigação de celebrar o contrato definitivo.
106
CO - Proposição 3.12
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, arts. 464 e 170
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Ainda que o contrato preliminar contenha alguma causa de nulidade ou de
anulabilidade, o juiz poderá realizar a adjudicação compulsória para outro negócio
jurídico cujos requisitos estejam cumpridos.
Justificativa:
De acordo com o descrito no Art. 170 do Código Civil, quando um negócio jurídico
nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este outro quando atender à vontade das
partes. O Artigo 464, por sua vez, indica que o juiz poderá suprir a vontade da parte
inadimplente no sentido de tornar definitivo o contrato preliminar.
À luz da operabilidade, princípio norteador da comissão redatora do Código Civil de
2002, é possível que seja feita a adjudicação compulsória do contrato preliminar para o
negócio jurídico que tiver seus requisitos atendidos no negócio primitivo defeituoso.
A atuação do juiz está limitada pelo objetivo pretendido pelas partes, de maneira que a
conversão do contrato preliminar não invade a esfera de autonomia da vontade dos
contratantes, mas viabiliza sua preservação.
107
CO - Proposição 3.13
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 472
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Na contratação escrita, desde que não haja solenidade obrigatória, admite-se que o
distrato não seja pactuado formalmente, podendo ser provado por qualquer meio idôneo
que reflita de forma inequívoca essa intenção das partes.
Justificativa:
Embora o art. 472 do Código Civil diga que o distrato faz-se da mesma forma que o
contrato, verifica-se, que os contratos em regra são consensuais, ou seja, não dependem
de forma solene ou escrita para gerarem vínculos jurídicos.
“O art. 472 do Código Civil não prescreve que o distrato deve obedecer à forma
utilizada para a celebração do contrato originário, mas que deve ser implementado
“pela mesma forma exigida para o contrato” originário. Não é, pois, exatamente a forma
do contrato originário que subordina a forma do distrato. O que define a forma do
distrato é a forma exigida pela lei para o contrato originário. Portanto, a coincidência
formal entre contrato e distrato nem sempre é obrigatória. Só o será nas hipóteses de
contratos de forma especial”.
Nesse sentido, eventual distrato que tenha sido celebrado de forma tácita, seja através de
comunicações via e-mail ou telegrama, nestes casos, havendo uma prova irrefutável de
que as mesmas partes que contrataram também resolveram colocar fim antecipado de
forma consensual ao vínculo jurídico, não importa nessa situação se a forma do contrato
celebrado foi ou não foi obedecido.
Deve-se prestigiar a vontade das partes. Se o princípio do consensualismo é a regra nas
relações contratuais, com muito mais razão a autonomia da vontade manifestada quanto
ao encerramento prematuro do vínculo contratual, de forma bilateral, deve ser
prestigiado, assim procedendo estará fazendo valer a boa-fé nos contratos e respeitando
a vontade das partes.
108
CO - Proposição 3.14
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 475
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Embora a cláusula resolutiva expressa opere de pleno direito, o credor não fica
dispensado de notificar o devedor a respeito do exercício do direito potestativo de
resolução, especialmente quando a prestação ainda lhe for útil, em atenção ao princípio
da boa-fé objetiva.
Justificativa:
A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito, dispensando intervenção judicial.
Ocorrendo o inadimplemento contratual que dá ensejo ao exercício do direito
potestativo de resolução contratual, parece legítimo exigir que o credor notifique o
devedor quanto à opção adotada, notadamente quando a prestação ainda possa ser
considerada útil. Tal exigência decorre da própria aplicação do princípio da boa-fé
objetiva e visa, em última análise, preservar os interesses de ambas as partes.
109
CO - Proposição 3.15
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 477
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Quando, por fato superveniente ao contrato, o adimplemento da prestação no
vencimento pelo devedor tornar-se faticamente impossível ou demasiadamente
improvável, o credor poderá pedir a resolução antecipada do contrato por culpa do
devedor em nome da “quebra antecipada do contrato", também conhecida como
antecipatory breach ou anticipatory repudiation.
Justificativa:
A despeito da inexistência de previsão legal específica, a "quebra antecipada do
contrato" é plenamente acolhida pelo Código Civil, que, iluminado pelos raios
principiológicos da Constituição Federal e vestido pelas diretrizes da eticidade e
socialidade, condena ofensas à boa-fé objetiva, ao abuso de direito e à função social
dos contratos.
O art. 477 do Código Civil prevê a “exceção de inseguridade”, segundo a qual o
credor poderá servir-se dos mecanismos de cautelas lá previstos quando verificar que
o adimplemento da prestação no vencimento pelo devedor é duvidoso. É possível,
porém, extrair desse dispositivo, por analogia, e dos princípios supracitados, além da
própria aplicação analógica do art. 476 do Código Civil, a quebra antecipada do
contrato, que permite a própria resolução do contrato por inadimplemento antecipado
do devedor no caso de o cumprimento da prestação no vencimento se tornar
impossível. Por fim, afirmam Cristiano Chaves de Farias e de Nelson Rosenvald:
“Trata-se de situação que se vem tornando corriqueira na construção civil, quando o
adquirente da unidade percebe que o prazo de entrega do imóvel aproxima-se.
Apesar de beneficiado pelo prazo, o incorporador demonstra desídia, pois a
construção ainda não começou a ser erguida ou, então, está apenas em sua fase
inicial. Não haveria razão para o adquirente aguardar o prazo avençado com a
construtora para só então postular pelos seus direitos. O ato de descumprimento
antecipa os efeitos resolutórios e indenizatórios, que só se verificariam normalmente
após o nascimento da pretensão".
110
CO - Proposição 3.16
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 478
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A excessiva onerosidade de que trata o artigo 478 deverá autorizar tanto o pedido de
revisão quanto de resolução do contrato, admitindo-se que tais pedidos sejam
formulados não apenas pelo devedor como também pelo credor.
Justificativa:
O art. 478 do Código Civil há de ser interpretado extensivamente, do ponto de vista
objetivo, no sentido de permitir que o devedor pleiteie, ao lado da resolução, também a
revisão do contrato, com fundamento no princípio da conservação dos contratos e nos
arts. 317, 480 e 620 do Código Civil. Sob o aspecto subjetivo, de outra parte, o art. 478
do Código Civil, na esteira do art. 620 do Código Civil, deve ser interpretado no sentido
de admitir que também o credor formule o pedido de revisão ou resolução do negócio
por excessiva onerosidade, quando houver desvalorização objetiva da contraprestação a
ser auferida e a prestação do credor ainda não tenha sido integralmente executada, a
configurar onerosidade indireta. Afinal, em contratos bilaterais sinalagmáticos, as partes
figuram reciprocamente como credoras e devedoras de determinadas prestações.
111
CO - Proposição 3.17
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 488
Enunciado proposto (resumo da proposição):
No contrato de compra e venda civil, para fins de fixação de preço, excetuado se um dos
contratantes é cooperativa, não se aplica o artigo 488 e seu parágrafo do Código Civil.
Justificativa:
A teoria contratual que envolve a compra e venda não pode mais ser estudada e
interpretada de forma isolada e sob um prisma exclusivamente estrutural, mas, sim,
deve ser estudada de forma contextualizada e funcionalizada (AMARAL, Francisco.
Direito Civil., p. 367). Afinal, sob a perspectiva estrutural a compra e venda, a partir de
seus elementos caracterizadores, pode desencadear uma multifuncionalidade, tomando
como base os pressupostos fáticos, jurídicos e econômicos para os quais ela pretende
atingir. Assim, a compra e venda pode ser civil, enquanto realizada entre particulares;
pode ser uma compra e venda interempresarial, quando envolve o exercício de
atividades empresariais de uma das partes, levando em conta o mercado; finalmente, a
compra e venda pode ser de consumo (L. 8.078/90). Se a compra e venda se dá entre
particulares, não havendo preço, não se aplica o artigo 488, e por isso, trata-se de um
contrato inexistente, em virtude da ausência de um dos seus pressupostos. Se a compra e
venda é empresarial, ela valoriza os usos e costume, submetendo-se com mais
intensidade à incidência da função social do contrato e da boa-fé (Gerson Luiz Carlos
Branco, p. 36), e às regras de mercado e concorrência e, por isso, mais sensível à
incidência do artigo 488. Finalmente, caso o contrato de compra e venda é conexo a
outro, o artigo 488 pode ser utilizado para fixação de preço, conforme as circunstâncias
do negócio firmado entre as partes e, nesse caso, a maioria das vezes, integrará regras de
contratos interempresariais.
112
CO - Proposição 3.18
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 488
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O Art. 488 do Código Civil somente é aplicável aos contratos de compra e venda entre
empresários e nas relações de consumo. Inexistindo ajuste sobre o preço no contrato de
compra e venda quando não for celebrado entre empresários ou fora das relações de
consumo, não haverá contrato, tal como prevê o art. 482 do Código Civil.
Justificativa:
A unificação legal das obrigações civis mantém um regime diferenciado para a compra
e venda. Entre outras modalidades, continua vigente no nosso Direito o regime da
compra e venda mercantil, assim como o de compra e venda nas relações de consumo,
em verdadeira multifuncionalidade de um determinado modelo jurídico.
Essa diferença não está somente no regime diferenciado dos vícios redibitórios, ou na
possibilidade de emissão de duplicatas, do regime diferenciado da oposição de
exceções, ou até mesmo na consideração de que o acordo sobre o preço não é
essentialia negotia na compra e venda empresarial.
Assim, na compra e venda civil clássica, continua sendo essencial para a formação do
contrato o ajuste das partes sobre o preço ou sobre critérios para sua fixação.
113
CO - Proposição 3.19
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 496
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A falta de consentimento do descendente para a alienação da coisa, na hipótese do art.
496, do Código Civil, pode ser suprida pelo juiz.
Justificativa:
Paira controvérsia doutrinária acerca da exegese do art. 496, do Código Civil, diante da
recusa de um dos descendentes a venda da coisa pelo ascendente. Uma corrente entende
que “O consentimento é insuprível pelo juiz, que não poderá investigar a justiça ou não
do motivo da recusa, por ser direito potestativo.” (Paulo Lôbo, Direito Civil: Contratos,
Editora Saraiva, 2001, p. 233). Já a outra afirma que é possível desde que haja prova da
reciprocidade/equivalência das prestações argumentando, ainda, que a recusa
imotivada/ilimitada caracteriza abuso de direito (art. 187, do Código Civil). É como
pensam Luiz Guilherme Loureiro, que cita Silvio Rodrigues (Curso Completo de
Direito Civil, Editora Método, 3ª ed., 2010, pp. 490/491) e Nelson Rosenvald (Código
Civil Comentado: doutrina e jurisprudência, Coordenador: Cezar Peluso, Editora
Manole, 2015, p. 528).
A razão está com a segunda corrente porque não faz sentido privilegiar ato caprichoso,
desmotivado, do descendente que, em tal circunstância, nega-se a anuir com o negócio
jurídico.
114
CO - Proposição 3.20
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 389
Enunciado proposto (resumo da proposição):
É lícita a estipulação de cláusula de não indenizar ou de limitação da indenização, salvo
norma especial em sentido contrário. A cláusula não valerá, entretanto, se violar as
normas cogentes, a ordem pública ou os bons costumes, bem como nas hipóteses de
dolo e culpa grave. Em qualquer caso, a eficácia da cláusula é restrita ao dever de
indenizar, não afetando a exigibilidade da obrigação contratada.
Justificativa:
A cláusula de não indenizar vem crescendo de importância, tornando-se comum em
contratos com partes sofisticadas (Epstein, Richard. Beyond Forseability: consequential
damages in the law of contract, p. 93). A sua aceitação nem sempre foi pacífica
(Pereira, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. v. II, 2010, p. 347), mas é
hoje admitida pelo STJ (REsp 13.027/RJ, REsp 31.124-3/SP, 49.332/DF). Os limites de
sua validade e eficácia permanecem, entretanto, pouco explorados. Quanto à validade, o
respeito às normas cogentes, à ordem pública e aos bons costumes goza de consenso
(REsp 9.787/RJ), não se podendo dizer o mesmo para os casos de culpa grave e dolo.
Em doutrina, José de Aguiar Dias defendia que o dolo deveria ser excluído do âmbito
da cláusula por razões de ordem pública. Contudo, afirmava que a culpa grave não
poderia ser a ele equiparada, por lhe faltar o elemento da intenção, presente no dolo
(Dias, José de Aguiar. Cláusula de Não-Indenizar, 1980, p. 97/100). De todo modo, a
razão parece estar com tese contrária que entende a distinção entre dolo e culpa grave
irrelevante no particular, tendo em vista as dificuldades práticas de se diferenciar entre
um e outro (Prata, Ana. Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade
Contratual, 2005, p. 289/297), devendo ambos estarem a salvo da cláusula de não
indenizar (REsp 23815/RJ). Com relação à eficácia, é de se lembrar a ressalva de José
de Aguiar Dias – por vezes esquecida – de que a cláusula direciona-se à indenização
decorrente do inadimplemento, não impossibilitando o credor de continuar a exigir a
obrigação contratada (ob. cit., p. 97/100).
115
CO - Proposição 3.21
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 389
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O art. 389 do CC não faz referência à culpa como elemento da hipótese legal do
inadimplemento, podendo o ordenamento eleger outros critérios jurídicos para a
imputação de responsabilidade pelo não cumprimento de uma obrigação.
Justificativa:
Parece não ter havido grande percepção por parte da doutrina civilista pátria quanto ao
fato de que o art. 389 do CC não faz referência ao elemento da culpa como essencial à
configuração do inadimplemento. Com a exceção de poucos autores, a exemplo de
MARCOS BERNARDES DE MELLO, a doutrina continua a fazer referência ao
adimplemento como fato jurídico do não cumprimento culposo (ao invés de não
imputável) de uma obrigação, com reflexos na jurisprudência, e em descompasso com
novas figuras que contemporaneamente vem surgindo no campo do cumprimento e do
não cumprimento das dívidas.
116
CO - Proposição 3.22
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 394
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Configura-se a mora quando há o cumprimento imperfeito da obrigação.
Justificativa:
No direito brasileiro, a mora não é apenas temporal, sendo também qualitativa. O
simples atraso configura mora, porém, para além do simples atraso, entregar a obrigação
em forma não prevista ou em quantitativo diferente do que fora previsto em contrato
também qualifica a posição do devedor como devedor moroso.
Ao contrário da mora temporal, em que a obrigação ainda não foi prestada, na mora
pelo descumprimento da forma ou lugar convencionado, por lógica, pressupõe-se que a
obrigação (dar ou fazer) foi parcialmente cumprida, mas de modo diverso da pactuada.
Haverá assim esse tipo de mora sempre que o comprador ou usuário receber a coisa ou o
serviço que não corresponde exatamente à descrição previamente estipulada, ou,
correspondendo, recebê-la em local diverso. (GUIMARÃES, Paulo. Vícios do Produto
e Serviço por Qualidade, Quantidade e Insegurança. RT, 2004, p. 128).
Embora o CC/2002 não preveja expressamente, o cumprimento imperfeito da obrigação
também está coberto pelo conceito de mora do ordenamento jurídico. É que, para
cumprir a sua obrigação, o devedor deve fornecê-la como prevista no contrato. Assim, o
cumprimento imperfeito equivale ao cumprimento com atraso, pois, embora a obrigação
esteja sendo cumprida, não está sendo cumprida na forma contratualmente prevista.
Daí que o cumprimento imperfeito da obrigação encerra uma violação positiva do
contrato e, assim procedendo, está se diante de uma situação de mora e o devedor deve
sofrer todas as conseqüências do cumprimento imperfeito da obrigação tal qual sofreria
na situação em que simplesmente atrasasse o cumprimento da obrigação.
117
CO - Proposição 3.23
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, arts. 396, 408, 421, 422 e 942.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A mora solvendi ou debitoris é fundada em dois pressupostos, quais sejam, o
cumprimento imperfeito ou retardamento da obrigação e a culpa. Se ausentes, exclui-se
a mora por falta do elemento objetivo ou subjetivo, conforme o caso. Muito embora se
presuma culposo o inadimplemento, admite-se ao devedor produzir prova de caso
fortuito, força maior, ato ou fato do credor e de terceiro, notadamente quando o
comportamento destes afrontar os deveres laterais ou anexos internos e os de respeito e
abstenção externos, de forma a comprometer, direta ou indiretamente, a execução da
obrigação, sem prejuízo da responsabilidade civil extracontratual, individual ou
solidária.
Justificativa:
O sistema de cláusulas gerais implementado pelo Cód. Civil de 2002 trouxe mudanças
em relação ao anterior, que se apresentava rígido e inflexível, limitando a interpretação
do juiz em cada caso. No modelo vigente, as normas são genéricas e abstratas, cujos
valores devem ser preenchidos pelo magistrado, que formula a regra concreta do caso.
Nessa tarefa, os princípios constitucionais da dignidade humana, solidariedade e
igualdade substancial, são importantes fontes de alinhamento e aproximação do Cód.
Civil à realidade das pessoas, enquanto sujeitos de direito. A esta margem de
intepretação do sistema de janelas abertas, o comportamento das partes e de terceiros
deve ser orientado pelos princípios da boa-fé objetiva, probidade e função social. Com
relação ao inadimplemento relativo das obrigações, estabelece o art. 396 do CC: “Não
havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora”. Nesse
contexto, é inadmissível considerar em mora o devedor se o credor ou o terceiro atentou
contra os deveres anexos internos das obrigações, ou faltou ao dever de respeito e
abstenção externos, respectivamente, por evidente falta de imputabilidade. Assim,
afasta-se a mora solvendi, além do caso fortuito e de força maior: [i] por ato ou fato do
credor, que importe a violação dos deveres laterais ou anexos; [ii] por ato ou fato do
terceiro, que viole o dever de abstenção e respeito às obrigações. A conclusão não
encontra óbice no art. 396 do Cód. Civil, e confere função social à mora (CC, art. 421),
sem prejuízo da responsabilidade civil extracontratual, individual ou solidária, do credor
e do terceiro (CC, art. 942, caput, 2ª parte).
118
CO - Proposição 3.24
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 502
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Na comercialização de imóvel na planta, o incorporador responde por todas as despesas
da fase de construção, inclusive de individualização das matrículas. A unidade de uso
privativo só pode ser reputada pronta após os atos registrais da conclusão da obra,
quando se torna possível a abertura de matrículas para as novas unidades.
Se o terreno incorporado ainda não foi totalmente pago, deverá sê-lo com o produto da
venda das futuras unidades, providenciando o incorporador, às suas expensas, a
transmissão de domínio através de escritura pública, devidamente registrada.
Se a construção foi financiada, incumbe ao incorporador providenciar, às suas expensas,
a liberação parcial da hipoteca ou alienação fiduciária, conforme o caso.
Justificativa:
Estas proposições simples evitariam a judicialização existente hoje, como se observa da
jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo - Apelação Cível nº 400939543.2013.8.26.0405, de 20.03.2014 e da Apelação Cível nº 0054948-21.2012.8.26.0405
de 18.12.2014.
Os incorporadores estão transferindo contratualmente para os compradores de imóvel na
planta, várias obrigações inerentes à incorporação, anteriores à conclusão da obra.
Dentre essas despesas destacam-se: as de demolição, averbação da construção,
cancelamento da hipoteca da construtora, registro da instituição de condomínio e até a
de ligação da energia elétrica, que em alguns Estados custa R$ 8.000,00. Entregam as
chaves do imóvel com documentação irregular, sem recolher o INSS sobre a obra e sem
averbar a construção.
Portanto, se o enunciado estabelecer com clareza que o incorporador deve entregar o
imóvel com a matrícula individualizada, todas as despesas anteriores estarão quitadas
por ele porque o Registro de Imóveis assim o exige para averbar a construção.
É forçoso lembrar que os bens imóveis não se transferem pela tradição, mas tão somente
pelo registro na matrícula, a teor do artigo 1.245 do Código Civil.
Por fim, estas proposições contemplam as exigências do artigo 55 da Lei nº 13.097 de
25.01.2015 que implantou no Brasil o Princípio da concentração, e passou a exigir a
apresentação da certidão de propriedade no momento da compra.
119
CO - Proposição 3.25
Parte da legislação: Lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964.
Artigo: Art. 43, inciso II
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Na comercialização de imóveis sob o regime de incorporação imobiliária, é válida a
cláusula contratual que fixa prazo de tolerância de 180 dias para a conclusão da obra.
Justificativa:
É praxe de mercado estipular-se, no âmbito de contratos relativos à aquisição de
imóveis construídos sob o regime de incorporação imobiliária, um prazo de tolerância
de 180 dias em relação ao prazo estimado para a conclusão da obra.
Trata-se de disposição coerente com as inúmeras particularidades inerentes ao
desenvolvimento de um empreendimento imobiliário, o qual está sujeito a eventos
previsíveis e imprevisíveis que impactam a sua duração além do inicialmente esperado.
Embora o tema ainda suscite debates, a jurisprudência tende a reconhecer como válida a
cláusula que fixa prazo razoável de tolerância quanto a eventual atraso na conclusão da
obra, de modo que, somente a partir do escoamento deste período adicional, seja
imputada ao incorporador a obrigação de indenizar o adquirente pelos danos advindos
da persistência no atraso até então tolerado.
120
CO - Proposição 3.26
Parte da legislação: Código Civil e Decreto-lei 911/69
Artigo: Código Civil, artigo 1.368-B, § único, parágrafo único, Decreto-lei 911/69, art.
2º, § 2º.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A notificação realizada através do Cartório de Títulos e Documentos para constituição
em mora do devedor fiduciário de bem móvel gera presunção de conhecimento do
conteúdo do documento registrado.
Justificativa:
Pela redação conferida pela Lei 13.043/2014 ao §2º do artigo 2º, do Decreto-lei 911/69,
a mora do devedor fiduciário de bem móvel decorrerá do simples vencimento do prazo
para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de
recebimento.
Não há óbice à comprovação da mora através de notificação extrajudicial através do
cartório de títulos e documentos.
O Oficial de Registro de Títulos e Documentos é profissional do direito dotado de fé
pública, o que importa na atribuição de autenticidade, segurança jurídica, publicidade e
eficácia aos atos praticados na serventia extrajudicial (Art. 1º, Lei 8.935/94).
Estes atributos garantem aos registros, averbações e notificações realizadas pelo Oficial
do Registro de Títulos e Documentos a presunção relativa de veracidade.
Notificação extrajudicial é ato por meio do qual se pode dar conhecimento oficial e
legal do conteúdo de um documento a terceiros.
Com efeito, quando o apresentante de um título ou documento solicitar a realização de
notificação extrajudicial do registro ou averbação respectivos, esta gozará de presunção
relativa de veracidade do conhecimento do conteúdo do respectivo título ou documento.
Portanto, o ônus da prova inverte-se em desfavor do devedor, cabendo a este, caso
alegue não haver recebido a notificação ou desconhecer seu conteúdo, produzir prova
apta a derrubar a presunção constituída pela fé pública do Oficial.
121
CO - Proposição 3.27
Parte da legislação: Código Civil.
Artigo: Arts. 411 e 412
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A cláusula penal moratória pode ser cumulada com perdas e danos dentro dos termos
previstos no art. 411 do CC. É lícita, entretanto, convenção sobre o caráter
compensatório da cláusula penal moratória, a fim de substituir as perdas e danos
decorrentes da mora.
Justificativa:
Dentre as funções das cláusulas penais, está a liquidação das perdas e danos. Para a
penal compensatória, o papel é claro e decorre do CC 408, que fala em “alternativa”. O
mesmo não ocorre, porém, para a penal moratória. O CC 411 limita-se a declarar a
possiblidade de exigência da obrigação ao lado da penalidade, sendo omisso quanto às
perdas e danos. O CC 416 p.u. ainda piora a questão por não discriminar as penais
compensatória e moratória ao tratar da necessidade de acordo para indenização
suplementar. A confusão causou polêmica. Alguns tiveram a penal moratória também
como substitutiva de perdas e danos (TJSP, Apelação 0145260-85.2012.8.26.0100; R.
Limongi França. Teoria e prática da cláusula penal, 1988, p. 304), enquanto outros a
viram como punitiva, admitindo cumulação com os prejuízos da mora (Caio Mário da
Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. v. II. 1988, p. 106/107; Pontes de Miranda.
Tratado de Direito Privado. t. XXVI, 2012, p. 179). O STJ inclina-se pela segunda
corrente, no que parece correto (AgRg no AREsp 525.614/MG, AgRg no Ag
741.776/MS). A penal moratória é um plus à obrigação principal. (Judith Martins-Costa.
Comentários ao Novo Código Civil. v. V, t. II. p. 457). O silêncio do CC 411 sobre as
perdas e danos não basta para impedir a exigência desses, que vem do CC 389, 395 e
402. Raciocínio inverso implica lógica invertida. O CC 411 não se refere às perdas e
danos por desnecessidade. O CC 416 p.u. deve se restringir ao CC 408 que afasta as
perdas e danos ao falar em “alternativa”. Nada impede, porém, que as partes atribuam
caráter compensatório à penal moratória (Pontes de Miranda, p. 171).
122
CO - Proposição 3.28
Parte da legislação: Código Civil.
Artigo: Arts. 411 e 412
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A limitação ao valor da obrigação principal do art. 412 do CC refere-se à cláusula penal
compensatória. A cláusula penal moratória sujeita-se ao limite de 10% do valor da
obrigação principal previsto no art. 9 da Lei de Usura.
Justificativa:
Normalmente, se diz que o art. 9 da Lei de Usura refere-se ao mútuo, estando o limite
para as cláusulas penais no CC 412. A posição é antiga (RE 93281), mas goza de falso
consenso. Parte da doutrina a ela se opõe, afirmando que a Lei de Usura fala em
“contratos” (Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado. t.
XXVI, 2012, p. 159/161; Judith Martins-Costa. Comentários ao Novo Código Civil. v.
V, t. II. 2004, p. 462/464). No STJ, a questão ainda não parece pacífica. Há precedentes
que aplicam o limite da Lei de Usura às penais moratórias (REsp 229.776/SP) e que o
limitam ao mútuo (REsp 151.458/RS, EDcl no REsp 85.356/SP). A restrição da Lei de
Usura ao mútuo parece curiosa, contudo. Primeiro, a usura relaciona-se a juros, que
existem também em outros contratos (e.g. mandato). Segundo, o próprio limite de juros
da Lei de Usura não vale mais para o mútuo, que é regido pelo CC 591. Terceiro,
aplicável o teto de 10% ao mútuo, ele não bastaria para substituir as perdas e danos no
caso de penal compensatória. Assim, melhor seria relaxar a interpretação do art. 9 da
Lei de Usura para todos os contratos. Desse modo, ele cuidaria da penal moratória, já
que a penal compensatória indeniza perdas e danos e não comportaria limitação de 10%.
A exegese seria ainda corroborada pela análise econômica do direito, que aponta para a
ineficiência de penas punitivas e para os incentivos que ela dá ao credor de dificultar o
adimplemento contratual. (Richard A Posner. Economic Analysis of Law. 2011, p.
159/163) Como plus às perdas e danos, elas já vão além da reparação integral, sendo
interessante o teto de 10%.
123
CO - Proposição 3.29
Parte da legislação: Decreto-Lei nº 745/1969
Artigo: Art.1
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Nos contratos de compromisso de venda e compra de imóveis não loteados, a mora
referida no art. 1º, do Decreto-Lei nº 745/69, com a nova alteração trazida pela Lei
13.097/2015, caracteriza-se pelo encaminhamento da interpelação por via judicial ou
por intermédio de cartório de Registro de Títulos e Documentos, desde que dirigido ao
endereço declarado pelo adquirente no contrato, não sendo necessário o seu efetivo
recebimento. Nesses casos, não purgada a mora no prazo de 15 (quinze) dias e havendo
cláusula resolutiva expressa, a resolução não precisa ser declarada pela via judicial,
ocorrendo de forma automática.
Justificativa:
Embora o art. 474, do Código Civil, permita a resolução dos contratos de pleno direito
(quando prevista clausula resolutiva expressa nesse sentido), a jurisprudência do
Tribunal de Justiça de São Paulo possui firme entendimento de que, nos contratos de
promessa de compra e venda, a resolução dos contratos requer (i) constituição da mora,
por intermédio de encaminhamento de notificação para esse fim; (ii) declaração judicial
da resolução do contrato. Ocorre que a prática forense demonstra que os vendedores têm
enormes dificuldades em localizar os compradores para que seja encaminhada a
notificação. Além disso, o longo trâmite da ação judicial com o fito de resolver o
contrato traz prejuízos enormes às partes, a considerar que o imóvel fica indisponível
para comercialização, além de o vendedor ter de remunerar, ao final da ação, pelo
período em que ocupou o bem. Nesses termos, a jurisprudência paulista, com intuito de
facilitar a resolução desses contratos, passou a entender que a constituição em mora do
comprador dá-se pelo simples encaminhamento da notificação no endereço declarado no
contrato, sendo desnecessário o efetivo recebimento. Nessa mesma toada, de forma a
facilitar a extinção do contrato, a recém-promulgada Lei 13.097/2015 trouxe nova
redação ao Decreto-Lei nº 745/69, determinando a possibilidade de resolução
automática do contrato, quando ultrapassados quinze dias sem a purgação da mora.
Todavia, embora a Lei 13.097/2015 seja clara, alterando a sistemática da jurisprudência
antes consolidada, parte da doutrina insiste no fundamento de que, mesmo diante de
referida Lei, a ação judicial torna-se necessária para a declaração da resolução.
124
CO - Proposição 3.30
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 533, inciso II
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A troca ou permuta envolvendo valores desiguais entre ascendentes e descendentes não
é anulável na hipótese de o referido negócio jurídico beneficiar o ascendente.
Justificativa:
A essência desse dispositivo é evitar que haja uma diminuição patrimonial que venha a
prejudicar a legítima. Ora, se na hipótese, a troca ou permuta for realizada mediante
valores desiguais, sendo que o bem repassado ao ascendente for de maior valor do que o
bem repassado ao descendente, não haverá qualquer prejuízo à legítima, muito ao
contrário, esta aumentará de valor, beneficiando os herdeiros.
Neste sentido: TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; BODIN DE
MORAES, Maria Celina, in Código Civil Interpretado, conforme a Constituição da
República, vol. II, Renovar, 2006, p. 203, verbis: “Deve-se, contudo, atentar para que se
interprete a expressão “valores desiguais” em conformidade com a “ratio” do art. 496 do
CC, que é a de que atos tendentes a refletir uma diminuição patrimonial que prejudique
a legítima devam ser coibidos.”
125
CO - Proposição 3.31
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 538
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Nas escrituras de doação com cláusulas restritivas de inalienabilidade,
impenhorabilidade e incomunicabilidade que tenham por objeto bens que integrem a
legítima dos herdeiros necessários, é indispensável a apresentação de justa causa, nos
mesmos moldes preconizados no caput do artigo 1,848 do Código Civil.
Justificativa:
Reza o artigo 1846 do Código Civil que “pertence aos herdeiros necessários, de pleno
direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima”, levando a que a bom
tempo a lei exija do testador a apresentação de justa causa (art. 1848, caput, CC) para a
chamada deserdação bona mente. A justificativa deve ser feita de modo expresso e
circunstancial no ato de liberalidade, indicando porque a cláusula se mostra
indispensável, uma vez que sua função primaz é a de tutelar o beneficiário contra
alienações que o privem do objeto da liberalidade, pondo em risco, às vezes, a própria
subsistência ou outro aspecto importante de sua dignidade como a moradia.
Exemplificamos com a situação de um filho dependente químico que, por diversas
vezes, fora internado em clínica de recuperação sem êxito.
Equivocadamente, a lei silencia essa exigência com relação à doação. Para essa lacuna
há que se buscar refúgio na analogia e não na concepção de que normas que restringem
direitos devem ser interpretadas restritivamente. A lei não cuida de restrição, mas sim
de ponderação entre a garantia da propriedade e a proteção da dignidade humana.
Vejamos. Se um pai com dois descendentes sucessíveis entenda por bem gravar a
legítima de um dos filhos com cláusula restritiva por meio de testamento deverá
apresentar justa causa. Entrementes, se fizer uma doação nas mesmas condições, não
haverá necessidade da apresentação da justa causa. Não há lógica nesse raciocínio.
Além do que o entendimento em contrário favorece a fraude à lei, pois pela via
transversa da doação, exclui-se a incidência de norma cogente.
126
CO - Proposição 3.32
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 541, parágrafo único.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Na doação manual, o valor assumido pelo bem doado é aquele constante do momento
em que ocorreu a liberalidade, e, incorrendo a posterior valorização do bem doado,
permanece incólume a doação, se no momento da liberalidade o bem era tido
objetivamente como de pequeno valor monetário.
Justificativa:
Na doação manual, constante no artigo 541, parágrafo único do CC/02, permanece
válida e eficaz a doação mesmo se, após a tradição, o bem doado valoriza-se.
Exemplificando, se determinado jovem jogador de futebol, após estrear
profissionalmente nos gramados, doa para um determinado familiar, a camisa de seu
debute, vindo posteriormente esse jogador a se tornar uma grande estrela e ídolo do
esporte, aquela camisa, obviamente, terá valorizado monetariamente ante a cobiça de
aficionados pelo jogador. Todavia, a doação realizada permanece incólume, pois ao
tempo em que ocorreu a doação o bem objeto da doação era tido objetivamente como de
pequeno valor. Em outras palavras, o momento apto para se verificar a caracterização
do pequeno valor é a do momento exato em que ocorreu a liberalidade, entendimento
que decorre da boa-fé objetiva. Eventual discussão sobre a validade da doação manual
bem móvel potencialmente valorizável, depende da casuística para verificação da má-fé
dos contratantes. Assim, a posterior valorização do bem doado nas doações manuais não
descaracteriza o negócio jurídico, como regra.
127
CO - Proposição 3.33
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 562
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A mora do donatário caracteriza-se independentemente de interpelação quando
circunstâncias objetivas evidenciem o descumprimento voluntário do encargo.
Justificativa:
O respeito à boa-fé objetiva, à estabilidade das relações e à função social da propriedade
atraem, na situação, o instituto da supressio.
O prazo para revogação da doação – inexistindo termo pré-estipulado para cumprimento
do encargo – não pode restar ao alvedrio do doador. Exacerbada tal possibilidade, o
disponente, ainda que os fatos exteriorizem o descumprimento do encargo, poderia,
mesmo após o transcurso de longa extensão de tempo, interpelar ao donatário para só
então, segundo seu arbítrio, iniciar-se o prazo para o exercício do pleito revocatório.
A orientação proposta já foi objeto de consideração na Apelação Cível nº
20070110243703, julgada pela 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal, cujo acórdão, resultante da relatoria do Des. Dr. Ângelo Canducci Passareli, foi
publicado na página 182 do DJE de 18/12/2013.
Do mesmo modo, a orientação já estava firmada nos ensinamentos de Washington de
Barros Monteiro, citado em acórdão oriundo do Tribunal de Justiça de Santa Catarina
(RT, 204;252). O enunciado proposto, porém, afasta-se da expressão “manifesta
intenção”, adotada pelo autor citado, por entender que o descumprimento, ainda que
voluntário, pode não decorrer de intenção deliberada neste sentido. Também Maria
Helena Diniz, às fls. 251 e 252 da 23ª Edição revista e atualizada do volume 3 de seu
Curso de Direito Civil Brasileiro (São Paulo: Saraiva, 2007.) alinha-se à interpretação
proposta.
128
CO - Proposição 3.34
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 581
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O art. 581 do Código Civil garante ao comodante o direito de retomar o imóvel, mesmo
antes de findo o prazo ou o uso outorgado, inclusive no caso dele estar emprestado para
habitação do comodatário, desde que o comodante tenha necessidade imprevista,
urgente e devidamente justificável perante o Juiz, não se podendo exigir a desocupação
do bem quando a finalidade for para fins residenciais, antes de 30 (trinta) dias da
comunicação da denúncia contratual, por analogia ao disposto no art. 46, § 2º, da Lei nº
8.245/91.
Justificativa:
O direito à moradia é um dos mais relevantes direitos sociais, tendo sido expressamente
consagrado pelo Texto Constitucional, face à nova redação do seu art. 6º, fornecida pela
Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000.
Mesmo antes do status constitucional do direito à moradia, tal proteção encontrava-se
assegurada como corolário ao princípio da dignidade da pessoa humana(art. 1º, III,
CF/88).
O art. 581, do CC/2002, ao garantir o direito do comodante retomar o bem por
necessidade imprevista e urgente, não prevê qualquer prazo para a sua devolução.
No caso de imóvel, se o comodatário o usa para os fins de habitação, um prazo mínimo
de desocupação deve ser concedido, considerando as diversas implicações que uma
retomada abrupta pode ocasionar. Inexistindo prazo legal expressamente fixado para
esta finalidade, deve-se usar o primeiro critério de integração ao direito previsto na Lei
de Introdução ao Código Civil, no caso a analogia(art. 4º, I, da LINDB).
A Lei nº 8.245/91 garante ao locatário em seu art. 46, § 2º, nos casos de locação por
tempo indeterminado, o direito de, apenas, devolver o bem após 30(trinta) dias da
denúncia contratual.
A denúncia contratual, por sua vez, somente pode ser oponível ao comodatário, a partir
de sua ciência. Embora os regimes contratuais sejam diversos(locação e comodato), a
finalidade do prazo de desocupação visa proteger os mesmos direitos do morador ou
habitante, seja qual for o regime jurídico aplicável.
129
CO - Proposição 3.35
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 582
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Na hipótese de mora do comodatário, na restituição do bem, o aluguel pode ser
arbitrado em valor superior ao de mercado, competindo ao Poder Judiciário controlar
eventual abuso em sua fixação.
Justificativa:
No termo convencionado (ou após a notificação, na hipótese de ser celebrado por prazo
indeterminado), o comodatário deve restituir o bem. Nesse sentido, dispõe o art. 582, na
sua parte final, que o “o comodatário constituído em mora, além de por ela responder,
pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante”. A norma
não indica quais critérios devem guiar o intérprete no arbitramento do aluguel.
Consideramos que não é justo ou correto à luz do direito, oferecer idêntico tratamento
ao comodatário inadimplemento e ao locatário comum. Desta forma, o aluguel fixado ao
comodatário inadimplente pode ser superior ao valor de mercado. Eventual abuso na
fixação unilateral poderá ser discutido judicialmente. A justificativa é coerente com a
jurisprudência do STJ. Nesse sentido: “O arbitramento, embora não deva respeito à
média do mercado locativo, deve ser feito com razoabilidade, respeitando o princípio da
boa-fé objetiva, para evitar a ocorrência de abuso de direito e do enriquecimento sem
causa do comodante. 3. Razoável o arbitramento do aluguel pelo comodante em valor
inferior ao dobro da média do mercado locativo”. REsp 1175848/PR, 3. T., Rel. Min.
Paulo de Tarso Sanseverino, j. 18/09/2012. DJe: 26/09/2012. No mesmo sentido, AgRg
no AREsp 281.064/DF, 4. T., Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 16/05/2013. DJe
31/05/2013.
130
CO - Proposição 3.36
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, arts. 389, 395 e 404
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Pelo princípio da integral reparação do dano, cabível a condenação da parte
inadimplente ao reembolso daquilo que se pagou a título de honorários advocatícios
contratuais, que não se confundem com os sucumbenciais. Se excessivo o valor
pretendido, é permitida a sua revisão pelo juiz.
Justificativa:
Pelo princípio da reparação integral do dano a parte considerada inadimplente deve
reembolsar aquilo que foi pago a título de honorários advocatícios contratuais. Essa
verba deriva do disposto nos artigos 389, 395 e 404, todos do Código Civil, e reclama
demonstração do efetivo desembolso, já que se trata de dano emergente, cujo montante,
se excessivo, desafia modulação pelo Juiz (artigo 421, CC). A matéria não está
pacificada perante o Superior Tribunal de Justiça, conferindo-se: considerando devida a
verba: AgRg no Recurso Especial n. 1.312.613-MG, Relator Ministro Paulo de Tarso
Sanseverino: “A previsão contratual de honorários advocatícios em caso de
inadimplemento da obrigação decorre diretamente do art. 389 do CC, não guardando
qualquer relação com os honorários de sucumbência; considerando indevida a verba:
“...a mera contratação de advogado para defesa judicial de interesses da parte não
enseja, por si só, dano material passível de indenização, porque inerente ao exercício
regular dos direitos constitucionais de contraditório, ampla defesa e acesso à
Justiça”(Recurso Especial n. 1.507.864-RS, Relator Ministro Moura Ribeiro).
131
CO - Proposição 3.37
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 591
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Na interpretação dos contratos de cartão de cartão de crédito, ainda que contratados com
instituições reconhecidamente não financeiras, não se aplica o disposto no art. 591 do
Código Civil, mas o juiz poderá utilizar-se do disposto nos arts. 187 do mesmo Código
para reduzir as taxas de juros à média do mercado, conforme aquelas fixadas para as
operações bancárias.
Justificativa:
É comum que supermercados e redes de lojas, não reconhecidos como instituições
financeiras, para implementação de suas vendas, ofertam e contratam com os
consumidores operações de mútuo próprias, do tipo cartão de crédito parcelado e
vinculadas à compra e venda de suas mercadorias, com previsão de cobrança de juros
compensatórios acima do disposto no art.591 do CC ou na Lei de Usura – Decreto
22.626/33. Como essa modalidade de contratação tem por finalidade implementar a
compra e venda de mercadorias, cujos custos da cadeia aquisitiva já se encontram
impactados pelas taxas de juros das operações bancárias, tal como a contratação de
mútuo perante um agente financeiro para subsidiar a própria operação, desvalorização
da moeda e etc., não se justifica dar tratamento diferenciado ao das taxas praticadas pelo
mercado financeiro, unicamente pelo fato de consistirem suas operações em vendas
diretas aos consumidores. Demais disto, os usos e costumes da população, fontes
originárias do direito, tem nesse tipo de contratação uma aceitação preliminar, que
reclama a aplicação do princípio da boa-fé objetiva, consoante o disposto no art.113 do
CC, porque o consumidor conhece previamente as taxas cobradas, sendo razoável
interpretar o contrato de forma a equilibrá-lo, preservando-se a real intenção das partes,
com a aplicação do art.187 do CC para reduzir as taxas de juros reconhecidamente
abusivas ao patamar médio daquelas praticadas pelo mercado, sem afronta ao disposto
no art.591 do CC, equiparando-os aos denominados intermediários financeiros,
consoante o §único do art.17 da lei 4.595/64.
132
CO - Proposição 3.38
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 603
Enunciado proposto (resumo da proposição):
As partes contratantes podem estabelecer indenização diversa daquela prevista pelo
artigo 603 do Código Civil como repercussão da denúncia unilateral, imotivada e
exercida antes do termo final de um contrato de prestação de serviços firmado por prazo
determinado.
Justificativa:
O artigo 603 do Código Civil versa sobre as repercussões da denúncia unilateral do
contrato de prestação de serviços firmado por prazo determinado que vem a ser
encerrado imotivadamente pelo tomador de serviços antes do seu termo final. Uma das
repercussões é a exigibilidade da remuneração vencida e a outra é a fixação de perdas e
danos pelo descumprimento do prazo contratual, a qual será equivalente à metade do
que seria devido ao prestador caso o contrato fosse cumprido até o seu termo final
original. O enunciado propõe a interpretação de que tal parâmetro indenizatório não é
cogente, mas, sim, disponível às partes contratantes que poderão, portanto, estabelecer
uma prefixação de danos em patamares distintos, ou mesmo prever que serão
indenizados somente os danos efetivamente sofridos, a serem comprovados pelas vias
ordinárias.
133
CO - Proposição 3.39
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, arts. 658 e 667
Enunciado proposto (resumo da proposição):
No mandato oneroso, em que o mandatário exerce por ofício ou profissão lucrativa e
recebe remuneração para tal, é presumida sua culpa pelos prejuízos causados ao
mandante por ato próprio ou daquele para quem substabelecer, sem autorização, os
poderes que devia exercer pessoalmente.
Justificativa:
O dever de diligência está presente em vários contratos no Código Civil (mandato,
comissão, corretagem, agência e distribuição). Assim, o mandatário deve agir na
execução de suas incumbências como se estivesse gerindo seu próprio negócio. No caso
do mandato oneroso não se pode adotar a mesma regra (culpa clássica) para a
responsabilização do mandatário. Em razão da remuneração devida ao mandatário
quando exerce o mandato por ofício ou profissão lucrativa não deve ser ônus do
mandante, que paga pelos serviços do primeiro e dele espera o fiel cumprimento, provar
a culpa do primeiro pelos prejuízos causados por ato próprio ou daquele a quem
substabelecer desautorizado pelo segundo. Os deveres de boa fé objetiva e probidade na
execução do contrato devem estar relacionados à vantagem pecuniária auferida pelo
mandatário, inclusive que decorre de seu ofício ou profissão e, em regra, é estipulada
unilateralmente por ele. A conduta ímproba do mandatário que viola o art. 667 do CC
(substabelecendo sem autorização ou faltando com a diligência que se lhe espera) é
ainda mais grave, porque ele recebeu a remuneração prevista em lei ou no contrato,
conforme os usos ou fixada por arbitramento. O descumprimento do dever de diligência
somada à vantagem pecuniária recebida como contraprestação pela fiel execução do
mandato deve ser considerado para que se presuma a culpa pelos prejuízos advindos ao
mandante. Permanece, contudo, necessidade da verificação da culpa para a configuração
da obrigação de indenizar, porém caberá ao mandatário provar o contrário ou outra
causa de exclusão de responsabilidade.
134
CO - Proposição 3.40
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 663
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O Código Civil admite o mandato com ou sem representação.
Justificativa:
A representação voluntária e o mandato muitas vezes se complementam, por serem
institutos voltados à facilitação dos negócios. Atualmente, parte de prestigiosa doutrina
critica o Código Civil por não prever sobre o mandato sem representação. Aduzem que
“a orientação adotada pelo codificador brasileiro de 2002 foi de legislar sobre um
contrato de mandato representativo” (TEPEDINO. Revista Forense, v. 386, p. 126;
SCHREIBER. A representação no novo Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo
(coord.). A Parte Geral do novo Código Civil: estudos na perspectiva civilconstitucional, 2003, p. 229-253; OLIVEIRA, Eduardo A. de. Comentários ao novo
Código Civil, 2008, p. 375). No entanto, entende-se que o Código Civil prevê,
expressamente, mandato com ou sem representação, no art. 663, do Código Civil:
“sempre que o mandatário estipular negócios expressamente em nome do mandante,
será este o único responsável; ficará, porém, o mandatário pessoalmente obrigado, se
agir no seu próprio nome, ainda que o negócio seja de conta do mandante”. Na
primeira parte, mandato com representação; na segunda, sem representação.
O mandato com representação é mais usual, mas o que define o contrato não é a
representação, mas sim agir por conta do mandante. A diferença é agir em nome do
mandante ou em nome próprio, com aplicação de regras distintas para cada caso,
separando-se efeitos concretos das relações realizadas, mas sempre como contrato de
mandato: a outorga do poder de representação não tipifica o mandato, apenas colore o
modelo contratual (PAIS DE VASCONCELOS. Contratos Atípicos, 1995, p. 37 s.).
135
CO - Proposição 3.41
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, arts. 724 e 725
Enunciado proposto (resumo da proposição):
É abusiva cláusula que transfere ao adquirente o ônus do pagamento de comissão de
corretagem em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta,
considerando a relação contratual entre a construtora e o corretor, que inviabiliza a
liberdade de escolha pelo consumidor.
Justificativa:
É certo que nas aquisições de imóveis na planta, a empresas construtoras necessitam da
intermediação de corretores de imóveis, posto que é primordial a existência destes
profissionais para o sucesso do empreendimento. Diferentemente da venda de um único
bem, em que é possível a negociação direta entre o proprietário e o adquirente, o mesmo
não ocorre com essa simplicidade nas vendas e compras de imóveis em massa. Nestas
contratações, a intermediação de corretores de imóveis assume elevada e primordial
importância. Ou seja, quem precisa da intermediação (construtora) é quem contrata os
corretores para fazer essa intermediação. Logo, normalmente o sujeito pessoa física ou
jurídica que adquire o imóvel para si, sem finalidade de repassar a outrem, não
necessitam desse serviço. Em suma, a comissão decorrente do contrato de corretagem
constitui obrigação de quem incumbe a realização da corretagem. Se a construtora
vendedora necessita dos serviços corretor por ser imperiosa a concretização da sua
atividade fim é dele a obrigatoriedade de pagamento, sendo nula a estipulação contratual
que contrarie essa obrigação. Assim, a corretagem incumbe a realização da corretagem,
ou seja; ao vendedor (Araken de Assis. Contratos inominados, 2ª Ed. RT, 2009, p. 285 e
Ac. n. 868203, 2014111090356ACL, Rel. João Luis Fischer Dias, 2ª Turma Recursal
dos Juizados Especiais do DF, 05/05/2015, p. DJE 22/05/2015, p. 279) (Resp.
1288450/AM. Rel. Min. João Otávio de Noronha. 3ª T. J. 24/02/2015, DJE 27/02/2015).
(Rizzardo, Arnaldo. Contratos. 11ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 792).
136
CO - Proposição 3.42
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, arts. 724 e 725
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A vendedora é a responsável pelo pagamento da comissão de corretagem quando o
comprador dirige-se diretamente ao stand de vendas para a aquisição do imóvel.
Justificativa:
As construtoras contratam corretores para a intermediação da venda de seus imóveis,
mesmo quando os compradores dirigem-se diretamente aos stands onde, por
localizarem nos canteiros de obras ou em locais próximos, imaginam estar negociando
com os próprios representantes dos vendedores.
E mesmo que as negociações, na prática, sejam feitas por meio de corretores escolhidos
pelas construtoras, não há qualquer possibilidade de interferência na forma de indicação
daqueles que irão intermediar a venda porque se trata de inconteste ação para
comercialização de imóveis.
Como se nota, os corretores não são contratados pelos promitentes compradores, mas
pelos vendedores para os quais, como verdadeiros representantes destes, de fato,
prestam assistência de forma a viabilizar e a concluir o negócio.
Nesse diapasão, os vendedores devem ser os responsáveis pelo pagamento da comissão
de corretagem insculpida no art. 725 do Código Civil.
137
CO - Proposição 3.43
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 740 § 2º, segunda parte
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Em se tratando de contrato de adesão, é ônus da transportadora provar a não ocorrência
da hipótese do art. 740 § 2º, segunda parte, do Código Civil.
Justificativa:
Considerando que o ‘overbooking’ é prática comum nos aeroportos brasileiros e o
passageiro, mesmo quando deixa de embarcar, por vontade íntima, pode obter o
ressarcimento da passagem na hipótese do art. 740 § 2º, segunda parte.
O dispositivo legal diz textualmente que “salvo se provado que outra pessoa foi
transportada em seu lugar”, poderá o passageiro obter o ressarcimento do valor da
passagem.
Considerando a inviabilidade concreta do passageiro provar tal fato, sem a contribuição
da empresa transportadora, e a proteção legal que o consumidor possui em nosso
sistema positivo, fica evidente que a inversão do ônus da prova representa medida
adequada e justa para conferir efetividade ao dispositivo legal invocado.
138
CO - Proposição 3.44
Parte da legislação: Código Civil e Decreto n. 19.473/30
Artigo: Código Civil, arts. 495, 744 e 754; Decreto n. 19.473/30, art. 8º
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Não poderá o vendedor sobrestar a entrega da coisa em trânsito (stoppage in transitu),
condicionando sua entrega ao pagamento de caução pelo comprador insolvente/falido,
caso tenha sido contratado transporte de carga com emissão de conhecimento e endosso
ao terceiro de boa fé, que fará jus ao recebimento da carga na condição de proprietário.
Justificativa:
Conforme o art. 495 do CC, o vendedor não está obrigado a entregar a coisa e poderá
obstar sua entrega, se o comprador cair em insolvência (ou falir). É regra do right of
stoppage in transitu, oriunda dos usos marítimos, positivada no Brasil nas vendas a
prazo (art. 198 do CCo, art. 1.131 do CC 1916). Caso a coisa em trânsito fosse entregue
ao comprador, o vendedor não poderia reivindicá-la (art. 1.267, caput, do CC), ficando
sujeito às regras do concurso de credores; somente a caução prestada pelo comprador
liberaria sua entrega pelo transportador. O rigor do art. 495 é temperado pela proteção
ao terceiro adquirente, que embora não tome parte no contrato de compra e venda, não
poderá ser afetado pela insolvência do comprador. Tal ocorre porque o transportador, ao
receber a carga, deverá emitir o conhecimento, qualquer que seja a modalidade de
transporte contratada, nos termos do art. 744 do CC. Com a emissão do conhecimento a
mercadoria em trânsito passa a estar representada nele e, caso seja negociado
(endossado), o endossatário passará a exercer direito autônomo e literal, desvinculado
da compra e venda e das relações anteriores. Em que pese o direito do vendedor ao
recebimento do preço, as obrigações do contrato de compra e venda são inoponíveis ao
terceiro de boa fé e mediante a transferência do conhecimento. Tal qual a legislação
especial (art. 8º do Dec. n. 19.473/30), o art. 754 do CC dispõe que as mercadorias
devem ser “a quem apresentar o conhecimento endossado”, sinalizando o direito do
endossatário ao recebimento, mesmo tendo o comprador caído em insolvência, como se
subentende em razão da inexistência de vinculação ou ressalva ao art. 495 do CC.
139
CO - Proposição 3.45
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 397, parágrafo único
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Tendo em vista a eficácia ex tunc da declaração de nulidade de cláusula contratual, a
constituição da mora do devedor segue a regra de mora ex personae no caso de
obrigação decorrente de invalidade de cláusula contratual, de maneira que a mora não se
configurará com o trânsito em julgado da sentença de invalidação, e sim da interpelação
judicial ou extrajudicial pela qual o credor exige a prestação.
Justificativa:
A declaração de nulidade de cláusula contratual produz eficácia ex tunc (art. 182 do
Código Civil), razão por que quem se escora nessa cláusula e nega cobrança fundada na
sua nulidade após ser interpelado deve assumir os riscos e ser tido por incurso em mora
desde essa interpelação. Nesse sentido, o STJ, por exemplo, entende que a operadora de
plano de saúde que, com base em cláusula contratual posteriormente declarada nula,
nega cobertura médico-hospitalar ao consumidor é tida por incursa em mora desde a
data da interpelação (geralmente, a citação, uma modalidade de interpelação judicial)
relativamente à sua obrigação de indenizar os danos materiais e morais, o que autoriza a
cobrança dos encargos moratórios, especialmente os juros de mora. A referida Corte
aplica, portanto, a regra do art. 397, parágrafo único, do Código Civil a esse caso, que
representa hipótese de responsabilidade civil contratual. Confira-se este julgado: STJ,
REsp 1177371/RJ.
Como há quem defenda que a incidência dos juros de mora somente ocorre após o
trânsito em julgado da sentença que declara a nulidade de cláusula contratual, sob o
argumento de que, até esse momento, a conduta se baseava em um contrato firmado por
ambas as partes, convém a edição de enunciado rejeitando esse entendimento que, na
prática, encoraja grandes empresas a inserirem cláusulas abusivas em seus contratos e a
negarem-se a reconhecer o direito do consumidor com olhos em, durante o longo
período do processo judicial, fazer, impunemente, do valor devido ao consumidor um
rentável “capital de giro”.
140
CO - Proposição 3.46
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, arts. 757 e 768
Enunciado proposto (resumo da proposição):
É lícita a cláusula excludente do risco de embriaguez no seguro de automóvel, aplicada
tal exclusão ao condutor do veículo, segurado ou não, que se encontre em estado de
embriaguez no momento da ocorrência do sinistro.
Justificativa:
Ao determinar que o segurador se obrigue apenas a garantir riscos predeterminados, o
artigo 757 deixa claro que o segurador pode delimitar previamente os riscos cobertos
pelo contrato, delimitação esta que pode ser nas formas objetiva (em relação às
circunstâncias do risco), subjetiva (em relação às pessoas), temporal (em relação ao
período de cobertura) e espacial (em relação ao território). E é com base no critério da
delimitação do risco que a seguradora estabelece o valor do prêmio a ser pago pelo
segurado, parte integrante da mutualidade. Sendo o risco da condução do veículo por
pessoa em estado de embriaguez consideravelmente mais gravoso, é perfeitamente lícito
ao segurador excluir objetivamente esta modalidade de risco, deixando de enquadrá-lo
no cálculo do prêmio. Ressalte-se que o art. 306 do CTB com a redação dada pela Lei nº
12.760, de 2012, tipifica como crime a condução de veículo sobre influência de álcool.
Assim, cobrir o risco da condução do veículo por qualquer pessoa em estado de
embriaguez seria um desserviço à política de combate à violência no trânsito, bem como
estimularia as pessoas a continuarem a cometer uma modalidade de crime que, segundo
o entendimento do STJ, é considerado como de perigo abstrato, que dispensa a
demonstração da efetiva potencialidade lesiva da conduta, bastando o simples fato de o
condutor se colocar ao volante em estado de embriaguez.
141
CO - Proposição 3.47
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, arts. 757 e 768
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Segundo a interpretação sistemática dos artigos 421, 422 e 768, do Código Civil, no
contrato de seguro, em que é aplicável o Código de Defesa do Consumidor, a direção de
veículo segurado sob a influência de álcool, desde que devidamente comprovada, exclui
a condição de vulnerabilidade de seu condutor, em razão do que fica caracterizada
hipótese de agravamento de risco, seja ele causador ou não do acidente, pelo que, em
consequência, se perde o direito à garantia ou ela é reduzida, conforme as circunstâncias
do caso, o que não prejudica, contudo, havendo culpa do segurado, terceiro vitimado
pelo sinistro.
Justificativa:
O contrato de seguro pode se compreendido como de consumo ou interempresarial.
Propõe o presente Enunciado para as situações firmadas entre consumidor e seguradora.
Conforme ensina António Menezes Cordeiro, “seguro apresenta-se como uma relação
obrigacional complexa” (Direito dos seguros, p. 526), assim, concorrem com as
prestações fundamentais outras condutas entre as partes. O Poder Legislativo alterou o
Código Brasileiro de Trânsito, por meio da Lei 12.760/2012, no artigo 306, tornando
mais intensa as consequências e penalidades em detrimento do condutor de veículo que
tem sua condição alterada em virtude da influência do álcool. A gravidade de conduzir
veículo após a ingestão de bebida alcoólica envolve questões de segurança no intuito de
se reduzir acidentes de trânsito. No STJ, posiciona-se favorável quando se discute
responsabilidade civil caracterizando como perigosa se o condutor está embriagado. No
mesmo STJ, se a discussão envolve contrato de seguro, o Tribunal afasta a condição de
embriaguez e mantém a cobertura, favorável ao segurado conforme o julgado: “A
embriaguez do segurado, por si só, não pode ser considerada causa de agravamento de
risco, a exonerar, em qualquer hipótese, a seguradora, em caso de acidente de trânsito.
Precedentes. Seguro de veículo. acidente automobilístico. embriaguez do condutor.
Empréstimo do veículo. Agravamento do risco não configurado. Indenização devida.
Correção monetária. Juros de mora”.(RESP nº 1.071.144 - SP (2008/0149795-2. Rel.
Maria Isabel Gallotti).
142
CO - Proposição 3.48
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, arts. 757 e 790 c/c 6º, 22, 28 e 37
Enunciado proposto (resumo da proposição):
No seguro de vida, a simples declaração de ausência do segurado não importa na
caracterização do risco objeto do contrato, exigindo-se, para o recebimento da
indenização securitária, o reconhecimento da morte presumida, com a abertura da
sucessão definitiva após o decurso do decênio do trânsito em julgado da sentença
declaratória da ausência, sem prejuízo das hipóteses do art. 7º do Código Civil.
Justificativa:
Na dicção do art. 22 do Código Civil, a declaração de ausência tem lugar quando uma
pessoa desaparece do seu domicílio sem que dela se tenha notícia e sem deixar
representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, determinando o juiz,
na mesma sentença, a arrecadação os bens do ausente.
Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele deixou representante
ou procurador, em se passando três anos, proceder-se-á, a requerimento de qualquer
interessado, a abertura da sucessão provisória (art. 26 do CC), cuja sentença só
produzirá efeito cento e oitenta dias depois de publicada pela imprensa; mas, logo que
passe em julgado, proceder-se-á à abertura do testamento, se houver, e ao inventário e
partilha dos bens, como se o ausente fosse falecido (art. 28 do CC).
A sucessão definitiva, no entanto, ocorrerá somente dez anos depois de passada em
julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória (art. 37 do CC),
quando se presume a morte do ausente, nos exatos termos do art. 6º do CC.
Nesse contexto, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 7º do Código Civil, só se
cogita da caracterização do sinistro ou do risco contratualmente coberto pelo seguro
sobre a vida de outrem (morte do segurado) após a decretação da sucessão definitiva do
ausente, quando é lícito presumir a sua morte (art. 6º do CC), e, portanto, é exigível a
indenização securitária (arts. 757 e 790 do CC).
Confira-se, nesse sentido, precedente do STJ oriundo do REsp 1298963/SP, rel.
Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, publicado no DJe de 25/02/2014.
143
CO - Proposição 3.49
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 763
Enunciado proposto (resumo da proposição):
No seguro garantia, estando o tomador em atraso com o pagamento do prêmio, o
segurado perderá o direito a indenização se não purgada a mora até a ocorrência do
sinistro, desde que previamente notificado.
Justificativa:
O “seguro garantia” teve grande desenvolvimento no mercado de grandes riscos,
principalmente quanto à garantia para execução de obras de infraestrutura, tanto para
segurados públicos como privados. Essa realidade trouxe alguns questionamentos de
ordem prática, como os relacionados à correta qualificação dessa espécie de garantia
como contrato de seguro típico. Principalmente em relação segurados públicos,
contratantes de obras de grande porte, com empreiteiras de reconhecida capacidade,
tornam essa discussão atual e relevante.
Alguns defendem que a indenização dessa modalidade de seguro, em ocorrendo o
sinistro objeto da garantia, seria exigível pelo segurado mesmo em caso de
inadimplemento do prêmio por parte do tomador do seguro.
Como contrato típico, o seguro garantia deve observar princípios e regras da legislação
positiva, em especial a do art. 763 do CC, quando estiverem em análise os efeitos da
mora do tomador, que é quem contrata o seguro em benefício do segurado.
Trata-se de contrato oneroso por definição, sendo o prêmio um dos seus elementos
essenciais. Ressalva-se como única exceção o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça constante da súmula 257, segundo a qual no seguro de responsabilidade civil
obrigatório, cujo legítimo interesse, diferentemente do seguro garantia, repousa no
terceiro e não no segurado, admite-se o pagamento da indenização, em caso de sinistro,
sem o respectivo pagamento do prêmio.
144
CO - Proposição 3.50
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 765
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Contraria a boa-fé objetiva a negativa de cobertura por parte da seguradora, apoiada em
cláusula abusiva de limitação de risco, que esvazia a finalidade do contrato.
Justificativa:
Não há que se confundir cláusulas meramente limitativas de risco com cláusulas que
visam, deliberadamente, afastar a responsabilidade da seguradora pelo próprio objeto
nuclear da contratação, as quais são inequivocamente abusivas.
Cláusulas limitativas prestam-se a afastar riscos adicionais relacionados com o objeto da
contratação, de modo a responder pelos riscos somente na extensão contratada. No
entanto, se as mesmas acabam por desnaturar a própria finalidade do contrato de seguro,
assumindo a função de excludente da própria essência do risco assumido, contrariam o
melhor direito, mormente, por chancelar recusa injusta de cobertura securitária.
145
CO - Proposição 3.51
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, arts. 765 e 766
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O segurado que, no preenchimento de declaração pessoal de saúde, omite ser portador
de doença ou lesão preexistente por ele conhecida, que vier a ser causa do evento
danoso, perde direito à garantia do seguro, independentemente de exigência de exame
médico prévio pela seguradora.
Justificativa:
A leitura de ementas de alguns julgados do STJ que não exprimem com fidelidade o
conteúdo dos acórdãos tem levado juízes e tribunais a decidir que, diante de doença
preexistente omitida e conhecida pelo proponente, o pagamento do capital segurado é
devido, a despeito da quebra da boa-fé que rege o seguro, sob a equivocada premissa,
baseada nas ementas dos acórdãos do STJ, de que a realização do exame seja condição
para a negativa em qualquer hipótese. Entretanto, o conteúdo dessas mesmas decisões
apenas indica solicitação do exame em caso de indícios da preexistência da doença e de
má-fé do proponente, ou quando este declara padecer de alguma moléstia. Decisões
subsequentes ao REsp 86095/SP-96 mostraram o verdadeiro entendimento da Corte,
pelo seu conteúdo e não pelas ementas (v. AgIn 702216/RS; REsp 576088/ES; REsp
402457/RO, voto Aldir Passarinho - In sep. RT, a. 99-Out/10-V.900, p. 32/44; AgRg no
REsp 1362993/MG). É importante salientar que o STF quando julgava essas questões
decidiu: "as seguradoras se obrigam a se fiar nas informações do segurado, com
base nas quais dimensionam a sua responsabilidade e taxam o prêmio devido, por
isso a lei as protege das declarações inexatas." (STF. 2ª Turma. Ver. Forense 82/635).
A substituição do sistema legal de declarações do segurado pelo dos exames médicos
(invasivos, constrangedores e dispendiosos a ponto de onerar substancialmente o custo
do seguro), importaria em inversão da presunção de boa-fé de que devem gozar as
declarações do segurado, caracterizando indevida derrogação dos arts. 765 e 766 do CC.
146
CO - Proposição 3.52
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, arts. 765 e 766
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Não se justifica a negativa de cobertura diante de condutas, omissões ou declarações
ambíguas que não guardem relação com o sinistro.
Justificativa:
Por certo, em contrato de seguro, é dever das partes guardar a estrita boa-fé na sua
execução e informar todas as circunstâncias que possam influir na aceitação da
proposta, sob pena de perda do direito à garantia, consoante o disposto nos artigos 765 e
766 do Código Civil.
No entanto, declarações inexatas ou ambíguas, até mesmo omissões, não justificam a
negativa de cobertura securitária se não guardarem relação com a causa do sinistro, haja
vista que não acarretariam concretamente o agravamento do risco. Destaca-se que há
caso em que informações inverídicas que influenciaram na ocorrência do sinistro foram
desconsideradas frente ao adimplemento do que foi contratado por longo período de
tempo (vide REsp: 1080973).
A seu turno, mostra-se desarrazoado, não obstante a necessidade de veracidade das
declarações nesses contratos, chancelar a negativa de pagamento de indenização quando
verificadas informações irrelevantes em desacordo com a realidade dos fatos, as quais
não concorreram para a ocorrência do dano. Tal entendimento já foi esposado em
diversas decisões do E. Superior Tribunal de Justiça, a exemplo, REsp: 1175577, no
qual se entendeu que para a seguradora se desincumbir da obrigação securitária, deveria
restar demonstrado que a conduta do segurado foi causa determinante do sinistro, além
de se evidenciar dolo ou culpa grave por parte do mesmo.
147
CO - Proposição 3.53
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 784
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O vício de construção, por constituir espécie de vício intrínseco de que trata o art. 784,
do Código Civil, não se inclui nas garantias do seguro habitacional, salvo se declarado
pelo segurado ou por quem o represente.
Justificativa:
Em virtude da multiplicidade de casos a tratar da matéria, cuja repercussão geral tem
importância reconhecida pelos tribunais superiores, a questão acerca da natureza do
vício de construção a envolver os imóveis adquiridos pelos mútuos habitacionais do
SFH, e garantidos pelo seguro habitacional do SFH, mostra-se atual e relevante.
Nas Condições Gerais da extinta apólice do SFH, previstas na Circular SUSEP Nº 111,
de 3 de dezembro de 1999 (item 3.2 – Cláusula 3ª - Riscos Cobertos – Condições
Particulares para os Riscos de Danos Físicos), de forma inequívoca, a cobertura do
Seguro do SFH resta adstrita aos danos físicos ocorridos no imóvel por causa de
natureza externa. Por óbvio, o contrato de Seguro Habitacional reproduz, em seu
clausulado, o princípio geral insculpido pelo art. 784 do Código Civil, segundo o qual,
salvo se declarado pelo segurado e aceito pelo segurador, o vício inerente ao interesse
segurado, ou de natureza intrínseca, não está garantido pelo contrato de seguro, cuja
cobertura alcança somente eventos de natureza externa, súbita e de causa acidental.
148
CO - Proposição 3.54
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 787, § 2º
Enunciado proposto (resumo da proposição):
No seguro de responsabilidade civil eventual transação judicial entre o segurado e a
vítima (terceiro prejudicado), mesmo sem o conhecimento da seguradora, não implica a
perda do direito ao recebimento da indenização pelo segurado exceto se restar
comprovado o prejuízo do segurador.
Justificativa:
O princípio da boa-fé norteia o seguro, obrigando as partes a atuarem com a máxima
honestidade na interpretação dos termos do contrato e na determinação do significado
dos compromissos assumidos. Assim, o segurado se obriga a descrever com clareza e
precisão a natureza do risco que deseja cobrir e ser verdadeiro em todas as declarações
posteriores, relativas a possíveis alterações do risco ou à ocorrência do sinistro. O
segurador, por seu lado, é obrigado a dar informações exatas sobre o contrato e a redigir
o seu conteúdo de forma clara para que o segurado possa compreender os compromissos
assumidos por ambas as partes. É o respeito à ética negocial (art. 765/CC).
No seguro de responsabilidade civil, o art. 787, § 2º, do Código Civil, veda ao segurado
reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro
prejudicado, ou mesmo indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa da seguradora.
Entretanto, a jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, acertadamente
vem mitigando tal regra se, no caso concreto, restar demonstrado que o segurado agiu
de boa-fé, ou seja, pautou a sua conduta em estrita observância aos dever lateral de
probidade e que o acordo celebrado não resultou em prejuízo para a seguradora. Nesse
sentido: TJSP, APC 1184204007, 34ª CDPr, rel. Des. EMANUEL OLIVEIRA, j.
02/02/2009 e STJ, REsp 1.133.459/RS, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,
3ª T., j. 21/08/2014, DJe: 03/09/2014.
149
CO - Proposição 3.55
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 798
Enunciado proposto (resumo da proposição):
É licita a cláusula do contrato de seguro de pessoa que estabeleça que a cada aumento
substancial de capital deva ser observado novo prazo de carência.
Justificativa:
Assim não fosse, haveria margem para burla ao objetivo da norma, permitindo que o
segurado mal intencionado, para driblar a carência, realizaria um contrato com valor
simbólico para, só depois de vencida essa carência, realizar um aumento substancial do
capital, ou seja, enquanto aguardasse o transcurso da carência inicialmente estabelecida,
desembolsaria um prêmio mínimo, sabedor de que nesse período o capital segurado,
maior que a reserva técnica que houvesse, com certeza não seria pago, certeza essa
agora consubstanciada pela decisão tomada pela Segunda Seção do STJ, em sede de
uniformização de jurisprudência, no julgamento do Recurso Especial nº 1334005/GO,
que por sete votos a um, decidiu que a seguradora não tem obrigação de indenizar
suicídio cometido dentro do prazo de carência de dois anos da assinatura do contrato de
seguro de vida, solidificando entendimento no sentido de que o artigo 798 do Código
Civil apresenta um critério temporal objetivo, não dando margens a interpretações
subjetivas quanto à premeditação ou à boa-fé do segurado. Posto assim, ocorrendo o
suicídio depois de vencida a primeira carência, o beneficiário fará jus ao capital sem o
aumento, se este aumento ainda estiver na carência.
150
CO - Proposição 3.56
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, arts. 828, II e 838, II
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O fiador dito solidário ou principal pagador não se subordina ao regime jurídico da
solidariedade típica (direito de reembolso – art. 283 do CC), mas tem como
consequência do seu adimplemento a sub-rogação nos direitos e preferências do credor.
Justificativa:
Uma corrente da jurisprudência (com destaque aqui para julgados do STJ) equipara a
figura do fiador solidário ou “garante solidário” ao “devedor solidário”, isto é, entende
que o fiador que se posiciona como “garante solidário” ou “principal pagador” é um
codevedor solidário na relação jurídica obrigacional principal. Dentro dessa construção,
poderia ser visualizada uma assunção cumulativa de dívida, no caso do fiador solidário
que adimple a dívida do devedor afiançado.
Mas pode-se identificar uma segunda corrente, baseada no pensamento de PONTES DE
MIRANDA: a posição do referido autor a respeito do fiador "garante solidário" tende para
considerá-lo como um fiador sem os benefícios de ordem e de excussão (o que,
ademais, é dito expressamente no art. 828, II do CC). Uma "solidariedade atípica" (em
que há a possibilidade de o credor exigir a dívida integralmente, e desde o primeiro
momento, do devedor principal ou do fiador, mas em que permanecem coexistindo, e
em interdependência, a relação principal e a de fiança). Não haveria, aí, uma assunção
cumulativa de dívida. Nessa solidariedade atípica, só o que há de semelhante ao regime
jurídico da solidariedade é a possibilidade de cobrança direta do fiador... mas as demais
regras sobre solidariedade não incidiriam, inclusive na questão das consequências do
adimplemento pelo devedor (fiador que adimple: sub-rogação; devedor solidário que
adimple: crédito em relação à quota do codevedor, a chamada pretensão ao reembolso
ou pretensão de regresso). A favor da segunda corrente (aqui defendida), tem-se que o
art. 838, II do CC se refere à subrogação mesmo em se tratando de devedor solidário.
151
CO - Proposição 3.57
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 835 c/c arts. 395 e 421
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O art. 835 do Código Civil atribui ao fiador de um contrato o direito potestativo de
exonerar-se extrajudicialmente da responsabilidade decorrente da garantia desde que a
fiança tenha sido prestada por tempo indeterminado. Todavia, o direito à exoneração
deverá ser interpretado e exercido de acordo com os parâmetros estabelecidos pela
“função social do contrato”, com vistas a proteger a causa do contrato de fiança, que
vem a ser a de assegurar o adimplemento exato e fiel do contrato garantido. Dessa
forma, a mora ou inadimplemento do afiançado representará fato impeditivo ao
exercício do direito de exoneração da fiança, mesmo que a garantia esteja a viger por
tempo indeterminado.
Justificativa:
A notificação exoneratória do Art. 835 do Código Civil é espécie do gênero “causas de
extinção do contrato supervenientes à sua formação”; é, na verdade, uma resilição
(rectius, denúncia) do vínculo sob a forma de um direito potestativo.
E este direito potestativo à exoneração existe para proteger o fiador que assegurou o
adimplemento de um afiançado não-inadimplente, isto é, aquele cujos deveres
contratuais têm sido cumpridos, pois as obrigações assumidas, desde que legítimas,
devem ser fielmente executadas. Assim, se pelo contrato de fiança o fiador garante que
o devedor principal adimplirá a sua obrigação, o não-cumprimento (mora) da obrigação
principal tem o efeito de atingi-lo e também torná-lo inadimplente perante o credor
principal se tiver subscrito a fiança na condição de principal pagador ou responsável
solidário, pois o fiador, ao prometer fato de terceiro (o adimplemento), torna-se
responsável por dívida alheia.
Dessa forma, não teria sentido permitir a exoneração do fiador tão logo o devedor
principal – a pessoa em quem depositou confiança, isto é, a pessoa que o fiador confiou
que iria adimplir -, deixasse de cumprir o contrato sobrejacente à garantia. Ao admitirse tal exegese estar-se-ia transformando a fiança em garantia de papel, como bem restou
decidido pelo Supremo Tribunal Federal ao ter julgado o RE 407.688 (j. em
08/02/2006), que foi relatado pelo Exmo. Sr. Min. Cezar Peluso.
152
CO - Proposição 3.58
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 849
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A transação, que possui natureza jurídica de contrato, pode ser anulada por qualquer das
causas que levam a anulação dos negócios jurídicos em geral.
Justificativa:
A transação, no atual Código Civil, foi colocada no Título referente às “várias
modalidades de contratos”, ao contrario de sua alocação do código anterior, na parte
relativa aos “meios extintivos de obrigações”, com efeitos meramente declaratórios.
A transação, até por exigir consenso entre duas ou mais partes, possui natureza
contratual e, a alocação do instituto na capítulo relativo as “várias espécies de contrato”
reforça o propósito do legislador em reconhecer a sua natureza contratual.
Dessa forma, a restrição contida hoje no artigo 849, que constitui uma imprópria
repetição do código anterior, não mais se aplica ao instituto. Enquanto contrato, a
“transação” pode vir a ser anulada por qualquer das causas que levam a anulação dos
negócios jurídicos em geral, não ficando limitada às hipóteses previstas no caput do
artigo 849, do Código Civil.”
Neste sentido: PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira, atualizado por Regis Fichtner, in
Instituições de Direito Civil, Vol. III, 11ª edição, Forense, 2003, p. 513, verbis: O art.
849 do Código de 2002 repete uma impropriedade vinda do Código de 1916, ao declarar
que a transação “só” se anula por defeito do consentimento (art. 849). É inexato, pois é
atacável, como todo contrato, por qualquer das causas que levam à anulação dos
negócios jurídicos em geral. Sofre, ainda, de ineficacia, se a situação fátia tomada como
seu suporte material não corresponder à realidade ou anular-se”.
153
CO - Proposição 3.59
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 413
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Comprovado prejuízo decorrente diretamente do inadimplemento que seja igual ou
superior ao valor da cláusula penal, esta não se revela excessivamente onerosa, mesmo
em caso de cumprimento parcial da obrigação principal; não devendo, nesses casos, o
magistrado reduzir o valor da cominação, sob pena de penalizar o contratante lesado.
Justificativa:
É certo que, ao lidar com palavras com interpretação aberta como “equitativamente”, e,
ainda, trechos como “manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a
finalidade do negócio”, o juiz, ao tentar aplicar ao caso concreto, pode se equivocar,
ignorando em alguns casos até os autos processuais e tirando de sua própria psique a
solução para que seja “respeitada” a igualdade na relação entre as partes. Acontece que,
agindo desta forma, acaba prejudicando uma das partes na relação, ferindo a própria
equidade.
A interpretação das normas deve respeito aos autos processuais, e, não sendo suficiente,
aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de forma objetiva e criteriosa.
Estes princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito, implícitos no devido
processo legal (art. 5º, LV- Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal) e na segurança jurídica (art. 5º, XXXVI - A lei não prejudicará o
direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada), dentre outros princípios
constitucionais, evitam a utilização de razões puramente pessoais que subvertem os
procedimentos institucionais utilizados, que deveriam ser empíricos.
Desta forma, para a aplicação em situações onde há grande margem de interpretação,
não se pode fugir da realidade. São necessários instrumentos limitadores dos excessos
do Estado e seus representantes, respeitando-se a macrojustiça. Não se pode fazer algo
que derive de justa medida sem critérios para isso. Desta forma, fecha-se a interpretação
da norma de forma favorável a todos.
154
CO - Proposição 3.60
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 475
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O reconhecimento do adimplemento substancial impede o exercício do direito de
resolução por parte do credor. Para a sua caracterização, deve-se levar em conta
aspectos quantitativos e qualitativos, a serem extraídos dos valores do ordenamento e da
cláusula geral da boa-fé objetiva.
Justificativa:
A jurisprudência brasileira, com apoio na doutrina (Enunciado 361 da IV JDC – CFJ),
já absorveu a teoria do adimplemento substancial, que se fundamenta no ordenamento
brasileiro na cláusula geral da boa-fé objetiva e não pode dela se desprender. A fim de
auxiliar o intérprete na difícil tarefa de identificar, nos casos concretos, a presença do
adimplemento substancial, propõe-se aqui que não se deve observar somente “a
quantidade de prestação cumprida”, mas saber se a parte adimplida da obrigação, ainda
que incompleta ou imperfeita, mostrou-se capaz de satisfazer essencialmente o interesse
do credor, ao ponto de deixar incólume o sinalagma contratual. Para isso, o intérprete
deve levar em conta na ponderação não apenas dados quantitativos da prestação, mas
igualmente o aspecto qualitativo, fazendo-se o cotejo entre os interesses relevantes que
repousam e influenciam a relação jurídica concreta, com base nos valores do
ordenamento e na cláusula geral da boa-fé objetiva, bem como levando-se em conta as
consequências que a resolução ou a conservação do contrato trariam para as partes. Em
razão disso, é necessária uma abordagem qualitativa na aferição do adimplemento
substancial, ao lado do aspecto quantitativo, a denotar que o reconhecimento do
cumprimento da essencialidade da prestação, que impede o poder resolutório do credor,
não depende apenas de critérios puramente matemáticos ou do interesse exclusivo do
credor, mas da composição dos interesses das partes no caso concreto, levando-se em
consideração a conduta das partes, as consequências da eventual resolução e outros
valores, sobretudo constitucionais, que possam influenciar a decisão do magistrado.
155
CO - Proposição 3.61
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 233
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A patrimonialidade é requisito da relação obrigacional.
Justificativa:
Nesta proposição, entende-se que, do conceito de obrigação, quanto à prestação, é
indispensável o requisito da patrimonialidade, já que é justamente ela que diferencia a
obrigação dos deveres jurídicos lato sensu. Para merecer a conceituação de obrigação, o
dever, quando não cumprido, deve ser suscetível de se transformar num valor econômico,
já que é este o elemento distintivo da obrigação com os deveres que não são propriamente
jurídicos – como os deveres morais e religiosos – e com os deveres jurídicos de outra
natureza – como o dever do falido auxiliar o administrador judicial com zelo e presteza,
no exemplo citado por Washington de Barros Monteiro (MONTEIRO, Washington de
Barros. Curso de direito civil, vol. 5, 37ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 23).
Assim, mesmo no caso em que não se fixar um valor, a lei o admite como implícito,
convertendo em equivalente pecuniário a obrigação a que o devedor culposamente falta
(PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, vol. II, 22ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2009, pp. 21-23). Logo, o interesse não precisa ser econômico, bastando
o objeto da prestação ter conteúdo patrimonial, devendo ser suscetível de valoração o que
se presta (GOMES, Orlando. Obrigações. Revista, atualizada e aumentada, de acordo
com o Código Civil de 2002, por Edvaldo Brito. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004,
pp. 24).
156
CO - Proposição 3.62
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 422.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Sem prejuízo das sanções por práticas antitruste, são leoninas, restritivas e abusivas as
cláusulas de retrocessão, que obrigam o cessionário a transmitir ao cedente as melhorias
e aperfeiçoamentos técnicos obtidos pelo emprego do conhecimento, objeto do negócio,
nos contratos de transferência de tecnologia.
Justificativa:
Reconhece-se o caráter acessório, necessário e proporcional no âmbito de um contrato
de transferência de tecnologia de uma cláusula que disciplina o conhecimento adquirido
pela experiência vivida na aplicação das novas técnicas, mas transferir a titularidade em
branco dessas novas melhorias é forma abusiva de contratação e deve ser considerada
não escrita.
157
CO - Proposição 3.63
Parte da legislação: Código Civil e Lei 9297/96
Artigo: Código Civil, art. 422, e Lei de Propriedade Intelectual (nº 9297/96).
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Ocorrerá a supressio, e, portanto, a cessação da obrigação respectiva, se, nos contratos
de cessão de marca, ao longo do prazo de vigência do negócio, as cláusulas abertas que
permitem a interpretação em favor do cedente estiverem fora dos limites do registro
marcário e nem redundem em concorrência desleal.
Justificativa:
Vista como modalidade de abuso de direito e dentro de uma perspectiva objetivista da
boa-fé, a supressio não deve permitir que o não exercício de um determinado lapso de
tempo autorize de modo absoluto uma interpretação em favor do cedente nos contratos
de cessão de marcas.
158
CO - Proposição 3.64
Parte da legislação: Código Civil e Lei 8.245/91
Artigo: Código Civil, art, 473, § único, e Lei 8.245/91
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O disposto no parágrafo único do art. 473 do Código Civil aplica-se aos contratos
regidos por lei especial. Nessa linha, se a locação não residencial de imóvel urbano
prorrogar-se por tempo indeterminado (art. 56, § único, da Lei nº 8.245/91) e o locatário
realizar investimentos consideráveis sem que o locador, ciente da situação, alerte-o
sobre a intenção de retomada, a denúncia vazia só produzirá efeitos – com o início do
prazo de desocupação – depois de decorrido o tempo compatível com a natureza e o
vulto dos investimentos.
Justificativa:
O art. 473, caput, do Código Civil e o art. 57 da Lei nº 8.245/91 regulam a resilição
unilateral; o primeiro nos contratos em geral, e o segundo no contrato de locação não
residencial de imóvel urbano. O mesmo art. 57 estabelece ainda o prazo para a
desocupação do imóvel pelo inquilino, enquanto o § único do art. 473 da lei civil
impede a produção dos efeitos da denúncia, modulando, por consequência, a eficácia da
extinção da relação locatícia e o início da fluência do prazo de desocupação do imóvel.
A ratio legis é proporcionar à parte prejudicada pela resilição unilateral a obtenção do
objetivo previsto no contrato, conforme a sua natureza e os investimentos realizados.
Essa norma tem forte inspiração na boa-fé objetiva, vedando o comportamento
contraditório. Os investimentos do inquilino podem ser concretizados por vários meios:
realização de construções e benfeitorias no imóvel; aquisição de equipamentos, estoque
ou matéria-prima; obtenção de financiamentos; investimentos em treinamento, marcas e
patentes, dentre outros. Nesta esteira, sem uma notificação eficaz, e, por conseguinte,
sem o início e a fluência do prazo de desocupação aludido no art. 57 da Lei nº 8.245/91,
o locador que, ciente dos investimentos, deixou de informar ao inquilino a sua intenção
de retomada, não poderá pedir o despejo liminar, por faltar um dos requisitos do art. 59,
§1º, VIII. Jurisprudência de suporte: (1) TJSP. 25ª. Câmara de Direito Privado. AI nº
0109528-86.2011.8.26.0000. Rel. Des. Sebastião Flávio. J. 21/09/2011, unânime; (2)
TJSP, 12ª Câmara de Direito Privado, AI nº 7.148.853-4, Rel. Des. Rui Cascaldi, J.
13/06/2007, unânime.
159
CO - Proposição 3.65
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Código Civil, art. 421.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Na elaboração do contrato deve ser observada a toda a legislação vigente, tanto a geral
quanto a específica, em observância ao Princípio da Compatibilidade Vertical.
Nos contratos imobiliários, além da legislação geral e específica, devem ser observados
também os princípios do Direito Registral, de modo a assegurar o acesso do título
translativo ao Registro de Imóveis para efetivar a transmissão na forma prevista pelo art.
1.245 do Código Civil.
Nos contratos de previdência complementar deve ser observada a previsão
constitucional para aquela categoria profissional quanto ao tempo de contribuição e
limite de idade. Deve-se observar ainda a previsão do Regulamento de Pessoal da
empresa para aquela categoria específica, a fim de aportar os recursos adequadamente.
Justificativa:
Em regra, o contrato deve estar embasado na legislação vigente ao tempo de sua
celebração. Os contratos imobiliários, tanto os de aquisição quanto os de locação devem
estar amparados na legislação geral (Código Civil) e na específica (Lei de Incorporação,
de Parcelamento de solo, do Inquilinato, etc.) a fim de estabelecer cláusulas válidas.
Na formação dos contratos imobiliários devem ser observados também os Princípios do
Direito Registral, como por exemplo, o Princípio da Continuidade Registral, que exige o
encadeamento dos atos de registro como os elos de uma corrente. Por força desse
princípio, o alienante (vendedor/cedente/doador) deve obrigatoriamente figurar na
matrícula do imóvel como titular de domínio. Se não estiver registrada a transmissão
anterior, será obrigatório registrá-la primeiro.
Os contratos de previdência complementar, em razão de seu caráter de
complementaridade de um direito fundamental de segunda geração, devem ser
norteados pela previsão constitucional (imprescritibilidade quanto ao fundo de direito e
prescrição progressiva – AgRg no REsp 1317807/RS). Além disso, é imperioso
verificar a que categoria o trabalhador pertence, sobretudo nas estatais porque no
período de transição entre o regime estatutário e o celetista surgiram várias categorias,
com direitos diferentes; com verbas diferentes, para as quais são necessários aportes.
Também é imperioso observar o teor dos estatutos e regulamentos para aplicação ou não
do limite de idade e do redutor etário, observando-se rigorosamente a regra do direito
intertemporal (EDcl no REsp 1125913/RS).
160
161
COMISSÃO DIREITO DAS COISAS
RESPONSÁVEL: GUSTAVO JOSÉ MENDES TEPEDINO
DC - Proposição 4.1
Parte da legislação: Lei nº 5.709/1971
Artigo: Arts. 1º e 15
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A constituição de direito real de garantia, inclusive propriedade fiduciária, sobre imóvel
rural em favor de pessoa jurídica estrangeira ou brasileira equiparada a estrangeira
independe de autorização, que, entretanto, será exigível como requisito para a
adjudicação, consolidação ou outro meio de aquisição da propriedade pelo credor em
processo de execução da dívida garantida, nos termos da Lei nº 5.709/1971 (CPC/2015,
arts. 876 e 879, e Lei nº 9.514/1997, § 7º do art. 26).
Justificativa:
A aquisição de imóveis rurais por estrangeiros depende de autorização do INCRA ou do
CSN (Lei nº 5.709/1971), não havendo restrição à constituição de garantia real.
Não obstante, alguns notários e oficiais de Registro de Imóveis fazem objeção à constituição de garantia
fiduciária, apesar de o contrato de alienação fiduciária não operar transmissão de propriedade, tanto que
sobre ele não incide ICMS nem ITBI (LC 87/1996, art. 3º, VII, e CF, art. 156, I); além disso, a
propriedade fiduciária não se equipara, “para quaisquer efeitos, à propriedade plena de que trata o art.
1.231” (CC, art. 1.367).
Os contratos de garantia, entre eles o de alienação fiduciária, não são alcançados pela
restrição da Lei nº 5.709/1971 por se tratar de regra de exceção, sendo certo que, como
ensina Carlos Maximiliano, “a exceção [vedação de aquisição de imóvel rural por
estrangeiro] confirma a regra nos casos não excetuados [permissão de constituição de
direito real de garantia em favor de estrangeiro]” (Hermenêutica e aplicação do direito.
20. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 20. ed., 2011, nºs 272 e 286).
O credor fiduciário, como qualquer outro credor com garantia real, poderá vir a adquirir
o bem objeto da garantia em procedimento de execução, mas essa eventualidade não
constitui obstáculo à contratação e ao registro da garantia, pois a autorização só se
tornará exigível se ocorrer a execução, ocasião em que o credor fiduciário estrangeiro
ou a ele equiparado deverá apresentar a autorização do INCRA, dispensada do
cumprimento desse requisito a instituição financeira estrangeira por força do § 4º ao art.
2º da Lei nº 6.634/1979, com a redação dada pela Lei nº 13.097/2015.
162
DC - Proposição 4.2
Parte da legislação: Lei 9.514/1997
Artigo: Arts. 26, 27, 30 e 37-A
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A ação de reintegração de posse nos contratos de alienação fiduciária em garantia de
coisa imóvel pode ser proposta a partir da consolidação da propriedade do imóvel em
poder do credor fiduciário e não apenas após os leilões extrajudiciais previstos no art.
27 da Lei 9.514/1997.
Justificativa:
A interpretação sistemática da Lei 9.514/1997 permite concluir que com a consolidação
da propriedade em nome do credor fiduciário, extingue-se toda e qualquer
intermediação possessória e a relação jurídica que originou o escalonamento da posse
em direta e indireta, conforme entendimento exposto por Moreira Alves (Da alienação
fiduciária em garantia. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 201).
Dessa forma, a consolidação da propriedade gera o término do desdobramento da posse
e o credor fiduciário, proprietário e antigo possuidor indireto da coisa, passa a condição
de possuidor pleno do imóvel, desaparecendo a propriedade fiduciária resolúvel. A
permanência do devedor fiduciante no imóvel, inadimplente com suas obrigações e após
devidamente constituído em mora caracteriza ato de esbulho e enseja a propositura de
ação de reintegração de posse para a retomada do bem pelo credor.
Não haveria, assim, necessidade para que a ação de reintegração de posse ocorresse
apenas após a realização dos leilões, como à primeira vista pareceria supor da leitura da
Lei 9.517/1997.
Esse é o entendimento de autores como Sebastião José Roque (Da alienação fiduciária
em garantia, p. 191), Marcelo Terra (Alienação fiduciária de imóvel em garantia, p. 51),
Afrânio Carlos Camargo Dantzger (Alienação fiduciária de bens imóveis. 2. ed., p. 76),
Renan Miguel Saad (A alienação fiduciária sobre bens imóveis, p. 256) e do Superior
Tribunal de Justiça (RESP 1.155.716/DF), em acórdão relatoriado pela Ministra Nancy
Andrighi.
163
DC - Proposição 4.3
Parte da legislação: Código Civil Brasileiro de 2002.
Artigo: 421, 422 e 1.418 do CC/02.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O entendimento exposto na Súmula 308 do STJ deve ser aplicado também à hipótese de
alienação fiduciária firmada entre a construtora e o agente financeiro.
Justificativa:
Em que pese o direito de sequela inerente à garantia real hipotecária, o e. STJ, em
diversos precedentes, afastou esse direito constituído por construtoras em favor de
instituições financeiras nas quais o bem dado em garantia era um imóvel objeto de
contrato de promessa de compra e venda. O entendimento ensejou a edição da Súmula
n.º 308 do e. STJ. Ocorre que, posteriormente à consolidação dessa jurisprudência, as
construtoras começaram a firmar pacto de alienação fiduciária, transferindo a
propriedade resolúvel do imóvel ao credor fiduciário. Apesar de na alienação fiduciária
haver transferência de propriedade, o que não ocorre na garantia hipotecária, o
entendimento sumular merece ter sua interpretação estendida, abarcando o pacto de
alienação fiduciária firmado entre a construtora e a instituição financeira, considerandoo também ineficaz perante o adquirente do bem, o qual faz jus à outorga da escritura
para que possa exercer todas as faculdades inerentes ao domínio, entendimento que
confere máxima efetividade à boa-fé objetiva contratual e à função social dos contratos,
conforme artigos 421 e 422 do CC/02. Não bastasse isso, o artigo 1.418 do CC/02
permite ao promitente comprador, titular de direito real, exigir a outorga da escritura
definitiva de compra e venda não só do promitente vendedor, mas também de terceiros,
a quem os direitos forem cedidos, o que corrobora a necessidade de proteção do
adquirente do imóvel.
164
DC - Proposição 4.4
Parte da legislação: Código Civil, art. 474, e Decreto-Lei nº 745/1969, art. 1º e
parágrafo único
Artigo: 474, e Decreto-Lei nº 745/1969, art. 1º e parágrafo único
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O inadimplemento da obrigação do promitente comprador de imóvel não loteado,
caracterizado pela não purgação da mora no prazo da interpelação de que trata o DL
745/1969, pode ser certificado por Tabelião que promover o protesto do correspondente
documento de dívida (Lei 9.492/1997).
Justificativa:
O art. 62 da Lei nº 13.097/2015 deu nova redação ao art. 1º do Decreto-lei nº 745/1969
e a ele acrescentou um parágrafo, dispondo que, nos contratos de promessa de compra e
venda com cláusula resolutiva expressa, a não purgação da mora no prazo da
interpelação caracteriza o inadimplemento absoluto da obrigação do promitente
comprador e opera de pleno direito a resolução do contrato.
A lei é omissa quanto à prova da não purgação da mora. Trata-se de grave lacuna, que
pode comprometer a segurança jurídica do procedimento, em prejuízo do promitente
comprador.
A questão é relevante, pois a hipótese é de extinção do contrato por inadimplemento
caracterizado pela não purgação da mora, cuja certificação, por constituir documento
decisivo, deve ser atribuída a agente dotado de imparcialidade e fé pública, a exemplo
dos procedimentos de resolução da promessa de venda de imóveis loteados (Lei nº
6.766/1979, art. 32) e de consolidação da propriedade na execução do crédito fiduciário
(Lei nº 9.514/1997, § 7º do art. 26), nos quais a notificação e a certificação da não
purgação da mora são legalmente atribuídas ao oficial do Registro de Imóveis.
A omissão do Decreto-lei nº 745/1969 pode ser suprida pelo protesto do documento de
dívida (Lei nº 9.492/1997), promovido por delegatário igualmente dotado de fé pública
e imparcialidade, ao qual incumbe efetivar a notificação do promitente comprador,
receber a quantia devida e emitir a certidão da não purgação da mora, que instruirá o
requerimento a ser dirigido ao oficial do Registro de Imóveis para cancelamento do
registro do contrato.
165
DC - Proposição 4.5
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 519
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O art. 519 do Código Civil derroga o art. 35 do Decreto-Lei nº 3.365/1941 naquilo que
ele diz respeito a cenários de tredestinação ilícita. Assim, ações de retrocessão baseadas
em alegações de tredestinação ilícita não precisam, quando julgadas depois da
incorporação do bem desapropriado ao patrimônio da entidade expropriante, resolver-se
em perdas e danos.
Justificativa:
O art. 1.150 do Código Civil de 1916 estipulava que, caso o bem expropriado não
recebesse a finalidade pela qual a desapropriação havia sido feita, ele seria oferecido ao
proprietário original. Em 1941, o Decreto-Lei nº 3.365 impôs limites aos direitos do exproprietário, afirmando que pedidos de retrocessão seriam necessariamente resolvidos
em perdas e danos se apreciados depois da incorporação do bem desapropriado ao
patrimônio da entidade expropriante. O Código Civil de 2002, lei posterior, regulou a
mesma matéria de maneira diferente e incompatível com a anterior em seu art. 519. O
art. 519 do CC/2002 derroga, em parte, o art. 35 do DL nº 3.365/1941, afastando sua
incidência nos casos em que houver tredestinação ilícita: o direito que ele prevê não é
limitado ou condicionado de qualquer maneira pela "incorporação" do bem expropriado
à Fazenda Pública. A regulação do direito de preempção em relação a bens públicos foi,
inclusive, expressamente referida na Exposição de Motivos do CC/2002 como um
"ponto fundamental" de seu livro sobre Direito das Obrigações ("22. Nesse contexto,
bastará, por conseguinte, lembrar alguns outros pontos fundamentais, a saber: (...) y)
Inclusão, entre os casos de preempção ou preferência, de norma aplicável quando o
Poder Público não der à coisa expropriada o destino para que se desapropriou, ou não
for utilizada em obras ou serviços públicos.").
166
DC - Proposição 4.6
Parte da legislação: Posse - Código Civil
Artigo: 1196
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício ou a possibilidade de
exercício de ingerência sócio-econômica sobre a coisa, de forma plena ou desdobrada,
independentemente de ter a propriedade ou outro direito real ou pessoal, inclusive
podendo tê-la adquirido indevidamente, caso que responderá por tal fato quando assim a
lei definir.
Justificativa:
A definição de possuidor do artigo 1196 do Código Civil, que repete o artigo 486 do CC
de 1916, não da a correta dimensão da definição de possuidor, mormente por vincular a
posse a propriedade, coisa que sabemos nem sempre existir, ademais a principal
evolução do conceito é desvincular o fenômeno possessório da propriedade que muitas
vezes se confrontam como no caso do Usucapião. observe-se a justificação do PL
6960/2002 que propunha a alteração do referido dispositivo, em que pese manter a
equivocada inerência entre a Posse (fato) e a propriedade ou outro direito real suscetível
de posse, "trazia considerável evolução em sintonia com a CF, no que concerne às
teorias sociológicas da função social da propriedade. Vale registrar, que foram as teorias
sociológicas da posse, a partir do início do século XX, na Itália com SILVIO PEROZZI,
na França com RAYMOND SALEILLES e, na Espanha, com ANTONIO
HERNANDEZ GIL, que relativizaram bastante as célebres teorias objetiva e subjetiva
de JHERING e SAVIGNY, como também tornaram-se responsáveis pelo novo conceito
desses importantes institutos no mundo contemporâneo". “Art. 1.196. Considera-se
possuidor todo aquele que tem poder fático de ingerência sócio-econômica,
absoluto ou relativo, direto ou indireto, sobre determinado bem da vida, que se
manifesta através do exercício ou possibilidade de exercício inerente à
propriedade ou outro direito real suscetível de posse.” (NR) grifo nosso! aqui
deveria ser dito independentemente de ter a propriedade ou outro direito real ou pessoal.
167
DC - Proposição 4.7
Parte da legislação: Posse e Propriedade
Artigo: 1.196 CC; Artigos 56 e 57 da Lei 11.977/2009
Enunciado proposto (resumo da proposição):
É indispensável o procedimento de demarcação urbanística para regularização fundiária
social de áreas ainda não matriculadas no Cartório de Registro de Imóveis, como
requisito à emissão dos títulos de legitimação da posse e de domínio.
Justificativa:
A Lei 11.977/2009 estabelece como instrumento da regularização fundiária de interesse
social o auto de demarcação urbanística, que é ato administrativo destinado ao
levantamento da situação da área e caracterização da ocupação.
O auto de demarcação deverá ser instruído com planta e memorial descritivo da área a
ser regularizada, nos quais constem suas medidas perimetrais, área total, confrontantes,
coordenadas preferencialmente georreferenciadas dos vértices definidores de seus
limites, planta de sobreposição do imóvel demarcado com a situação da área constante
do registro de imóveis e certidão da matrícula ou transcrição da área a ser regularizada.
A redação do artigo 56 da Lei 11.977/2009 confere a possibilidade de lavratura do auto
demarcação pelo Poder Público, uma vez que se área já estiver suficientemente
delimitada e descrita na matrícula do imóvel a ser regularizado, inexiste fundamento
que justifique este procedimento.
Por outro lado, na hipótese em que a área objeto da futura regularização ainda não esteja
devidamente matriculada, será indispensável a lavratura do auto de demarcação
urbanístico para que sejam apuradas as medidas perimetrais, área total, limites e
coordenadas do imóvel.
Tal necessidade se impõe diante do postulado axiológico da especialidade objetiva, que
exige a perfeita identificação dos imóveis em suas respectivas matrículas. Ademais, se
faz importante para determinar os eventuais interessados na impugnação da área que
será regularizada, consoante o disposto no §1º do art. 57 da Lei 11.977/2009.
168
DC - Proposição 4.8
Parte da legislação: Código Civil de 2002
Artigo: 1208
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O prazo de usucapião corre no exercício da posse injusta, iniciando logo após cessar a
resistência aos atos de violência, clandestinidade ou precariedade. Completados os
requisitos e o prazo da usucapião considera-se justa a posse.
Justificativa:
O Enunciado proposto tem o objetivo de afastar interpretação promovida por parte da
doutrina no sentido de que o prazo de usucapião só corre após 1 ano e 1 dia da cessação
da violência ou da clandestinidade. Também deixa aberta a possibilidade de usucapião
da posse injusta precária diante da inércia do titular do direito de propriedade, na linha
já consagrada no Enunciado 237/CJF
169
DC - Proposição 4.9
Parte da legislação: Posse e Propriedade – Código Civil
Artigo: 1208
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Devem ser também incluídos como forma autorizadora de defesa e aquisição os atos
advindos de posse precariedade, desde que haja o devido convalescimento e não
cumprindo o possuidor ofendido com o seu poder-dever de retomar a coisa, assim
como nos casos da violenta e ou clandestina, como já reconhece a jurisprudência no
caso de interversio possessionis no comodato, entre outros.
Justificativa:
Essa já é a orientação do enunciado 237 do CEJ e do Enunciado 301 da IV Jornada de
Direito Civil , do CJF e STJ que trata da intervesio possessionis, mesmo em situações
que envolvam a boa fé, assim o reconhecimento da possibilidade de convalescimento da
posse precária, assim como ocorre nos atos violentos e clandestinos indica uma
razoabilidade e racionalidade, inclusive de cunho constitucional, em homenagem a
princípio da equidade, uma vez que os atos de aquisição violenta e clandestinos de
posse implicam numa ofensa muito maior ao Ordenamento jurídico do que os atos
precários que venham a convalescer e que por inércia do possuidor que tem o poderdever de zelar e retomar a coisa permanece inerte.
170
DC - Proposição 4.10
Parte da legislação: Posse e Propriedade – Código Civil
Artigo: 1210, § 1º
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A ação material para a legitima defesa ou desforço imediato da posse, só é cabível
quando a situação fática envolver a própria dignidade pessoal do possuidor, sob pena de
ofensa ao artigo 1º, inc. III da Constituição Federal, uma vez que cabe ao Estado as
garantias individuais e coletivas da sociedade em momento diferido, ou seja, em casos
que não represente lesão e ameaça imediata que necessite de reação atual.
Justificativa:
Nada apropriado que em pleno século XXI esteja um ordenamento jurídico a prestigiar
o conflito envolvendo pessoas a fim de defender e resguardar a posse de coisas, seria a
efetiva coisificação da natureza humana, permitir que se coloque em risco a integridade
física, a vida de pessoas a fim de defender bens, é o suprasumo do materialismo, e não
se diga que aqui a coisa integra a dignidade humana, isso só poderia ocorrer envolvendo
uma situação primitiva de sobrevivência. Deve o Estado em tais circunstâncias coibir
qualquer ato que atente contra a dignidade humana. Se a situação envolver a própria
dignidade da pessoa que eventualmente estiver possuindo algo que será desapossado
acessoriamente ai entramos no campo de legitima defesa pessoal vinculada ao direito
penal, mas a simples situação de desapossamento, não deve ser coibida pelo próprio
ofendido, este é um dever primordial e fundamental do Estado de garantir uma
convivência pacífica e ordenada. É sua plena e total responsabilidade resguardar o
interesse possessório e patrimonial das pessoas a fim de garantir segurança jurídica e
paz social e não repassar levianamente esse ônus ao cidadão. in Repersonalização da
Posse, editora NOTADEZ, 2011 - ISBN 978-85-99315-43-9.
171
DC - Proposição 4.11
Parte da legislação: Direito das Coisas – Título III – Capítulo II (Da aquisição da
propriedade imóvel)
Artigo: 1210, §2º
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A vedação da “exceptio proprietatis”, no âmbito das ações possessórias típicas, não
afasta a possibilidade de alegação de propriedade ou de outro direito real em face de
terceiro.
Justificativa:
É reconhecida a absoluta separação entre os juízos possessórios e petitório, bem como a
natureza autônoma da posse em relação à propriedade (Enunciados 78, 79 e 492). Nesse
sentido, é o teor do art. 1210, §2º, do Código Civil, e da primeira parte do art. 557 do
Código de Processo Civil de 2015. O que não exclui, como destacado na parte final
desse dispositivo do CPC/2015, a possibilidade de alegação do direito de propriedade
ou de qualquer outro direito real em face de terceira pessoa.
172
DC - Proposição 4.12
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 1225, inciso VII; 1.417; 1.492.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
“A Súmula 308 do STJ somente se aplica para afastar os efeitos do registro da hipoteca
em face da promessa de compra e venda não registrada, na hipótese de falência do
incorporador ou construtor.”
Justificativa:
A Súmula 308 do STJ enuncia: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente
financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem
eficácia perante os adquirentes do imóvel.” Essa súmula, diante dos efeitos do registro
imobiliário (Código Civil, art. 1.492; Lei 6.015/1973, arts. 167, inciso I, item 2, e 279),
demonstra-se francamente contra-legem, tendo em vista que os direitos reais (CC, art.
1.225) somente se constituem mediante o competente registro no cartório de imóveis,
inclusive o direito do promitente comprador (CC, art. 1.417). Essa súmula teve nítida
inspiração social, e foi editada, exatamente, para superar o grave problema decorrente
da falência da incorporadora Encol S.A., no ano de 1999, quando milhares de
promissários compradores, cujos contratos não podiam ser registrados diante da
irregularidade jurídica dos empreendimentos daquela construtora, eram classificados
como meros credores quirografários, enquanto as instituições financeiras iriam exercer
seus privilégios como credores com garantia real. As diversas decisões do STJ que
fundamentaram a edição dessa súmula dizem respeito, diretamente, à situação de
insolvência da empresa construtora. Assim, o presente enunciado procura afastar a
aplicação da Súmula 308 de outras hipóteses em que o direito real decorrente da
hipoteca registrada deve ser respeitado diante de outros títulos não levados a registro
(Lei 6.015/1973, art. 279).
173
DC - Proposição 4.13
Parte da legislação: Direitos Reais
Artigo: Art. 1228, §§ 1º e 2º
Enunciado proposto (resumo da proposição):
“Aplicam-se às relações de direitos autorais o disposto sobre a função social da
propriedade.”
Justificativa:
Em 2011 o Superior Tribunal de Justiça, ao decidir o Recurso Especial 964.404,
estabeleceu, por unanimidade, como paradigma que a à proteção autoral sobre os bens
literários, artísticos ou científicos deve ser coadunada com a função social da
propriedade, e destacou que as limitações opostas aos direitos autorais têm por objetivo
a harmonização entre direitos fundamentais, tais como o direito à cultura, educação,
privacidade. Seu principal efeito é a conformação da interpretação das limitações
estabelecidas na Lei 9.610/98 como extensiva. Esta posição já havia sido acatada pelo
Supremo Tribunal Federal (RE 115.505) ao discutir a legislação especial anterior, sem
contudo enfrentar a questão a partir dos direitos fundamentais. A posição do STJ reflete
o entendimento da doutrina contemporânea consolidada a partir da primeira década
deste século, onde se destacam, em especial, as seguintes obras que dão pleno suporte à
posição consolidada pelo STJ: SOUZA, Allan Rocha. Função Social dos Direitos
Autorais: uma interpretação civil constitucional. Campos: editora da Faculdade de
Direito de Campos, 2006; LEWICKI, Bruno Costa. Limitações aos direitos de autor:
releitura na perspectiva do direito civil contemporâneo. 2007. 299 f. Tese (Doutorado
em Direito Civil), Faculdade de Direito. UERJ; CARBONI, Guilherme. Função social
do direito de autor. Curitiba: Juruá Editora, 2006. Justifica-se este enunciado pela
necessidade de consolidação deste entendimento paradigmático e consequente redução
de recursos repetitivos e casos judiciais em torno do tema.
174
DC - Proposição 4.14
Parte da legislação: Direito das Coisas
Artigo: Art. 1.228, §§ 4º e 5º, do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A desapropriação judicial é modo originário de aquisição da propriedade e, como tal,
opera-se independentemente da concordância do expropriado e desvincula-se de
quaisquer vícios, ônus ou gravames inerentes à relação jurídica anterior.
Justificativa:
O instituto previsto no artigo 1.228, §§ 4º e 5º, do Código Civil, é modalidade de
desapropriação e, como tal, tem natureza jurídica de aquisição originária da
propriedade, pois não há participação volitiva do antigo proprietário.
Com efeito, após o juiz da causa reconhecer o preenchimento dos requisitos legais (§
4º), o direito do expropriado passa a recair tão somente sobre a indenização
correspondente (§ 5º).
Cumpre destacar que, como corolário da ausência de liame negocial, os possuidores
adquirem a propriedade em sua plenitude, livre dos vínculos anteriores.
Disso decorre que, no plano registral, a transcrição da desapropriação prescinde da
observância do princípio da continuidade, respeitando-se, entretanto, o princípio da
especialidade objetiva.
175
DC - Proposição 4.15
Parte da legislação: Dos Direitos Reais – Da Propriedade
Artigo: 1.228 e seguintes da Lei 10.406/2002 (Código Civil)
Enunciado proposto (resumo da proposição):
"Aos proprietários de bens imateriais (marcas, patentes, desenhos industriais, modelos
de utilidade e obras artísticas) são garantidos os direitos e proteções atinentes aos
proprietários da coisa material, podendo seu legítimo detentor, usar, gozar, dispor,
reaver e se insurgir contra quem injusta ou abusivamente impeça a plena fruição desses
direitos".
Justificativa:
A relevância da temática está na existência, até hoje, de discussão doutrinária a respeito
da natureza jurídica dos direitos da propriedade intelectual e do regime jurídico
aplicável, a despeito do uso inequívoco, seja no texto da Constituição Federal, seja nas
leis especiais (Lei 9.279/96 e 9.610/96) do termo “propriedade”:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para
sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas,
aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e
o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;
Com efeito, muito se debate acerca dos direitos e níveis de proteção conferidos aos
titulares das criações e invenções, provenientes do campo da estética ou da técnica,
justamente diante da imaterialidade dos bens compreendidos na propriedade intelectual.
Sendo assim, é imprescindível que sejam dissipadas quaisquer dúvidas acerca das
faculdades e garantias, inclusive a nível fundamental, conferidas aos proprietários de
tais bens imateriais.
176
DC - Proposição 4.16
Parte da legislação: Código Civil de 2002
Artigo: 1238
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O Oficial do Registro de Imóveis deve proceder à abertura de nova matrícula ao
registrar de sentença de usucapião em todas as suas modalidades, exceto na hipótese da
usucapião familiar (1.240-A), por não se revelar como forma de aquisição originária da
propriedade.
Justificativa:
O Enunciado proposto tem o objetivo de padronizar o comportamento adotado nos
Estados Brasileiros a respeito do registro da sentença de usucapião. Em vários Estados,
os Oficiais Registradores promovem simples registro da sentença na matrícula existente
gerando insegurança na aquisição do imóvel por terceiros quanto à existência de ônus
sobre os bens. A abertura da matrícula consagra a usucapião como modalidade de
aquisição originária da propriedade. A exceção fica por conta da usucapião familiar (art.
1.240-A do Código Civil) que não constitui modalidade de aquisição originária da
propriedade, pois o cônjuge ou companheiro já é proprietário de parte do imóvel, não
podendo utilizar o instituto para desconstituir ônus existentes sobre o bem.
177
DC - Proposição 4.17
Parte da legislação: Usucapião
Artigo: 1238 e 1242
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A ata notarial que atesta a posse na usucapião extrajudicial (art. 1.071 do Novo CPC)
não faz prova plena do lapso temporal e da continuidade da posse como requisito para a
usucapião (arts. 1.238 e 1.242 do CC).
Justificativa:
A ata notarial é um instrumento eficaz para transformar fatos atestados pelo tabelião
(art. 384 do novo CPC Lei 13.105/2015) em prova documental produzida por
instrumento público, constituindo-se prova plena (art. 215 do CC). Na usucapião
extrajudicial trazida pelo novo CPC, a ata notarial lavrada por tabelião apresenta-se
como requisito para atestar o tempo da posse. A ata notarial pode produzir prova de
fatos atestados pelo tabelião no momento presente, contudo a análise de períodos
passados, bem como da continuidade da posse pelo lapso temporal necessário à
configuração da usucapião (arts. 1.238 e 1.242 do CC) restará prejudicada. Diante disso,
em se tratando de ata notarial que documente a situação fática da posse, não se pode
concluir pela prova plena da posse tal como preceitua o art. 215 do CC.
178
DC - Proposição 4.18
Parte da legislação: Usucapião de imóvel rural
Artigo: Artigo 1.239 do Código Civil; Artigos 176, §1º, II, 3, ‘a’, e 225, §3º da Lei
6.015/1973
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O georreferenciamento de imóvel rural objeto de ação de usucapião confere efetividade
ao princípio da especialidade objetiva.
Justificativa:
O princípio registral da especialidade objetiva impõe que o bem imóvel, para efeito de
registro público, seja plenamente identificado, a partir de indicações precisas de suas
medidas, características e confrontações.
De acordo com o art. 176, § 1o, II, 3, "a", da Lei n. 6.015/1973, a identificação do
imóvel rural constitui requisito essencial da matrícula.
A norma do artigo 225 da Lei 6.015/1973, por sua vez, determina que, em processos
judiciais, as partes indiquem com precisão as características, confrontações e a
localização do imóvel.
Com intuito de aprimorar a determinação dos limites do imóvel rural e de evitar o
surgimento de efeitos indesejados decorrentes das descrições vagas e imprecisas
(sobreposições de área), o §3º do artigo 225 determina que, nos autos judiciais que
versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidas a
partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida
Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices
definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico
Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA.
Essa individuação é indispensável à garantia de segurança das relações jurídicas e
obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência, seja
derivada ou originária, de imóvel rural, segundo prevê o § 4º do artigo 176 da Lei
6.015/1973 e como já foi reconhecido pelo STJ no REsp nº 1.123.850/RS.
179
DC - Proposição 4.19
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 1239
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Art. 1239 do Código Civil. É possível adquirir a propriedade de área menor do que o
módulo rural estabelecido para a região, por meio da usucapião especial rural.
(Revogados os Enunciados 308 e 313 do CFJ, em sua 4ª Jornada).
Justificativa:
A usucapião especial é modalidade de aquisição originária da propriedade que surgiu no
mundo jurídico para valorizar a fixação do homem no campo. Daí porque é exigido que
pessoa tenha sua moradia no local e lá execute trabalho produtivo. De outro lado, a C. F
e o C.C não fixaram um patamar mínimo para a área passível de usucapião. Exige-se,
apenas, que a área não pode ser superior a 50 hectares. Frente à anomia, os Tribunais
vinham entendendo que tal área não poderia ser inferior ao módulo rural da região a que
pertence, como exigido pelo artigo 65 do Estatuto da Terra. Sob tal matiz foram
editados os Enunciados 308 e 313, pelo CFJ (4ª Jornada). Entretanto, diferentes teses
doutrinárias seguiam em direção oposta. Demais disso, algumas decisões passaram a
absorver essa tendência, como a exarada pela Corregedoria Geral da Justiça de São
Paulo (Processo CG n° 2010/00120171) e algumas proferidas pelo TJSP (apelação nº.
990.10.243.764–7, Rel. Des. Francisco Eduardo Loureiro e AC 297.150–4/1–00, da 1ª.
C. de D. Privado, Rel. Des. De Santi Ribeiro, 02/09/2008). Recentemente, decisão da 4ª
Turma do STJ colocando termo às controvérsias fixou entendimento no sentido de que é
possível a aquisição da propriedade, através da usucapião especial, de área menor do
que o módulo rural estabelecido para a região, considerando que ele atua como
instrumento voltado, primordialmente, para a função social. Por tal, incentiva a
produtividade da terra e protege aqueles que a ocupam. Demais disso, consideraram que
o 191 da CF e o artigo 1.239 do CC nada determinarem a respeito. Em sendo assim, não
cabe ao interprete discriminar onde o legislador não discriminou.
180
DC - Proposição 4.20
Parte da legislação: Código Civil de 2002
Artigo: 1240-A
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Art. 1.240-A. O requisito “abandono do lar” deve ser interpretado pela ótica do instituto
da usucapião como “abando da posse do imóvel sobre o qual está assentado o lar”, não
se confundindo com o descumprimento dos deveres conjugais ou convivenciais.
Justificativa:
O Enunciado proposto tem o objetivo de esclarecer a interpretação do artigo 1.240-A,
facilitando a sua aplicação. Afasta-se, com a redação adotada, a investigação da culpa
na dissolução do vínculo convivencial e marital, objetivo este também buscado pelo
legislador constitucional com a Emenda Constitucional 66/10. Não há razão para
introduzir na usucapião um requisito que diz respeito ao direito de família, sendo certo
que a doutrina especializada no direito de família também tem procurado afastar tal
análise.
181
DC - Proposição 4.21
Parte da legislação: Direito das Coisas – Título III – Capítulo II (Da aquisição da
propriedade imóvel)
Artigo: 1240-A
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Não é admissível o reconhecimento extrajudicial da modalidade de usucapião de que
cuida o art. 1240-A do Código Civil.
Justificativa:
O Código de Processo Civil de 2015 suprimiu o procedimento especial de usucapião,
fomentando, inclusive, consoante art. 1071, o reconhecimento extrajudicial dessa
modalidade de aquisição originária de direitos reais. Destarte, na impossibilidade do
procedimento extrajudicial, deve-se observar o procedimento comum. A despeito da
impugnação extrajudicial, nos termos do § 10 do referido art. 1071, aponta-se como
inviável o reconhecimento cartorial da modalidade de usucapião de que cuida o art.
1240-A do Código Civil.
O denominado usucapião familiar ou por meação pressupõe a discussão sobre o que se
entende por “abandono do lar”. Em observância a algumas diretrizes para interpretação
desse requisito, inclusive reconhecidas no Enunciado 499 (aprovado na VI Jornada de
Direito Civil), tem-se que essa modalidade de aquisição é incompatível com o
procedimento extrajudicial. A discussão sobre descumprimento de deveres conjugais e a
necessária alteração do regime patrimonial do casamento – consequência natural dessa
aquisição patrimonial – pressupõem necessariamente tutela jurisdicional.
A alteração patrimonial pode ter manifesta externalidade. Nesse sentido, sobrevém o
conteúdo do § 2º do art. 1639 do Código Civil.
Ainda que se defenda a natureza aquisitiva originária do usucapião, bem como se
propugne a desjudicialização das pretensões, para melhor observância dos requisitos do
art. 1240-A, bem como para a tutela de legítimos interesses de terceiros, aponta-se como
inaplicável o reconhecimento extrajudicial do denominado usucapião familiar.
182
DC - Proposição 4.22
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 1240-A
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Aquele que adquiriu a propriedade em conformidade com o disposto no art, 1240-A,
não estará impedido de pleitear novamente o mesmo direito em relação a outro imóvel,
desde esteja diante da mesma situação fática, caracterizada pelo abandono do lar por
diferente parceiro e não possua mais o imóvel anterior.
Justificativa:
A Lei 12.424/11, ao acrescentar o art. 1240-A ao C.C, introduziu uma modalidade de
usucapião, conhecida como usucapião especial urbano por abandono do lar. Trata-se de
norma que coloca sob seu abrigo aquele que, abandonado pelo ex-cônjuge ou exmarido, sem ter outro imóvel, tenha exercido por 2 anos, ininterruptamente e sem
oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m², de
propriedade comum, para sua moradia ou de sua família. O instituto já ensejou a edição
do enunciado CFJ nº 499, sob um viés conceitual. Entretanto, em razão de situações de
ordem prática, relacionadas à restrição prevista no parágrafo único do referido artigo,
surgiram dúvidas quanto à aplicabilidade da norma. Com efeito, resta disposto que esse
direito, só é passível de ser reconhecido, ao mesmo possuidor, por uma vez. Em sendo
assim, indaga-se se tal modalidade se aplica, por mais de uma vez, à mulher casada que,
após ter sido abandonada e permanecido no imóvel comum por dois anos, valeu-se da
referida regra para adquirir a propriedade do mesmo. Ou seja, frente à mesma situação
fática, com diferente parceiro em relação a outro imóvel de propriedade comum, ela terá
legitimidade para pleitear o direito, desde que não possua mais o imóvel anterior. Tal se
dá porque, além dos fundamentos já apontados no Enunciado 499, resta clara que a
intenção do legislador ao empreender essa importante alteração ao Código Civil guarda
íntima relação com o direito à moradia consagrado no art. 6º da Constituição Federal. Se
tal não fosse, teria que valer-se da usucapião extraordinária, prevista no art. 1238 do CC
ou no art. 183 da Constituição Federal, que se revela de maior complexidade.
183
DC - Proposição 4.23
Parte da legislação: Da Propriedade - Da Usucapião
Artigo: 1.240-A, CC
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O requisito “abandono do lar” pressupõe a tutela da família e não importa em
averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável.
Justificativa:
O trato atual das relações familiares fez emergir, dentre outros, os princípios da
responsabilidade (SANCHES, 2013) e da afetividade (CALDERÓN, 2013), que
conferem outra coloração às diversas categorias do direito de família. Se mostra
inconcebível qualquer interpretação da expressão abandono do lar que busque retomar a
averiguação da culpa na dissolução do vínculo conjugal, visto ser esta uma questão já
superada no direito de família brasileiro, máxime após a Emenda Constitucional
66/2010. Do mesmo modo, não se pode vislumbrar na figura do abandono do lar uma
mera sanção a um dos cônjuges ou conviventes. Calha, aqui, a alteração de enfoque que
se percebe na própria responsabilidade civil: muito mais do que se sancionar um
culpado, o que na maioria das vezes não é simples, para o foco atual que visa a
recomposição da vítima. O que se mostra indicado é que se traduza a expressão
abandono do lar como um abandono familiar, no sentido de um desamparo da família
por um daqueles que deveria ser seu provedor. Em outras palavras, retrate o não
atendimento das responsabilidades familiares e parentais incidentes no caso concreto,
um desassistir que venha a trazer dificuldades materiais e afetivas para os familiares que
restaram abandonados. Exemplificando: não prestar alimentos, não contribuir para as
despesas do lar, não manter os vínculos afetivos com os demais integrantes da família,
dentre outros (CALDERÓN; IWASAKI, 2014).
184
DC - Proposição 4.24
Parte da legislação: Usucapião
Artigo: 1241
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A concordância expressa do titular da propriedade é requisito para a usucapião
extrajudicial (art. 1.071 do Novo CPC e art. 1.241 do CC).
Justificativa:
A realidade contemporânea da sociedade de risco traz consigo um aumento significativo
de demandas apresentadas ao Poder Judiciário, ao mesmo tempo em que a garantia do
acesso à justiça como princípio constitucional e processual se mostra cada vez mais
presente, em especial no texto do Novo CPC. Nesse novo cenário, percebe-se que para
garantir efetividade ao direito pleiteado, entregam-se algumas questões ao foro
extrajudicial, visando garantir o citado acesso, bem como buscando celeridade na
resposta estatal. A usucapião extrajudicial nasce nesse panorama, na tentativa de
reconhecer o direito de propriedade de forma mais célere e facilitada, na perspectiva da
função social da posse. O instrumento trazido pelo art. 1.071 do Novo CPC (Lei
13.105/2015), além de não afastar a via jurisdicional da usucapião preceituada no artigo
1.241 do Código Civil, relativiza a usucapião como modo originário de aquisição da
propriedade. Isso porque no inciso II e no parágrafo 2º do citado artigo, percebe-se a
necessidade da concordância expressa do proprietário, então titular do direito real de
propriedade constante na matrícula do imóvel. O requisito da manifestação de vontade
expressa do proprietário do imóvel pode colocar em dúvida o modo originário de
aquisição da propriedade, bem como, na prática, poderá inviabilizar a modalidade
extrajudicial.
185
DC - Proposição 4.25
Parte da legislação: Da aquisição da Propriedade Imóvel – Usucapião.
Artigo: 1243 c/c 1238, Parágrafo único.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A accessio e a successio possessionis estabelecidas no disposto no art. 1423 do Código
Civil, aplica-se a usucapião extraordinária qualificada pela moradia-trabalho, prevista
no parágrafo único do art. 1238 do Código Civil.
Justificativa:
Criou-se na doutrina e em alguns julgados do TJRGS (Apelações nºs. 70051416626 e
70032449159) que para aquisição da propriedade através da usucapião extraordinária
prevista pelo art. 1238, § único (moradia/trabalho), exige-se do postulante a posse
pessoal pelo prazo de 10 anos, sem reconhecimento da accessio ou successio
possessionis previstas pelo art. 1243 do CC. Na verdade a regra estabelecida pelo art.
1238, § único, do CC, exige o prazo de 10 anos de posse “se o possuidor houver
estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de
caráter produtivo". E só. Não estabelece em nenhum momento o caráter pessoal da
posse pelo prazo de 10 anos pelos autores da demanda. A possibilidade de soma da
posse com os antecessores está prevista pelo art. 1.243, cuja redação determina a
aplicação para “os artigos antecedentes” (inclusive para o § único do art. 1238), exige
apenas dois requisitos para a usucapião extraordinária, além de 10 anos de posse:
continuidade e pacificidade. Entendo que o exegeta não deve criar obstáculos que a lei
não exige para garantia de direitos fundamentais como à moradia, com observância na
função social da propriedade. A interpretação deve ser ampla sempre em benefício, mas
jamais em prejuízo do cidadão. O Superior Tribunal de Justiça não se pronunciou
explicitamente sobre a questão. Nos julgados existentes, ressalta apenas a necessidade
da observância dos requisitos legais (prazo de 10 anos, continuidade, pacificidade e
moradia/trabalho), bem como aplicação das regras de transição (REsp 1314413/MG e
REsp 1088082/RJ).
186
DC - Proposição 4.26
Parte da legislação: Da aquisição da Propriedade Imóvel – Usucapião.
Artigo: 1243-A
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Adquire também a propriedade o Condomínio que, por quinze anos, sem interrupção,
nem oposição, administra uma área de coisa comum, adquirida pelos Condôminos,
independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por
sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Justificativa:
Existe uma lacuna na Legislação ao tema da usucapião pelos Condomínios, em
particular os Horizontais, embora irregulares foram constituídos e administram áreas
comuns dos Condôminos, porém não possuem matrícula individualizada do imóvel, ou
seja, da área comum, no respectivo Cartório, causando inclusive lesão aos cofres
públicos, principalmente no tocante ao recolhimento do IPTU – Imposto Predial e
Territorial Urbano.
Importante frisar que cabe ao possuidor usucapir do imóvel, referente à sua moradia,
mas ao comprar um imóvel, em condomínio irregular, de forma horizontal,
principalmente de casas, possui um quinhão da parte do todo da área comum, que cabe
ao Condomínio administrar e o Condomínio ao usucapir a área comum estará
resguardando o patrimônio de todos os demais condôminos.
Por fim, cabe ressaltar que a área comum do Condomínio invariavelmente possui a sede
da Administração; ruas; calçadas; praças; quadras de esporte; área ambiental, etc.
187
DC - Proposição 4.27
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 1.245
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O parágrafo 6º do art. 26 da Lei 6.766/79, com a redação dada pela Lei 9.785/99, aplicase ao compromisso de compra e venda posterior ao loteamento desde que referente ao
mesmo imóvel.
Justificativa:
O § 6º do art. 26 da Lei 6.766/79 determina que os compromissos de compra e venda
valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, provando-se a
quitação.
Tem-se entendido que o preceito só se aplica na primeira transferência do domínio. Tal
entendimento não se justifica. Se a chamada escritura definitiva é considerada inócua e
inútil para a primeira venda, não pode deixar de sê-lo também para as vendas seguintes.
A mesma razão da lei está presente em ambas hipóteses.
É irrelevante a lei ter se referido a lote. Evidentemente referiu-se a lote de terreno. Lote
não tem significado próprio. O importante é a realidade do terreno e não a mera
expressão lote, que é um simples termo partitivo, que não tem autonomia, que apenas
indica uma fração de uma outra realidade que é o terreno, o imóvel. Este continua
indefinidamente com seu carisma jurídico. Continuará tendo que respeitar os ônus
relativos aos recuos, finalidade do uso e demais restrições – art. 45 da Lei 6.766/79.
Se o novo proprietário tem de suportar os ônus e restrições que incidem sobre o imóvel
por força da Lei 6.766/79, ele, proprietário, também precisa gozar da vantagem
concedida por essa mesma lei ao afastar a exigência da tal escritura definitiva.
A proposta é coerente com o Enunciado 87 da I Jornada: “Considera-se também título
translativo, para fins do art. 1.245 do novo CC, a promessa de compra e venda
devidamente quitada (arts. 1.417 e 1.418 do CC e § 6º do art. 26 da Lei n. 6766/79.
188
DC - Proposição 4.28
Parte da legislação: Da Aquisição da Propriedade Móvel
Artigo: 1260
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Aquele que possuir participação societária alheia como sua, continuamente, durante três
(com justo título e boa fé) ou cinco anos (independentemente de título ou boa fé), sem
que haja contestação por parte do sócio titular, da sociedade ou dos demais sócios, bem
como em não exercendo o sócio titular, nesse interregno, seus direitos de sócio,
adquirir-lhe-á a propriedade.
Justificativa:
Não raro, sócios de sociedades as abandonam, deixando de exercer, durante anos, seus
direitos e deveres de sócio. Para suprir tal omissão, e com isso manter a subsistência da
sociedade, é comum que outro(s) sócio(s) se aposse(m), no campo dos fatos, da
participação societária do sócio titular omisso e, sendo a participação societária um bem
móvel, é legítimo que adquiram a propriedade caso preenchidos os requisitos legais da
usucapião.
Exemplos outros não faltam, como o caso de um sócio que se retira faticamente da
sociedade e um terceiro passa a exercer normalmente os direitos daquele, como
recebendo lucros.
189
DC - Proposição 4.29
Parte da legislação: Aquisição da Propriedade Móvel, Posse
Artigo: 1260, 1261 c/c 1196 do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Os bens imateriais são sujeitos à posse bem como à usucapião nos termos dos artigos
1.196, 1.260 e 1.261 do Código Civil.
Justificativa:
Com o advento da sociedade da informação, “[a]s principais fontes de lucro - dos
grandes lucros em especial, e portanto do capital de amanhã - tendem a ser, numa escala
sempre em expansão, ideias e não objetos materiais” (BAUMAN, Zygmunt.
Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 2001, p. 173). Desta forma, com a
crescente litigiosidade envolvendo bens imateriais, como verbi gratia as propriedades
intelectuais, seria arbitrária a exclusão da transmudação de titularidade de tais bens via
usucapião. Aliás, “Acolhida por sábia jurisprudência a posse de coisas incorpóreas,
pode-se dizer cortada, em definitivo, a noção naturalista da posse, de caráter meramente
isagógico, e entreaberto o espaço para a admissão de um critério econômico e um
critério axiológico-normativo na velha noção de posse” (MARTINS-COSTA, Judith
Hoffmeister. Usucapião de coisa incorpórea: breves notas sobre um velho tema novo in
TEPEDINO, Gustavo, FACHIN, Luiz Edson. O Direito e O Tempo, Embates Jurídicos
e utopias contemporâneas. Editora Renovar; Rio de Janeiro, 2008, 643). Não foi à toa,
portanto, que o STJ consagrou a possibilidade de usucapião sobre bens incorpóreos
quando editou o verbete de súmula 193: “O DIREITO DE USO DE LINHA
TELEFONICA PODE SER ADQUIRIDO POR USUCAPIÃO”.
190
DC - Proposição 4.30
Parte da legislação: Aquisição da propriedade móvel.
Artigo: 1272 a 1274 do Código Civil.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Os artigos 1.272 a 1.274 do Código Civil tratam do instituto da "comistão", e não da
"confusão", como equivocadamente está descrito nos artigos 1.273 e 1.274 do referido
diploma legal, bem como na denominação da seção VI, do capítulo III, do título III, do
livro III da parte especial da mencionada lei
Justificativa:
Orlando Gomes ensinava que a "comistão" é uma das formas de aquisição da
propriedade móvel, e que é conceituada como "a mistura de coisas sólidas pertencentes
a diferentes donos, sem que se possam separar e sem que produza coisa nova"
(GOMES, Orlando. Direitos Reais. 9º ed. Rio de Janeiro: Forense: 1985. p. 171). Darcy
Bessone também elenca a "comistão" como forma de aquisição da propriedade móvel, e
a conceitua como sendo a mistura de coisas secas pertencentes a proprietários diferentes
(BESSONE, Darcy. Direitos Reais. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 155). Ocorre que o
Código Civil denominou o referido instituto na seção VI, do capítulo III, do título III,
do livro III da parte especial, equivocadamente como "comissão", erro esse repetido nos
artigos 1.273 e 1.274 do citado diploma legal. Os professores Gustavo Tepedino,
Heloísa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes, apontam a existência de tal
equivoco, ao afirmar, no comentário do artigo 1.272 do Código Civil, que: "A comistão
- designada erroneamente de "comissão" no título desta Seção -, por sua vez significa
mistura de coisas sólidas, a exemplo da junção de duas partes de feijão (TEPEDINO,
Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil
interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p.
570. v.III). Corrobora do referido entendimento, Marco Aurélio Bezerra de Melo, que,
ao indicar em sua obra as formas de aquisição da propriedade móvel, não denomina o
referido instituto como "comissão", mas sim como "comistão". (MELO, Marco Aurélio
Bezerra de. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 171).
191
DC - Proposição 4.31
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 1276
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A posse impeditiva da arrecadação prevista no art. 1276 do Código Civil, é posse
efetiva e qualificada por sua função social.
Justificativa:
A arrecadação é uma modalidade de aquisição da propriedade pelo Poder Público em
razão de abandono do imóvel por seu titular, portanto, uma atuação em beneficio da
sociedade, com tom de punição ao proprietário moroso no cumprimento da função
social da propriedade imobiliária. Presente, portanto, na arrecadação, o interesse
público. No entanto, o legislador, resolveu impedir a deflagração do procedimento de
arrecadação na hipótese do imóvel se encontrar na posse de outrem. Evidente que o
legislador se refere a alguém que esteja dando efetiva utilização ao imóvel através da
moradia, cultivo ou desenvolvimento de atividade de interesse social e econômico e que
por óbvio não tenha relação jurídica com o proprietário, posto que se tiver, o imóvel não
estará em estado de abandono. Essa posse de outrem, não pode ser a posse simples,
aquela resultante, por exemplo, da circunstancia de ter cercado o imóvel, ter impedido
que outros o invadissem, tamanha a importância dada pelo legislador de proteção
daquele que a está exercendo. Certamente que se refere à posse-trabalho ou possemoradia referida por Miguel Reale lastreada no principio da socialidade, diversa da
posse resultante dos “critérios formalistas da tradição romanista, a qual não distingue a
posse simples, ou improdutiva, da posse acompanhada de obras e serviços realizados
nos bens possuídos” (O Projeto do Novo Código Civil, 2ª ed., SP, Saraiva, 1999, p.33).
192
DC - Proposição 4.32
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 1276
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A posse de outrem referida no art. 1276 do Código Civil que impede a aquisição da
propriedade pela arrecadação do Poder Público, impede, de igual modo, enquanto ela
durar a reivindicação do proprietário que abandonou a coisa.
Justificativa:
A possibilidade de reivindicar o imóvel que se encontra na posse de outrem
injustamente é o elemento de tutela que evidencia a força do direito de propriedade. No
entanto, essa proteção só se faz presente quando o titular do bem cumpria com a função
social da propriedade e que agora está impedido de fazê-lo em razão de ato ou fato de
terceiro. Conforme leciona boa parte da doutrina, a propriedade (ou o direito de
propriedade) que não cumpre com sua função social perde a proteção constitucional e
nesse sentido não merece a proteção do sistema, proteção última exercida através da
reivindicação. Neste sentido é a orientação de: SILVA, Jose Afonso. Curso de Direito
Constitucional Positivo, RT, 1991, p. 239, p. 251, p. 681; GRAU, Eros Roberto. A
ordem econômica na Constituição de l988, 2ª ed, R.T., 1991, p.244, p. 249, p. 251,
p.316; FACHIN, Luiz Edson. A Justiça dos Conflitos no Brasil. In: A Questão Agrária e
a Justiça. Ed. Revista dos Tribunais, 2000, p. 284; Desse modo, se a posse de outrem,
exercida em imóvel que estava em estado de abandono quando do ingresso desse
outrem, que passa a exercer uma posse efetiva, com função social, posse qualificada
portanto, tem o condão de impedir a arrecadação do bem pelo Poder Público, que age
no interesse público, deve ter também o condão de impedir a reivindicação do titular do
direito, moroso no cumprimento com a função social, que age no interesse particular.
Permitir tal reivindicação seria premiar o proprietário inerte em face do possuidor
atuante, que exerce posse-moradia ou posse-trabalho.
193
DC - Proposição 4.33
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 1293
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Na redação do art. 1.293, "agricultura e indústria" não são qualificadores do prejuízo
que pode ser causado pelo aqueduto, mas finalidades que podem justificar sua
construção. O art. 1.293 do Código Civil, assim, fornece amparo direto para a
instituição de aquedutos que beneficiem a agricultura e a indústria. Tais aquedutos
fundamentam-se em autorização legislativa expressa encerrada no art. 1.293, não em
relação de mera compatibilidade entre eles e o Código Civil. Não é preciso recorrer ao
art. 117 do Código de Águas para justificar a existência de aquedutos que possuam tal
finalidade.
[Nota de esclarecimento, para os fins do art. 17, §2º do Regimento da VII Jornada: esta
proposta de enunciado pressupõe a revisão do Enunciado nº 245.]
Justificativa:
Houve um erro de revisão no art. 1.293 do Código Civil durante sua tramitação no
Senado: onde se lê "...e, desde que não cause prejuízo considerável à agricultura e à
indústria, bem como para o escoamento de águas...", deve-se ler "...e, desde que não
cause prejuízo considerável, à agricultura e à indústria, bem como para o escoamento
de águas...". O art. 1.293, da maneira em que inicialmente aprovado pela Câmara dos
Deputados, possuía uma vírgula depois da palavra "considerável". Assim, aquedutos
poderiam ser instituídos para quatro finalidades: (a.) primeiras necessidades, (b.)
agricultura e indústria, (c.) escoamento de águas e (d.) drenagem de terrenos. O
parâmetro do "prejuízo considerável" foi sugerido pelo Dep. Francisco Amaral
(Emenda nº 675 da Câmara) como meio de impedir que, em todas essas quatro
hipóteses, a construção de aquedutos pudesse causar lesões sérias ao direito de
propriedade de terceiros. O Relator Especial da matéria aceitou essa emenda em parte:
manteve o critério do "prejuízo considerável" para as hipóteses (b.), (c.) e (d.), mas
deliberadamente retirou a hipótese (a.) ("primeiras necessidades") de seu alcance. Com
esse conteúdo, o texto foi aprovado pelos Deputados. O Sen. Josaphat Marinho, na
revisão ortográfica geral que fez no Projeto de Código Civil (Emenda nº 332 do
Senado), enganou-se ao ajustar o art. 1.293: pensando que a vírgula que estava entre
"considerável" e "à agricultura" era redundante, ele retirou-a. Essa vírgula, contudo,
não deveria ter sido suprimida: ela era crucial para que o texto do art. 1.293 tivesse o
sentido que os demais parlamentares queriam atribuir a ele.
194
DC - Proposição 4.34
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 1361
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Além do escopo de garantia, pode a propriedade fiduciária ser constituída para outras
finalidades previstas em lei, ou definidas pelas partes, sendo o acordo de fidúcia, neste
caso, eficaz entre elas.
Justificativa:
Embora se referindo genericamente à propriedade fiduciária, o artigo 1361 do Código
Civil limita-se ao escopo de garantia. Ocorre, entretanto, que a garantia não é a única
função que pode desempenhar a propriedade fiduciária e isso se demonstra até pela
legislação em vigor, pois a Lei 6404 de 12/12/1976, que dispõe sobre as sociedades por
ações, em seu artigo 41, oferece exemplo de constituição de propriedade fiduciária para
administração de patrimônio. Também, na adoção do patrimônio de afetação, previsto
na Lei 4591, de 10/12/1964 (Art. 31-A) ou no regime fiduciário sobre créditos
imobiliários, previsto na Lei 9514, de 20/11/1997, verifica-se a constituição de
propriedade fiduciária, para preservação patrimonial. Não fora isso, inexiste proibição
legal de celebração de negócio fiduciário, valendo o contrato de fidúcia somente entre
as partes, já que, em se tratando de bem imóvel, prevalece o que constar do registro
imobiliário, e em se tratando de coisa móvel, a tradição transmite a propriedade (arts.
1245, §2º, e 1267 do Código Civil). Não há, pois, como deixar de reconhecer que o
Código ficou aquém das finalidades da propriedade fiduciária. Bibliografia: Luigi
Cariota–Ferrara (I negozi fiduciari. Padova, 1933), René Jacquelin (De la fiducie. Paris,
1891), Nicoló Lipari (Il negozio fiduciario. Milano, 1971), Mariano Navarro Martorell
(La propiedad fiduciaria. Barcelona, 1950), Giuseppe Messina (Negozi fiduciari.
Milano, 1948) e Otto de Souza Lima (Negócio fiduciário. Tese. USP, 1959).
195
DC - Proposição 4.35
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 1.365 e 1.428
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A vedação ao pacto comissório não afasta a possibilidade de as partes celebrarem o
chamado pacto Marciano, a permitir, diante do inadimplemento do débito, a apropriação
do objeto da garantia pelo credor pelo valor justo, precificado pelo mercado ou arbitrado
por terceiro independente ao tempo do vencimento da dívida, mediante o pagamento da
diferença entre o preço estipulado e o saldo devedor.
Justificativa:
A proibição do pacto comissório visa a impedir que o credor, valendo-se de sua situação
jurídica vantajosa, incorpore o objeto da garantia ao seu patrimônio pelo saldo devedor,
pelo preço ajustado ao tempo da celebração do contrato, ou pela quantia por ele mesmo
estimada. O problema não está, portanto, na possibilidade de o credor se apropriar direta
e permanentemente do bem como mecanismo de satisfação da dívida, mas na forma
pela qual seu valor é fixado para efeito da apropriação. Por essa razão, afigura-se lícito e
legítimo estipular-se, no título constitutivo da garantia, o Pacto Marciano, pelo qual as
partes acordam, diante do inadimplemento da dívida, a apropriação do objeto da
garantia pelo credor, pelo valor precificado pelo mercado ou arbitrado por terceiro
independente ao tempo do vencimento da dívida, o que garante que se atribua à coisa
preço justo, a afastar o risco de prejuízo ao devedor. Nesses termos, a diferença entre o
valor da dívida e o preço atribuído ao bem deve ser entregue ao devedor, a fim de que se
efetive a incorporação definitiva do objeto ao patrimônio do credor.
196
DC - Proposição 4.36
Parte da legislação: Código Civil, Lei n. 9.514/1997
Artigo: Arts. 1.366 e 1.430, Código Civil e Art. 27, § 5o, Lei n. 9.514/1997
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Sempre que não houver relação de consumo, pode ser afastada pelas partes, por
disposição contratual expressa, a regra contida no art. 27, § 5o, da Lei n. 9.514/1997,
aplicando-se a norma constante nos arts. 1.366 e 1.430 do Código Civil, de modo que o
devedor, neste caso, continua responsável pelo saldo remanescente se o valor do imóvel
dado em garantia fiduciária não for suficiente para o integral pagamento do credor.
Justificativa:
O § 5o do art. 27 da Lei n. 9.514/1997 consubstancia regra particular, haja vista que as
demais espécies de garantia real, inclusive as modalidades de alienação fiduciária
atinentes aos direitos e bens móveis, se submetem à norma geral insculpida nos arts.
1.366 e 1.430 do Código Civil, segundo a qual, uma vez executada a garantia, o devedor
continua a responder pessoalmente pelo eventual saldo. Dada a especificidade desta
regra, que tem por finalidade proteger o contratante vulnerável, notadamente no
financiamento imobiliário (por todos, v. Melhim Namem Chalhub, Negócio Fiduciário,
Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 264-266), sua aplicação pode ser validamente
afastada por contratantes em relações paritárias. Nessa esteira, em razão do caráter de
ordem pública do sistema de proteção do consumidor, não é possível o afastamento de
tal preceito uma vez configurada relação de consumo.
197
DC - Proposição 4.37
Parte da legislação: Direito de Superfície.
Artigo: 1.369 do Código Civil e 21 do Estatuto da Cidade.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O Direito Real de Superfície só poderá ser concedido por escritura pública,
independentemente do valor do bem, em razão das determinações expressas contidas
nos artigos 1.369 do Código Civil e 21 do Estatuto da Cidade, não se aplicando nesse
caso, o artigo 108 da codificação civil, que permite a instituição de Direitos Reais sobre
imóveis, de valor inferior a 30 salários mínimos, por meio de instrumento particular.
Justificativa:
O artigo 108 do Código Civil estabelece que a escritura pública é essencial à validade
dos negócios jurídicos, que visem constituir, transferir, modificar ou renunciar, qualquer
Direito Real que recaia sobre bem de imóvel de valor superior a 30 salários mínimos. Já
os artigos 1.369 do Código Civil e 21 do Estatuto da Cidade, exigem para a instituição
do Direito de Superfície, que o negócio jurídico seja realizado por escritura pública.
Como o artigo 108 do Código Civil é norma geral, por tratar de qualquer Direito Real, e
os artigos 1.369 do Código Civil e 21 do Estatuto da Cidade são normas especiais, pois
tratam, exclusivamente do Direito de Superfície, os últimos prevalecem sobre o
primeiro, pois a presente antinomia deve ser resolvida aplicando-se um dos critérios de
resolução de conflitos entre regras jurídicas, em que a norma especial prevalece sobre a
geral (lex specialis derogat legi generali).
198
DC - Proposição 4.38
Parte da legislação: “Do usufruto”
Artigo: 1.403, II, Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Não há solidariedade passiva entre o nu proprietário e o usufrutuário de imóvel no
tocante ao imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, sendo esse o único
responsável quando apenas ele detém o direito de usar e fruir exclusivamente do bem.
Justificativa:
É cada vez mais recorrente a inscrição do nome do nu proprietário nos órgãos de
restrição de crédito e cadastros informativos em virtude do não pagamento do imposto
sobre a propriedade predial e territorial urbana relativo a imóveis sobre os quais recaem
usufruto.
Todavia, essa inscrição e até mesmo o ajuizamento de execução fiscal em face do nu
proprietário já foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça que, em análise ao artigo
1.403, II, do Código Civil, entendeu que a legitimidade passiva seria exclusivamente do
usufrutuário.
Há dois precedentes paradigmáticos que lideram o firmamento de tal entendimento em
nossa Corte Superior, quais sejam: REsp 203.098/SP e REsp nº 691714/SC.
199
DC - Proposição 4.39
Parte da legislação: Direito do Promitente Comprador do Imóvel.
Artigo: 1.417 do Código Civil.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O Direito Real do Promitente Comprador do Imóvel pode ser concedido por
instrumento particular, independentemente do valor do bem, em razão da determinação
expressa contida no artigo 1.417 do Código Civil, não se aplicando, nesse caso, o artigo
108 do referido código, que exige a escritura pública para a instituição de Direitos Reais
sobre bens imóveis, de valor superior a 30 salários mínimos.
Justificativa:
O artigo 108 do Código Civil estabelece que a escritura pública é essencial à validade
dos negócios jurídicos, que visem constituir, transferir, modificar ou renunciar, qualquer
Direito Real que recaia sobre bem de imóvel de valor superior a 30 salários mínimos. Já
o artigo 1.417 do Código Civil permite que o Direito Real do Promitente Comprador do
Imóvel seja instituído por instrumento particular. Como o artigo 108 do Código Civil é
norma geral, por tratar de qualquer Direito Real, e o artigos 1.417 do referido código é
norma especial, pois trata, exclusivamente do Direito Real do Promitente Comprador do
Imóvel, o último prevalece sobre o primeiro, pois a presente antinomia deve ser
resolvida aplicando-se um dos critérios de resolução de conflitos entre regras jurídicas,
em que a norma especial prevalece sobre a geral (lex specialis derogat legi generali).
200
DC - Proposição 4.40
Parte da legislação: Penhor, hipoteca e anticrese
Artigo: 1.419 do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
As garantias do penhor, da anticrese e da hipoteca estão sujeitas a finalidades de função
social que exigem considerar as circunstâncias econômicas e as alterações na renda do
devedor no momento da execução da dívida.
Justificativa:
O artigo 421 do Código Civil condiciona a liberdade de contratar ao cumprimento da
função social. Como a constitutividade das garantias reais está ligada ao contrato,
estende-se a funcionalização ao penhor, à anticrese e à hipoteca.
Deve-se levar em conta ainda que a hipoteca constitui garantia que viabiliza a aquisição
da moradia; justifica-se a funcionalização de modo a proteger o devedor nas situações
de crise econômica e de alteração de renda, a exemplo do que ocorre na Espanha a partir
da Lei 1/2013 de 14 de maio.
Por outro lado, o princípio da acessoriedade deve observar aplicação maleável de modo
a incorporar na relação interna entre débito e garantia finalidades de função social.
201
DC - Proposição 4.41
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 1.420, § 1º, e 1.361, § 3º
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Os contratos de hipoteca e de alienação fiduciária da propriedade superveniente de bem
imóvel são passíveis de registro em data contemporânea à da celebração do contrato (Lei
nº 6.015/1973, art. 167, I, nº 29).
Justificativa:
A constituição de direitos reais de garantia real sob condição suspensiva, incidente
sobre propriedade superveniente, embora só produza efeito após o implemento da
condição, é eficaz desde a data do registro do contrato (CC, § 1º do art. 1.420 e no § 3º
do art. 1.361). O registro fundamenta-se no art. 167, I, 29, da Lei nº 6.015/1973 e tem
efeito apenas assecuratório, mas, uma vez implementada a condição, produz efeito
constitutivo, sem necessidade de novo registro, bastando para tal a averbação do evento
que caracteriza o implemento. Observa Serpa Lopes que o registro “[...] produz uma
retroação [...]:1°) se a venda sob condição suspensiva for transcrita no próprio dia do
contrato, a condição, verificando-se, retroage ao próprio dia, tanto entre as partes como
em relação a terceiros; 2°) se for transcrita medio tempore, o efeito da condição não
vale, em relação a terceiros, senão do dia da transcrição; 3°) se for transcrito somente
depois da verificação da condição, o seu efeito, ao invés de decorrer do dia do contrato,
produz-se do dia da transcrição.” (SERPA LOPES, Miguel Maria de, Tratado dos
Registros Públicos. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1955; 3. ed., v. III, p. 375).
Assim, vindo a se concretizar a aquisição “por quem não era dono” (CC, art. 1.420),
considera-se constituída a garantia: “assim é que a aquisição do domínio, a alienação da
propriedade, a constituição da obrigação etc reputam-se realizadas contemporaneamente
à declaração de vontade, não obstante a condição somente verificar-se ulteriormente”
(Enneccerus, apud Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil,
atualizadora Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 20. ed., 2004, v.
I, p. 566).
202
203
COMISSÃO FAMÍLIA E SUCESSÕES
RESPONSÁVEL: OTÁVIO LUIZ RODRIGUES JÚNIOR
FS - Proposição 5.1
Parte da legislação: Dos Alimentos
Artigo: 18 da Lei n° 5.748/68, Lei de Alimentos
Enunciado proposto (resumo da proposição):
"A prisão civil por alimentos não é pena, mas medida executiva coercitiva. Assim, não
há que se falar em progressão de regime em casos de prisão civil por alimentos."
Justificativa:
"O regime prisional do devedor de alimentos é necessariamente o com as características
do regime fechado, não havendo que se falar em regime fechado propriamente dito,
posto a prisão civil não ser pena, mas modo coercitivo de execução. Ademais, houve
mudança superveniente na redação da prisão civil no novo código de processo civil, o
qual fala em regime fechado e duração da pena (art. 528, parágrafo 4º do Novo Código
de processo Civil), podendo ensejar a discussão abordada no enunciado.”
204
FS - Proposição 5.2
Parte da legislação: Livro V (Do Direito das Sucessões); Título III (Da Sucessão
Testamentária; Capítulo VI (Das Disposições Testamentárias)
Artigo: art. 187 e art. 1.900, do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
É nula a disposição testamentária quando o testador exceder os limites impostos pela
boa fé, pelo fim econômico e social, ou pelos bons costumes (art. 187, do Código Civil).
Justificativa:
Há, no Código Civil, limites/controles materiais do negócio jurídico testamento. Esse
controle pode ser ‘interno’ e ‘externo’. O controle ‘interno’ está ligado às restrições
imperativas do ordenamento: arts. 1.789, 1.801, 1.846, 1.848, 1.898, art. 1.900. O
controle material ‘externo’ se refere às características específicas da relação em
concreto, ou seja, da análise do conteúdo concreto de determinado testamento. Trata-se,
em síntese, da aplicação da boa-fé objetiva e do cumprimento da finalidade social e
econômica (art. 187, do Código Civil) ao negócio jurídico testamento.
O controle externo indica fatores que não estão ligados ao sujeito – a análise se afasta da
subjetividade (culpa, por assim dizer) – mas sim inerentes à ação do sujeito,
objetivamente considerada. Trata-se, portanto, de condenação jurídica do exercício
inadmissível de direitos. O que se faz aqui é o controle (restrição) da liberdade de testar
a partir da aplicação da cláusula geral de ilicitude prevista no art. 187, do Código Civil.
Dessa forma, os quatro critérios objetivos (fim econômico, fim social, boa-fé e bons
costumes, estudados), funcionam como determinantes da licitude do exercício dos
direitos subjetivos, remetendo às variadas formas de coibição e remoção do ilícito. E
frise-se, a análise é objetiva, isto é, é o juízo de valor exclusivamente sobre o
comportamento (sobre os atos praticados), despreocupado da análise sobre a
“consciência” de quem os praticou, em outras palavras, da assunção culposa do
comportamento que viola a norma. Trata-se, por assim dizer, do controle da licitude no
exercício de direitos (subjetivos), categoria mais ampla (e conceitualmente mais correta)
do que o antigo abuso de direito.
205
FS - Proposição 5.3
Parte da legislação: Constituição Federal
Artigo: 226 e 227
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O princípio da afetividade não trata sobre afeição, sentimento ou tutela sobre qualquer
tipo de cuidado, mas reconhece as escolhas legítimas, públicas e conscientes do(s)
agente(s) na constituição familiar, repercutindo em responsabilidades. Logo, o referido
princípio integra-se aos outros princípios gerais de direito e demais normativos legais,
não sendo absoluto, devendo sua aplicação ser analisada conforme o caso concreto.
Justificativa:
A afetividade, independente de questões sentimentais, é a inserção da autonomia da
vontade dentro do direito de família, seja na concepção de uma criança, nas três
constituições de filiação (biológica, adotiva ou afetiva), na constituição de uniões
solenes ou tácitas, os agentes constituidores assumem responsabilidade sobre seus
efeitos (autorresponsabilidade). A vontade, como expressão deliberativa decisória, para
Kant é regida pela razão prática, de natureza epistêmica, força fundamentadora da
moralidade. Não se deve confundir a autonomia da vontade com a autonomia privada,
também tão alardeada no “novo direito de família”. A autonomia privada é uma
potestas, a capacidade individual de deliberar, ou melhor, a liberdade de iniciativa. Na
autonomia privada, a norma resulta diretamente da deliberação, do consenso, pela
estipulação livre, capaz (pressupõe racional) e legítima das partes igualmente
reconhecidas. Na autonomia da vontade o dever é um pressuposto racional, a
autorresponsabilidade é inerente a deliberação, e seus efeitos vinculantes nem sempre
são previsíveis e aceitáveis pelas partes, mas devem ser assumidas. É no sentido de uma
autorresponsabilidade voltada ao “outro”, que Luc Ferry entende a afetividade. A
afetividade é expressão privada do valor sagrado maior da modernidade, a Dignidade da
pessoa. A família constituída pela vontade de seus integrantes livres e capazes gerará,
pela força da autorresponsabilidade e da alteridade, gerará efeitos vinculantes, inclusive
patrimoniais.
206
FS - Proposição 5.4
Parte da legislação: Código de Processo Civil de 1973 (Lei n.º 5.689/1973), art. 733;
Código de Processo Civil de 2015 (Lei n.º 13.105/2015), art. 528; Lei de Alimentos (Lei
n.º 5.478/1968), art. 19.
Artigo: CC 733
Enunciado proposto (resumo da proposição):
“Deve o magistrado, em sede de execução de alimentos avoengos, analisar as condições
do(s) devedor(es), podendo aplicar medida coercitiva diversa da prisão civil ou
determinar seu cumprimento em modalidade diversa do regime fechado (prisão em
regime aberto ou prisão domiciliar) se o executado comprovar situações que
contraindiquem o rigor na aplicação desse meio executivo e o torne atentatório à sua
dignidade, como corolário do princípio de proteção aos idosos e garantia à vida.”
Justificativa:
É cediço que a prisão civil, como meio executivo máximo, se destina à maior celeridade
possível à cobrança de crédito sensível à sobrevivência do alimentando. No entanto, tal
não pode se dar em prejuízo à sobrevivência do alimentante. No caso dos alimentos
prestados por avós, ainda, apresenta-se o caráter subsidiário da verba, pois só se dá na
impossibilidade ou insuficiência das condições econômicas dos pais. Por outro lado, não
se pode descurar que os avós presumivelmente já prestaram a assistência material
necessária para que esses genitores chegassem à idade adulta e tivessem filhos. A
solidariedade intergeracional não dispensa, e nem pode dispensar, os avós de
contribuírem para com o sustento dos netos, mas não se pode descurar que já fizeram o
possível quando contavam com o vigor da juventude e, chegados à fase da velhice,
precisam de maiores cuidados consigo. A obrigação avoenga não pode ser colocada no
mesmo patamar da obrigação materna ou paterna. Não por menos, o Conselho da
Justiça Federal já aprovou o Enunciado n.º 342 na IV Jornada de Direito Civil:
Assevere-se que muitos avós, talvez a maioria dos pleiteados, já são idosos, fase da vida
em que a saúde, via de regra, está mais debilitada. Assim, nem sempre estão em
condições de arcar com alimentos, mesmo após fixados em título judicial, pois podem
advir problemas de saúde a exigir gastos excepcionais com tratamentos médicos. Com o
enunciado, visa-se trazer, em analogia, a prisão domiciliar para os alimentos avoengos –
como hipótese excepcional. A presente interpretação é compatível com precedente do
STJ (RHC 38824-SP), julgado em 17/10/2013, de relatoria da Min. Nancy Andrighi.
207
FS - Proposição 5.5
Parte da legislação: Código de Processo Civil – Lei 13.105 de 16/03/2015
Artigo: 610 e seu § 1º
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Mesmo quando houver testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes
com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o
inventário extrajudicial.
Justificativa:
.
A só existência de testamento não serve de justificativa para impedir que o inventário
seja levado a efeito extrajudicialmente. Muitas vezes as disposições testamentárias não
tem natureza patrimonial. Em outros casos, claros são os seus termos, não ensejando
qualquer dúvida dos herdeiros e dos beneficiados quanto a última manifestação de
vontade.
Inclusive muitos juízes, quando do registro do testamento, têm autorizado o uso da via
extrajudicial, sem que tal afete a higidez do procedimento levado a efeito perante o
tabelião. A justiça paulista foi a pioneira, tendo a Corregedoria Permanente se
manifestado favoravelmente a esta prática.
De qualquer modo, persiste a possibilidade de ser discutidas, na via judicial, eventuais
controvérsias sobre a validade do testamento ou de alguma de suas cláusulas.
Certamente esta é uma medida para desafogar a já tão congestionada justiça, não
envolvendo os magistrados em processo no qual nada tem a decidir, além de assegurar
às partes uma solução mais rápidas a uma questão que não necessita da chancela
judicial.
208
FS - Proposição 5.6
Parte da legislação: Código Civil e CF-88
Artigo: art.1511 e 1.723 do CC e art. 226, § 3º CF-88
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Não se deve igualar ou desigualar a união estável ao casamento, aprioristicamente.
Justificativa:
Que união estável e casamento configuram formas de entidades familiares não há
dúvida, mas nem por isso se deve, aprioristicamente, por posições pessoais, partidárias,
etc, se adotar o posicionamento de que a ambos se deve aplicar os mesmos direitos e
obrigações ou que nenhuma disposição referente a um se aplique ao outro, devendo-se
analisar, no caso concreto, a possibilidade ou não de equiparação dos institutos,
porquanto não há texto expresso de norma que os iguale ou desiguale.
209
FS - Proposição 5.7
Parte da legislação: Do direito de família. Do direito pessoal. Do casamento.
Disposições gerais.
Artigo: 1.514
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O direito de realização do casamento deve ser estendido aos casais homoafetivos, em
contraposição à restrição explicitada no artigo ao se citar a expressão “homem e
mulher”, no sentido de proporcionar aos companheiros todas as garantias e
prerrogativas advindas do vínculo conjugal. De forma a garantir a igualdade formal
estabelecida pela própria Constituição Federal, deve-se afastar a situação perpetuada de
desigualdade criada pela norma civil que se esquiva do reconhecimento do vínculo
conjugal em relações homoafetivas.
Justificativa:
O modelo familiar contemporâneo é resultado de um processo lento de evolução traçado
em meio às transformações sociais, culturais e econômicas onde a família atua. Apesar
da atual necessidade de adaptação da legislação infraconstitucional, conforme se
depreende da situação abordada e formalmente instruída pela Resolução do CNJ nº 175,
optou o legislador por não incluir, à moldura da norma civil, as construções familiares
já existentes, formadas por casais homossexuais.
Ao longo da história, a família sempre gozou de um conceito sacralizado, servindo de
paradigma a formação patriarcal e sendo aceito, exclusivamente, o vínculo
heterossexual. Durante o século XX, com a constitucionalização do Direito de Família,
as relações familiares passaram a ser guiadas pelos princípios constitucionais, que
primavam pela dignidade da pessoa humana a partir da igualdade entre homens e
mulheres, refletindo em uma repersonalização das relações familiares.
A finalidade da lei não é tornar a vida imóvel e cristalizá-la, mas sim permanecer em
contato com ela, seguir sua evolução e a ela se adaptar. O Direito tem um papel social a
cumprir, exigindo que este se adeque às novas situações que se apresentam. O novo
modelo da família funda-se sob os pilares da repersonalização, da afetividade, da
pluralidade e do eudemonismo, incorporando uma nova roupagem axiológica ao Direito
de Família. Sendo assim, visível é a necessidade de interpretação extensiva do citado
dispositivo legal, tornando aplicável aos casais homoafetivos a celebração do casamento
e a formação do vínculo conjugal.
210
FS - Proposição 5.8
Parte da legislação: Livro IV da Parte Especial do Código Civil e Lei nº 13.146/15
Artigo: 1518 do Código Civil e art. 114, da Lei nº 13.146/15
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A pessoa com deficiência mental ou intelectual sob regime de curatela tem plena
autonomia e aptidão para titularizar e exercer posições jurídicas quanto às situações
jurídicas existenciais, inclusive a faculdade de se casar e, com a vigência do Estatuto da
Pessoa com Deficiência, não necessita da autorização de seu curador para contrair
matrimônio.
Justificativa:
O Estatuto da Pessoa com Deficiência ( Lei nº 13.146/15) consolida orientação
doutrinária contemporânea e, assim, estabelece no seu art. 85, caput, que a curatela se
restringe aos atos de natureza patrimonial e que envolverem a pessoa deficiente mental
ou intelectual. E, em reforço a tal aspecto, o texto legal prevê que a curatela não abrange
o direito ao matrimônio curatelado.
Diante de tal perspectiva, em cumprimento à Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – internalizados pelo Decreto nº 6.949, de
25 de agosto de 2009, a correta interpretação acerca do art. 1518, do Código Civil, deve
ser a que admite a plena autonomia do curatelado em exercer a faculdade de se casar e,
portanto, que não exige autorização do curador para a prática de tal ato.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência apenas consolida tal interpretação ao alterar a
redação do art. 1518 do Código Civil e, assim, não mais prever curador no referido
dispositivo legal (art. 114, da Lei nº 13.146/15).
211
FS - Proposição 5.9
Parte da legislação: Livro IV da Parte Especial do Código Civil e Lei nº 13.146/15.
Artigo: 1548 e 1550 do Código Civil e art. 114, da Lei nº 13.146/15.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
À luz do sistema introduzido pelo Estatuto de Pessoa com Deficiência, o casamento
contraído por pessoa com deficiência mental, intelectual ou sensorial não é nulo, nem
anulável, tendo sido revogado implicitamente o art. IV, do art. 1550, do Código Civil.
Justificativa:
O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15) alterou significativamente o
regime das invalidades do casamento pois, além de revogar expressamente o inciso I do
art. 1548, do Código Civil (art. 114 , do Estatuto), também revogou implicitamente a
regra prevista no inciso IV, do art. 1550, do Código Civil. A deficiência da pessoa não
afeta sua plena capacidade civil (art. 6º, do Estatuto), inclusive para se casar ou
constituir união estável e, ainda que a pessoa venha a ser interditada, a curatela não
abrangerá o direito ao casamento e à formação de nova família (art. 85, § 1º, do
Estatuto).
A explicação para revogação do inciso IV, do art. 1550, do Código Civil – que tratava
da hipótese de casamento anulável por incapaz de consentir ou manifestar, de modo
inequívoco, seu consentimento – também decorre da separação clara entre as situações
jurídicas existenciais e as situações jurídicas patrimoniais envolvendo a pessoa com
deficiência. Ademais, o art. 1550, § 2º, do Código Civil (na redação introduzida pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência) prevê que a manifestação de vontade de pessoa
com deficiência mental ou intelectual para se casar pode ser direta ou, se assim o
entender, por meio de seu curador ou responsável. Desse modo, não há mais a causa de
anulação do casamento que antes era prevista no art. 1550, IV, do Código Civil.
212
FS - Proposição 5.10
Parte da legislação: CC - Do Casamento – Capítulo IX: Da Eficácia do Casamento
Artigo: 1.565, §1º,
Enunciado proposto (resumo da proposição):
É possível a supressão de patronímico pelo casamento desde que não haja prejuízo à
ancestralidade com a manutenção do sobrenome materno ou paterno.
Justificativa:
O princípio da imutabilidade do nome da Lei 6.015/1973 merece ser adequado ao
cenário civil-constitucional que a sucede, com a prevalência da tutela do princípio da
dignidade da pessoa humana e todos os seus atributos – os direitos da personalidade
(arts. 11 e 12, CC). Em acórdão paradigmático, manifestou o Min. Castro Filho: “O art.
1565, § 1º, do Código Civil [...] diz que, pelo casamento, é facultado aos nubentes
acrescer ao seu o sobrenome do outro. Conquanto o vocábulo acrescer indique,
realmente, acréscimo, o dispositivo não deve suscitar interpretação restritiva. A lei é
feita para facilitar, simplificar, e não para atormentar e dificultar a vida das pessoas.
Exigir que uma pessoa, ao se casar, permaneça com o seu sobrenome e adote o do
cônjuge pode gerar inconvenientes. Ora, a norma em apreço traz uma faculdade
mediante a qual o nubente poderá, ou não, adotar o patronímico do outro. É uma opção
que fica a critério do cônjuge, desde que não cause prejuízos a terceiros. É de se ter
presente que o acréscimo de um só apelido pode gerar problemas de cacofonia, com
repercussão na integridade moral do contraente, ou pode não convir a extensão
exagerada do nome escolhido, o que leva à conclusão que o dispositivo tido por violado
permite, até mesmo, a supressão de um dos apelidos de família, sem que se ofenda a lei
e os interesses que ela protege. Aliás, essa interpretação prestigia o fim social da lei,
marca que o legislador quis imprimir de forma inexorável no Código Civil de 2.002.”
(REsp 662.799/MG, Rel. Min. Castro Filho, 3ª Turma, julgado em 08/11/2005, DJ
28/11/2005, p. 279). No mesmo sentido, REsp 1.433.187/SC, julgado em 26/05/2015.
213
FS - Proposição 5.11
Parte da legislação: Livro IV da Parte Especial do Código Civil e Lei nº 13.146/15.
Artigo: 1565, §2º, do Código Civil e art. 18, § 4º, VIII, da Lei nº 13.146/15.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O direito ao planejamento familiar através do acesso ou casais às técnicas de reprodução
assistida, se insere também nas ações e serviços do SUS (Sistema Único de Saúde),
ensejando prestações do Poder Público para garantir a efetividade do direito à
reprodução (art. 18, § 4º, VII, da Lei nº 13.146/15).
Justificativa:
O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15) ao prever a “atenção sexual e
reprodutiva, inclusive o direito à fertilização assistida” (art. 18, §4º, VII) no rol das
ações e dos serviços de saúde pública garantidos às pessoas com deficiência, na
realidade reconhece que cabe ao Poder Público assegurar o exercício dos direitos
reprodutivos de todos os casais ou pessoas que, no exercício do planejamento familiar,
tenham dificuldade para a procriação. As ações e serviços de saúde pública também
abrangem os métodos e as técnicas de reprodução assistida, sendo dever do Estado
fornecê-los às pessoas e casais que se insiram no exercício do direito ao planejamento
familiar.
214
FS - Proposição 5.12
Parte da legislação: Da Dissolução da Sociedade e do vínculo Conjugal
Artigo: art. 1.571 do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
"A expedição do mandado de averbação do divórcio independe do trânsito em julgado
da ação originária que persiste discutindo demais aspectos da dissolução do
matrimônio."
Justificativa:
A culpa como requisito intrínseco a decretação da separação/divórcio foi praticamente
extirpada do ordenamento jurídico brasileiro. Assim, com o advento da emenda
constitucional número 66 de 2010 e a extinção da separação judicial, a vontade
(interesse de agir) de se divorciar é elemento suficiente para a concessão do divórcio.
Portanto, a imediata expedição do mandado de averbação do divórcio não mais depende
do trânsito em julgado da ação que discute demais elementos oriundos do matrimônio,
como “culpa”, alimentos, partilha de bens e guarda de eventual filho.
215
FS - Proposição 5.13
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 1.571, IV, 1.581 e 1.723 do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Na ação destinada a dissolver o vínculo matrimonial ou de união estável, inclusive na
tutela assecuratória desse direito, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada ou
alternada do animal de estimação do casal, ainda que sua existência seja anterior ao
início do relacionamento afetivo, distribuindo entre seus membros os ônus e obrigações
de cuidado.
Justificativa:
Ainda que a matéria relativa ao exercício de determinadas prerrogativas sobre um
animal de estimação comporte discussões que desatam as controvérsias ora no âmbito
do Direito das Coisas, ora no Direito de Família, uma ordem jurídica que reconhece a
centralidade do afeto como fundamento das relações de convivência deve prestigiar a
existência de laços emotivos que se formam entre os membros de um par e o animal que
é destinatário de sua estima, ainda que a existência desse animal seja anterior ao próprio
casal.
O vínculo emocional que se forma entre pessoa e animal, que por muitos chega a ser
comparado a uma relação filial, ao ser rompido pela separação do casal pode causar
sofrimento psicológico ao cônjuge ou companheiro que de sua convivência tornou-se
privado. Atento ao fato de que o postulado da dignidade humana se espraia às mais
variadas relações juridicamente apreciáveis, propõe-se enunciado que se destina a
orientar a solução de conflitos fundados no exercício dos poderes fáticos de um cônjuge
ou companheiro sobre o animal de estimação que esteve presente no cotidiano do casal
durante o relacionamento.
Optou-se por termo neutro (“custódia”), inspirado no direito estrangeiro (animal
custody), a fim de permitir adequado amadurecimento do tema e como forma de evitar a
banalização de terminologias destinadas às relações humanas (guarda compartilhada) ou
que se revelem insuficientes ao adequado tratamento da matéria (posse compartilhada).
216
FS - Proposição 5.14
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: art. 1.574
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O instituto da separação tornou-se desnecessário diante da EC 66/2010, razão pela qual
é inconstitucional a sua manutenção por violação ao princípio da proporcionalidade.
Justificativa:
É notório a tentativa feita de manutenção do instituto da separação via novo CPC. No
entanto, tal se consubstancia em burla ao legislador constituinte reformador, ferindo o
princípio da proporcionalidade nas suas três vertentes, já que é inadequado, pois
desconexo com o fim almejado, possível pelo simples divórcio; desnecessário, por se
traduzir em uma opção pela ação mais gravosa para os interesses dos particulares, os
quais deverão posteriormente se utilizar do divórcio e sem proporcionalidade em
sentido estrito, porquanto se prevista apenas a opção consensual, o custo-benefício de
separar e depois divorciar não indica a sua manutenção.
217
FS - Proposição 5.15
Parte da legislação: Sucessão e regime de bens
Artigo: Arts. 1576, 1830, 1845 e 1641
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O regime de bens somente regerá a relação patrimonial dos cônjuges em caso de
separação ou divórcio. Na hipótese de óbito, essa relação será regida pelas regras de
direito sucessório e o regime de bens se limitará a viabilizar a distinção entre o que é
devido a título de meação e o acervo hereditário.
Não se confunde regime de separação de bens com a separação obrigatória de bens de
que trata o art. 1.641 do CC/2002.
Justificativa:
Em julgados recentes (REsp n. 1.472.945/RJ, REsp 1.382.170/SP), o Superior Tribunal
de Justiça consolidou o entendimento de que o direito sucessório é inerente à condição
de cônjuge sobrevivente a despeito do regime de bens, de modo que a relevância deste
último no que toca ao patrimônio do cônjuge sobrevivente se limita a justificar as
proporções da legítima em virtude da conservação da meação – ou ausência de meação.
Em seminário realizado na AASP (Associação dos Advogados de São Paulo) esta
questão foi escolhida pelo Ministro Ricardo Villas Boas Cueva como tema de
apresentação pelo fato de que representa uma ruptura com o entendimento anterior da
Corte, segundo o qual o cônjuge sobrevivente, na hipótese de separação convencional
de bens, não seria admitido como herdeiro necessário.
A vigência do CC/2002 e sua interpretação textual levaram o STJ a rever o
posicionamento e a acentuar que não se confundem o regime de separação de bens e a
separação legal obrigatória de bens, da qual trata o art. 1641.
É relevante o debate porque explora a necessidade de um cônjuge recorrer a novos
recursos caso deseje favorecer ou desfavorecer o outro cônjuge na superveniência da
sua morte.
218
FS - Proposição 5.16
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: § 2º do 1.583
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A distribuição do tempo de convívio na guarda compartilhada deve atender
precipuamente ao melhor interesse dos filhos, não devendo a divisão de forma
equilibrada, a que alude o legislador, representar convivência livre ou, ao contrário,
repartição de tempo matematicamente igualitária entre os pais.
Justificativa:
Segundo a redação do § 2º, do art. 1.583, do Código Civil, dada pela Lei 13.058/2014, o
tempo de convívio dos pais com os filhos na guarda compartilhada deve ser equilibrado,
tendo em vista o interesse dos filhos e as condições fáticas.
Contudo, a interpretação do termo equilibrado deve ser feita tomando-se como base
duas premissas: (i) a guarda compartilhada não implica, necessariamente, convivência
familiar livre. A organização do cotidiano dos filhos – ou fixação das visitas, para
utilizar termos mais tradicionais – é de suma relevância, a fim de se evitar abusos no
exercício da autoridade parental. (ii) No que tange a tal organização, a Lei 13.058/2014,
deu nova redação ao § 3º do art. 1.584, que facultou ao juiz basear-se em estudo
técnico-profissional para se orientar quanto à convivência entre os pais, com vistas a
uma divisão equilibrada do tempo dos filhos. Note-se que a lei não diz igualitária, pois
afinal, a arquitetura da rotina dos menores deverá seguir os seus interesses e não uma
divisão que necessariamente deva ser equânime entre os pais. Prova de tal afirmativa é o
comando que determina a fixação da moradia dos filhos, que deve ser norteada pelo
interesse desses; se a divisão de tempo fosse obrigatoriamente igualitária, a moradia
deveria ser fixada na casa de ambos, o que não é a orientação legal.
219
FS - Proposição 5.17
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: § 3º do art. 1583 do CC
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Dupla residência
A fixação de uma base de moradia dos filhos, quando da adoção da guarda
compartilhada, prevista no § 3º do art. 1583 do CC não induz a uma residência
única, já que com o compartilhamento as crianças e os adolescentes desfrutarão de
dois lares, estimulando-se a manutenção de vínculos afetivos e de responsabilidade,
com ambos os genitores, essenciais para o desenvolvimento biopsiquico das crianças
e dos jovens.
Justificativa:
A lei 13.058/2014 consolidou a igualdade parental entre os genitores,
estabelecendo uma efetiva participação do pai e da mãe, na educação e cuidado
dos filhos, mediante o equilíbrio do tempo de convívio, fundado na coresponsabilidade entre estes, o que alicerça a guarda compartilhada.
Dessa forma, o compartilhamento equilibrado do tempo dos genitores com os
filhos, ganhou relevância jurídica e fora alçado ao modelo legal vigente, já que
muito frequente se tornou a situação de pais morando em casas separadas. Hoje no
Brasil são mais de 20 milhões de crianças e jovens chamados de “filhos do
divórcio”. A mudança social e o fortalecimento da busca do projeto pessoal de
cada integrante da família (família eudemonista) fez nascer novos modelos
familiares, dentre eles, as famílias multinucleares, onde os filhos desfrutam de
dois lares,
estimulando
a manutenção de vínculos afetivos e de
responsabilidade, essenciais para o desenvolvimento biopsiquico das crianças e
dos jovens. As pessoas mantinham-se casadas ou unidas, em desconformidade com
o seu projeto de felicidade, somente por convenção social ou para que os filhos
permanecessem na presença do pai e da mãe. Assim, a previsão legal de que os
filhos tenham estabelecida uma base de moradia não pode significar a existência
de residência única. Não há qualquer estudo validável que, comprove prejuízo na
adoção da dupla residência, se o processo de adaptação for efetivado de forma
respeitosa e amorosa.
220
FS - Proposição 5.18
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: §2º do art. 1.583 do CC.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Guarda Compartilhada
O equilíbrio da convivência paterno e materno-filial, previsto no §2º do art. 1583
do CC, decorrente da guarda compartilhada deve ser reconhecido, como sendo em
50% (cinquenta por cento) do tempo para cada um dos genitores, em razão da
igualdade parental existente entre estes. Na hipótese de ocorrência de circunstâncias
que impeçam o alcance desse coeficiente, deve-se garantir um mínimo de 35%
(trinta e cinco por cento) do tempo, para aquele que permanece em menor período
com o infante, pois do contrário, a guarda torna-se unilateral.
Justificativa:
A lei 13.058/2014 que, consolida a igualdade parental entre os genitores, resultou
de uma forte mobilização social, em busca da efetiva participação do pai e da mãe,
na educação e cuidado dos filhos, mediante o equilíbrio do tempo de convívio, pelo
qual se expressa a co-responsabilidade entre estes. A guarda compartilhada foi
adotada pelo legislador, como o modelo legal vigente, tornando a guarda unilateral
concedida a um dos genitores como medida de exceção. Ante o princípio da menor
participação do Estado nas relações parentais, a forma de compartilhamento deve ser
estabelecida, sempre que possível, pelos próprios integrantes daquele núcleo familiar.
No entanto, se os genitores não conseguem exercitar essa autonomia, muitas vezes, em
razão de mágoas, ressentimentos e inaceitações, decorrentes da separação, resta ao
Poder Judiciário estabelecer os parâmetros e a forma de divisão do tempo de
convivência, observando-se para isso, o necessário equilíbrio entre ambos, da forma
preconizada no § 2º do art. 1583 do CC. O equilíbrio deve ser reconhecido como
sendo em 50% (cinquenta por cento) do tempo para cada um dos genitores, em razão
da igualdade parental existente entre estes. Na hipótese de ocorrência de circunstâncias
que impeçam o alcance desse coeficiente, deve-se garantir um mínimo de 35% (trinta
e cinco por cento) do tempo, para aquele que permanece em menor período com o
infante, pois do contrário, a guarda torna-se unilateral, nos termos do que vem
demonstrado pela forte e mais abalizada literatura internacional.
221
FS - Proposição 5.19
Parte da legislação: Guarda dos Filhos
Artigo: Art. 1.583, §1º, CC
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A concessão de guarda unilateral do filho comum a um dos genitores não retira do outro
as faculdades inerentes ao poder familiar, limitando-se o direito de tê-lo em sua
companhia nos termos do acordo existente entre o par parental ou da decisão judicial.
Justificativa:
Há razoável imprecisão na definição do conceito de guarda. Ora se trata como guarda o
poder de ter consigo os filhos (guarda no sentido de custódia física dos filhos), ora
como o poder-dever de decidir sobre a vida dos filhos (guarda no sentido de exercício
de um poder decisório). Enquanto o art. 1.634, CC, indica que ambos os pais têm o
exercício do poder familiar, sendo a guarda uma das faculdades que lhe são inerentes
(conf. Inc. II), o art. 1.583, CC, deixa transparecer que só aquele que tenha a guarda terá
o exercício do poder familiar. O caráter assistemático da lei torna comum a confusão
entre o exercício do poder familiar e o exercício da guarda física. É preciso esclarecer,
portanto, que ambos os pais, independentemente de exercerem a guarda, estão aptos ao
exercício do poder familiar, com faculdades inerentes a isso. A perda da guarda só retira
do genitor a custódia física dos filhos nos períodos ali estabelecidos.
222
FS - Proposição 5.20
Parte da legislação: Guarda dos Filhos
Artigo: Art. 1.583, §2º, CC
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Na guarda compartilhada, entende-se por divisão equilibrada do tempo de convívio com
os filhos aquela que atenda aos interesses da criança e do par parental, podendo ser
fixado um lar de referência, com visitas ao outro cônjuge, ou, se isso não for possível,
ser estabelecida a alternância de domicílios ao longo do tempo.
Justificativa:
O regime da custódia física dos filhos não pode ser inferido da simples escolha por um
regime de guarda específico. Pais divorciados podem manter a guarda compartilhada,
com divisão equânime do tempo de convivência, o que é raro, ou sem que o tempo de
convivência com os filhos seja dividido em duas metades iguais, o que é mais comum.
Com isso, em algumas situações, a guarda compartilhada pode aproximar-se da guarda
unilateral, sobretudo quando há fixação de um lar de referência e quando a custódia dos
filhos em favor de um dos genitores está adstrita, por exemplo, a finais de semana
(próxima, portanto, ao simples exercício de direito de visita).
223
FS - Proposição 5.21
Parte da legislação: Código Civil. Livro IV – Do Direito de Família. Título I – Do
Direito Pessoal. Subtítulo I – Do Casamento. Capítulo XI – Da Proteção da Pessoa dos
Filhos
Artigo: § 2° do artigo 1.583 (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A divisão, de forma equilibrada, do tempo de convívio dos filhos com a mãe e com o
pai, imposta na guarda compartilhada pelo § 2° do artigo 1.583 do Código Civil, não
deve ser confundida com a imposição do tempo previsto pelo instituto da guarda
alternada, pois nesta não só se denota a divisão equânime do tempo de permanência dos
filhos com os pais, mas também o exercício exclusivo da guarda pelo genitor que se
encontra na companhia do filho.
Justificativa:
A legislação brasileira prevê o instituto da guarda compartilhada desde 2008, quando
entrou em vigor a Lei n. 11.698, que alterou a redação do §1° do artigo 1.583 do Código
Civil. Tal norma dispõe que se compreende por guarda compartilhada a
responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não
vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. Com a
edição da nova lei da guarda compartilhada, Lei n. 13.058, de 2014, manteve-se a
definição do instituto, porém modificou-se o §2° do referido artigo, a fim de determinar
que na guarda compartilhada o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de
forma equilibrada com a mãe e com o pai. Assim, se anteriormente à Lei n. 13.058, de
2014 já havia confusão acerca dos institutos da guarda compartilhada e da guarda
alternada, após o novo texto legal, que impõe o compartilhamento da custódia física, a
situação se agravou, pois muitos juristas os citam como se tratassem de um único
instituto. Ressalta-se que a guarda alternada não está prevista no ordenamento jurídico
brasileiro, e que consiste no exercício exclusivo alternado da guarda por um período
determinado. Portanto, é importante diferenciar os institutos, pois o que se busca na
divisão do tempo de convívio dos filhos com os pais na guarda compartilhada é a
convivência da criança com ambos os genitores, proporcionando o fortalecimento dos
vínculos afetivos, e permitindo tanto à mãe quanto ao pai que participem efetivamente
na criação e educação de seus filhos, de forma igualitária. Lembrando-se, sempre, que
tal divisão deve ser feita consideradas as condições fáticas e os interesses dos filhos.
224
FS - Proposição 5.22
Parte da legislação: Família e Sucessões
Artigo: 1.583
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A fixação de guarda compartilhada não exclui, por si só, a fixação do regime de visitas
ou convivência.
Justificativa:
A Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014, modificou o parágrafo segundo do artigo
1.583 do Código Civil, para determinar que na guarda compartilhada, o tempo de
convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai,
sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.
A nova determinação legal não diminui a importância da fixação do regime de visitas ou
convivência para o atendimento do melhor interesse dos menores, principalmente os de
pouca idade. Isso porque a determinação do período de convivência com cada um dos
genitores permite a organização da rotina da criança, assim com a criação e o
cumprimento das expectativas do menor.
Respeitado o equilíbrio determinado pela lei, deve ser determinado, sempre que
possível, um regime de convívio com dias e horários. Inclusive, tal definição poderá
permitir a averiguação do cumprimento ou não do dever de visitas, tanto por parte do
que partilha a residência com a menor, quanto pelo que tem outro endereço.
Com essa interpretação, cumpre-se o artigo 1.583 sem violação do artigo 1.589, ambos
do Código Civil.
225
FS - Proposição 5.23
Parte da legislação: Família e Sucessões
Artigo: 1.583
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Guarda compartilhada determina compartilhamento de responsabilidades com fixação
de domicílio único ao menor, não se confundindo com guarda alternada.
Justificativa:
O estímulo à fixação da guarda compartilhada está consubstanciado nas modificações
do Código Civil operadas pela Lei nº 11.698, de 2008, e pela Lei nº 13.058, de 2014.
A alteração mais recente determinou que na guarda compartilhada, o tempo de convívio
com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai. Com isso,
a noção de guarda compartilhada - compartilhamento de responsabilidades - aproximouse do conceito de guarda alternada - divisão igualitária do tempo dos filhos entre os
genitores.
Ocorre que a guarda alternada é uma espécie de revezamento de guarda unilateral entre
os pais, sendo que cada um deles é agente das decisões tomadas no período de sua
responsabilidade. Na guarda compartilhada, ao contrário, a repartição de
responsabilidades e decisões é constante.
A guarda compartilhada, como afirma a legislação, sempre tem em vista as condições
fáticas e os interesses dos filhos, o que não é resguardado pelo modelo da guarda
alternada e com ele não pode se confundir.
226
FS - Proposição 5.24
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 1.583 § 2º
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Artigo 1.583 § 2º: o “tempo de convívio com os fílhos deve ser dividido de forma
equilibrada com a mãe e com o pai” deve ser entendido como divisão proporcional de
tempo, da forma que cada genitor possa se ocupar dos cuidados pertinentes ao filho, em
razão das peculiaridades da vida privada de cada um, afastando-se o entendimento de
guarda alternada, que é instituto não acolhido pelo nosso ordenamento pátrio.
Justificativa:
A instituição da guarda compartilhada em pela Lei 11.698 de 2008, trouxe grande
novidade para o direito de família, qual seja o de tornar menos burocrática a relação de
convivência entre pais que não detinham a guarda unilateral e o filho do casal que se
separava. A guarda compartilhada, instituto inspirado na doutrina e jurisprudência da
época, não foi suficientemente conceituada na legislação civil, definindo-a tão somente
como “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe
que não vivam sob o mesmo teto”. A novidade jurídica, de redação insuficiente,
resultou aqui ou ali em prolação de sentenças com oferecimento aos pais da chamada
guarda alternada, que não tem aplicação em nosso sistema jurídico.
Na modalidade de guarda alternada, “existe um revezamento em períodos exclusivos de
guarda, cabendo ao outro o direito de visitas”, conforme lecionam Pablo Stolze
Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho em sua obra Novo Curso de Direito Civil, vol 6,
Ed. Saraiva, 2012, p. 609.
Podemos concluir que na guarda alternada permanecem os efeitos da guarda exclusiva,
apenas viabilizando a cada genitor , por períodos proporcionalmente considerados, 50%
(cinquenta por cento) do tempo a cada qual, entregando ao outro o direito de visitação
regulamentada e que a expressão “tempo de convívio de forma equilibrada” foge ao
conceito de guarda alternada, porquanto entrega o exercício permanente das principais
decisões acerca dos filhos, a ambos, e a proporcionalidade é para a guarda física, uma
vez que os pais estão separados.
227
FS - Proposição 5.25
Parte da legislação: Do Direito Pessoal – Capítulo XI: Da Proteção da Pessoa dos
Filhos
Artigo: 1.583, §2º, CC
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A nova guarda compartilhada indica uma nova percepção de igualdade parental e que
não afasta a incidência do melhor interesse da criança e (ou) ignora os laços de
afetividade entre pais e filhos.
Justificativa:
A Lei nº 13.058/2014 traz um novo paradigma no exercício do poder familiar pela
guarda compartilhada: o da igualdade parental (DIAS, 2015). Entretanto, a noção de
convívio equilibrado não se dá pela divisão aritmética cronológica que os filhos deverão
passar com cada genitor, mas sim, a partir da premissa de que as desigualdades dessa
família pós-nuclear devem ser balanceadas considerando a qualidade do tempo dedicado
à prole e os critérios de afetividade. Em que pese a revogação do inciso I deste
dispositivo na Lei nº 11.698/2008, qual seja, o “afeto nas relações com o genitor e com
o grupo familiar”, não se pode afastá-lo na definição do compartilhamento da guarda,
bem como no regime de convivência. Outro elemento balizador desse instituto é o do
melhor interesse da criança e do adolescente, princípio cogente da Lei 8.069/1990
(Estatuto da Criança e do Adolescente) e que se impõe a todo o Direito de Família, que
englobaria os incisos II e III igualmente revogados: “saúde e segurança” e “educação”.
228
FS - Proposição 5.26
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 1.583, §2º, CC
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Os atuais dispositivos legais que regulam a definição da guarda e o estabelecimento da
convivência familiar não impedem que sejam utilizados como fatores de deliberação,
nos respectivos casos concretos: (i) o vínculo de afetividade entre cada um dos pais com
os seus filhos; (ii) o melhor interesse da criança e/ou do adolescente.
Justificativa:
A Lei nº 13.058/2014 incentiva a uma corresponsabilidade entre os pais com o fito de
alcançar uma igualdade parental substancial, especialmente no que tange à guarda de
filhos e à convivência familiar. A alteração legislativa modificou dois dispositivos do
Código Civil (art. 1.583 e art. 1.584). Ao assim proceder, o novo texto revogou o
anterior inciso I do art. 1.583, CC, (com redação conferida pela Lei nº 11.698/2008),
que estabelecia como fatores para definição da guarda de filhos em casos de dissenso:
“I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; II – saúde e
segurança; III – educação”. Esses critérios, de certa forma, já eram citados pela
doutrina como presentes na própria redação originária do art. 1.584 no Código Civil de
2002, que vinculava a concessão da guarda “a quem tiver melhores condições de
exercê-la” (vide a doutrina de Maria Helena Diniz). Portanto, é possível constatar que
vincular a definição da guarda de filhos aos critérios da afetividade e do melhor
interesse da criança e do adolescente (como saúde, educação e segurança) estão
presentes na cultura jurídica brasileira desde 2002 (implícitos na redação originária do
Código Civil e explícitos na reforma da guarda de 2008). Como a alteração processada
em 2014 retirou tais fatores do texto legal, parece recomendável esclarecer que é
possível a utilização de tais critérios para a definição da guarda de filhos e da
convivência nos casos de dissenso entre os pais. Tanto a afetividade como o melhor
interesse da criança e do adolescente possuem vasto respaldo doutrinário e
jurisprudencial quando do trato desses temas, o que justifica a presente proposição.
229
FS - Proposição 5.27
Parte da legislação: Código Civil - Família
Artigo: 1.583 c/c 1.694 c/c 1.701
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A guarda compartilhada não implica, necessariamente, em ausência de pagamento de
pensão alimentícia.
Justificativa:
São duas situações distintas: guarda compartilhada refere-se às diretrizes de criação e
educação do menor de forma geral, ao passo que a pensão alimentícia decorre da
necessidade x possibilidade x probabilidade.
230
FS - Proposição 5.28
Parte da legislação: “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda
do filho” (...) “será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar
ao magistrado que não deseja a guarda do menor” (...) “A alteração não autorizada ou o
descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá
implicar a redução das prerrogativas atribuídas ao seu detentor”
Artigo: Art. 1.584, §§ 2º e 3º
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A ausência de acordo entre pai e mãe não impõe, necessariamente, a guarda
compartilhada, que somente deve ser aplicada quando as circunstâncias fáticas
permitirem o melhor desenvolvimento da criança ou adolescente, sendo vedada a
aplicação de redução de prerrogativas que impeçam a convivência familiar da criança
ou adolescente com o genitor(a) que altera ou descumpre cláusula de guarda unilateral
ou compartilhada.
Justificativa:
Por compartilhamento da guarda deve ser compreendido não apenas a partilha da
presença da criança e/ou do adolescente, mas sim de toda as consequências,
responsabilidades, atribuições e ônus que a autoridade parental representa. Portanto, a
interpretação legislativa não pode ficar adstrita à literalidade dos dispositivos ora
analisados, pois tal restrição poderia impor situações de grandes e insuperáveis
dificuldades para a criança e/ou adolescente, mormente em situações de conflitos
irresolúveis entre pais e mães.
Deve existir o mínimo de diálogo e entendimento possível a respeito do
compartilhamento entre os pais/mães em conflito, pois o melhor interesse da criança ou
adolescente deve prevalecer para a fixação da guarda e imposição de diminuição de
prerrogativas, de acordo com as circunstâncias fáticas e analisadas concretamente. Por
outro lado, há que se resguardar a convivência familiar e mensurar as hipóteses
passíveis de exceção do estado convivencial, que somente poderá ser imposto quando a
companhia do genitor ou genitora representar risco ao desenvolvimento equilibrado da
criança e/ou adolescente, de tal forma que as hipóteses de redução de prerrogativas
devem considerar o seu melhor interesse.
Atualização dos Enunciados 518, 336 e 102.
231
FS - Proposição 5.29
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: § 2º do artigo 1.584
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A guarda compartilhada, quando não houver acordo entre o pai e a mãe, só deve ser
aplicada, conforme prevê o § 2º, do art. 1.584 do Código Civil, após demonstração, por
meio de estudo técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, de que a medida
atende ao melhor interesse do filho.
Justificativa:
De acordo com a redação do § 2º, do art. 1.584, do Código Civil, dada pela Lei
13.058/2014, quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho,
encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a
guarda compartilhada, salvo se um deles declarar ao magistrado que não deseja a guarda
do menor. Não apenas por sua literalidade, mas principalmente em razão do conteúdo
derrogado, segundo o qual, quando não houvesse acordo entre a mãe e o pai quanto à
guarda do filho, seria aplicada, “sempre que possível”, a guarda compartilhada, o novo
dispositivo passou a ser interpretado como norma imperativa. Nestes termos, não
haveria alternativa para o julgador e seria possível afirmar que a guarda compartilhada é
a regra no tocante à guarda, visto ser a modalidade que se aplica ainda quando não há
acordo entre os pais, e a guarda unilateral a exceção. Impõe-se, contudo, seja feita a
interpretação do mencionado § 2º, à luz do princípio constitucional do melhor interesse
da criança e do adolescente, para que se resguardem seus direitos, com absoluta
prioridade, como determina o art. 227 da Constituição da República. Indispensável,
portanto, que a aplicação da guarda compartilhada, especialmente quando há desacordo
entre os pais, somente ocorra se realizados previamente estudos técnico-profissionais
que possam verificar e demonstrar cabalmente que a medida atende o melhor interesse
do(s) filho(s). Sem esta cautela, a guarda compartilhada poderá se tornar, nesses casos,
até um instrumento para eventual alienação parental.
232
FS - Proposição 5.30
Parte da legislação: Código Civil (Lei 10.406/2002).LIVRO IV - Do Direito de
Família /TÍTULO I - Do Direito Pessoal / SUBTÍTULO I - Do Casamento /
CAPÍTULO XI - Da Proteção da Pessoa dos Filhos
Artigo: Art. 1.584, inciso II, §2º do Código Civil (Lei 10.406/2002).
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Tendo em vista que o exercício da guarda compartilhada exige consenso quanto ao
modo de exercício do poder familiar e, não se restringe apenas a distribuição de tempo
de convívio, há de se ter grande cautela na aplicação do §2º do Art. 1.584 do C.C. pelo
juiz, no caso concreto, dando este preferência ao uso de métodos alternativos de
resolução de conflito como conciliação e mediação em consonância com o art. 694 do
NCPC.
Justificativa:
O §2º do art. 1.584 do Código Civil, com redação dada pela lei nº 13.058, de 2014
determina que: “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do
filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada
a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não
deseja a guarda do menor.” Na prática forense é razoável o entendimento de que a
guarda compartilhada deve resultar de consenso entre os genitores para que estes
possam exercer conjuntamente o poder familiar, sendo a guarda compartilhada a forma
mais adequada de guarda para o(a) filho(a) por traduzir-se em um entendimento dos
genitores de que foi o casal marido e mulher que não existe mais, todavia o casal pai e
mãe permanece enquanto o(a) filho(a) for vivo(a). Pelas máximas da experiência
percebemos nas audiências que, normalmente, quanto mais recente a
separação/divorcio, na maioria dos casos, ambos os genitores estão magoados e não
conseguem atingir esta compreensão da guarda compartilhada e a decretação desta pelo
juiz, num momento delicado como este pode acabar desatendendo o princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente pois colocará a mesma no meio de uma situação
conflituosa onde ambos os genitores ainda não conseguiram separar entre sí as situações
de marido e mulher e de pai e mãe. Assim, tentar ao máximo chegar ao acordo, seja
através da conciliação ou da mediação seria a medida mais prudente para se evitar uma
guarda compartilhada que, provavelmente, não se desenvolveria em sua boa plenitude,
pois a mesma depende, essencialmente, de consenso.
233
FS - Proposição 5.31
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: art. 1584, § 5o.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Juridicamente a afetividade deve ser verificada de modo objetivo, mediante a análise de
fatos jurídicos concretos. Essa dimensão objetiva da afetividade pode ser comprovada
pela presença de fatos sociais representativos de uma relação afetiva (atividades
exteriorizadoras de afeto). Por outro lado, sua dimensão subjetiva (que envolve o afeto
anímico em si) é diretamente inapreensível pelo Direito, de modo que será presumida
quando atestada a presença da sua dimensão objetiva.
Justificativa:
A afetividade vem sendo reiteradamente citada pela doutrina contemporânea do direito
de família brasileiro, o que denota a sua atual relevância. O Superior Tribunal de
Justiça frequentemente faz remissão à afetividade no trato dos conflitos familiares, em
especial quando da deliberação de temas da parentalidade: filiação, guarda e
convivência familiar (por exemplo: STJ, REsp 1356981). A legislação de família
pontualmente traz a afetividade como critério relevante, tal qual se percebe na parte
final do § 5º do art. 1584, CC. Diante disso, é necessário densificar o sentido jurídico
que deve ser conferido à afetividade. A presente proposta de enunciado sugere uma
objetivação do significado jurídico da afetividade, de modo a torná-la apreensível pelo
Direito. Este proceder fará que a afetividade seja percebida juridicamente de acordo
com os meios de prova e critérios de julgamento já regularmente utilizados.
Consequentemente, a verificação da sua presença dar-se-á a partir da análise de fatos
jurídicos concretos (tal qual ocorre com outros termos de acepção igualmente subjetiva),
in casu, a partir de atividades exteriorizadoras de afeto (dimensão objetiva). Nessas
situações, quando comprovada a sua dimensão objetiva restará presumida a sua
dimensão subjetiva (que envolve a presença do afeto anímico em si). Este proceder
parece estar adequado ao que deliberou o STJ, no seguinte acórdão “(...) Desse modo,
há que se conferir à parte o direito de produzir as provas destinadas a comprovar o
estabelecimento das alegadas relações socioafetivas, que pressupõem, como
assinalado, a observância dos requisitos acima referidos. (...)” STJ, REsp 1328380.
234
FS - Proposição 5.32
Parte da legislação: Parte Especial
Artigo: 1.589 do Código Civil, parágrafo único.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Direito de visitação avoenga
Com base no princípio da intervenção mínima do Estado no direito de família, a
previsão do parágrafo único do artigo 1.589 do Código Civil, sobre o direito de
visitação dos avós, não abrange a hipótese em que ambos os pais a rejeitem, em razão
de histórico familiar conflituoso entre eles ou de ausência de qualquer relação
socioafetiva com o(s) neto(s).
Justificativa:
A motivação do legislador, ao apresentar o Projeto de Lei n. 4.486, de 2001, que
resultou na promulgação da Lei n. 12.398/2011, acrescentando o parágrafo único ao art.
1.589 do Código Civil e dando nova redação ao inciso VII do art. 888 da Lei n.
5.869/1973, para estender aos avós o direito de visita aos netos, surgiu da realidade
fática, bem exposta no parecer da CCJ e da redação que analisou o projeto oriundo do
Senado, ressaltando-se que nossa sociedade almejava uma lei que estendesse o direito
de visita também aos avós em casos de separação e divórcio dos pais, viuvez ou
ausência de um deles. Na ocasião elucidou-se que “em casos de separação, não raras
vezes, o diálogo desaparece da vida dos pais do menor. [...] A outra família, dependendo
do conflito, fica afastada. São situações dolorosas que os avós acabam tendo que se
render [...]. Esse tipo de situação também se dá em casos de viuvez, onde o cônjuge
supérstite, ao casar-se novamente, ou por qualquer outra razão, impede maiores
aproximações com a família do de cujus.”. O direito de visita dos avós não se aplica
quando ambos os pais rejeitem a convivência da criança com o(s) avó(s), em razão de
situação familiar conflituosa ou mesmo de ausência de qualquer relação socioafetiva
com o(s) neto(s), sendo, em qualquer caso, dos avós o ônus da prova de que a visitação
trará benefícios ao menor.
235
FS - Proposição 5.33
Parte da legislação: CCB/2002, livro IV,.
Artigo: 1.593 e 1.596
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Em face do prestígio da filiação socioafetiva, possível o reconhecimento da
multiparentalidade quando restar comprovado a existência de vínculo de filiação com
mais de duas pessoas.
Justificativa:
Deve-se ao IBDFAM a construção do conceito de família e de filiação tendo como
elemento identificador o vínculo da afetividade. Com isso a Justiça passou a emprestar
efeito jurídico ao afeto. Apesar da ausência de previsão legislativa, a expressão “ou
outra origem”, constante da parte final do art. 1.593 do CC, permitiu o reconhecimento
da socioafetividade como forma de parentesco.
No entanto, não são excludentes a filiação biológica e a filiação socioafetiva, que se
constrói a partir da posse do estado de filho. Encontra-se superado o conceito de adoção
unilateral, em que ocorre a troca do nome do genitor no registro do filho, como também
a mera declararação de ascendência genética, quando é reconhecida a filiação biológica
sem alteração registral.
Diante da realidade dos dias de hoje, em que filhos convivem com os novos parceiros
dos pais; em que o uso das técnicas de reprodução assistida exige a participação de mais
pessoas no processo procriativo, vem a justiça reconhecendo a multiparentalidade, ou
seja, autorizando que conste no registro de nascimento de uma pessoa mais de duas
pessoas. O registro múltiplo é o que melhor atende o interesse do filho, pois lhe
assegura todos os direitos previdenciários e sucessórios com relação a todos os pais.
236
FS - Proposição 5.34
Parte da legislação: CCB/2002, livro IV
Artigo: 1.593 e 1.596.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
É possível o registro de nascimento dos filhos de casais homoafetivos, diretamente no
Cartório do Registro Civil, sendo dispensável a propositura de ação judicial.
Justificativa:
Em 2011, o STF reconheceu a união estável homoafetiva como entidade familiar (STF,
ADI 4.277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05/05/2011).
No mesmo ano, o STJ autorizou a habilitação ao casamento civil (STJ, REsp 1.183.378
- RS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 25/10/2011).
Em 2013, o CNJ proibiu que fosse negado acesso ao casamento, ao reconhecimento da
união homoafetiva e sua conversão em casamento. (Resolução 175/2013).
Em 2010, 0 STJ admitiu a adoção por casais homoafetivos (STJ, REsp 889.852-RS, 4ª
T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 27/04/2010).
Em 2013, o CFM assegurou o uso das técnicas de reprodução assistidas aos casais
homoafetivos (Resolução 2.013/2013)
Ora, se os homossexuais podem casar, podem adotar, podem ter filhos por procriação
assistida, nada justifica que não possam registar os filhos em nome de ambos, quando
do nascimento.
Impor o uso da via judicial vem em prejuízo do filho que não tem assegurado o direito à
identidade, além de ficar alijado de outros previdenciários e sucessórios. Também o
genitor não poder usufruir da licença natalidade quando do nascimento do filho ou
inscrevê-lo no plano de saúde.
237
FS - Proposição 5.35
Parte da legislação: Direito de Família - Das relações de Parentesco - da Filiação.
Artigo: 1.596 do Código Civil c/c 45; caput, § 13 do art. 50 e art. 197-E, caput e § 1º,
todos do ECA (Lei nº 8.069/90).
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Na hipótese de adoção consentida de criança e de adolescente, os pais biológicos podem
eleger os adotantes, exigindo-se destes a habilitação no CNA (Cadastro Nacional de
Adoção) e do juiz a verificação se o ato apresenta reais vantagens para o adotando e se a
motivação é legítima.
Justificativa:
A adoção de criança e de adolescente pressupõe o consentimento dos pais ou do
representante legal do adotando (art. 45, caput, do ECA); o desconhecimento dos pais
ou a destituição dos pais do poder familiar (art. 45, § 1º, do ECA).
Com o advento do CNA (Cadastro Nacional de Adoção), instituído inicialmente por ato
administrativo do CNJ, e, em especial, com as inovações legislativas introduzidas pela
Lei nº 12.010/2009, que deu tratativa legal a esse cadastro, surgiu um pudor excessivo
quanto à preterição da ordem cronológica de habilitações dos pretendentes à adoção,
prevista como regra no art. 197-E caput e § 1º do ECA, excepcionada nas hipóteses
elencadas pelo § 13 do art. 50 do mesmo diploma legal.
Ocorre que a adoção precedida de destituição do poder familiar não guarda qualquer
similitude com a adoção precedida de consentimento dos pais. Na primeira, há a perda
do poder familiar por infração dos deveres previstos no art. 22 do ECA e, nesse caso,
não se cogita de consentimento; na adoção consentida, por alguns chamada de adoção
dirigida ou intuitu pesonae, os pais do adotando encontram-se investidos do poder
familiar e, no exercício desse poder, expressam o consentimento para com o ato.
Nesse contexto, os pais do adotando podem, validamente, eleger ou escolher os
adotantes, consoante melhor interpretação do art. 166 do ECA, exigindo-se destes a
habilitação no CNA (Cadastro Nacional de Adoção), destinada a apurar a aptidão para o
ato, e verificação, pelo juiz, se o ato apresenta reais vantagens ao adotando, ou seu
melhor interesse, e se a motivação é legítima.
238
FS - Proposição 5.36
Parte da legislação: Livro IV – Direito de Família; Título I – Do Direito Pessoal;
Subtítulo II – Das relações de parentesco; Capítulo II – Da Filiação
Artigo: 1597, II do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
“A hipótese de presunção de paternidade prevista no artigo 1597, II, do Código Civil
aplica-se, também, nos casos de dissolução da sociedade conjugal por divórcio”
Justificativa:
Quando da redação do artigo, o divórcio somente poderia ser concedido com prévia
separação judicial ou de fato. Nesse sentido, não se poderia aplicar a hipótese de
presunção de paternidade nos 300 dias após a dissolução do casamento em casos de
divórcio.
Após a Emenda Constitucional n. 66, pela interpretação teleológica dada pela maioria
da doutrina civilista, bem como larga jurisprudência e orientação do CNJ (ver
Resolução 35 do CNJ, especialmente artigo 52), não há prazo mínimo para concessão
da separação ou divórcio. Assim, faz-se necessária a interpretação extensiva de forma a
considerar a presunção de paternidade nos 300 dias que se seguirem à dissolução do
casamento por divórcio.
239
FS - Proposição 5.37
Parte da legislação: Código Civil – Livro IV – Título I – Subtítulo II – Capítulo II.
Artigo: Artigo 1.603
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A filiação socioafetiva pode coexistir no registro civil de pessoas naturais, livro A, com
a filiação biológica, desde que comprovada, em processo judicial, que garanta o
contraditório, a completude da relação parental.
Justificativa:
Na busca de subsídios teóricos e jurisprudenciais para pavimentar a proposta de
enunciado, inauguramos o raciocínio com a citação da doutrina de Belmiro Pedro
Welter, que defende que o ser humano é, a um só tempo, um ser biológico, afetivo e
ontológico, admitindo a coexistência de vínculos maternos e (ou) paternos simultâneos.
O funcionamento da família depende da morfologia da sociedade, de modo que as
formações e transformações familiares não podem passar despercebidas pelo Direito.
Nesse cenário, surge a teoria da multiparentalidade, que busca resguardar, no caso
concreto, a dignidade da pessoa humana proclamada em uma moderna concepção de
família.
Por fim, deve ser ressaltado, que a presente proposta de enunciado não ampara uma
aplicação simplista e irrestrita da teoria da multiparentalidade a todo e qualquer arranjo
familiar, pois, não se fecha os olhos aos complicadores advindos do emprego da citada
teoria, tais como, a multihereditariedade, possibilidade de pleitear alimentos, acréscimo
de sobrenome, vínculos de parentesco etc.
Apesar de embrionário, o tema já chegou ao alcance do Superior Tribunal de Justiça no
julgamento do REsp 1.328.380-MS, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, data de
publicação 21.10.2014, e decisão proferida no SE 004525, relator Cesar Asfor Rocha,
data de publicação 2.8.2010).
240
FS - Proposição 5.38
Parte da legislação: Livro IV, Direito de Família, Título I, Direito Pessoal
Artigo: 1.631
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A assertiva de que durante o casamento e a união estável o poder familiar compete aos
pais afronta o princípio constitucional da isonomia entre os filhos (Constituição Federal,
art. 227, § 6º), eis que a investidura dos pais no poder familiar independe do estado civil
deles.
Justificativa:
O poder familiar consiste no encargo que a lei atribui aos pais de assistir, criar e educar
os filhos menores de 18 anos (Constituição Federal, art. 229), assegurando-lhes todos os
direitos que lhes são reconhecidos como pessoa.
Instituto de proteção do menor incapaz, consiste, precipuamente, em deveres a que se
obrigam os pais em face do filho e em virtude dos quais se lhes outorgam direitos
instrumentais (Código Civil, art. 1.634).
Por sua vez, a titularidade e o exercício do poder familiar são atribuídos exclusivamente
ao pai e à mãe, bastando que a paternidade e a maternidade estejam legalmente
estabelecidas, independentemente do estado civil dos pais e sem qualquer outro
condicionante.
Até porque, se a própria Constituição Federal concebe outras formas de constituição de
família que não apenas a oriunda do matrimônio e da união estável (Constituição
Federal, art. 226, §§ 3o e 4o), se todos os filhos são iguais em direitos e obrigações,
havidos ou não da relação de casamento ou por adoção (Constituição Federal, art. 227,
art. 6o), se todos os filhos menores estão sujeitos ao poder familiar (Código Civil, art.
1.630), afronta a Constituição Federal a disposição geral de que o poder familiar
compete aos pais durante o casamento e a união estável. A norma contém indevido
condicionamento da função paterna ao estado de família dos pais.
241
FS - Proposição 5.39
Parte da legislação: Livro IV, Direito de Família, Título I, Direito Pessoal
Artigo: 1.636
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Norma de conteúdo vazio e contrário ao disposto no artigo 5º, inciso I, artigo 226, §5º e
artigo 227, §6º, todos da Constituição Federal, deveria ser suprimido do ordenamento
substantivo.
Justificativa:
Conforme a ordem jurídica constitucional, estando o poder familiar desvinculado do
estado civil dos pais (CF, art. 227, § 6º), reconhecido ao pai e à mãe em igualdade de
condições (CF, art. 5º, inc. I c/c art. 229), não como direito, mas como dever a ser
exercido no interesse e em benefício do filho (CF, art. 227, caput), não mais havendo a
figura do chefe de família (CF, art. 226, art. 5º), resta superada a necessidade de garantir
“direitos” ao poder familiar a qualquer dos pais que venha a contrair matrimônio ou
estabelecer união estável, e, de conseqüência, o exercício do poder familiar sem
interferência do outro cônjuge ou companheiro. Por tais razões, conclui-se que o art.
1.636, do Código Civil é de conteúdo normativo vazio e deveria ser suprimido do texto
legal.
242
FS - Proposição 5.40
Parte da legislação: Artigo 1.640, parágrafo único, do Código Civil (Do Regime de
Bens entre os Cônjuges); Artigo 1.829 do Código Civil (Da Ordem da Vocação
Hereditária).
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O cônjuge sobrevivente casado pelo regime da separação de bens, tanto pelo regime
obrigatório (art. 1829 CC) quanto pelo regime convencional (art. 1640, parágrafo único
CC) não concorrerá com os descendentes. No entanto, concorrerá com os ascendentes, e
na falta destes será o único herdeiro, independente do regime de bens adotado, em
observância à ordem da sucessão legítima prevista no art. 1829 do CC.
Justificativa:
Há inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da qualidade de herdeiro
necessário do cônjuge sobrevivente casado pelo regime convencional da separação total
de bens. No dia 31/07/2015 foi divulgada pelas redes sociais a decisão monocrática do
Ministro do STJ, Marco Buzzi, (REsp 1.466.647/RS), na qual o cônjuge viúvo foi
afastado da condição de herdeiro necessário, nos seguintes termos: “considerando que o
cônjuge sobrevivente, no caso em questão não pode ser considerado herdeiro necessário
e que a falecida não deixou descendentes nem possuía ascendentes vivos na data do seu
óbito, é inegável que a única herdeira legítima é a sua irmã recorrente, nos termos
do art. 1.829, inciso IV, do Código Civil”. (grifo nosso). Tal decisão gerou ainda mais
discussão entre os juristas. Cabe ressaltar, que não se trata de jurisprudência dominante
do STJ, pois o REsp 992749/MS, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, citado na
decisão monocrática, reconhece apenas que não há ocorrência de concorrência
hereditária com os descendentes do falecido, ou seja, situação completamente
diferente. O art. 1.829 do CC apresenta a ordem da vocação hereditária, e faz ressalvas à
concorrência do cônjuge com os descendentes, em atenção ao regime de bens adotado.
Entretanto, tais ressalvas são feitas apenas na concorrência com os descendentes,
conforme se observa no inciso I. Já na concorrência com os ascendentes, a referida
norma legal (inciso II) não apresenta qualquer restrição, e determina em seguida, o
cônjuge sobrevivente como o terceiro da lista da ordem sucessória, sendo, nesse caso, o
único herdeiro, também independente do regime de bens (inciso III).
243
FS - Proposição 5.41
Parte da legislação: Código Civil
Artigo:_art.1.641
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Não se aplica à união estável o disposto no art. 1.641 do Código Civil, nos termos do
Enunciado nº 125 da I Jornada de Direito Civil.
Justificativa:
Trata-se de questão tormentosa, tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Levando-se
em conta que os notáveis do Direito Civil aprovaram o enunciado 125 na primeira
jornada, mister que a conclusão ali exposta possa se expandir em sua inteireza, no caso,
a não aplicação do disposto no art. 1.641 para as pessoas maiores de 70 anos que
optaram por constituir família a partir da união estável. Ademais, tendo em vista que o
dispositivo alude expressamente ao “casamento”, é possível entender que o silêncio do
legislador foi eloquente, no sentido de não se aplicar tal regramento para quem está em
união estável.
Tendo em vista que não há Jurisprudência dominante no âmbito do c. STJ, cito como
julgados contra e a favor, respectivamente, o REsp 1.369.860 e o REsp 1171820.
244
FS - Proposição 5.42
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 1.650
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A legitimidade para demandar a decretação de invalidade do ato praticado sem outorga,
consentimento ou suprimento judicial, prevista no art. 1.650 do Código Civil, estende-se
também aos sucessores por título aquisitivo inter vivos de bens havidos à sociedade
conjugal ou em regime de união estável, sendo, inclusive, oponível como matéria de
defesa em face de credores que pretendam a satisfação de seu crédito contra a meação
do cônjuge ou companheiro faltoso que tenha praticado o ato.
Justificativa:
Limitar a legitimidade para demandar a invalidade de ato praticado sem outorga,
consentimento ou suprimento judicial, prevista no art. 1.650 do Código Civil, ao
cônjuge ou seus herdeiros não atende à evolução das relações jurídicas e às
transformações sofridas pela concepção moderna da sociedade conjugal (casamento ou
união estável). Toda sociedade conjugal é espécie de um gênero maior de associação de
pessoas (CF, art. 5º, XVII e XX). Embora sociedade despersonificada, o casamento e a
união estável contam com regime patrimonial especial, consistente do regime de bens.
O regime de bens, legal ou convencionado pelos consortes, goza de plena publicidade e
representa para a sociedade conjugal a proteção legal da propriedade (CF, art. 5º, XXII e
XXIII), ou seja, constitui-se num regime especial de propriedade. Enquanto as
sociedades não personificadas não possuem patrimônio destacado do de seus sócios,
confundindo-se ambos, a lei distingue entre o patrimônio da sociedade conjugal e o
patrimônio de seus membros (cônjuges ou companheiros). A primeira pertencem os
bens e obrigações que entram na comunhão. Aos segundos, individualmente, os bens e
obrigações particulares. Permitir ao credor, assim constituído por ato ou negócio em que
haja intervindo apenas um dos consortes sem a outorga ou consentimento do outro, ou
sem suprimento judicial, satisfazer seu crédito contra a meação do devedor implica
admitir possa o terceiro interferir e modificar o regime de bens da sociedade conjugal, o
que implica violação ao direito de propriedade da sociedade conjugal, porquanto a
meação só deve ocorrer como critério de partilha quando se dissolve a sociedade.
245
FS - Proposição 5.43
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 1.650
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A restrição prevista no art. 1.650 do Código Civil ao cônjuge e seus herdeiros para
demandar a decretação de invalidade dos atos praticados sem outorga, consentimento ou
suprimento judicial não impende a qualquer interessado demandar a decretação de
ineficácia dos mesmos atos.
Justificativa:
O art. 1.650 do Código Civil repete a fórmula prevista no art. 239 do código precedente
e não atende aos reclamos que derivam de situações decorrentes da evolução
transformação observadas nas relações jurídicas da sociedade moderna. Por outro lado,
o plano da eficácia pressupõe o da validade, o que significa ser possível admitir um ato
ou negócio jurídico como válido, porém desprovido de eficácia, enquanto aptidão para
produzir efeitos jurídicos, relativamente a alguém. O terceiro que haja adquirido bem à
sociedade conjugal não pode ser prejudicado em seu direito para a satisfação do credor
cujo título formou-se apenas com a manifestação de vontade de um dos membros da
sociedade conjugal (casamento ou união estável), portanto, de modo imperfeito, já que
para seu aperfeiçoamento deveria conter a outorga, consentimento ou suprimento
judicial. A limitação da legitimidade para demandar a invalidade do ato, prevista no art.
1.650 do Código Civil, deixa a descoberto de qualquer proteção o terceiro quanto à
arguição de invalidade do título, mas não lhe retira a legitimidade para arguir sua
ineficácia em razão do vício de aperfeiçoamento consistente da falta de outorga,
consentimento ou suprimento judicial, a fim de preservar a integridade do direito por ele
(terceiro) adquirido, uma vez que o ato de disposição de que deriva esse direito
aperfeiçoou-se melhormente porque realizado com a sociedade conjugal, isto é, o
assentimento de seus membros (cônjuges ou companheiros), traduzindo direito
qualitativamente melhor consoante as premissas legais e constitucionais (CF, art. 5º,
XVII, XX, XXII e XXIII).
246
FS - Proposição 5.44
Parte da legislação: Código Civil.
Artigo: 1.657 do Código Civil.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A exigência prevista no art. 1.657 do Código Civil pode ser suprida pela averbação do
pacto antenupcial no imóvel de propriedade de um ou de ambos os cônjuges, para fins
de produção de efeitos perante terceiros, que venham a celebrar negócios jurídicos
envolvendo o aludido bem.
Justificativa:
O objetivo do dispositivo é claro: não se pode permitir que, exarada uma certidão de
distribuição de algum dos cônjuges, com o objetivo de realizar negócios relativos a um
ou mais imóveis, não se quedem ignorantes os terceiros em relação à existência de pacto
antenupcial que venha a influenciar os poderes dispositivos em relação ao aludido bem,
ou mesmo em relação à sua propriedade. No entanto, se o pacto está averbado no
próprio imóvel, e consta da certidão de ônus reais, a inocorrência de registro do pacto
no livro especial de distribuição, no domicílio dos cônjuges (que em muitos casos não
coincidirá com o local da coisa) não pode ser empecilho para que este seja oponível
perante um terceiro que, por outro modo - dotado igualmente de publicidade e de fé
pública - tomou conhecimento de seu conteúdo.
247
FS - Proposição 5.45
Parte da legislação: Código Civil de 2002 – Lei 10.406/2002
Artigo: 1.669
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Prevista, no ato de disposição do bem, a extensão da cláusula de incomunicabilidade aos
frutos, estes não ingressam na comunhão, ainda que se percebam ou vençam durante o
casamento.
Justificativa:
A norma contida no artigo 1.669 do Código Civil de 2002, tal como redigida, indica que
os frutos de bens gravados com cláusula de incomunicabilidade (art. 1.668, I)
integrarão, obrigatoriamente, o patrimônio comum dos cônjuges sempre que percebidos,
ou vencidos, na constância do matrimônio.
Contudo, o mesmo diploma legal não impede que, no ato de disposição do bem, as
cláusulas restritivas a ele impostas sejam estendidas aos seus frutos que serão,
eventualmente, percebidos (ou vencerão) no futuro.
Em tal hipótese, doutrina e jurisprudência reconhecem a incomunicabilidade dos frutos,
em exceção à previsão genérica do mencionado art. 1.669, conforme ilustra recente
acórdão do Superior Tribunal de Justiça (Terceira Turma, REsp 1.164.887-RS, rel. Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 29.4.2014).
Portanto, a fim de conferir interpretação sistemática ao ordenamento jurídico, é
conveniente explicitar que é lícito gravar com incomunicabilidade também os frutos do
bem objeto de disposição (ou daquele sub-rogado em seu lugar), por meio de cláusula
expressa no respectivo ato, de modo a mantê-los no patrimônio particular do cônjuge
beneficiado.
248
FS - Proposição 5.46
Parte da legislação: Capítulo V Do Regime de Participação Nos Aquestos.
Artigo: Art. 1.679 do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
No casamento entre pessoas capazes e em idade de escolher o regime de bens que lhes
convier, se for escolhido o regime da separação total de bens, em caso de divórcio,
vigerá o regime da participação final nos aquestos, se nada a respeito tiver sido dito no
pacto antenupcial, a fim de se preservar a boa-fé nas reações de família e a vedação do
enriquecimento sem justa causa de um dos cônjuges na dissolução da sociedade
conjugal.
Justificativa:
O relator Min. Sidney Bentti já relatou acompanhado dos Ministros Paulo de Tarso
Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Nancy Andrighi e João Otávio de
Noronha no AgRg no REsp 1211658 / CE AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL, processo 2010/0159453-0, em 16.04.2013, no sentido de que: “A
necessidade de preservação da dignidade da pessoa humana e de outras garantias
constitucionais de igual relevância vem mitigando a importância da análise estritamente
financeira da contribuição de cada um dos cônjuges (...) qual cede espaço à
demonstração da existência de vida em comum e comunhão de esforços para o êxito
pessoal e profissional dos consortes, o que evidentemente terá reflexos na formação do
patrimônio do casal.” Da ementa extrai-se o seguinte: “No regime da separação total de
bens, à mingua de cláusula excludente expressa no pacto antenupcial, comunicam-se os
adquiridosna constância do casamento pelo esforço comum dos cônjuges.” Ademais, o
STJ desde 2007 é do entendimento que “a cláusula do pacto antenupcial que exclui a
comunicação dos aquestos impede o reconhecimento de uma sociedade de fato entre
marido e mulher para o efeito de dividir os bens adquiridos depois do casamento" (REsp
404.088/RS, Rel. p/ Ac. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA
TURMA, DJ 28.5.07). Assim, no regime da separação total de bens, em caso de
divórcio, vigerá o regime da participação final nos aquestos, se nada a respeito tiver sido
dito no pacto antenupcial.
249
FS - Proposição 5.47
Parte da legislação: Código Civil.
Artigo: 1.694, §1º.
Enunciado proposto:
Salvo expressa disposição em contrário, os alimentos fixados ad valorem incidem sobre
todos os rendimentos percebidos pelo alimentante que possuam natureza remuneratória,
inclusive terço constitucional de férias, 13º salário, participação nos lucros e horas
extras.
Justificativa:
Em que pese inexistir disposição legal que discipline a alíquota e a base de cálculo dos
alimentos fixados ad valorem, referindo o Código Civil apenas à fixação de acordo com
o binômio “necessidade do reclamante” e “recursos da pessoa obrigada”, compulsando
as decisões do STJ verifica-se que a Corte já sedimentou posicionamento pelo qual os
alimentos fixados em percentual sobre os rendimentos do alimentante incidem sobre
todas as verbas de natureza remuneratória por ele recebidas.
A consolidação inclusive é citada na fundamentação das próprias decisões: “há
consenso de que se o valor percebido ostentar caráter remuneratório dará ensejo à
incorporação do percentual equivalente na pensão alimentícia” (STJ. Terceira Turma.
REsp. nº 1.261.247/SP. Rel. Min. Nancy Andrigui. J. 16/04/2013); “a pensão
alimentícia deve incidir sobre todas as verbas que possuam natureza salarial, excluindose, apenas, aquelas que possuam caráter indenizatório” (STJ. Quarta Turma. EDcl. no
A.I. nº 1.214.097/RJ. Rel. Min. Marco Buzzi. J. 08/11/2011).
Relativamente a incidência sobre as verbas em espécie, as decisões prolatadas entre
1998 e 2015 revelam o reconhecimento da incidência sobre terço de férias
(1.152.681/MG, 865.617/MG, 686.642/RS, 645.594/ES, 622.800/RS, 547.411/RS e
158.843/MG); 13º salário (1.332.808/SC, 1.152.681/MG, 1.106.654/RJ, 865.617/MG,
645.594/ES, 622.800/RS e 547.411/RS), participação nos lucros (1.214.097/RJ e
1.332.808/SC) e horas extras (1.098.585/SP), todas sob o fundamento de tratarem-se
de verbas de natureza remuneratória, o que justifica a aprovação do enunciado.
250
FS - Proposição 5.48
Parte da legislação: Dos Alimentos
Artigo: 1.703
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A estipulação judicial de guarda compartilhada não elide, por si só, a pretensão de
alimentos dos filhos em face de qualquer dos pais.
Justificativa:
Atualmente, o direito vem prestigiando a fixação de guarda compartilhada para a
proteção dos filhos. Conforme histórico precedente do STJ: "A guarda compartilhada
busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais
acuidade, a realidade da organização social atual que caminha para o fim das rígidas
divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais"; "a guarda compartilhada é o
ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que
demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos
possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial"
(REsp 1251000/MG, 3. T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 23/08/2011. DJe 31/08/2011)
Contudo, o fato do magistrado identificar a utilidade da guarda compartilhada não deve
interferir no direito aos alimentos do filho. Conforme o art. 1703, os pais, ainda que
separados, contribuirão na medida de suas condições. Os alimentos são fundamentais
para o sadio desenvolvimento da personalidade das pessoas. Entretanto, na sua fixação,
deve ser enfocada individualmente a efetiva possibilidade dos responsáveis. Desta
forma, quando caracterizado que um dos pais possua melhores condições para prover o
sustento do filho, pode ser arbitrada a pensão alimentícia, a despeito da guarda
compartilhada, em prol do melhor interesse do menor.
251
FS - Proposição 5.49
Parte da legislação: Família e Sucessões
Artigo: 1.723 do Código Civil e 226, § 3º da Constituição da República Federativa do
Brasil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A união homoafetiva elevada ao patamar de entidade familiar e com os mesmos efeitos
jurídicos da união estável.
Justificativa:
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça elevou a união homoafetiva ao
patamar de entidade familiar e com os mesmos efeitos jurídicos da união estável.
Destarte, é necessária afastar a terminologia tecnicamente equivocada de que a
convivência entre duas pessoas do mesmo sexo, pública, contínua e duradoura,
estabelecida com o objetivo de constituição de família, sem a ocorrência dos
impedimentos do art. 1.521 do CC/02, constitui união estável. Não compete ao Poder
Judiciária a alteração do texto legal, mas sim a aplicação das normas abstratas ao caso
em concreto. De fato, o texto dos artigos 1.723 do Código Civil e 226, § 3º da
Constituição da República Federativa do Brasil reconhece como entidade familiar a
união estável entre o homem e a mulher. De tal modo que a união estável serviu de
parâmetro para elevar a união homoafetiva ao patamar de entidade familiar e não para
abranger a união entre pessoas do mesmo sexo.
252
FS - Proposição 5.50
Parte da legislação: DIREITO DE FAMILIA
Artigo: 1.723 e 1.727
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A proteção da família em seu sentido mais amplo deve abranger, inclusive, a
multiplicidade da entidade familiar, em hipóteses excepcionais.
Justificativa:
A monogamia constitui um dos princípios basilares do nosso Direito de Família
legislado, ao lado da afetividade, da busca da felicidade, da isonomia de gênero e do
melhor interesse da criança e do adolescente.
Entretanto, todo e qualquer princípio está sujeito à colisão com outros princípios e até
mesmo com outras regras, submetendo-se, portanto, a contínua e permanente operação
de ponderação.
Da mesma forma que se reconhecem direitos ao casamento putativo, a despeito de sua
invalidade ou mesmo inexistência, em prol do princípio da boa fé, é de se reconhecer
também juridicidade às uniões paralelas quando, através de uma operação de
ponderação e sopesamento, se puder afastar o princípio monogâmico no caso concreto.
Negar efeitos jurídicos do Direito de Família ao segundo par conjugal implica favorecer
a irresponsabilidade e enfraquecer tanto o princípio monogâmico como o dever de
fidelidade. Na medida em que o "infrator" sabe que o segundo relacionamento não lhe
impingirá obrigações nem acarretará direitos, ele se sentirá muito mais à vontade para
infringir a lei.
253
FS - Proposição 5.51
Parte da legislação: CC
Artigo: Art. 1725
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A celebração de contrato de convivência, mediante escritura pública averbada no livro 3
do Cartório de Registro de Imóveis, autoriza a exigência de outorga uxória do
companheiro para a realização de contratos de fiança e para a alienação ou a gravação
de ônus real aos bens imóveis do casal.
Justificativa:
Atualmente, o contrato de convivência firmado pelo casal em união estável não tem
efeitos contra terceiros. Assim, seus efeitos ficam restritos a determinar o regime de
bens adotado pelo casal, sem que isso afete necessariamente a relação desses indivíduos
com terceiros que venham a fazer negócios com eles, ou seja, sem a necessidade da
outorga uxória para a validade do negócio firmado. No casamento, por outro lado, o
pacto antenupcial, ou quando esse não existe, a certidão de casamento, tem
necessariamente o condão de afetar terceiros, exigindo-se a outorga uxória.
Essa diferença entre os dois institutos acarreta uma menor proteção legal à união estável
e, dessa forma, acaba tornando essa instituição, principalmente no que tange à proteção
do patrimônio do casal, mais frágil do que a primeira, sem nenhum objetivo social ou
econômico relevante, mas sim pautado no formalismo cartorial.
Para eliminar essa diferenciação protetiva entre os dois institutos, o enunciado ora
proposto defende que, quando o casal registrar/averbar o contrato de convivência ou
decisão declaratória da existência união estável junto da escritura do imóvel no livro
três do Ofício de Registro de Imóveis, seja exigível a outorga uxória para alienação ou
gravação de ônus real dos/nos bens imóveis seja válida, nos moldes do art. 1647, inciso
I do Código Civil Brasileiro.
O entendimento ora proposto vem sendo adotado nas cortes estaduais e foi reconhecido
recentemente pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em sede de
julgamento de recurso especial (vide REsp 1424275/MT).
254
FS - Proposição 5.52
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: Art. 1.725
Enunciado proposto (resumo da proposição):
É válida a cláusula que define o regime de bens entre o casal na união estável, incluída
em contrato escrito celebrado ainda na constância do namoro. O namoro é a relação
entre duas pessoas que, mesmo não estando impedidas de casar, não formam uma
entidade familiar. Nesse contexto fático, é lícito ao casal fazer disposições patrimoniais
com eficácia diferida, inserindo a eventual superveniência da união estável como
condição suspensiva da cláusula negocial.
Justificativa:
O enunciado se justifica pelas dificuldades jurídicas advindas do relacionamento de
namoro, que, apesar de não constar expressamente no Código Civil, tem ampla
aceitação social e aparece em muitos precedentes do Superior Tribunal de Justiça. A
figura serve basicamente para diferenciar pessoas desimpedidas de casar, que têm
arranjos de convivência que não objetivam a constituição de família, daquelas que têm
esse objetivo e estão enquadradas na disciplina da união estável. O namoro não tem
efeitos patrimoniais, mas a união estável apresenta a mesma dinâmica do regime de
bens do casamento, por força do art. 1.725 do CC. O enquadramento do casal na união
estável, nos moldes do art. 1.723, é uma regra cogente. São inválidas as disposições
contratuais que tentam afastar esse regime jurídico. O presente enunciado esclarece que
a definição do regime de bens da união estável, que é viabilizada pelo art. 1.725, pode
ser pactuada pelo casal ainda no namoro, mas com eficácia suspensa até o momento da
efetiva configuração da união estável, respeitado o requisito da forma escrita do
contrato. O chamado “contrato de namoro” é lícito apenas para efeitos patrimoniais,
utilizando a eventual configuração da união estável como condição suspensiva. Serve
para dar uma maior segurança jurídica aos casais em relação à disciplina dos seus bens.
255
FS - Proposição 5.53
Parte da legislação: Direito de Família
Artigo: Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de
casar, constituem concubinato.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
À luz do macroprincípio da dignidade da pessoa humana e do valor jurídico da
responsabilidade afetiva, o concubinato a que se refere o artigo 1.727 do Código Civil é
uma categoria jurídica baseada na estabilidade das relações afetivas, significando
“família paralela” – diferente da categoria de “relações adulterinas” – em que a presença
de ostensividade e boa-fé garante a produção de efeitos jurídicos no campo de Família,
e não apenas de Obrigações, sempre que da relação de concubinato se extraírem
elementos concretos de assistência mútua, comunhão de vida e interesse de constituir
família, pois os impedimentos presentes no artigo 1.521 do CC se referem apenas à
categoria do casamento (espécie), e não à condição existencial de “família” (gênero).
Justificativa:
A CF de 1988 deixou de associar o conceito de “família” a qualquer fórmula para sua
composição, livrando-a das históricas amarras da “família constituída pelo casamento”,
inaugurando o princípio da pluralidade familiar. Família é gênero, casamento é espécie.
Nesse contexto, o CC de 2002 trouxe várias categorias jurídicas da condição existencial
de “família”, como o casamento, a união estável e o próprio concubinato (art. 1.727),
que não se confundem. Os demais artigos do CC sobre concubinato se prestam apenas à
proteção patrimonial da primeira família constituída. Para o CC, o concubinato é tanto
uma composição familiar que é até suficiente para dar fim ao dever de prestar alimentos
(art. 1.708). O art. 1.727 do CC encerra apenas mais uma categoria jurídica – e não
uma proibição. Se as bases do Direito Privado são autonomia da vontade, liberdade e
dignidade da pessoa humana, não se deve promover uma leitura restritiva. O
concubinato representa a escolha livre e consciente de manter famílias estáveis
simultâneas. O Direito deve ser o espelho da dinâmica social, que há muito apresenta
como uma de suas facetas a constituição simultânea de relações afetivas estáveis,
duradouras, com o objetivo de constituição de uma família e ostensividade – ainda que
com a presença de um impedimento ao casamento. A existência de tais requisitos,
demonstrando a boa-fé dos integrantes, deve ensejar a produção de efeitos jurídicos no
campo de Família, pois inserida a família paralela no âmbito da pluralidade familiar
constitucional e da autonomia da vontade do Direito Privado, sob pena de se perpetuar o
tema da simultaneidade familiar em um ranço histórico de irresponsabilidade afetiva.
256
FS - Proposição 5.54
Parte da legislação: CC
Artigo: Art. 1.767, I a V (com redação pela Lei 13.146/15)
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Após o advento da Lei 13.146/15, o art. 1.767, I passa a prever hipótese de incapacidade
relativa.
Justificativa:
A proposta versa sobre o ajuste da extensão da curatela ao novo regime de
incapacidades inaugurado pela Lei 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
O advento da Lei 13.146/15 provocou relevantes repercussões no regime das
incapacidades na forma originalmente prevista no Código Civil. A revogação dos
incisos I a III do art. 3º (incapacidade absoluta) e a nova redação do art. 4º, III
(incapacidade relativa) fazem com que o art. 1.767, I, também modificado, passe a
referir hipótese de incapacidade relativa e não mais de incapacidade absoluta.
257
FS - Proposição 5.55
Parte da legislação: Capítulo V Do Regime de Participação Nos Aquestos.
Artigo: Art. 1.772 do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Devem ser considerados os sentimentos externados pelos portadores de deficiências
psíquicas – especialmente idosos – nas searas patrimoniais e existenciais de sua vida
civil, de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana o princípio do melhor
interesse do idoso. Tais sentimentos externados devem ser considerados por tratarem-se
de expressões dos direitos da personalidade, no que restar de sua capacidade de
exercício. Atende para a Nova Lei Federal dos Portadores de Deficiências, de 2015, que
não considera mais portadores de enfermidades mentais incapazes, o que justifica limite
à curatela, que deverá ser meramente parcial na vida civil dos enfermos em sua saúde
psíquica.
Justificativa:
É sabido que na velhice são mais comuns declínios psíquicos estreitamente relacionados
ao envelhecimento. Embora os velhos precisem de auxílio nos atos da vida civil, idosos,
portadores de deficiências mentais mais graves continuam a ter percepções e
sentimentos que devem ser considerados.
Tomem-se como exemplo, a escola em que se adaptam as pessoas com quem
demonstram se sentir bem em nível familiar e social, as instituições de atendimento que
se afinam com suas necessidades, as pessoas com que se identificam e para quem
querem deixar seu patrimônio. Tais manifestações são dotadas de algum cunho volitivo
e devem ser consideradas para que, pessoas em situação de vulnerabilidade por
vicissitudes da idade, não tenham seus direitos da personalidade limitados de forma
abusiva em seus reflexos existenciais e patrimoniais. As vulnerabilidades dos idosos
devem ser consideradas a fim de proteger seus próprios interesses, de acordo com o
princípio do melhor interesse do idoso, apresentado mim, BARLETTA, Fabiana
Rodrigues em tese de Doutorado defendida na PUC- Rio em 2008 e publicada pela
Editora Saraiva em 2010, intitulada O Direito à Saúde da Pessoa Idosa.
258
FS - Proposição 5.56
Parte da legislação: CC
Artigo: 1.774 c/c 1.735. Arts. 1.775-A e 1.783-A (com redação pela Lei 13.146/15)
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Os impedimentos ao exercício da tutela aplicam-se às hipóteses de curatela
compartilhada e de tomada de decisão apoiada.
Justificativa:
A proposta versa sobre a extensão das hipóteses de impedimentos ao exercício da
curatela também aos novos institutos oriundos da edição da Lei 13.146/15 (Estatuto da
Pessoa com Deficiência).
Os impedimentos para o exercício da curatela, havidos no art. 1.735 por força da norma
de remessa contida no art. 1.774 do Código Civil, elencam hipóteses de pessoas que não
reúnem o conjunto de condições necessárias para o encargo curatelar, por inaptidão
pessoal, falta de idoneidade, colisão de interesses ou incompatibilidades.
O advento da curatela compartilhada e da tomada de decisão apoiada, trazidos pela Lei
13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), justifica a extensão de tais
impedimentos a estes novos institutos, mantendo-se a coerência e a consistência da
proteção das pessoas cujas vulnerabilidades merecem amparo legal.
259
FS - Proposição 5.57
Parte da legislação: PARTE ESPECIAL - TÍTULO I – DA SUCESSÃO EM GERAL
CAPÍTULO I
Artigo: 1.784 - Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros
legítimos e testamentários.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A herança é uma universalidade. Pelo princípio da saisine, aberta a sucessão, a
totalidade dos bens é transmitida a todos os herdeiros, em regime de copropriedade,
assim permanecendo até se ultimar a partilha. Nessa fase o espólio responde, tanto ativa
quanto passivamente pela herança.
O quinhão do herdeiro somente estará efetivamente individualizado e transmitido após o
registro do formal de partilha na matrícula do imóvel. Após o registo poderá ele
transmitir o domínio através de escritura pública; poderá demandar e ser demandado.
Justificativa:
É grande o número de ações propostas equivocadamente contra herdeiros antes da
conclusão do inventário, quando a herança ainda permanece indivisa. Por outro lado,
existem ações propostas contra o espólio com inventário concluído e registrado.
Sem tomar partido na discussão acerca da natureza jurídica do formal de partilha, se é
ou não título translativo, o fato é que nosso sistema registral exige o registro para
transmissão de domínio, tanto do contrato quanto do formal de partilha.
Bem andou o legislador quando, ao elaborar a redação do artigo 1.784 do Código Civil
atual, excluiu a palavra “domínio” existente no artigo 1.572 do CC/1916.
De fato, a abertura da sucessão desencadeia a transmissão da herança, mas da totalidade
dos bens. Todos podem usar e gozar dos frutos civis, defender os bens e até dispor (mas
só por cessão – artigo 1793 a 1795 do Código Civil/2002). A transmissão de domínio só
é possível após o registro do formal de partilha.
A falta de registro das partilhas é considerada pelo STJ como omissão e, apesar de se
permitir a defesa através de embargos de terceiro, o STJ impõe ao adquirente faltoso o
ônus de pagar os honorários da parte contrária, como punição pela penhora indevida
(Súmula 303 do STJ).
260
FS - Proposição 5.58
Parte da legislação: Especial
Artigo: 1.791
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Por força do Princípio da Saisine (Código Civil, art. 1.791), a posse exercida pelo de
cujus transmite-se de forma imediata aos sucessores, tão logo aberta a sucessão.
Portanto, tendo em vista ainda a natureza eminentemente fática da posse (ex.: arts.
1.204 e 1.206), sua transmissão independe de inventário e partilha ou arrolamento.
Justificativa:
A posse, dado seu caráter fático, e também por força do aludido Princípio da Saisine,
transmite-se aos sucessores de forma imediata, assim que aberta a sucessão. De tal
modo, para que os sucessores possam exercer a posse, prescinde-se de sua inclusão em
processos de inventário e partilha ou arrolamento.
Ademais, a demonstração da posse, via de regra, é questão de alta indagação, que
demanda ampla dilação probatória, muitas vezes mediante oitiva de testemunhas,
inspeção judicial e até mesmo prova pericial. Por tais razões, incidem ainda óbices de
natureza processual (CPC, art. 984; novo CPC, art. 612).
261
FS - Proposição 5.59
Parte da legislação: Especial
Artigo: 1.793, §§ 2º e 3º
Enunciado proposto (resumo da proposição):
As cláusulas de ineficácia previstas no Código Civil, art. 1.793, §§ 2º e 3º,
impossibilitam o adquirente ou cessionário de haver para si a propriedade do bem objeto
do negócio jurídico, vedando assim sua habilitação em processo de inventário e partilha.
Todavia, não o impedem de acionar os herdeiros alienantes ou cedentes através das vias
ordinárias, para se ressarcir das perdas e danos que tenha sofrido, sob pena de restar
lesada a boa-fé objetiva (art. 422) e caracterizado enriquecimento sem causa (art. 884).
Justificativa:
Em razão das referidas cláusulas de ineficácia, resta defeso ao adquirente ou cessionário
a obtenção da propriedade de bens através dos negócios jurídicos em questão. Assim,
deve ser coibida sua habilitação no processo de inventário e partilha, ou arrolamento,
inclusive sob pena de se gerar tumulto processual, ampliando o objeto do processo, com
questões de alta indagação (CPC, art. 984, novo CPC, art. 612).
Todavia, vale ressaltar que os dispositivos legais em questão, embora prevendo
corretamente cláusulas de ineficácia, são omissos quanto à situação do terceiro, que
muitas vezes pratica negócios jurídicos com os herdeiros agindo de boa-fé.
De tal modo, deve ser assegurada ao terceiro a utilização das vias processuais
adequadas, para que possa se ressarcir das perdas e danos que tenha suportado, para que
não reste lesada a boa-fé objetiva (art. 422) e caracterizado o enriquecimento sem causa
(art. 884) dos herdeiros, em detrimento do adquirente ou cessionário.
262
FS - Proposição 5.60
Parte da legislação: Especial
Artigo: 1.793, §§ 2º e 3º
Enunciado proposto (resumo da proposição):
As cláusulas de ineficácia previstas no Código Civil, art. 1.793, §§ 2º e 3º,
impossibilitam o adquirente ou cessionário de haver para si, de forma imediata, a
propriedade do bem objeto do negócio jurídico.
Todavia, não impedem a aquisição da propriedade por meio de usucapião, inclusive
mediante o instituto da acessão da posse (art. 1.243), quando presentes os pressupostos
e requisitos pertinentes.
Justificativa:
Em razão das referidas cláusulas de ineficácia, resta defeso ao adquirente ou cessionário
a obtenção da propriedade de bens diretamente através dos negócios jurídicos em
questão.
Todavia, pode ele adquirir a propriedade valendo-se da usucapião, inclusive acrescendo
à sua posse a dos herdeiros (alienantes ou cedentes) e do próprio de cujus. Para tanto,
deve ser perquirido no caso concreto a presença de justo título e a boa-fé, bem como do
lapso temporal referente à modalidade de usucapião.
Tal entendimento prestigia a Função Social da Propriedade e do Contrato (CRFB, art.
5º, XXIII, c/c Código Civil, art. 421, art. 1.228, § 1º e art. 2.035, parágrafo único).
263
FS - Proposição 5.61
Parte da legislação: Código Civil
Artigo: 1798
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Art. 1798, CC – O filho concebido por inseminação artificial homóloga post mortem só
terá direito sucessório se a inseminação ocorrer até dois anos após a morte do doador e
desde que este tenha deixado expressa manifestação de vontade quanto a essa
possibilidade.
Justificativa:
O tema relacionado ao Direito Sucessório do filho, concebido por inseminação artificial
homóloga post mortem, vem agregando infindáveis discussões acerca das implicações
jurídicas decorrentes, dada a ausência de norma específica que regulamente todos os
pontos que se revelam controvertidos. Iniciativas foram engendradas buscando a
razoável convergência das oposições, inclusive, através dos Enunciados do CJF nºs 107,
127 e 267. Em sendo assim, imprime-se novo impulso aos estudos, especialmente face à
resistência das teses focadas em salvaguardar os interesses patrimoniais dos herdeiros
nascidos ou concebidos quando da morte do autor da herança. Ou seja, visam afastar a
insegurança jurídica decorrente de uma possível revisão de seus quinhões hereditários.
Entretanto, após sopesados todos os relevantes argumentos doutrinários, evidencia-se
que o justo direcionamento da questão impõe o seu enfrentamento pelo viés de uma
interpretação sistemática do disposto nos artigos 1.597, 1.798, 1.799 do CC. Resulta,
igualmente, da aplicação analógica do limite temporal adotado na hipótese de prole
eventual (CC 1.800 § 4º, CC). Tal formalidade, como um todo, produzirá efeitos tanto
na esfera do direito de família como no campo do direito sucessório, evitando alterações
na partilha por um período demasiadamente longo. De outro lado, preserva-se a vontade
do doador em conferir, ao fruto decorrente, legitimidade para sucedê-lo na condição de
herdeiro necessário. Tal direção mantém preservados, além dos interesses da criança, os
princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade entre os filhos.
264
FS - Proposição 5.62
Parte da legislação: Direito das Sucessões – Da Vocação Hereditária – Da não
Legitimação para Suceder – Dos Legados – Do Legado de Alimentos
Artigos: 1.801 e 1.802 do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A nulidade prevista no art. 1802 do Código Civil não se aplica de pleno direito à
hipótese de legado de alimentos instituído em favor das pessoas não legitimadas a
suceder (art. 1.801); ressalvando-se aos interessados a oportunidade de fazer prova de
eventual ato fraudulento na elaboração desta disposição testamentária.
Justificativa:
Os alimentos são “prestações para a satisfação das necessidades vitais de quem não
pode provê-las por si”, conforme leciona o professor Orlando Gomes. Com eles,
proporciona-se assistência aos desamparados, assegurando-lhes a sobrevivência e os
padrões qualitativos indispensáveis à vida digna. A obrigação alimentar garante
notadamente os direitos fundamentais à vida e à dignidade da pessoa humana. Nesta
conformidade, o legado de alimentos é instituição testamentária motivada pela caridade
e pela solidariedade. Tal disposição tem caráter eminentemente assistencial e não
configura fonte de enriquecimento do legatário. Por outro lado, quando o Código Civil
prevê determinadas pessoas que não podem ser instituídas herdeiras ou legatárias (art.
1801), de modo geral está buscando preservar a segurança e a livre manifestação de
vontade do testador. São situações excepcionais, nas quais se busca evitar o
enriquecimento ilícito de alguns agentes que poderiam alterar ou induzir indevidamente
a vontade do disponente. Por fim, destaque-se que o Direito das Sucessões deve seguir a
orientação constitucional de conceber a pessoa humana como alvo central de sua tutela
e proteção. Em respeito à efetividade do direito à vida digna consubstanciado no legado
de alimentos, conclui-se que os impedimentos sucessórios não podem prevalecer
indiscriminadamente. Assim, deve-se presumir válida, pelo menos a princípio, a
mencionada disposição testamentária. Contudo, na medida em que os artigos 1.801 e
1.802 têm fundamento grave e relevante, resguarda-se aos interessados a demonstração
em juízo de eventuais fraudes que tenham maculado a instituição do legado.
265
FS - Proposição 5.63
Parte da legislação: CAPÍTULO VII - DA PETIÇÃO DE HERANÇA
Artigo: 1.824 DO CÓDIGO CIVIL
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O termo inicial da prescrição da Ação de Petição de Herança começa a correr a partir do
trânsito em julgado da ação que reconheceu a filiação, quando a ação investigatória for
proposta posteriormente à abertura da sucessão ou, quando proposta antes, o trânsito em
julgado ocorrer depois do óbito do autor da herança.
Justificativa:
Deve-se entender que o prazo prescricional para a ação de petição de herança somente
tem início quando surgiu o direito de herdar, que só vai acontecer, quando a filiação
ainda não foi reconhecida, com o trânsito em julgado da ação investigatória. Admitir
que o prazo prescricional de 10 anos, em qualquer hipótese, tenha início com a abertura
da sucessão, fere o direito daquele que ainda não foi reconhecido como herdeiro. Adotase, nessa hipótese, a teoria da actio nata, que encontra suporte no art. 189 do Código
Civil (Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue,
pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.). Somente haverá a
violação ao direito quando o prejudicado já foi reconhecido como herdeiro; do
contrário, não haveria interesse para ele pleitear seu direito à herança.
266
FS - Proposição 5.64
Parte da legislação: Da Ordem da Vocação Hereditária
Artigo: Art. 1829, inc. I
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O regime de comunhão parcial de bens somente assegura ao cônjuge sobrevivente o
direito de herança em concorrência com os descendentes sobre os bens adquiridos após
o casamento. Os bens particulares, isto é, aqueles adquiridos antes do casamento, devem
ser partilhados exclusivamente entre os descendentes.
Justificativa:
A partilha dos bens particulares com o cônjuge sobrevivente desrespeita a vontade
manifestada ao se casar do titular do patrimônio. É divergente do senso comum de como
será dividido o patrimônio pós-morte, pois o homem médio não tem conhecimento das
consequências jurídicas da concorrência. Por outro lado, os casamentos duram cada vez
menos, sendo as famílias brasileiras atualmente marcadas pela recomposição de
núcleos, de modo que a partilha dos bens particulares com o novo cônjuge acarreta
estado de absoluta perplexidade entre os descendentes, porque além de serem obrigados
a entregar o patrimônio de seu genitor (a) para uma pessoa que não contribuiu para sua
formação, nada receberão quando falecer o padrasto/madrasta concorrente. Assim, a
proposta de enunciado ora apresentada considera a realidade social, a vontade do titular
do patrimônio, o paradigma da autorresponsabilidade e o princípio basilar do direito de
família e sucessões, segundo o qual o patrimônio deve se manter no mesmo grupo
familiar. A proposta, ao integrar o arcabouço jurídico, constitucional e legal, privilegia o
princípio da autonomia da vontade, uma vez que se o titular do patrimônio quiser
destinar bens para seu cônjuge poderá fazê-lo, doando em vida bens advindos de sua
metade disponível, sem se sujeitar a determinação estatal. A proposta contribui para o
desenvolvimento da sociedade, pois conscientiza as pessoas de que devem lutar por sua
subsistência. E, por fim, a proposta, desestimula casamentos por interesses econômicos
e não afetivos. Jurisprudência : REsp 992.749/ MS, 3ª T – Rel. Min. Nancy Andrighy,
DJ 05.02.2010. REsp 1.377.084 – MG (2013/0083914-0) – DJ 15/10/2013.
267
FS - Proposição 5.65
Parte da legislação: Sucessão Legítima
Artigo: Art. 1.831 do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Na concessão do direito real de habitação ao cônjuge ou ao companheiro sobrevivente,
deverão ser consideradas as condições econômicas do beneficiário, notadamente o fato
de o consorte supérstite possuir imóvel próprio que possa lhe prover a moradia.
Justificativa:
O Estado deve garantir assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram,
em concretização da dignidade da pessoa humana. Questiona-se se essa proteção
encontra-se na disciplina da sucessão hereditária, sendo esta criticada por sua
neutralidade, já que raras vezes a lei estabelece a divisão da herança com base em
critérios concretos de proteção da pessoa do sucessor (ex: Lei 10.050/2000).
Ao cônjuge foi garantido o direito real de habitação, independentemente do regime de
bens, sobre o único imóvel residencial do monte a ser inventariado. Critica-se dito
dispositivo ao argumento de que este não se atentou para as condições econômicas do
sobrevivo, que pode ter recebido em partilha enorme acervo patrimonial ou possuir
imóvel próprio para moradia.
Diante da inserção da mulher no mercado de trabalho e do princípio da igualdade de
gêneros, bem como diante da longevidade atual, é preciso repensar a concessão do
direito real de habitação, sendo possível verificar situações em que haja de um lado
filhos menores do falecido ou pais idosos e dependentes e de outro o cônjuge supérstite
são e independente, sobretudo quando há no monte um único imóvel residencial.
Assim, é salutar proteger o cônjuge, mas não se pode garantir-lhe uma proteção
excessiva e em descompasso com a sua realidade, em especial quando em concorrência
com outros herdeiros, merecedores de especial proteção, devendo a sucessão ter em
vista a pessoa do sucessor, ou seja, as suas características e aspectos individuais e, em
especial, a sua relação com o autor da herança.
268
FS - Proposição 5.66
Parte da legislação: Direito das Sucessões
Artigo: 1.844
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O art. 1.844 refere-se ao companheiro sucessível, dentro das condições estabelecidas
no art. 1.790, caput . Não estando o companheiro apto a suceder, como nas hipóteses
em que todo o acervo hereditário é composto de bens adquiridos anteriormente ao
início da união estável, a herança será devolvida ao Município , ao Distrito Federal ou à
União.
Justificativa:
Se o companheiro sobrevivente só participa da sucessão no tocante aos bens adquiridos
onerosamente na constância da união estável, no exato teor do art. 1.790, indaga-se se a
herança , quando integrada exclusivamente por bens particulares, passaria ao
companheiro ou seria devolvida ao Município, Distrito Federal ou União, tal como
previsto no art. 1.844.
O art. 1.844 refere-se ao companheiro sucessível, dentro das condições estabelecidas no
art. 1.790, caput , que lhe assegura direito sucessório apenas no tocante aos bens
adquiridos onerosamente na constância da relação estável.
Ou seja, se o companheiro não estiver apto a suceder, como nas hipóteses em que todo o
acervo hereditário é composto de bens adquiridos anteriormente ao início da união
estável, a herança será devolvida ao Município , ao Distrito Federal ou à União.
Ao fazer alusão à “herança” do companheiro, a norma contempla a “herança possível”
do companheiro, no caso, restrita aos bens adquiridos onerosamente na vigência da
união estável.
269
FS - Proposição 5.67
Parte da legislação: Família e Sucessões
Artigo: 1.845
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Em caso de falecimento, o cônjuge supérstite será sempre herdeiro necessário. Quando
o regime de bens da constância matrimonial for o da separação convencional de bens,
aquele cônjuge concorrerá à herança do falecido com os descendentes.
Justificativa:
O Código Civil de 2002 fornece uma maior proteção ao cônjuge supérstite, conferindo,
inclusive, cota hereditária em concorrência com os demais descendentes, nos bens
particulares, para que não fique desprotegido.
Neste sentido é o entendimento das Jornadas Direito Civil, conforme se apreende do
enunciado 270 que dispõe in verbis:
“O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com
os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação
convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação
final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a
concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados
exclusivamente entre os descendentes.'
Por fim, vale destacar o entendimento convergente do STJ que recentemente julgou o
RECURSO ESPECIAL Nº 1.382.170 - SP (2013/0131197-7).
1. O cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro
necessário (art. 1.845 do Código Civil). 2. No regime de separação convencional de
bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido. A lei afasta a
concorrência apenas quanto ao regime da separação legal de bens prevista no art. 1.641
do Código Civil. Interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil.
270
FS - Proposição 5.68
Parte da legislação: Código Civil – Livro V – Título II – Capítulos I e II.
Artigo: Artigos 1.845 e 1.829, I.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Ainda que casado sob o regime da separação convencional de bens, o cônjuge
sobrevivente é herdeiro necessário e concorre com os descendentes.
Justificativa:
O regime de bens adotado pelo casal visa regular a administração dos bens no curso do
casamento e em vida, inclusive para facilitar partilha em caso de rompimento do vínculo
conjugal.
Outro direcionamento foi dado pelo legislador no que pertine a regulação dos bens após
a morte, razão pela qual o cônjuge sobrevivente, independente do regime de bens
adotado, assume a condição de herdeiro.
Entendimento modificado recentemente no STJ.
Exceção feita apenas ao regime de separação obrigatória por expressa vedação legal
(art. 1.641, do CC 2002
Jurisprudência: 2ª Seção do STJ (T3 e T4): AgRg EREsp 1.472.945/RJ, d.j.: 24.6.2015
e REsp 1.382.170/SP, 22.4.2015.
271
FS - Proposição 5.69
Parte da legislação: Livro V - Direito das Sucessões; Título II – Da Sucessão Legítima;
Capítulo III – Do Direito De Representação
Artigo: 1851 e 1854, do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
“Há direito de representação nos casos de comoriência”.
Justificativa:
Parece claro que o direito de representação é concedido as filhos de herdeiros prémorto. Nasce, no entanto, a dúvida se o direito de representação deve ser concedido aos
filhos do herdeiro que falece simultaneamente ao autor da herança, em casos de
comoriência. Maioria da doutrina não tem admitido o direito de representação, mas a
jurisprudência tem se mostrado no sentido de concedê-lo aos filhos de herdeiros mortos
em comoriência.
Da leitura do artigo 1851, do Código Civil, vê-se a possibilidade de se reconhecer o
direito de representação em casos de comoriência, uma vez que o artigo não faz menção
à necessidade de pré-morte, estabelecendo apenas que os parentes do falecido podem
suceder em todos os direitos em que ele sucederia se vivo fosse. Significa então, que ele
pode ter morrido conjuntamente com o autor da herança, não havendo necessidade de
ter morrido antes.
Não reconhecer o direito de representação aos filhos de herdeiro falecido em
concomitância com o autor da herança gera uma situação de verdadeira injustiça.
272
FS - Proposição 5.70
Parte da legislação: Direito das Sucessões
Artigo: 1.859 do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O prazo decadencial de 5 (cinco) anos previsto no art. 1.859 do CC alcança apenas as
anulabilidades diversas de dolo, erro e coação – já que estas são anuláveis no prazo
decadencial de 4 anos, nos termos do art. 1.909 do CC. Embora o art. 1.859 do CC use a
expressão “impugnar a validade”, o prazo nele previsto não se aplica às nulidades ou
invalidades absolutas, uma vez que a nulidade não se convalida e não se submete a
prazo decadencial.
Justificativa:
O art. 1.859 do CC possui a seguinte redação: “Extingue-se em cinco anos o direito de
impugnar a validade do testamento, contado o prazo da data do seu registro.” Note-se
que o artigo se refere ao direito de “impugnar a validade”. Nesse sentido, boa parte da
doutrina defende que o legislador criou um prazo decadencial para impugnar qualquer
tipo de invalidade. Assim, também as invalidades absolutas ou nulidades estariam
sujeitas ao prazo decadencial de 5 anos. Seria uma exceção à regra de que as nulidades
não se submetem a prazo decadencial.
A doutrina majoritária critica a má técnica legislativa do dispositivo e entende que o
artigo deve ser interpretado à luz da Parte Geral do Código Civil. De fato, as nulidades,
por serem invalidades absolutas, não se convalidam e nem se submetem a prazo
decadencial.
O testamento, enquanto negócio jurídico unilateral, não deve possuir um regime jurídico
diferente dos demais negócios jurídicos. Logo, a aprovação do enunciado sob exame
resolveria um importante impasse doutrinário.
273
FS - Proposição 5.71
Parte da legislação: Direito das Sucessões – Da Sucessão Testamentária – Do
Testamento Particular Hológrafo Simplificado – Caducidade
Artigo: 1.879 do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O testamento hológrafo simplificado, previsto no art. 1.879 do Código Civil, perderá
sua eficácia se, nos 90 dias subsequentes ao fim das circunstâncias excepcionais que
autorizaram a sua confecção, o disponente não testar por uma das demais formas
testamentárias ordinárias.
Justificativa:
O testamento é negócio jurídico eminentemente solene. O ordenamento jurídico prevê
diversas solenidades específicas para cada forma testamentária ordinária ou especial,
visando à salvaguarda da liberdade de testar e à preservação da autenticidade das
manifestações de vontade do testador. Excepcionalmente, o Código Civil permite que,
em circunstâncias extraordinárias (que deverão ser declaradas na cédula), o disponente
elabore testamento particular de próprio punho sem a presença de testemunhas. As
formalidades são flexibilizadas em função da excepcionalidade da situação em que se
encontra o testador, permitindo-se que este exerça sua manifestação de última vontade.
Ocorre que, em se verificando o desaparecimento das mencionadas circunstâncias
extraordinárias, não se justifica a subsistência do testamento elaborado com mitigação
de solenidades. Destaque-se que esta é a regra aplicável para as formas especiais de
testamento (marítimo, aeronáutico e militar), para as quais de modo geral se aplica um
prazo de caducidade de 90 dias, contados a partir da data em que se faz possível testar
pelas formas ordinárias. Por essa razão, conclui-se que, não havendo mais o contexto de
excepcionalidade, o testamento hológrafo simplificado perde sua razão de ser, devendo
o testador se utilizar de uma das formas testamentárias revestidas das devidas e
necessárias solenidades.
274
FS - Proposição 5.72
Parte da legislação: Família e Sucessões
Artigo: 1.991. Desde a assinatura do compromisso até a homologação da partilha, a
administração da herança será exercida pelo inventariante.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O pagamento de dívidas do espólio é um ato que ultrapassa a simples administração que
exerce o inventariante, sendo necessário para a sua prática o deferimento da expedição
do Alvará Judicial, após o juiz ouvir todos os interessados.
Justificativa:
O espólio que tenha que assumir pagamento de dívida, há que fazê-lo por intermédio de
seu representante legal, o inventariante, sendo exigível que se proceda através de alvará
judicial, após ouvidos os interessados, conforme preceito contido no artigo 992, III, do
Código de Processo Civil. Portanto, se alguém, não qualificado representante legal do
espólio, ou mesmo o inventariante sem o Alvará Judicial assumir obrigações cambiárias
em nome deste, o fará indevidamente e, caso seja movida a execução contra o espólio, o
seu representante legal (verdadeiro) ou mesmo um terceiro deve opor exceções, vez que
a subscrição do título, representativo da obrigação não se deu por pessoa autorizada e na
forma da lei. Assim, o executado ou embargante, ou até mesmo o Juízo da execução,
deve examinar e verificar se o representante do espólio teve a necessária cautela para
declarar que o fez em nome do representado através de Alvará Judicial, pois do
contrário, o inventariante, assumindo qualquer obrigação, só o faz em seu nome e sob
sua responsabilidade, e nunca como representante do espólio.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. NOVO HAMBURGO, 3 DE
JUNHO DE 2015. 4ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NOVO HAMBURGO.
Processo nº 0000800-24.2014.8.21.0019.
Defiro o pedido formulado às fls. 363/4, quanto a Expedição de Alvará para
adimplemento das dívidas fiscais existentes em nome do espólio, pois é atribuição do
inventariante, nos termos do artigo 992, inciso III, do Código de Processo Civil a
quitação dos débitos do espólio............. Intimem-se.
275
FS - Proposição 5.73
Parte da legislação: Família e Sucessões
Artigo: 1.992. O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no
inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou
que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o
direito que sobre eles lhe cabia.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O herdeiro que deixar de apresentar bens no inventário perde o direito sobre eles, desde
que tal comportamento seja movido por má-fé.
Justificativa:
O instituto Sonegados existe para que os herdeiros e/ou interessados na herança
(legatário, testamenteiro, credores do espólio e eventuais cessionários) tenham a exata
noção de que ao descumprir seu dever jurídico e moral de informar os bens que
receberem através de doação do de cujus, quando este ainda era vivo (colação), ou
informar no processo de inventário os bens que estão em sua posse ou em posse de
terceiros, incorrerão em pena civil consistente na perda do direito sucessório do bem
sonegado.
Para a terceira Turma, do STJ, sonegação de bens no inventário só deve gerar punição
em caso de má-fé. Segundo relatório do Min. João Otávio de Noronha, em
RECURSO ESPECIAL Nº 1.267.264 - RJ (2011/0108267-7) “Não caracterizado o
dolo de sonegar, afasta-se a pena da perda dos bens” (CC, art. 1.992). Ou seja, não
caracterizada a intenção de prejudicar ou fraudar o outro não há que se falar em perda
dos bens. Diz o ministro que: "É dever do inventariante e dos herdeiros apresentar
todos os bens que compõem o acervo a ser dividido", para quem é natural pensar que o
sonegador age com o propósito de dissimular a existência do patrimônio. Mas a lei,
segundo Noronha, prevê punição para o ato malicioso, movido pela intenção clara de
sonegar. Assim, para que se justifique a aplicação da pena, comentou o ministro, é
necessária "a demonstração inequívoca de que o comportamento do herdeiro foi
inspirado pela fraude, pela determinação consciente de subtrair da partilha bem que
sabe pertencer ao espólio".
276
FS - Proposição 5.74
Parte da legislação: Família e Sucessões
Artigo: 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a
partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe
coube.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
O acervo sucessório responderá pelas dívidas deixadas pelo falecido e não pelas dívidas
pessoais dos herdeiros que responderão pela sua quota parte.
Justificativa:
Os credores dos herdeiros poderão habilitar-se nos autos do inventário. Porém, o que
não se pode confundir são as dívidas do espólio e as dívidas dos herdeiros, pois o acervo
sucessório como um todo responderá pelas dívidas deixadas pelo falecido, englobando
de maneira geral todo o patrimônio a ser partilhado. Porém, no que tange as dívidas
pessoais dos herdeiros só responderá a sua quota parte. Assim, o credor irá requerer que
seja identificada a quota parte do herdeiro devedor, tendo preferência no pagamento
do crédito. O herdeiro que possua dívidas poderá até renunciar a herança, mas é
garantido aos credores aceitá-la em seu nome. Assim da quota parte do herdeiro devedor
será cobrada a dívida e o restante voltará para o acervo sucessório. TJSP. APL.
00001885320148260664 SP 0000188-53.2014.8.26.0664. Relator. Guilherme Santini
Teodoro. 21/10/2014. 2ª Câmara de Direito Privado. Habilitação de crédito. Petição
inicial. Indeferimento. Correção. Via inadequada. Falta de interesse processual. Herança
responde pelo pagamento de dívidas do falecido, não de herdeiros. Aplicação dos
artigos 1.017 do CPC e 1.997 do CC. Sentença mantida. Apelação não provida
277
FS - Proposição 5.75
Parte da legislação: Direito das Sucessões
Artigo: 2.002 e 2.003 do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
A colação serve para equalizar as legítimas dos herdeiros necessários. Embora
historicamente o instituto tenha sido aplicado aos descendentes, o Código Civil de 2002,
por meio de seus arts. 2.002 e 2.003, estendeu o dever de colacionar aos herdeiros
necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge) e ao companheiro, salvo quando a
doação tiver saído do patrimônio disponível do autor da herança.
Justificativa:
Historicamente, a colação objetivava equalizar as legítimas dos descendentes. A título
de exemplo, o filho que recebeu doação do pai deve devolver o bem doado a título de
antecipação de legítima, a fim de não ser privilegiado em relação aos seus irmãos. Esta
regra é excepcionada pela possibilidade de o pai doar bens do seu patrimônio
disponível.
O Código Civil de 2002, por meio do parágrafo único de seu art. 2.003, estendeu
expressamente o dever de colacionar ao cônjuge. Persiste, portanto, uma discussão sem
solução na doutrina: a colação alcança (1) apenas os descendentes (posição tradicional);
(2) apenas os descendentes e o cônjuge (posição baseada na interpretação literal dos
arts. 2.002 e 2.003); ou (3) todos os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes,
cônjuge) e o companheiro, por força de interpretação teleológica do instituto.
Deve prevalecer a terceira corrente (3), já que a finalidade da colação é igualar as
legítimas. A legítima é a metade devida aos herdeiros necessários. Logo, o dever de
colacionar não se limita aos descendentes e ao cônjuge; mas estende-se outrossim aos
ascendentes e ao companheiro. Os ascendentes devem ser alcançados, porque são
herdeiros necessários, assim como os descendentes e o cônjuge. E o companheiro
também tem o dever de colacionar, porque deve receber direitos e deveres equivalentes
aos do cônjuge.
278
FS - Proposição 5.76
Parte da legislação: Direito das Sucessões – Colação
Artigo: 2.004
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Para as sucessões a serem abertas sob a vigência do Código de Processo Civil de 2015,
será considerado, para efeito de colação, o valor que os bens doados tiverem ao tempo
da abertura da sucessão, conforme preceitua o art. 639 do diploma processual,
dispositivo esse que possui forte carga de norma material e, assim, revoga tacitamente o
art. 2.004 do Código Civil. Entretanto, em sendo o bem doado transferido onerosamente
pelo donatário em momento anterior à abertura da sucessão, aquele será o valor a ser
colacionado, desde que compatível com o praticado no mercado à época da alienação.
Justificativa:
O art. 2.004 do Código Civil estabelece, se interpretado de forma literal, que a colação
dos bens recebidos a título de adiantamento de legítima pelos herdeiros necessários seja
feita com base no valor que tinham à época da liberalidade. Entretanto, interpretação
sistemática do regramento jurídico do instituto, conforme bem elucidado pelo
Enunciado 119 da I Jornada de Direito Civil, impõe que a colação com base no valor da
liberalidade ocorra exclusivamente nos casos em que o bem doado não mais pertença ao
patrimônio do donatário, como forma de se evitar o enriquecimento ilícito de um
herdeiro em detrimento de outros.
Já o regramento trazido pelo CPC de 2015 rompe com a previsão da legislação civilista
e revoga tacitamente o supramencionado art. 2.004. Com efeito, o art. 639 da lei
processual impõe que, para as sucessões a serem abertas a partir 18 de março de 2016,
calcular-se-ão os bens a serem conferidos na partilha pelo valor que tiverem ao tempo
da abertura da sucessão, como forma de mais bem efetivar o princípio da igualdade das
legítimas no momento em que estas se constituem. Isso porque, a despeito de o
dispositivo constar em lei processual, traz preceito de natureza material a ser aplicado
nas sucessões abertas sob sua égide.
Todavia, nos casos em que o donatário haja alienado onerosamente o bem por valor
diverso do que teriam à época da abertura da sucessão, como forma de se evitar que este
responda com seu próprio patrimônio pela diferença, colacionar-se-á este último valor,
em respeito à segurança jurídica.
279
FS - Proposição 5.77
Parte da legislação: Direito das Sucessões
Artigo: 2.004 e 2.007 do Código Civil
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Embora previstos no capítulo intitulado “Da Colação”, a colação e a redução da doação
inoficiosa não se confundem. Conforme o art. 2.004 do CC, a colação, em dinheiro ou
em espécie, ocorrerá pelo valor do bem ao tempo da liberalidade. Já a redução da
doação inoficiosa, consoante a melhor interpretação do art. 2.007 do CC, implica
restituição do bem em espécie, quando ainda estiver em poder do donatário, ou
pagamento em dinheiro do valor do bem ao tempo da abertura da sucessão.
Justificativa:
O capítulo IV do Título IV do Livro do Direito das Sucessões chama-se “Da Colação”.
Não obstante, o capítulo abrange, em seus artigos 2.004 e 2.007, dois institutos que,
conforme a melhor doutrina, não se confundem. Trata-se da colação propriamente dita
(art. 2.004, CC) e da redução da doação inoficiosa (art. 2.007).
Entre nós, Euclides de Oliveira propôs que os dois institutos não sejam tratados como
um só. A colação, por exemplo, é obrigação do descendente e do cônjuge (para alguns,
também do ascendente), mas certamente não se estende a quem não é herdeiro. Por
outro lado, a redução da doação inoficiosa estende-se a terceiros estranhos à herança,
desde que tenha havido doação que viole a legítima.
Existe uma infindável celeuma na doutrina sobre o tema, à qual basta fazer alusão.
Se aprovado, o enunciado ora sob exame consolidará o posicionamento da doutrina
brasileira a respeito do tema. Seria um ganho notável, tendo em vista a relevância
prática do instituto da colação nos inventários feitos em todo o país. A questão está a
merecer uma urgente consolidação doutrinária, já que não há julgados do STJ sobre o
tema.
280
FS - Proposição 5.78
Parte da legislação: Sucessão
Artigo: Art. 2.010
Enunciado proposto (resumo da proposição):
Embora os alimentos familiares pagos ao descendente menor não sejam colacionáveis
por força do art. 2.010 do Código Civil, não sucede o mesmo se os alimentos forem
pagos ao descendente maior que não possua restrições físicas significativas à sua
capacidade laboral ou à prole dele, pois, nesse caso, o montante desembolsado deverá
ser equiparado a uma liberalidade para fins de colação, vedado, porém, em nome da
irrepetibilidade dos alimentos, condená-los à reposição em espécie prevista no parágrafo
único do art. 2.003 do Código para a hipótese de o acervo ser insuficiente à igualação
das legítimas.
Justificativa:
Gastos ordinários com filhos maiores são colacionáveis, conforme o art. 2.010 do
Código Civil.
Se esses gastos ordinários forem feitos sob a forma coativa dos alimentos do art. 1.694
do CC, eles devem ser colacionáveis da mesma maneira, salvo se o filho sofrer de
restrições físicas que o inabilitem ao trabalho em homenagem à solidariedade familiar e
aos princípios da boa-fé objetiva, da vedação do abuso de direito e da dignidade da
pessoa humana.
Idêntico raciocínio se aplica se os alimentos forem pagos aos descendentes desse filho
maior e capaz ao trabalho (ou seja, aos casos de alimentos pagos ao neto), pois o avô
somente foi responsabilizado a arcar com os alimentos por conta da insuficiência
financeira do pai do alimentado.
Todavia, em razão da irrepetibilidade dos alimentos, não convém que os alimentos
colacionados obriguem o herdeiro a incorrer em dívida perante os demais herdeiros
legítimos por meio do dever de reposição pecuniária de que trata o parágrafo único do
art. 2.003 do CC.
Para aprofundamento, ver este texto: Pensão Alimentícia e Colação: uma conciliação
entre irrepetibilidade dos alimentos, a solidariedade familiar e o direito sucessório.
Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/ Senado, jun./2015 (Texto para
Discussão nº 177). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 24 de junho
de 2015.
281
FS - Proposição 5.79
Parte da legislação: Do Inventário e da Partilha - Cap. VII – Da Anulação da Partilha.
Artigo: Art. 2.027,§ ún, CC/02.
Enunciado proposto (resumo da proposição):
“O prazo para exercer o direito de anular a partilha amigável judicial, decorrente do
término de sociedade conjugal, se extingue em 1 (um) ano da data do trânsito em
julgado da sentença homologatória, consoante dispõem o artigo 2.027, parágrafo único
do Código Civil de 2002 e o artigo 1.029, parágrafo único do Código de Processo Civil
(art. 657, parágrafo único, do Novo CPC).”
Justificativa:
Parte majoritária da jurisprudência e da doutrina brasileira aplica o artigo 178, do
CC/02, que trata da decadência e estabelece o prazo de quatro anos, para casos de
anulação de partilha amigável judicial oriunda do término de sociedade conjugal.
Todavia, é correto adotar a linha de entendimento adotada por Rolf Madaleno, quando
afirma: “embora o artigo 2.027 integre o quinto livro do Código Civil, pertinente ao
Direito das Sucessões, Título IV, do inventário e da partilha, suas regras são aplicáveis
às partilhas dos bens conjugais e da união estável.”. O artigo 2.027, § único, estabelece
o prazo ânuo para o exercício desse direito de anulação em detrimento do prazo
quadrienal do art. 178 do mesmo diploma legal. Todavia, a incidência do prazo mais
diminuto tem razão de ser. Não se trata de um mero contrato de direito civil.
Diferentemente, o acordo de partilha é organizado por advogados constituídos, mediante
tratativas e anseios subjetivos das partes. Posteriormente, é levado ao Poder Judiciário,
para após exame do promotor designado do Ministério Público, ser devidamente
homologado pelo Estado-juiz, caso preenchidos os requisitos e formalidades legais.
Razoável, assim, que o prazo decadencial para anular este acordo, ou alguma cláusula
inerente, seja diminuto em relação aos aplicáveis aos contratos comuns, pois estes
últimos são elaborados com mais liberdade, sem a prévia guarida do MP e a chancela do
Judiciário, empregados assim de menos segurança jurídica. O mesmo não ocorre para
os pactos firmados fora do leito judicial, pois os divórcios administrativos ficam mais
expostos e fragilizados, razão pela qual incide o prazo do art. 178, CC/02.
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