Movimento Harmônico Simples

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Movimento Harmônico Simples
5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 3 2010
Movimento Harmônico Simples: Exemplos
O protótipo físico do movimento harmônico simples (MHS) visto
nas aulas passadas – um corpo de massa m preso a uma mola
executando
vibrações
de
pequenas
amplitudes
com
força
restauradora dada por F = –kx – é uma situação aproximada.
Apesar disso, uma grande variedade de deformações de sistemas
físicos, resultantes de trações, compressões, flexões ou torções (ou
combinações delas) satisfaz, sob determinadas condições, a
propriedade de que a força restauradora é proporcional ao
deslocamento.
Nesses casos, a equação diferencial resultante que descreve o
movimento do sistema é formalmente idêntica à equação de
movimento de um MHS,
d 2x
= &x& = − ω 2 x ,
2
dt
de maneira que o sistema se comporta como um oscilador
harmônico simples.
Veremos alguns exemplos desses casos nesta aula.
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O Sistema Massa-Mola Vertical
O caso do sistema massa-mola na horizontal já foi visto nas aulas
passadas. Vejamos agora o mesmo sistema, só que oscilando na
vertical (vamos considerar novamente apenas o caso de pequenas
oscilações).
A figura abaixo ilustra as situações importantes.
Em A, a mola está suspensa verticalmente sem qualquer corpo preso
à sua extremidade. O comprimento da mola é l.
Em B temos a mola e um corpo de massa m preso à sua
extremidade. A mola está esticada por um comprimento ∆l e a força
restauradora feita por ela sobre o corpo é F = k∆l (aponta para cima,
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que é a direção positiva do eixo x). O sistema está em equilíbrio, isto
é, não oscila. Isto ocorre porque a força feita pela mola sobre o
corpo se iguala ao peso do corpo: k∆l = mg.
Em C o corpo está deslocado por uma distância x para cima em
relação à posição de equilíbrio. A força feita pela mola sobre o
corpo (ainda para cima, pois a mola continua esticada) é agora
menor; seu valor é F = k(∆l – x). A força resultante sobre o corpo é
Fr = k(∆l – x) – mg = – kx. A força resultante aponta para baixo e é
proporcional ao deslocamento x do corpo em relação ao equilíbrio.
Esta situação é formalmente idêntica à do sistema massa-mola na
horizontal com a mola comprimida por x.
Em D o corpo está deslocado por uma distância x para baixo em
relação à posição de equilíbrio. A força feita pela mola sobre o
corpo (novamente para cima, pois a mola continua esticada) é maior
do que antes, valendo F = k(∆l + x). A força resultante sobre o corpo
é Fr = k(∆l + x) – mg = kx. A força resultante aponta para cima e é
proporcional ao deslocamento x do corpo em relação ao equilíbrio.
Esta situação é formalmente idêntica à do sistema massa-mola na
horizontal com a mola esticada por x.
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Concluímos, portanto, que um corpo de massa m preso a uma mola
vertical de constante k e realizando pequenas oscilações em relação
à posição de equilíbrio do sistema massa-mola executa um MHS de
frequência angular ω =
k m , como no caso do sistema oscilando
na horizontal.
O Pêndulo de Torção
Outro sistema que se comporta como um oscilador harmônico é o
pêndulo de torção (figura abaixo).
Consideremos um corpo suspenso por um fio (de metal ou qualquer
outro material elástico) de maneira que a linha OC passe pelo seu
centro de massa. Quando o corpo é girado por um pequeno ângulo θ
em relação ao equilíbrio, o fio sofre uma torção e passa a exercer
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sobre o corpo um torque restaurador τ que é bem descrito pela lei de
Hooke: o torque se opõe ao deslocamento e tem módulo dado por
τ = − Kθ
(1)
onde K é o chamado módulo de torção do fio, que depende do
material do qual é feito o fio, da sua grossura e do seu comprimento.
Se I for o momento de inércia do corpo em relação ao eixo OC, a
equação de movimento (lembre-se de Física I) é
d 2θ
τ = Iα = I
= I θ&& .
2
dt
(2)
Combinando as equações (1) e (2):
I θ&& = − K θ ⇒
θ&& +
K
θ ⇒ 0.
I
(3)
Esta é a equação de um oscilador harmônico simples com freqüência
angular
ω2 =
K
.
I
(4)
A frequência das oscilações é
f =
ω
1
=
2π
2π
K
I
e o período é
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T =
1
= 2π
f
I
K .
(5)
O movimento oscilatório é descrito pela solução de (3),
θ ( t ) = Θ cos (wt + ϕ 0 ) ,
(6)
onde Θ é a amplitude angular das oscilações.
O Pêndulo Simples
O pêndulo simples é outro modelo idealizado da física. Ele consiste
de um corpo de massa m preso a um fio de massa desprezível e
comprimento
l.
Supõe-se
que
o
corpo
realiza
pequenos
deslocamentos angulares sobre uma circunferência de raio l em
torno da posição de equilíbrio (posição vertical, com θ = 0).
A figura acima ilustra o modelo. Há duas forças atuando sobre o
corpo, a tensão T e o peso mg.
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Como se faz geral em problemas de mecânica que envolvem
rotação, pode-se decompor as forças em suas componentes
tangencial e radial.
A única componente tangencial é a componente do peso ao longo da
direção tangencial,
Fθ = − mg sen θ .
(7)
O sinal negativo decorre do fato de que a direção positiva é a que se
afasta da vertical ao longo da circunferência.
As componentes radiais são a própria tensão e a componente do
peso ao longo da direção radial. Como o corpo não se move na
direção radial, essas duas componentes são iguais e de sentidos
contrários (veja a figura),
T = mg cos θ .
(8)
Esta última equação nos permite calcular o valor da tensão T para
qualquer valor de θ.
A equação que nos interessa aqui é a (7). O deslocamento do corpo
ao longo da trajetória em relação ao repouso é medido por
s = lθ .
Dessa maneira, a aceleração tangencial do corpo é
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d 2s
d 2θ
aθ =
=l
.
dt 2
dt 2
(9)
Multiplicando (9) por m para se ter a força tangencial e igualando a
(7) obtemos a equação de movimento:
d 2θ
ml
= − mg sen θ ,
dt 2
ou
d 2θ
g
+
sen θ = 0 .
dt 2
l
(10)
Esta equação é diferente da equação do oscilador harmônico
simples, pois a força restauradora não é proporcional ao
deslocamento angular θ, mas ao seno de θ.
Quando se mede o ângulo θ em radianos, porém, temos que, para
ângulos pequenos,
sen θ ≈ θ .
(11)
Por exemplo, para θ = 0,1745 rad (= 10o), sen θ = 0,1736. Notem
que os dois valores são muito próximos; o erro relativo vale (0,1745
– 0,1736)/0,1736 = 0,005 (~ 0,5%).
Portanto, para pequenos desvios em relação à posição de equilíbrio,
a equação de movimento do pêndulo simples pode ser aproximada
por,
8
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d 2θ
g
+
θ = 0,
dt 2
l
(12)
com θ medido em radianos.
Esta é a equação de um MHS com frequência angular
ω =
A
freqüência e
g
.
l
(13)
o período das pequenas oscilações
são,
respectivamente,
f =
ω
1
=
2π
2π
g
l
(14)
T =
1
= 2π
f
l
g .
(15)
e
Notem que o período T das oscilações do pêndulo simples não
depende da amplitude das oscilações (desde que elas sejam
pequenas), mas apenas do comprimento do pêndulo l.
Este fato foi observado por Galileu (1564-1642) em 1602 e constitui
o que ele chamou de isocronismo do pêndulo. Em cartas a amigos,
Galileu sugeriu que o isocronismo do pêndulo simples para
pequenas oscilações poderia ser usado para a construção de
instrumentos de medida de tempo.
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Por exemplo, supondo que a intensidade do campo gravitacional é a
mesma para todos os pontos da superfície da Terra e vale g = 9,8
m/s2, o comprimento l do pêndulo para que o seu período T seja de 1
segundo pode ser calculado a partir de (15) como:
gT
l=
4π
2
2
( 9 ,8 m/s 2 )1
=
= 0 , 248 m ,
4π 2
ou seja, um pêndulo de comprimento 24,8 cm que oscile com
amplitudes menores que 10o possui período de aproximadamente 1
segundo com erro da ordem de 0,5%.
Em 1603, um dos amigos de Galileu, o médico Santorio Santorio,
passou a usar um pendulo simples (que ele chamou de pulsilogium)
para medir o pulso de seus pacientes.
A aplicação mais importante do isocronismo do pêndulo, no entanto,
veio em 1656, após a morte de Galileu, com a construção do
primeiro relógio de pêndulo pelo físico holandês Christiaan Huygens
(1629-1695). A figura abaixo mostra o esquema do primeiro relógio
de pêndulo construído por Huygens (a figura foi tirada do site
http://www.17centurymaths.com/contents/huygens/horologiumpart1.pdf,
que contém a tradução para o inglês do livro de Huygens sobre o
relógio de pêndulo Horologium Oscillatorium).
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A energia cinética do pêndulo simples é
K =
1
mv 2 .
2
A velocidade do pêndulo é
v=
ds
d (l θ )
dθ
=
=l
.
dt
dt
dt
Substituindo esta expressão da velocidade na equação para a energia
cinética,
2
1
 dθ 
K = ml 2 
 .
2
 dt 
(16)
Para calcular a energia potencial U do pêndulo, vamos considerar
que a posição em que U é nula é a posição de equilíbrio θ = 0. Desta
forma, a energia potencial pode ser calculada como o negativo do
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trabalho realizado pela força restauradora para levar o pêndulo de θ
= 0 até um valor de θ qualquer diferente de zero:
θ
θ
θ
0
0
0
U = −W 0 → θ = − ∫ Fθ ds = − ∫ (− mg sen θ ′ )ld θ ′ = mgl ∫ sen θ ′d θ ′ ⇒
⇒ U = mgl [− cos θ ′ ]0 .
θ
Ou seja,
⇒ U = mgl (1 − cos θ ) .
(17)
Observem que as equações (16) e (17) são absolutamente gerais para
o pêndulo simples, isto é, elas valem mesmo quando não se faz a
aproximação de pequenos ângulos.
Se, no entanto, fizermos a aproximação de ângulos pequenos,
sen θ ≈ θ ,
a energia potencial torna-se
θ
 (θ ′) 2 
′
′
U = mgl ∫ θ d θ = mgl 
 .
 2 0
0
θ
Ou seja,
U =
1
1
mgl θ 2 = m ω 2 l 2θ 2
2
2
(θ << 1) .
(18)
12
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A energia total (que se conserva) do pêndulo simples para pequenas
oscilações é então:
2
1
1
 dθ 
2 2 2
E = K + U = ml 2 
 + mω l θ .
2
2
 dt 
(19)
Faça, como exercício, uma análise do movimento do pêndulo
simples baseada nesta equação da mesma forma que a que foi feita
na aula anterior para o movimento do sistema massa-mola.
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