Contribuição à biologia de amphisbaenidae (Reptilia
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Contribuição à biologia de amphisbaenidae (Reptilia
Notes fauniques de Gembloux, n° 53 (2003) : 63-69 Contribuição à biologia de amphisbaenidae (Reptilia : Amphisbaenia) encontradas em Porto Alegre, RS, Brasil * para Vladimir Stolzenberg TORRES Resumo No período de 1991-1994 foram coletados e estudados 24 exemplares de Amphisbaena prunicolor e 37 exemplares de A. darwinii trachura Cope, 1885. Os animais foram mantidos vivos e submetidos a análises de seleção alimentar, exames coprológicos e estudos de ecologia. Verificou-se um hidrotactismo positivo e uma preferência alimentar por Pycnoscelus surinamensis (Linnaeus). Não foram detectados parasitas intestinais. As enterobactérias observadas foram Escherichia coli não patogênica, Enterobacter cloacae e Proteus vulgaris. Palavras-Chave : Amphisbaenidae, seleção alimentar, flórula intestinal. Introdução Vários estudos a respeito dos anfisbenídeos tem sido efetuados, alguns na área de ecologia, a grande maioria, entretanto, centralizada em sistemática como Gans e Mathers (1977); Lema et al. (1980); Lema et al. (1984); Vanzolini (1991a, b); Lema (1994) e [Internet 1]. O trabalho de Gans e Mathers (1977) revela-se especialmente importante não apenas pelo fato de descrever Amphisbaena medemi mas, por apresentar uma chave taxonômica para os genêros e espécies de Amphisbaenia do continente americano. O trabalho de Lema (1994) apresentar importância regional, em função de apresentar um registro de Amphisbaenia Gray 1844, do Rio Grande do Sul, com chave para os gêneros, espécies e variedades encontradas no estado. Restringe-se porém a aspectos sistemáticos. Estudos específicos do gênero Amphisbaena Linnaeus, 1758, do Rio Grande do Sul, como ecologia e biologia, são pouco conhecidos. Por tal razão realizou-se o presente estudo com o objetivo de ampliar os conhecimentos nestas áreas. Material & Métodos 1. Descrição da região estudada Do ponto de vista geomorfológico, Porto Alegre, situa-se na Planície AluvioColúvionar, sendo esta uma área de transição entre influências continental e marinha; predominam nas áreas de influência continental, os modelados planos ou embaciados, ocorrendo ainda forma de topo plano ou baixos tabuleiros. Quanto à * Dtdo. Informática na Educação – UFRGS. Correspondência : Rua Itapema, 358 / Parque da Matriz / 94.950-577 Cachoeirinha RS / Brasil. E-mail : [email protected]. V.S. Torres 64 fitogeografia, o município encontra-se numa região de tensão caracterizada pelo contato Savana/Floresta Estacional (IBGE, 1986). 2. ecológica Coletas Parte das coletas foram realizadas em 1991, integrando o Projeto Levantamento de Herpetozoa no Brasil Meridional e Adjacentes, desenvolvido pelo Laboratório de Herpetologia da PUCRS. Posteriormente, no período de 1992-1994, foram realizadas novas coletas, sem relação com o projeto original. Os indivíduos estudados foram coletados em pontos sorteados aleatoriamente e coincidentes com as áreas Sul e Norte (Fig. 1). As coletas foram realizadas de forma, também aleatória pelo sorteio de quadrat’s nos pontos de coleta. Foram revolvidos folhiços, troncos velhos caídos e pedras tendo a remoção dos animais sido realizada, em alguns casos, manualmente e em outros com auxílio de uma pequena pá, sendo estes acondicionados em pequenos baldes contendo serragem em pó e húmus. As galerias foram preenchidas com gesso líquido. Após 3 horas foi medida a área abrangida pelas galerias bem como sua provável profundidade. Os indivíduos foram coletados no período compreendido entre 1991 e 1994 e utilizados nos experimentos. Nenhum animal foi sacrificado, nem mesmo para estabelecimento em coleção científica, atendendo desta forma, a legislação ambiental em vigor. 3. Procedimentos em laboratório Os animais coletados foram inicialmente submetidos a estudos coprológicos. Neste sentido, estes foram seguros manualmente e tiveram sua cauda, até pouco acima da cloaca, inserida em um tubo de ensaio (capacidade para 5ml), isto provocava a evacuação, e com um pequena compressão na região ventral no sentido ântero-posterior, se obtinha uma completa evacuação. O excremento assim obtido era dividido em três parcelas, com os seguintes destinos: Parcela 1 – inoculada em meios de cultivo Hektoen e SS para coprocultura e em caldo glicosado (Tab. I), além da realização das provas de Gram. Tabela I : Composição do caldo glicosado utilizado. Componentes: Quantidade: Extrato de Carne 3,0 g Tripitose 10,0 g Glicose 5,0 g Cloreto de Sódio 5,0 g Água Destilada 1000,0 ml pH Final 7,2 – 7,4 Autoclavar a 120ºC e 2 pressões atmosféricas por 15 minutos. Resfriar até, aproximadamente, 50ºC e distribuir em tubos de ensaio, tampando em seguida com “rolhas” de algodão. Conservar sob refrigeração. Parcela 2 – submetida a análise parasitológica conforme Vicente et al. (1990 e 1993) e Eiras et al. (2000). Notes fauniques de Gembloux, n° 53 (2003) 65 Parcela 3 – fixada na proporção de 1 parte de excremento para duas partes e meia de MIFG (Tab. II). Posteriormente foram submetidas a análise de sedimento, com auxílio de estereomicroscópio óptico, a fim buscar a identificação de resíduos alimentares, além de complementar as análises parasitológicas. Tabela II : Composição do conservante/fixador MIFG, utilizado. Componentes: Quantidade: Mercúrio Cromo 2‰ 200,00 ml Água Destilada 250,00 ml Formol Puro 15,00 ml Glicerina 5,00 ml Após a coleta inicial de excrementos, cada animal foi acondicionado em um pequeno terrário (dimensões: 20 x 12 x 20cm de altura) este contendo 50% de seu volume com peneirado de serrapilheira, proveniente do Parque Saint Hilaire. Periodicamente molhava-se um pouco o peneirado a fim de manter umidade bem como garantir água para os animais. Para estudos de alimentação foram oferecidos diferentes opções alimentares de invertebrados, a saber Pycnoscelus surinamensis (Linnaeus) (Blaberidae, Pycnoscelinae), esta uma pequena barata silvestre, comumente encontrada nos ambientes das coletas de Amphisbaena, além de isópodes terrestres (Isopoda), minhocas (Annelida) e larvas de escarabeídeos e tenebrídeos (Coleoptera). Com exceção das larvas de Tenebrio molitor (Linnaeus, 1758) inicialmente adquirida no comércio e utilizada como teste para opção alimentar em cativeiro, todos os demais organismos testados foram obtidos da junto aos pontos onde foram coletados os exemplares de Amphisbaena. Resultados Registrou-se até o momento a presença de duas espécies de Amphisbaenidae, Amphisbaena prunicolor Cope, 1885 e A. darwinii trachura Cope, 1885. Vinte quatro indivíduos da primeira espécie e 37 da segunda foram coletados no período compreendido entre 1991 e 1994. Constatou-se (Tab. III) que A. prunicolor apresenta maior abundância na área sul do município enquanto A. darwinii trachura predomina na área norte. A. prunicolor apresentou preferência por troncos em decomposição, local onde foi mais facilmente encontrada, chegando algumas vezes a serem observados 3 indivíduos em tronco com 2 metros de comprimento e 0,35 metros de diâmetro. A. darwinii trachura apresentou preferência por solo, especialmente junto à pedras e áreas com rico teor húmico. Foram observadas galerias que ocupavam áreas compatíveis com as dimensões do animal, assim um espécime de 0,22m de comprimento apresentou território, ocupado por galerias, de aproximadamente 2,0m2, e considerando que o solo onde o animal foi colhido era do tipo arenoso sedimentar mas relativamente compactado, sua galeria mais profunda não ultrapassou 0,40m. V.S. Torres 66 O estudo em laboratório utilizando como sedimento, peneirado de serrapilheira mostrou, entretanto, que ambas as espécies podem ambientar-se facilmente a este composto e, considerando ser o mesmo extremamente macio, podem cavar galerias com profundidades superiores a 0,50m. Tabela III : Porcentagem relativa de abundância relativa de taxa para os pontos de coleta. Observações 1991 1992 1993 1994 Amphisbaena prunicolor Amphisbaena darwinii trachura Ponto 1 2 1 Ponto 2 1 3 Ponto 3 NO 3 Ponto 4 1 3 Ponto 5 2 NO Ponto 1 2 1 Ponto 2 NO 2 Ponto 3 1 2 Ponto 4 NO 3 Ponto 5 2 NO Ponto 1 1 1 Ponto 2 NO 1 Ponto 3 NO 2 Ponto 4 1 3 Ponto 5 3 1 Ponto 1 3 1 Ponto 2 1 2 Ponto 3 NO 3 Ponto 4 NO 4 Ponto 5 4 1 NO = Não observado nenhum espécime. Apresentam um hidrotactismo positivo, preferindo as camadas mais úmidas e normalmente mais profundas. A umidade excessiva porém, faz com que procurem regiões intermediárias, onde o solo não apresente sua capacidade de campo saturada. Verificou-se que, em condições de cativeiro, ambas as espécies aceitaram perfeitamente alguns dos alimentos oferecidos. O alimento melhor aceito por ambas as espécies foram os diversos estágios de Pycnoscelus surinamensis (Fig. 1), como demonstraram a presença de resíduos de exoesqueleto em análise de excrementos. Notes fauniques de Gembloux, n° 53 (2003) 67 Figura 1 : Pycnoscelus surinamensis (Linnaeus) (Blaberidae, Pycnoscelinae) fêmea. Ilustração cedida pelo Dr. Joseph G. Kunkel – [email protected] – extraída de Kunkel (1996). A. prunicolor apresentou relativa preferência por larvas de coleópteros da família Scarabeidae, estas comumente encontradas na região de estudo, além de Tenebrio obscurus testado. Observado em análise de excrementos. A. darwinii trachura apresentou, além da preferência por P. surinamensis, relativa preferência pelas minhocas oferecidas, como foi demonstrado pela ausência destas no substrato em que se encontravam os animais, ao contrário do verificado com A. prunicolor. As análises bacteriológicas realizadas, imediatamente após a coleta dos animais e, em análises periódicas posteriores apresentou os resultados expressos na Tabela IV. Tabela IV : Análise Bacteriológica dos Excrementos de A. prunicolor e A. darwinii trachura. Amphisbaena prunicolor Microorganismo Observado Escherichia coli 1 1 1ª Coleta 2ª Coleta Amphisbaena darwinii trachura 1ª Coleta 2ª Coleta X Escherichia blatae X X Enterobacter cloacae X X X X Proteus vulgaris X X X X Staphylococcus epidermidis X Staphylococcus aureus X X X Streptococcus faecalis X X X X Bacteroides fragilis X X X X Bacteroides melaninogenicus X X X X Bacteroides oralis X X X X Não patogênica Nas análises parasitológicas a única observação positiva refere-se a uma das amostras de A. prunicolor onde constatou-se a presença de 16 larvas (Fig. 2) de Diptera, Família Sarcophagidae, as quais eclodiram depois de 12 horas de incubação a 37ºC, tendo as larvas sido detectadas nos excrementos inoculados para cultivo microbiológico. 68 V.S. Torres Figura 2 : Exemplar de larva de Sarcophagidae (Diptera) observada. Discussões & Conclusões Lema et al. (1980), Lema et al. (1984) e Lema (1994) citam para a região da Grande Porto Alegre, três espécies de Amphisbaena, estas A. darwinii trachura, A. munoai Klappenbach, 1960 e A. prunicolor; e uma de Anops Bell, 1833, a saber, A. kingii Bell, 1833 não tendo sido por nós encontradas A. munoai e A. kingii, o que sugere que tais espécies estejam restridas a apenas algumas subáreas da região metropolitana de Porto Alegre ou, apresentem tão baixa densidade que não foram por nós encontradas. Conforme Lema et al. (1984), A. darwinii trachura é própria do Brasil Meridional e países adjacentes, apresentando ocorrência por todo o estado sob a forma de diversas variedades, enquanto A. prunicolor é própria da Província Guarani, e se dispersa pela encosta do planalto, atingindo a Grande Porto Alegre; sendo um exemplo de dispersão de fauna do planalto para as partes baixas. O fato porém, de A. prunicolor ter predominado na zona sul de Porto Alegre contrasta com tal informação haja visto a composição de relevo da região apresentar poucas a nenhuma elevações ao contrário da zona norte. As bactérias encontradas corroboram, pelo menos parcialmente, os achados de Moreno (1973) que identificou uma série de doze gêneros diferentes de enterobactérias associadas a répteis e anfíbios. Os dados encontrados porém, encontram melhor amparo no estudo divulgado em [Internet 2]. As larvas de Sarcophagidae observadas originárias das fezes de A. prunicolor foram ingeridas, muito provavelmente, sob a forma de ovos, tendo percorrido todo o sistema digestivo do anfisbenídeo, sendo evacuadas sem qualquer transtorno para estes. Resta esclarecer se, as enzimas digestivas de A. prunicolor não foram suficientemente “fortes” para efetuar a digestão e consequentemente absorção de tais ovos, ou se os mesmos apresentam algum mecanismo de resistência para tal tipo de percurso, o que será motivo de estudos futuros. Abstract Twenty-four specimens of Amphisbaena prunicolor and thirty-seven specimens of A. darwinii trachura Cope, 1885 were collected and studied during 1991-1994. The animals were maintained alive and submitted to analysis of feeding selection, Notes fauniques de Gembloux, n° 53 (2003) 69 excrement and ecology study. Pycnoscelus surinamensis (Linnaeus) was preferred and a positive hydrotactism was verified. Parasites of intestine were not detected. Non-patogenic Escherichia coli, Enterobacter cloacae and Proteus vulgaris enterobacteria were observed. Keywords: Amphisbaenidae, feeding selection, intestine flora. 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