Franchise Value

Transcrição

Franchise Value
OUTUBRO
2011
“Many shall be restored that now are fallen
and many shall fall that now are in honor".
- Horace - Arcs Poetica
Franchise Value
Em nossa sistemática de estudo damos
especial ênfase ao conceito de franchise value.
De forma direta, ele representa o valor da
firma que excede sua capacidade de lucro
recorrente ajustado por sua estrutura de
capital. Em outras palavras, o quanto um
investidor estaria disposto a pagar a mais por
vantagens competitivas de fato duradouras.
Diga-se de passagem, a palavra duradoura
consiste no maior desafio no que se refere a
busca de bons negócios. O alvo desta carta de
gestão, entretanto, não é esse conceito e sim o
modelo de negócios homônimo desenvolvido
através da cessão de diretos de uso de marcas
e comercialização de produtos. Nossa atenção
geral ao negócio varejo nos levou a
necessidade de aprofundamento no tema.
O mercado de capitais tem apresentado tal
estratégia como uma alternativa ao modelo
tradicional de crescimento, baseado em
obtenção de recursos via emissão de ações
e/ou instrumentos de dívida para abertura de
lojas. Para além de uma confrontação objetiva
entre os dois formatos, preferimos lançar
nosso olhar ao modelo de franquias e suas
características dominantes.
A palavra franquia é uma tradução do inglês
“franchise”, que tem origem do francês
medieval “franc”. A última significava
“concessão de um privilégio ou de uma
autorização”. As cidades ditas “francas” eram
aquelas cidades que podiam utilizar em seu
proveito um privilégio outrora reservad
o apenas ao Soberano local ou ao dono das
terras.
Na Inglaterra medieval, por sua vez, a Realeza
teria passado a recompensar políticos
merecedores e soldados com um baronato ou
o direito de cobrar impostos dos residentes de
um território claramente definido em troca de
uma obrigação para manter a ordem civil. Estes
barões pagavam um percentual acordado dos
impostos coletados para o tesouro real. Desta
forma, uma monarquia poderia controlar a
terra, fornecendo proteção ao extrair as
receitas fiscais. Este pagamento percentual deu
origem ao termo royalty que vigora até os dias
atuais.
A partir de 1850, nos EUA, o modelo realmente
se consolidou através da experiência bem
sucedida da companhia Singer que fazia
máquinas de costura. Naquela época, as
1|Página
cidades americanas ainda eram muito
distantes e de difícil acesso entre si. As
máquinas, por sua vez, eram pesadas e de
difícil distribuição e manuseio. Foi então que
surgiu a ideia de se conceder treinamento e
instruções para alguns lojistas, além da licença
de vendas, em troca de um royalty, de forma
que estes vendedores fossem os únicos em
quilômetros de distância a vender as
máquinas. Os lojistas seriam responsáveis pelo
ensino do manuseio aos compradores finais. O
“Singer Dream” foi um sucesso, pois alinhou
aspirações dos novos empresários com os
objetivos de expansão da companhia que
prosperava graças aos contratos celebrados
com os franqueados. Aliás, foi ela também
quem editou os primeiros modelos destes
contratos.
Em decorrência de certa primazia na formação
de marco legal, e da prática contratual, foi
justamente nos Estados Unidos que o
franchising se desenvolveu. Estatísticas1
mostram que as maiores redes franqueadoras
do Mundo são americanas, que mais de 50%
das vendas de varejo deste país são feitas
através de franquias e que as últimas
empregam cerca de 15 milhões de norte
americanos .
A preferência por este modelo nos EUA se
espelha no forte lobby das gigantes
franqueadoras junto ao poder legislativo e
prática contratual bastante orientada aos
interesses dos franqueadores. De acordo com
Paul Rubin2, grande parte das ações antitruste
se apoiam no fato de que os contratos de
franquia tendem sempre a ser extremamente
vantajosos ao franqueador. Em especial
quando a possibilidade de ruptura é unilateral.
Não concentraremos esforços em discorrer
sobre essa prática e sobre a natureza dessas
ações. Preferimos nos ater aos aspectos
econômicos do negócio. O mesmo autor
questiona frontalmente a tipificação da relação
entre franqueado e franqueador como uma
relação “entre firmas”. Argumenta que essa
visão é meramente jurídica, não tendo
nenhuma aplicação econômica.
Na natureza da relação econômica, reside um
dos problemas centrais de toda a discussão
teórica sobre o tema. Toda a teoria da firma se
baseia no preceito de que as transações são
feitas entre firmas. Porém, as transações entre
franqueados e franqueadores não parecem se
enquadrar adequadamente nessa taxonomia.
Mais precisamente, e novamente de acordo
com Rubin, a qualificação de uma transação
pressupõe que as “bordas” das firmas sejam
facilmente identificáveis. Desnecessário maior
aprofundamento para se notar que no caso da
relação em questão fica difícil dizer onde acaba
o limite de uma firma e começa o da outra.
Nossa primeira grande crítica a tal modelo de
negócio reside nesta truncada relação,
potencialmente conflituosa e de difícil
entendimento quanto aos interesses dos
agentes.
O mercado de capitais, em sua inflamada
defesa deste modelo de negócio, apoia-se em
alguns poucos argumentos. O principal deles é
que esta seria uma forma rápida de crescer
sem a dependência de instrumentos de dívida
e/ou emissão de ações.
De forma mais elaborada Lafontaine3 utiliza a
teoria da Agência4 para encontrar quatro
possíveis justificativas por essa opção das
firmas: Pure Risk Sharing, One Sided Moral
Hazard, Two Sided Moral Hazard e Capital
Market
Imperfection.
Para
simplificar,
reduziremos seus argumentos a três:
No primeiro, como o principal (franqueador) é
avesso ao risco, ele se alia a um franqueado
1 http://www.franchiseconsultantsinc.com/statistics.html e http://exame.abril.com.br/pme/noticias/as-10-maioresfranquiasdo-mundo-segundo-a-entrepreneur
2 Rubin (1978)
3 Lafontaine (1992)
4 Jensen and Meckling (1976)
2|Página
(agente) que também é avesso ao risco para
diversificar. Se o principal fosse neutro ao
risco, ele seria o proprietário de todas as lojas.
No segundo, a autora pondera que os Royalties
fixos seriam uma forma de alinhamento de
interesse entre agente e principal. Pois com um
valor fixo a ser pago se mitigaria o risco de
Moral Hazard por parte do franqueado. Isso
reconhecendo que há significativa assimetria
de informação nessa relação. Principalmente
no que se refere ao potencial de vendas
daquela loja ou região.
Ainda sobre esse argumento, ela defende que
esse modelo seria vencedor em relação à
possibilidade do franqueado fazer parte da
sociedade (como acionista de uma empresa
aberta ou não). Seu argumento é que como
sócio do negócio como um todo o franqueado
se beneficiaria somente marginalmente do
crescimento de seu negócio (seu próprio
esforço), pois dependeria do desempenho
geral.
Finalmente, Lafontaine defende que o mercado
de capitais é por definição imperfeito. E que
limitações como a dificuldade de acesso por
parte de empresas menores, ou volumes
captados menores poderiam explicar a opção
por essa estratégia de crescimento. Não
obstante, seria natural que conforme uma
empresa atingisse relativa maturidade, ela
recorresse cada vez menos a este modelo, uma
vez que a mesma teria maior acesso ao
mercado de capitais. Curiosamente, não é isso
que a prática demonstra.
Contra o primeiro argumento, voltemos ao
Rubin. Um franqueado avesso ao risco deveria
exigir uma taxa de retorno maior por
concentrar seu risco em poucas lojas, quando
comparado a tomar o risco de todas as lojas ao
mesmo tempo.
Em contrapartida o
5 Bradach (1995)
6 Klein (1980)& Brickley and Dark (1987)
franqueador tende a ter seu retorno diminuído
quanto maior for a concentração das lojas nas
mãos de poucos franqueados em razão do
acréscimo de poder de barganha.
Na realidade, às vezes a relação entre
franqueador e franqueado chega a tal ponto
que o primeiro possui sua própria sub cadeia
de lojas e torna-se o que se convencionou
chamar um franqueado master. Justificativas
não faltam por parte das companhias, pois elas
afirmam
ser
difícil
encontrar
bons
5
franqueados e, portanto, faria sentido que as
mesmas
escolhessem
oferecer
novas
possibilidades aos franqueados que já são
sabidamente competentes na gestão de suas
franquias. Além disso, com a concessão de
mais uma licença para um franqueado, a matriz
reduz o risco de free riding6 daquele indivíduo.
Quanto ao segundo argumento, Rubin pondera
que é muito difícil alinhar a curva de eficiência
do franqueado às expectativas do franqueador.
Presumidamente há um preço de mercado
para pessoas dispostas a serem franqueadas. O
franqueador racional em teoria não estaria
disposto a pagar nada a mais. Já o franqueado,
compararia o valor presente dos lucros, ou a
expectativa de, com o valor presente de seus
salários no mercado de fatores e não deveria
pagar mais do que a diferença entre estes dois
números na forma de upfront fee.
No entanto, novamente quando se observa a
pratica contratual vê-se que os franqueadores
tendem a cobrar mais upfront fee em negócios
com alta influência gerencial nos resultados. Já
em negócios pouco dependentes de
capacidade gerencial tende-se a cobrar mais
ongoing fee, tais como percentual das receitas
estoque mínimo e royalties.
Se fosse fácil alinhar interesses e curvas de
produtividade por que é que os franqueadores
3|Página
tentariam antecipar seus ganhos em negócios
com maior influência gerencial? Além disso, se
os agentes absorvessem com facilidade a
noção de que os Royalties representam uma
redução do seu risco de “preguiça” por que é
que as empresas sofreriam tanto com
problemas de controle? E mais, não seria a
antecipação de lucros por parte da
franqueadora um redutor da expectativa de
ganho do franqueado? Até que ponto este
consegue discernir adequadamente sobre as
possibilidades de ganhos do negócio e até que
ponto é seduzido pelo discurso da companhia?
Pois outra forma de assimetria de informação
que reside nesta relação é a possibilidade da
ofertante de licenças, no melhor interesse de
crescer a taxas artificiais, usar de projeções
pouco realistas sobre a o futuro de suas lojas.
Há quem argumente ainda que com uma
apropriada distribuição de lucros em favor do
franqueado pode-se prover o alinhamento
necessário de interesses. No entanto, essa não
é uma vantagem inerente ao modelo de
franquias, mas a qualquer relação entre
acionistas e gerentes.
A operação na essência só faria sentido se: i)
aceita-se a hipótese de ineficiência do mercado
de capitais ou ii) as lojas franqueadas
vendessem tanto mais que que compensassem
a perda de capacidade de monitoramento,
desalinhamento de interesse e perda de valor
de livro.
Quanto à primeira possibilidade, parece uma
hipótese razoável, até porque explicaria a
adesão a esse modelo independente de suas
vantagens.
A dificuldade de acesso ao
mercado de capitais pode derivar entre outros
fatores, do histórico de crédito do
franqueador, de imperfeições no mercado, tais
quais: necessidade de porte, alto custo de
comissionamento aos agentes intermediários,
entre outros. O que nesse ponto parece
convergir para o terceiro argumento de
Lafontaine.
Quanto ao segundo, como a mesma afirmou,
as evidências empíricas mostram que, em
média, vendas de lojas próprias superam as de
lojas franqueadas na maioria dos setores.
Por fim, se o objetivo fosse dar aos gerentes
participação no negócio, como por vezes é
propalado, por que simplesmente não se
outorga ações em beneficio desses? Ou ainda
mais fácil, por que não se incentiva os
funcionários a deterem posições acionárias?
Eis que chegamos a algumas vantagens
adicionais para o franqueador, em especial
para as empresas abertas. A principal delas é a
contabilidade, como de costume. Todo o fee
upfront recebido entra na conta “receita
financeira” do demonstrativo de resultado.
Quanto mais lojas são abertas, maior será a
receita financeira líquida. Em alguns casos,
observamos que essa conta chegou a mais de
20% do tão cultuado EBITDA da empresa.
Deixamos de lado aqui nossas críticas a esse
número como indicador de desempenho, que
entre outras coisas avalia os negócios a
despeito de seu custo de reposição dos ativos.
Numa empresa em particular, se fosse
expurgado esse efeito, a tal margem EBITDA
estaria praticamente inalterada nos últimos
anos. A despeito disso, o mercado tem
comemorado o êxito do modelo argumentando
que além de expressivas taxas de crescimento,
tal empresa teria entregue cada vez mais
EBITDA como proporção da receita liquida. Não
obstante, tem atribuído tal fenômeno única e
exclusivamente ao efeito benéfico (sic) da
alavancagem operacional.
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Está na moda entre os analistas argumentar
que dado o alto nível de custos fixos, o modelo
de franquia garantiria a franqueadora a
possibilidade de ganhos de margem sempre
crescentes ao abrir mais e mais lojas.
De acordo com a lei fundamental da física, isso
não deveria ter alguma reação resultante da
ação igual ou contrária? Caso o crescimento
desacelere não observaremos decréscimo de
receita e margem ao mesmo tempo? Isso só
funciona para cima? Para baixo essa regra não
vale? O que garante que o franqueado não
fechará suas lojas se não obtiver o retorno
prometido?
Voltando à contabilidade, a avaliação da
variação de capital de giro perde precisão, pois
as franquias não são consolidadas no balanço.
E nem poderiam a menos que houvesse algum
arranjo societário envolvido. Logo, ainda que
possamos avaliar a evolução de algumas contas
circulantes com razoável facilidade, não temos
a mesma margem de segurança para fazê-lo
com a evolução dos estoques. Isso porque,
através de arranjos contratuais o franqueador
pode antecipar vendas em um trimestre ruim,
fazendo com que os estoques dos lojistas
aumentem sem que isso seja identificado no
balanço da empresa mãe. Ou na melhor das
hipóteses cria uma defasagem temporal entre
a formação de estoque e a capacidade do
mercado perceber isso. Consequentemente,
ao se deparar com o balanço do franqueador, o
analista pode ser levado a crer que a mesma é
auto imune aos ciclos de negócio.
tendo por base esse número não auditado de
vendas dos lojistas.
Acreditamos que a opção por um modelo de
franquia é definida muito mais por acesso ao
mercado de capitais do que por suas vantagens
intrínsecas. Não acreditamos que a escolha de
um modelo “asset light” constitua maior
vantagem na margem do que a perda de valor
livro dele resultante. E entendemos que no
balanço de riscos e recompensas, a perda de
controle gerencial, ausência de alinhamento de
interesses e retenção do ponto, fatores
estratégicos no negócio varejista, não
compensam a sensação de crescimento
acelerado do celebrado modelo.
Agradecemos a confiança,
Equipe de Gestão de Renda Variável
Para completar, vimos em alguns casos a
prática de divulgar as vendas dos franqueados
como resultado da empresa. E pior, alguns
analistas de sell side com os quais nos
deparamos celebram o crescimento da receita
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Referências
•
Bradach, J. (1995) “Chains within Chains: The Role of Multi-Unit Franchisees”
•
Brickley, J. ; Dark, F. (1986) “The Choice of Organizational Form: The Case of Franchising”
•
Jensen, M. ; Meckling, W. (1976) “Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and
Ownership Structure”
•
Klein, B. (1980) “Transaction Costs Determinants of “Unfair” Contractual Arrangements”
•
Lafontaine, F. (1992) “Agency Theory and Franchising: Some Empirical Results”
•
Lafontaine, F. (1996) “The Characteristics of Multi-Unit Ownership in Franchising: Evidence From
Fast-Food Restaurant in Texas”
•
Lafontaine, F. (2001) “Targeting Managerial Control: Evidence from Franchising”
•
Purvin Jr., R. (1994) “The Franchise Fraud: How to Proctect Yourself Before and After You Invest”
•
Rubin, P. (1978) “The Theory of the Firm and the Structure of the Franchise Contract”
Esta carta é publicada somente com o propósito de divulgação de informações e não deve ser considerada como uma
oferta de venda dos Fundos Ático, nem tampouco como uma recomendação de investimento em nenhum dos valores
mobiliários, quando, aqui citados. Todos os julgamentos e estimativas aqui contidos são apenas exposições de opiniões
até a presente data e podem mudar, sem prévio aviso, a qualquer momento. Performance passada não é
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