Camarim 45 - Cooperativa Paulista de Teatro

Transcrição

Camarim 45 - Cooperativa Paulista de Teatro
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volksbühne, fundado em 1914
2º semestre • 2010 • 1
palavra da cooperativa
2 • Camarim • nº 45
Depois de um período de recuo, devido à crise de 2008/09, a
problemas com órgãos públicos que teimam em não reconhecer o
cooperativismo cultural e à questões internas, a Cooperativa Paulista
de Teatro retoma seu curso e uma nova edição da Revista Camarim,
a No. 45, é um sinal de que as coisas voltam à normalidade e, com
isso, a produtividade cultural ganha seu merecido espaço. A própria
Camarim, que neste número se dedica ao teatro progressista em
várias partes do mundo, foi recentemente contemplada no Edital
Cultura e Pensamento do Ministério da Cultura e, salvo alguma
surpresa do MINC, terá, em seus próximos seis números, uma nova
linha editorial, de caráter especial. A Mostra Latino-Americana de
Teatro de Grupo chegou ao seu quinto ano e o Teatro nos Parques
chega a sua segunda edição ampliada em 2010, de setembro a
novembro, com 26 atrações e 97 apresentações em 41 parques da
cidade de São Paulo. Ambas ações gratuitas, ambas propostas de
formação de público. Em um país com tamanho déficit de acesso
às atividades culturais, a Cooperativa tem priorizado a inclusão de
novos públicos em seus projetos, como plataforma primeira.
A frente internacional da sociedade está em pleno
desenvolvimento com a criação da representação brasileira do
Instituto Internacional de Teatro – ITI – ligado à UNESCO, feito da
Cooperativa, no intuito de ampliar as possibilidades de atuação da
agremiação e de seus associados (leia texto sobre o ITI nesta edição).
No campo doméstico tivemos, entre o final de 2009 e o início
de 2010, mais um embate político/jurídico com a Prefeitura de
São Paulo, em relação à Lei de Fomento ao Teatro. O impasse foi
superado graças à mobilização da sociedade e da classe teatral como
um todo, o que confirmou a ampla penetração que a Cooperativa
tem hoje na cidade. Em março foi a vez de nos dirigirmos às questões
federais, visto que, depois da histórica ocupação da Funarte/
MINC em 27 de março de 2009, o governo aceitou negociar nossas
propostas e o projeto Prêmio Teatro Brasileiro, um programa para o
teatro no país, gestado no movimento teatral nacional Redemoinho,
ganhou oficialmente espaço no novo projeto de lei para a cultura
do Brasil, o ProCultura. Porém, pela falta de destreza política do
governo, uma grande ação que estava preparada para o Dia Mundial
do Teatro de 2010, foi cancelada e desde então as negociações com
as esferas federais não têm sido fáceis. Tudo indica que, apesar dos
inúmeros esforços nesses oito anos de Lula como Presidente, mesmo
com a possibilidade dos fundos setoriais serem lançados ainda em
2010, neles incluído o Fundo Setorial de Artes Cênicas, um projeto
de médio ou longo prazo, estruturante para o teatro brasileiro, como
a proposta do Prêmio Teatro Brasileiro, ficará para ser discutida com
o novo Governo e o novo Congresso, que assumirão em 2011.
Os problemas internos e externos, os progressos e regressões,
demonstram que, para um coletivo com três décadas de vida intensa
e ativa, os percalços não irão cessar e, se quisermos fazer mais 30
anos de história no Teatro Brasileiro, muita dedicação e engajamento
serão, cada vez mais, imprescindíveis.
Ney Piacentini
Presidente
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Expediente
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Entrevista com Zé Renato, Eduardo Tolentino e Zé Fernando
Valmir Santos, Alessandra Perrechil e Maurício Hiroshi
Teatro Chileno
Guillermo Calderón
Teatro Chileno em Democracia – Historicidade e Autoreflexão
Maria de La Luz Hurtado
O teatro é sempre político
Carlos Zatizábal
Os escravos da fila
Valmir Santos
Alemanha: Entrevista com Frank Castorf
Valmir Santos, Alessandra Perrechil e Maurício Hiroshi
A Cena contemporânea espanhola
José Henríquez
Um panorama do teatro em Portugal
Jorge Louraço Figueira
O teatro em Angola: um pouco de história
José Mena Abrantes
Cooperativa no mapa
Luiz Amorim e Ney Piacentini
Camarim é uma publicação da Cooperativa Paulista de Teatro – Ano 13 – Número 45 – 2º semestre de 2010 • Editor: Ney
Piacentini / Mauricio Hiroshi Kanashiro • Jornalista: Alessandra Perrechil • Revisão: Alessandra Perrechil, Mauricio Hiroshi
Kanashiro • Diagramação: Pedro Penafiel • Impressão: Corprint • Tiragem: 2000 exemplares • Distribuição Gratuita
Praça Dom José Gaspar, 30 • 4º andar A • Centro • CEP: 01047-010 • São Paulo • SP
Novo telefone: (11) 2117-4700 • [email protected]
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Alessandra Perrechil
“Um trabalho tão precário e
flexível como o de um sapateiro”
Por Valmir Santos, Alessandra Perrechil e
Maurício Hiroshi
José Fernando,
Eduardo Tolentino
e José Renato
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Numa quarta-feira cinza de março passado, a sede
da Cooperativa Paulista de Teatro, na região central
de São Paulo, abrigou um encontro de três gerações de
diretores brasileiros. José Renato, Eduardo Tolentino
e José Fernando de Azevedo reuniram-se a convite da
Revista Camarim, estimulados a cotejar suas trajetórias e
os contextos históricos percorridos até aqui. O paulistano
José Renato (1926) é cofundador e idealizador do histórico
Teatro de Arena, diretor do espetáculo “Eles Não
Usam Black-Tie” (1958), de Gianfrancesco Guarnieri,
considerado um marco da dramaturgia nacional. Iniciando
suas atividades no final dos anos 1970, o carioca Eduardo
Tolentino de Araújo (1954) cofundou o Grupo Tapa, criado
no Rio de Janeiro e radicado em São Paulo a partir de 1986.
Mais contemporâneo, José Fernando Azevedo (1974), é
professor na Escola de Artes Dramáticas (EAD/USP),
dramaturgo e diretor do grupo Teatro de Narradores, do
qual também foi um dos precursores. Entre os pontos
comuns, o trio envolveu-se direta ou indiretamente
com o Movimento Arte contra a Barbárie. A conversa
foi permeada por temas como modos de produção e
criação, o Teatro de Grupo, a relação com o espectador
contemporâneo, os espaços públicos, a sustentabilidade dos
núcleos artísticos, o papel do diretor nos dias que correm e
a televisão.
Camarim – O que os movia quando jovens, no
início da carreira? Quais eram as motivações nos
anos 1950, no final dos 70 e nos anos 90?
Zé Renato – Posso começar? [risos]
Eduardo Tolentino – Claro... Você tem prioridade.
Zé Renato – Eu não sei se esse tipo de preocupação
existia no momento em que começamos a trabalhar. O que
existia era fundamentalmente uma vontade de fazer teatro,
renovar, contribuir de alguma maneira com a sobrevivência
da carreira, da profissão que tínhamos indicado que seria
a nossa. Naquela época, uma coisa era certa: o único
apoio que a gente tinha era do público. Contávamos com a
experiência da relação público/ator e fazíamos espetáculo
praticamente a semana inteira, de terça a domingo. O
desespero acontecia quando a gente não fazia sucesso,
quando o público não vinha ver o espetáculo. Nesse
momento, a gente ficava assustado e pensava em outra
saída. Ir ao banco pedir empréstimo, por exemplo, porque era
fácil naquele tempo. Você fazia empréstimos e pagava com a
próxima peça. Era comum isso acontecer. Tinha um banco
aqui na Rua 24 de Maio, uma agência do Banco Mercantil.
Sempre ia lá e o gerente já me conhecia. “Está precisando de
empréstimo de novo?”, ele perguntava. “Vou precisar, mas
vou pagar logo”, respondia. A gente sobrevivia da relação
público/ator, público/espetáculo. E isso era fundamental.
Camarim – Você [Zé Renato] tinha saído da
EAD nos anos 50. Três anos depois começa o
Arena. Esses parceiros, esses colegas de grupo, eles
estavam movidos por qual desejo ou visão estética?
Zé Renato – Eles vinham também da EAD e eram
movidos pelo mesmo interesse: ter um grupo. Era Geraldo
Mateus, Sérgio Sampaio, [Emilio] Fontana. Naquela época
só existia praticamente uma companhia que poderia nos
contratar ou contratar alguém, a do TBC. E esta tinha lá
os seus “medalhões”, ficando difícil de penetrar no grupo.
Havia os diretores italianos que a gente respeitava muito,
mas, fundamentalmente, o que queríamos era encontrar
um caminho nosso. Sabia que o caminho existia, porque a
concorrência era relativamente pequena. Existiam também
outras grandes companhias, como os Oficinas da vida, os
Procópios da vida, mas esses eram “medalhões” dos quais a
gente nem sequer chegava perto.
Camarim – Havia um espírito amador nesse
princípio, podíamos pensar assim?
Zé Renato – Sim, porque a maioria de nós não
vivia só de teatro. Eu, por exemplo, tinha uma profissão,
ganhava um pouco de dinheiro disso. Eu era protético,
tinha um laboratório na Praça da Sé, sobrevivia muito mais
disso. Assim, tinha um espírito amador nesse começo,
claro. Pouco a pouco a gente foi sentindo a importância
dessa outra profissão e se dedicando mais a ela. Os meus
clientes, os dentistas com quem eu trabalhava, às vezes me
surpreendiam quando perguntavam sobre teatro ao invés de
solicitar o serviço de prótese dentária: “Qual é a peça boa
que está passando hoje?”
Camarim – E quem os inspirava naquela época?
Zé Renato – A inspiração veio dos diretores italianos,
e de um nome fundamental para nós todos aquela época,
o Ruggero Jacobbi (1920-1981), com quem tive contato no
Teatro Brasileiro de Comédia. Ele era um gênio, um péssimo
diretor de teatro – dormia nos ensaios, as soluções que ele
dava em cena eram ruins e fracas -, mas quando começava
a falar, você ficava arrepiado, porque era um monumento
de sabedoria, de inteligência, de uma sensibilidade
impressionante. Esse homem nos orientava e nos dirigia.
Jacobbi formou um grupo de teatro de estudantes, com
bases política e marxista. Foi aí que surgiu o Vianinha
[Oduvaldo Vianna Filho], o [Gianfrancesco] Guarnieri, entre
outros. Tinha outro italiano, Fabio Carpi, diretor do núcleo
de dramaturgia da Vera Cruz na época em que trabalhei
lá. Era um sujeito fantástico também. Ele e o Ruggero
eram os grandes orientadores intelectuais. Trabalhei com o
Ruggero quando a televisão se instaurou. A primeira novela
foi uma adaptação de “Helena”, de Machado de Assis, em
12 capítulos, escrita e dirigida por nós dois, na TV Paulista.
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Com esse contato, nasceu um interesse intelectual. Foi
quando senti a importância maior da nossa profissão, a
carreira e a arte.
Camarim – E a tomada de consciência política e
social foi se dando mais tarde?
Zé Renato – Já tínhamos uma consciência, mas o
engajamento político começou depois que conhecemos o
Ruggero, quando ele pediu para a gente fazer uma parceria
com o Teatro Paulista de Estudantes. Então, lá pelo ano de
1956, unimos nossos esforços ao grupo deles e formamos um
só. Foi quando se incorporaram o Vianinha, entre outros.
Camarim – E como foi com você, Tolentino? Na
cidade do Rio de Janeiro no final dos anos 1970?
Tolentino – Vamos por faixa etária [risos]. Eu posso
dizer que sou filho de uma incipiente democracia brasileira.
Nasci em 1954, dois meses depois do Getúlio [Vargas] ter
dado um tiro no coração. Então, nasci em um Brasil muito
esperançoso. O país do amanhã. Num país que foi cortado
ao meio nessa sua trajetória. Não que esse amanhã fosse
completamente real, mas a gente nasceu sob esse espírito.
Assim, quando entrei na faculdade, em 1973, nós tínhamos
as consequências dos dois lados. As consequências de uma
democracia na qual nascemos, que gerou tudo o que foi
falado – o Arena, o Oficina, Bossa Nova, o boom da MPB.
Fui jovem na época dos grandes festivais de música popular
brasileira. E é uma geração que vivia a arte o tempo inteiro.
Mesmo quem não fosse ser artista, era de alguma maneira
ligado a um processo artístico ou espectador que seja. Era
impossível, na faculdade, quem não ia ao cinema duas ou
três vezes por semana, no teatro pelo menos uma vez por
semana, ou em um show de MPB. Isso de estudantes de
todas as áreas, não só da área de ciências sociais, mas nas
técnicas também. Pelo menos nessa utopia que era Ipanema
dos anos 70. Ao mesmo tempo, como foi uma geração que
tinha a arte como cotidiano no Rio de Janeiro, foi a época do
boom dos grupos de teatro. Foi a partir do Asdrúbal Trouxe
o Trombone que de alguma maneira se instaurou alguns
processos utilizados até hoje, quer pela produção comercial
do teatro que até por algumas alternativas. Eles fizeram o
próprio núcleo deles e isso foi de certa maneira um emblema
para uma geração que poderia produzir seus próprios
trabalhos. Então é nesse o mundo em que a gente nasceu,
em que tudo se formou.
Camarim – E para você, Zé Fernando, como foi nos
anos 1990?
Zé Fernando Azevedo – Eu tenho a impressão de
que faço parte de uma leva de artistas e de grupos surgidos
no final dos anos 1990, entre 1997 e 2000, em São Paulo.
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Houve uma espécie de explosão de grupos de teatro, uma
grande parte saída da universidade, e é um movimento que
coincide com a criação do Arte contra a Barbárie. O que foi
decisivo para a formação, e talvez para a manutenção desses
coletivos, foi a experiência do Arte contra a Barbárie, porque
é também um momento em que essa ideia de geração
é confusa. Nesse momento do teatro, conviviam numa
reunião 40 anos de teatro – Zé Renato, Zé Celso, Oficina,
Tapa, Folias D’Arte, [Reinaldo] Maia, o Sérgio de Carvalho,
Fernando Peixoto –, e por isso eu tenho a impressão que,
esboçando a fisionomia dessa geração, ela é bastante
híbrida, não tem uma cara definida. Mas essa experiência do
Arte contra a Barbárie, de certo modo, colocou questões
decisivas para o teatro desses grupos que começam a
se formar a partir de 1997 em São Paulo; núcleos como
o Bartolomeu, a São Jorge, o pessoal da Estável. Essas
questões são estéticas, porque a própria realidade dos grupos
exigia pensar o tipo de teatro que estavam fazendo – as
condições de manutenção, de organização, de relação com
a cidade, relação com o público, coisas que não eram muito
claras, mas também questões políticas. Embora seja uma
geração que não tivesse necessariamente um ímpeto político,
foi forçada a pensar nisso e elaborar isso artisticamente. É
um pouco a força que essa fisionomia vai se definindo na
trajetória desses grupos.
Camarim – Na bibliografia do Zé Renato,
lançada recentemente pela coleção Aplauso [“José
Renato – Energia Eterna”, por Hersch Basbaum],
há um trecho publicado em 1º de fevereiro de 1955
no jornal O Estado de S.Paulo que diz o seguinte
sobre o modo de produção do Arena: “Não
haverá salário, mas repartição dos lucros. Cada
ator receberá uma cota, correspondente a uma
parte do total da bilheteria. Assim, a estabilidade
econômica da empresa parece garantida.” Quer
dizer, a questão econômica, de alguma forma
ainda permanece no centro do fazer teatral na
cidade.
Zé Renato – Naquela época tinha também uma
novidade que não falei. Fizemos uma sociedade de cotistas,
pessoas amigas que contribuíam com o equivalente a R$
40,00, R$ 60,00 por mês. Então eles tinham direito a
ingresso para a estreia, depois a gente cedia mais entradas,
enfim, chegou a quase 200 associados naquela época. E
isso contribuiu muito para que a gente pudesse estrear e
manter essa temporada de três peças diferentes por semana.
A gente estreou às terças e quartas-feiras com “A Rosa
dos Ventos”, depois foi “Esta Noite é Nossa”, uma comédia
inglesa, e no fim de semana a gente fazia “Uma Mulher e
Três Palhaços”, que era o grande carro-chefe nosso à época.
Camarim – E já tinha uma premissa do formato
de arena, como se ele pudesse ter sido uma
possibilidade de fazer um teatro mais barato?
Zé Renato – Claro. Essa foi a primeira saída nossa, a
gente procurava o teatro que fosse barato, que pudesse fazer
com poucos recursos. Que não precisasse despender muito
de cenografia, de espaço, de aluguel, tudo isso contado. Foi
por ai que a gente entrou no formato arena, a busca de um
espaço que não custasse muito. Isso aconteceu nas primeiras
apresentações nossas – gastávamos muito menos do que se
gastava normalmente nesses espaços comerciais. De repente
verificamos que o comprometimento do intérprete era muito
maior. A gente se exigia muito mais. E depois analisando
com mais detalhes, verificamos que a ideia da peça se
transmitia com muito mais interesse, muito mais integridade,
o público entendia com mais profundidade tudo o que se
discutida em cena. Ele era muito mais obrigado a prestar
atenção no que via do que o era num palco convencional.
Esse espetáculo feito no meio do público, mais próximo a ele,
fazia o espectador se comprometer tanto quanto um ator.
Camarim – E como você [Tolentino] vê essa
questão da sustentabilidade no fazer teatral?
Tolentino – Eu comecei falando que era filho da
democracia. Eu comecei a fazer teatro com os filhos e
netos da ditadura, mesmo esses sendo contestadores,
a escola brasileira “de pensamento” estava de certa
maneira desmontada. O Oficina, quando estreava, tinha
três semanas vendidas, acho que o Arena também, para
universitários. E eu fui a geração que ia correndo ver essas
estreias e era um consumidor de teatro. Hoje, a universidade
é desmontada no Brasil. Espero que o ensino básico esteja
sendo desenvolvido e daqui a alguns anos, os filhos da nova
democracia brasileira possam usufruir, daqui a 20 anos,
de outra escola, outra universidade melhor. Agora, existe
outro golpe causado pelos filhos da ditadura, que é o golpe
econômico. Quer dizer: até a entrada do [Fernando] Collor
no governo, em 1989, nós vivíamos de bilheteria. De 1979
a 89, raramente a gente precisava de dinheiro público,
concorria-se a um edital, a um auxílio montagem, mas você
não dependia de dinheiro público. Porque você fazia teatro
de cinco a seis vezes por semana. Você tinha um público
consumidor de teatro que ia a sete sessões. Quando caía
para cerca de 120 ou 80 espectadores, dizíamos “Que
desgraça! Vamos tirar a peça de cartaz e vamos pensar
em outra”. Isso mudou muito, porque houve uma guinada
econômica no Brasil muito grande, nos grandes centros.
Hoje, raramente os teatros dão lucro. Apesar de ter tido
alguns grandes sucessos de público, mas o tratamento não
era empresarial, o pensamento era que aquela companhia
sobrevivesse e montasse mais um espetáculo. A ideia não
era que as pessoas ficassem ricas. A gente ainda procura
manter isso no teatro. De vez em quando, temos que
recorrer ao dinheiro público. Mas eu evito ao máximo que
posso. Recorrer ao dinheiro público é, para mim, quase como
recorrer ao FMI. Eu prefiro quando a gente consegue achar
os meios de sobrevivência com o público. O teatro brasileiro
precisa dar esse salto, quer dizer, voltar a ter uma relação
com o espectador. Não depender do dinheiro público...
Zé Renato – Desculpa interromper, mas houve uma
transformação importantíssima no fim dos anos 50: a
televisão que apareceu de repente e transformou todos
os hábitos do brasileiro. Era muito mais fácil assistir em
sua casa, sentado na sua poltrona, do que ir ao teatro. É
violento.
Tolentino – O Brasil chegou a ter a quarta televisão do
mundo. A televisão aconteceu no mundo inteiro...
Zé Renato – Não com esse efeito...
Tolentino – Não com esse efeito. Então você é capaz
de pegar a BBC e ver as peças dos dramaturgos que estão
aparecendo, do [Harold] Pinter. Bibi Andersson [atriz sueca],
quando foi assistir ao espetáculo “A Volta ao Lar”, do Pinter,
no Rio de Janeiro, disse – “Ah, fiz essa peça no rádio”.
Camarim – O problema não é o veículo.
Tolentino – O problema é como o veículo foi usado
no Brasil, como um mecanismo entorpecedor. Não que
a televisão não seja entorpecedora também no resto do
mundo, pelo menos as televisões estatais tentam manter um
equilíbrio. O que aconteceu aqui, o que a televisão estatal
não fez, a rede privada fez: contratou os maiores atores, os
grandes diretores.
Zé Renato – Mundialmente, eles respeitavam o horário
dos espetáculos teatrais. Havia um intercâmbio útil nesse
sentido. Aqui, de repente, a televisão começou a lançar
o grande boom das novelas no horário do teatro. Isso só
aconteceu aqui.
Tolentino – Aqui mudou até futebol. Em qualquer
lugar do mundo o jogo é às 19h, que é para o trabalhador
ir ao estádio. Eles botaram às 21h30. Isso é um fenômeno
inacreditável: para não atrapalhar o horário das novelas, nós
temos futebol às 21h30. Não tem país no mundo que tenha
basquete, futebol às 21h30.
Zé Renato – Houve uma acomodação, infelizmente,
por parte do pessoal do teatro. Naquela época, lembrome que fizemos uma reunião, por volta de 1960. E o Túlio
Lemos [ator paranaense destacado no rádio], que era
também de televisão e fazia parte do grupo em que dirigi
“A Ópera dos três Vinténs”, ele dizia: “Esse negócio de
televisão, novela e televisão, não se preocupem, vai acabar
em dois anos. Em dois anos não existirá mais esse negócio de
novela de televisão”.
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Cloaca – Grupo Tapa
Tolentino – Existe outro mecanismo que a televisão
fez, sem querer falar da televisão demais. Tem a questão dos
atores, a terça-feira foi tirada [da programação de teatro]
porque era dia de [gravação] noturna na televisão. E teve uma
geração, que fazia televisão na segunda-feira; assim a TV foi
sucessivamente cortando a possibilidade dos atores. Então,
não pode trabalhar na quarta, não pode trabalhar na quinta,
os salários começaram a ficar exorbitantes. Se todos nós
fizéssemos um pacto de fazer teatro de terça a domingo, isso
mudaria alguma coisa, porque isso repercutiria nos jornais.
Zé Renato – Mas economicamente ninguém agüenta
isso...
Tolentino – Acho que qualquer apoio governamental
deveria exigir o teatro de terça a domingo a preços
populares, a preços popularíssimos. Não importa, não
importa o preço que você faça, porque acho que teatro tem
que cobrar. É um ofício, e não tem que ser dado de graça. A
não ser que toda a sociedade funcionasse de graça – que o
dentista fosse de graça, que o médico fosse de graça, e nós
tivéssemos uma sociedade completamente socializada, então
a arte também seria de graça. Agora, quando o governo dá
algum tipo de verba para o teatro, deveria ter como meta a
formação de uma vida teatral possível. Não há possibilidade
de fazer teatro duas vezes por semana e ser bom. Teatro é
um tipo de trabalho que, se você se desliga três vezes por
semana daquilo... Ao contrário do cinema ou da televisão,
que é o frescor do que você faz, no teatro quanto mais se
repete a cena, mais se consegue uma qualidade intrínseca
daquilo que é feito. Estamos entrando num ponto de vista
artístico com mais qualidade. Eu prefiro fazer uma peça
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quinze dias direto do que dividir esses quinze dias por três
meses, duas vezes por semana. Inclusive, economicamente,
se nós temos público para quinze dias, deveríamos fazer
quinze dias direto, porque isso é inerente à arte teatral. Se
houvesse um pacto entre os artistas, de fazer espetáculos de
terça a domingo, cada um com a sua potência de público...
Agora, você vai enfrentar [resistência] dos teatros, vai
enfrentar uma porrada de coisas. Os teatros públicos são
necessários. Nós não temos nem mais roteiro em jornal.
Porque o teatro não tem importância, acontece duas vezes
por semana, não tem problema. Tirem o roteiro de cinema
para ver o que acontece com o leitor de jornal.
Zé Fernando – Eu concordo com tudo isso, mas
comecei a fazer teatro no momento em que algumas coisas
já estavam acontecendo. E quando a gente decide formar
um coletivo, isso não era a única alternativa, existiam outras.
Por exemplo, não fazer teatro. Eu não fiz escola de teatro,
fazer teatro e montar um grupo era uma escolha. Meu grupo
se formou na Faculdade de Filosofia (FFLCH-USP). Então,
imediatamente, algumas questões se colocam. Não existe
um público preestabelecido. E vamos descobrindo durante
o trabalho que essa ideia de formação de público está muito
ligada também ao desenvolvimento estético daquele coletivo.
Um certo público vai se formando à medida que uma poética
vai se definindo. E a ligação com a universidade é muito
decisiva. Nosso público é potencialmente universitário.
Outra questão que se coloca é: nós ainda não tínhamos
um programa público que pudesse servir como modelo.
Precisávamos também buscar alternativas e, nesse processo,
precisávamos inventar lugares para poder fazer teatro.
Não tínhamos os teatros comerciais da cidade. Então, a
questão da sede aparece como algo decisivo. E depois tem
que se manter o coletivo. Manter um coletivo significa
manter um espaço de trabalho, e manter um espaço de
trabalho significa, de algum modo, pôr algumas questões
para a cidade, na relação com o público. Em alguma
medida, essa questão da manutenção de um coletivo é algo
decisivo para a gente. Eu sou de uma geração que ajudou
a inaugurar o Fomento [Programa Municipal de Fomento
ao Teatro para a Cidade de São Paulo, 2002], mas que
também teve o Fomento como um porto, não seguro,
mas como possibilidade de vislumbrar essa perspectiva da
manutenção. Mas também a gente não teve o Fomento o
tempo todo. Então é um problema muito sério para a nós
quando passamos um ano e meio sem o Fomento, como
fazemos? Você tem que inventar formas de manutenção,
não de sustentabilidade, como o Celso Frateschi dizia nas
discussões sobre o Fomento, mas formas alternativas. Isso
implica um certo amadorismo. Teatro de Grupo é um pouco
amador. Não necessariamente na qualidade estética, mas
não é um teatro profissional no sentido estrito da palavra.
Isso talvez coloque questões, porque talvez o objetivo não
seja ser profissional. Talvez o objetivo seja outra coisa, que
a gente teria que discutir. Mas tudo isso mudou a relação da
gente com a ideia de uma política pública. Eu não concordo
com o Tolentino. Eu tenho a impressão que o teatro vive
ciclos no Brasil que, ironicamente, duram mais ou menos
10 anos. Se for pensar, na experiência paulista, na virada do
TBC (1948) até o Arena, em 58, são 10 anos. A experiência
que vai se radicalizando a partir do “Black-Tie”, em 58, até o
AI-5, em 68, são mais 10 anos. A resistência que São Paulo
deu na reorganização dos coletivos, de um lado, e na ida de
outros para a periferia, entre 68 e 78, são mais 10 anos. E
da fundação da Cooperativa em 79 até o Collor, em 89, são
mais 10 anos.
Zé Renato – Mas isso é inexorável?
Zé Fernando – Não. O que estou querendo dizer
é que, de tempos em tempos, algo acontece no país, que
leva o teatro a ter que responder de alguma forma. Mesmo
entre o Collor e o Arte contra a Barbárie, em 98, você
tem um ciclo, e a experiência que temos do Arte contra
a Barbárie até agora com o Fomento, é um outro ciclo.
A fisionomia do teatro muda com o esforço de responder
ao que está acontecendo fora dele. E nesse sentido, para
a minha geração, a relação do teatro com o poder público
ou com a ideia de uma política pública para o teatro, tem a
ver com a percepção disso que estou chamando de “ciclos”,
com momentos em que o teatro esboça uma relação com
a sociedade. É como se a gente pudesse vislumbrar na
experiência teatral a formação de um campo público de
discussão que, por alguma razão externa, tem essa formação
interrompida. E essas interrupções fazem com que a gente
esteja o tempo todo condenado a retomar.
Zé Renato – Essa análise é interessantíssima. De
repente nos faz pensar: “O que vai acontecer nesse ciclo
que começou agora, em 2008? Qual é a modificação que vai
acontecer?
Zé Fernando – Considerando o Arte contra a
Barbárie, a formação da Lei de Fomento hoje, a gente
vive o limite dessa experiência com o Fomento. Porque é
óbvio que a lei potencializou uma perspectiva, mas ela não
sustenta isso. Os grupos não conseguiram produziram uma
alternativa, e agora isso está no limite, que condena a própria
existência dos grupos fundadores desse processo.
Tolentino – Eu só quero reiterar: na abertura de um
campo, foi maravilhoso. Mas o problema é que não se pode
ficar dependente disso.
Zé Fernando – Quando digo que divirjo, na verdade a
divergência talvez seja mais nominal. Tenho a impressão que a
gente precisa criar alternativas, mas que a bilheteria, como ela é
entendida comercialmente, talvez não seja a única alternativa.
Tolentino – Olha, aprofundando um pouco isso. Você,
viajando para fora do Brasil, vê que os países que geraram um
melhor uso do teatro como meio alternativo de contato social
são aqueles aonde existe um teatro profissional mais sólido.
Zé Fernando – Você está pensando em que modelo?
Por exemplo, com exceção talvez dos EUA, o modelo
francês e o modelo alemão têm investimento do Estado.
Mas o Estado é entendido de uma maneira muito diferente.
A França é diferente da Alemanha. Se pensar no modelo
francês, o Estado repõe, pelo menos ideologicamente, essa
ideia de uma esfera pública, que tem a ver com a história da
França e o modo como a França entende essa esfera pública.
A Alemanha se apropriou do modelo dos teatros livres e
do teatro proletário no início da República de Weimar, e de
certo modo assimilou isso a uma política de Estado. Então
são alternativas.
Tolentino – A Argentina, por exemplo. A Argentina
vive hoje um teatro comercial em um momento pleno e
um teatro alternativo, independente, que vem também da
tradição deles. E a coisa mais interessante é o trânsito de
artistas e público pelos dois tipos de teatro.
Camarim – Esse teatro alternativo na
Argentina é subsidiado?
Tolentino – É subsidiado, mas, você conversa, por
exemplo, com o Daniel Veronese, que faz peças no teatro
comercial e consegue arrastar um pouco do empresariado
para experiências alternativas. Quando falava de modelos,
estava pensando mais na Argentina antes de tudo.
Zé Fernando – Já é diferente da perspectiva da mera
bilheteria. Existe uma tradição do teatro público dos anos
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30, a ideia da associação de espectadores. Eu não sou contra
o trânsito das esferas, muito pelo contrário. Mas acho
que teríamos que repensar esses modelos e, na verdade,
estabelecer outros modelos.
Zé Renato – Você acha que o poder público não
desenvolveu o interesse pela cultura?
Zé Fernando – É que a gente fala “o poder público”
de maneira abstrata. Não podemos esquecer que o Estado
brasileiro está a serviço de alguma coisa que não é a
dimensão pública. E que, no entanto, o teatro que a gente
faz, coloca em discussão a necessidade de uma dimensão
pública. Essa contradição temos que entender. Quando
reclamamos do programa público, não estamos reclamando
um programa estatal, estamos estabelecendo uma
contradição no interior de algo que não é público no Brasil. O
Estado não é público no Brasil.
Tolentino – Eu só quero voltar um pouco, vamos falar
dos modelos europeus, são outros modelos de cultura, mas
aonde a relação com o público é fundamental. Por exemplo,
no caso de um Peter Brook, o Estado cobre o que o público
não cobre.
Zé Fernando – Na Alemanha o modelo é 80% estatal
e 20% bilheteria. E tem que ter esses 20%. Se o teatro não
consegue...
Tolentino – Mas essa é a questão que estou dizendo,
não que a bilheteria mantenha completamente, mas que a
bilheteria seja uma parte.
Zé Fernando – Ela codifica uma relação.
Tolentino – Ela codifica uma relação. Mesmo que
seja a preços populares, mesmo que se faça programa para
públicos de baixa renda, mesmo que se faça todo tipo de
coisa possível, mas é importante que o espectador pague
pelo que ele assiste.
Zé Renato – Essa foi uma briga que tivemos durante
muito tempo, no começo do Sesi [Teatro Popular do Sesi,
1948], com o Osmar Rodrigues da Cruz, que implantou essa
política de não cobrar seus ingressos [Cruz dirige o espaço
a partir de 1951]. Briguei muito com ele. Agora, quando eles
começaram a querer cobrar, diminuiu muito a freqüência, o
que é um problema.
Zé Fernando – Com a experiência do Fomento, a
gente só se pôs a cobrar bilheteria por conta da manutenção
do espaço, porque mais ou menos vinculado ao fato de
ter um financiamento público com a necessidade de uma
bilheteria no mínimo popular. Mas há a necessidade de
manter o espaço, isso coloca questões que vão para além do
Fomento.
Tolentino – Essa é outra questão, quer dizer, você
está em uma cidade imensa, com desigualdades brutais,
alguns programas poderiam ser implantados para o acesso
de um público que está excluído, que não faz parte. Mas isso
10 • Camarim • nº 45
é outra questão. E acho que, ai, nesse sentido, o Fomento
pode ter aberto muitas portas, ter gerado teatros em regiões
que não tinham antes.
Zé Renato – Eu tenho uma experiência agora que é
o seguinte. Fui fazer apresentações em periferias de um
espetáculo que montei do Carlos Gomes, nos CEUS.
Fizemos 20 apresentações em espaços que eu não conhecia.
Fiquei fascinado com a possibilidade. Eles têm teatros
ótimos, muitíssimos bem montados. É uma estrutura
fantástica. Eu acho que, de repente, o Fomento podia
fazer isso. Colocar um grupo que tenha demonstrado a sua
continuidade de trabalho, qualidade de trabalho, num desses
teatros, durante cinco ou seis anos.
Tolentino – Ou aproveitar um grupo do local. É o mais
indicado, na verdade.
Zé Renato – Mas isso tinha que ser feito, daqui a pouco
o teatro vai se deteriorar se não tiver gente interessada em
desenvolver um trabalho lá.
Zé Fernando – Independentemente da tendência
política, o modo como essa dimensão pública do teatro é
encarada pelo governo de ocasião é que é determinante. Se
há alguma coisa produtiva na experiência dos coletivos, é
que várias coisas se explicitaram. Primeira, é que não existe
teatro sem dimensão pública. Não existe dimensão pública
se não há continuidade dos projetos sociais e culturais. E no
Brasil, isso não é a lei.
Tolentino – E no próprio governo, a mudança de um
secretário pode gerar uma mudança radical. Independente
do que ele seja, de direita, de esquerda ou de centro.
Zé Fernando – A gente pega a experiência em âmbito
nacional do que foi o [movimento] Redemoinho, todas as
contradições se evidenciaram nos últimos 5 anos, dentro
de um único governo, e na relação com esse governo. Eu
não estou criticando simplesmente esse ou aquele, o que eu
estou querendo dizer é que essa dimensão pública não é uma
evidência. Quando se fala “público”, se confunde com estatal
e eu acho que os movimentos elaboram isso de maneira
muito confusa.
Zé Renato – E como é que está seu grupo agora?
Zé Fernando – Meu grupo vem de uma crise... [risos]
Mas veja, é um processo. Na passagem dos 20 para os 30
anos, muitas definições se estabelecem. As pessoas precisam
de casa, ter filhos etc. Mas a grande questão para a gente
se deve a essa relação entre manutenção e necessidades. Eu
fico pensando, se a gente olha a fisionomia desses grupos
surgidos nos anos 90, como eles eram lá e como eles são
hoje, houve uma mudança interna em todos esses coletivos,
ou na grande maioria deles. E essa mudança de fisionomia,
[integrantes que saíram, entraram], essas mudanças todas,
penso, têm a ver com o processo de definição. Certamente
iniciamos um outro ciclo, que é um “sobreviver ao Fomento”,
dar um outro destino a ele e pensar alternativas que até
agora não apareceram.
Camarim – No Tapa, por exemplo, como é que
você [Tolentino] pontua essas questões?
Tolentino – É isso que o Zé [Fernando] está falando.
A Fernanda Montenegro falou uma coisa maravilhosa.
Que o teatro brasileiro era um e eles partiram no trem
do mambembe no início dos anos 60 e isso consome.
Aquele trenzinho do mambembe que atravessava o Teatro
Municipal, até que o Jânio [Quadros] saiu pelas portas do
fundo, bateu a porta, e aí todas as ilusões foram por água
abaixo. Temos ciclos de prosperidade, de dívidas, de crises
internas. E você está constantemente mudando sua feição.
Por outro lado, você vai afirmando sua feição. Essa ideia, por
exemplo, que os dois “Zés” falaram sobre o amadorismo, foi
uma ideia que permeou o Tapa, isso está no nome do Tapa
[Teatro Amador Produções Artísticas]. E acho que a grande
dificuldade é você fazer conviver o profissionalismo com o
amadorismo. É você congregar essas duas coisas ao mesmo
tempo. E você tendo que viver disso... Eu acho honrado
viver do seu ofício. O que não quer dizer: você vai ficar
milionário com o seu ofício. São coisas muito diferentes. É
um trabalho como o de um sapateiro...
Zé Fernando – Tão precário e flexível quanto de um
sapateiro...
Tolentino – Mas existem sapateiros amadores que são
maravilhosos. E existem sapateiros que não são artesãos,
que deixam de ser artesãos. Essa convivência do artesanato
com a sobrevivência é o equilíbrio que você precisa rever
constantemente.
Zé Fernando – Mas também temos que desmistificar
uma questão sobre o “grupo”. Porque é evidente que para
a minha “geração” a experiência do grupo é decisiva, mas
dando aula na EAD e vendo como as coisas acontecem, eu
tenho a impressão de que, a partir de um certo momento,
e essa é uma das contradições do Fomento, o Teatro de
Grupo aparece como mais uma alternativa econômica, e isso
é um problema. Todas as questões que antes vinham com a
ideia de grupo, que tem a ver com as crises desses coletivos,
hoje elas estão amenizadas ou há uma espécie de “ideologia”
do grupo que é muito precária. Eu sinto, há uma espécie de
politização forçada no movimento teatral, que faz com que o
grupo seja a única alternativa, e não é.
Tolentino – Quando eu falo da questão do FMI, é
isso. De vez em quando você tem que recorrer ao dinheiro
público porque você precisa sair de uma crise fora do normal.
Mas quando você se acomoda nisso, vira a única alternativa
que você tem, isso pode ser meio doentio.
Zé Fernando – É uma contradição. O teatro tem o
tamanho do espaço público nesse país, portanto ele é muito
pequeno. E teatro é espaço público. Quando a gente perde
essa dimensão, e a discussão se dá só no âmbito econômico,
nós não estamos mais discutindo teatro.
Camarim – Saindo um pouco da questão
econômica e da manutenção, pensando no plano
estético e de linguagem, vocês têm prazer no
teatro que vocês assistem hoje?
Zé Fernando – Isso me interessa muito como uma
questão. Nós vivemos uma experiência que não está
sendo percebida criticamente. Ela pode ser lida como uma
catástrofe, ou mediocridade, mas também como um momento
decisivo para o teatro. Porque que nos últimos anos – e a
experiência dos coletivos têm muito a ver com isso – os grupos
e, portanto, a dramaturgia, foram empurrados por um choque
de experiência que não é pequeno. E isso tem produzido um
tipo de cena e um tipo de dramaturgia que podem até ser
precários, mas que estão elaborando, com os instrumentos
que têm, uma experiência que é nova. Temos um esboço
de uma estética que tem muito a ver com a precariedade de
manutenção, de formação, de contato com a sociedade. Mas
essa precariedade, ela está ganhando uma forma em cena, que
é nova. E que a gente não está conseguindo, do ponto de vista
crítico, perceber o funcionamento disso. E portanto debater
isso e dar consequência a isso. A gente vive um momento
decisivo, que é um momento de limite e esse limite está sendo
intuído cênica e dramaturgicamente. Mas essa intuição,
que é também uma forma, precisa ser discutida, precisa ser
elaborada criticamente. Acho que esse é o impasse atual.
Nesse sentido, eu acho que ou damos um salto ou recuamos.
E acho que nós já estamos começando a recuar, porque o
outro lado disso seria alguma coisa acontecer na sociedade, e
nada está acontecendo na sociedade. E o teatro não é campo
de milagre. Então vivemos um limite que é social também.
Tolentino – Mas acho que essa dificuldade é inerente
ao próprio fazer teatral. Uma vez me perguntaram: “Quem
são os bons dramaturgos brasileiros de hoje?” Eu não posso
dizer. Porque eu estou num momento “X”, além disso tem
meu gosto estético, a questão do que é oportuno e o que
não é oportuno. É difícil você analisar criticamente o teatro
no momento em que ele está acontecendo. Dando um salto
no passado, aconteceram experiências que foram hipervalorizadas, ou sub-valorizadas, e que se revelaram de outra
maneira quando o tempo passou. Então acho que isso que
o Zé [Fernando] está falando é superimportante. É muito
difícil você olhar para o que está acontecendo e dizer: “Isso é
o laboratório de uma coisa que vai ser importante”. Tomara
que seja. Mas é difícil você dizer que é uma porcaria ou que
é uma coisa importante. Você não sabe com que grau de
comprometimento você está analisando isso. Eu acho que
essa é a grande dificuldade para analisar alguma coisa no
2º semestre • 2010 • 11
calor da luta no campo da arte. Além disso o teatro acontece
em um momento e no seguinte ele acaba. Você pode rever
o Van Gogh cem anos depois. Mas uma obra teatral você
não pode rever cem anos depois. Então, essa é a grande
dificuldade crítica do teatro.
Zé Fernando – Mas isso também coloca uma questão:
talvez a gente tenha que mudar os critérios de avaliação
dessa profissão.
Zé Renato – Houve um hiato importante na história
desse desenvolvimento, que foi a época da ditadura. Produziuse, sim, na época da ditadura, mas houve muitos problemas.
Então, todo mundo esperava que de repente acontecesse um
boom do teatro com a democracia e isso, eu acho, só está
acontecendo agora. Você [Zé Fernando] não acha?
Zé Fernando – Certamente. Como o século XX ainda
continua no século XXI, talvez a ditadura só esteja acabando
agora, como processo social. Talvez aquele processo só
agora seja realmente abertura.
Zé Renato – Pessoalmente, a partir dos anos 60, comecei
a deixar um pouco de lado a literatura estrangeira ligada ao
12 • Camarim • nº 45
Eles não usam
black tie – Teatro
de Arena
teatro e mergulhei muito mais na dramaturgia brasileira. Teve
o “Eles Não Usam Black-Tie”, e eu comecei a me interessar
profundamente pela dramaturgia brasileira. Arrependi-me
em determinado momento e retomei o estudo de autores
estrangeiros. Eu participei recentemente de um júri de um
concurso de dramaturgia Brasil-Portugal e é impressionante
a diferença entre os interesses dramatúrgicos dos autores
do Brasil e de Portugal. O número de autores brasileiros
que escrevem sobre a realidade brasileira – mal ou bem -, é
maior do que os portugueses que escrevem sobre Portugal.
É impressionante como lá o lírico, o lúdico, é muito mais
desenvolvido do que o nosso lado lúdico aqui. A dramaturgia
brasileira está preocupada com a relação humana muito mais
do que com outras questões. É impressionante a quantidade
de textos que a gente vê ligados a essa problemática no Brasil
todo. Eu acho que nós vivemos um momento extremamente
importante. Se houvesse um governo que se interessasse em
pesquisar essa questão, levantar isso, concretamente, através
dos grupos ou através de uma secretaria especializada em
desenvolver essa cultura, esse lado cultural da dramaturgia,
nesse momento encontraria coisas fantásticas.
Tolentino – Isso tudo que o Zé Renato está falando
está acontecendo de alguma maneira. Está surgindo uma
dramaturgia e um fazer teatral diferentes. Isso não tenho
dúvida. Sou mais otimista que você [Zé Fernando], não acho
que a gente vai retroceder não. Acho que a gente vai caminhar.
Zé Fernando – Eu vejo isso na experiência do meu
coletivo. Às vezes você aponta para caminhos que a
realidade, inclusive a econômica e a política, te forçam a
recuar, a desviar, a interromper.
Tolentino – Pareço um velhinho falando [risos]. O que
minha experiência me diz é que você retoma esse caminho
depois. Você retoma a armadura, entendeu?
Zé Fernando – Mas, às vezes, num processo coletivo,
o custo desses recursos é muito alto.
Tolentino – Claro, mas você retoma. Você retoma e
vai vendo o enraizamento desse trabalho. Eu não consigo ser
pessimista nesse sentido. Acho que na sua idade [risos], eu me
desesperava quando acontecia isso, entende? Porque você vê
que está avançando, mas de repente está recuando. Contudo,
daqui a pouco, retoma o trabalho mais preparado. E o próprio
coletivo retoma isso de uma maneira mais madura.
Zé Fernando – Quando eles sobrevivem...
Tolentino – Quando eles sobrevivem. Mas isso é nossa
função.
Zé Fernando – Sim, mas eu digo: isso que o Zé
[Renato] está falando tem um dado decisivo, eu não acho
que seja o Estado que deva incentivar essa dramaturgia,
não se trata de um balanço de produção, ou de uma mera
pesquisa. Eu acho que falta à nossa experiência uma tomada
de posição política, não no sentido partidário, mas de
perceber a divisão política.
Tolentino – Misturamos a questão da polis na política,
do sentido do termo, com partidarismo.
Zé Fernando – Agora, a dimensão política da nossa
experiência implicaria perceber o que há de esteticamente
comum naquilo que fazemos. E quando digo esteticamente
comum, não é que a poética dos Narradores tem a ver
com a poética do Tapa, muito pelo contrário. Mas talvez
possamos encontrar um tipo de interrogação que atravessa
essa produção e que faz com que a gente possa estar aqui
conversando. Essa dimensão coletiva, que perdemos no
sentido de que não há uma estratégia que nos mobilize, por
conta da sobrevivência, estamos o tempo todo inventando
pequenas táticas de sobrevivência e com isso vamos
seguindo, mas também nos atropelando.
Zé Renato – Talvez seja o fato de eu ter muito mais
idade que você, sinto uma urgência de resolver... [risos]
Camarim – Vamos pensar um pouquinho na
recepção das obras, no espectador. Com quem
que vocês conversam hoje? Na medida em que
avançam os grupos, os experimentos aumentam,
esse espectador também está entrando por essa
porta, permite-se assistir a um clássico e a outro
trabalho mais radical, mais experimental?
Tolentino – Em uma cidade desse tamanho, se a gente
falar do público, é uma loucura.
Zé Renato – Eu não sei, acho isso meio ridículo, você
me desculpe. Eu ouvi a Maria Della Costa dizendo: “Porque
o meu público quer isso...” A gente achava isso muito
engraçado numa determinada época. Eu, pessoalmente,
acho que não há diferença nenhuma entre o público dos
anos 50 e o público de agora. Apenas o público de agora tem
informações da televisão que o público daquela época não
tinha. O público de 1950 tinha mais abertura de pensamento.
Você podia discutir com o público. Hoje em dia você não
pode discutir com o público que vai ao teatro, porque ele
já tem ideias preconcebidas. Eu acho que muito mais do
que naquela época. Não sei se eu estou enganado, mas à
primeira impressão é o que eu sinto.
Zé Fernando – Eu não posso comparar. Mas eu tenho
impressão que, pelo menos no meu grupo, eu reconheço
que há pessoas que vão assistir aos nossos espetáculos e que
assistem a espetáculos de outros grupos, que comparam e
discutem esses espetáculos. Isso porque são pessoas que
participam de atividades, não só do espetáculo, mas outras
atividades que a gente faz, sei porque reconheço a fisionomia
desses espectadores. Às vezes, é quase como se você tivesse
uma relação de comparsa do que de público, e isso talvez
tenha a ver com a especificidade da nossa trajetória. Não
acho que dá pra generalizar. Nós não temos uma experiência
de grande público, se puser nossos espetáculos num teatro
de 700 pessoas, esgotamos em um dia os espectadores que
costumam nos assistir. No entanto, esse público é o que tem
mantido o trabalho, e ajudado a desenvolver o trabalho nos
últimos 10 anos. Acho que também a gente teria que pensar
público de outra maneira.
Tolentino – E tem uma coisa que é a cidade, o
tamanho da cidade. Quando o Zé [Renato] falou isso
dos anos 50, o cara demorava 10 minutos para chegar
aonde queria. Hoje, a pessoa demora 10 horas se quiser se
deslocar. Penso, que uma das grandes questões, e isso sim o
Estado poderia fazer, é descentralizar, construir teatro, ou
aproveitar os CEUS. A experiência dos grupos ocupando
espaços públicos seria uma grande saída.
Zé Renato – Mas não por seis meses.
Tolentino – Não, por três, quatro anos, o grupo
poderia criar uma identidade, convidar outros coletivos para
participar disso, como a experiência que teve a Fraternal na
Zona Sul [Teatro Paulo Eiró], que teve a Companhia Estável
no Flávio Império [Zona Leste]. Mais do que verba, do que
a questão econômica, a ocupação espacial seria uma coisa
fundamental em uma cidade.
Zé Fernando – Isso força os coletivos a se pensarem
no tempo.
Tolentino – E pensarem no espaço em que eles estão.
O que eles querem com aquele espaço. Na verdade, se a
gente fosse falar num salto qualitativo seria esse...
Zé Renato – Poderiam ocupar os CEUs, por exemplo.
Tolentino – Mas não com as pessoas rondando
pelos CEUs, devem ser ocupados com calma, não
eleitoreiramente. Precisamos de 20 ou 30 anos ocupando
quatro CEUS depois oito e essa experiência vai sendo
analisada aos poucos.
Zé Renato – A exemplo da França.
Tolentino – Onde o teatro é descentralizado. Você
ocupou o Arthur Azevedo [Mooca], sabe a guerra que é
você trabalhar com o funcionalismo público. Você não trata
com o secretário.
Zé Fernando – O administrador do teatro, que não
tem formação nenhuma.
Tolentino – Poderíamos ter um avanço total com
essa experiência, em que diferentes estéticas fossem se
desenvolvendo pela cidade, repensando o lugar onde essas
pessoas estão, com que público estão lidando. Porque, sem
dúvida, o público da Zona Sul é diferente do público da
Zona Leste. Mesmo você falando genericamente do público
de baixa renda. Você tem públicos diferentes. Ai, então,
poderíamos discutir o que é o público.
Zé Fernando – Se você considera os CEUs e os distritais,
claro que para o tamanho da cidade é uma rede muito pequena,
mas ainda assim é um aparelho teatral considerável.
2º semestre • 2010 • 13
Tolentino – Voltando à questão de verba, eu não vi,
nas vezes em que o Tapa ganhou o Fomento, as pessoas que
tinham votado no nosso projeto indo assistir aos espetáculos,
indo assisti ao processo. A massa crítica falta. Porque entre
o que eu escrevo e o que eu faço, pode ter uma diferença.
Entre o que eu escrevo para ganhar um projeto e o que
eu faço, pode ter uma diferença. Se isso acontece eu não
posso ser contemplado. Não estou dizendo de ser cobrado
radicalmente, mas que haja uma discussão crítica entre quem
analisou os projetos e quem está executando. E ninguém
quer mexer muito nisso. A comissão que julgou os projetos
poderia visitar os grupos e discutir, colocar um pouco o dedo
na ferida das nossas contradições ao fazer aquele projeto, e
com isso teríamos uma nova dimensão crítica.
Zé Fernando – Considerando aqui, no caso do
Fomento, parte da comissão indicada pela própria categoria,
o processo que leva à escolha dessa parte também precisaria
ser repensado. Isso faz parte do problema.
Camarim – Pode pensar também na crítica na
imprensa mesmo.
Zé Fernando – Ontem, eu li na Folha de S.Paulo, é
verdade aquilo? Procura-se crítico de teatro?
Camarim – É um episódio histórico, anúncio de
crítico de teatro.
Tolentino – Isso também é reflexo de uma crise que
não se sabe onde começa, se é dentro do teatro ou dentro
do jornal. Ou talvez as duas coisas.
Zé Fernando – Mas acho que isso não incide sobre
a nossa prática. Porque essa relação do teatro com a
dimensão do espetáculo sempre vai existir. Eu acho que
a grande questão é que os atores continuarão fazendo
televisão, cada vez mais farão televisão, e o teatro é
uma arte que... Não é que ela vai deixar de existir, mas
ela vai ter que responder a isso e portanto vai ter que se
transformar. Eu acho que a gente às vezes perde o bonde
nessa transformação. E acho que a gente vive o momento
que, querendo ou não, o teatro está mudando, a relação
com a cidade está mudando. Não estamos conseguindo
reinventar essas relações. E esse é o limite, inclusive,
da crítica em relação à produção. A crítica continua
analisando os procedimentos de cena, se é épico e se não
é, claro que passa por ai. Mas a questão principal é se
esses grupos têm reinventado a sua relação com a platéia
poeticamente. Isso tem acontecido?
Zé Renato – Você não acha que de repente o cinema
sofreu o mesmo problema que o teatro, e reagiu de maneira
diferente? Conseguiu encontrar uma saída?
Zé Fernando – A diferença é que cinema é indústria. E
portanto ele se resolve comercialmente.
14 • Camarim • nº 45
Tolentino – Cinema é indústria. Ai eu concordo
inteiramente.
Zé Renato – Só isso? Levaram os cinemas para outros
caminhos, que não permitiram que a concorrência diminuísse.
Zé Fernando – Eu acho que a saída é econômica e é
interessante economicamente se produzir uma certa imagem
do Brasil. Ontem eu fui assistir a um filme francês e o cineasta
disse que começou a fazer cinema porque assistiu a “Pixote”
[Hector Babenco, 1981]. O filme mostra um “Pixote” francês,
e você começa entender que está acontecendo uma coisa
na Europa que é um processo de degradação radical da
sociedade que faz com que a imagem que eles produzem
dessa sociedade seja completamente diferente. No Brasil,
acho que o processo é contrário: cada vez mais o cinema vai
produzindo uma estetização da miséria, uma estetização da
política, que é muito perigosa. Filmes como o “Lula” [Fábio
Barreto, 2009], ou mesmo filmes como “Cidade de Deus”
[Fernando Meireles, 2002], têm um elemento de estetização
que é mercadoria. Cinema é mercadoria, como no limite
teatro também é mercadoria, mas a grande questão é como se
elabora as contradições esteticamente falando. E acho que o
cinema não está tão disposto a elaborar essas contradições.
Camarim – Um ponto que vai fechando nossa
conversa: pensar a figura do diretor. Temos três
diretores aqui. O Zé Renato viu uma época em
que era o primeiro ator, a primeira atriz, e depois
isso foi se transformando. A gente tem uma
recorrência que se fala do império dos diretores
nos anos 80. Como é a relação de vocês como
diretores dentro de seus trabalhos atuais? Como
vocês se colocam, como é que vocês percebem a
figura do diretor no teatro brasileiro hoje?
Zé Renato – Eu sinto o diretor atuando cada vez menos
no espetáculo. Claro que ainda orientando, criando e tendo
a consciência da unidade necessária. Mas eu vejo crescer a
importância do bom ator. Acho que a presença do ator no
espetáculo determina o diretor. A troca entre o diretor e o
ator é fundamental hoje. Muito mais importante do que era
no passado. Eu sinto que se você não tem na mão um bom
ator não consegue fazer nada. Você se esgota, se desgasta,
e não consegue produzir o que você quer. No passado
dizíamos: “Com esse espetáculo eu consegui chegar a 60%
do que a montagem me sugeria quando li a peça”. Depois, na
outra peça: “Acho que eu cheguei a 80% do que eu esperava
alcançar com esse espetáculo”. Hoje, você está na mão do
ator. Outro dia assisti a “Rainhas” [Cibele Forjaz, Isabel
Teixeira, Georgette Fadel, 2008] com aquelas duas meninas
ótimas. É um alívio ver, de repente, pessoas tão dedicadas
que se entregam a criar um espetáculo desse nível. Vários
espetáculos que assistimos ficamos desanimados de ver
como o ator hoje em dia é relaxado. Isso é uma dificuldade
que o diretor tem. Criar um grupo, desenvolver um grupo é
fundamental. É importante que um diretor tenha nas mãos
um núcleo de grupo, pelo menos, no qual ele conheça os
atores e com isso consiga criar um resultado bom. É o caso do
Tapa. O Tapa é um grupo de atores ótimos, é um grupo ideal
para desenvolver um trabalho. Mas se você não tem isso, você
fica batendo com a cabeça na parede.
Zé Fernando – Eu comecei a fazer teatro em uma
época em que essa figura do grande encenador ou não existia
como uma evidência ou estava sendo colocada em xeque.
Mas também era uma época em que você começava a ter
outros modelos. Por exemplo, meu primeiro curso de teatro foi
no Tapa. Entrei lá há 17 anos. Tínhamos modelos, era minha
relação com atores, modelos que começavam a se estabelecer,
como o Vertigem ou a Companhia do Latão. É um momento
em que essa dimensão colaborativa do trabalho coletivo
começa a aparecer como uma questão. Isso não elimina os
autoritarismos, os egocentrismos, mas isso coloca no mínimo
uma outra dinâmica de trabalho. Os coletivos que começam
a surgir nesse período, são devedores dessa perspectiva,
que é colaborativa, mas que funciona de formas diferentes
em cada coletivo. Há coletivos em que a dramaturgia é
mais decisiva para o trabalho. Em outros, a figura do diretor
acaba redimensionando o trabalho dos atores. E há coletivos,
como a São Jorge [de Variedades], que, embora tenha uma
diretora, o funcionamento deles faz com que o trabalho
do ator venha e organize essa dinâmica. Temos modelos
diferentes, mas que, mais ou menos, colocam questões sobre
o que é essa colaboração de funções, que estão preservadas e
redimensionadas a cada caso. Não há um modelo único, você
pega um grupo como o Folias, certamente a figura do diretor
é decisiva. Mas se alguns atores não estivessem ali, o trabalho
seria outro. E a ausência do dramaturgo atualmente faz com
que o trabalho sofra um choque. Então, são dinâmicas de
funcionamento que têm que ser repensadas a cada momento.
Tolentino – Sempre fui muito fascinado pelo trabalho do
ator. Acima de tudo é o que me interessa no teatro. Quando
comecei a fazer teatro, não sabia nada, não sabia o que dizer
para um ator. Eu ia dizendo intuitivamente. Depois de uns 10,
12 anos de carreira, comecei a me entender um pouco. Para
mim o centro são os atores, não um ator. Às vezes você ouve:
“O teatro é a arte do ator”. De um ator. Isso é o modelo de
teatro do século XIX, ainda temos o sonho do João Caetano
na cabeça. E às vezes isso acontece até dentro de modelos
alternativos. Quer dizer, o grupo tem um discurso, tem uma
estética, mas tem um protagonista absoluto. Tem outro
modelo que é do diretor absoluto. São dois modelos que se
contrapõem. Eu gosto do modelo conjunto, acho que comecei
a fazer teatro por causa disso. Gosto dessa ideia de conjunto.
Eu não me refuto do meu papel de diretor, mas gosto do todo.
Quando entra um ator excepcional e outro péssimo, mesmo
que façam um pequeno papel, para mim acaba o espetáculo.
Acaba de uma maneira brutal. Cada um tem sua experiência
nisso. A minha foi brigar pela ideia de um conjunto que jogue
bem. Eu gosto de um bom jogo.
Nossa Casa de
Boneca – Teatro
de Narradores
2º semestre • 2010 • 15
Teatro Chileno
Eu creio que a maioria das
pessoas que fazem teatro no Chile
estão de acordo que esse teatro é
bom, diverso e interessante. Nos
últimos 20 anos novas gerações
renovaram o cenário e as escolas
de teatro. O Festival Internacional
de Santiago a Mil é o principal
evento cultural do país. Sem dúvida
persistem problemas que turvam
esse panorama. Por exemplo, o
teatro segue como algo que ocorre
exclusivamente na capital, Santiago.
Por outro lado nem o público nem as
subvenções do Estado são capazes
de permitir que as pessoas de teatro
sobrevivam exclusivamente de seu
trabalho criativo.
Sem dúvidas o teatro Chileno
é um dos principais espaços de
reflexões a cerca da história e cultura
contemporâneas. Se faz com pouco
dinheiro e salas que cabem cerca
de 150 pessoas, o fundo estatal para
as artes cênicas permite financiar
produções modestas, dessa forma,
o dinheiro não é suficiente para uma
grande expansão cênica. Em geral,
esse dinheiro, é acessível para uma
companhia que está começando a
aparecer nos meios de comunicação
e a terem seus trabalhos criticados
nos jornais. O teatro chileno não
está organizado em torno de uma
instituição ou personalidade, no
entanto o público está atento
para os grupos que estão
surgindo. Quase todo o teatro
chileno é independente.
O principal esforço coletivo
do teatro nos últimos 20 anos
foi se encarregar do trauma da
ditadura militar e a ansiedade
gerada pela volta da democracia
no ano de 1990.
Durante a ditadura o
teatro sobreviveu vital
e criativo. Foi uma das principais
16 • Camarim • nº 45
estratégias de expor a brutalidade
da ditadura evitando a censura
retratou a marginalidade. O cenário
se transformou em um espaço
naturalista poético e onde a vida
do pobre era a principal metáfora
coletiva da submissão. Esta idéia foi
desenvolvida principalmente pelo
dramaturgo Juan Radrigan em obras
como: El loco y La Triste.
Mas essa não foi a única forma
de pensar a ditadura na cena.
O diretor e dramaturgo Ramon
Griffero criou um teatro de grande
sofisticação visual e complexidade
dramática muito alinhado com a
estética pós-moderna do teatro
internacional dos anos 80. Griffero
conseguiu influenciar gerações de
criadores que começaram a ver a
ditadura e seu modelo econômico
como a expressão de um sistema
de dominação muito mais completo
e corrosivo que a simples repressão
de fuzis.
Até o final da ditadura Andrés
Perez e seu Grande Circo Teatro
impulsionaram um teatro espetacular
que resgatava o mundo popular
chileno, que se transformou. Sua
obra, La negra Ester, era o principal
evento cultural no final da década de
80 e em uma espécie de celebração
da nova democracia.
O que aconteceu nos 20 anos
seguintes? É difícil dizer, muitos
grupos renovaram outra vez o
panorama teatral. Toda via, pensar
o teatro hoje é um exercício mental
necessário e urgente, porque há
sinais claros que estamos diante do
fim de um ciclo. Por um lado a direita
voltou ao poder, pela primeira vez
desde a ditadura de Pinochet. Por
Tainá Azeredo
Por Guillermo Calderón
Pedro de Valdivia: la
Gesta Inconclusa,
da Companhia Tryo
Teatro Banda
outro lado o terremoto de fevereiro
deste ano, que pos um ponto
final dramático para muitos que
pensavam que o regresso da direta
já era tragédia suficiente.
Muitos tentam explicar como uma
presidenta socialista que terminou
seu mandato com 84% de aprovação
teve que entregar o poder a um
candidato que é apoiador da direita
“pinochetista”. Uma das opiniões
que acredito consiste no seguinte:
como o governo que sucedeu a
ditadura se limitou a fazer pequenas
reformas ao sistema econômico
e político, depois de 20 anos a
direita e a esquerda acabaram se
tornando ridiculamente parecidas.
Assim a alternância de poder não
é possibilidade de mudança real,
mas, significa somente a mudança
dos técnicos administrativos que
fazem o mesmo governo. E como
a direita se entrincheirou dentro das
empresas privadas celebrando seu
milagre econômico, agora aparecem
como os técnicos que vem para
aperfeiçoar um sistema que precisa
desesperadamente de mais
empregos.
Muitos previram esta crise...
Especialmente porque os partidos
de centro esquerda sacrificaram
muito para manter a estabilidade e
o status quo. Na verdade o poder
nunca conseguiu resolver claramente
os problemas de violações dos
direitos humanos da ditadura. Nunca
afastaram da vida pública os que
apoiaram ou foram cúmplices de
Pinochet, e que agora voltam ao
poder com a superioridade moral
concedida pela maioria dos votos
nas eleições.
Toda esta crise atual estava
anunciada. E isso criou desde
sempre um mal estar na cultura e no
teatro. Muitos diretores e dramaturgos
se afastaram das comemorações
dos 20 anos de democracia e se
transformaram em permanentes
mensageiros das más noticias. A
mensagem era que não podíamos
comemorar um sistema que se
convertia em um perigoso sucessor
da ditadura. Isso pode soar como
Teatro Chileno em Democracia
– Historicidade e Autoreflexão
Por Maria de La Luz Hurtado
exagero, e até certo ponto é. Os
planos sociais desenvolvidos na
democracia e o desenvolvimento
de uma clara institucionalização
cultural são ganhos inegáveis da
democracia, a vida do nosso país.
Mas, o teatro entendido desde
um certo princípio tinha que se
encarregar do sentimento de toda
uma geração que pensava que a
nova democracia era uma grande
decepção.
Alfredo Castro e seu teatro das
Mamórias é o principal criador
desta geração. Rodrigo Perez,
um dos seus antigos atores se
tornou um dos principais diretores
contemporâneos. Criou uma
dramaturgia cênica para explorar
temas como a tortura e a memória da
ditadura, assim como novas apostas
do teatro, como Juan Radrigan. Seus
textos continuam sendo leavados
a cena. O jovem dramaturgo Luis
Barra o segue explorando o mundo
da pobreza, o crime e a violência,
revitalizando e renovando a energia
do protesto anti-ditadura. O Teatro La
Maria de Aléxis Moreno e Alexandra
Von Hummel junto ao Teatro do Chile
de Infante renovou a aposta na cena
e na dramaturgia da última década.
O trabalho de destaque do diretor
Vitor Carrasco com texto Norte de
Alejandro Moreno também foi um
marco importante dos últimos anos.
Se pode dizer que o trabalho do
teatro chileno vai continuar vinculado
a evolução política do país. A nova
situação cultural vai criar condições
para que o teatro se veja obrigado
a assumir sua postura de protesto,
compromisso e de elaboração
intelectual e estética para dar conta
das mudanças recentes do país.
Desenhar um quadro das
diferentes tendências do
teatro chileno desde o
regresso da democracia
em 1990 até ao princípio
do séc. XXI é um desafio
que comporta várias
dificuldades. Com vista a
cumprir corretamente essa
tarefa, é importante usar a
noção de “historicidade”,
dado crucial na elaboração
da realidade feita pelo
criador a partir de
territórios marcados,
desmarcados e levados
por uma relação sujeito/
corpo histórica que implica,
por sua vez, “a tarefa de
encontrar a sua imagem
ou as suas imagens que
terão um impacto na
sensibilidade histórica
do espectador que se
confronta com os eventos
representados em cena”1.
É importante notar que o campo
teatral de Santiago, sede principal do
teatro profissional chileno, é tanto
denso como múltiplo, visto que ao
núcleo sólido de teatro universitário
e independente, que manteve as
suas atividades durante a ditadura
militar [1973 – 1990], é necessário
acrescentar os grupos formados
1
Ver Leslie Damasceno, 2003, “The gestural
art of reclaiming utopia: Dense Stocklos at play
with the Hysterical-historica”, Holy terrors,
Latin American women perform, edição Diana
Taylor et Roselyn.
2º semestre • 2010 • 17
nas escolas universitárias2, o que
representa um conjunto que contém
dezenas de companhias em atividade
nas antigas e novas salas ou espaços
não-tradicionais. O crescimento é
exponencial: em 2006, houve cerca
de duzentas criações [contra vinte em
1960, quarenta em 1970; em 2000,
contávamos cerca de cem criações de
autores nacionais e sessenta de autores
estrangeiros]. Será que o número abre
espaço a saltos qualitativos? Poderemos
ver alguma constante neste campo
plural e heterogêneo?
Creio que existem correntes
subterrâneas, as séries em potências; as
tradições representativas e as estéticas
revisitadas. As escolas que podemos
claramente identificar, apesar do seu
caráter móvel. Para as compreender, é
importante considerar dois momentos
históricos que se opõe claramente,
mas que apresentam, o que é meu
postulado, uma ligação subjacente.
Durante os dezessete anos do
Governo Militar liderados por Pinochet,
a resistência cultural centrou-se
fortemente no teatro, pois o cinema, a
televisão e a indústria editorial estavam
sobre o controle de uma censura densa.
O teatro acompanhou de muito perto
os discursos críticos, a denúncia, a
expressão de uma sensibilidade ferida
pelas claras mudanças culturais e sociais
que o país vivia. Com a distância,
poderemos ver ai um período histórico
onde se tomavam tanto riscos pessoais
como riscos artísticos apoiados por um
público que festejava e partilhava tal
posição. Havia um “sentido” que unia o
trabalho teatral à sua própria identidade.
Numa segunda fase, quando a
ditadura foi suprimida em 1990 por um
primeiro governo de centro-esquerda
da Concertação para a democracia,
os diagnósticos das práticas culturais
deixaram de ser claros e consensuais.
Uma opinião bastante difundida afirma
que o teatro pós-ditatorial na América
Latina, incluindo o Chile, responde às
obsessões dos autores ancorados nas
18 • Camarim • nº 45
Atualmente,
contam-se vinte
e seis escolas
universitárias
em Santiago e
nas regiões, sem
contar com os
muitos institutos
profissionais nãouniversitários.
3
institucionalmente,
assistimos à aplicação
de políticas de
incitação à atividade
teatral: concursos
do Conselho
Cultural para as
criações, pesquisas,
infraestruturas,
etc. Concursos de
Dramaturgia e da
Secretaria Geral do
Governo, abertura
de salas nas comunas
e centros culturais,
etc.
2
biografias particulares que não são
representativas nem de um pretenso
espaço nacional nem de uma época em
curso. Esta apropriação do privado seria
uma invasão da memória, uma vontade
de esquecer uma das histórias políticosociais mais dolorosas e conflituosas
que se viveram recentemente. Seria um
teatro despolitizado, virado para grupos
cuja capacidade em reunir um público
diminuiria ao mesmo tempo que a sua
historicidade.
Coloco-me contra este diagnóstico:
penso que a memória histórica, assim
como os temas mais urgentes da
atualidade, constituem o material e
a referência do teatro chileno pósditatorial, mas são abordados de
uma maneira muito diferente daquela
do movimento teatral anterior.
Testemunhar ou denunciar já não
chega: o retomar de práticas políticas
e dos movimentos sociais que fizeram
o fim da ditadura assumiram esta
tarefa. Isto levou a pôr em prática
uma corrente de reteatralização da
cena para aceder a outras dimensões
ainda ausentes da consciência social:
passamos da crônica sociopolítica à
simbolização artística da experiência.
Novos paradigmas estéticos surgiram,
tendo-se traduzido numa explosão
de formas de expressão vindas da
ambiguidade ou da poesia. conjugando
dados pessoais e históricos.
Trata-se de uma transição difícil,
que consiste em redefinir o papel do
teatro e repensar as suas necessidades
e os seus modos de expressão3.
Ao fixar o olhar sobre si mesmo,
o dramaturgo reconhece-se como
sujeito em situação de conflito e em
autoreflexão. Muitas peças tomam
como protagonistas os criadores
do campo poético, dramático ou
o pensamento científico inovador,
considerando que os conflitos
existenciais e políticos da criação são
comparáveis e servem de ponto de
partida para uma reflexão sobre os
aspectos sociais no seu conjunto.
No início deste novo movimento,
próximo da instauração do governo da
Concertação, um teatro mais simbólico
e hermético coloca-se em prática, e, à
medida que os dezessete anos destes
governos decorrem e que os problemas
do modelo econômico neocapitalista
e da política do consenso surgem, os
temas não-resolvidos, da memória e da
equidade regressam a um teatro crítico
e referencial. Desenvolverei estas
duas transformações, ao evocar dois
períodos desta transformação: os anos
1990 e o princípio dos anos 2000.
Sensibilidades de fim de
século, os Anos Noventa
Os anos noventa abrem-se
sobre uma nova sensibilidade, um
novo posicionamento do teatro face
a ele mesmo e à sociedade. É uma
geração de renovação que assegura a
postura, particularmente debaixo da
disciplina dos encenadores que criam
as suas próprias peças, que projetam
e promovem, assim, a sua estética
cênica. Esta é a geração que não viveu
o período anterior ao governo militar e
não respirou o contexto restritivo dos
anos setenta e de grande parte dos
anos oitenta.
A re-ligação que se segue adota
as chaves da interpretação mundial
de final de século, que coincide com
a queda das utopias e com um clima
Intelectual pós-moderno que, longe de
pregar radicalmente as suas próprias
posições face à era moderna, abre-se,
ao contrário, a uma quantidade de
experiências e de fontes de inspiração,
indo das mais arcaicas, às da cultura
audiovisual globalizada.
A vontade de construção
dramática e cênica coloca uma série
de questões que revelam mais uma
exploração sensível do que certezas
racionais; traduz-se por uma linguagem
da distorção, da extrapolação, da
fragmentação da história e das
personagens. O realismo cede perante
o grotesco, o excessivo e carnavalesco,
ou a estilização onírica fortemente
simbólica, que despe a cena e leva-a
para o minimalismo.
Lucidez carnavalesca
O grotesco faz a sua aparição com
toda a panóplia de uma mascarada
medieval e num jogo de elementos
cênicos. As personagens evidenciadas
pelas máscaras, roupa, e disfarces
arquetípicos, deslocam-se em palcos
imensos, com uma gestualidade
dinâmica, por vezes expressionista,
evocando um ritual ancorado nas
tradições populares, recuperadas
debaixo de um olhar irônico, festivo e
desprovido de preconceitos.
Este teatro sincrético por
excelência reúne as correntes
americanas, européias e orientais
mais diversas, misturando teatro,
circo e guignol, commedia dell’arte
e teatro stanislavskiano. Esta
corrente cresce na capacidade do
grande espetáculo teatral em reunir
multidões para partilhar uma festa
de sentidos e renovar-se com uma
dramaticidade inscrita nas suas raízes
e na sua Identidade coletiva. A história
e o passado tornam-se em metáforas
do presente, e a atualização teatral
recupera, simultaneamente, o sentido
da comédia grotesca e da tragédia.
Neste movimento, podemos
reparar nas criações de Andrés
Pérez e do seu Gran Circo Teatro
(La Negra Ester, 1988), Popol Vuh,
La Consagración De La Pobreza,
Madame de Sade, Nemesio Pelao,
Oué Te Ha Passo [1995]; os trabalhos
da companhia EI Sombrero Verde,
El desquite [1995]; assim como os
mimodramas de Maurício Celedón
(Ocho Horas, Taca-Taca Mon
Amour); os do Circo Imaginário de
Andrés del Bosque (El Tony Calunga
ou EI Papa Y La Virgen): a produção
polivalente do Teatro Imagen sob a
direção e criação autoral de Gustavo
Meza), Murmuraciones Acerca De La
Muerte De Un Juez; La Rema Isabel
Cantaba Rancheras. Algumas destas
obras são baseadas em autores chilenos
(Roberto Parra. Alfonso Alcalde.
Hernán Rivera. Cristian SotoJ), em
autores americanos ou em autores de
A companhia
esteve já no Festival
de Almada
4
Tainá Azeredo
Neva, do En el
Blanco
outras latitudes (Dário Fo, Mishima)
O grupo La Troppe partilha
este logo carnavalesco, mas, no seu
percurso pelo conto Fantástico,
utiliza um Jogo de Imagens mágico,
surpreendente e superabundante em
efeitos cênicos. Paralelamente ao
seu arcaísmo referencial, convoca
a linguagem da banda-desenhada e
do cinema, com gags, mudanças de
enquadramento e pontos de vista.
E torce a história até extrair dela a
sua essência. O grupo adapta, com
uma carga pessoal forte, histórias de
aventuras que colocam em cena o
percurso iniciático do herói à procura
da sua humanização, tal como em El
Quijote [Cervantes, em Et Rap Dei
Quijote, 1989). Pinocchio (Collodi),
Viaje Al Centro De La Trerra, (Verne),
Gemelos. (1999). baseados em Le
Grand Cahier de Agotha Kristotf. e
Jesus Betz (2003. Bernard y Roca)4
A vivacidade deste teatro, que
exorcisa as sequelas geradas pelo fato de
ter sido “filho da ditadura”, de ter crescido
sem pais, sem mestres e que, durante
os anos 90, levou o grupo a mudar de
2º semestre • 2010 • 19
nome – Los que No Estaban Muertos
tornou-se em La Troppa – revela-nos um
espírito novo, inimaginável para um Chile
das décadas anterior.
Poetização da cena
A estilização simbólica é uma das
características que define o teatro mais
intimista. Tal ideia vai de um teatro
grotowskiano a uma forte gestualidade
corporal, com uma composição
bordada de ícones e uma vocalização
em contrapontos polifônicos, e formas,
semelhantes às distroções artaudianas,
que criam uma ruptura áspera com
esta estética. O palco é concebido
como um local escritural de uma
experiência polimórfica que convoca
um espaço inconsciente, onde entrem
as emoções, os sonhos, e todos os
tipos de transgressões da ordem social
estabelecida, tudo o que palpita nas
zonas de sombra e que apenas pode
aflorar num jogo de espelhos côncavos.
A fragmentação do texto
vem apoiar-se na pesquisa interior
implacável, para atingir o fundo das
coisas e associá-Ias aos espectadores,
dentro do seu processo. Esta aplicação
excessiva alimenta-se da memória
pessoal dos criadores e tende para uma
poetização da sua experiência para
a abordar, a partir da rede simbólica,
sob diferentes ângulos. Uma das suas
motivações é mostrar uma experiência
coletiva da dor e da morte, da angústia
e da loucura, da transgressão da
corporalidade e da dignidade humana.
A violência física que supõe a tortura
dos corpos trabalha numa translação
do campo subjetivo para o campo
social, do campo de imagens pessoal
àquele inscrito na coletividade, da
memória pessoal à memória histórica.
O autor e dramaturgo Ramón
Griffero e a sua companhia Fin de
Siglo adoptam cedo esta tendência em
obras como Cinema Utoppia (1984),
cujo sujeito é o caminho de perdição
vivido no exílio. La Morgue 99, pesquisa
onírica à volta dos presos desaparecidos,
20 • Camarim • nº 45
e o regresso nos anos 90 em Extasis
(1993). De seguida, particularmente
com Brunch, o autor volta à temática do
fechamento metafísico e reflete sobre o
caráter absurdo que recai sobre a morte
nas prisões clandestinas, onde o detido é
despossuído de qualquer identidade.
É provavelmente Alfredo Castro,
com o Teatro de Ia Memoria, que refina
melhor esta expressão. Na sua Trilogia
Testimonial De Chile, especialmente
com as peças La Manzana De Adán
(1990) e Historia De La Sangre (1992),
interroga personagens altamente
transgressivas, que coabitam com
a morte devido a uma consumação
impossível do desejo amoroso, a base
de uma identidade perdida entre o ser
e o dever-ser [travestis prostituídos,
criminosos passionais].
As criações de Claudia Echenique
no teatro da Universidade Católica são
igualmente emblemáticas, assim como
as peças de lnês M. Stranger: Cariño
Malo e Malinche (1993). Na primeira
peça, interrogamos as experiências
femininas de abandono, dentro dos
papéis tradicionais do gênero, da
maneira de as ultrapassar através dos
rituais de assassinato do ser amado,
do luto e do regresso às origens, e de
como elaborar uma nova identidade
feminina. Na segunda, é a conquista
ancestral do corpo e da alma feminina,
na guerra de invasão territorial e étnica,
que funda a reflexão sobre a nossa
mestiçagem e a dualidade seduçãoviolência. O quinto centenário da
conquiste (1992) é uma data central
para a releitura da nossa identidade, à
qual outros autores se tentaram, como
Jorge Diaz (EI Guante De Hierro).
Algumas peças do dramaturgo
Marco Antonio de Ia Parra inscrevemse também nesta tendência. Elas
mergulham nas zonas sombrias do
amor trágico, nas feridas do corpo
causadas pelas insatisfações tortuosas
do espírito, dos caminhos acidentados
e ameaçadores da violência política do
Estado ditatorial, dos desvios perversos
da memória e do esquecimento face
ao traumatismo coletivo das feridas
provocadas. A particularidade de Parra
está em realizar fusões e colocar luz
entre o substrato obsessivo da nossa
histórica recente, assim como os mitos,
as personagens e os cantos centrais das
tragédias gregas e do renascimento:
entre os mais representativos,
encontramos Ofelia O La Madre
Muerta, encenado por Rodrigo Pérez,e
La Puta Madre (que retoma o mito de
Cassandra), dirigido por Viviana Steiner.
O tema da memória e da identidade
também é abordado, de maneira
alegórica, por De la Parra em La
Pequeña Historia De Chile (1995) no
Teatro Nacional da Universidade do
Chile, sob a direção de Raúl Osorio.
Este encenador realizou a adaptação do
romance de Carlos Cerda Una Casa
Vacía, no qual o espaço nacional que é
reencontrado opera como um veículo
da memória: um exilado que regressa ao
país descobre, por diferentes e sensíveis
caminhos emocionais que a sua casa
de infância, onde deveria haver uma
reconciliação com a sua ex, está repleta
de marcas dolorosas da sua utilização
como centro de tortura.
É preciso lembrar as criações,
nessa década, de autores franceses e
alemães, cujas obras são uma imagem
crua das sociedades que apresentam,
de forma angustiante, como um
cruzamento entre vidas privadas e
projetos sociais abandonados. É o caso
Heiner Müller, cujas peças Quartett
(R. Pérez), Médée Matériau (V.
Steiner)e La Mission (A. Stilmarck)
foram objeto de encenações inovadoras
quanto à cenografia e interpretação.
Do mesmo modo, a criação de várias
peças de Bernard Marie Koltès por
Viclor Carrasco e Tito Bustamante
introduziram no Chile a palavra poética
e desencantada das personagens
marginalizadas das sociedades urbanas
pós- intelectuais. Croisades, de Michel
Azama ou Exécuteur 14 de Abel,
Hakim (interpretado por Héctor
Noguera e o Teatro Camino), situamos
num estado de desconstrução perversa
causado pela guerra.
Teatro político e teatro do
corpo no teatro chileno do
novo século
Uma vez explorados, na
última década, os interstícios entre
subjetividade e história, o novo
século, mesmo quando mantido nesta
tendência, regressa a uma história
factual, testemunhal e concreta: urna
das grandes fontes do teatro chileno nos
primeiros cinco anos dos anos 2000,
enquanto construção/convocação
da sua história, e o veículo dentro
do espaço real. Não regressamos ao
realismo, mas descompomos e voltamos
a compor os elementos teatrais, onde a
palavra e o corpo do ator reencontram
um papel importante. Aqui estão
algumas das características:
Poder da palavra em cena
Alguns encenadores e dramaturgos,
como Rodrigo Pérez, centram o
seu teatro numa potência crítica e
subversiva que supõe a colocação de
um texto forte em cena. Depois da
encenação nos anos 90 de Malentendu
de Camus e de Madame De Sade de
Mishima (num duelo teatral com Andrés
Pérez que propõe simultaneamente
um tipo de encenação mas com uma
estética oposta), até a Troyennes de
Eurípides, Rodrigo Pérez coloca o
ator numa cena vazia e despida de
qualquer artifício. A gestualidade e a
caracterização dos atores concentramse mais na interpretação do texto do
que na personagem, mais na pesquisa
da justeza do texto que na maneira de o
dizer justamente. Rodrigo Pérez afirma
que subtrair a palavra à manipulação
é um procedimento político, tal como
a alienação e a duplicidade às quais ela
é submetida na retórica oficial, onde
funciona como uma arma hipócrita de
camuflagem.
Esta linha teatral culmina em 20052006 com a trilogia La Patria, que
junta as peças Madre, Padre e Cuerpo,
escritas e encenadas por R. Pérez, Em
Cuerpo, por exemplo, uma parte da
peça é construída com declarações feitas
aos chilenos sobre as suas experiências
em prisões políticas e as torturas que
receberam, presentes no relatório
Valesh (1990). Estes textos, marcados
por sinais da identidade nacional de
vários emissores, tornaram-se numa
metáfora coletiva, ao terem sido tornados
publicamente visíveis e audíveis.
O caráter cru deste tema é
abordado por Pérez com estilização e
contenção; as narrações são realizadas
em tom neutro e provocam reações
nos corpos dos bailarinos e dos atores
que se movimentam. Os corpos dão a
ver a sua fragilidade e vulnerabilidade
a um nível máximo, pois existe urna
ruptura na diferenciação entre vida
privada e pública, entre o imperativo
ético de se cuidar, respeitar e preservar
a vida, e o impulso transgressivo de a
violar, de a expor e de se magoar por e
nos corpos das vítimas.
Aqui, a escolha de R. Pérez é
inverter as modalidades clássicas: na
tragédia grega, o que assusta não é o
ato de violência sobre o corpo em si
[que está excluído da cena], mas o fato
de se ouvir as palavras que nomeiam
o ato culpado, ao situá-lo no território
da cultura. Hoje, em que as palavras
estão desnaturadas, o que provoca o
horror é o regresso às origens: o ato
contra o corpo, a materialidade do
ato de violência. O corpo é posto em
contato com as palavras que falam da
ação exercida sobre si (desta forma, a
sabedoria do corpo e a sabedoria sobre
o corpo entrecruzam-se).
O ato de tortura sofrido ou
realizado pelo ator explica que a
segunda cadeia de textos em Cuerpo
sejam citações de Pour Louis De
Funès, de Valère Novarina5, sobre a
violência psíquica e física que sente o
ator em cena.
Um outro tipo de exploração da
relação teatral entre a experiência e o
corpo entra naquilo que chamamos de
texto-ação, onde as palavras percorrem
e põem em prática a aliança entre um
empirismo e uma realidade brutal,
entre um sonho e o imaginário. É o
caso de Hombre Con Pie Sobre Una
Espalda De Niño6, de Juan Claudio
Burgos, onde, através de um exercício
exacerbado da palavra, se chega ao
momento psíquico em que se fundem
a sexualidade e o poder, entre o delírio
místico e a dissecação detalhada e
sensorial do corpo factual. A história
da percepção deste pé de homem sobre
as costas da criança num ambiente
sagrado, problematiza a ambiguidade
de senti-lo como uma agressão
humilhante, abusiva e traumatizante,
como cumprimento do desejo obscuro
de uma iniciação erótica homossexual.
Face à ausência dos pais – uma mãe
que não vê o que não deseja ver e a
onipresença do pai –, este pé representa,
no fundo, a bota militar, dentro de um
salto metafórico que vai do privado
ao público, e que marca o contexto
biográfico, histórico e político do autor.
Recriação de períodos
traumáticos da história
coletiva
O teatro do início deste século
voltou aos antigos mártires coletivos,
como, por exemplo, na peça Santa
Maria De Las Flores Negras, da
companhia Patogallina, tirada de um
romance histórico de Rivera Letelier
sobre a matança brutal de mineiros de
salitre e das suas famílias no princípio
do séc. XX no norte do Chile. O
teatro das marionetes, a maquinaria
cenográfica, as personagens
arquetípicas, a cadência imposta pela
música ao vivo que impõe o ritmo
dos movimentos convencionais dos
atores e das marionetes, dão ao
espetáculo um caráter épico de grande
envergadura, seguindo a amplitude do
horror que se conta.
Este texto é
apresentado no
Festival de Almada
pela Artistas Unidos
no instituto FrancoPortuguês.
6
Texto publicado
na Revista Apuntes
N°126- 127,
Santiago: Escola
de Teatro PUC.
Especial 2005, p.
135-144.
5
2º semestre • 2010 • 21
Tainá Azeredo
As décadas anteriores ao
Golpe Militar de 1973, e os anos
imediatamente posteriores, atraem
jovens que não viveram esse período e
que trabalham na recreação do mundo
sociocultural, pessoal e político de
sujeitos e de grupos sociais que fizeram,
de forma significativa, a história chilena
a partir de urna base social. Citemos
Machasa, encenado por Guillermo
Alfaro, que aborda o mundo operário
sindicalizado das grandes fábricas
téxteis durante o apogeu do movimento
popular dos anos 1960 e 1970, e Liceo
A-73, da Universidade Arcis, encenado
por Cristián Soto, que fala sobre o meio
estudantil dos anos mais autoritários
e repressivos da ditadura. Estas peças
baseiam-se em documentos e numa
compilação de testemunhos em primeira
mão que reatualizam a memória
coletiva. Existe um certo número
de peças que se articulam à volta de
pessoas salientes na história próxima ou
passada, muitas vezes ícones ancorados
no imaginário nacional, latino-americano
ou mundial. Nesta linha teatral,
encontramos obras maiores como La
Huida, de Andrés Pérez, de 2001, a
cavalo sobre o testemunho pessoal,
a denúncia e a homenagem a outros
assuntos da repressão do Estado,
como os homossexuais assassinados
pelo governo de González Videla
[1949] durante a caça planetária às
bruxas implementada durante a Guerra
Fria (o macartismo e o estalinismo).
Citemos também a peça Tengo Miedo
Torero, do grupo Chilean Business,
baseado no romance autobiográfico
do escritor Pedro Lemebel, que
testemunha a experiência de uma
outra marginalização a partir do regime
militar: a das minorias sexuais.
Manuela Oyarzún e a sua
companhia Teatro del Hijo entra nesta
veia com La Mujer Gallina, baseado
na história real de uma mulher presa
durante décadas num poleiro, onde
viveu debaixo de uma grande carência
afetiva, psicológica e material, revelando
22 • Camarim • nº 45
também a existência de uma cultura da
crueldade e da exterminação perversa
do outro. Um outro trabalho consiste
em pegar em personagens da ficção
latino-americana para recriar situações,
ambientes e personagens de uma forte
carga mágica e/ou assustadora, como
em AI Otro Lado Del Muro, encenado
por F. Matte e baseado no conto La
Gallina Degollada, de H. Quiroga,
onde uma rapariga é assassinada pelos
seus irmãos deficientes mentais.
No que toca a figuras históricas
emblemáticas, Juana, de Manuel
Infante, é uma recriação brilhante de
teatro dentro do teatro, do drama da
fé de Joana d’Arc implicada na guerra
física das tortuosas estratégias de
poder, e Confesión Lúcida De Motivos,
encenado por Eduardo Luna, que tende,
através de uma expressão artaudiana,
a adotar as modalidades do teatro de
Peter Weiss, baseado na época e na
figura de sacrifício de Marie Stuart.
Romper uma grande quantidade
de referências e torná-las híbridas: ai
está a maneira de sugestão, mais do
que descrever ou contar estes locus
sociais e históricos, que permitem filtrar
a subjetividade, a memória de cada um,
os ícones identitários, a rua e a cidade
e, naturalmente, uma grande metáfora
coletiva do país e da era pós-moderna
que exclui os subalternos, os marginais
e todos os seres diferentes.
Espetacularização satírica
da pós-ditadura neo-liberal
e da globalização
Uma plêiade de peças remetenos para o contexto político-cultural
Karrocerias
de la alegria –
Patogallina
dos anos 2000, para a sociedade
de consumo globalizado e a política
do consenso e das transações da
democracia atual. Ultrapassando o
esquema antes/depois da ditadura
militar e dos seus eixos binários de
bem/mal, o pós-ditadura pensase a partir da ditadura em termos
de continuidade, no que toca à
manipulação dos corpos e das
ideologias. Afinamos a crítica da
impostura e da violência cultural e
factual, que veicula outras (as mesmas)
traições e abusos contra o mais fraco
(étnico, social, geracional, sexogenérico).
A prolífica e brilhante produção
dramatúrgica de Benjamín Galemiri,
encenado pela companhia El Bufón
Negro, desenvolve uma sátira
implacável e irônica contra a sedução
amorosa de personagens em crise
de identidade e oprimidas por uma
sociedade neo-liberal, onde o sucesso
sexual, financeiro e intelectual
simbolizam o poder fálico. As máscaras
e o jogo deslocado destes personagens,
que atingem limites delirantes,
inscrevem-se numa reflexão que o
autor leva sobre a sua própria escrita
e a sua encenação desta. Entre as
peças mais representativas, podemos
citar Déjala Sangrar, criada no Teatro
Nacional da Universidade do Chile, e
lnfamante Electra, criada no Teatro
Camino, encenado por Raúl Ruiz,
assim como El Neo-Proceso (2006),
criado no Teatro da Universidade
Católica.
A era da Concertação está
também no alvo da critica. Sendo uma
peça particularmente interessante,
La María Cochina Tratada En Libre
Comercio opera sobre o livre comércio,
caindo sobre a globalização que invade
o mundo agrícola através de uma
comédia musical escrita e encenada
por Cristián Soto. Neste tipo de peças,
a paródia descabida e delirante prima
sobre os outros gêneros da indústria
cultural e do divertimento das massas:
a citação e o contra-emprego são
um recurso transtextual da ligação a
outros gêneros de ficção que fazem
parte do nosso imaginário comum,
incluindo o kitch, o melodrama, os
ícones urbanos, os gestos geracionais
hiperbolizados, satirizados, ironizados,
exagerados,levados até aos limites do
absurdo, e apresentando um exagerado
redundante de certos elementos
(thriller, jogos de vídeo) numa espiral
kafkiana, ou melhor, borqesiana, que
termina, apesar de uma passagem pela
festa, inevitavelmente, na morte e no
assassinato.
A uma escala menos épica,
a vida do homem urbano médio,
do empregado, nos seus espaços
rotineiros, nos seus falhanços, defeitos
e truculências, intriga o teatro. Este
mundo é abordado de novo através
da tragicomédia, do excesso e do
kitch estridente, onde correr riscos
é importante. Entre as obras mais
representativas encontram-se Mano
De Obra, baseada num romance de
Diamela Eltit et encenada por Alfredo
Castro. A companhia La María,
dirigida por Alexis Moreno, apresenta
uma dramaturgia que explora os mitos
urbanos e encontra a sua matriz em
gêneros populares criados e satirizados:
Superhéroes, Empleados Públicos e
Trauma, um melodrama negro ou de
terror num ambiente familiar, tratando
estes meios de uma maneira mais
humorística, mas também cáustica.
O suicídio ameaça como clímax
trágico da sociedade hiper-industrial,
desumanizada, e da superabundância
vazia de sentido: é o tema principal de
Narciso, de Manuela Infante, através
de um jogo preciso de espelhos,
ou, em termos futuristas, da peça
Santiago High- Tech, de Cristián Soto.
Um outro tema é o da vida urbana
inquietante que não conduz mais ao
suicídio, mas à ação do corpo na sua
mais alta expressão da intimidade
(Vida De Otros, de Ana López), com
próteses de alta tecnologia que anulam
cruel e cinicamente a fronteira entre o
que se guarda para si e o que se expõe,
entre a autodefesa e a dor, entre o
disfarce que esconde e o exibicionismo
que coloca o indivíduo no centro do
espetáculo de forma implacável.
É preciso acrescentar que muitos
grupos desta nova geração abrem
espaços teatrais não-convencionais,
com cenografias e guarda-roupas que
fazem alusão à sociedade de consumo
em decomposição, através da utilização
de materiais reciclados que mostram
o que são: um pastiche de costuras e
colagens exposto de forma ostensiva.
São sinais que visam, a partir da sátira
ou da paródia lúdica, a performance
social dominante.
Existe neste teatro, realizado no
Chile no princípio dos anos 2000,
um ponto de testemunho pessoal
que associa a identidade do ator e do
criador à história e ao público, uma
experiência corporal total que mistura
realidade e ficção, e cujos mecanismos
teatrais estão à vista: não existem
truques, tudo se encontra exposto.
No interstício entre real e
ficção, entre citação cultural e senso
comum, entre estilização apurada e
superabundância grotesca, estamos
perante um teatro fortemente
político e estético. O teatro chileno
contemporâneo elabora a sua
historicidade a partir de linguagens
teatrais hiperbólicas, incluindo por
aí o teatro como uma outra prática
marcada pela sua historicidade, que é
preciso elaborar e reconstruir através
da crítica e da maneira de re-apresentar
a representação.
Texto publicado em colaboração
com a Alternatives Théâtrales, onde
foi originalmente publicado (nº 93-94).
A autora é licenciada em sociologia. É
atualmente professora na Universidade
Católica do Chile, no departamento de
Estudos e Experimentação Teatral. É
igualmente diretora da revista Apuntes
e autora de diversos livros sobre o
teatro chileno.
2º semestre • 2010 • 23
Velada Metafísica – Teatro Matacandelas
Teatro político e estética teatral em um novo teatro colombiano
O teatro é sempre político
Por Carlos Zatizábal
Carlos Zatizábal
é diretor do grupo
Rapsoda Teatro
e professor da
Universidade
Nacional da
Colômbia.
Seja tratando da vida coletiva, das contradições e lutas
entre classes sociais, da rebelião contra os impérios, ou
qualquer um dos grandes conflitos sociais de uma época,
mesmo que trate sobre a vida privada, o teatro é sempre
político. Claro, sempre que seja teatro, que não seja ruído
complacente, que não busque a simples identificação
e o entretenimento vazio. Quer dizer, sempre que seja
revelador, analítico, investigador, gerador de perguntas, e
não mera decoração que reafirma no público os ideais de
consumo e as cômodas aparências do consumidor no
status quo. Mesmo sobre esse teatro “light”, complacente,
alguns podem dizer que é também um teatro político,
um teatro que atende aos interesses políticos de quem
prefere ocultar, esconder, de quem prefere que tudo
permaneça igual, que nada mude, um teatro que busca
embrutecer o espectador, fazer lhe invisível o mundo real:
a miséria, o horror das fossas comuns, o crime tramado,
24 • Camarim • nº 45
inumanidades, exploração e roubo sobre o que existe na
ordem monstruosa em que vivemos. Um teatro da política
do embrutecimento coletivo. Mas, isso nem é teatro nem é
política. A política explora a arte de viver em comunidade
com liberdade e direitos. E o teatro uma arte que investiga
o que desconhecemos como nosso, o que se oculta de
nossa sensibilidade, uma arte para ver e para nos vermos,
para celebrar a vida. Um teatro que cria, por exemplo, a
reinvenção e a pesquisa estética de uma pergunta vital
e que elabora a revelação dos conflitos humanos das
misérias e das felicidades da vida pessoal e coletiva. Esse
teatro é necessariamente político.
O movimento feminista nos revelou que o intimo, o
privado, é político, profundamente político. Nos papéis
da intimidade cotidiana o arquétipo patriarcal reafirma
e produz seu poder de dominação. A mulher é um
corpo para satisfazer o homem e ela faz o trabalho
de empregada agradável. A submissão da mulher ao
arquétipo patriarcal serviu a sociedade de classes como
modelo de servidão. Na sociedade patriarcal a herança
é “patrilinear”, masculina. Simon, um menino de seis
anos, enquanto brincava, perguntou a sua mãe, grávida:
– mamãe as mulheres não tem sobrenome? Claro que
sim, respondeu sua mãe, eu tenho sobrenome. Sim mas
esse é do meu avô, não seu, replicou o menino. Bom,
também tenho o de sua avó, acrescentou a mãe. Sim,
mas o sobrenome da vovó também não é dela, é do
pai da vovó... Assim como a mulher, a herança patriarcal
lhe nega o nome próprio, da mesma forma a herança
garante a divisão de classes e a expropriação de uma
sobre a outra. Sobre a herança se levanta a apropriação
privada. E por que devem ser proprietários quem nada
fez para construir o patrimônio, a não ser filho da família?
A herança patriarcal, vista assim, mostra que há verdade
na celebre frase de Proudhon: “a propriedade é um
roubo”. A perpetuação do roubo se funda nos arquétipos
patriarcais, classe e herança é mostrada na obra “De Caos
y Deca Caos”, do Teatro de la Candelária, uma peça que
estuda as elites, a riqueza, por dentro: as relações das
famílias da elite com seus serviçais; as relações íntimas
entre os casais da famílias da elite; as cerimônias dessas
famílias: almoços, velórios, festas, a vida íntima. Dez cenas
independentes que se estruturam internamente como
pequenas peças que avançam até uma turbulência, um
estalo revelador da desordem humana.
Então, se o teatro fala dos conflitos sociais ou dos
conflitos da vida íntima, será necessariamente político.
Agora, há certo teatro muito bem intencionado e que
se chama a si mesmo de político, por suas intenções
de promover certas idéias, argumentos, pensamento.
O problema com os argumentos é que sempre se
podem refutar, se podem contra argumentar. A arte não
responde, sugere, cria metáforas estéticas, sensíveis, que
nos convidam a descobrir por nós mesmos, a participar
da criação estética. O inesquecível mestre Henrique
Buenaventura dizia: o teatro político sem estética é mau
teatro e pior política. Também há algumas revelações
que vestidas esteticamente são paralisantes, como
as revelações sagradas que buscam a fé e o dogma.
Essas razões nos deixam mudos; credulamente mudos
e cegos, como os que crêem na verdade que salva.
Essas revelações não fazem de uma arte política, não
nos revelam segredos da vida pessoal e coletiva, que
nos convidam não ao dogma sem nada a descobrir, e
sim a pensar ou agir. A poeta Emily Dickinson escreveu:
“Diga a verdade, mas não a diga claramente. A arte está
em dizer a verdade de forma obliqua, a verdade com seu
resplendor pode te cegar como a uma criança.” Kant em
sua Critica de Juízo, argumenta que o filósofo recorre a arte
quando não lhe servem os conceitos da razão. Aristóteles
dizia que a poesia busca o gozo estético: a edoné.
Poderíamos, então, provisoriamente dizer que o particular
goza da elaboração estética, artística, de um tema, de um
problema ou de um conflito humano. Este gozo é sensitivo,
intelectual e por sua vez: toca o sentimento, a paixão, a
imaginação e a inteligência compreensiva. O gozo estético
revela a trama de causas e efeitos de um assunto humano,
mas com imagens e metáforas, sem interpretações,
deixando a inquietação, as perguntas para o espectador.
O mestre Santiago Garcia sempre insiste que na arte
teatral buscamos uma imagem complexa e polifônica que
acontece na cena, mas que aspira a deixar uma imagem
no espectador. Então, digamos que a imagem e o gozo
estético são resultados de uma espécie de imagem e
gozo em colaboração. Como diz o poeta Borges, um
livro de poemas é um objeto, mas, a poesia acontece ao
lê-lo. A imagem estética e o gozo teatral acontecem no
dialogo vivo entre a cena e o espectador em um gozo
em colaboração: o espectador também é criador; não
um consumidor de seduções, mensagens ou verdades
reveladas. Uma imagem que o espectador, já fora do
espetáculo, pensativo, sozinho ou em conversas, renova
e reinventa, como um sonhador que segue sonhando ao
pensar em seu sonho.
A revelação que produz a cena teatral, no entanto nos
convida a ser participantes do gozo da invenção estética,
da poesia nos fazemos perguntas, problematizamos,
e podemos fazer mudar o olhar e levar-nos a agir.
Faz-nos “publico poeta” que pode atuar porque sente
e compreende, como Antígona age, como procede
Hamlet. Levado pela certeza poética e estética, pelo
amor, por certa loucura que desafiam a morte. Um teatro
assim é necessariamente politico.
Tratarei de alguns projetos teatrais, e de obras de
grupos de teatro colombianos que fazem ou buscam
um teatro politico e contundente, por sua influencia
no pensamento teatral e na cultura viva. Serei parcial.
Não poderia falar de todos, isso excede minhas
possibilidades, e as de todo esse artigo. Falarei de
uma parte do que tenho de mais próximo. Tratarei das
tendências temáticas e da exploração da linguagem
teatral – da vida-, na teatralidade colombiana hoje: o
teatro de gênero; o teatro de grupo; a performance; o
contraponto ao teatro de representação (dramático) e
da memória; o teatro de grupos sociais mais excluído e
marginalizados e com as vitimas da guerra civil.
Começo por este teatro e canto dos excluídos.
A exploração da exclusão, a marginalidade e a
clandestinidade tem sido uma marca do teatro
colombiano. Talvez seu precursor no teatro de
representação foi o mestre Enrique Buenaventura nos anos
2º semestre • 2010 • 25
setenta com “El Menú e La Orgia” obras de grotescas
personagens sem classe social, lumpem e famintos.
Em “La Orgia” – recriada há pouco por Barcoebrio em
uma bela montagem dirigida por Beatriz Monsalve – os
“sem classe” brincam de ser gente importante em uma
refeição que no final de cada mês é organizada por uma
senhora que empobreceu, participam da refeição além da
mulher: um general, um bispo, um ministro e um engraxate
mudo, filho da mulher e seu fatal assassino. O mundo
dos poderes é desnudado nesse jogo da fome. Em 1992
o grupo de teatro La Candelária estreou “En la raya”,
aqui representam um grupo de moradores de rua que
ensaiam, para reabilitar-se, uma versão teatral da “Crônica
de uma morte anunciada” (Gabriel García Márquez).
Paralelo a montagem de “La Raya”, da Candelaria, Patricia
Ariza, integrante e co-fundadora desse grupo histórico,
desenvolvia na Corporación Colombiana de Teatro (CCT)
o Projeto Cultural de la Calle, com moradores de rua,
em Bogotá. Deste projeto também participaram pintores
conhecidos, que com os sem teto fizeram murais em telas,
ou embaixo das pontes, ou nas ruas onde dormiam os
ñeros (companheiro) e ñeras (companheiras) – como se
chamam a si mesmos os moradores das ruas. Também
participaram deste projeto poetas, escritores, videoartistas
e outras pessoas de teatro. Trabalhei com Patricia nesse
projeto. Fizemos um jornal, publicamos livros de poesia e
realizamos um documentário -“Calle adentro”, e fizemos
Teatro. Um teatro criado coletivamente por “ñeros” e
“ñeras”, cenas coletivas e números individuais que
apresentam seu mundo e suas vidas por dentro, suas
vidas na rua: a cultura da rua. Um teatro da revelação,
que nos permitiu ver e pensar a grande metrópole latino
americana de outro modo, que nos revelou a nossa
sociedade na integra, nosso medo da rua e nossa
própria violência íntima, oculta. Nós? Nós somos a rua,
conhecemos os medos dos que caminham por ela; não
gostamos do silêncio, gostamos do barulho, gostamos
do ruído, seu borbulho e seu swing. Diz o narrador de
uma das obras: “é que somos pessoas publicas, vivemos
na rua, se eu brigo com minha ñera e nos batemos, ou
se fumo marijuana, todo mundo vê. Percebem? Mas o
mesmo faz o senhor ministro em sua casa”. Um projeto de
caráter performático onde os ñeros e ñeras se apresentam,
fazem uma representação de sua existência. Um trabalho
de grande repercussão na politicas de inclusão na cidade.
Deste projeto fizemos uma réplica na cidade de São
Paulo, com pintores, músicos e atores brasileiros, em
homenagem a Patricia Ariza, organizado por um festival
de Teatro da cidade e o dramaturgo Aimar Labacki. Dessa
experiência há um pequeno documentário: Rua, ator e
cidadão.
26 • Camarim • nº 45
Rapsoda Teatro
No trabalho com os moradores de rua nos
aproximamos do movimento rap da cidade (Bogotá).
Fizemos um filme com o grupo Gota de Rap: Rapsoda, e
sobre esse documentário um espetáculo de teatro com o
grupo. Opera Rap, uma peça sobre a cultura Hip Hop. O
MC canta à sua noiva. O pai da noiva contrata um capitão,
matam o MC. A morte chega; ele negocia com ela de
que lhe ensinaria rap e break se ela o deixasse cumprir
seu sonho: ir ver o mar com sua noiva. Paralelamente os
rappers o desenterram, em seguida uma viajem perigosa,
à noite chegam ao mar. Uma obra sobre a violência, a
intolerância, e o ódio, que uma sociedade em guerra
tem contra seus jovens. E igualmente explora a presença
corporal e a teatralidade da atitude- “a cultura” (Hip Hop),
o chamam- dos rappers e breakdancers. Deste projeto
nasceu em 1996 Rapsoda Teatro, grupo que assume
diversas temáticas no seu teatro: a história e a memória, o
biográfico e o poético, o feminino e a feminista e o gênero,
os quadros de urgência e as performances politicopoéticas. Suas montagens: “Guadalupe años sin cuenta”;
“Borges, el otro el mismo”; “Mujeres desplazadas”; “Emily
Dickson”; “De trás de nosotros”; “Antigona Atriz”; “Los
papeles de Antigona”; “Olimpia de Gouges”; “Nuevas
Masculinidades: uma conferência de Ator”; “Tierra em la
boca o el hombre que soñó parir uma niña por el ombigo”;
“Rosita contra todos”.
Mapa teatro
O grupo Mapa Teatro fez ações estético-politicas
com os marginalizados urbanos criando uma memória
performática do processo de demolição de um bairro
para a transformação no parque público chamado “El
Cartucho”, antigo bairro elegante do centro de Bogotá,
transformado em zona de desterrados, coração mítico
da degradação social e nervoso da cultura da rua e do
lumpem/proletariado bogotano. Mapa realizou uma série
de instalações e vídeo ações sobre a demolição do bairro
e a construção de um parque em seu lugar. Trabalhos
de provocação politico-estética e mistura de linguagens
que escapam ao teatro de representação para aproximarse de um jogo com a vida nômade, violenta e frágil, dos
habitantes da rua, os recicladores e os ñeros desterrados
do Cartucho. Rolf e Heidi Abderhalden, diretores de Mapa
Teatro, defendem a exploração performática do teatral,
eles preferem assumir o corpo do artista como operador
e não como ator e suporte de uma ficção. Após esta
experiência, criaram “Exxtrañas Amazonas”, com artistas
bogotanas, emulando a estética do cabaré crioulo e do
cinema mexicano de luta livre.
La Mascara
No trabalho com os excluídos também se destacou
La Mascara, da cidade de Cali, que realizou nos anos
80 montagens teatrais de peças clássicas do teatro
mundial como Macbeth com tradução e direção do
mestre Buenaventura e Os fuziveis da senhora Carrar, de
Brecht. La Mascara hoje trabalha em um dos principais
assuntos políticos no teatro colombiano: o feminino, as
questões sobre os arquétipos patriarcais pelos quais se
fundam a submissão, o poder e a herança: a arcaica
e milenar desvalorização da mulher frente ao homem.
La Mascara iniciou esta investigação pelo feminino nos
anos 1980 com as obras como: “Histórias de Mulheres”
e “Noticias de Maria”, com direção de Jacqueline Vidal.
Depois montaram “Mujeres en trance de viaje” e “Luna
Menguane”, escrita e dirigida por Patricia Ariza. “Luna
Menguane” é uma análise de vários dos mitos de exclusão
e encarceramento que a sociedade patriarcal impôs as
mulheres em diversos momentos da vida: a puberdade
e a primeira menstruação, o alimento e o trabalho, a
menopausa e a loucura senil. Com Wilson Pico, visionário,
coreografo bailarino equatoriano, montaram “Bocas
de Bolero” e “Los perfiles de la espera”, recentemente
montaram a “Casa Matríz”, de Diana Raznovich, e “La
Cabellera”, uma investigação cênica do grupo sobre os
valore simbólico do cabelo. E “La Raina de los Bandidos”,
uma obra sobre a líder das politicas aos sem castas e
pobres no Panjab Indú: Phoolan Devi, bela peça que pode
sugerir uma metáfora sobre a luta e a tenacidade de uma
mulher oprimidas da Colômbia.
A Corporación Colombiana de Teatro (CCT)
Dirigida por Patricia Ariza a CCT é o nervo vital de
projetos cênicos, políticos-estéticos e feministas que
convocam a grupos e artistas da cena colombiana e
internacional: o “Festival de Teatro Alternativo”, o “Festival
de Mujeres en Escena”; “La Expedición por El Éxodo”,
que é uma expedição pela arte e a cultura a partir do exílio
e do êxodo na Colômbia, a maior tragédia humanitária
do hemisfério ocidental. O projeto “Mujeres arte y parte
en paz en Colombia”, que criou sete grupos estáveis
de teatro por todo país, com mulheres que viveram a
tragédia da guerra civil; grupos dirigidos por encenadores
com uma trajetória reconhecida no país. A CCT organiza
há 20 anos oficinas de pesquisa teatral dirigidas pelo
mestre Santiago García. Igualmente com a direção de
Patricia Ariza, o CCT há 40 anos atrás foi pioneiro em
ações teatrais- performáticas e político-estéticas em ruas
e praças para lembrar passagens históricas dolorosas e
sobre as quais não se fala: os desaparecidos, o genocídio
1
Na Colômbia, o
termo “positivo”, em
linguagem militar,
significa capturar
e eliminar pessoas
consideradas
inimigas do Estado.
Foi esse abominável
procedimento do
Estado, ligado
à Doutrina de
Segurança Nacional,
que criou na
Colômbia os “falsos
positivos”. Depois
de assassinados
as pessoas são
apresentadas como
se tivessem sido
mortas em combate.
político, a migração forçada, a violência de gênero e a
massiva violação de direitos. As ações mais recentes
são: “Siembra y canto em La Plaza” (Semeadura e canto
na praça): realizada no dia 27 de julho de 2007 na praça
Bolívar, centro do poder político da capital do país e local
de todas as manifestações populares. A ação consistia
em, a partir da estatua de Simón Bolívar fazer com terra
uma espiral dividida em nove partes, que foram semeadas
com sementes de frutos de várias regiões do país, cada
área era cuidada por trabalhadores campesinos que
foram expulsos de suas terras. Fora da espiral uma área
queimada onde atrizes do Rapsoda Teatro e do Aero
Danza lançavam milho à galinha imaginárias enquanto se
enterravam e desenterravam a si próprias. Nas esquinas da
praça e no meio de cada área dividida havia um tablado
onde desde o amanhecer aconteciam apresentações
de musica, dança e teatro. Passaram pela ação cerca
de 50.000 visitante e 10.000 estudantes de escolas da
cidade. Os campesinos ensinavam aos presentes sobre o
cultivo de milho, mandioca e banana. Outra ação foi, “Qué
floresca la memória”, familiares das vitimas do genocídio
cometido contra a “Unión Patriotica” (UP): 1000 mesas
cobertas com toalhas brancas na Praça Bolívar: em cada
mesa uma foto e objetos dos mortos ou desaparecidos
da UP, postos ali por seus familiares. Uma instalação de
comovedora beleza plástica e política. Simultaneamente
no congresso nacional- com transmissão de TV para
todo país, Rapsoda Teatro representava a peça, “Qué
floresca la memória: El caso de genocídio contra UP em
el Urubá”. Em 27 de agosto de 2009, na data do Encontro
Hemisférico de Performance, realizado em Bogotá,
Patricia Ariza dirigiu com 350 mulheres participantes
de organizações de familiares de desaparecidos, as
mães dos chamados “falsos positivos1” e um grupo de
bailarinas, atrizes e músicos. A performance Mulheres na
praça: memória da ausência: onde estão os mortos onde
estão os desaparecidos... A ação teatral e performática
“Pasarela: vozes y pasos de mujeres contra a guerra, a
violência”. Um espetáculo teatral, musical e de dança
que utiliza a forma de uma passarela de moda, cada
intervenção é um numero que revela algo da artista que se
apresenta. Na passarela as mulheres mostram as roupas
e o corpo como objeto de desejo para o consumo. “Na
passarela mostramos nossa alma”, diz a diretora Patricia
Ariza. No ultimo mês de novembro com o Rapsoda Teatro
em conjunto com as mulheres do grupo Yuyachkani
e a participação de um numeroso e diverso grupo de
mulheres peruanas, se fez na cidade de Lima uma versão
desta performance.
Os projetos da CCT com as comunidades de
excluídos e de vitimas da guerra civil convocam
2º semestre • 2010 • 27
Tainá Azeredo
personalidades e grupos vinculados ao movimento teatral
para constituírem grupos estáveis de criação teatral nas
comunidades deslocadas pela guerra. Nestes trabalhos
utilizam o processo de criação coletiva para contar a
memória dos despojos e do horror vivido por essas
pessoas. São também formas de teatro de memória: os
corpos que viveram a dor da guerra contam seus feitos;
criando assim um teatro de “cura”: com seus praticantes
voltando a habitar seus próprios corpos e nos dando a
esperança de habitar humana e poeticamente, algum
dia, esta terra.
Os corpos escritos e a criação coletiva de
um teatro da memória
Rosita contratodos
– Rapsoda Teatro
28 • Camarim • nº 45
Seus olhos fogem do olhar, quase sem luz ou com sua
luz afundada em uma tristeza indescritível, uma raiva muda
e impotente, pensei. Seus corpos envergados. Assim vi os
olhos e corpos de alguns quando começamos a ensaiar,
improvisar, e jogar como as crianças quando brincam. A
primeira coisa para este jogo é se organizar em grupos.
Cada um desses grupos combina e prepara uma cena,
a partir das experiências pessoais que cada um dos
participantes conta ao seu grupo, que podem ter ocorrido
com eles próprios, com um amigo ou familiar. Depois se
apresentam e avaliam as cenas.
Analisar é a segunda parte do jogo. Os que assistiram
ao jogo contam o que viram: descrevendo somente
as ações sem atribuir significado ou interpretação,
separando o signo do significado, diria um lingüista.
Uma vez escrita a cadeia de ações, os que assistiram
falam o que pensam da cena, o que significa, o que
diz, o que lhes faz lembrar. O grupo que executou a
cena somente fala no final – é outra regra. A tarefa do
ator que dirige o jogo é manter as regras até o final.
Insistir nas regras, ser o arbitro. Isso, estranhamente
alegra as coisas, da graça. Ao final do jogo o grupo que
apresentou conta como se puseram de acordo, de onde
saiu a história ou as histórias que mostraram, o que lhes
pareceu, as mudanças e imprevistos que aconteceram
durante a improvisação etc.
A memória desperta ao improvisar. Se desperta no
corpo que improvisa, e se desperta no pensamento
dos que assistem e depois contam o que viram. Na
analise ouvimos contar feitos tremendos. Imagens que
logo serão usadas para novas improvisações. Em cada
grupo há “secretários” que anotam tudo que é falado da
mesma forma que o diretor.
O que mostra a construção coletiva é que a memória
não é algo dormente na imaginação ou na mente, que
a memória está escrita no corpo, que pensamos e
imaginamos com o corpo, que nosso corpo também é
nossa mente e nossa memória desperta quando nosso
corpo faz, mostra, atua e lembra. A memória está escrita
no corpo, no olhar, no tom da voz, na intenção, no que é
balbuciado, no que não é dito.
Terminada a montagem. Vem a estréia, a
apresentação. E depois a apresentação em diversos
eventos, protestos, performances e ações públicas
onde essa memória estética começa a cumprir sua
função de denúncia e reparação psicológica e social.
Frequentemente uma cena criada e executada pelas
próprias vitimas é muito mais eloquente, tem a força, a
verdade, a presença, a atitude, os olhares, a presença
dos corpos na cena e depois fora dela. Depois, da
apresentação os atores diferem daqueles dias. Agora
voltaram a habitar seus corpos. A esposa de um membro
disse que a memória de seu companheiro assassinado:
“é como um piano que você carrega nas costas, sai com
ele pelas ruas, um dia consegue colocá-lo no chão da
sala de casa e o toca.” Converter em canto coletivo a
memória foi o grande projeto da arte colombiano.
Teatro político: um teatro entre a
representação e a apresentação
Creio que entre nós, do teatro e da encenação,
o trabalho com as vitimas da violência, de estimular a
criação de relatos do que elas viveram, influenciou nosso
trabalho. As pessoas vitimas desta tragédia contam por
elas mesmas, não são contadas por outros, não estão
na terceira pessoa, não emprestam um corpo a um
personagem. Elas falam na primeira pessoa sobre elas
próprias, do que passou e do que passa em suas vidas.
Com o trabalho junto a essas pessoas nos demos
conta que estávamos falando em primeira pessoa, que
o projeto de dramaturgia nacional, que contasse nossa
história e falasse de nós mesmos é um projeto em primeira
pessoa, um teatro de “apresentação”. Que o teatro da
apresentação não só nasce das tendências de explorar
os limites do teatral, assunto que sempre foi próprio do
teatro em quanto uma arte polifônica que usa múltiplas
linguagens artísticas. Nós aprendemos fundamentalmente
ao fazer teatro com as pessoas marginalizadas, com os
moradores de rua, com os rappers dos bairros populares,
com os sobreviventes de guerra, os desterrados do
campo refugiados nas cidades, com os ativistas sociais
e de direitos humanos. Nosso teatro da memória é
conseqüência deste trabalho, e não das modas que
assolam os caminhos da arte, hoje, influenciado por essas
vozes dos não-artistas que falam com tanta verdade e
presença, o novo teatro colombiano se deparou com o
jogo da memória, coma necessidade dos atores e atrizes
contarem suas vidas, observarem suas vidas, e essas
pessoas, por sua vez, poderem observar o que o artista viu.
Investigar os personagens que somos e que podemos ser.
A ultima obra de teatro do grupo La Candelária, o grupo
mais antigo, mais conhecido e que mais experimental
do teatro colombiano, são as peça de criação coletiva
“A titulo personal”. Um olhar a partir das vidas das atrizes
e dos atores do grupo, sobre a tragédia dos mortos e
desaparecidos, as fossas comuns, a violência patriarcal
masculina, a máscara desumanizada, das festas e dos
laços do vínculos partidos pela espera sem esperança,
o desafeto e a violência. Mas também a festiva morte
carnavalesca viva na musica e nas festas populares.
Três das ultimas montagens de Rapsoda Teatro
trabalham sobre este jogo entre a representação e a
memória, em cada uma das montagens de maneira
diferente: Olimpia, “La revolución y los derechos de
las mujeres”, espetáculo sobre Olimpia de Gouges,
líder da revolução francesa e seu fatal confronto com
Robespierre, exigindo os direitos das mulheres e que
parassem as execuções na guilhotina; “Tierra en la boca
o Un homen que soño parir uma ninã por el ombligo” e
“Nuevas masculinidades”: falam em primeira pessoa, a
partir da vida pessoal e os olhares particulares de atrizes
e atores do grupo.
Quando falamos em primeira pessoa se faz mais
inquietante o jogo da representação, de emprestar nosso
corpo, nossa imaginação e nossa memória para criar o
simulacro do personagem: Hamlet, Antigona ou Estragon.
E começamos a escapar dos nossos heróis míticos
(Guadalupe, Bolívar ou Manuelita Sáenz). Não porque
já não tenhamos o que falar sobre eles. Mas pelo tom
e ponto de vista da obra do outro. Assim, nas obras do
La Candelária sobre os “Comuneros” ou as “Guerrilhas
da Planice”, Guadalupe ou José Antonio Galán, heróis
destas ações, são recriados como figuras ausentes. Os
personagens são as pessoas comuns, sem aparente
importância na história, carregador, a verdureira, os
corações dessas lutas. Como no famoso quadro da
Liberdade guiando o povo. Este teatro não fala diretamente
sobre esses heróis para nos tirar da insignificância antiheroica, mas pelo contrário, para compreender nossas as
lendas, quem somos, porque desejamos dessa maneira;
para olhar com perspicácia o papel central do cidadão
comum na criação desse destino. Por isso o Novo Teatro
é um teatro de memória e representação, um teatro no
qual não se apaga o corpo do ator ou da atriz quando
interpretam um personagem, mas que joga ao representar,
entrando e saindo do personagem, a se mostrar: este sou
eu, aquela é minha personagem.
Falar em primeira pessoa é primeira pessoa é
aparentemente um modo muito antigo de pensar a
2º semestre • 2010 • 29
ficção: San Agustín se espelha em suas Confissões,
Dante é personagem da Divina Comédia assim como
Proust em seu romance. Os performer e atores, como os
do Living Theater, usam de seus corpos e suas verdades
pessoais como assunto teatral. Não para confessar
intimidades como faz o showbiz e o star system televisivo
e cinematográfico, mas para explorar outros modos do
que é teatral. A representação sofreu um ganho ao retirar
o prefixo “re” e ao aceitarmos que também se pode jogar
ao nos apresentarmos.
Teatro politico: um teatro entre a
representação e a memória
Um grande projeto de representação das vozes
que sentem necessidade de contar o que viveram, é
necessário para sanar a dor do inconsciente coletivo.
E por isso vejo coincidências com o que defendem as
comissões de memória. Alvaro Camacho, que trabalha
em uma dessas comissões, escreveu sobre o livro de
memórias da Associação das Vitimas do massacre
de Trujilo: “Uma nova narrativa dos acontecimentos, é
necessário não só para as vitimas e suas comunidades,
mas para as comunidades colombianas em geral (...) o
público leitor poderá lembrar do que não viveu mas lhe
foi passado por relato...” é justamente isso o que produz
o trabalho da arte: fazer que o publico preste atenção
ao que lhe era invisível. Que produzamos uma imagem
que possibilite ao espectador viver, ou reviver, o que lhe
era desconhecido, para que possa compreender o que
não compreendia. Junto ao grande numero de pessoas
desarmadas que morreram na guerra civil, também
desapareceu a verdade dos acontecimentos. A narração
do que ocorreu também é um território de guerra. A guerra
dos números e suas interpretações são um exemplo.
É uma guerra de infâmias, de mentiras e negações, de
soma, restos e estatísticas. De negar o que aconteceu.
Negação que oscila do “aqui não aconteceu nada” e a
maquiagem e a falsificação do “aconteceu, mas não foi
bem assim.” As vozes de quem sobrevive para contar,
o relato dos que “ressuscitaram”, das vitimas, de seus
familiares e vizinhos, são suplantadas e distorcidas,
são lidas ou contadas por outros, são interpretadas
e mediadas. Dessa maneira as vozes dos mortos se
mantêm caladas. Mas essas vozes do silêncio seguirão
falando, se manifestando, produzindo uma linguagem
perturbadora, que leva a repetição doentia do que
passou. Isto que acontece já aconteceu antes. Os novos
massacres dos neo-paramilitares, replicam os massacres
dos paramilitares de antes, e estes reproduzem a chacina
dos “pájaros” e “chulavistas” e dos plantadores de banana
e das ligas campesinas do começo do século XX, que
30 • Camarim • nº 45
por sua vez repetem as guerras do século XIX, as batalhas
da Guerra dos Mil dias e a perseguição e assassinato dos
radicais e dos artesãos na revolução do General Melo e
da independência, até chegar na degolação em massa
da conquista espanhola. Que foi chamada de lenda
negra pelos historiadores espanhóis, realistas, carlistas ou
franquistas. Mas ignoramos tudo isso, cremos que tudo
isso já passou, ou que acontece hoje é outra coisa. Então
a ignorância e o silencio logo se transformam em uma
nova repetição desses fatos. Somente com a verdade
teremos condição de parar de repetir. E isso já é de
conhecimento dos juristas, dos psicanalistas, e também
a quem se dedica a arte e qualquer pessoa que pense
por si mesma. A cena traumática cai no ouvido, e segue
falando, se torna causa de um novo sintoma, de uma nova
dor. Somente quando a dor da tragédia se reconhecer
a si mesma e escutemos a voz dos que padeceram,
cessará a repetição e o feito trágico deixará de ser causa
de outra catástrofe para se tornar apenas memória, relato,
linguagem. Por isso precisamos escutar quem sofreu
com essa matança e que resistiram a ela, os que se
organizaram para denuncia-la cantando e contando em
múltiplas vozes. E se não deixarmos que nossas vozes
nos contem o que viveram não saberemos que seguimos
ameaçados, nós todos somos vitimas, que todos estamos
doentes do esquecimento que arrasou Macondo e
silenciosamente nos mata em seu forno.
El teatro politico revela as causas das
tragédias humana e cultural da guerra
Nas peças criadas pelas pessoas refugiadas:
mulheres, crianças, e idosos, nas canções compostas
por estas pessoas, a causa econômica central do conflito
interno colombiano: na Colômbia há deslocamento (de
refugiados) porque há guerra, mas que há guerra por que
existe deslocamento. Essa politica da guerra continua
o processo de acumulação e poder originados em
cima dos despojos, sangue e horrores que remontam a
invasão espanhola. Os anos que vão do renascimento
a modernidade e o capitalismo industrial europeu,
fundaram sua prosperidade sobre a acumulação
originária da exploração do trabalho escravo de
indígenas, africanos e mestiços ou no saque de ouro,
prata, pérolas e em latifúndios.
Nos últimos 20 anos a guerra interna na Colômbia,
vem reproduzindo o modelo colonial de acumulação
violenta, produziu o despejo de quatro milhões de famílias
campesinas, que representam entre seis e oito milhões de
hectares de terras que eram cultivadas por essas famílias.
Em uma astuta estratégia de enganação, ocultamento, e
inversão dramatúrgica dos acontecimentos, essa guerra é
vendida como sendo uma guerra antiterrorista e contra o
narcotráfico, porém, na realidade serve a uma velha tática
de despejo e domínio que era praticado pelo império
espanhol. Que se deixa evidenciar quando vemos que
as terras das famílias despejadas acabam nas mãos
das famílias de políticos e latifundiários. Os campesinos
sabem disso. Várias peças criadas com essas pessoas
junto a Corporación Colombiana de Teatro revelam isso.
Assim como várias das obras criadas nos últimos vinte
anos por grupos teatrais de dedicação exclusiva. “Detrás
de nosotros”, criação coletiva de Rapsoda Teatro. As
montagens de “Guadalupe años sin cuenta” e “Soldados,
do Teatro La Candelaria”, realizados também por Rapsoda
Teatro. “Kilele de Varasanta” a nova montagem La maestra,
realizada por Barcoebrio, de Cali, esta é uma das peças de
“Papeles del Infierno”, textos emblemáticos do Novo Teatro
e do teatro latino-americano nos quais o querido mestre
Enríque Buenaventura estudou esses anos de violência.
Parece que o artigo “La” (de La Maestra), ao individualizar,
sublinha o horror, as praticas atrozes sobre os corpos das
vitimas, os corpos insepultos, esquartejamentos e todo
terror usual da guerra que impressionantemente lembram
os rituais da conquista pintados por De Brye em 1555
nas ilustrações do livro do padre Las Casas no seu livro
Brevissimo relato da destruição das Indias.
O teatro e as outras artes vem mostrando que a
violência de hoje é herdada dos anos 50, anos de guerra
que obrigaram aos artistas a pesquisarem a história
Colômbiana a partir das mais diversas linguagens e
pensamentos artísticos. A essa geração pertence o
poeta Gabriel Garcia Márquez e Alvaro Camponeda
Samudio e os mestres encenadores Santiago García e
Enrique Buenaventura. Este últimos, além de ser um dos
mais importantes dramaturgos latino-americanos, é um
notável teórico teatral; demonstrando grande visão em
1958 publicou o ensaio “De Stanislavsky a Brecht” que
poderíamos considerar um formidável mapa, ou manifesto
do que foi o novo teatro colombiano. Buenaventura diz:
“não nos emocionamos frente a um quadro de Picasso ou
uma obra de Stravinsky pela semelhança dessas obras
com a realidade, mas pelas ideias, imagens, julgamentos
e raciocínio que estas obras provocam em nós sobre
a realidade.” A partir do romance “La Casa Grande” de
Alvaro Camponeda Samudio – um dos mais entranhado
companheiro da aventura literária garciamarquiana- La
Candelaria estreou sua primeira obra: Soldados, sobre
a greve e matança desses grevistas nas plantações de
banana em 1929. Um cruel episódio das plantações
imperiais que também ocorreu em diversas nações
caribenhas, e deu origem a expressão imperialista:
banana republic ou republica de banana. É também
um episodio de Cem anos de solidão. Da pesquisa
sobre a violência La Candelaria criou “Años Sin Cuenta”,
obra emblemática do teatro latino-americano, e que
alguns pelo afã de traçar diferenças com o teatro de
entretenimento e de outras tradições culturais, chamaram
de teatro político, porque reconstroem a memória de
feitos fundadores da vida coletiva de uma nação como os
acontecimentos que por decisão das elites são apagados
da história oficial, ocultados, negados, como tentaram
fazer, por exemplo, com o caso dos plantadores de
banana, ou com a memória dos horrores da Conquista
da colônia, da Independência e da Resistência de
200 anos de Republica “independente”. Tudo isso
foi revelado em obras emblemáticas do novo teatro
colombiano, como: “La Tragedia Del Henri Christophe”;
“Un Requiem por El Padre lãs Casas”; “Crónica”; “Historia
de uma bala de plata”; entre outras que escreveu o
mestre Enrique Buenaventura, que montou com o TEC
– Teatro experimental de Cali. Igualmente as obras de
La Candelaria: “Nosotros no comunes” (criação coletiva
sobre a rebelião de camponeses, um prelúdio andino
da independência do império espanhol); “Corre, corre,
chasqui Carigüeta” ( escrita pelo mestre Santiago García a
partir de um texto quéchua sobre a tragédia de Atahualpa)
; “El viento y La ceniza” (obra escrita por Patricia Ariza
a partir das crônicas da conquista: que conta a história
de conquistadores que com 500 anos sobrevivem
moribundos e quase decrépitos, como uma metáfora das
grande feridas culturais que se arrastam em nossas vidas
e que funcionam como um lastro de horror e loucura.)
Um novo tipo de ator. Um novo modo de
produção teatral
As pesquisas da relação entre guerra, despojos
e imperialismo é uma tradição do teatro dos últimos
50 anos na Colômbia, o teatro que nossos mestres
chamaram Novo Teatro Colombiano e que tiveram sua
base na criação coletiva, na qual atores e atrizes se
apresentam como pesquisadores, como suportes de
uma verdade, de feitos históricos vivos, de uma memória
histórica explorada por estes artistas, em grupo, no
coletivo em processo de criação. É um teatro onde a
representação é permanente rota por essa memória.
Isso faz o teatro político em um sentido teatral muito
complexo: o teatro da busca de outras estéticas teatrais
para a investigação, criação e produção do teatro, de
uma nova dramaturgia, sob uma estratégias diferentes da
representação burguesa que busca a mera identificação
com a emoção. É um teatro ao que interessa que a
imagem da cena provoque ao espectador uma reflexão
pessoal, sobre a realidade.
2º semestre • 2010 • 31
A representação é também um modelo de dominação
e engano, que é utilizado pela sociedade do espetáculo
como ferramenta de alienação, imbecialização, submissão
cultural e midiático das consciências e desejos: o drama
em três atos é utilizado pelos criadores comerciais, pelo
seriados e novelas televisivos para vender os ideais da
sociedade de consumo. O Novo Teatro quebrou essa
representação de diversas formas como, por exemplo: o
ator mostra que representa, faz um apresentação de sua
representação –“este é meu personagem, este sou eu.”
Rupturas que funcionam como efeito de distanciamento
para mostrar perguntas sobre o conflito: o problema não
é que Othelo seja ciumento, o arquétipo do ciúmes e por
ele Yago, o arquétipo do perverso, personificação do mal,
que pode enganar com um lenço. O problema é que,
por que um homem tão inteligente como Othelo pode
ser enganado por Yago e matar Desdemona, como diria
Freud: fracassa ao triunfar e se converte em criminoso
pela culpa: tem culpa porque é traidor de seu povo, dos
mouros; ele não merece o titulo patriarcal de guerreiro
triunfante: Desdemona, filha do rei. Shakespeare insinua
sutilmente este problema: Othelo nem sequer tem que
combater os mouros, uma tormenta destrói a frota moura
antes que chegasse a costa do Chipre onde Othelo a
esperava. Triunfa por azar, mata por culpa. E se revela o
universo do traidor e os sistemas de lutas pelo controle
do mediterrâneo e pela destruição do império mouro no
mediterrâneo medieval.
Também, a estrutura de poder piramidal tradicional
se denuncia e se desfaz: o conceito de teatral não sai do
escritório do produtor para o escritório do dramaturgo,
que por sua vez vai para o diretor, que contrata algumas
atrizes e atores que reproduzem a propaganda e a palavra
teológica do poder de deus. O teatro é a ação cênica,
plástica, poética, polifônica, produzida por atores e atrizes
de um novo tipo: atores e atrizes criadores. Inclusive se na
montagem parte de uma literatura dramática, essa literatura
é levado a um processo de invenção e reinvenção das
imagens cênicas físicas através de improvisações, provas
e ensaios que terminam por reescrevê-la completamente.
Isso é algo que o teatro moderno sabe de antemão:
Meyerhold dizia que preferia “ter o dramaturgo do seu
lado”, porque sempre a obra terminava despedaçada no
processo de montagem e reescrita. A dramaturgia literária
entre nós é claramente uma escrita aberta, a espera de
outras dramaturgias da montagem que compõe a polifonia
teatral (as dramaturgias do ator, do diretor, da luz e os
projetos cenográfico, sonoro e visual). Vozes da polifonia
cênica nas quais agem também os atores no processo de
criação, com suas propostas, com suas improvisações,
que são freqüentes de uma polifonia refinada e elaborada.
32 • Camarim • nº 45
Então, um pintor ou cenógrafo, o musico, o projetista
sonoro, o iluminador, vem trabalhar sobre propostas que
atores e atrizes esboçaram. Este é, em linhas gerais, o
modo como se criam os espetáculos mencionados aqui.
De modo semelhante procedemos na montagem do
nosso ultimo espetáculo “Rosita contra todos”.
O Teatro La Candelaria apresentou nos últimos
20 anos várias obras de enorme importância para o
pensamento e a linguagem teatral e reflexão estética
sobre a vida, cultura e política colombianas. Por razões
de extensão me limitarei a uma brevíssima alusão a “El
paso”, que leva 20 anos em cartaz: uma taberna ou
cantina em um cruzamento de estradas, onde tudo é
monótono e longe, um lugar onde nada acontece, um
grupo de viajantes fica preso porque o carro quebra,
esperam, com uma linguagem quase não verbal de troca
de olhares, gestos mínimos, sussurros, ruídos quase
silenciosos, canções tradicionais, uma chuva insistente,
bela e misteriosa música incidental tocada por cordas. Que
nos sugerem um tempo quase suspenso, de relações e
pequenos dramas humanos da vida “campechana”. Mas,
chega uma dupla de estranhos em seu jeep e a atmosfera
muda, eles poderiam tirar o grupo dali, todos se animam,
querem pedir o favor, explicar sua situação a esses sujeitos
desconhecidos. Na realidade eles não a morte e a tragédia,
são traficantes que trazem dinheiro, armas, a guerra e o
crime a esse lugar perdido em que nada ocorria. “El paso”,
El paso – La Candelária
Tainá Azeredo
como frequentemente acontece com a arte, é uma metáfora
profética que se adiantou a realidade colombiana e advertiu
há 20 anos o que hoje vivemos na Colombia e em regiões
da América-Latina e do mundo. O controle de uma boa
parte do poder, da economia, e da cultura por máfias de
políticos e empresários narcoparamilitares.
El matacandela, de Medellín. Outro grupo
histórico do teatro colombiano, com 31 anos de trabalho
permanente de invenção e experimentação teatral
e musical em quase 50 obras, montada a partir de
textos literários de diversas tendências e estéticas, mas
também, quase metade delas é dramaturgia coletiva. Um
olhar superficial sobre a produção deste grupo revela a
persistência de alguns temas. O gosto por levar a arte
literária a cena e a exploração de personagens complexos
da vida, da história e da produção de escritores, filósofos,
dramaturgos e poetas, como Andrés Caicedo, Fernando
Gonzáles, Alfred Jarry, Edgard A. Poe, Silva Pplath,
Séneca, Jean Cocteau, Bertold Brecht, Samuel Beckett,
Fernando Pessoa, Tennessee Williams, Marco Tulio
Aguilera Garramuño, Maurice Maeterlinck, Garcia Lorca
e Augusto Boal. Igualmente como fez o TEC, o grupo
do mestre Buenaventura, Matacandelas desenvolve um
permanente trabalho de montagens para o público infantil.
Teatro La Mosca Negra. Dos novos e mais
valiosos grupos de teatro independente de Medellín. Vem
explorando as personagens do submundo lumpen e
desestruturado, da dor, do sexo enlouquecido e a violência,
mostrando como afloram entre os filhos e filhas da exclusão,
do ódio e da pobreza, os fundadores dessa era de 20 mil
anos de patriarcado que ainda vivemos, e quem sabe
estejamos assistindo sua lenta morte. O fim da culpa pela
morte do pai, sobre o qual a nova era se levanta.
Barcoebrio, de Calí, que vem desenvolvendo uma
pesquisa sobre o mestre Enrique Buenaventura, em
particular sobre a histórica série de peças “Los papeles
Del Inferno”. Montaram uma bela versão de “La maestra”
faz um ano e logo depois estrearam sua versão e
adaptação de “La Orgia”.
Varasanta de Bogotá. Um coletivo de artistas,
poetas e músicos que se inspiram em sua própria leitura
do universo grotowskiano, em uma versão colombiana,
muito criativamente “varasantera.” Nos últimos anos
essa versão esteve atravessada pela preocupação pelas
histórias de terror e as matanças e do deslocamento
forçado e a memória coletiva colombiana. Seu ultimo
trabalho explora as perguntas de liberdade e dependência,
seu nome é eloqüente sobre a busca e os resultados (
“Fragmentos de libertad”, 200 años, libertad em proceso.”
Uma especulação final sobre as tendências temáticas
e de linguagem do teatro na Colombia de hoje. Como em
toda nossa América, há um teatro popular relacionado com
o festivo e carnavalesco. Há também um teatro feminino
e feminista e de gênero que se pergunta igualmente
por umas novas masculinidades: um teatro que está
buscando romper o arquétipo patriarcal. Há um teatro de
experimentação sobre as linguagens, um teatro que rompe
os arquétipos de poder, as imagens míticas do poder, que
rompe com as linguagens e as formas tradicionais do teatro
de memória. Um teatro que usa a performance, as artes
plásticas, as artes “vivas”, sem deixar de ser teatro. Pensa
e inventa as fronteiras do teatral: o teatro da representação
e da memória e da representação da memória e da
revelação da apresentação. Que trabalha sobre a crise da
representação e da representatividade, um teatro em que
o drama é o teatro mesmo e suas personagens os artistas,
nós mesmos e nosso oficio. Há um teatro que desenha
o personagem da vida e da história, do pensamento, do
poder, da poesia, das lutas populares, das revoluções ,
um teatro que fala da memória poética. Emily Dickison;
Borges; Pessoa, o filósofo Fernando Gonzales; os grupos
da elite; Manuelit Sáenz, Simón Bolivar... É provável que
estas tendências aqui enumeradas excluam ou esqueçam
outras. Por eles esta enumeração como as demais reflexões
de risco, são só uma tentativa de responder as perguntas
que nos fizeram as irmãs e irmão da Revista Camarim, da
Cooperativa Paulista de Teatro sobre o tipo de teatro político
que fazemos e uma tentativa de refletir a partir de nossa
própria pratica.
2º semestre • 2010 • 33
34 • Camarim • nº 45
Todas as filas carregam esperanças que nem sempre são
cumpridas. Os espermatozóides que o digam. No caso do teatro,
as pessoas ocupam a calçada, o saguão ou o bar do edifício com
um objetivo simples e direto: querem ser abduzidas da realidade
por alguns minutos, horas. Cruzar a porta da sala de espetáculo
é como fazer um pacto com o desconhecido. Dependendo da
ousadia dos artistas em cartaz, a tensão pode roçar com aquela
experimentada por Fausto diante de Mephisto. O espectador
dispõe-se a vender a alma, paga por isso e torce para que a
montagem o compense com arte. Ele ambiciona ser transportado
a outro espaço, o imaginário, por atores que são outros em cena.
Público e atores são eles mesmos e os outros. Mas aqui não vamos
pisar o terreno da ficção e seu círculo de alteridades. Os conflitos
de uma fila de teatro, lá fora, são de outra ordem. E no âmbito
de um festival com ingressos disputados por causa das atrações
internacionais que aportam de dois em dois anos em Bogotá, a
angústia multiplica-se.
Estamos como que condenados às situações de espera: pelo
transporte público, pelo caixa do banco, pela mesa no restaurante,
pela doação de uma córnea. Na entrada do teatro não é diferente,
um território de afetos e de tensões. Nesse ambiente, bastam os
sessenta minutos antes da sessão para vislumbrar o espírito de uma
fila teatral, seus personagens, suas micro-histórias. O desenhista
Por Valmir Santos
Espectadores na bilheteria do teatro Gaitán, em Bogotá.
arte após submissão ao detector de metais e os cuidados em não ter a carteira afanada
Bogotá. Sina de espectador que a cada dois anos torce para encontrar espetáculos que o capturem com a
A calçada e o saguão do teatro são lugares de esperança e suspeição no Festival Iberoamericano de
OS ESCRAVOS DA FILA
Natalia Gomez Carvajal/FNPI
2º semestre • 2010 • 35
Fernando Sierra cobre a cabeça com um gorro colorido que
destoa da calça e da camisa jeans desbotadas. Ele conta que foi
testemunha do roubo de um aparelho celular na noite da abertura
do Festival Iberoamericano de Teatro de Bogotá. A vida como
ela é passou em sua frente antes da sessão de A vida é sonho, um
texto do século XVII de Calderón de La Barca sobre um príncipe
mantido preso num torre a mando do pai. O cenário – do furto,
não da peça – foram as centenárias calçadas do imponente Centro
Cultural Teatro Municipal Jorge Eliécer Gaitán, palco dos mais
nobres na cidade em noites de música ou de artes cênicas.
Abraçada a um livro do gênero de mistério, o romance Os
homens que não amavam as mulheres, do sueco e best-seller Stieg
Larsson, a economista Adriana Morales consola-se em ser revistada
por um segurança com detector de metais. Em vestido discreto,
de tons cinzas, ela é uma das integrantes da fila à porta de vidro
que compõe a paisagem humana na fachada do Teatro de Bellas
Artes, edifício de arquitetura moderna localizado num complexo
comercial que já é dotado de esquema de segurança. Cães farejam
os bagageiros de todos os carros que entram na área. Para Adriana,
sua condição de espectadora suspeita, assim como a do restante do
público que habitará os cerca de setecentos lugares da plateia e do
balcão, é sintoma do medo na sociedade colombiana, não é de hoje. E
ponto. Essa mulher de rosto e fala serenas não questiona a mediação
ostensiva em pleno espaço da arte e da beleza. E da dor, afinal, todos
ali aguardam o primeiro dos três sinais para o início da versão de A
metamorfose por uma companhia islandesa. Na obra de Kafka, o
pai espanca o filho, transformado em inseto numa manhã incerta,
e defende exterminar o “câncer” em nome da paz e do silêncio de
outros tempos.
De volta à fila do Gaitán, agora no hall, em noite de sessão
de Calígula, texto do argelino-francês Albert Camus com atores
da Croácia e da Eslovênia, a estudante Daniela Matiz carrega
uma única expectativa: a de que a obra seja boa. É o que de certa
forma também desejam as três amigas que a acompanham. Esses
minutos no saguão são propícios àqueles que vão ao teatro não só
para ver, mas, sobretudo, para ser visto. Parte do público gosta
de fazer isso, garante o psicólogo calvo e de óculos com lentes
grossas, a quem pedi anotar seu nome em meu bloquinho porque
temia não compreender a pronuncia na hora de grafar. Esse senhor
simpático fez tal gentileza, mas constato que escreveu seu nome
no papel de maneira ilegível, feito garatujas de médico. Pois seguirá
PS: Texto produzido a partir da oficina de crônica Las historias del
Festival Iberoamericano de Teatro, ministrada pelo jornalista peruano
Julio Villanueva Chang, realizada entre 24 e 28 de março de 2010 e
organizada pela Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano (www.
fnpi.org) em parceria com o 12º Festival Iberoamericano de Teatro de
Bogotá (http://www.festivaldeteatro.com.co/).
tomando parte nesta narrativa como o psicólogo anônimo que
disserta sobre quem chega às filas mais cedo só para ver os ditos
famosos, subvertendo a expressão grega “theatron” que designa o
lugar de onde se vê a cena, e não o jardim do voyeurismo.
Um homem de terno bem cortado lança olhar panorâmico
sobre as pessoas plantadas no hall lotado do mesmo Gaitán.
O designer gráfico Albert Vargas está longe do retrato de
bisbilhoteiro pintado pelo psicólogo. Saudoso dos tempos de
bailarino, ele fala com o conhecimento de causa de quem
abandonou as sapatilhas há 20 anos e nunca deixou de frequentar
as artes cênicas, ao contrário dos shows que os fez tomar pavor
das multidões. A fila do teatro, ele resume a ópera, é um lugar
mais relaxado, sem estresse.
O historiador Orlando Bolivar concorda com essa tranquilidade
de largada. Para o rapaz de cabelos encaracolados e óculos
que não traem a profissão, o problema está na saída, quando
a ansiedade dos espectadores em abandonar o edifício pode
gerar tumulto. O artista plástico Alfredo Bonzales Reys é outro
entusiasta e destaca a dimensão pública que o teatro deu à cidade
a partir do festival que chegou à décima segunda edição. Não
é o que pensa o desempregado Edgar Sanchez na fila de outro
festival, o Alternativo. O encontro paralelo gravita em torno do
Grupo Teatro La Candelaria no bairro de mesmo nome. Sanchez
considera que o Iberoamericano é refém do riso que estampa suas
peças publicitárias, como se o teatro batesse apenas na tecla do
entretenimento. Enquanto fala, ele guarda vaga na fila para os
familiares. Súbito, seis pessoas, inclusive crianças, entram em sua
frente e abarrotam ainda mais a calçada. Uma prova de que mesmo
o último bastião socialista está fadado a furar fila. Lá dentro do
galpão, cabem e são preenchidos os 250 assentos para a sessão de
A título personal no Festival Alternativo. Uma criação coletiva do
La Candelaria, um grupo há 43 anos decidido a “fidelizar” o seu
público com a dimensão teatral costurada a todas as filas dialéticas e
esperançosas do país e em que vive.
Alessandra Perrechil
“A rejeição, no fundo, é uma
reação ativa do espectador”
Frank Castorf
Por Valmir Santos, Alessandra
Perrechil e Maurício Hiroshi
Três anos após a queda do
Muro de Berlim, em 1989, Frank
Castorf assumiu a direção artística
do Volksbühne, ou Teatro do Povo,
fundado em 1914 por operários. O
espaço da Praça Rosa Luxemburgo, no
centro antigo da capital, ex-Alemanha
Oriental, tornou-se sinônimo de
experimentos radicais, vide os nomes
que o precederam no cargo, como o
diretor Erwin Piscator e o dramaturgo
36 • Camarim • nº 45
Heiner Müller. A gestão do atual
encenador caracteriza-se pelo pendor
aos clássicos e releituras polêmicas de
textos de William Shakespeare, Bertolt
Brecht e Tennessee Williams, entre
outros. O encontro com Camarim
aconteceu em dezembro de 2009, num
hotel do bairro paulistano dos Jardins.
Ele veio à cidade, entre outras coisas,
para exibir a versão cinematográfica
de “O Idiota” (2002), a sua livre
adaptação para o palco do romance
homônimo do russo Fiódor Dostoiévski,
autor que visita com recorrência. O
espectador brasileiro conhece suas
produções desde a década passada.
Nelas, predominam a narrativa não
linear, a atuação conclusiva, o cenário
realista e a convicção permanente
do criador e sua equipe em nadar
contra a corrente das expectativas na
forma e no conteúdo. Na entrevista
a seguir, Castorf fala do custo da
liberdade, da sua fidelidade a Brecht,
das experiências com artistas brasileiros
ligados ao Teatro de Grupo, dos atalhos
para o cinema e do que o move ou o
provoca, melhor dizendo, política e
esteticamente, na arte ao vivo.
Camarim – O sr. se considera
um diretor brechtiano com
fidelidade ou traição a Brecht?
Castorf – Brecht trata de certo
método de como fazer a arte teatral.
É uma visão bastante materialista,
fala da liberdade que pode acontecer
entre os seres humanos. Falar o que
se deseja é uma coisa, mas ganha uma
verdade outra quando você relaciona
isso à interação entre eles, de si com
os outros, o que se faz juntos, se um
sujeito famoso ou um anônimo na rua.
É claro que eu aprendi muito com o
teatro de Brecht. Aprendi com mais
fidelidade do que traição.
Camarim – Parece que
Brecht tinha uma visão bastante
positiva do cinema como meio
de expressar-se artisticamente
e propagar consciência crítica.
Ele o influenciou ao decidir
filmar sua montagem de “O
Idiota”?
Castorf – Não teve muito a ver
com Brecht, mas a gente tinha as
possibilidades e isso facilitou a escolha.
O primeiro passo para filmar esse
espetáculo foi o fato de a gente utilizar
o vídeo em cena como um recurso
para “falar” com mais intimidade,
mostrar com mais proximidade
algumas das histórias que se passam
no palco. Era possível fazer um close
das pessoas em diferentes situações. E
o jeito de atuar muda bastante, porque
trabalhamos com ênfase na expressão,
com gestos minimalistas. A criação
de um filme a partir do teatro resulta
como que uma vivificação.
A estrutura do texto, da versão
teatral para o romance de Dostoiévski,
serviu de base ao filme. Mas é claro
que a gente mudou muito porque,
virou uma mídia soberana. Quando
se faz cinema, tenta-se captar
imagens, criar imagens. É mais
importante do que a língua, a palavra.
Normalmente, o uso do verbo é
reduzido, concentrado. No meu caso,
foi diferente porque realmente pensei
que esses grandes textos, monólogos
gigantescos de Dostoievski de fato
criam as imagens e influenciam
bastante em seu resultado. Claro, a
gente também se serviu dessa ideia de
Brecht em relação às novas mídias,
da potencialidade de criar por meio de
ferramentas como o cinema.
Camarim – Comente sua
relação com os textos de
Dostoievski.
Castorf – O primeiro trabalho
se deu a partir de uma aproximação
com o Camus, sua versão teatral para
“Os Possuídos”. Para Camus, uma
questão básica do existencialismo que
ele pegou com Dostoievski foi, então,
que vale a pena viver. Assim, Camus
chegou a Dostoievski, mas claro
que a adaptação dele foi bastante
ideológica, com traços de Marx, de
Brecht. Concebemos que o Camus
foi de certa forma bastante político,
um ponto de vista que denunciou
essa perspectiva social revolucionário
em Dostoiévski. A questão era: a
revolução é necessária, faz sentido,
faria sentido? Dostoiévski está
colocando isso no romance, mas não
dá a opinião dele. Eu também não
acho que Dostoiévski coloca em xeque
a questão se devemos viver ou não.
Em “Os Demônios”, pegamos os
grandes monólogos, os grandes blocos
de texto do Dostoievski e colocamos
nessa montagem. Usávamos como
cenário um grande contêiner. As
pessoas viviam dentro dele. De repente,
as portas dessa “casa” eram fechadas e
o espectador podia assistir através das
imagens de câmeras internas, pequenas
janelas que transmitiam tudo que se
passava lá dentro na intimidade dos
personagens. Dava para compreendêlos por meio do áudio, mas não se sabia
exatamente o que estavam fazendo.
Ou seja, “Os Demônios” foi um
espetáculo sobre a impossibilidade
de fazer teatro. Afinal, todas as leis
do teatro, as convenções do teatro,
obviamente partem do princípio de
que você possa assistir a algo. Os
atores têm boa projeção de voz,
podem ser vistos, criticados dentro
da unidade de tempo, de ação e de
espaço. Tudo que nessa montagem
não existia e ainda por cima não se
podia ver.
Lembro-me que depois de meia
hora do início da sessão, as primeiras
pessoas da plateia começavam a sair
pela porta da frente do teatro. Mas,
como chovia forte lá fora, acabaram
ficando. Foi bastante irritante. No
ensaio geral, aberto, o espetáculo teve
mais de dez horas. Absolutamente
impossível... Como o é, na verdade,
o romance de Dostoiévski: uma coisa
inaceitável.
E quando a gente fez a versão
cinematográfica da obra, saiu
naturalmente. A gente tinha esses
planos grandes e, no meio, esses closes
nas pessoas. Creio que assim a história
ficou mais (fácil) de entender do que
no teatro. Mas as duas coisas são
muito importantes para entender esses
textos. São dez personagens que não
tinham direito de exprimir e de falar
sobre os seus pensamentos, ideias,
tudo o que aconteceu no passado, na
Alemanha, em Zurique, na França,
na Rússia. De poder falar sobre essas
lembranças. Os demônios, os anjos
caídos, esses eram mais presentes do
que a vida cotidiana. Honestamente,
a vida, no momento em que surge
a ação no teatro, o filme inicia, já
acabou. É por meio do passado que
eles refletem todos esses sentimentos e
pensamentos.
O filme “Os Demônios” acaba
junto com o social revolucionário
Vierkhoviénski [um obscuro exprofessor universitário] numa estação
de trem, esperando o trem chegar
em direção à Alemanha, quando um
velho afirma: “O que me interessa,
minha querida pátria Rússia, é que eu
virei alemão. Interessa-me o sistema
de esgoto da cidade, muito mais do
que todas as questões nacionais da
minha pátria”. Como Beckett também:
em uma ação dramática não existe
mais decepção e esperança, somente
uma clareza pura na profissão de uma
pessoa.
Camarim – O sr. costuma
visitar os clássicos e instaurar
provocação ou desconstrução.
Quais as razões que o motivam a
reler Dostoievski hoje?
Castorf – [Mikhail] Bakunin
disse: “O prazer de destruir também
é prazer construtor”. Se algo que
existe fica destruído, nessas ruínas
algo novo aparece. Claro que tudo
isso dentro de um processo dialético.
Acredito que Dostoiévski é de certa
forma mais conservador. Todos os
seus personagens, o que eles ou o
narrador dizem, nunca tem a ver com
o oportunismo pequeno burguês, por
exemplo.
2º semestre • 2010 • 37
Os “demônios” falam: primeiro,
precisamos de 100 milhões de mortos,
precisamos fomentar o caos na
humanidade, precisamos acabar com
a educação, não existe igualdade, e
nivelam tudo. Os únicos privilégios
que ainda têm são da opressão
terrorista. Talvez isso seja profético,
como Cassandra [personagem da
mitologia grega cujo dom da profecia é
desdenhado]. Ou talvez seja somente
um sentido para a história, uma história
que não é má, não é boa, que acontece.
Eles pegam a história, apropriamse dela, pensam basicamente que
a história é uma história de sítio
permanente. Obviamente, é só uma
visão da história. E, claro, também é
só uma opinião dentro de Dostoiévski,
uma opinião importante. Se for uma
boa ou má opinião, é uma questão
moral, mas não é uma questão dentro
da história do escritor. E esse Estado é
triste. Mas ele é igualmente triste como
hoje o nosso Estado é triste. Ninguém
sabe como vamos lidar ou controlar
esse mercado financeiro incontrolável,
esse capitalismo, ninguém sabe. Isso é
um grande ponto de interrogação.
Mas talvez seja uma contrapartida
para algo que existe do outro lado,
uma fidelidade, uma fé. Eis o lado
contrário do ateísmo, mas não dá pra
viver com o ateísmo porque ele deixa
um grande vazio. Só que a fé também
é uma quimera, um fantasma, um
espectro. Mas todo mundo, acredito,
pode virar uma força metafísica.
Acredito também que Dostoiévski,
nos últimos anos de vida, apelou tanto
à fé ortodoxa para nunca, nunca mais
precisar pensar de novo no próprio
ateísmo da juventude dele.
Camarim – Repercutiu muito
este ano [2009] as duas décadas
da queda do Muro de Berlim.
Como os alemães orientais estão
encarando esse momento? E
como esse episódio histórico
influenciou o teatro que o sr. faz?
38 • Camarim • nº 45
Castorf – Eu acho que o país é
pequeno demais. Agora todo mundo
se acostumou com a nova liberdade.
A liberdade de pensar e falar o que
se pensa. Agora, naturalmente, isso
também tem uma fronteira... Posso
falar tudo contra a chanceler alemã
[Angela Merkel], candidata. Posso
xingá-la, questioná-la. Mas, para o
meu chefe, para a empresa na qual
trabalho, não posso fazer isso. Porque
se faço isso lá, sou dispensado do
meu emprego. Essa é a diferença.
Antigamente, não podia falar nada
contra o Stálin, mas poderia falar tudo
contra o meu diretor no trabalho. Isso
mudou.
O que fazer com a liberdade? É
preciso fazer algo especial, é preciso
ter sucesso com isso, ainda mais se
eu tenho um bom emprego e posso
comprar tudo que a sociedade me
oferece. Se não tenho isso, começo
a duvidar de mim mesmo, vou ficar
depressivo, eu sou um fracasso. Em
oposição se coloca: “Qual o meu
lucro com isso?” Talvez eu tenha uma
fé, uma fé que não é na democracia,
mas talvez eu tenha um deus, uma
Jerusalém dourada ou uma Alemanha
Ocidental. Ou quem sabe exista um
grande líder com seu uniforme. E,
talvez, esse cidadão contemporâneo se
reúna com outros jovens que não têm
emprego nem esperança, ou alguém
que é negro, amarelo ou usa óculos,
para juntar esses complexos todos. Já
que não posso usufruir essa liberdade,
eu vou compensá-la.
Vinte anos depois, a Alemanha é
um perigo. Se a Alemanha permanecer
rica, a democracia continua estável.
Se não, outras coisas vão aparecer.
Aliás, isso não é nada especifico para
a Alemanha, na Rússia isso também é
assim, em Paris, em Belgrado, etc.
Mas, afinal, qual o sentido
da liberdade para mim? Isso tem
muito a ver com teatro. Prezo a
autenticidade do individuo. Atores
não são instrumentos da minha
fantasia como diretor, da genialidade
de Brecht ou de Shakespeare. Mas
são entes autônomos, livres no âmbito
da produção da arte, da criação do
espetáculo. Os atores não são definidos
por outros, não são controlados,
mas são seres com toda a autonomia
mesmo diante da fraqueza deles.
Diferente do intérprete na ópera, que
não consegue se enxergar a si mesmo.
Não diria que o intérprete na ópera é só
uma instituição da perfeição, mas um
desejo de certo tipo de público que nem
sempre o enxerga. Como numa corrida
de 100 metros rasos que, sem doping,
um atleta não consegue cruzá-la abaixo
dos dez segundos.
Camarim – Há uma
declaração do Heiner Müller,
uma definição do teatro como
Der Idiot –
Volksbühne
sendo um laboratório do
imaginário social. O sr. assina
embaixo?
Castorf – Eu também sigo
esse pensamento. Tem a ver
com os extremos dos campos de
experimentação, essas constelações
de experimentações de tudo que
pensamos e sentimos; todas as
extravagâncias que o diabo Stalin ou
um Marquês de Sade tinham. Essas
experiências sociais se apresentam para
nós e posso trabalhar com tudo isso no
teatro. Posso passar por todas essas
faces abomináveis do comportamento
humano. E passar por isso no teatro
tem um efeito contrário, porque, depois
o espectador sai e sabe que assim
não pode ser. Teatro não tem nada a
ver com o politicamente correto das
mídias, mas com o apocalipse.
representação da realidade através do
teatro. Eis a chance, a potencialidade
para criar uma nova forma de dialogo
social com muitos grupos diferentes.
Já no modelo americano, em que
a arte é dependente de financiadores
particulares, há dois perigos. Primeiro,
o “curadorismo” do que é programado
ou divulgado. Segundo, você pode
assistir a uma ópera no Metropolitan,
em Nova York, para encontrar só
diversão ou mesmo ir ao circuito
off, underground; contudo, você e
seus amigos não encontrarão lá a
possibilidade de diálogo com uma
sociedade diferenciada. Reconheço que
somos privilegiados em Berlim como
artistas: a sociedade me dá dinheiro,
não preciso prestar conta desse
dinheiro, e eu posso representar o meu
protesto...
Camarim – Um sentido
catártico?
Castorf – Claro, num sentido
antigo, grego, de rir sobre o humano,
sobre as hipertrofias humanas. Isso é
uma libertação.
Camarim – ... Contra o seu
patrão...
Castorf – [Risos] Mais ou
menos... Falar mal do patrão é um
fenômeno mundial... Falando sério,
eu vivo na Alemanha e, se todos os
superintendentes, diretores artísticos
dos teatros decidirem que sim, então
assim será. Não existe uma junta
militar que vai nos torturar. Eles [os
diretores] não ganhariam menos
dinheiro se fizessem isso. Talvez,
de vez em quando haveria criticas
piores se acontecessem criações mais
arriscadas. Talvez isso valesse a pena
para dar mais coragem.
Camarim – O teatro é
necessário?
Castorf – Talvez... Mas que
crianças sobrevivam, isso é mais
importante... No entanto, sem teatro
não temos algo que seja autônomo
de nós, não podemos manifestar com
paixão o que é cultura. Se isso nos
falta, de certa forma, é uma volta à
caverna dos homens e das mulheres de
neandertal.
Há uma velha tradição que vem
da época dos nobres, em que o duque
ou o rei financiavam a arte para sua
corte. E disso surgiu no final do século
XIX, início do século XX, a subvenção
governamental ao teatro, à ópera, às
universidades. Obviamente, eu acho
que é certo a sociedade financiar. Claro
que com um patrocinador particular
sua independência vai ser maior do que
com um dinheiro institucionalmente
garantido. Porque questões políticas
viram questões econômicas e questões
econômicas viram questões estéticas.
Quem te dá dinheiro vai querer definir
o que é a arte do presente e do futuro.
Camarim – Quanto ao
subsídio público para os artistas,
boa parte dos grupos do Brasil se
mobiliza por políticas públicas
de Estado. Como o sr. vê essa
discussão na Alemanha? O
“cobertor” lá não estaria
diminuindo?
Castorf – A questão é o que
você faz nesse mundo: se você tem
dividas de centenas de milhares de
dólares e ninguém fala sobre isso, quem
Camarim – Como é composta a
subvenção do Volksbühne?
Castorf – Vem do governo
estadual de Berlim. Na Alemanha, há
16 estados, alguns são grandes, além
de outras cidades de peso. O Governo
de Berlim dá um subsídio básico
para os estatais Deutsche Theater,
o Volksbühne, o Berliner Ensemble e
duas casas de óperas. No Volksbühne,
somos cerca de 250 funcionários entre
atores, técnicos, trabalhadores das
Camarim – Aqui em São
Paulo, por conta do Teatro
de Grupo, tem ficado cada
vez mais evidente a relação
teatro/cidade, trazendo uma
fricção com a realidade social e
política. Essa “fricção” se dá no
contexto de Berlim?
Castorf – Creio que na Alemanha
e na Europa Oriental temos um
grande privilégio: o teatro é bastante
subvencionado e ocupa grandes
espaços públicos em que 600, 700
ou até 2.000 pessoas se encontram
por noite. Esses espectadores não
são amigos, não são da mesma idade,
não nutrem o mesmo pensamento, o
mesmo sentimento. Mas compõem
um auditório, uma ágora como na
Grécia Antiga, onde as mais diferentes
opiniões se encontram provocadas
por um evento teatral, por uma
está financiando isso, quem paga por
isso? Qual geração será tributada por
isso? O que vai acontecer? Ninguém
sabe e ninguém fala sobre isso. Mas,
aprendeu-se com a crise econômica
mundial recente, com o fascismo do
sistema, que obviamente, diante desse
panorama, o teatro não é necessário
por causa da sua vocação crítica. No
momento, é o contrário.
2º semestre • 2010 • 39
Volksbühne
oficinas de cenografia e figurinos, da
administração, etc. Para isso, o teatro
recebe anualmente 14 milhões de euros
[cerca de 32 milhões de reais em julho
deste ano ou seis edições de Programa
Municipal de Fomento ao Teatro].
Isso ocorre com os outros teatros.
O Deutsche Theater, por exemplo,
recebe 18 milhões de euros.
Camarim – E o Berliner
Ensemble?
Castorf – O Berliner Ensemble
recebe mais ou menos a mesma
coisa que a gente, 14 ou 15 milhões
de euros. Isso é o básico. E é possível
fazer muito teatro com isso, e com
independência, por um tempo médio
de cinco anos. Depois o diretor
artístico pode ir embora, pode ser
mandado e outro assume, e tudo bem.
Durante essa relação de trabalho eu
sou politicamente, economicamente,
esteticamente independente.
Essa também era a situação na
Alemanha Oriental antes de 1989.
Existiam outras intenções políticas, a
princípio. Como transgressor dentro
de um sistema totalitário, foi mais
importante o teatro naquela parte
da Alemanha, pois podíamos falar
e exprimir coisas que a televisão, o
cinema e os jornais não podiam. Mas
isso no Brasil foi a mesma coisa. Em
qualquer estrutura mais totalitarista.
40 • Camarim • nº 45
Camarim – O Berliner
Ensemble e o Volksbühne
trilham caminhos antagônicos?
Castorf – Difícil dizer. Não sei.
Acredito que Berliner e Deutsche
fazem um teatro muito elaborado, com
textos clássicos e modernos também.
Correspondem mais a um teatro
clássico no sentido da fala. O problema
que temos tido é que o Volksbühne
precisa se diferenciar desses espaços
clássicos. Oferecer uma programação
bem mais especifica até mesmo do
que eu até o momento. Somente na
condição de completos marginais
teremos uma chance. Se a gente
começar a ter muito sucesso no sentido
burguês, então a crise começa aí.
Camarim – A vocação do
Volksbühne é o experimento, a
cena pós-moderna?
Castorf – No inicio foi assim. Em
cima do nome Volksbühne se lia os
seguintes dizeres: “A arte é o povo”.
Ele foi fundado por um sindicato, que
na verdade foi uma associação de
trabalhadores. Hoje, de certa forma
modificada, essa missão continua a
existir.
Camarim – O teatrólogo
Hans-Thies Lehmann, seu
compatriota, esteve em São
Paulo no mês passado e disse que
o teatro é mais político quando
justo interrompe o discurso
político. Ou seja, que o teatro
é mais político quando essa
política é contida na linguagem
da cena e não no discurso sobre
ela. O sr. concorda?
Castorf – É um absurdo tentar
ilustrar no teatro a situação econômica
e política no mundo. Você precisa
apresentar outro tipo de pensamento
que a priori é anticapitalista. O
pensamento protestante na Alemanha
representa o nascimento do
capitalismo. Isso é uma frase tirada de
um texto de Dostoiévski. Seu conteúdo
é bastante político. Ontem, eu fiz
uma palestra sobre isso. Qualquer
frase radical política que você tira do
contexto provoca uma “obsessão” por
causa da rápida troca de informações,
a realidade que se vive hoje em dia.
Troca rápida, intercâmbio rápido, eis
a lógica do capitalismo. Não se pode
bloquear o fluxo do capital e então é
preciso acabar com o que representa
obstáculo. É por isso que o teatro
precisa apresentar um pensamento
crítico, colocar obstáculos. E o
pensamento de Dostoiévski coloca
barreiras nesse sentido.
Camarim – Durante a sessão
de “Na Selva das Cidades”
no Sesc Pinheiros, em 2006, a
recepção foi muito difícil, parte
do público levantou com raiva,
reclamou-se muito também das
legendas que não funcionaram.
Qual o papel do espectador? A
submissão a ele seria uma doença
da cultura atual?
Castorf – Eu acho que é um
processo intimo. Quando um homem
procura uma prostituta, podemos
questionar se o faz por amor. É um
processo que se dá no nível dos olhos,
e nos dois lados: “Eu pago e você
tem que fazer isso”. Não se trata, por
outro lado, de humilhar o espectador.
Como artista, se trata da necessidade
Camarim – Quer dizer que
houve dialogo?
Castorf – Sim. E, na verdade,
“Na Selva das Cidades” é uma peça
realizada a partir da luta de iguais, um
homem é igual a outro.
Camarim – E na fusão de
“O Anjo Negro”, de Nelson
Rodrigues, com “A Missão”,
de Heiner Müller, projeto a
que assistimos no mesmo 2006,
o sr. se aproximou da cultura
brasileira, tocou a ferida do
racismo a partir de um mito da
dramaturgia brasileira, Nelson
Rodrigues. Como o sr. reflete
aquela experiência?
Castorf – Foi importante unir
Heiner Müller e Nelson Rodrigues,
promover o choque cultural entre
esses dois materiais. Mas, para mim,
por exemplo, trabalhar com esses
jovens atores da cidade, com o grupo
Os Crespos, trabalhar com os afrobrasileiros, que a meu ver acharam
um lugar em Heiner Müller, isso foi
importante.
Houve como que um estado de
sitio emocional no qual a atriz Denise
Assunção, que também fazia parte do
elenco, se movimentou quando ela se
abriu e contou coisas de seu segredo
pessoal, ela me presenteou com isso.
Tem a ver com o charme, é claro.
Quando ela fica no palco, quando está
fazendo um vodu, uma personagem
branca em transe com o próprio
canto da atriz, isso que me interessa
exprimir, tocar. Acho que o ator quer
tocar também, no seu entendimento
de teatro.
O teatro pode ser, de vez em
quando, um sol forte e estranho. Ser
contra a previsibilidade de tudo que
acontece. Uma coisa de “guerrilheiro”
Dramaturgista vive em São Paulo
A entrevista em alemão com Frank Castorf foi traduzida pelo seu
compatriota Matthias Pees, radicado no Brasil desde meados da
década. Entre 1995 e 2000, ele foi programador, produtor, dramaturgo
e dramaturgista-chefe do diretor artístico do Volksbühne am Rosa-
que surpreende, que contra-ataca. Se
você tem quatro semanas para fazer,
então isso para o teatro é bom: você
não tem que pensar tanto, vai e faz.
Você não discute, é como fazer musica.
Aquilo resultou para mim um trabalho
muito importante: superar o estranho e
ser estranho através do trabalho.
Camarim – O sr. tem algum
interesse especifico no teatro
brasileiro?
Castorf – Não conheço tanto
ainda... Só conheço um pouco do
Grupo Oficina porque trabalhei com
eles na Alemanha. Quanto a outros
processos, conheço pouquíssimo.
Camarim – E qual sua
impressão sobre o trabalho do
Oficina de Zé Celso?
Castorf – É algo muito específico,
muito dionisíaco na maneira de entender
o teatro. Como alemão, me falta uma
parte racional. E clareza nas ações mais
contínuas no sentido político e social
dessa cena. Mas, o mais importante é
que os espetáculos não me cansam, não
percebo as horas passarem.
Alessandra Perrechil
de introduzi-lo em um segredo, em
um pensamento diferente, penetrar
um mundo que lhe pode ser entranho.
Quando ando pelas ruas de São Paulo,
não conheço a língua, mas entendo o
que acontece entre dois seres humanos
de determinado bairro, de determinada
rua. Isso é uma forma de segredo, de
comunicação. Que inclui a afirmação
pelo outro, o amor ou a proximidade.
Ou ainda o contrário de tudo isso, a
rejeição. E a rejeição, no fundo, é uma
reação ativa do espectador.
Luxemburg-Platz, em Berlim. Antes, Pees fora conselheiro artístico do
dramaturgo e poeta alemão Heiner Müller no Berliner Ensemble, justo sob
comando do autor de “Hamletmachine”. Desde 2004, é curador e produtor
em São Paulo. Mesmo vivendo no Brasil, realiza projetos internacionais
como responder, ao lado de Castorf, pela edição de 2004 do festival
internacional Ruhrfestspiele, na cidade de Recklinghausen, oeste da
Alemanha, fundado pela união dos sindicatos do país. Pees lembra que o
destaque daquele ano foi a reconstrução arquitetônica do projeto da Lina
Bo Bardi para o Teatro Oficina numa antiga mina de carvão. Lá, ocorreram
dez apresentações de “Os Sertões”, a “transcriação” de José Celso
Martinez Corrêa para a obra de mesmo nome de Euclydes da Cunha.
2º semestre • 2010 • 41
A Cena contemporânea e
Manuel Fernández
Algumas expressões significativas
Versus, de
Rodrigo García
Por José Henríquez
Neste trabalho faço uma apreciação muito parcial e
subjetiva de expressões cênicas contemporâneas que foram
criadas na Espanha nesta ultima década. Parcial, porque o
desenvolvimento do Estado e das Comunidades Autônomas
está, ainda, em uma fase de certo “protecionismo” das
criações de suas próprias regiões (e suas línguas, no caso
do bilinguismo), que trás como consequência uma mínima
circulação das obras fora da sua região de origem, questão
razoavelmente favorável para as companhias de artistas
independentes e as criações de maior risco. Subjetiva porque
escrevo sobre aqueles grupos cujo trabalho eu conheço por
conta do meu oficio como jornalista especializado em teatro
em Madrid. Faço, pois, uma seleção, pontuando todos os
trabalhos que circularam pela Espanha e para fora dela.
Das experiências comentadas nestas páginas podemos
vislumbrar uma forte corrente até a “hibridação” das artes,
até a busca de novas formas de relação com o publico,
que operam tanto na dança como no teatro. Sendo que
neste ultimo se destacam os esforços para desenvolver
42 • Camarim • nº 45
uma dramaturgia diferente. Por ultimo, foi uma década
rica em de iniciativas associativas de artistas e coletivos
contemporâneos.
Autores
Entre os autores de textos teatrais que mais se
destacaram na década, me parece que a obra mais importante
é da catalã Lluïsa Cunillé, que em suas ultimas estréias
mostrou seu texto carregado de elipses, enigmas e jogos de
teatralidade em assuntos explicitamente sociais e políticos (em
sua vasta obra anterior eram mais concentrados na vida íntima
e pessoal ). Em “Barcelona Mapa de sombras” constrói um
quebra cabeça da memoria social, política e urbana da cidade,
desde a pós-guerra até o presente, em torno de hóspedes de
uma pensão, com personagens de varias gerações e origens
(incluindo uma imigrante latino-americana), o cenário é o
que foi uma casa familiar de uma rua do centro da cidade
a ponto de desaparecer com a remodelação urbana e pelos
negócios imobiliários. Après moi ledéluge (“Depois do meu
diluvio”) é um inquietante confronto da visão européia
a espanhola
sobre a exploração da África subsaariana e a contraditória
visão e expectativa que um africano pobre tem da Europa,
apresentado em um inteligente e enigmático dialogo de três
personagens: um empresário europeu, uma interprete européia
que vive na África e um velho negro (personagem invisível no
espetáculo, sua presença é criada e sugerida pela “tradução”
da interprete), que quer colocar o empresário a prova. Paralelo
ao intenso trabalho em teatros públicos e alternativos catalães,
Cunillé estreia periodicamente com sua própria companhia,
La Hogaresa (A hungara), um veterano coletivo de Valencia,
obras suas ou escritas a quatro mãos junto a Paco Zarzoso,
principalmente em salas alternativas. Suas montagens são
como “vasos comunicadores” com temas e personagens em
obras como a “Barcelona”, citada anteriormente. No mais
recente trabalho de La Hongaresa: “Madrid El Alma Serena”
(dezembro de 2009), três vizinhos resistem à demolição de um
velho edifício e abraçam utopias de maneira muito peculiar,
paralelamente, outra cena de forma surrealista, se passa em
um velho bairro portuário valenciano, um grupo de vizinhos
luta para evitar que suas residências sejam desapropriadas em
uma operação imobiliária municipal.
Entre os autores castelhanos, de toda a considerável
obra própria e como adaptador o madrilenho Juan Mayorga
de seus trabalhos eu destaco: “Animales Nocturnos”,
uma peça escrita em processo colaborativo com o grupo
independente. “Gundalera”, que indaga com profundidade e
desassossego, as raízes do racismo e da xenofobia crescentes
na Europa, através do desenvolvimento de uma terrível
tensão entre dois casais de vizinhos, ambos brancos, sendo
que um deles é autóctone e outro é estrangeiro e reside
ilegalmente no país, levando a uma ralação de escravidão
entre as personagens. Nesta mesma linha dialética de
dominação, “El Chico de La ultima fila”, também encenado
por um grupo independente, “Ur Teatro”, de Guipúscoa,
enfoca a inquietante inversão de poder e de sentido de
ensinar que acontece entre um professor de literatura que
quer encenar “Pigmaleão” e um inteligente aluno que acaba
escrevendo sobre a vida de seu professor e sua família e
assim interferindo nelas. “Mayorga” colaborou também
com outro coletivo importante, “Animarlario” – cujo o
trabalho recebe grande apoio midiático e com o qual fez
vários trabalhos , entre eles “Hamelin”, um drama sobre a
pederastia e suas cumplicidades sociais.
Uma das obras mais representadas de Mayorga, dentro
e fora da Espanha, tendo diversas traduções, e que fez sua
estreia em um teatro publico, é “Himmelweg” (Caminho
do céu), um interessante texto sobre as cumplicidades e a
operação teatral que encobriu o massacre de judeus nos
campos de extermínio nazistas.
A madrilenha Laila Ripoll, atriz, autora e diretora, em
paralelo a um trabalho continuo de recriação de clássicos do
Século de Ouro encenou com sua companhia “Micomicón”
uma série de obras que desenvolvem um teatro grotesco
e fantasmagórico enraizado na estrela de Valle-Ynclán e
o “esperpento1”. Entre suas obras, “AtraBilis” (Quando
estaremos mais tranquilas), uma negra perversão do drama
rural da Casa de Bernada Alba, de Lorca (quatro mulheres
interpretadas por homens, velam o invisível cadáver do
“macho” e patriarca familiar, que vai diminuindo a medida
que os segredos de cada uma das personagens com o morto
vai sendo revelado). Em “Los niños perdidos”, os fantasmas
de um grupo de órfãos seqüestrados em um orfanato
religioso durante a Guerra Civil, relembram em jogos e
teatralização a tragédia que os levou a morte. Ripoll também
colaborou com outros coletivos independentes de Madrid,
que encenaram peças como “Que nos quiten lo bailao”
(um paralelo entre o exílio republicano e a atual imigração
latino-americana na Espanha), “Restos” (duas peças curtas
em um mesmo espetáculo, que fazem uma ironia com
as fossas comuns de republicanos executados por tropas
franquistas), ou “Unos cuantos piquetitos”, peça pioneira em
um tratamento grotesco sobre o assassinato de mulheres.
Outras formas
A maior parte das experiências cênicas que aconteceram
na ultima década ocorreram na chamadas salas alternativas,
que surgiram nos fins da década de 80 principalmente em
Madrid e Barcelona. Não como um movimento social e
politico, mas basicamente como uma via de expressão
artística de escolas, companhias ou artistas que não tinham
espaço nos programas e teatros públicos ou privados.
A citada obra de Cunillé “Barcelona mapa de sombras”,
por exemplo, nasce de um convite a vários autores pela
sala Beckett, de Barcelona, a escreverem sobre sua cidade.
Em duas décadas e por iniciativa de seus incentivadores, o
dramaturgo José Sanchis Sinisterra, esta sala se tornou uma
grande oficina de formação de dramaturgos, que atualmente
tem programas de intercâmbio, de traduções e publicações
com vários países europeus.
Outra sala alternativa, a “Cuarta Pared” (Madrid),
realizou nos primeiros cinco anos desta década uma
importante experiência cênica que teve grande repercussão
1
O esperpento foi
criado por Ramón
del Valle-Ynclán
se caracteriza
pela distorção da
realidade buscando
suas características
grotescas.
2º semestre • 2010 • 43
13 rosas, de
Arrieritos Danza
em todo país: a criação da “Trilogia de la Juventud”, um
processo que reúne três autores madrilenhos, José Ramón
Fernándes, Yolanda Pallín e Javier García Yagüe (diretor
da sala e do coletivo), também colaborando na construção
do texto o elenco interviu com suas próprias contribuições.
As três obras, que em momento posterior foram encenadas
juntas, compõem um panorama de meio século, visto a partir
de personagens que completavam vinte anos e iniciavam
suas vidas no mundo do trabalho, sentimental e politico em
momentos chave da história espanhola: os anos 50, o pósguerra e o êxodo do campo para a cidade (“Las manos”); os
primeiros anos da década de 70; o movimento sindical e a
luta contra o franquismo (“Imagina”); e os anos 2000, com
a proliferação de “subempregos” e a erupção das tecnologias
eletrônicas (“24/7 veitecuatro horas al dia, siete dias a la
semana”). Nestes espetáculos combinam narração/ação e
planos de realidade/ficção propondo diferentes disposições
da plateia.
Em 2008, a “Cuarta Pared” empreende o projeto
“Espacio Teatro Contemporáneo, ETC”, em que se
realizaram vários laboratórios e workshops de pesquisa,
tanto para as áreas de novas formas e realidades
dramatúrgicas como a experimentação de outras linguagens
cênicas.
O teatro de criação e performático
Em paralelo ao tetro baseado na palavra escrita se
consolidam as trajetórias de vários artistas e coletivos que
integram sua dramaturgia a uma criação complexa que
integram outras expressões (dança, movimento, musica,
artes plásticas e visuais...), chegando, algumas vezes, a
predominar nas obras. Entre esses artistas quero destacar
Rodrigo García e Angélica Liddell, dois artistas de uma
obra solida e contundente, de grande valor textual, teatral e
“performático”, que tiveram grande influencia em seus pares
e em gerações de jovens.
Rodrigo García
Nos anos 90, o artista hispano-argentino Rodrigo
García, realiza uma dezena de trabalhos com diferentes
“equipes” de sua companhia, “La Carniceria”, que têm um
importante eixo textual. Contudo esse texto tem origens
e registros muito diferentes da dramaturgia convencional:
poemas, ensaios e relatos de autores muito diferentes,
além de relatos pessoais. Sobre tudo, os textos eram
escritos em forma de poesia em prosa e versos livres,
combinando uma ironia singular e o lirismo do cotidiano,
que os atores recitam delicadamente ao público, para si
mesmos ou uns para os outros, de uma maneira coloquial,
tentando distanciar os textos da interpretação e da
44 • Camarim • nº 45
declamação. Junto a este eixo, os atores executam uma
série de ações paralelas, justapostas ou alternadas com as
palavras, dessa maneira distorcendo e poetizando objetos
e usos cotidianos, os convertendo em material cênico e
ao mesmo tempo plástico; em alguns desses trabalhos os
atores preparam comidas e no final comem junto com os
espectadores (“Los três créditos” e “Notas de cocina”).
Nestas ações, García se inspira em obras de artistas
plásticos, artistas performáticos e criadores cênicos (Bruce
Nauman, SashaWaltz, Jan Fabre e Pina Bausch).
Nos primeiros anos desta década, García realiza
uma série de montagens que tem como eixo uma critica
as marcas e logotipos, fetiches da suposta sociedade
do bem estar e da vida privada reduzida ao consumo
passivo de produtos de baixa qualidade, exibindo as
novas formas com que as multinacionais barateiam a
produção e o abismo que se aprofunda entre o mundo
rico e o pobre. Aftersun; “Compré uma pala en Ikea para
cavar mi tumba”; “La historia de Ronald, el pallaso del
Mc Donald’s”; “Esparcid mis cenizas en Eurodisney”
são montagens que tiveram boa acolhida em festivais e
em teatros públicos do norte da Europa. Estes teatros
começam a apoiar e agendar suas peças, com tanta
frequência que sua obra vem sentindo o efeito da continua
demanda ”festivalera”, assumindo o risco de espetáculos
que sejam uma variação de uma formula previsível.
Paulatinamente, nas obras de García começa a
predominar a ação, a invenção de imagens e situações
não usuais em cena (ações dentro de uma barraca de
acampamento, em um corredor estreito de madeira,
ações com animais domésticos e com alimentos como:
leite, cereais, ketchup etc), ou a incorporação de músicos,
enquanto os textos vão se reduzindo a aforismos, conselhos,
“anti-estlogans ”, que em muitos casos se projetam
diretamente em uma tela. Em alguns trabalhos recentes
Rodrigo García mescla a sua ironia da vida cotidiana
com apontamentos apocalípticos e céticos sobre homens
e mulheres contemporâneos e suas atitudes frente as
crises econômicas – “Cruda, vuelta y vuelta, al punto,
chamuscada” (2007)- assim como as guerras e as relações
afetivas – “Versus” (2008)- Em ambas retoma sua conexão
com a Argentina, convidando o público a intervir em
uma “murga” (banda popular que toca na rua durante os
carnavais de Buenos Aires) ou mostrando alguns de seus
imigrantes com canções, imagens filmadas e relatos.
AngelicaLiddell
O teatro e as performances de Angélica Liddell se
distinguem por sua integridade artísticas. Em seus trabalhos
aparecem sua obra como poeta, atriz, diretora, cenógrafa e
figurinista. Em uma década de criações barrocas, inspiradas
em tradições teatrais e literárias, nos primeiros anos desta
década realiza uma primeira trilogia de dissecação grotesca
da família, a educação e a reprodução humana (“Tríptico
de la Aflicción”), em seguida, estreia uma trilogia de obras
explicitamente politicas e sobre assuntos públicos, reunidos
sobre o título de “Actos de Resistencia contra la muerte”.
A primeira, “A los peces salieron a combatir contra los
hombres”, faz uma espécie de ária operística de voz e ações
sobre os milhares de africanos afogados na costa do Estreito
de Gibraltar em sua peripécia de chegar para ao “paraíso
europeu”, integrando ao espetáculo um documentário
sobre o processo de criação e ações plásticas e teatrais
realizadas durante a montagem. A segunda peça da trilogia,
“Y como no se pudrió: Blancanieves” toma a forma de
um conto tradicional, com todo seu terror, a cerca de uma
menina prisioneira de guerra, se inspirando no massacre de
estudantes em Beslán (Ossétia) e convidando a meninos e
meninas a participarem no começo e no final da peça, que
ínicia com uma avó lendo o conto para a neta. Por ultimo,
“El año de Ricardo” adota a forma de um vibrante concerto
de rock em que sua estrela usa toda flexibilidade de sua
voz e seu corpo, incorporando a figura de um ditador que
percorre o tempo desde a época de Shakespeare até nossos
dias. Nesta trilogia aparece como companheiro de cena,
em ações e diálogos, o ator Gusmerindo Puche, outro fato
muito importante, começa sua colaboração como veterano
ator Carlos Marquerie, que realiza valiosos projetos de
iluminação, que se integram as obras como uma dramaturgia
e continua colaborando com Liddell até hoje (Marquerie é
também o iluminador dos trabalhos de Rodrigo Garcia).
Paralelamente com seus atos de resistência contra a
morte, Liddell cria três performances em espaços cênicos
(museus, sala de exposições e pátios), que se intitulou
“La desobediência hágase em mi ventre”. Ela escreve
estes textos em tom de confissão, e por meio desse tom
a autora percorre momentos e reflexões decisivas em
sua vida e em ser mulher com um leitmotv2 recorrente:
“Meu corpo é meu protesto”. Em “Lesiones incompatibles
com la vida” transcreve em um poema sua infância e sua
decisão de não ter filhos, enquanto coloca seus pés no
gesso, que vai se solidificando e vestindo uma máscara
com sua foto de criança. Em “BrokenBlossoms” retrata
com ironia uma entrevista que deu para uma tese sobre
teatro contemporâneo, e em paralelo se projetam vídeos
de um viagem ao campo e de um trabalho realizado em
um hospital psiquiátrico onde internos interpretam vários
autores espanhóis conhecidos. E finalmente em “Yo no
soy bonita”, titulo retirado de uma popular canção infantil,
relata a violência sexual que ela e outras meninas sofreram
em um quartel da cavalaria, a humilhação e o silêncio de
anos; em cena acaricia um cavalo branco em quanto se
autoflagela cortando seus joelhos e bebe seu sangue. Esta
trilogia tem uma forte carga politica de afirmação pessoal e
rebeldia contra os papéis de dependência e maus tratos que
se impõe a mulher.
Em seus trabalhos seguintes Liddell integra as duas
esferas de sua pesquisa (o pessoal e o politico) com total
coerência e harmonia: o pessoal é politico e o público/
politico é pessoal. Em “Perro muerto em tintorería” e “Los
Fuertes” feitas a partir de uma encomenda de um teatro
público, manifesta sua concepção de teatro com uma
paixão carnal, de ser contra que os atores sejam apenas
“funcionários”. Com uma ficção futurista e um ritual de
movimento inspirado em provas esportivas, que disseca
a tese de Contrato Social de Rosseau, a traição e o fim
trágico dos ideais, a estética da ilustração e da revolução
tendo o artista como testemunha critica da sociedade.
Nesta ocasião, a montagem integra junto com Liddel e
Puche outros três atores e uma jovem mulçumana (que
não é atriz) e que em uma determinada cena faz um irônico
interrogatório aos atores sobre a situação da Europa
atual. O espetáculo traz um jogo que espelha de forma
grotesca: esculturas em látex dos atores, como se fossem
seu reflexo nu e esvaziado, o enfrentamento no espaço de
uma reprodução do quadro El columpio, de Frangonard
(uma idealização ilustrada) um balanço que pende uma das
esculturas e um quadro/muro com flores.
Do alemão, motivo
condutor ou motivo
de ligação ou ainda
motivo principal
2
2º semestre • 2010 • 45
Em “Casa de fuerza” (2009), uma confluência de todas
as linhas e áreas que Liddell já desenvolveu nas trilogias
anteriores. Com duas atrizes acompanhando Liddel, a obra
entrelaça a confissão de um período de crise afetiva da
artista, levando então a um aprofundamento na dissecação
dos papéis, sujeições, dependências e desejos de uma relação
sentimental, o entretenimento físico como anestesia para
resistir a dor, cenas das três irmãs de Tchekhov, que falam de
seu desejo de viajar, sua resistência e seu trabalho cotidiano,
testemunho de três atrizes mexicanas de Chihuahua sobre
o assassinato de mulheres no norte de seu país. Todos esses
elementos textuais são alinhavados com a aparição de um
grupo de mariachis e suas canções, com a bela interpretação
de um violoncelista/cantor, com a ação de encher uma parte
do cenário de carvão mineral e logo depois retirá-lo, temos
a presença de um campeão e treinador de luta que faz uma
demonstração levantando um carro fazendo e junto com
a cena da citada cena das atrizes mexicanas faz um ritual
plástico de lotar a cena de cruzes. É o trabalho cênico que
com maior intensidade encarnou em cena a vida e a visão de
uma mulher na intimidade de seus afetos, projetando com
toda fluidez e naturalidade a situação social de suas pares.
Liddell conseguiu em uma década um belo e vital conjunto
de textos e registros cênicos em um teatro de criação que
une o privado e o público.
Fernando Renjifo
Nesta década que termina, o ator hispano-peruano
Fernando Renjifo materializa um processo radical de síntese
cênica, que foram gradualmente encarnadas nas três versões
de “Homo Politicus”, uma reflexão sobre o fazer e o pensar
politico. As versões foram realizadas em Madrid, Cidade
do México e Rio de Janeiro, de 2003 a 2006, sendo que
em cada lugar foram encenadas com interpretes locais, e
alguns desses atores foram reunidos em uma performance
final, trazendo a apresentação da trilogia completa.
A partir desta trilogia, cultiva um texto cada vez mais
poético, menos explicito e uma clara vontade de compor
de forma mais intensa com os corpos e seus movimentos,
utilizando espaços e disposições não convencionais (salas de
exposições, espectadores em circulo), textos projetados em
telas. Ao mesmo tempo, materializa e questiona um olhar
do mundo e dos espectadores a partir da perspectivas que
tiveram de suas viagens e estadas em Beirute, Malí, Nigéria,
Rio e Cidade do México.
Com o espetáculo “El lugar y La palabra.
Conversación interferida”. Beirute (2009) inicia uma série
intitulada: “El exilio y el reino”. O espectador percorre
uma Beirute de vozes e línguas (árabe, francês, inglês...) e
criamos em nossas imaginações os rostos e gestos de oito
vizinhos de uma cidade que “vemos” em uma tela sem
46 • Camarim • nº 45
imagens, sempre negra, e falam de suas vidas cotidianas
e suas recordações, do duelo pelos mortos e seus
conflitos internos (ir, ficar, agir), das culturas e religiões
que se enfrentam e convivem em uma cidade que está
em guerra e violência permanente. A tradução de suas
palavras se alterna na tela com fragmentos de poemas
de Antonio Gamoneda e leituras de versos de poetas de
Al-Andalus, Palestina, Líbano, desde a idade média até
nossos dias (Ibn Hazm, Mahmoud Darwish, Adonis),
que poetizam guerras, destruição, exílio, servidão,
ausências, que realizam em vários momentos do ator
libanês Ziad Chakaroun e o madrilenho Alberto Nuñes.
Entre suas leituras, os atores se levantam e deitam no
solo, uns sobre os outros, invertendo a ordem de seus
corpos na formação. O autor/diretor convida ao público
a entrar no espaço onde estão os corpos, e prolongar sua
contemplação do encontro.
O segundo trabalho da série, “Tiempo como espaço”
(2010), propões um jogo de espelhos e figuras até o interior
e o exterior da cena, para causar estranhamento do nosso
olhar sobre a África. Os atores nigerianos Pitoua Alheri e
Aboubacari Oumaru desenham no ar uma série de figuras
inspiradas nas alteradas e teatrais esculturas de Juan Muños,
exposta no museu Rainha Sofia em 2009: seres estranhos,
suspensos ou estáticos em frágeis equilíbrios sobre bordas,
assentos, cadeiras ou junto a paredes da sala. Improvisam
conversas em suas línguas (djerma, hausa, peul), riem,
brincam, fazendo contraponto ao poema de Renjifo sobre
uma viagem a África, que Alberto Nuñes lê de frente a um
espelho um caderno com partes de “Tierra Baldia” (e com
citações de T.S. Eliot, Peter Handke, Camus entre outros),
que se converte em um inquietante exercício sobre nossos
preconceitos e como olhamos, e o que olhamos, em seres e
culturas diferentes da européia.
Hibridismo a partir da dança.
A dança tem sido o território de pesquisa e hibridação
dos últimos anos, em constantes intercâmbios e integrações
com expressões do teatro, da musica, instalações, artes
plásticas, a fotografia, o vídeo, a performance (seu paradigma
é a continua e singular obra da coreografa madrilenha La
Ribot), em meio a uma grande fragilidade e da luta constante
de seus coreógrafos/as e companhias para conseguir espaço
de trabalho, pesquisa e programação continuadas. Comentar
seu rico desenvolvimento exigiria um amplo trabalho,
contudo, quero apontar alguns trabalhos e trajetórias
significativos precisamente por sua hibridação e pelos temas
que abordam.
A companhia galega “Matarile Teatro”, de Ana Vallés,
criada originalmente como um coletivo de animação de
objetos, nesta década desenvolve um estilo próprio de
teatro dança, que recebe influencia da Pina Bausch e
Tadeusz Kantor. Em seus últimos trabalhos – “Abrazo
partido, História natural (eloxio do entusiasmo)”,
“Animalesartificiales”, “Cerrado por aburrimiento” –
reúne bailarinos, atores, músicos para criar a partir de
improvisações uma série de rituais festivos em que uma
trupe de “figuras” (não-personagens), celebram e constroem
o próprio ato cênico, a relação com o público, a precariedade
e as contradições de sua arte no contexto atual.
Textos dos escritores John Berger e Mahmoud Darwshi
se integram e inspiram “Atrás los ojos”, “Testimonio
de lobos” e “He visto cavalos”, trabalhos recentes da
companhia catalã “Mal Pelo”, de Maria Muñoz e Pep Ramis
(premio nacional de dança 2009). Neles estão presentes os
conflitos atuais na Europa, a memória e as relações afetivas,
em formatos que cada vez integram mais a palavra e o vídeo
em interação com bailarinos.
A experiente coreógrafa madrilenha Elena Córdoba
empreendeu um vasto ciclo de pesquisa do corpo em
movimento e suas condições históricas e politicas, Anatomia
poética, que mostrou uma série de instalações fotográficas e
de vídeo tendo como contraponto a dança.
Acontecem nesta década, vários trabalhos de dança
teatro que encaram a história da guerra civil e a pósguerra espanhol. A veterana companhia de Valencia
“Ananda Dansa”, pioneira na abordagem desses temas
em conjunto com uma antiga companhia de teatro de
bonecos ,”BabalinaTitelles”, criaram “Pasionaria”, um
belo espetáculo inspirado na vida e na luta de militantes
comunistas, que em um espetáculo funde a dança
contemporâneo e a animação de objetos e bonecos. O
coletivo madrilenho “Arrierito Danza” cria “13 rosas”, uma
peça de dança teatro, com musicas e canções ao vivo, que
cria uma sutil ficção sobre o encarceramento e fuzilamento
de jovens militantes socialistas por tropas franquistas ao
terminar a guerra civil. A companhia catalã “Senza Tempo”
cria “La canción de Marguerita”, um trabalho que funde
dança contemporânea, vídeo e cenas teatrais, a partir de
relatos e testemunhos das próprias interpretes sobre a
repressão e a vida cotidiana no pós-guerra.
Em uma visão geral os grupos que surgiram nos anos
2000 tem uma formação muito eclética compondo um
mosaico que cultiva e integra as artes mais diversas, em
uma criação e absorção, a autoconsciência e certo orgulho
El alma se serena, de Lluïsa Cunillé
2º semestre • 2010 • 47
Julio Calvo
La casa de
la fuerza, de
Angélica Liddell
de si mesmo e uma exploração irônica das formas e do
próprio ato cênico e a percepção do publico com outras
realidades fictícias.
...a partir do teatro
Nesse teatro fronteiriço, também há companhias
veteranas e emergentes que no teatro incorporam
expressões da dança, de expressão corporal e outras artes.
É notável o trabalho atual do já citado Carlos Marquerie,
criador de uma companhia de teatro de bonecos e objetos,
que em seus últimos trabalhos com seu atual coletivo,
principalmente na trilogia “El cuerpo de los amantes”, que
incorpora bailarinas e atores, em três instalações plásticas,
de inspiração pictórica, que indagam temas clássicos da
relação do artista com seus motivos de inspiração, em seu
trabalho com os materiais elementares, no ciclo do fulgor
e extinção do corpo e a paixão amorosa, sempre com
referências a contextos políticos reconhecíveis. Também se
destacam os últimos trabalhos do autor Antonio Fernández
Lera outro veterano, companheiro de projeto de Marquerie
e do já citado Rodrigo García, que incorporam a dança, a
intepretação e o vídeo, em ficções poéticas e profundas
conotações políticas e pessoais (“Las islas Del tempo”,
“Memorial Del Jardín”).
Entre os grupos novos se destacam os trabalhos do
coletivo catalão “Los Corderos Sc” (“Tocamos a dos balas
por cabeça”, “El mal menor”), que esta elaborando um estilo
singular de teatro físico com ficções apocalípticas, de textos
absurdos e surrealistas, que sugerem imagens grotescas da
vida contemporânea. Mais jovem que “Los Corderos Sc”
o grupo valenciano “El Pont Flotant” em suas montagens,
“Como piedras e Ejercicios de amor” – desenvolve um
48 • Camarim • nº 45
teatro de ações, textos, musica e imagens a partir de
experiências próprias (e até de seus pais e amigos), no
primeiro espetáculo o grupo transforma em material cênico
de a memória viva, no segundo espetáculo a celebração da
ilusão teatral em meio ao individualismo imperante. Também
versa sobre sua própria experiência vital e sentimental o
trabalho do grupo madrilhenho “La Tristura”, integrados por
veteranos, que apresentou a “Trilogia de La educación”, em
três montagens sucessivas que poetizam a herança familiar,
o legado das utopias e mitos modernos e seu próprio balanço
sobre a juventude, com textos de grande elaboração poética,
ações, imagens e cinema e video.
O teatro de grupo
Sobre o conceito corrente do “teatro de grupo” há
alguns sobreviventes, muito ativos, como “La Zaranga”,
grupo Andaluz que desenvolveu sua própria poética, uma
fusão do grotesco espanhol (Goya, Gutierrez Solana), com
o ritual musical das “Pasiones andaluces” e com o teatro de
fantasmas e memória de Tadeusz Kantor. Sem alcançar a
altura de sua primeira obras (“Vinagre de Jerz”, “Perdonem
La Trizteza”), manteve sua voz e seus estilos próprios, na
criação de mundos fechados e espectrais, como o dos poetas
vanguardistas perdidos pela miséria e a inveja (“Homenagem
a los Malditos”), os atores/palhaços ambulantes que não
renunciam a sua arte (“Los que rien los últimos”) que fala
dos loucos que representam em seu asilo a história de
tiranias, guerras e fratricídios, inspirados em pinturas de
Goya (“Futuros Defuntos”).
Nesta filosofia e prática teatral de coletivos, grupos
veteranos como “Teatro Del Norte” (Asturias), em
que mantêm uma linha de trabalho em que recriam as
contribuições das vanguardas históricas. “Cambaleo Teatro”
(Madrid), que evoluiu até um teatro contemporâneo com
características performáticas, ou “Atalaya” (Servilha), que
combinam a recriação contemporâneas de mitos clássicos
e as versões de peças e chaves do repertório vanguardista,
aparte de estabelecer uma colaboração permanente com as
iniciativas e encontro do ISTA de Eugênio Barba.
Outros grupos que começaram em uma linha coletiva,
comprometida e experimental, como os históricos “El
Joglars”,”Els Comediants”, “Dagoll Dagom”, “La Fura
dels Baus”- todos da Catalunha- se mantém em atividade
centrando na produção de grandes espetáculos concebidos
para eventos especiais e turnês internacionais.
Experiências associativas
Por último, destacam este panorama as iniciativas
associativas e de criação de redes que nesta década
realizaram alguns coletivos de teatro, dança e teatro infantil.
A Coordenadoria de Salas Alternativas, uma associação
pública formada em 1992, a partir de 2003 se transforma
na Rede de Teatros Alternativos, que agrupa 35 salas
de 12 Comunidades Autônomas da Espanha e foca sua
atividade em duas áreas: circulação de obras de companhias
independentes em salas que sejam ou não associados
da Rede, que se materializou em sete edições de um
circuito anual de turnês de espetáculos de teatro, dança e
performances e espetáculos infantis. E na celebração anual
de um encontro sobre criação cênica.
Os coreógrafos e companhias de dança contemporânea
foram criando uma série de centros e associações de
encontro, além de redes de circulação próprias, como La
“Portae L’Animal a l’esquena” (Barcelona). “Arteleku”,
“Azala” y “Mugatxoan” (País Vasco), ou o arquivo virtual
de artes cênicas ARTEA, que também funciona como
uma rede, conseguindo apoios institucionais e projetos de
pesquisa, a residências artísticas, co-produções e turnês
em diversos centros (“La Fundição”, em Bilbao; “La Casa
encendida”, em Madrid; “La Laboral”, em Gijón; o centro
“Párraga”, em Murcia).
No âmbito das expressões cênicas para crianças, a
“Asociación Te Veo,” criada em 1992, que reúne a 40
companhias de quase todas as Comunidades Autônomas da
Espanha, além de organizar um festival internacional anual e
debates com representantes de países convidados, encontros
de reflexão e também publicações, desde 2004 impulsionou
e ajudou a difundir um “Protocolo” ou manifesto para
conseguir melhores condições de trabalhos para atender
a este público, seja em lugares públicos ou privados e para
enfrentar a competição selvagem que foi objeto este setor
das artes cênicas.
Animales nocturnos, de Juan Mayorga
2º semestre • 2010 • 49
Um panorama do teatro em Portugal
O teatro em Portugal é dominado por uma geração
de artistas que ganhou os palcos mais ou menos entre
1967 e 1973, e que foi consagrada nos anos seguintes,
quando se deu o 25 de Abril e a mudança de regime,
mais ou menos até 1979. É um período de cerca de
12 anos, que vai do final dos anos sessenta ao início
dos oitenta. São criados o Teatro da Cornucópia,
o Teatro Aberto, A Comuna, A Barraca, o Teatro de
Almada, O Bando, em Lisboa, alguns então com outro
nome, e a Seiva Trupe, no Porto (onde já havia o Teatro
Experimental do Porto, de António Pedro). Os nomes
dos encenadores (a maioria também atores) são Luís
Miguel Cintra, Jorge Silva Melo, João Lourenço, João
Mota, Maria do Céu Guerra, Hélder Costa, Joaquim
Benite, João Brites, António Reis, Júlio Cardoso. Depois
disso vêm Ricardo Pais, Filipe La Féria, Mário Viegas (já
falecido). Estes são os intocáveis, a quem se opõem as
gerações mais novas.
Quais os momentos mais relevantes do teatro
português nos últimos anos?
Estreada este ano no Festival de Teatro de Almada
(Julho), “Dança da Morte/Danza de la Muerte”, a coDança da
Morte/Danza
de la Muerte,
a co-produção
do Teatro da
Cornucópia com
a companhia
espanhola Nao
d’Amores
50 • Camarim • nº 45
produção do Teatro da Cornucópia com a companhia
espanhola Nao d’Amores, a partir de textos dos séculos
XIV a XVI, com Luis Miguel Cintra no principal papel
e encenação de Ana Zamora, promete reverberar na
memória dos espectadores. Em 2009, o espectáculo
mais importante terá sido “Esta noite improvisa-se”, de
Pirandello, na encenação de Jorge Silva Melo para os
Artistas Unidos e o Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa
(actualmente sob a direcção de Diogo Infante, estrela do
teatro, cinema e televisão em Portugal). Nuno Cardoso
levou ao expoente o seu talento policromático com uma
montagem de “Platonov” (2008), no Teatro Nacional de
São João, no Porto, durante o mandato de Ricardo Pais.
“Turismo Infinito” (2007), a partir de Fernando Pessoa,
também no TNSJ, marcou o regresso do próprio Ricardo
Pais ao vigor da sua estética teatral sem drama. “Todos
os que caem” (2006), de Beckett, uma encenação
de João Mota para o Teatro da Comuna, de Lisboa,
com Maria do Céu Guerra (da Barraca) e Carlos Paulo,
mostrou o talvez seja o canto do cisne de alguns dos
mais importantes artistas de teatro portugueses. Pelo
contrário, os chamados grupos da descentralização, as
companhias municipais de Viana, Braga, Coimbra, Évora,
entre outras, foram desbaratando o capital de esperança
que acumularam no início da sua actividade.
Luis Santos
Por Jorge Louraço Figueira
O Bando e o Teatro Meridional, em Lisboa, o Teatro
de Marionetas do Porto e o Circolando, no Porto,
mantiveram sempre o nível de excelência artística que
justifica o financiamento público (por um, dois ou quatro
anos, conforme os casos). São estas as companhias
que conseguiram uma síntese mais feliz entre referências
e contexto portugueses, mas nada provincianos, e
uma linguagem artística própria. Por alguma razão são
também das mais internacionais. Além disso, estes
grupos preparam o seu trabalho para que possa sair
em digressão pelo país e pelo estrangeiro. O Teatro
Meridional teve grande sucesso com os ciclos de
programação Contos em Viagem (dedicado a cada um
dos países da lusofonia) e Províncias (dedicado às várias
regiões de Portugal, de que fazem parte os premiados
espectáculos “Para Além do Tejo” e “Por Detrás dos
Montes”). Tratam-se normalmente de espectáculos para
todos, com mais ênfase nos aspectos visuais e sonoros,
ou às vezes na expressão lírica e narrativa, do que na ação
dramática. Outra companhia de digressão, o Peripécia,
grupo luso-espanhol sedeado em Trás-os-Montes, tem
apresentado espectáculos de teatro de clown por todo
o país com grande sucesso. O Teatro Regional da Serra
do Montemuro, sedeado numa aldeia do interior, que
apresentou várias peças sobre a convivência entre raízes
locais e caminhos cosmopolitas, em Portugal, parece
ter perdido algum do fulgor inicial, mas mantém-se em
actividade regular. Grupos mais novos como os Primeiros
Sintomas (com encenações de Bruno Bravo e de Gonçalo
Amorim, e peças de Miguel Castro Caldas, entre outros)
e o Teatro Praga (com encenações e criações colectivas
onde pontificam Pedro Penim, André e. Teodósio e José
Maria Vieira Mendes) são a face mais urbana, ou lisboeta,
do movimento teatral.
Zona Mista
Teatro e dança continuam sistemas separados, com
públicos distintos e artistas diferentes. Pegando nas
respectivas listas dos dez melhores na dança e no teatro
em 2009, por exemplo, dificilmente algum espectáculo
poderia trocar de lista. Além do mais, a dimensão é
incomparável. A diferença entre o teatro e a dança é tão
grande que o Ministério da Cultura atribuiu, no final da
década (para os anos 2009 a 2012), nos apoios agora
chamados “diretos”, cerca de onze milhões e meio de
euros para 80 entidades no teatro, e cerca de dois milhões
para 25 entidades na dança, isto é, seis vezes mais
dinheiro para três vezes mais entidades. Apesar disso,
alguns dos projectos mais interessantes dos últimos anos
deram-se no cruzamento das duas artes, em especial
depois das duas edições do curso de encenação para
teatro promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian
e dado pelo grupo britânico Third Angel (por sua vez
algo devedor da influência de grupos mais antigos
como o Forced Entertainment). Pedro Gil (“Mona Lisa
Show”) e Victor Hugo Pontes (“Ensaio”) são criadores
multidisciplinares que têm produzido obras singulares,
nem dramáticas nem coreográficas, muito apreciadas
pela crítica e pelo público. Alguns desses artistas, todos
trabalhando numa zona mista entre teatro, dança e
performance, têm uma carreira internacional em nome
próprio, colaborando com companhias, teatros e festivais
estrangeiros: Vera Mantero, João Fiadeiro, Patrícia Portela
(com a trilogia “Flatland”), Tiago Rodrigues (colaborador
regular do celebrado grupo belga STAN), João Garcia
Miguel (“Burger King Lear”) e Paulo Castro (“B-File”).
No que diz respeito aos festivais, há que destacar
a importância das quatro edições do PONTI, no Porto
(entre 1997, 1999, 2001 e 2004) e das duas do Alkantara,
em Lisboa (2008 e 2010), mas sobretudo dos mais
antigos Festival de Almada e FITEI. Em Almada tem sido
dado a conhecer muito do teatro feito em francês, mas
também de países da América do Sul, nomeadamente
em colaboração com o Festival de Teatro IberoAmericano de Cádiz. No FITEI, no Porto, tradicionalmente
a porta de entrada do teatro brasileiro em Portugal, têm
sido apresentadas recentemente algumas experiências
teatrais mais inovadoras de grupos da cidade, em
especial pelo grupo portuens Visões Úteis, com as
simulações de uma viagem de táxi pela periferia da
cidade (“O Resto do Mundo”, a partir de Conrad, em
2º semestre • 2010 • 51
Paulo Pimenta
2004 - Figurantes;
de Jacinto Lucas
Pires, encenação
de Ricardo Pais,
pelo TNSJ (Teatro
Nacional de São
João - Porto)
2007) e uma reunião político-administrativa num hotel
(“A Comissão”, com texto original e verbatim, em 2010).
O Citemor, em Montemor-o-Velho, tem mostrado boa
parte da produção dita contemporânea, em Portugal e
em Espanha, cabendo-lhe as estreias em Portugal de
Rodrigo Garcia ou Angelica Lidell, de 2000 para cá, e a
apresentação de trabalhos de Lúcia Sigalho ou do Teatro
da Garagem, que foram de vanguarda na Lisboa dos
anos noventa.
Mais a Norte
No Porto, as mais recentes fornadas da ESMAE estão
instaladas numa fábrica abandonada cedida pela escola,
organizadas em pequenos grupos cuja expressão
poderá ser maior no futuro, mas já promete. “Buckett” e
”Armadilha para Condóminos”, encenações de Ricardo
Alves, do Teatro da Palmilha Dentada, e “Segundo
Segundo”, do Mau Artista, encenação de Rodrigo
Santos, são os melhores exemplos de um movimento
independentista, diria, apoiado na programação regular
de um café-teatro, a Tertúlia Castelense, que lhes garantiu
um público fiel e que foi profissionalizando alguns alunos.
No primeiro semestre de 2010, vários destes colectivos
recém-formados ocuparam temporariamente uma sala
estúdio, o Teatro Latino, onde apresentaram as últimas
produções, marcadas por um cepticismo crescente, e
sem conseguir o boom esperado. A ver.
As companhias fundadas em 1995-1997 no Porto,
52 • Camarim • nº 45
As Boas, o Visões, o Bruto, o Plástico, cujos membros
hoje têm à volta de quarenta anos, e a Assédio, o
Bolhão, o Ensemble, mais velhos (descendentes do
TEP e da Seiva Trupe), parecem ter ficado algo inertes,
com espectáculos quase sempre insatisfatórios. Apesar
disso, no Estúdio Zero, encenações de Rogério de
Carvalho, João Pedro Vaz e Cristina Carvalhal foram
boas propostas, ainda que, por vezes, demasiado
clandestinas. Os Visões têm expandido a sua
intervenção além da criação teatral, como referi. Cartas
fora do baralho, o Artimagem e a Panmixia, além de
espectáculos para crianças, têm apresentado também
textos originais, para todos, garantindo a criação
dramatúrgica de Fernando Moreira e José Carretas.
Paulo Castro, enfant terrible do teatro do Porto dos anos
noventa, trabalha hoje entre Lisboa, Berlim e Melbourne,
com sucesso no circuito alternativo. Nuno Cardoso,
primeiro ligado aos Visões Úteis e depois ao Teatro
Nacional São João, é hoje um dos encenadores mais
destacados em Portugal, trabalhando com vários teatros.
“Jardim Zoológico de Cristal”, de Tennessee Williams, foi
um dos espectáculos mais bem recebidos de 2009.
Não alimente os autores
No campo da dramaturgia, de resto, nem os teatros
nacionais, nem as companhias, nem os encenadores
-- nem os dramaturgos, hélas! -- parecem ter algum tipo
de política, estratégia ou interesse comum; ao mesmo
tempo, a fragilidade da tradição de literatura dramática faz
com que os trabalhos apresentados sejam incipientes,
comparados com outras dramaturgias europeias. Ainda
assim, os Artistas Unidos, de Jorge Silva Melo (encenador
a quem se devem as duas principais colecções de
textos teatrais dos últimos quarenta anos), têm sido os
grandes divulgadores da dramaturgia estrangeira, e os
promotores de dramaturgos portugueses, entre os quais
se destaca, de longe, Zé Maria Vieira Mendes, autor de,
entre outros textos, A Minha Mulher, prémio António José
da Silva 2007, e actual membro do Teatro Praga. Nas
palavras de Rita Martins, crítica do Público, os AU são
“um colectivo que reuniu actores de exceção e levou
a nova dramaturgia europeia para a cena, alargando o
horizonte teatral português”, que merecem destaque
nos últimos dez anos “pela actividade artística, editorial
e de divulgação do texto contemporâneo”. De facto, a
colecção Livrinhos de Teatro e a Revista dos Artistas
Unidos são fundamentais para o teatro em Portugal.
Instalados entre 2000 e 2002 no edifício abandonado de
um antigo jornal no coração do Bairro Alto, em Lisboa
(de onde foram expulsos pela autarquia por alegadas
questões de segurança), os AUs foram responsáveis por
uma pequena revolução nos modos de produção teatral
e pelo acolhimento e formação de uma mão-cheia de
autores, encenadores e actores que constituem hoje boa
parte da massa crítica teatral portuguesa.
Anos Zero
A preponderância dos programadores é outro dos
fatos relevantes dos últimos anos. Com a construção e/
ou remodelação de teatros e/ou centros culturais em
Lisboa, no Porto e nas capitais de distrito, e com as
respectivas transferências de fundos, estes intelectuais
(raramente artistas) ditam as regras do jogo. Os mais
interessantes são Mark Deputter, primeiro no festival
Alkantara e agora no Teatro Maria Matos, que, segundo
Rita Martins, «ancorado no presente, possibilitou a
apresentação de diferentes tendências das artes
performativas», com grande «dimensão auto-reflexiva e
formal, mas também interventiva e política»; e Francisco
Frazão, na Culturgest, destacando-se pela «coerência da
programação, que privilegiou o teatro de investigação,
nacional e estrangeiro».
Os adiamentos, cancelamentos e alterações dos
programas de apoio do Ministério da Cultura fazem
da relação direta entre criadores e Estado uma roleta
russa. O interesse do Estado em investir, através da
administração central e local, em teatros e centros
culturais que concentrem as decisões e o financiamento
às artes do espectáculo parece ser o (mau) caminho
para uma maior institucionalização da criação artística. As
companhias independentes e os novos criadores viverão
num sufoco, enquanto os teatros e centros culturais
concentrarão os meios. Exemplo disto é o reforço
institucional do TNSJ (que concentra três espaços: São
João, Teatro Carlos Alberto, Mosteiros de São Bento da
Vitória; actualmente sob a direcção do encenador Nuno
Carinhas). O lugar de director será disputado de acordo
com simpatias políticas e propaganda eleitoral, como
mostraram o desgoverno do Teatro Nacional Dona Maria
II nos últimos anos, aparentemente ultrapassado (os
dados mais recentes indicam a duplicação do número
de espectadores em 2009).
Os Teatros Nacionais parecem servir a maioria
das vezes para mostrar espectáculos pomposos mas
inconsequentes. Por outro lado, o teatro comercial,
composto por comédias com actores de televisão ou por
musicais, está cada vez mais forte. O caso emblemático
é o do Rivoli, no Porto, um teatro municipal, remodelado
em 1997, onde durante quatro anos se apresentaram as
principais companhias de teatro e dança da Europa, e
que dispunha ainda de um pequeno auditório para as
companhias locais. Em meados dos anos 2000, com a
mudança de poder autárquico, foi cedido ao empresário
e encenador Filipe la Féria, cujos maiores sucessos são
as versões em português de musicais como Jesus Cristo
Superstar ou Música no Coração.
Quanto aos restantes teatros, são normalmente
dirigidos por administradores cinzentos ou
programadores de cores berrantes, sem que haja tempo
e espaço para a criação artística, nem para carreiras
decentes. Uma rede de teatros nas mãos de funcionários
municipais medíocres e directores sem pensamento
viabiliza um teatro de aparências sem efectiva
mobilização do público, e dependente do estrelado
televisivo. Pior do que isso, o jargão da economia, mal
falado, invadiu o universo da criação artística. A defesa da
criação de indústrias culturais, sem compreender de que
se trata, é um lugar-comum dos agentes governamentais
e autárquicos, confundindo arte e cultura com consumo
e turismo. O Estado não só diminuiu o seu investimento,
como se desresponsabilizou, limitando a sua intervenção
ao financiamento da atividade. Hoje em dia não tem
o mínimo controle da efetivação dos apoios, por não
ter critérios de avaliação, o que faz parte dessa ideia
de mercado das artes. Ironicamente, a aposta mais
desinteressada dessa lógica parola do lucro e o lugar
onde as propostas mais estimulantes dos últimos anos,
nacionais e estrangeiras, são apresentadas regularmente
é a referida Culturgest, do grupo Caixa Geral de
Depósitos, um banco público, ainda assim.
2º semestre • 2010 • 53
SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA E CARACTERIZAÇÃO DO TEATRO ANGOLANO
O teatro em Angola:
um pouco de história
Hotel Komarca –
Henrique Artes
Por José Mena Abrantes
Será sempre redutor falar do Teatro Angolano sem
antes fazer referência a toda uma série de experiências que
introduziram no país essa disciplina artística na acepção em
que é hoje universalmente conhecida.
Em primeiro lugar estão as representações religiosas
feitas nas escolas que, desde os primeiros tempos da
colonização, os missionários cristãos foram espalhando um
pouco por todas as principais localidades.
Tão plausível é a igreja ter tido um papel de relevo na
introdução do teatro em Angola que a única peça de um
autor angolano publicada antes da Independência se inspira
no nascimento de Cristo e que, mesmo na actualidade, a
maioria dos grupos de teatro em Angola ainda surge no seio
de instituições religiosas.
Na sua forma laica, só em meados do século XIX,
concretamente nas duas décadas compreendidas entre 1845
e 1865, se encontram referências sobre um teatro feito em
Luanda por “jovens portugueses da classe do comércio’’.
A estrutura encontrada para a sua produção foi
a de ‘sociedades dramáticas’ e as sessões consistiam
habitualmente de duas peças, uma de características
dramáticas e a outra em estilo de farsa.
Curiosamente, um dos grandes dinamizadores desse teatro
foi o cônsul do Brasil em Angola (Saturnino de Sousa e Oliveira),
que dirigiu e actuou em muitas das récitas dessas sociedades.
54 • Camarim • nº 45
Todos os espectáculos da época eram interpretados
exclusivamente por homens, devendo as senhoras, mesmo
na assistência, ocupar uma galeria a elas especialmente
destinada. A população autóctone, pela própria diferenciação
social imposta pela dominação colonial, não tinha acesso às
salas de teatro.
Cerca de cem anos mais tarde, e apesar de
significativamente alterada a conjuntura social, económica
e política da colónia, a situação mantinha-se na sua essência
praticamente idêntica.
A nível do teatro ‘institucional’, localizado sobretudo
no Teatro Avenida (hoje desaparecido) permanecia o gosto
pela alternância entre o drama e a comédia, embora não
necessariamente associados numa mesma sessão como no
século anterior.
A par de algumas tentativas isoladas de um teatro de
confecção local, o grosso das produções era constituído
pelas revistas musicais, melodramas e ‘boulevards’
importados da metrópole portuguesa.
Só na transição da década de 1960 para 1970 se assiste
à criação de uma empresa de teatro fixada em Angola, a
Companhia Teatral de Angola (CTA), com o fim confessado
de ‘’ser comercial e divertir’’.
Com um elenco exclusivamente branco e um repertório
no mínimo incoerente, a companhia entrou em crise e
extinguiu-se pouco antes da independência do país em 11 de
Novembro de 1975.
Sensivelmente na mesma época (1968) foi constituído o
Clube de Teatro de Angola, com o propósito de ‘’divulgar
o teatro e não só fazer teatro’’. Apesar de ter criado um
‘’órgão executivo de montagens teatrais’’, a sua acção foi
reduzida e limitou-se quase apenas à publicação de um
boletim, aliás de grande qualidade.
O Teatro Angolano: antecedentes
Modernos investigadores, dentro e fora de África, têm
cada vez menos relutância em caracterizar como teatro
certas manifestações artísticas dos povos africanos que
envolvem numa expressão totalizadora o gesto, a mímica, a
dança, o ritmo e o ritual.
De facto, é inegável que existem dramatizações teatrais nas
grandes liturgias e manifestações rituais e mitológicas do passado
e do presente, tanto em Angola como na África em geral.
Embora grande parte delas não façam ainda uma clara
distinção entre o que é ‘representação’ e o que é ‘vivido
litúrgico’, o certo é que as suas formas expressivas, miméticas
e lúdicas cumprem igualmente uma ‘função teatral’.
Deste modo, podemos admitir que tanto essas
manifestações como outras tradições africanas (as recitações
poéticas, os mimos, as narrativas orais, as danças miméticas,
as procissões de máscaras, as marionetas, etc.) fornecem
elementos formais e de conteúdo propícios à eclosão de um
teatro angolano simultaneamente original e de acordo com
as normas universais.
Os primórdios de um tal teatro começam por ser
encontrados em três experiências concretas ocorridas antes da
Independência: a primeira nos bairros suburbanos de Luanda
nos anos 1950/1960 (na acção dos grupos Gexto e Ngongo
e nas dramatizações dos grupos carnavalescos Cidrália,
Kabocomeu e outros), a segunda em bases guerrilheiras
no Leste do país (com o chamado ‘’teatro de pioneiros na
guerrilha’’) e a terceira nas escolas da capital em 1975.
O grupo Gexto (Grupo Experimental de Teatro) foi
criado por volta de 1950 à imagem do grupo brasileiro Teatro
Experimental do Negro, de que Abdias do Nascimento é o
líder e o jornal Quilombo o órgão divulgador.
O grupo cultural músico-teatral Ngongo, por sua vez,
nasceu em Outubro de 1961 na Liga Nacional Africana
(associação cultural que na época servia já para encobrir
actividades nacionalistas) e a sua estreia ocorreu em 1962.
Desapareceu em 1966, apesar de no ano anterior ter sido
considerado em Portugal ‘’o melhor grupo de África’’.
A principal característica deste grupo foi concentrar
no seu seio um grande número de compositores, músicos,
coreógrafos, actores, autores, poetas, declamadores,
dançarinos, vocalistas e arranjadores, o que lhes permitiu
explorar vias originais e desenvolver uma múltipla actividade
nas áreas da música tradicional, da música popular urbana,
do teatro, da dança, da poesia e da declamação.
Alguns anos mais tarde, concretamente em 1972/73, e ao
contrário do Ngongo, que sempre desenvolveu a sua actividade
para um público urbano e suburbano, alguns militantes do
MPLA (ainda hoje o Partido no poder em Angola) tentaram,
com fins pedagógicos, uma experiência de teatro com crianças
nas zonas rurais onde se desenrolava a sua acção guerrilheira.
Estimulados por um mote previamente proposto
pelos professores, quase sempre com fortes implicações
políticas e/ou sociais, os alunos (os ‘’pioneiros’’) eram
levados a improvisar cenas e peças inteiras, que eram
depois apresentadas em vários locais para um público
eminentemente adulto, como base para discussões sobre a
razão e objectivos da luta armada anti-colonial.
Na mesma linha desse teatro político e de intervenção,
há a registar uma experiência de ‘agit-prop’ levada a cabo
por trabalhadores e estudantes mobilizados nas greves
estudantis que marcaram o primeiro semestre de 1975. No
seu âmbito foram realizadas várias acções teatrais para a
população fugida das confrontações militares nos subúrbios e
refugiada nas escolas da capital.
Essas acções, inspiradas em temas da actualidade
imediata, foram determinantes para a compreensão por
amplos sectores da juventude das potencialidades críticas e
interventivas do teatro e contribuíram assim, naturalmente,
para a formação do primeiro grupo teatral da Angola
independente – o grupo Tchinganje.
O Teatro Angolano pós-Independência
O teatro feito em Angola nos primeiros anos da
Independência e até fins dos anos 80 foi irrelevante
como fenómeno cultural. No período apenas estiveram
activos os vários grupos ligados à Secretaria de Estado da
Cultura, como o GAT (Grupo de Amadores de Teatro),
o GIT (Grupo de Instrutores de Teatro) e o GET (Grupo
Experimental de Teatro); o Kapa-Kapa, grupo tutelado pela
UNTA (central sindical) e os dois primeiros grupos que se
podem considerar independentes, o Tchinganje e o Xilenga.
Para além de alguns destes grupos terem uma duração
efémera ou uma produção irregular, as raras representações por
eles efectuadas quase nunca tiveram em devida conta o facto
de o teatro poder ser a síntese artística de qualquer projecto de
transformação das consciências, do gosto estético, dos modos
de comportamento e da comunhão social de um povo.
Por essa razão, o movimento teatral só a partir de fins dos
anos 80 começou por ganhar uma outra expressão, com a
criação do grupo cultural Makote (Os Makotes), da escola 1º
de Maio; do grupo da Faculdade de Medicina; do Horizonte
Njinga Mbande (1986), da escola do mesmo nome; do Oásis
(1988), tutelado na altura pela Anghotel, e do Elinga-Teatro
(1988), herdeiro directo do Tchinganje e do Xilenga.
O seu reconhecimento público foi quase imediato porque
no I Concurso Nacional de Teatro, realizado em 1989 pela
Secretaria de Estado da Cultura em Benguela e no Lobito,
com a participação de 18 grupos de 14 províncias do país,
os três primeiros classificados foram os grupos de Luanda:
Makotes, Oásis e Horizonte Njinga Mbande, por esta
ordem. O Elinga abriu extra-concurso o festival.
Destes quatro só o Makotes desapareceu, dando lugar
ao grupo Enigma, continuando os outros três a estar até hoje
entre os mais activos e conhecidos do país.
Contam-se assim pelos dedos de uma só mão os grupos
que, superando todas as dificuldades resultantes de uma
conjuntura difícil e prolongada no tempo, conseguiram
manter-se em actividade por mais de duas décadas sem nunca
deixarem de apresentar espectáculos, de dinamizar acções de
formação e de buscarem o intercâmbio além-fronteiras.
2º semestre • 2010 • 55
De uma geração posterior sobrevivem até hoje os grupos
Julú (1992), Etu-Lene (1993) e Miragens (1995) e mais
recentemente têm estado a afirmar-se no plano interno e
internacional o Henrique Artes (2000), o Pitabel (2001) e
alguns outros.
Para além destes, o que existe é uma proliferação
desmesurada de pequenos grupos teatrais (mais de 100
só em Luanda e algumas dezenas nas várias capitais
provinciais), quase sempre ligados a igrejas, escolas ou
empresas, sem infra-estruturas, sem meios técnicos e
materiais suficientes e sem formação adequada.
Esses grupos, de inegável entusiasmo e com vontade de
afirmação, aparecem e desaparecem à mesma velocidade
e vão-se inspirando uns nos outros, retratando os mesmos
temas, utilizando as mesmas técnicas e abusando dos
mesmos personagens, num círculo vicioso de difícil ruptura,
uma vez que aparentemente não possuem outros termos
de referência.
As obras raramente possuem uma base textual fixa
e vivem muito da improvisação, têm cenários pouco
elaborados ou nem sequer os utilizam, não atendem às
convenções mínimas de tempo e espaço teatrais, não
fazem recurso à iluminação ou à sonoplastia nem a outros
procedimentos que podem enriquecer a cena, etc.
Os resultados, portanto, quase sempre se ficam pelas
boas intenções, porque curiosamente parece haver da parte
da maioria dos grupos (talvez por influência das instituições
religiosas a que estão ligados), uma preocupação sincera
com a defesa dos valores morais e dos laços familiares; com
o combate à delinquência juvenil, à violência doméstica, à
droga e outros vícios e males sociais; com o alerta em relação
aos perigos do sexo não protegido, desde a gravidez precoce
à contracção do HIV/SIDA; com a denúncia de situações
de injustiça, de manipulação da boa fé ou ignorância das
populações ou do aproveitamento oportunista de certas
tradições para proveito próprio, como no caso das alegadas
‘crianças feiticeiras’, etc.
Qualquer destes temas, obviamente, é susceptível de
um tratamento dramático superior, mas normalmente as
obras ficam-se pela superficialidade e artificialismo das
situações e dos diálogos, sem uma construção que explore
a complexidade dos problemas abordados ou que realmente
desperte para eles a consciência activa dos espectadores.
Por todas estas razões, é lógico concluir que o que
começa por fazer falta é uma atenção cuidada por parte do
Estado e das suas instituições à formação a todos os níveis,
tanto geral como especializada, aproveitando o entusiasmo
e a dedicação de uma enorme franja da juventude que vê no
teatro uma forma de contribuir para a transformação das
mentalidades e para a construção de uma sociedade melhor
para todos.
56 • Camarim • nº 45
A nível oficial, o organismo regente da Cultura em
Angola subsidiou generosamente durante os primeiros anos
da Independência a existência de um grupo experimental
de teatro, que seria o embrião da uma futura companhia
nacional de teatro, que nunca chegou a ver a luz do dia.
Ao longo dos anos, de forma intermitente e sem
qualquer continuidade, recorreu a monitores estrangeiros
(em especial brasileiros e cubanos) para formar quadros para
esse sector, sem que estes, até onde é possível vislumbrar,
tenham utilizado os conhecimentos eventualmente
adquiridos para dinamizar o teatro no país.
Actualmente, o Ministério da Cultura mantém activo
um Instituto de Formação Artística, onde, entre outras
disciplinas artísticas, é leccionado um curso de teatro a nível
médio, sem grande frequência nem projecção.
Por essa razão, para resolverem os seus problemas, os
grupos em actividade vão aprendendo teatro enquanto o
fazem, aproveitando o maior ou menor conhecimento dos
seus mentores ou beneficiando, ocasionalmente, de uma
deslocação ao exterior ou de um estágio orientado por
alguém mais informado de passagem por estas paragens.
A conclusão que se impõe é a de que o teatro angolano,
35 anos depois da Independência, continua a ser com
raras excepções um teatro de feição amadorística na sua
concepção e representação, de temática repetitiva e pouco
original, que ignora a sua própria tradição, não faz recurso às
imensas potencialidades expressivas das várias manifestações
culturais do país e nem dispõe de estruturas físicas, materiais
ou financeiras que o suportem.
Para o demonstrar basta talvez afirmar que em Luanda,
cidade que se considera ter já mais de 4 ou 5 milhões de
habitantes, não existe uma única sala exclusivamente
vocacionada para o teatro nem uma única companhia que
se possa realmente caracterizar como profissional, com
estrutura técnico-administrativa funcional e com espaço
próprio e repertório regular.
Alguns grupos, pelo menos de acordo com declarações
dos seus responsáveis, já conseguem sobreviver com as
receitas dos seus espectáculos, mas a grande maioria ainda
depende completamente da generosidade de patronos e
amigos do teatro, uma vez que continua sem entrar em vigor
uma há muito prometida Lei do Mecenato.
E, no entanto, algo se move, como terá dito Galileu
referindo-se ao nosso planeta. Sem directores, actores
e técnicos formados, com reduzidíssimos espaços de
representação, praticamente sem apoios públicos ou privados,
o Teatro Angolano apesar de tudo existe (milagrosamente
existe!) e procura manter a vitalidade possível num contexto
de tantos contratempos e dificuldades.
Luanda, Março de 2010
Cooperativa no mapa
Por Luiz Amorim e Ney Piacentini
Luiz Andre Cherubini
No primeiro semestre de 2010 se concretizou uma idéia para lançar de vez o teatro produzido pelos núcleos e
companhias de São Paulo no mundo. Foi constituído o Centro Brasil do Instituo Internacional de Teatro – ITI – ligado
à UNESCO. Trata-se de uma instituição com tentáculos em todo o planeta, tendo como membros países dos cinco
continentes que discute distintos pontos da área das artes cênicas. O ITI/UNESCO promove encontros, debates,
intercâmbios e é responsável pela criação do Dia Mundial do Teatro (World Theatre Day - 27 de março ) e do Dia Mundial
da Dança (29 de Abril), além de várias atividades sociais, em países carentes - principalmente do continente africano.
Em alguns países a prioridade são as publicações, em outros o pensamento teatral, ou a organização e a
profissionalização do teatro. No Brasil a intenção é dar vazão a formação de platéias para o teatro e a interface com outros
países, priorizando, inicialmente, a América Latina e a África, pelos laços culturais e por razões econômicas e sociais.
A primeira atividade a ser realizada em São Paulo será encontro Latino-Americano com representantes dos
Centros de países vizinhos, como um mapeamento das bases do Instituto latino, levando em conta também as
experiências dos encontros que a Cooperativa vem promovendo dentro das Mostras de Teatro de Grupo.
O ITI dispões de vários Comitês Internacionais de discussão e promoção de projetos, e a Cooperativa e o Centro
Brasil estão vinculados ao CIDC – Comitê de Identidade e Desenvolvimento Cultural que trabalha com a diversidade
de Expressões Culturais, e do Espaço Teatro Mediterrâneo-América Latina.
A produção teatral brasileira, principalmente a dos grupos e companhias, já está madura o suficiente para ir além das fronteiras
nacionais. Muitos grupos já viajam, mas de forma isolada e intermitente. O ITI Brasil pode contribuir para uma internacionalização
contínua e conseqüente em duas vias. Proporcionar o aprimoramento do teatro no Brasil pelo contato com as vanguardas
internacionais e o espalhamento da evolução do teatro nacional a outros países ainda em estágio anterior ao nosso.
Em termos estatutários o o Centro ITI/Brasil, tem como objetivos:
Beckett –
Sobrevento
I - divulgar e representar, no território nacional, o Instituto
Internacional de Teatro (ITI), organização ligada à UNESCO;
II - difundir os objetivos da UNESCO, de paz e
compreensão mútua, buscando os princípios de
Proteção e Promoção da Diversidade de Expressões
Culturais;
III – atender e aplicar o Estatuto do Instituto
Internacional de Teatro (ITI) e seus valores fundamentais,
como a inspiração, a inclusão, a colaboração e a
transparência;
IV - Promover a difusão e divulgação nacional e
internacional das Artes Cênicas;
V - Apoiar os profissionais relacionados às artes
cênicas, proporcionando intercâmbios e colaborações
com instituições e entidades do setor público e privado, de ordem nacional, internacional, regional ou local em
todos os temas relativos às Artes Cênicas e seu desenvolvimento;
VI - Contribuir com a ampliação e consolidação das Artes Cênicas e apoio às iniciativas que tenham estes
mesmos objetivos em todo o mundo;
VII - Estimular o intercâmbio de obras ou pessoas, e a participação ativa em festivais, congressos,
encontros e conferências nacionais e internacionais; e
VIII - Cooperar com instituições ou personalidades interessadas nas Artes Cênicas e na sua difusão por
meio de oficinas, cursos, seminários e publicações, inclusive com a Cooperativa Paulista de Teatro, sociedade
que disponibilizou meios e estrutura para a constituição da presente Associação.
Parágrafo único: Para cumprir suas finalidades sociais, o CENTRO BRASIL ITI/UNESCO se organizará em
tantas unidades quantas se fizerem necessárias, em todo o território nacional, as quais funcionarão mediante
delegação expressa da matriz, e se regerão pelas disposições contidas neste estatuto e, ainda, por um
regimento interno aprovado pela Assembléia Geral.
2º semestre • 2010 • 57
DIRETORIA:
Presidente Vice-presidente Tesoureiro Vice-Tesoureira Secretária Vice-Secretário Ney Piacentini ([email protected])
Cenne Gots ([email protected])
Aiman Hammoud ([email protected])
Theodora Ribeiro ([email protected])
Maysa Lepique ([email protected])
Osvaldo Pinheiro ([email protected])
CONSELHO FISCAL:
Emerson Natividade Hugo Oscar
Melina Menghini [email protected]
Eduardo Za
Murilo Borges
Willams Aris
FUNCIONÁRIOS:
Gerente Administrativo Assistente de Diretoria Coordenador Administrativo Supervisora de Setor Encarregados Setores Controle/Desenvolvimento
Financeiro Atendimento/Recepção Prestação de Contas Cadastro/Banco de Dados Gestão de Cooperados Assistente Administrativo Jurídico
Estagiários Jurídico Tributos
Centro de Custo Compras/Estoque Serviços administrativos
Copa e Limpeza Webmaster Assessoria de Imprensa Ouvidoria
Edson Keniti Matushita ([email protected])
Neanddra Silva Lopes ([email protected])
Cicero Mendes Pereira ([email protected])
Rosana de Oliveira Maciel
Eliana Albeiri Silva, Vânia Maria Longuinho de Souza, Wladimir dos Santos Baptista
Thiago Henrique Seixas Olimpio, Tatiane Aragão de Andrade
Ederson Olimpio Kishimoto
Jose Davi Souza Rafael
Luciana Cyntia de Campos Macário, Paula Fernanda Gomides Casagrande
Andrea Veneziani, Paula Barros de Oliveira, Maria Helia de Aguiar Gomes,
Elienai Lopes de Moraes, Paulo Rodrigo Brante Vilches, Diego Geraldo Nunes
Deborah Passarella Gaya, Diego Costa Soares, Maira Faia Miranda,
Cristina Gomes da Silva, Felissa Macedo de Freitas
Flavia Lais Ferreira dos Santos, Michele dos Santos Beltran, Priscila Pamela da Silva
Alessandra Pereira Lopes ([email protected])
Lidiane de Oliveira Sovires, Angélica Yukimi Noda, Agnes Aparecida Yoshimura
Lariane Martins de Andrade, Priscila Mendes de Sá, Flavia Souto da Silva
Miriam Jaqueline Paolombo
Karina de Oliveira Minetto, Wellington Hoffmann Vittor Vinicius Marcassa de Vitto ([email protected])
Cristiane Isabel Figueiredo, Daniela Guadalupe Cardoso Alves
Makoto Nishimoto ([email protected])
Fernanda Cristina de Araujo ([email protected])
Mara Regina Jose de Souza ([email protected])
Mauricio Hiroshi Kanashiro, Luis Guilherme Floro dos Santos
Filipe Caue Freitas, Jefferson Roberto Ferreira, Douglas Carvalho
Angela Maria Agostinho, Maria Lira de Jesus
Fabiano Antonio Moreira ([email protected])
Alessandra de Assis Perrechil ([email protected])
Luiz Antonio Dias de Amorim ([email protected])
DEPARTAMENTO CONTABIL
Service Keep Ass.Cons.Contabil /
Almeida & Costa Ass.Cons.Contabil ([email protected])
Hitoshi Nizhimoto, Gerisvaldo Dias da Costa e Jose Magnaldo de Oliveira
DEPARTAMENTO JURÍDICO:
Advogados 58 • Camarim • nº 45
([email protected])
Martha Macruz de Sá, Alvaro Paez Junqueira
2º semestre • 2010 • 59
60 • Camarim • nº 45