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Transcrição

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Um dia chuvoso no Samba da Vela e uma
contação de histórias e músicas de sambistas
antigos foi o primeiro passo para esta pesquisa. Em
seguida, o Prêmio Pesquisador 2008 do Centro
Cultural São Paulo. Por fim, a generosidade de
todos os entrevistados e colaboradores nestes dois
anos.
Este livro não é uma reflexão feita por um
terceiro sobre as impressões acerca da tradição do
samba paulistano, mas um porta-voz dos próprios
sambistas trazendo suas experiências e memórias.
Trata-se do ponto de vista de pessoas que viveram e
vivem o samba e o carnaval de São Paulo. A partir
destas histórias, o leitor é convidado a fazer a sua
própria interpretação dos fatos que às vezes se
complementam, se contradizem, se anulam, ou
simplesmente, se mostram. Memória, tradição e
samba da Terra da Garoa.
Carlos Antonio Moreira Gomes
Realização
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
Carlos Antonio Moreira
Gomes nasceu em 1979, em
Araruama – RJ. Mora em São
Paulo na região do M’ Boi Mirim
desde 1980. É ator formado pela
UNICAMP
–
Universidade
Estadual de Campinas. Junto aos
trabalhos de teatro de rua com o
Grupo do Santo (1998-2005) em
Campinas, investigou a cultura
popular e se aproximou do samba.
Em 2006, por meio do Programa
VAI – Valorização das Iniciativas
Culturais
fundou
o
grupo
Band’doido, com jovens da M’Boi
Mirim. Este grupo investigava o
teatro e o samba. Criaram o
espetáculo “Não É Contar Piada” e
também a Roda de Samba Cênica
“É Brasileiro, Já Passou de
Português!” Atuaram juntos até
2010.
Um
Batuque Memorável
no Samba Paulistano
Carlos Antonio Moreira Gomes
Este trabalho me fez lembrar
de um comentário do Paulinho da
Viola, durante uma entrevista
nos Estúdios da USP FM, em que
ele disse que nós paulistas,
tínhamos a obrigação de registrar
por
todos
os
meios
de
comunicação, a riqueza do Samba
Paulista, seguindo o exemplo do
Rio de Janeiro, que bem ou mal
vinha lançando mais filmes e
livros. De algum tempo prá cá,
vários filmes e livros tem sido
lançados cumprindo a função de
inserir, ainda que timidamente, o
Samba nas programações oficiais
da cidade, não somente em datas
oficiais, mas durante todo o ano.
Paralelamente, inúmeras são as
escolas do ensino fundamental,
até
as
universidades
que,
reconhecendo o valor cultural do
Samba, têm colocado seus alunos
à campo e em grupos para
estudar a sua origem e seus
personagens através da história e
do papel que o mesmo representa
cultural e socialmente. É o Samba
a expressão maior da nossa
Cultura Popular que
já não
agoniza mais, mas conquistou seu
espaço. Parafraseando o Mestre e
defensor do Samba Plínio Marcos:
"Um povo que não ama suas
expressões
culturais
mais
autênticas, jamais será um povo
livre".
E Viva O Samba!
Moisés da Rocha
"O Samba Pede Passagem"
Um Batuque Memorável No Samba Paulistano
Carlos Antonio Moreira Gomes
Concepção, Pesquisa e Entrevistas
Carlos Antonio Moreira Gomes
[email protected]
Capa
Luís Otávio Baron
Revisão
Celina de Castro
Cíntia Moreira Gomes
Thaís Queiroz
Wanderley Moreira dos Santos
Projeto Gráfico e Diagramação
Carlos Antonio Moreira Gomes
Cíntia Moreira Gomes
Luís Otávio Baron
Impressão e Acabamento
Gráfica Crisan
fone (11) 5511-0555
1a. Edição: Maio de 2010.
todos os direitos reservados ao
Centro Cultural São Paulo
Rua Vergueiro, 1000
Paraíso/ São Paulo - SP
CEP 01504-000
tel: (11) 3397-4044
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Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
Ia uê ererê aio gombê
Com licença do curiandamba,
Com licença do curiacuca,
Com licença do sinhô moço,
Com licença do dono de terá.
(Canto 1, O Canto dos Escravos, Memória Eldorado)
“A escrita é uma coisa, e o saber, outra. A escrita é a fotografia do saber,
mas não o saber em si. O saber é uma luz que existe no homem. A herança
de tudo aquilo que nossos ancestrais vieram a conhecer e que se encontra
latente em tudo o que nos transmitiram, assim como o baobá já existe em
potencial em sua semente.”
(Tieno Bokar, In. A Tradição Viva, de A. Hampatê Ba. História Geral da África)
“Hoje cada um de nós é como o ponto singular de um holograma que, em
certa medida, contém todo o planetário que o contém.” (Edgar Morin)
A cultura popular tem raízes na terra em que se vive, simboliza o homem
e seu entorno, encarna a vontade de enfrentar o futuro sem romper com o
lugar, e de ali obter com a continuidade, através da mudança. Seu quadro e
seu limite são as relações profundas que se estabelecem entre o homem e o
seu meio, mas seu alcance é o mundo.
(Milton Santos, A Natureza do Espaço, pág. 327)
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Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
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Dedicatória ........................................................................................ 07
Prefácio ............................................................................................. 09
Apresentação .................................................................................... 11
Introdução ......................................................................................... 13
Entrevistas ......................................................................................... 19
Sebastião Lemos ................................................................... 21
Zé Maria .............................................................................. 24
Marco Antonio ..................................................................... 38
Francisco Martins ................................................................. 45
Seu Miguel da Contemporânea ........................................... 47
Mestre Tadeu ....................................................................... 51
Toniquinho Batuqueiro ......................................................... 57
Dona Vera e Seu Arnaldo ..................................................... 65
Mestre Divino ....................................................................... 76
Valdir Cachoeira ................................................................... 85
Fernando Penteado .............................................................. 89
Manézinho ......................................................................... 102
Zulu .................................................................................... 111
Mercadoria ........................................................................ 125
Landão ............................................................................... 134
Mestre Gabi ....................................................................... 141
Seu Carlão .......................................................................... 148
Dona Romilda .................................................................... 156
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Albertino ........................................................................... 167
Valdir Cachoeira ............................................................... 174
Toninho Casa Verde ........................................................ 180
Bernadete ......................................................................... 183
Homenagem .................................................................................. 186
Mário Preto ...................................................................... 188
Fontes de Pesquisa ....................................................................... 189
Desdobramentos Batuque Memorável ........................................ 192
Acervo Fotográfico ........................................................................ 196
Espaços do Samba ........................................................................ 207
Agradecimentos ............................................................................. 211
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Há alguns anos me aproximei desta instituição apenas para
ensaiar em seu espaço junto ao grupo de pesquisa de teatro e samba
Band’doido. Aos poucos fui conhecendo os projetos e sonhos das
pessoas que idealizaram as atuações do Bloco do Beco na
comunidade do Jardim Ibirapuera, que tem como
principal articulador Luiz Claudio de Souza.
Nesses quatro anos de proximidade, minha admiração e
respeito só cresceram pela história destas pessoas e desta instituição
que anualmente põe na rua um cortejo carnavalesco, desde sua
fundação, transformando o cotidiano de tantas famílias, não só no
Carnaval, mas durante todo o ano, servindo de ponte entre a
comunidade e a expressão artística. É um trabalho insistente de
produzir e realizar sonhos desses guerreiros do Bloco do Beco
que generosamente investiram na publicação deste livro.
E é a eles que dedico esta obra e também a tantos
sambistas anônimos e tantos nomes merecedores de terem seus
depoimentos registrados, por dedicarem suas vidas ao samba
paulistano, dando exemplos de coragem
e trazendo alegria ao nosso cotidiano.
A vocês meu carinho e respeito!
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Quando se vê toda a alegria difusa na figura estereotipada do
“malandro” sambista, ninguém sabe o sacrifício e as dificuldades que
ele passa para realizar seu sonho no carnaval que a todos fascina.
Ao buscarmos na fonte a sua história de vida, seja nos folguedos populares ou na escola de samba, na sua “verdade” vem também
muita imaginação, mas o importante é o registro desta memória tão esquecida, perdida e ignorada pelos poderes públicos em nosso estado.
É muito fácil o acesso as biografias de: Dorival Caymmi, Lupicínio
Rodrigues ou Noel Rosa, mas de um paulista? Como Vassourinha (19231942), Henricão (1908-1985) ou Vadico (1910-1962) que completaria o
centenário junto com Adoniran e Noel e nem sequer foi lembrado?...
Por isso se faz necessário louvar a iniciativa laboriosa e de
muito carinho deste jovem humilde da Periferia Sul de São Paulo,
Carlos Antonio Moreira Gomes, que merece todo o nosso respeito
e muito sucesso no seu projeto.
Valeu, mano...
Osvaldinho da Cuíca
Primeiro Cidadão Samba Paulistano
São Paulo, 28 de março de 2010.
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Resgatar histórias e músicas presentes na tradição oral da Velha
Guarda do Samba de São Paulo. Foi esse o ponto de partida do projeto
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano, uma proposta que vai
de encontro à vocação do Centro Cultural São Paulo para a pesquisa,
concretizada em ações como o Prêmio Pesquisador 2008, e se insere
no contexto do Eixo Curatorial de Música para 2010, denominado In/
Ex, que privilegia produções independentes.
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Durante seu desenvolvimento, o projeto tornou-se uma
iniciativa mais ampla. Uma série de shows gratuitos foi realizada na
Sala Adoniran Barbosa ao longo de 2009 e, graças ao envolvimento e
ao empenho da equipe da Web Radio do Centro Cultural, foi produzido
o documentário encartado no livro. Essa abrangência também só foi
possível com a parceria firmada com a Associação Bloco do Beco,
estendendo o projeto para a região de M’Boi Mirim, na Zona Sul, com
diversas atividades, como rodas de samba, oficinas e mostra de filmes.
A partir do objetivo inicial, que já se justificava pela escassez
de registros sobre a trajetória do samba e sua relação com o carnaval
na capital paulista, Carlos Gomes voltou-se aos protagonistas dessa
história. No entanto, ao invés de tomá-los como fonte para formar uma
narrativa linear, optou por dar voz a esses personagens, assumindo a
fragmentação de seus depoimentos como elemento constitutivo dessa
trajetória.
O que há de mais contundente nas entrevistas que se seguem
não é a exaltação pura e simples do samba de São Paulo, mas a
capacidade de revelar, por meio de um fenômeno cultural brasileiro
que mobiliza milhões de pessoas, o quão diversificado pode ser o
samba e o carnaval, com sua riqueza de elementos musicais e visuais,
muitas vezes esquecidos ou abafados. Nesse sentido, este livro/DVD
tende a se desdobrar em outros projetos, servindo ainda de valiosa
fonte para pesquisadores. Em outras palavras, Um Batuque Memorável
no Samba Paulistano não fala só do samba e do carnaval de São Paulo,
de certa maneira atenta também para a necessidade de olharmos
nossa própria história.
Curadoria de Música
Centro Cultural São Paulo
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O Começo
Um dia chuvoso no Samba da Vela fez com que alguns músicos
não comparecessem. O público também estava reduzido. Mesmo assim, a Casa de Cultura Santo Amaro, ali na Avenida João Dias, estava
com uma boa lotação, algo em torno de sessenta pessoas, naquela
tradicional roda de samba de compositores que se reuniam toda segunda-feira. Paqüera, um dos fundadores do movimento, improvisou
uma noite diferenciada daquelas em que os compositores cantavam
junto ao público acompanhado pelas cópias das letras, para uma noite
de contação de histórias do samba. Ele lembrava sambas que nunca
foram gravados e contava alguma história do compositor da música.
Eram lembranças da infância e juventude junto aos sambistas antigos,
alguns nem vivos, entre músicas que aprendeu da tradição oral. Aquilo
foi um presente para poucos privilegiados que deixaram o conforto
de casa numa noite chuvosa para um conforto e deleite coletivo que
ainda não vivi igual. Houve ainda um fato que me chamou a atenção:
toda a platéia estava encurvada, de olhos enfeitiçados prestando atenção a qualquer palavra e gesto de Paqüera. Uma noite registrada nas
memórias daquelas sessenta pessoas. Então tive um desejo de registrar tudo que pudesse ser tão precioso no samba paulistano, como se
uma ingenuidade tomasse conta de mim.
Surgiu o edital Prêmio Pesquisador 2008 e inscrevi o projeto
“Um Batuque Memorável no Samba Paulistano”. Bom, seria possível
iniciar alguma coisa. A pesquisa foi realizada entre agosto de 2008 e
agosto de 2009 e teve desdobramentos e proporções nada previstas.
Tinha como primeiro objetivo resgatar histórias e músicas presentes
na tradição oral da Velha Guarda do Samba. Porém, no decorrer do
processo, os caminhos foram em outra direção e se concentraram nas
histórias de vida e de samba das personalidades da velha guarda - interlocutores desta pesquisa. Ao refletir sobre uma das hipóteses levantadas no início deste projeto - de que os depoimentos poderiam
acrescentar outras visões, versões, acontecimentos e problemáticas
- percebeu-se, durante a pesquisa de campo, que havia em cada interlocutor um universo de diversidade em relação à história e à evolução
do samba paulistano. Essa diversidade tem tais personalidades como
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testemunhas oculares de um mesmo fato, mas com perspectivas e percepções diversas, o que dá ao testemunho uma singularidade própria.
Também não é pretensão contar a história do samba e sim a história
destas pessoas no samba. Os fatos ocorridos e relatados por quem
presenciou ou não, são como uma série de películas. Há uma seleção
das imagens e cortes que são efetuados para compor um filme. Isto
confere um movimento à memória viva que está em constante processo. Neste sentido, não se tem a pretensão de traçar aqui toda a
verdade a respeito do samba paulistano e sim coletar informações,
percepções, sensações experimentadas por aquelas e aqueles que fazem parte do samba na cidade de São Paulo. É essa multiplicidade que
interessa neste trabalho.
Por sua vez, a leitura deste material dará ao leitor a possibilidade de selecionar seus próprios quadros na montagem de outro
filme. O leitor torna-se cúmplice deste trabalho ao criar sua própria
interpretação dos depoimentos lidos: outra história será construída.
Assim, este material é um elemento vivo feito de memórias ativadas.
Ele permite trazer a imagem de uma colcha de retalhos, mosaicos de
memórias: um misto de complementaridade, de contradição e de esclarecimento. São memórias vivas que tem o samba vivido como elemento principal.
Os Entrevistados
O livro é composto por 22 entrevistas tendo entre os entrevistados dois moradores do bairro das imediações da avenida Tiradentes
e sambistas veteranos que construíram suas histórias junto ao carnaval
paulistano, testemunhando a evolução que este tem passado desde
meados dos anos 40. Em determinado momento, a história do samba
paulistano se confundiu com a própria história do carnaval da cidade,
o que fica explícito à medida que os depoimentos se concluem.
A preparação para as entrevistas contou com estudos bibliográficos e audiovisuais a respeito do samba paulistano; da história de
São Paulo; das visitas às rodas de samba; de conversas informais com
sambistas. No que se refere às entrevistas, não houve de fato uma
escolha dos entrevistados, visto que todos os encontros eram dig-
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Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
nos de registro. Entretanto, os critérios para a escolha do interlocutor
foram: 1. A pessoa que dedicou mais de 25 anos de vida ao samba;
2. Prévia conversa antes da entrevista;
3. Disponibilidade de participação nesta pesquisa.
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Infelizmente, muitas pessoas ficaram de fora. Isto demonstra
a necessidade de incentivar e de multiplicar trabalhos deste tipo em
nome de uma história que não pode se perder.
Outro fato que ao longo do processo chamou atenção foi o
altíssimo número de entrevistados do sexo masculino. Não se trata de
falha na pesquisa, mas de circunstância. A importância da mulher no
samba não há de ser discutida em termos de quantidade de entrevistadas ou não, pois sua relevância é tão grande quanto a masculina. Ambos os gêneros protagonizaram os fatos que hoje compõem a história
do samba na cidade de São Paulo.
A Memória
Durante as transcrições das entrevistas, acontecimentos que
pareciam irrelevantes tornaram-se fundamentais para compreensão
da narrativa. Foi na pesquisa de campo que eu pude compreender o
sentido e a importância de se trabalhar com a memória, pois como
afirma Walter Benjamin (1987):
articular historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘como
ele de fato foi’. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela
relampeja no momento de um perigo. Cabe ao materialismo histórico fixar
uma imagem do passado, como ela se apresenta, no momento do perigo, ao
sujeito histórico, sem que ele tenha consciência disso. O perigo ameaça tanto
a existência da tradição como os que a recebem (p. 222-232).
A memória enquanto reconstrução, não só da história do samba, mas do imaginário em torno de uma época, nunca pode ser individualizada, pois está sempre em um contexto e em uma relação do
coletivo. Portanto, a memória individual é sempre social. Perceber isto
por meio do samba não é uma tarefa das mais difíceis, já que tal maniUm Batuque Memorável no Samba Paulistano
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festação se dá necessariamente no coletivo. Quando dona Romilda,
uma das interlocutoras desta pesquisa, narra suas primeiras lembranças com o samba, ela se recorda da umbigada realizada na Casa Verde,
que contava com a participação da sua mãe, de outras mulheres vindas
do interior e de outras pessoas que a cada ano ficavam sabendo do
evento realizado no final da década de 30. Segundo a entrevistada,
esse evento deve ter acontecido durante uns quatro anos. A leitura
desta entrevista pode nos incitar o uso da imaginação acerca da dança,
das mulheres, de como era o bairro, enfim, das diferentes relações e
valores da época. Neste sentido, as entrevistas formam um mosaico
de depoimentos, reflexões e fatos que possibilitaram criar uma leitura
temporal e espacial da história do samba na capital paulista. O leitor
torna-se-á um criador a partir das relações que fará no decorrer da
leitura.
Registrar depoimentos e histórias pessoais, narrativa restrita
ao núcleo que a viveu e nem sempre presente na história oficial, pode
acrescentar e abrir novos horizontes, revendo um lado pouco conhecido ou desconhecido da história em análise. Assim, estas transcrições
não pretendem ser uma leitura sobre a história do samba paulistano,
mas um elo de comunicação entre o próprio sambista e o leitor. Por
isso, o texto apresentado não é uma interpretação do pensamento e
vida dos entrevistados, mas o próprio depoimento deles. A interpretação estará a cargo do leitor, tornado cúmplice do trabalho. Todas as
entrevistas aqui contidas são transcrições rigorosamente aprovadas e
assinadas pelos interlocutores que leram, corrigiram e por vezes, sem
perder a fidelidade e lealdade ao depoimento gravado, complementaram com o objetivo de tornar o universo tratado mais próximo do
leitor. Quanto a ordem das entrevistas, apresentam-se conforme a
data em que foram realizadas.
A seguir está o resultado de visitas e meses de pesquisa que
geraram registros em áudio, fotos e vídeos. Com intuito de enriquecer
a compreensão e complementar as imagens criadas, além deste livro
e DVD, foi disponibilizado para o Acervo de Multimeios do Centro Cultural São Paulo estes outros registros que em seus conteúdos apresentam momentos como ensaios de escolas de samba, festas, encontros,
shows, gravações de CDs e rodas, embora não tenham sido feitos por
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profissionais, na maioria das vezes quem capitou imagens foi o próprio
pesquisador, têm alta riqueza de conteúdo, razão pela qual foram disponibilizadas, podendo ser encontradas com o mesmo título desta
pesquisa.
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Os Desdobramentos
Documentário que acompanha o livro
A partir do contato com os sambistas surgiu a possibilidade de
criar um material áudio visual proposto pela equipe da Web Radio TV
do Centro Cultural São Paulo, coordenada por Márcio Yonamine. O resultado foi o DVD que acompanha este livro. É um documentário com
entrevistas e imagens de sambistas que se apresentaram nos meses
de maio, novembro e dezembro de 2009, com depoimentos e imagens
dos shows, marcando um segundo momento da pesquisa.
Houve uma parceria entre Centro Cultural São Paulo e a Associação Bloco do Beco, ao realizarem uma sequência de shows na sala
Adoniran Barbosa e no bairro sede da instituição parceira, o Jardim
Ibirapuera. Esta parceria possibilitou parte dos recursos para a publicação deste livro e DVD.
Hot site Batuque Memorável
Foi criado também um hot site que registrou passo a passo
toda a pesquisa, onde também é possível baixar o livro e o DVD, podendo ser acessada pelo endereço eletrônico:
http://www.centrocultural.sp.gov.br/batuque/
Este trabalho expressa um desejo de que as particularidades
presentes na memória das pessoas, que são os sustentáculos do samba paulistano, permaneçam vivas da mesma forma que a musicalidade
se encontra ainda hoje nas rodas de samba e no carnaval.
Boa leitura!
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SEBASTIÃO LEMOS jozé maria
MARCO ANTONIO francisco
martins SEU MIGUEL DA
CONTEMPORâNEA mestre tadeu
SEU TONIQUINHO BATUQUEIRO
seu arnaldo guedes DONA
VERA GUEDES mestre divino
VALDIR CACHOEIRA fernando
penteado SEU MANÉZINHO
zulu SEU MERCADORIA landão
MESTRE GABI seu carlão DONA
ROMILDA seu albertino VALDIR
CACHOEIRA
toninho
casa
verde BERNADETE MáRIO PRETO
entrevistas
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SEBASTIÃO LEMOS
Sr. Sebastião Lemos,
nasceu no dia 13 de
maio de 1951, em Queluz – SP, antigo morador
do Bom Retiro e zelador da Igreja de São
Galvão, na Av. Tiradentes. Entrevista realizada
no dia 24 de setembro
de 2008.
CARLOS: O senhor mora aqui há muito tempo? Acompanhou os desfiles
de carnavais que aconteceram aqui na Avenida Tiradentes?
SENHOR TIÃO: Bom, eu moro aqui no bairro há 40 anos. Acompanhei
um bom momento do carnaval. Foram bons momentos e ruins também.
CARLOS: Conta um pouquinho destes momentos.
SENHOR TIÃO: Tinha muito assalto, muitas brigas, desavenças, enfim,
assassinatos. Teve um ano que assassinaram quatro pessoas numa
noite só. A maior parte foram momentos bons. E um momento bom
que o público admirava era quando entrava a escola de samba. Tinha
muita escola de samba boa: momento de alegria.
CARLOS: E todo ano o senhor vinha assistir?
SENHOR TIÃO: Eu moro aqui há 40 anos e não tinha como não
assistir. Eu moro nessa próxima rua, descendo à direita. Eu me criei
praticamente aqui no bairro.
CARLOS: O senhor veio de onde?
SENHOR TIÃO: Eu sou do Vale do Paraíba, divisa do Rio de Janeiro com
São Paulo, Queluz. É um lugar bastante pequeno, distante, pouca gente
ouviu falar dessa cidade.
CARLOS: E o senhor chegou a desfilar?
SENHOR TIÃO: Não. Nunca, eu só assistia. Eu só desfilei quando estava
no exército, desfile de 7 Setembro quando ainda era aqui. O último ano
foi em 1972 .
CARLOS: Tinha alguma escola pela qual o senhor torcia mais?
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SENHOR TIÃO: Gaviões da Fiel. Sou corinthiano.
CARLOS: Conta de algum desfile que o senhor viu e marcou.
SENHOR TIÃO: Eu acredito que foi um dos desfiles da escola de samba
da Vai-Vai, aquela moça que apareceu nua, não sei se foi na Vai-Vai,
mas acho que foi. Não só eu, mas a avenida todinha. Foi a primeira vez
que apareceu uma mulher nua num desfile. Depois tornou-se normal.
CARLOS: Aquilo chocou?
SENHOR TIÃO: Todo mundo no bairro, não fui só eu, todo mundo que
estava na arquibancada. Foi bonito inclusive porque nunca tinha visto
aquilo, nunca tinha sido mostrado.
CARLOS: O senhor lembra que ano foi isso?
SENHOR TIÃO: Não lembro se foi em 86 ou 88.
CARLOS: O senhor lembra como eram os preparativos, antes de
começar os desfiles?
SENHOR TIÃO: Os preparativos ficavam naquela parte (da avenida),
embaixo, e terminava lá em cima, subindo a Rua São Caetano, como se
fosse hoje lá no sambódromo. Era a mesma coisa, só que era fechada.
A avenida era totalmente fechada com a arquibancada.
CARLOS: Lembra alguma história que o senhor presenciou? O senhor
disse que tinha bastante assalto, tinha briga, teve alguma que o senhor
presenciou?
SENHOR TIÃO: O que mais me marcou foi uma briga que teve da torcida
organizada de Santos, da escola de Santos, que vinha desfilar aqui.
CARLOS: X-9 ou outra escola?
SENHOR TIÃO: Não lembro. Alguns componentes brigaram na
preparação. Bastante gente viu e foi um corre-corre total. Não sei
se era a X-9, brigaram bastante, tanto que depois não vieram mais
desfilar aqui. Eu só vinha para cá porque gostava de apreciar. Participar
do carnaval eu não gosto, gosto de ver, mas participar não. Foi um
momento bom.
CARLOS: O senhor já foi ao sambódromo?
SENHOR TIÃO: Nunca fui. Já passei na porta, na Marginal, mas nunca
fui.
CARLOS: O senhor acha que o carnaval indo para lá ficou mais difícil
de ver?
SENHOR TIÃO: Ficou mais difícil, por ser uma zona mais dispersiva,
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
mais afastada, enfim.
CARLOS: E roda de samba o senhor ia muito? Como era?
SENHOR TIÃO: Nunca fui. Não gosto. Quando eu era solteiro eu gostava
muito dos bailes da 24 de Maio, no Paulistano da Glória, mas só para
assistir, nunca para dançar. Eu ia porque era solteiro, ia fazer o quê? Eu
não gosto muito de aglomeração. Gosto de ficar com os amigos, beber
uma cerveja, jogar bola. Joguei bola na Maria Zélia, no Brás. Acabava
de jogar, ia para casa, não ficava naquela rodinha.
CARLOS: O senhor viu aqui crescer?
SENHOR TIÃO: Sim, vim para aqui garotinho.
CARLOS: Agradeço muito pela conversa.
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ZÉ MARIA
Senhor José Maria
Dias nasceu no dia
21 de junho de 1947,
em Jacutinga – MG. É
Assistente de Gestão
Pública. Entrevista realizada no dia 29 de
setembro de 2008.
CARLOS: Conte um pouquinho da sua história no samba.
ZÉ MARIA: Comecei no samba ainda moleque. Com 17 anos saí na
minha primeira escola, a Unidos do Peruche. Saía na bateria porque eu
tinha facilidade de pegar a música rapidamente. Na época não havia
divulgação do samba do Rio, e em São Paulo menos ainda. Antes de
começar o ensaio ou no intervalo eu começava a cantar meus sambas
estranhos. Quando o pessoal me perguntava que samba era aquele eu
respondia que era do Rio. Eu tinha um radinho velho e quando dava
umas dez da noite ele chiava. Não sei de que maneira que eu descobri,
mas conseguia sintonizar as eliminatórias dos sambas do Rio de Janeiro.
Então, eu aprendia o samba, até o que não ganhava eu aprendi a cantar,
e era daí que eu subia para a quadra e começava a tocar meus sons e
cantar os sambas da Portela, do Salgueiro. Depois começava o ensaio
e eu ia para a bateria. Um dia o cantor oficial da Peruche, Antonio
Rosa, se desentendeu com a diretoria, naquela época já estávamos no
Morro do Chapéu. A escola não tinha mais cantor, então o Carlão, que
era Presidente, me chamou para ocupar esse lugar. Eu estava no meio
da bateria e por essa eu não esperava. Chamaram-me no palanque e
quando eu subi fui anunciado como o mais novo intérprete. Naquela
hora eu quis sair correndo dali.
CARLOS: Ninguém tinha falado com você?
ZÉ MARIA: Não, foi sem anestesia! Não teve jeito, então peguei o
microfone pela primeira vez na minha vida e saí cantando, sei lá de que
maneira, mas na época não tinha aquela coisa de cavaquinho, violão e
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aquele aparato todo. E assim eu comecei. Foi com o samba de Geraldo
Filme, chamado Tradições e Festas de Pirapora.
CARLOS: Que estreia!
ZÉ MARIA: Fui para a avenida com este samba que cantei. Depois deste
vieram outros e mais outros, depois vieram os primeiros festivais de
samba de quadra e eu tinha mania de moleque, de mudar a música
já gravada ou música de sucesso. Eu trocava a letra para mexer com
alguém, só para sacanear, sem saber que isso também fazia parte da
criatividade, um dom. Bem, isso passou e não percebi, mais tarde
eu me meti a besta e fiz um samba. Foi o primeiro festival de samba
de quadra de São Paulo. Eu achava que havia feito alguma coisa e
mostrei para o jornalista Julio César, do Jornal Notícias Populares, que
antigamente tinha uma coluna de samba e era meu vizinho. Ele gostou
tanto que disse que ia levar para o Festival, mesmo sem eu querer.
Resumindo a coisa, ele tomou a folha de mim e fez minha inscrição.
Na época tinha o B Lobo, o Pinherão e outros compositores, grupos
que na época tinham nome, não tenho certeza se era Sambrasa. Em
meio as feras, quando falava que o Zé Maria havia feito o samba, era
só gargalhada. Tinha também o Carlão.
CARLOS: O Carlão do Peruche?
ZÉ MARIA: Sim, o Carlão do Peruche, que era presidente. Ele fez um
negócio que para a época era inédito. O corpo de jurados era formado
por pianistas e maestros. Os candidatos estavam cantando, até que
chegou minha vez. Fui lá tremendo, abri a boca, fiz a minha e ganhei.
Primeiro samba, primeira vitória. Era Tristeza de Sambista. Nem eu e
nem o pessoal que perdeu acreditou, acharam um desaforo por ser
meu primeiro samba. Então, tomei gosto pela coisa e fui escrevendo.
CARLOS: E isso foi em que ano?
ZÉ MARIA: Não sei, agora você me pegou. Acho que em 79, por aí!
CARLOS: Mas você já tinha o nome como puxador, não é?
ZÉ MARIA: Mais ou menos, estava no início da coisa.
CARLOS: Os desfiles já eram na São João?
ZÉ MARIA: Sim. Eu cantei embaixo do Viaduto do Chá e não era
microfone assim com fio, era num tripé, parado, e a escola passando
na sua frente. Aquelas cornetinhas, som mesmo, o som era tremendo
- e ai de quem atravessasse! Comecei novo! Era assim o desfile: descia
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a São João e terminava na Praça da Bandeira, ali era a apoteose. O
Carlão montou um grupo de samba, eu acho que foi a primeira ala
show. Não existia isso em escola nenhuma. A primeira ala show foi da
Peruche. Eram 15 ritmistas e isso foi até manchete de jornal. Não me
recordo em que época foi, mas lembro que foi no Anhangabaú e fomos
como convidados. Eram três cabrochas e uma delas viria a ser minha
esposa, com quem tenho dois filhos. Arrebentamos o Anhangabaú, foi
uma batucada, mas só os “bambambans” iam. Tenho quase certeza de
que foi a primeira ala show aqui em São Paulo.
CARLOS: E por quanto tempo esta ala show existiu?
ZÉ MARIA: Teve bastante show. Com esse grupo começamos a ensinar
alguns alunos da Faculdade Largo São Francisco.
CARLOS: De Direito?
ZÉ MARIA: Isso. Ensinamos a tocar tamborim, surdo, ensinamos as
meninas a sambar, e tinha o Carlão, o Chita (já falecido) e o Moacir,
que hoje toca um senhor bandolim, antes ele tocava só tamborim,
hoje o velho toca até banjo. Nós íamos dar aula na faculdade, mas
nessa época os estudantes não tinham acesso às escolas. Havia o
acesso, mas fazer parte da escola de samba era meio pejorativo. O
pessoal achava que só tinha malandro e vagabundo, o que não era
verdade. Então, era assim que funcionava, tinha aquele preconceito
e essa era a visão que se tinha do samba. Ainda bem que mudou e
nós temos é que agradecer aos estudantes. Eles que começaram a
levar para a sociedade e para a elite que a escola de samba não era só
malandragem. Eu acredito que naquela época a coisa era mais pura.
Hoje o samba está comercializado. Algumas escolas estão perdendo a
essência. Na minha visão são pessoas bem intencionadas, formadas e
tudo mais, mas às vezes a assessoria não é boa, ou aquele que toma
a frente, numa questão de... Como que eu posso colocar? Tem um
termo certinho que agora não me vem à mente, mas vamos colocar no
popular: “Acabam se achando”. Mesmo não tendo conhecimento de
causa, não quer ser questionado.
CARLOS: É bom ouvir vocês contando sobre um carnaval que eu e
minha geração só conhece por fotos, relatos. Conta um pouco das
tradições e do que você acha que está se perdendo.
ZÉ MARIA: Vamos começar pela fantasia. Tudo bem, hoje houve essa
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evolução, as roupas estão um pouco mais caras, mas eu penso assim:
aquelas pessoas que a diretoria de uma escola tem o conhecimento de
que ajudaram a fazer aquilo, vieram lá debaixo, tomaram pancada de
polícia, deveriam que ter um respeito maior. Independente daquele
que parou no tempo, que não adquiriu uma cultura até dentro do
próprio samba mesmo, tem que ser respeitado. Não vou citar nomes,
mas tem gente de escola que chegou a dizer que seria bom se o
pessoal da velha guarda sumisse para não deixar má influência para os
novatos. É o pessoal do meio, sabe de onde saiu essa pérola? Já tem
consciência disso?
CARLOS: A frase é tão forte quanto à de São Paulo ser o “túmulo do
samba”.
ZÉ MARIA: Exatamente, ele não só soltou essa pérola como também
agiu de acordo com o que ele falou. Fez com que as pessoas se
afastassem, se sentissem humilhadas, como cheguei a ver nessa escola.
Para dizer a verdade, já vi pessoas da história da escola que não foram
embora, mas se sujeitaram a ficar passando pano no chão, carregando
uma caixa de cerveja nas costas, arrumando a mesa. Aquilo me irritava.
Pessoas que podem não saber colocar o português direitinho e tal, mas
têm conhecimento sim, mas que eram podadas ao expor suas ideias.
Infelizmente. Tem esse lado, por exemplo, a escolha de samba-enredo,
tinha escola, a Peruche era uma delas, que não tinha disputa. E outras
escolas também, o mais velho era o compositor que fazia o samba que
ia para a avenida, como o Paulistinha da Nenê. Na Peruche era o B
Lobo e o Geraldo Filme, todo ano faziam samba. Não havia disputa
porque não precisava. Depois, quando as coisas começaram a mudar,
como aconteceu comigo, fiz um samba de quadra e me arrisquei a
fazer um samba-enredo, e a coisa se tornou mais ousada, cresceu até
chegar na disputa. Só que hoje, o critério do samba-enredo é estranho.
É aquilo, de repente o cara consegue levar dois ônibus para uma
quadra e muitas vezes o samba dele é o escolhido. Eu acho que isso
é a melhor torcida e não o melhor samba. Muitas vezes a música não
funciona na avenida. A gente tem uma visão mais ou menos de como
se desenvolve o samba-enredo, com sinopse, uma linha para seguir e
os sambas que ganham normalmente. Agora, para quem acompanha,
poxa, ganhou o samba daquele jeito porque era o melhor. Quando
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vai para o disco e você pega aquela letra que foi cantada na quadra e
vai acompanhar vê que está tudo mudado. Não era o melhor samba?
Se mudasse uma vírgula, uma frase, tudo bem, mas você vê samba
que está totalmente descaracterizado daquilo que foi apresentado. É
aquela coisa que eu não sei explicar. É algo que acontece direto. Isso
já aborrece a comunidade. Eu já presenciei uma escola que ia sair com
3.000 componentes, aliás, 4.200. A escola saiu suando com 2.000,
porque não deu samba que a comunidade queria.
CARLOS: Que forte essa comunidade! Não é qualquer uma que ...!
ZÉ MARIA: Não é não. E você ouvia os comentários “Não vou sair,
minha família não vai, que palhaçada!”. E continua acontecendo isso.
A gente percebe que é folia, e é a folia quem está ganhando. Quem
perde é o carnaval de São Paulo.
CARLOS: Você se lembra da primeira roda de samba que participou?
ZÉ MARIA: Lembro-me da primeira que eu fui, mas não como
componente de samba.
CARLOS: A primeira roda de samba da sua vida.
ZÉ MARIA: A primeira roda de samba da minha vida foi na Praça da Sé, eu
me lembro. As escolas na época que saiam com uns 800 componentes,
era uma escola grande. Para a época era muita gente. Fiquei bem em
frente da Catedral. Era o período da repressão e os militares com aquela
sede de pegar os desavisados, pegaram um monte. Eu me lembro de
ter ficado até um pouco assustado com a truculência, mas era a época.
Deu uma vontade de participar, eu não queria ficar de fora, não queria
ficar nas cordas, queria cair para dentro. Na época eu estudava em um
colégio na Casa Verde, não que eu pudesse pagar, quem pagava eram
os meus patrões, pois eu não tinha condições. Quando falei que ia para
a escola de samba, fui muito criticado, até na rua onde eu morava, no
bairro do Peruche. Na época eu tocava em fanfarra no colégio. E era
conhecido como “Zé Maria da Fanfarra”.
CARLOS: O que você tocava?
ZÉ MARIA: Percussão e sopro. Fui promovido no colégio para auxiliar
de instrutor. Virei o “neguinho pó de arroz”, era o neguinho que falava
difícil. Andava bem arrumadinho, era um neguinho doce. Lá vou eu
para a escola de samba, que era o boom da época, o Peruchão, que
continua sendo e vai ser daí para melhor. Aí desci no Peruche. Eu
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fui muito macho, pois era um tal de neguinho apontar, dar risada. E
fui todo preparado para falar o que eu queria tocar. Fui para a fila e
quando chegou a minha vez, o Gilberto Bonga, o diretor da bateria da
época, perguntou o que eu tocava. Ele era negrão peso pesado, CMTC1,
bem humorado, sociável ao extremo. Ele me olhou e respondi que ia
tocar “quicaquicaquica”2 (risos). Fiz minha inscrição, coloquei minha
fotografia. Nem acreditava onde eu tinha ido parar, mesmo assim fui.
CARLOS: E tinha testes?
ZÉ MARIA: Que nada! Jogaram-me no meio dos leões. Disfarçando
para arrumar o instrumento, deixei o pessoal sair tocando enquanto
tentava ver algum instrumento parecido com o meu para tocar igual.
Na hora peguei a batida e fui, e modéstia parte, fiquei um bom ritmista.
CARLOS: Tinha um bom ouvido!
ZÉ MARIA: E a bronca de perseguição pelo fato de ser moleque.
Existia um folclore que todo baterista de escola de samba tinha que
ser negão. Negão não tocava tamborim, tinha que tocar coisa pesada.
E eu cheguei ao meio termo. Se fosse moleque tinha que sair de
passista, bateria não, esta era para nego velho. Só tinha três moleques
na bateria: eu, Chiquinho, que tocou com Benito de Paula, era filho
de uma figura folclórica do Peruche, o Catimbau, e um menino que
se chamava Antonio Carlos. Eu nunca mais vi esse rapaz. A gente era
perseguido 25 horas por dia.
CARLOS: E a perseguição fora da escola como é que era?
ZÉ MARIA: A época era do tipo que não podia fazer batucada numa
esquina.
CARLOS: Na década de 60?
ZÉ MARIA: Não, não podia. A polícia vinha e arrebentava mesmo. Tanto
é que o Peruche teve problemas sérios na época da repressão. Eu
mesmo saí na Folha da Tarde como falecido. Eu fui baleado pela polícia
e saiu na Folha da Tarde como manchete, foi uma semana de manchete
de jornal. Na verdade eles invadiram a quadra da Peruche. Foram duas
rodadas. Hoje eu conto isso e acho até graça. Na ocasião, tinha um
rapazinho contando, como se ele tivesse participado, então, eu fiquei
encostado ouvindo os 15 minutos de fama dele. Eu não falei nada, é
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CMTC - Companhia Municipal de Transportes Coletivos, usado com gíria para
descrever homenzarrões.
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Não conseguiu dizer o nome do instrumento, mas era tamborim.
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claro. Deixei o rapaz contar que foi assim e assado. Com certeza ele
não tinha nem nascido, aconteceu em 70, e eu só dando risada, juntou
plateia em volta do cara... Foi assim: cheguei ao Morro do Chapéu por
volta de umas quatro horas e estava tendo uma festa muito grande
no Ginásio do Ibirapuera, era a Noite dos Mestres-Sala, uma festa
muito bonita. Eu estava meio brigado com a Peruche por causa de
uma gravação. Contei para São Paulo inteira que eu iria aparecer na
televisão. Ensaiei com os Originais do Samba e em cima da hora me
tiraram da parada. Foi um negócio que ficou engasgado. Eu ainda estava
meio afastado e não fui nessa festa. Eu tinha uma namoradinha no
morro. Fui para a casa dela, depois cismei de ir para a quadra. Estava o
Moacir, que toca bandolim, no barzinho. Comecei a conversar com ele:
“Vamos fazer um samba.” Ele pegou um instrumento, um tamborim,
e eu fiquei cantando. Então, apareceram uns três garotinhos, com
no máximo 13 ou 14 anos de idade, pediram instrumento e também
tocaram. Havia um microfone ligado: “Vamos subir no palanque, tá
tudo ligado”. Acho que nós tínhamos cantado metade do samba.
Daqui a pouco ouvi um barulho de carro, eram muitos carros, todas as
viaturas da PM. Entraram chutando a porta da quadra e só estava eu,
o Moacyr e esses três garotinhos. Já entraram atirando para tudo que
era canto, metralhando as cornetinhas do som. O primeiro tiro que foi
dado pegou perto do meu rosto, voou até madeira. A molecada correu
cada um para um lado, eu não sabia o que fazer, tive que ficar parado.
Um tenente pediu para que eu descesse do palanque e corresse, só
que quando ele falou isso eu já estava subindo a escada, aí terminei
de subir. Ele metralhou o aparelho de som e falou para eu descer e
sair correndo. Eu sabia que se eu saísse correndo não daria certo. Com
muito medo eu pensei: “Vou sair, mas correr eu não vou”. Fizeram
um corredor polonês. Um dos PMs se aproximou com o cacetete na
mão e um revólver na outra. Tentou acertar meu rosto com o cacetete
por duas vezes, errou e ainda se desequilibrou causando riso nos
colegas. Isto o irritou profundamente. Ele então deu ordem para sair
andando e atirou na minha perna. “Joga esse neguinho no camburão”
- disseram. Eu fui saindo de fininho enquanto eles arrombaram a sala
de instrumentos e metralharam tudo, jogaram bomba na geladeira. O
Moacyr já era da Polícia Civil na época, mas era só motorista. Hoje o
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motorista é policial, na época ele era só piloto. Ele se identificou para
o policial, o mandaram sair. Metralharam tudo. Não ficou nada inteiro!
Eu já estava com a perna furada saindo, mas o PM que me deu o tiro
falou: “Joga ele num camburão aí”. Eu resisti, e mesmo com a arma
apontada para mim disse: “Já tomei um tiro mesmo, se eu entrar aí
vocês irão me levar para um canto qualquer e...” Se eu tivesse entrado,
eu não estaria aqui falando. Fui andando sem olhar para trás. Na hora,
uma distância de 25 metros parecia 25 quilômetros, pois eu andava e
andava e não chegava à esquina. Naquele trecho do morro você não
via nem passarinho na rua. Fui para casa da minha namorada, que
chorou quando viu a minha perna cheia de sangue. Na quadra, o couro
comeu. O que tinha para estragar eles atiraram mesmo. Passaram
uns minutos lá e saíram que nem uns doidos nas viaturas. Só então o
povo veio. Eu não me recordo se foi o Moacyr que veio me socorrer
querendo me levar para o hospital. “Nada de pronto-socorro, cheio
de polícia lá e eu com a minha perna baleada, eu quero ir lá para o
Ibirapuera”, disse. Trouxeram-me para o ginásio, estupidamente cheio,
cheguei com minha perna furada. Na portaria estava cheio de PM e
eu sem convite fui entrando “Cadê o convite?” “Que convite, olha a
situação da minha perna.” Eles não entendiam nada e eu fui entrando
até chegar no palanque oficial. Estava o Prefeito e não sei quem lá.
Pedi para chamar o Carlão, ele veio: “O que é isso, rapaz?” “Os PMs
entraram na quadra e acabaram com tudo, atiraram em mim, atiraram
nos meninos também.” Um dos meninos parece que...
CARLOS: Morreu?
ZÉ MARIA: Parece. Isso eu não posso afirmar, dizem que sim. O
Carlão foi ao microfone: “Gente, eu tenho um rapaz baleado, então
se tem uma autoridade, por favor, tome conhecimento do que está
acontecendo...”. Acabei com a festa do Ibirapuera, mas eu não pensei
que estava causando um mal maior. Todo mundo para quadra, um
monte de gente, jornalistas, curiosos, enfim, lotou a quadra para ver
o estrago. Voltaram em dobro e aí foi triste. Até então, quando era
eu, os três moleques e o Moacyr, deram uma aliviada. Cercaram o
quarteirão inteiro. Tiro, bomba, mas a época era deles, não é? Essa
segunda rodada na quadra foi dura. Tem gente com sequelas até
hoje, por exemplo, um que perdeu a vista. Foi terrível. Invadiram e eu
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ainda baleado. E essa minha menina estava grávida. Então, eu escutei
um grito: “Eles estão voltando!” Mas ninguém imaginou que fossem
os policiais. Chegaram jogando bomba em cima do que restou do
cercado. Eu tentando pegar a mão dela e ela grávida, aquele tanto de
gente, ela escapou da minha mão. Muita fumaça, era bomba de efeito
moral, e naquele bolo de gente, para mim ela tinha corrido para dentro
da sala dos instrumentos. Eu consegui chegar lá, entrei e foi a pior
coisa que eu fiz. Graças a Deus ela não estava lá. Ela tinha conseguido
sair pela cerca de arame numa brechinha. Eu estive no quartinho dos
instrumentos, outra tortura. Deitado no chão com balas rasgando as
paredes, bombas no telhado. Aquela gritaria, neguinho desmaiando
e começaram a gritar que era para sair todo mundo. “Eu já tô ferrado
mesmo eu não vou sair não.” Falaram: “Vamos sair! Vamos sair!” Eu
estava perto da porta! Nisso, saiu um tal de Celsão, que era também
da bateria do Peruche. Tomou um tiro no olho e caiu na minha frente.
Quando eu vi o rosto dele ensanguentado, pensei que ele já estava
morto. Um dos PMs com revólver na mão, metendo a borracha em
mim. Fiquei muitos anos com as marcas. Não sei o que houve no meio
da quadra que chamou a atenção dos policias que estavam ali na sala
para arrebentar e eu consegui sair pelo canto da parede e pulei o
muro. Sabe essas casas que tem até hoje, rua de cima e rua de baixo,
eu pulei para rua de baixo. Aquela fumaceira e aquele desespero,
nem vi a altura. O que me salvou foi o varal, machuquei só a parte do
braço. Era o depósito do empório que tinha lá. Bati na porta e ninguém
abria, meti a mão na porta e entrei. Era um depósito de garrafas. Eles
invadiram casas, não era só na quadra não. Foi um negócio terrível! Eu
fui empilhando as caixas na porta, não tinha como neguinho entrar,
só derrubando a parede. Sentei e fiquei ouvindo: tiro, gritaria, sirene,
terror, bomba, tiro e pneus cantando. Fiquei ali até sossegar tudo.
Interessante que tinha hora que parava e daqui a pouco barulho de
viatura de novo, sirene e tiro outra vez. Isso foi até clarear o dia. 1970.
Ouvi uma conversa: “Fulano está machucado, e agora?” “Eles já foram
embora mesmo?”, perguntei. Tirei as caixas da porta e saí.
CARLOS: Quem era o prefeito na época?
ZÉ MARIA: Boa pergunta, eu sei que o secretario municipal de
segurança, era o Fleury, ele foi à quadra pessoalmente.
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CARLOS: Fazer o que? Foi atirar?
ZÉ MARIA: Investigar. Falou que ia fazer e acontecer. Depois sofreu um
acidente.
CARLOS: Ele?
ZÉ MARIA: Morreu. Foi nessa época mesmo.
Estava perto do carnaval e as escolas se uniram para arrumar
instrumentos para gente. Instrumentos dos mais coloridos.
CARLOS: Bonito as escolas se unirem.
ZÉ MARIA: Muito bonito. São coisas que não tem como esquecer. Mas
foram meses de terror, sem nem sair de casa. Uma vez eu fui colocar
a lata de lixo na calçada e tinha uma viatura. O policial de lá de dentro
gritou: “Você está morto, neguinho!” Tentou me agarrar e eu corri pra
dentro de casa. Ainda bem que não invadiram minha casa. Não dormi.
Fiquei um bom tempo abalado. Quando atiraram em mim, nem fui ao
pronto-socorro, fui numa farmácia de um conhecido nosso. Ainda bem
que não pegou o osso, mas passou, pegou de um lado e saiu de outro.
Foi isso, foi terror, sei lá. Com tudo, apesar dos pesares, o samba
era uma coisa tão família. No carnaval, antes de chegar meia noite, a
gente punha a fantasia e andava pelo bairro. O pessoal andando e todo
mundo: “Ai que bonito!”. Era diferente.
CARLOS: Era para mostrar a fantasia?
ZÉ MARIA: Era muito legal, muito legal! Hoje não. Eu penso que existia
mais união. Não se tinha esses recursos. O povo era mais unido, mais
família, mais a vila. Hoje não se tem mais bandeira. As pessoas saem
em dez escolas ao mesmo tempo, não se desfila em nenhuma, e ainda
bate no peito. O que eles chamam de quilombo ainda tem na Nenê
e no Peruche. É a minha escola agora, voltei para casa. Quem me
aguentou lá, vai ter que me aturar até não sei quando.
CARLOS: E você puxa lá?
ZÉ MARIA: Não, só sou compositor.
CARLOS: Queria te pedir pra cantar “Tristeza de sambista”.
ZÉ MARIA: É o primeiro samba, então não tenho vergonha nenhuma,
até me orgulho. Falava assim:
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“Nos dias de hoje não existe mais sentimento/ Se conto os
meus problemas/ uns choram comigo e outros riem por dentro/ Essa é
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a minha tristeza/ vai até sexta-feira chegar/ Ai na calada da noite vou
ao Peruche me desabafar/ Canto sambas-enredo e partido alto para
variar/ O dia já vem chegando é hora de me mandar/ O dia já vem
chegando é hora de me mandar/ O dia já vem chegando é hora de me
mandar/ Bom dia minha amiga Tereza esquente uma água pra eu me
lavar/ Trabalhei a noite inteira só quero comer e depois me deitar”.
Mentiroso, vai para farra diz que trabalhou a noite inteira. Foi
meu primeiro samba.
CARLOS: Qual lembrança no samba que te marcou muito?
ZÉ MARIA: Uma vez fiquei muito aborrecido com o Geraldo Filme. É um
samba que está história do samba de São Paulo: “Tradições e Festas
de Pirapora” e eu fui o intérprete ofical. Eu estava na Bela Vista, pois
o pessoal da Vai-Vai tem qualidade mesmo. É verdade, quando eles
cismam de juntar os músicos e fazer aquela apresentação de sambas
inéditos, revelando compositores, cantores, como tem toda terça-feira
na Vai-Vai, fica um negócio muito bonito, de qualidade mesmo. Na
época, já tinha esse encontro dos compositores. Eu ia para lá ouvir
coisa boa, cantar uma coisa minha inédita, pois sempre fui muito
bem tratado por lá. Quando eu cheguei tinha uma roda de jornalistas
entrevistando o Geraldo Filme. Eram muitas perguntas e ele veio falar
deste samba que ficou na história. Perguntaram para ele quem tinha
sido o intérprete. Ele ficou pensantivo e falou um nome que não era o
meu. Então pedi licença e lembrei que tinha sido eu. Ele era um pouco
orgulhoso, não gostava de dividir holofotes e falou: “Me desculpa, a
gente fica assim, muita coisa na cabeça, me perdoe”. Fui obrigado a ir
lá e falar porque realmente tive a felicidade de ter cantado esse samba
que ficou na história.
Outro também, que é “Chamado aos Heróis da Independência”.
Chegou dar problema por causa da repressão. O que marcou para mim
foi o trabalho com estes dois sambas. O que deu um brilho foi um
samba que eu gravei para Barroca (Zona Sul), que a Globo abraçou. Foi
então que eu fiquei mais conhecido até, porque eles colocavam só em
horário nobre. Entrava na hora do almoço, na novela das sete, das oito.
Põe Nenê, põe não sei quem, daqui a pouco o Zé Maria. Houve até um
elogio do Kubrusly dizendo que esse samba foi feito para mim.
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Muitos acham que eu fui também um saltimbanco de escola
de samba, não é bem assim. Foi por contrato. As escolas que eu migrei
foram o Peruche e Camisa Verde. Três anos com a Barroca, depois fui
para o Japão em 71, Império do Cambuci, Paulistano da Gloria, enfim
muitas escolas, mas contrato. A única escola que eu migrei foi o Camisa
Verde, o resto foi trabalho.
CARLOS: Você foi para o Japão fazer samba?
ZÉ MARIA: Fazer show. Seis meses, voltei e fiquei um tempinho no
Brasil e depois mais seis meses lá.
CARLOS: Você tocava e cantava?
ZÉ MARIA: Tocava e cantava. A banda era eclética, nós fazíamos samba,
pop americano, música brasileira, música latina e japonesa também.
Cantei em japonês!
CARLOS: Tem outra história muito engraçada que gostaria de registrar?
ZÉ MARIA: Tem várias, São Paulo e Rio de Janeiro. Eu fui contratado
para interpretar, como dizia o grande Jamelão, puxar não, interpretar
o samba. Foi de uma escola de samba aqui do Morumbi. Essa eu
posso contar o milagre e o santo que não tem problema. Eu estava na
porta da secretaria com a diretoria e falaram: “Olha o Carioca aí. Olha
Carioca, esse aqui é nosso intérprete”. O Carioca olhou para mim, só
estendeu a mão e nem olhou direito para minha cara e foi andando. Já
ficou uma marca meio estranha. Bem, achei que era o jeito dele, tudo
bem. Fiquei até um pouco sem graça, viram o que ele fez, a pose dele,
até aí tudo bem. Daqui a pouco um falou: “Zé Maria, vamos lá atrás do
palco que o cara vai cantar o samba dele”. Subiu o artista, o Carioca. O
Tatuzinho aqui da Vai-Vai fez o cavaco, também contratado na época.
Cantou. Realmente o samba era muito bonito mesmo. A bateria era de
delirar. Os concorrentes estavam com carinhas tristes. Uma coisa que
eu nunca fiz até hoje foi chegar num lugar e pedir para cantar. Eu não
gosto. Eu gosto de ir num lugar e ver o pessoal cantar, mas não gosto
de ficar pedindo. Nesse dia eu pedi para cantar logo em seguida. O
cara desceu do palco e o pessoal: “Aí, Carioca, belo samba”. Eu subi,
chamei o carinha do cavaquinho que era meu compadre e eu cantei
outro samba. A quadra parou. Acabei arrumando a maior confusão lá.
Quando eu desci, veio a diretoria e perguntou: “Meu, que samba é
esse? O cara cantou um samba igual”. Eu respondi: “É da mangueira
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1800 e bolinha”. Até hoje o cara está correndo. Mudou umas coisinhas
da letra e a melodia 80% Mangueira. Fugiu-me o nome do samba agora
é... “Um Cântico à Natureza”. Se você procurar, vai achar com esse
título. É lindo o samba posso passar um pedacinho só para você ver?
“Brilhou no céu o sol, oh que beleza/ Vem contemplar a
natureza/ Vem abrasar a imensidão, imensidão... / Onde na pesca
ou na plantação/ Pedras preciosas ou mineração / Rios, cachoeiras e
cascatas/ Frutos, pássaros e matas / Enobrecem a nação/ Oh lugar...
Oh lugar... / Tudo que se planta dá/ Terra igual a esta não há/ Imenso
torrão de natureza incomum/ Onde envaidece qualquer um/ Praias e
flores inspiram amores/ E o petróleo te deu mais vida / Solo de vultos
imortais / Direi teu nome e não esquecerão jamais/ Oh pátria querida/
De natureza tão sutil/ Tens belezas mil/ Isto é Brasil... Isto é Brasil... Isto
é Brasil...”
É lindo. Uma poesia, uma coisa maravilhosa! Nossa, deu maior
rebu na escola. Ganhou outro samba, e do Carioca nunca mais tive
notícias. Essa é uma das tantas.
Rio de Janeiro, 75. Fui embora para lá e cheguei ali na Portela.
Lá tem a torre dos compositores e ia ter disputa de samba-enredo. No
Rio de Janeiro não é como São Paulo, lá a coisa é pegada mesmo, de
vida ou de morte. Também com aquele dinheirão que eles ganham tem
que ser mesmo por aí. Subiu um grupo, veio outro, cantou, desceu,
subiu outro. Só que o cara do cavaquinho do segundo grupo que já
tinha cantado ficou e não desceu. Os caras com aquela febre, com
aquela sede de mostrar o trabalho, nem viram que o baixinho estava
lá com o cavaquinho. Um compositor sarado catou o microfone: “Aí
comunidade!” Grito de guerra e: “Chora cavaco!”. Ele ameaçava cantar
e olhava para trás e viu o cara no cavaquinho: “Chora cavaquinho!” E
nada. Mandou chorar de novo, e nada. Então, ele percebeu que era
o seu rival que permanecia na torre, quando o pegou pelo colarinho
e o jogou encima de uma mesa. As pernas da mesa não aguentaram
o peso, só amorteceu. E o povo: “Joga! Joga!” Era tragicômico. Eu o vi
levantar, estava mancando um pouquinho, mas não quebrou nada, só
o cavaquinho.
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Peruche também tem. As pessoas contam de quando saíram
com o tema Carlos Gomes, muito bonito. As alegorias mesmo eram
feitas de jornal. Papier Maché veio um pouco depois, antes era mais o
gesso pintado. O pessoal estava atrasado para o desfile, foram para a
Av. São João mas esqueceram a alegoria do Carlos Gomes na quadra.
O tema da escola ficou lá. E agora? Na época não tinha facilidade
de entrega rápida. Voltaram para o Peruche, mas precisavam de um
veículo para levar a alegoria. Chegaram num bar nem sei de que
maneira e tinha um cara, um tal de Manézinho, velho conhecido do
bairro. Ele tinha um caminhãozinho velho, mas gostava de “chutar”
um pouquinho: “Não, ele não, mas não tem outro, meu?”. Foram
conversar: “A alegoria do Peruche, toma cuidado para dirigir.” “Tomo
cuidado, deixa comigo!” Quando ele passou embaixo de uma árvore,
decapitou o Carlos Gomes. E o pessoal gritando: “Pára, pára!”, para
pegar a cabeça. Quando chegaram na São João, não tinha cola.
Pegaram um cabo de vassoura e enterraram no tronco do Carlos
Gomes e colocaram a cabeça dele. E durante o desfile o povo: “Vai, vai,
vai!”. Está indo, o samba comendo e um gritando: “A cabeça!” “O que?
A cabeça?” “A cabeça virou!” então, colocavam a cabeça na direção
certa. E foi assim até o final do desfile. Deu um trabalho!
Tinha uma escola nova que estava que se chamava “Alegria,
Alegria”. E o pessoal sabendo que estava Zeca da Casa Verde, Zelão,
Jordão do Salgueiro, Ideval e Talismã ninguém queria concorrer
com samba nessa escola. “Fazer o que lá? Poxa, Zelão, Zeca da Casa
Verde e Jordão do Salgueiro?” Eu já pensei: “Eu vou, se eu apanhar
será de gente grande, agora se eu bater, bati em gente grande. Vou lá
aprender!” Igual a um professor que eu tive, professor Osvaldo Rossi.
Ele falava: “Zé Maria, se for discutir com alguém, tenha essa percepção:
se a pessoa sabe mais do que você, discuta, mesmo você perdendo a
discussão, você estará aprendendo.” Eu tenho isso comigo. “Que nada,
eu vou mesmo!” Fui e ganhei.
CARLOS: Muito obrigado pelo depoimento!
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MARCO ANTONIO
Sr. Marco Antonio de
Freitas nasceu no dia 18
de junho de 1950 na cidade de São Paulo – SP.
É aposentado. Entrevista
realizada no dia 06 de
novembro de 2008.
Iniciou a conversa cantando o samba-enredo O Dia Que O
Cacique Rodou A Baiana Ai Ó, da Nenê de Vila Matilde, de 1985.
“Quando o cacique rodou a baiana/ O juruma vestiu a camisa,
gravata e paletó/Mas o branco soberano/ Só explorando/ Até que o
índio disse ó/ Ó ó ó/ Até que o índio disse ó/ Macobeba/ No rádio e
televisão/ Destrói a arte/ E a imaginação/ Negro também quer/ Poder
falar alto/ Rodar a baiana/ Chegar no planalto/ Hoje para orgulho de
nossa nação/ Negros e brancos e índios são irmãos/ Reivindicando
seus direitos/ Se unindo em mutirão!/ Oh! meu senhor.../ Devolva
minhas terras/ Por favor nosso canto e dança/ Desponta nossa alegria/
Driblando a inflação/ É o nosso dia-a-dia.”
MARCO ANTONIO: 1985, Nenê de Vila Matilde, Campeã do Carnaval
de São Paulo e foi para o Rio de Janeiro.
CARLOS: Com este samba?
MARCO ANTONIO: Foi com este samba enredo.
CARLOS: Foi a primeira escola paulista a ir para o Rio...
MARCO ANTONIO: Foi a primeira e única porque depois que a Nenê
foi em 85, nenhuma outra escola, pelo que eu soube, foi desfilar. Foi
uma festa muito bonita. No desfile das campeãs do Rio, uma semana
depois do carnaval. Ficou na memória de todos aqueles matildenses
que foram. Nesta viagem foi o pessoal da Vila Matilde e quem não
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era da escola também pode ir. Gente da Camisa também vestiu azul e
branco. Foi uma festa muito bonita.
CARLOS: Vira uma integração, perde essa coisa de competição, de
quem vai ganhar, isso e aquilo.
MARCO ANTONIO: A competição dura apenas aqueles 60 minutos
na avenida. Depois disso tudo passa, prevalece a parte maior que é
o samba. Sem a divisão, sem aquele excesso de vaidade: o que vale é
o todo.
CARLOS: A música Primavera você fez para o CD Júnior do Percuhe
Convida Vozes Paulistas?
MARCO ANTONIO: Não, essa música é antiga. Eu a compus há mais
de 20 anos. Ela é de 80, talvez um pouco antes. As coisas acontecem
comigo assim, costumo dizer que acidentalmente. O filme do Seu Nenê,
curta metragem, que eu participei, estávamos gravando e no intervalo
eu estava cantado o Azul e Branco, o produtor gostou e perguntou se
poderia gravar. “Essa aí pode fazer parte da trilha sonora.” Não acreditei
muito, mas para a minha felicidade realmente aconteceu. Só que se
passaram alguns anos e o Quinteto em Branco e Preto quis gravar
Primavera, mas eles foram à União dos Estudantes e assistiram aquele
curta metragem, ouviram o samba. “Poxa, Marco e aquele samba lá do
curta metragem...” Aí eles gravaram o Azul e Branco e deixaram para
lá a Primavera. O Júnior, quando foi fazer esse CD, ouviu Primavera,
gostou e resolveu gravar.
CARLOS: Conta um pouco de você.
MARCO ANTONIO: A minha história não tem nada de especial. Nasci
aqui em São Paulo, morei em Santos, passei uns tempos no Rio de
Janeiro e depois voltei a São Paulo. No samba fora daqui eu participava
como folião e gostava de desfile de escola de samba, bloco. O meu
ingresso no samba de São Paulo foi a partir de 1973, quando fui
convidado a dançar como mestre-sala na Mocidade Alegre. Lembro
que naquele ano eu nem imaginava um dia dançar aqui. Tinha um
carnaval lá no Rio, com a Imperatriz Leopoldinense, mas ela não era
essa escola que a gente vê hoje, era uma escola simples. Hoje que
o carnaval tornou-se essa ostentação, o desfile antes era bem mais
simples. Fui convidado pelo Seu Juarez da Cruz para dançar de mestresala na Mocidade Alegre. Fui num ensaio de domingo, a convite de um
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amigo que trabalha no Fórum de São Paulo. Fui para conhecer, sem
intenção de desfilar nem nada. Tem uma brincadeira que eles fazem lá,
numa roda em que o povo dança. Eu dancei e os caras gostaram. E de
mestre-sala eu sabia também, tinha aprendido a dançar no Rio.
Naquela época, o mestre-sala da Mocidade era o filho do
Solano Trindade, o Solaninho. Acabei ficando no lugar dele. Lá dancei
por dois anos, em 73 e 74, sendo que em 73 a Mocidade foi tricampeã.
Só que nunca havia tirado dez no quesito mestre-sala e porta-bandeira
e fui o primeiro na escola a tirar nota máxima, mas como sempre gostei
de escrever, compor, fazer meus rabiscos, eu falei: “já que vou ficar na
escola de samba, não quero ser mestre-sala, quero fazer parte da ala
de compositores”. Fui conversando com o pessoal, mostrando algumas
músicas e me aceitaram. No início me queriam como mestre-sala. Em
74 fiz as duas coisas, mas depois optei pela ala dos compositores, o
que gosto mais.
CARLOS: Você ficou na Mocidade até quando?
MARCO ANTONIO: Fiquei até 1984.
CARLOS: Aí você vai para a Nenê e ganha o samba enredo?
MARCO ANTONIO: Eu estava concorrendo com samba enredo na
Mocidade Alegre, o título era até Made in Brazil, uma sátira ao sistema
de exportação. E as pessoas diziam que aquele seria o samba do
carnaval, mas não sei por que a diretoria resolveu mudar a forma do
enredo de sátira para algo mais sério. Eu não gostei muito e saí do
concurso, mas isto não queria dizer que sairia da Mocidade. Só que
neste mesmo ano, eu tinha um amigo na seguradora, o Paulinho,
que me pediu para escrever um samba para disputar na Nenê de Vila
Matilde. Cheguei em casa, escrevi um samba e mandei para ele, mas
sem pretensão alguma. Num belo dia, estou passando pelo centro da
cidade quando um amigo disse que o pessoal estava cantando meu
samba na Nenê de Vila Matilde. Ele me disse que se eu fosse defender
o samba na semifinal e na final, fatalmente ganharia. Estava naquele
caso de samba na Mocidade que não deu certo, fui. Defendi o samba
que acabou empatando com outro, do meu amigo da Salgueiro,
Mazinho Xerife. Como empatou, juntamos o samba e fomos para a
Sapucaí. Esta foi a história de como Marco Antonio chegou em 1985 à
Nenê de Vila Matilde.
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O Seu Nenê me convidou para participar dos ensaios, para
cantar o samba na quadra. Aí a coisa começou a complicar porque eu
fazia parte da ala dos compositores da Mocidade. Participei de alguns
ensaios da Nenê. Eu não ia desfilar nesta escola, mas um pouquinho
antes do carnaval veio um outro recado do Seu Nenê dizendo que
eu iria cantar junto com o Armando. O Armando da Mangueira era o
puxador oficial. Cantei e a Nenê foi campeã. Nunca mais voltei para a
Mocidade Alegre.
CARLOS: Esta saída foi tranquila?
MARCO ANTONIO: Foi, porque eu também não sou pessoa de ficar
criando clima. Eu simplesmente não voltei mais para a Mocidade
Alegre. Foi muito bom para mim, pois lá eu consegui desenvolver
muitos trabalhos como compositor e na parte de harmonia. Depois
de alguns anos passei a cuidar da ala dos compositores. Até hoje
faço várias coisinhas de que gosto. Na Nenê de Vila Matilde eu fico à
vontade e canto na avenida há vários anos.
CARLOS: E desfilando como passista?
MARCO ANTONIO: Não. Sempre na ala de compositores, algumas
vezes ajudei na harmonia. Há mais de 15 anos.
CARLOS: Você nunca mais dançou na avenida?
MARCO ANTONIO: Só cantando mesmo. Sou apoio musical junto com
o Baby e ano passado com o Royce. É o que gosto de fazer, embora eu
saiba dançar, o que gosto mais é de compor e fingir que canto. Gostar
de samba eu sempre gostei, desde criança. Eu ouvia de tudo. Gostava
de Ataulfo Alves. Ontem eu estava com um amigo, o Lucas Pinto,
lembrando de quando a Clementina de Jesus lançou seu primeiro disco
produzido pelo Hermínio Bello de Carvalho.
CARLOS: O Rosas de Ouro?
MARCO ANTONIO: Este mesmo. Lembro que eu estava com 12 ou 13
anos de idade. Entrei na loja com meu pai, era o meu aniversário e eu
podia escolher um disco, pois sempre gostei de música. Naquela hora
estava tocando Clementina de Jesus. A voz era estranha, mas eu gostei.
CARLOS: Você se lembra da primeira roda de samba que participou?
MARCO ANTONIO: Ah, não lembro, eu assistia tantas reuniões de
samba... Era tudo muito simples, nada de sofisticação. As brincadeiras
nós fazíamos em casa com umas panelas, um cavaquinho e um violão.
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Todos cantavam, as pessoas tinham prazer nisso. Eu gostava tanto de
Ataulfo Alves e suas Pastoras que fundei a Velha Guarda Musical da
Nenê, que nada mais é do que Marco Antonio e suas Pastoras. Não
gosto de complicar muito não porque samba é uma coisa simples que
a gente não deve complicar.
CARLOS: Conta como foi a formação da Velha Guarda Musical?
MARCO ANTONIO: Tudo começou quando eu participei do Festival do
Samba de Quadra de São Paulo. Fui convidado até pelo Tobias da VaiVai. Eu não queria muito participar desse negócio de festival. “Canta
uma música que fale de São Paulo, da Vila Matilde.” Peguei um samba
da Vila Matilde e passei para a comissão organizadora, então veio a
resposta de que meu samba havia sido classificado. Eu estava em férias,
na praia, e quando cheguei em casa estava o recado no celular pedindo
para eu ir a São Paulo ensaiar o samba no estúdio. Perguntei ao meu
amigo Vado se ele faria uma parceria para me ajudar, aí ele sugeriu
colocar umas mulheres. Cheguei lá na quadra e pedi ao presidente, o
Betinho, uma indicação e ele apontou umas senhoras, eram baianas.
Conheci a Ciete, a Áurea, a Luzia e a Irene. Dei uma injeção de ânimo
nelas e fomos cantar. A primeira apresentação foi em um bar em
Santana, o Consulado da Cerveja ou do Samba. No camarim comecei a
cantar e elas aprenderam o samba. Fomos para o Festival, o pessoal do
Quinteto também estava. Para minha felicidade acabei ganhando, deu
até empate. Chegamos em duas músicas com o primeiro lugar, a minha
e a música do Maurílio e do Chapinha do Samba da Vela.
CARLOS: O Não é Só Garoa?
MARCO ANTONIO: Isso. Assim foi o início. Era Marco Antonio e as
Pastoras. Depois, naquele ano tinha apresentação do dia do samba e
a Nenê não tinha quem mandar. Mais uma vez me pediram para ir
ao programa do Evaristo, com as Pastoras. Fui e todo mundo gostou.
Estava lá o empresário da Velha Guarda da Portela, o Paulinho, que
gostou também e me convidou para cantar em um show da Velha
Guarda da Portela, no Sesc Santo André. Fizemos a apresentação e foi
muito boa. Isso foi em 2003. Este foi o samba que ganhou no samba
de quadra.
CARLOS: Qual o samba que você mais gosta de cantar?
MARCO ANTONIO: Têm vários, mas tem sambas que não costumo
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cantar. Tem um que eu gosto e dificilmente canto em roda de samba.
Gosto de variar, tem aqueles sambas de desabafo e também de dor de
cotovelo.
CARLOS: E a ideia dos Os Cinco Sentidos do Samba Paulista?
MARCO ANTONIO: Os Cinco Sentidos. Eu fui convidado juntamente
com Osvaldinho da Cuíca, Ideval, Silvo Modesto, Anselmo Fiote e
o Osvaldinho Babão, em 2006, no Sesc Vila Mariana, na semana do
Carnaval. Tanto é que na sexta feira cantei no show e saí para cantar na
avenida. Foi um show muito gostoso e muito bonito. Até surpreendeu.
A casa ficou cheia e no dia do desfile conseguimos lotar o Sesc. Fizemos
há uns dias atrás no Sesc São Carlos.
CARLOS: Você contou que passou por Santos, São Paulo e Rio.
MARCO ANTONIO: Ah, sim. Eu sempre falo assim: nunca faça
comparações. No Rio de Janeiro é uma tradição que vem dos tataravôs.
O samba de São Paulo posso falar do que acompanho, de 1972 para
cá. O samba daqui cresceu muito, não só em termos de carnaval, de
avenida, no geral, porque para o negro, uns 40 anos atrás, não havia
muito espaço. A partir da década de 80, quando veio o movimento do
pagode a exemplo do Fundo de Quintal e estas coisas todas, despertou
aqui em São Paulo a participação dos jovens e surgiram vários
conjuntos. São situações diferentes. Santos tem grandes compositores
e cantores. Se eu fosse fazer uma aproximação de Santos seria com
Rio de Janeiro, porque lá o pessoal gosta muito da arte, da música.
Não existe o espaço como existe em São Paulo. Aqui você consegue
divulgar. Aqui é o lugar para você mostrar sua arte.
CARLOS: E em Santos, você era X-9?
MARCO ANTONIO: Não, eu era Império do Samba, que não existe
mais, do amigo e falecido Dráuzio. Eu sou filho de militar, então sair
em escola de samba era complicado. Hoje as escolas de samba viraram
empresas. Carnaval era brincadeira, você ia à escola para se divertir
nas férias. E não tinha essa pompa toda que as escolas têm hoje,
aquelas obrigações. Eu gosto de escola de samba para me divertir. Vou
à Nenê, mas não fico com aquela responsabilidade, tenho apenas que
participar com alegria. A Nenê é assim, o povo gosta da escola, a gente
vai, se diverte, conversa e discute com o presidente. Uma coisa bem à
vontade, sem clima tenso de ensaio, de obrigação, e vamos para fazer
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obrigação, quando percebemos, estamos nos divertindo.
CARLOS: Você pegou os desfiles da São João?
MARCO ANTONIO: Eu peguei. Desfilei por dois ou três anos lá. Em
78 acho que já foi para a Tiradentes. Na São João era bom. O calor
humano, a arquibancada, o povo bem próximo. Era tudo bem simples,
com menos gente. As escolas que competiam eram Mocidade, VaiVai, Camisa Verde e Nenê, que estava passando por uma fase difícil.
Depois veio a Tiradentes. Também havia o calor humano, mas aquelas
arquibancadas pré-montadas atrapalhavam o trânsito de São Paulo.
CARLOS: O Carnaval atrapalhava São Paulo ou São Paulo atrapalhava
o Carnaval?
MARCO ANTONIO: São Paulo não pode parar, não é? Tinha a
Apoteose que começava numa terça-feira, só que não tinha tempo
determinado. Uma vez a Nenê foi desfilar era quase meio-dia da
quarta-feira. Quando tinha Apoteose, eu não ia. Aconteciam várias
coisas na Tiradentes porque o povo estava mais junto. Não é como
agora no Sambódromo que o povo fica lá na arquibancada. Hoje é
um espetáculo. O interessante era isso, a participação. Aconteciam
vários fatos pitorescos. Quando a escola ia entrar o pessoal invadia
e tinha que tirar. Não tinha tempo, cada escola fazia seu tempo, não
tinha organização. Hoje está organizado até demais, até mesmo pelo
número de componentes. Na São João as escolas eram menores, já na
Tiradentes elas começaram a crescer e tomar um formato diferente,
e hoje as escolas têm um visual como as do Rio de Janeiro, mas o
carnaval, que era uma coisa maior em São Paulo, está muito restrito
ao desfile das escolas de samba. Parece que acabou. É só isso. Seria
bom se o carnaval tivesse outras coisas, como blocos, foliões na rua
brincando, se o carnaval é uma coisa do povo, o povo tem que ficar
mais à vontade, não tem que pagar tanto para assistir. Tinha desfile de
escola de samba que fazia parte do carnaval, hoje quando se fala em
carnaval, é desfile da escola de samba. Está completamente errado.
Inverteu tudo.
CARLOS: Quero agradecer a gentileza de ter concedido este
depoimento. Obrigado.
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
FRANCISCO MARTINS
Sr. Francisco Martins é um
antigo morador da Rua Frei
Antonio Santana Galvão,
travessa da Avenida Tiradentes. Nasceu no dia 01
de dezembro de 1949, em
São Paulo - SP. É aposentado. Entrevista realizada
no dia 27 de novembro de
2008.
CARLOS: Seu Francisco, conte das suas lembranças na época do
Carnaval na Tiradentes.
FRANCISCO: Como eu estava contando a você, eu não acompanhava
muito. Dava uma olhada eventualmente, só via a bagunça que o pessoal
fazia aqui na rua. Ficava um chiqueiro, as pessoas tinham até relação
sexual na rua. Era um transtorno. Depois fizeram o sambódromo. Foi
tudo para lá e encerrou aqui, mas eu não acompanhava, só via a parte
de concentração porque não tinha arquibancada, só um portão de
isolamento. Minha mãe levava minhas filhas, minha esposa. Meu pai
nem ia. É pouca coisa que tenho para falar, porque eu realmente não
acompanhava, ia de curiosidade, via um pouco e ia embora, passava
outra escola, via só o começinho.
Onde tinha antes as arquibancadas, era tudo organizadinho.
Tinha até um colega que uma vez participou, tinha um lugar que
servia salgadinho, refrigerante, bebida. Era bom, só que causava muito
transtorno para a gente que morava aqui. Para os moradores o acesso
era complicado, você não conseguia chegar até a rua.
CARLOS: De carro ou a pé?
FRANCISCO: De carro.
CARLOS: E o que o senhor achava das fantasias e o que ficou na
memória das coisas que você via?
FRANCISCO: Fantasias e carros alegóricos. Isso é sempre bacana, bem
feitinho e com bastante detalhe. Dependia do tema que eles escolhiam.
Eu achava bem feito.
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CARLOS: Quando o senhor via o carnaval feito naquela época, que era
tudo aqui próximo da sua casa, tinha impressão de que ele ia crescer
tanto e virar essa coisa toda que é hoje?
FRANCISCO: Não, inclusive minha filha é jornalista, trabalha na Gazeta
FM, e há anos que ela cobre o carnaval no sambódromo. Ela conta que
não tem nada a ver com o que era aqui.
CARLOS: Já chegou a ir ao sambódromo?
FRANCISCO: Não, mas ela já. Esse ano ela não foi. Ano passado ela
estava lá. Levei-a de carro. Tinha que fazer as matérias para colocar nos
intervalos de música, ela e mais dois jornalistas.
CARLOS: Tem alguma história que o senhor viu e acha bacana contar?
FRANCISCO: Não, infelizmente não tenho mesmo, fora a sujeira que
ficava aqui.
CARLOS: E demorava muito para limpar a sujeira?
FRANCISCO: Não. Até que eles limpavam rápido. A arquibancada ficava
até certo tempo, até desmontar. Ficava um trânsito na avenida. Aí eles
fizeram o sambódromo. Não tinha mais condições de ter desfile de
escola de samba aqui na avenida, não tinha como. O que eu tenho na
memória é isso.
CARLOS: Mas, tem uma lembrança boa?
FRANCISCO: Era legal porque era pertinho. Andava meio quarteirão já
estava ali ou ficava aqui vendo pela televisão, pois já era veiculado.
CARLOS: E como que era ver uma coisa que acontecia tão perto pela
televisão?
FRANCISCO: Legal, mas muito barulho, você não dormia.
CARLOS: Nem de dia e nem de noite?
FRANCISCO: Não, porque era direto. De dia era o negócio de bloco, a
noite era escola de samba e depois era o desfile das vencedoras. Até
acabar era praticamente uma semana.
CARLOS: Era de terça?
FRANCISCO: Era de sábado, domingo, segunda e terça. Depois sempre
tinha no domingo o desfile das campeãs e na terça encerrava.
CARLOS: Muito obrigado!
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SEU MIGUEL DA
CONTEMPORÂNEA
Sr. Miguel Fasanelli nasceu
no dia 29 de setembro de
1932, em São Paulo - SP e
faleceu no dia 02 de março
de 2009. Entrevista realizada no dia 10 de dezembro
de 2008.
CARLOS: Estou aqui com o senhor Miguel Fasanelli.
SEU MIGUEL: Na loja Contemporânea, há 55 anos instalada à Rua
General Osório, lidando com o samba.
CARLOS: Qual a idade do senhor?
SEU MIGUEL: 76 anos.
CARLOS: O Sr. nasceu em São Paulo?
SEU MIGUEL: Nasci em São Paulo, no bairro do Cambuci, descendente
de italianos.
CARLOS: Como começou essa aventura com os instrumentos?
SEU MIGUEL: Quando nós começamos não tinha samba em São Paulo.
O que tinha era cordão e bloco. Conjunto de samba não tinha nenhum,
então chegou em São Paulo Luis Carlos Paraná, Aberlado Figueiredo,
com Pedro. No Rio de Janeiro tinha muito conjunto de samba, então
vieram dois, três conjuntos para São Paulo para fazer a noitada com
eles. Eles tocavam aqui até meia-noite. Uma hora da manhã, iam para
casa dormir. Quando era de manhã, eles vinham aqui, pegavam o
pandeiro, o tamborim e começava o samba aqui dentro e o pessoal
ia aglomerando e começava a sambar, e cada vez mais gente. Então,
no sábado começamos a fazer um sambinha, Martinho da Vila, Xangô
da Mangueira, às vezes Clara Nunes com o Conjunto Nosso Samba e
começava um sambão para todo mundo que gostava. A única casa de
samba que tinha aqui era a nossa. Aí começou em outros bares e casas
noturnas que se interessaram, foram levando estes e formando outros
grupos de samba.
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CARLOS: Isso em que ano?
SEU MIGUEL: Isso vai por volta de 72. Aí começaram a fazer escola
de samba. Como nós consertávamos instrumentos e eles não
tinham dinheiro, vinham concertar aqui. A Polícia Federal amassava
instrumentos e eles traziam para nós. No fim de semana eles passavam
uma taça na rua e recolhiam uma moeda da época. Era equivalente à
cinco ou dez reais hoje e vinha aqui para comprar um instrumento.
Gastava uns 50 reais e pagava dez. O resto pagava em samba. Isso foi
até vir a verba para escolas de samba e eles começaram a comprar
direitinho, e daí é como hoje. Nós fazemos samba, pagode, fazemos o
chorinho, há muito tempo.
CARLOS: Essa programação é a de sábado?
SEU MIGUEL: De sábado. O chorinho começa às 9 horas e o samba
começa umas 11 horas e vai, depois vai para a rua, vai para o bar, para
todo lugar.
CARLOS: Eu li na biografia do Osvaldinho que teve uma participação
aqui na construção dos instrumentos.
SEU MIGUEL: Ele comprava aqui. Aquele tempo ele era militar.
CARLOS: E aqui passaram muitos sambistas?
SEU MIGUEL: Por aqui passaram todos os sambistas: Cartola, Nelson
Cavaquinho, Monsueto, Silas de Oliveira, Almir Guineto, Xangô, Zeca
Pagodinho, Conjunto Nosso Samba, dentre outros. Os conjuntos que
vinham tocar em São Paulo vinham tocar aqui.
CARLOS: E os sambistas de São Paulo?
SEU MIGUEL: Também vinham para cá, mas São Paulo ainda não era
famoso, eles estavam começando naquela época. Aqui tinha o Carlão
do Peruche, Seu Nenê, o Inocêncio, o Lagrila, o Geraldo Filme e o
Osvaldinho. Eram da velha guarda do samba daqui de São Paulo.
CARLOS: E era tudo improvisado?
SEU MIGUEL: Era tudo improvisado. Chegavam aqui e faziam a roda
mesmo. Clara Nunes vinha junto com Nosso Samba e ficava aqui dia
e noite. A Beth Carvalho e Alcione, também. Praticamente iniciamos
o samba, não fizemos o samba, o samba já estava feito. Nós iniciamos
para eles virem tocar aqui dentro: Luis Pretinho, Talismã, Jangada,
Geraldo Filme e Zeca da Casa Verde. Todos eles passaram aqui.
CARLOS: E o senhor acompanhava os desfiles?
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SEU MIGUEL: Acompanhava, ia viajar com eles para o Guarujá e São
Vicente. Eu gostava demais, ia mais para o Guarujá, só beber, depois
voltava. De manhã levantava e abria a loja.
CARLOS: E o senhor acompanhava essas viagens com o Geraldo e o
Plínio Marcos?
SEU MIGUEL: Eu não acompanhei, mas eles viviam aqui.
CARLOS: Como era o show que eles faziam?
SEU MIGUEL: Não era baile, era show, tocavam aquelas músicas da
época mesmo, samba enredo. Eles não saíam daqui, tocavam aqui.
Depois começamos a fazer no meio da rua, faziam o choro e o samba.
É só você olhar aqui as fotos (neste momento Seu Miguel mostrou as
fotos ). Pode ver que tivemos Alcione e Jamelão.
CARLOS: A maioria do Rio?
SEU MIGUEL: Era do Rio e de São Paulo.
CARLOS: Paulinho da Viola.
SEU MIGUEL: A Magali (mostra a foto) hoje canta no SESC. Paulão,
Zeca Pagodinho, a Vivi que ainda está cantando no Rio, Ari Ferreira,
Donga, César Paulinho que é pai do Paulinho da Viola, Tia Délia, Odete
Miranda, Binho Sete Cordas que morreu agora, Vando do Bandolim,
Jacob e Sombrinha.
CARLOS: Bar o senhor nunca teve?
SEU MIGUEL: Não.
CARLOS: Então, a noite paulistana, começava aqui na Contemporânea.
Aqui passava o bonde?
SEU MIGUEL: Passava.
CARLOS: Quando começou a Contemporânea ainda tinha bonde?
SEU MIGUEL: Tinha.
CARLOS: E quando foi fundada a Contemporânea?
SEU MIGUEL: Em 1953.
CARLOS: E o que o senhor acha do samba hoje em São Paulo, desde lá
até hoje?
SEU MIGUEL: 100%. Hoje você vê qualquer bar, qualquer bairro tem
dois que fazem samba e antigamente não tinha. Começaram a fazer
samba e a formar conjuntos na época em Pinheiros, na Vila Madalena
e na Vila Mariana. Agora em todo lugar tem um samba.
CARLOS: E o carnaval, desde a São João? O que o senhor acha que teve
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de diferença?
SEU MIGUEL: Perdeu muito. Eles começaram com luxo e carnaval não é
isso. O passista, o carnavalesco, eles sambavam na rua. Hoje colocaram
nos carros alegóricos, desculpa a palavra, mulher pelada, homossexual,
tudo em cima dos carros. O pessoal que sai nunca conheceu carnaval,
vão só para se divertir na avenida.
CARLOS: Está complicado!
SEU MIGUEL: Falo porque vejo isso daí, e é verdade. Os verdadeiros
carnavalescos que apanhavam da polícia e tudo, ninguém lembra
direito. Eram eles que faziam carnaval em São Paulo.
CARLOS: Qual foi a melhor época que o senhor acha do carnaval em
São Paulo?
SEU MIGUEL: Na época em que o carnavalesco dançava na rua. A
melhor época que eu acho era a da São João e Anhangabaú.
CARLOS: Quero agradecer a sua gentileza.
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
MESTRE TADEU
Sr. Antonio Carlos Tadeu
de Souza, Mestre Tadeu,
nasceu no dia 13 de fevereiro de 1951, em São
Paulo - SP. É funcionário
público. Entrevista realizada no dia 10 de
dezembro de 2008.
CARLOS: Tadeu há 30 anos como mestre da Bateria da Vai-Vai.
TADEU: 36.
CARLOS: Meu Deus, eu tirando seis anos.
TADEU: Tirar seis anos não dá.
CARLOS: Não pode.
TADEU: Tem que pagar.
CARLOS: É Antonio Carlos...
TADEU: Tadeu de Souza.
CARLOS: Tem quantos anos?
TADEU: 57.
CARLOS: É de São Paulo mesmo?
TADEU: Paulista, paulistano, aqui da capital.
CARLOS: Qual bairro?
TADEU: Liberdade.
CARLOS: E sempre com samba?
TADEU: Sempre com o samba.
CARLOS: Como começou sua história no samba?
TADEU: Minha família toda era de sambista. Minha mãe era sambista,
eu sou oriundo da Escola de Samba Lavapés.
CARLOS: E você se lembra da primeira roda de samba que participou?
TADEU: Entrei no samba desde quando nasci, com seis anos, minha
mãe já me levava. Ela costurava, fazia as fantasias da alas das baianas
da Escola de Samba do Lavapés. A gente deu sequência.
CARLOS: Então, você foi da Lavapés por um tempo?
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TADEU: Comecei lá em 67, 68. Cheguei na Vai-Vai na década de 70,
quando ainda era cordão. Em 72 virou escola de samba. Cheguei à
bateria em 73 e estou até hoje.
CARLOS: Você é justamente um grande mestre de bateria.
TADEU: É, porque você ficar 36 anos à frente de uma bateria não é mole,
não. Nunca interrompi esses 36 anos. Com bastante saúde que Deus
me deu. Graças a Deus estou tocando. Tive vários sucessos. Agradeço a
Escola de Samba Vai-Vai que me deu tudo isso, essa projeção toda que
eu cheguei foi graças a ela.
CARLOS: Você pegou um pouco do desfile na São João?
TADEU: Comecei no Anhangabaú. Desfilava de lá e ia até a São João.
Depois inverteram. São João e descia o Anhangabaú. Aí ficou só
Avenida São João.
CARLOS: E quais são as lembranças que você tem dessa época?
TADEU: São épocas diferentes porque naquele tempo não existia verba
para escolas de samba. A gente saía pelas casas pedindo auxílio para
o povo e depois colocava o cordão na rua ou a escola de samba. Não
existia verba. E é uma coisa muito engraçada, nos anos de 68, 69 e 70
a comunidade branca não queria fazer parte da escola de samba. Eles
tinham vergonha, era o tempo da ditadura. Quem saía em escola de
samba era considerado maloqueiro, bagunceiro, que é o contrário de
hoje, todo mundo quer sair na escola. Todo mundo quer ter status,
aparecer na televisão, falar com o governador, falar com o presidente,
falar com o empresário, mas naquela época ninguém queria. Então, os
negros sofreram mais. O samba, as pessoas gostando ou não, ele não
tem cor, mas é oriundo da raça negra.
CARLOS: Você pegou praticamente três épocas: Centro, Tiradentes e
sambódromo. Você consegue falar um pouco sobre como foi passar
por essas épocas, as principais diferenças, se melhorou, se você acha
que perdeu.
TADEU: Melhorou. Com verba você consegue fazer um espetáculo
maior. Hoje os carros alegóricos são maiores. Você tem a mesma
competição com outra entidade, mas perdeu-se aquilo que é mais
importante, que é a raiz e a cultura do samba paulistano. Perdeu-se
o samba no pé, que não se vê mais. Uma ou outra escola tem samba
no pé, as outras não têm. Hoje a escola é um tipo de blocão. Sai todo
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mundo na primeira ala cantando, mas samba nenhum você vê no pé.
É o que está acontecendo. Então, daquela época para cá, perdemos
muito, perdemos qualidade, perdemos tradição. Hoje o carnaval é para
turista e empresário, você não vê mais a festa ser para o sambista que
não tem dinheiro para pagar ingresso. Deixou aquilo que era cultura,
hoje é só financeiro.
CARLOS: Qual o nome da sua mãe?
TADEU: Minha mãe é Maria, Dona Maria Pé de Papel.
CARLOS: E ela fazia fantasias?
TADEU: Para a ala das baianas da escola do Lavapés.
CARLOS: Conta das suas lembranças das costuras. O que você lembra?
TADEU: Eu lembro que minha casa ficava sempre cheia. Tinha uma
mulata que se chamava Jacira e elas ficavam um tempo, ficavam uma
semana na máquina, dormiam na máquina. Acordavam para terminar
as roupas das baianas. Faziam por prazer, porque gostavam. Tinham
orgulho de costurar para a ala das baianas, da qual faziam parte.
CARLOS: Isto uma semana direto, antes da saída na rua?
TADEU: E elas estavam metendo bronca nas máquinas.
CARLOS: Muitas visitas, então a casa sempre cheia.
TADEU: Muito cheia.
CARLOS: Muita roda de samba?
TADEU: Muita roda de samba. Era muito gostoso, um carnaval diferente.
Era um carnaval que você sabia o que era carnaval, até porque o
carnaval era de três dias, depois vinha a quarta-feira de cinzas.
CARLOS: E como eram os desfiles?
TADEU: Naquela época a escola era montada na Rua Direita. Tinha o
Paulistano da Glória, o Camisa Verde e Branco, o Vai-Vai, depois surgiu
o Fio de Ouro que era de pessoas oriundas do Vai-Vai. Formaram um
bloco e as cores eram azul, branco e ouro. Era todo pessoal dissidente
do Vai-Vai, tanto que acabou, não virou.
CARLOS: Voltaram para a Vai-Vai ou não?
TADEU: Não, acabou. Só sobrou a Vai-Vai.
CARLOS: E quando um cordão encontrava o outro?
TADEU: Beijavam as bandeiras, mas depois virava festa. Não tinha
guerra, não. A guerra era só no dia do desfile. Aquela coisa, “eu vou
ganhar”, “você vai ganhar”. Era um carnaval mais sadio, um carnaval
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mais gostoso, mais popular, direto para o componente, direto para o
povo. Tanto que não tinha nem arquibancada, era nas cordas, o povo
participava.
CARLOS: Era mais próximo.
TADEU: Mais próximo.
CARLOS: E o povo podia entrar também nos cordões?
TADEU: Podia entrar, porque era só nas cordas.
CARLOS: Quando mudou para a Tiradentes como foi para você?
TADEU: Da São João para a Tiradentes?
CARLOS: É. O que você se lembra dessa época?
TADEU: A Tiradentes ampliou um pouco mais o carnaval. O carnaval
começou a crescer. Era outra dinâmica, pois os carros alegóricos eram
maiores, porque na São João eles eram pequenos. Na Tiradentes eles
já cresceram. São três fases até chegar ao sambódromo que virou esse
gigante que é hoje em dia.
CARLOS: A Vai-Vai foi a primeira escola que saiu com uma mulher nua?
TADEU: Praticamente, sim.
CARLOS: E que repercussão trouxe isso na época?
TADEU: Naquela época era o seguinte, as mulheres não tiravam a roupa
toda porque era o fim da ditadura. As pessoas tinham vergonha, eram
reprimidas. A Vai-Vai foi a primeira escola na qual mulheres saíram
sem roupa.
CARLOS: Eu entrevistei um morador da Tiradentes e ele me disse que
uma das coisas que mais o marcou em todos os anos que assistiu aos
desfiles na Tiradentes foi quando ele viu essa mulher nua. Segundo
ele foi um impacto, causou uma coisa muito forte nele e em todo
mundo. Ninguém tinha visto uma mulher nua em um desfile e aquilo
foi impacto para toda a sociedade que acompanhou isso.
TADEU: As pessoas ficaram surpresas com o carnaval da Tiradentes,
aí simplesmente acabou. O Jânio Quadros plantou umas árvores,
construiu um viaduto, já para não ter mais, aí veio a Erundina e
conseguimos o sambódromo.
CARLOS: E nessa época chegaram a desfilar mesmo com viaduto,
árvore?
TADEU: Quando ele colocou o viaduto, não desfilava mais. Já tinha
acabado mesmo com o carnaval.
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CARLOS: Essa mulher nua você sabe o nome dela?
TADEU: Nem lembro!
CARLOS: E como foi seu contato com os outros sambistas. Quem foi
para você uma grande figura do samba?
TADEU: Olha, sou muito acostumado a falar no pavilhão. Acho
que acima da bandeira não há ninguém. O Pavilhão da entidade foi
fundado em primeiro de janeiro de 1930. Hoje existe o presente, mas
só o passado que construiu, que sofreu para existir o carnaval até hoje.
CARLOS: Você acha que o respeito que o Pavilhão tem hoje é o mesmo
de quando você começou?
TADEU: Mudou muito. As pessoas não têm mais amor à bandeira. Hoje
é tudo pago. Todo mundo recebe. Deixou de amar mais a bandeira, o
carnaval, o pavilhão da escola.
CARLOS: E Pato N’água?
TADEU: Não conheci.
CARLOS: Mas a fama dele?
TADEU: Foi um grande apitador.
CARLOS: Qual foi o desfile que mais te marcou?
TADEU: Têm tantos. Os três primeiros títulos da Vai-Vai como Escola
de Samba. Agora, eu acho que o carnaval deste ano foi um grande
carnaval, uma surpresa. Ninguém esperava. A gente ali naquela
avenida passando aquela mensagem e a arquibancada toda já sentia
que a gente ia rumo à disputa. O samba-enredo “Noel, Noel, Noel”
também foi um grande carnaval. Tivemos grandes carnavais.
CARLOS: Eu te vi no ensaio e achei bonita a forma como você atua com
a bateria. Tem uma disciplina e uma responsabilidade. Teve alguém
que chegou atrasado e você não deixou pegar baqueta. Ali não se
fuma, ali não se bebe.
TADEU: É, tem que ter uma disciplina, se você não consegue colocar
disciplina na bateria que é o coração da escola, vira uma bagunça.
Apesar de sermos todos amigos, a hora do ensaio é hora do ensaio. Se
você confundir as coisas...
CARLOS: Fala um pouco do samba paulista. Do que você acha que o
samba paulistano é feito, das coisas que foram feitas, das pessoas que
representam o samba paulistano.
TADEU: O samba paulistano está “cariocado”. Tudo que o pessoal faz
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lá, eles querem fazer aqui. E a tradição do carnaval paulistano está
sendo esquecida. A Vai-Vai é uma escola que ainda continua com a sua
cultura paulistana. Eu estou na bateria há 36 anos e o ritmo da bateria
é paulistano. Não entrei nessa de “cariocada”. Então, sou criticado por
muitos mestres porque sou o único que não cedeu. Acho que precisa
ter a nossa cara paulista, nós nascemos em São Paulo e não no Rio de
Janeiro. Enquanto eu tiver saúde, vou manter a bateria com a cara de
São Paulo.
CARLOS: Como foi sua entrada na bateria?
TADEU: Eu estava como ritmista. Chegou um determinado tempo que
o Mestre Feijoada, já falecido, sumiu. A escola precisava ensaiar, então
tinham dois grupos da Vai-Vai, um de show, que fazia roda de samba
e tinha o meu. Os caras achavam que eu tinha que assumir. Não tinha
quem assumisse a bateria. Fui lá e tô aqui até hoje. Mostrei ao que
vim.
Você sofre injustiças dentro da escola de samba, tem horas
que você fica glorioso. Você está lá no topo, no pedestal e tem horas
que você está no meio. Então, tem aquela coisa: quando dá tudo certo
você tem valor, mas quando dá errado, não presta. O samba é um
pouco ingrato. A gente tem que tomar cuidado. Por tudo que você fez,
todos esses anos, as pessoas só se importam com o presente. Sou o
único mestre de Bateria de São Paulo que tem um busto na frente da
sede da escola. Esse negócio de homenagear a pessoa depois de morto
não interessa. Recebi a homenagem em vida. Fico muito orgulhoso e
muito contente pelo valor que eles me deram.
CARLOS: Agradeço a você pelo papo.
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TONIQUINHO
BATUQUEIRO
Sr. Antonio Messias de
Campos,
Toniquinho
Batuqueiro, nasceu no
dia 25 de fevereiro de
1929 em Piracicaba – SP.
É aposentado. Entrevista
realizada no dia 16 de
dezebro de 2008.
TONIQUINHO: Meu nome é Antonio Messias, nasci em Piracicaba,
bairro de Pau Queimado, aos 25 de fevereiro de 1929. Quando eu não
era funcionário fazia de tudo um pouco. Trabalhei de pedreiro. Vim
para São Paulo em 1939.
CARLOS: Como era a vida em Piracicaba? Tinha os sambas? O senhor
participava?
TONIQUINHO: Lá os mais velhos iam e me levavam. Eu participava de
tudo. Samba de bumbo, carnaval, no caso. Naquela época, dez pessoas
juntas cantando era gente pra caramba.
CARLOS: E como eram as festas?
TONIQUINHO: Era igual ao carnaval de hoje. Só que menos gente
participando do grupo. Tinha muita alegria. A moçada cantando e
tocando na rua. A turma dos Turunas. Acho que era Turunas. “Minha
embaixada chegou, deixa meu povo passar, meu povo pede licença...”
CARLOS: O que significou a sua vinda para São Paulo?
TONIQUINHO: Era muita novidade, saí do meio do mato e vim para o
meio dessa cidade, cheia de gente, cheia de casa alta, tudo grandão. A
primeira vinda de lá para cá eu morei na Avenida Angélica. Não tinha
esses prédios altos ainda, o único prédio que tinha era o Martinelli, ele
não subiu e nem desceu, continua na mesma altura.
CARLOS: O que o senhor lembra do samba dessa época?
TONIQUINHO: O ritmo é normal, não mudou nada. Houve mudanças
de andamento. É a mesma coisa, gandaia é gandaia. Todo mundo faz
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o que sabe e o que pode! Tinha os porões em toda São Paulo. Você ia
num lugar, sei lá onde, você morava em porão. Você ia na Casa Verde,
morava no porão, vinha na Santa Cecília morava no porão. Quem
morava na cidade morava em porão.
Os cordões você ia encontrar na Baixada do Glicério, outro
bairro que é pobre. Ia encontrar na Florêncio de Abreu, ia encontrar
o Formosa, cordão Formosa. Era o que tinha em São Paulo. Para o
Jabaquara se você chegasse na Praça da Árvore tinha que voltar porque
era mato. Só tinha a igrejinha de São Judas e pronto. Vila Matilde, não
se falava, era do Largo Sete para cá. Do Largo São Bento você ia até
a Casa Verde de bonde, da Praça Centenário você seguia a pé até o
Peruche. Esta era a São Paulo de antigamente.
CARLOS: As rodas aconteciam todos os dias?
TONIQUINHO: As que eu ia eram de sábado, dentro do porão. Os caras
afastavam as mesas, cadeiras, criado-mudo, tiravam o que tinha no
quarto, ficava um salãozinho feito de cimento e jogavam pó de serra
para ficar liso. E dançavam ali. A noite inteira tinha samba. Se não tivesse
samba não era noite. Os músicos paravam para respirar e tomavam
alguma coisinha, voltavam a tocar e assim iam até amanhecer o dia.
CARLOS: O senhor chegou a São Paulo e começou a trabalhar como
engraxate?
TONIQUINHO: Sim, engraxate. Antigamente, aos sábados e domingos,
a molecada pegava uma caixinha de engraxar e ia para as ruas engraxar
sapatos. No meu caso, ia para a Inhaúma, na Casa Verde, perto da
igreja. Assim, juntava um dinheirinho para ir ao cinema, fazer bonito
com as meninas, comprava pipoca, essas coisas. Não era profissão.
Era negro, era branco, todo mundo engraxava. Quando dava mais ou
menos sete horas, voltava para casa, tomava banho, trocava de roupa
e quem ia para a gandaia ia, quem ia namorar também ia e daí por
diante. Não era pejorativo ser engraxate, era o quebra galho. Tinha
negro que trabalhava que não tinha condução e pegava emprestado
com o amigo para pegar o bonde, que custava de 200 réis para cima.
Chegando à praça pegava a caixa, botava no lugar e chamava o freguês
para tirar o barro. “Vamos tirar o barro aí, mestre?” O mestre chegava,
você cobrava 400 réis e limpava o sapato dele. Nessas alturas a roda
estava formada e você ia para dentro dela correr o chapéu, daí alguém
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
caía numa rasteira diferente, de costas, de qualquer lado, e a polícia
chegava para acabar com a roda. Quando a polícia chegava, mandava
desfazer dando as cacetadas, sem educação nenhuma. Aqueles que
tinham medo de polícia saíam correndo. Todo dia era a mesma coisa.
Cada um cantava, sambava e a vida seguia.
CARLOS: Estou supondo que cada um vinha de um lugar e acabavam
cantando coisas diferentes.
TONIQUINHO: Isso daí é simples, ninguém perguntava se eu vinha de
Piracicaba, mas eu cantava samba de lá, e daí vinha um que cantava
outro, e outro. Ali o couro comia. O cara chega, canta e todo mundo
canta. Aprendiam-se as músicas. Não contava historinha. Música “X”,
música “X”. Isso aí é besteira.
CARLOS: E ali você fez muitas amizades com os engraxates?
TONIQUINHO: Conheci São Paulo inteiro através da Praça da Sé. Se
você era gandaieiro, estava na gandaia. Não tinha coisa de valentia, se
você era valente, eu também era. Valente com valente não briga. Se
brigar, morre um. Então, não morria ninguém. Porque o pessoal do
deixa disso entrava no meio.
São Paulo todinho, Casa Verde, Penha, Lapa, Sumaré,
Jabaquara, vinham para o Centro ver o Lavapés, Camisa, Vai-vai,
Campos Elíseos. Os Cordões ficavam se preparando um mês antes de
chegar fevereiro e aí já era época de Carnaval.
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“As sete da manhã tô trabalhando,/ Às onze horas paro para
almoçar,/ Faço economia o ano inteiro quando chega fevereiro/ Pago
para ninguém me incomodar!”
A Lavapés era escola de samba e tinha o Genésio que era o
apitador e o que tocava trombone que era muito bom. O trombone
vinha no meio da bateria, harmonizando. Ficava todo mundo com a
boca aberta. No Vai-Vai era Pato N’água, o maior sambador e apitador
de todos os tempos, ele sambava assoprando o apito. No Camisa era
o Claudionor que tocava Clarim, ele anunciava a saída do Camisa ali
da Conselheiro Brotero e ia embora pela São João. No Campos Elíseos
destacava o Odilon que era o homem da baliza, um dos maiores de São
Paulo. Foi a única morte durante o carnaval, ali no Largo da Banana, de
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esquina com a Alameda Olga. Eu ia chegando lá e falaram: “Foi ali, foi
ali!” “Que foi?” “Deram o tiro no Odilon ali!” Na Peruche tinha a tal de
Guga que sambava muito bem.
CARLOS: E as rodas de tiririca?
TONIQUINHO: Tiririca, na verdade, é uma mata daninha, um matinho
verde. Tiririca é um grupo que não é bem capoeira. É capoeira só que
não segue aquela linha. É a mesma coisa, não muda nada, só o nome
dos golpes. E a nossa capoeira aqui era batida na mão e a roda ia rodear.
Dois homens sambando na roda, com golpes rasteiros e o batuque de
engraxate de lado. Existe o “cair” e o “ir ao chão”. Cair é cair de maduro,
tomou, caiu. Quando o cara sai do golpe do adversário, vai ao chão, faz
ali umas graças com o corpo e fica de novo em pé, para atacar ou ser
atacado. Quando o cara cai, se machuca e sangra. O povão chamava a
polícia que vinha e espalhava a roda. E assim, ia até o dia amanhecer
quando a polícia não levava a gente preso.
CARLOS: O senhor jogava tiririca ou só tocava?
TONIQUINHO: Meu forte era ficar no ritmo. Quando a polícia ia
embora, o samba voltava. Então, entrava o segundo e o terceiro time,
que éramos nós, os moleques, e aí a tiririca era mais leve. Quando
voltavam os nego véio e a roda ficava pesada, a gente ficava só no
ritmo.
CARLOS: Quem era muito forte?
TONIQUINHO: Eram muitos. Pato N’água era exímio. Tinha o Negro
Zimba, Negro Café, Negro Louco, Oliveira, Guardinha Boca Larga,
Mineiro do Rádio, Zinho, um tal de Manja Balão e muitos outros.
CARLOS: O senhor acompanhou o samba rural feito em São Paulo?
TONIQUINHO: Aqui em São Paulo todo samba é rural porque é feito
na periferia. Samba rural que você quer dizer é o samba do interior?
CARLOS: Isso.
TONIQUINHO: Você pega inúmeros modos de falar aqui. Quando
você vem para São Paulo você perde o modo, o sistema do lugar. Por
exemplo, eu fiz uma música agora que foi do jeito da minha terra.
“Quem planta cói, quem qué colhê semeia. Avisa a turma que
vai tê samba na aldeia. Carreiro, carro, vai buscar meu boi de guia,
saindo daqui agora, chega no raiar do dia.”
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Botando uma cozinha de fundo e vai cantando direitinho...
CARLOS: O senhor tem uma voz linda e uma alegria cantando.
TONIQUINHO: Eu não canto querendo ser cantor. Tanto é que vieram
aqui ontem, eu passei a música para eles pensando que eles iam
pegar cantores para aprimorar a música e gravar, mas eles me querem
cantando.
CARLOS: Então, vai ter um CD novo?
TONIQUINHO: Eles dizem que sim, mas são tantas as promessas. O que
der para mim está bom. Vai sair o CD, estão dizendo que vai sair.
CARLOS: Uma época o senhor foi morar no Rio de Janeiro.
TONIQUINHO: Fui, quando terminou a guerra. Voltei para São Paulo em
45 e fui para o Rio de volta, com a chegada dos expedicionários. Depois
voltei ao Rio novamente em 1950, para trabalhar numa demolição,
Grande Palace Hotel, na rua Almirante Barroso, esquina com a Rio
Branco, meio quarteirão do Tabuleiro da Baiana. Nunca gostei do Rio.
CARLOS: O senhor foi à rodas de samba lá?
TONIQUINHO: Não, no Rio sou devagar. Eu não ia entrar na roda, no
embalo daqueles caras. Eles tinham um embalo diferente. Primeiro, eu
quero ver bem como é que é, para poder entrar na brincadeira, senão
não entro. Eu via os caras cantando no microfone e eu só olhando.
Não sabia o que estava acontecendo, queria pegar o sistema de lá. É o
mesmo samba, mas a batida do Rio era diferente de São Paulo.
CARLOS: Hoje está tudo diferente ou o senhor acha que está tudo
igual?
TONIQUINHO: O mal de São Paulo foi igualar tanto. Bateu no Rio,
bateu em São Paulo ou em qualquer outro estado aí, alguns deles
até tem diferença, mas todo mundo segue a pegada do Rio. Já viu a
zorra que eles fazem na avenida? E a passagem da bateria? Som alto
pra caramba, trezentas pessoas na bateria. Aquele montão de gente.
A meu ver é muito alto, muita gente tocando, não tem como ouvir
porque é muito som. O samba hoje não tem mais povo, não tem mais
pegada. Eles contam uma história, botam a letra na melodia. Faz um
ritmo de avenida e põe uma melodia boa. Batuque é para se ouvir.
Antigamente no carnaval eram de cinco a dez por cento de cada ala
numa bateria, por exemplo, se tivesse quatro alas, tinha quarenta
pessoas. Como as escolas de São Paulo não tinham ala, não tinham
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formação de escola de samba, colocavam dez ou quinze pessoas no
ritmo, mas pessoas que tinham intimidade com o instrumento e com
o canto. Naquela época, a bateria acompanhava o canto, hoje o canto
acompanha a bateria. As letras das músicas atingiam o povo, hoje o
cara canta, a escola passa e você não sabe o que o cara cantou. Dizem
que é cultura.
CARLOS: O senhor acompanhou o samba em diversas fases do carnaval:
São João, Anhangabaú, Tiradentes. Conta um pouco.
TONIQUINHO: Antes os pontos de aglomeração eram no Parque da
Água Branca, paralela com a Rua Monte Alegre. Mudaram de nome
várias vezes, hoje é Avenida Francisco Matarazzo. Dali foi para a Praça
da Bandeira, de lá para o Ibirapuera. Daí foi São João que terminava no
Vale do Anhangabaú. Da São João voltou para o Vale do Anhangabaú,
então foi para a Tiradentes e da Tiradentes para o Sambódromo.
Aglomeração é o seguinte: a escola não tinha mais que cem pessoas,
talvez até menos. Ninguém gostava de andar fantasiado no meio da rua.
E não tinha condução. Condução era bonde. Aí diziam: “Nós vamos à
Praça não sei o quê!” Iam. A escola que ganhava recebia um troféu. Na
Penha tinha um doutor que botou dinheiro na taça e quem ganhasse
levava. Aí depois você ouvia: “Nós ganhamos em tal local.” E outro:
“Nós ganhamos em tal.” Todo mundo ganhava, ninguém perdia. “Vocês
ganharam porque nós não estávamos lá, senão perdiam.” Tinha esses
pontos de divergência. Um ganhava na Lapa, outro na Penha, outro
na São João e por aí vai. Os donos das padarias de bairro promoviam
a festa e os vizinhos ajudavam na promoção e ele convidava as escolas
para se apresentarem e promover a padaria dele. E assim, cada bairro
fazia um, como a Léia da UESP faz hoje, só que oficialmente. O carnaval
ficava movimentado e cada escola ia para um lugar. Na Vila Maria ia
para Guarulhos, Peruche para um lugar mais próximo. Todo mundo era
campeão. Ao longo de todo o Carnaval que eu vivi foi assim, depois
em 1968 organizou-se. Aí entram na organização Nenê, Pé Rachado,
Mulata, Carlão do Peruche, Evaristo de Carvalho, Dito Caipira da Vila
Maria, Mala, Dona Eunice, junto com o prefeito Faria Lima. Outros
podem falar melhor desta parte.
CARLOS: E como eram os encontros dos grupos no Centro?
TONIQUINHO: Passavam tocando. Tinha uma escola no palanque
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tocando, esperava a escola terminar, recebia as palmas e quando ela
saía você entrava com a sua escola. Por exemplo, no Braço Politeama,
da Estação do Brás, a escola que passasse por lá, ganhava ou perdia.
Por lá passava Nenê de Vila Matilde, Império do Cambuci, uma porção
de escolas. Passava e ganhava e chegava ao Centro e dizia: “Nós
ganhamos lá na Estação Brás”.
CARLOS: O senhor ajudou a fundar várias escolas.
TONIQUINHO: Ajudei bastante em muitas fundações, mas nunca fiquei
parado em lugar algum. Nunca fui subordinado à escola. Ajudei na
fundação do Peruche, na Império do Cambuci, Unidos de Vila Maria.
No Rosas de Ouro, fiz o primeiro samba. Muita gente foi para lá porque
o samba era meu. Ao mesmo tempo em que eu fundei o Meninos Lá
de Casa, o Pé Rachado fundava a Barroca Zona Sul. No mesmo ano.
Ele ficou em primeiro e eu fiquei em segundo, no Carnaval da Lapa, no
terceiro grupo da UESP - União das Escolas de Samba.
CARLOS: Tem algum momento do carnaval que foi muito bom e o
senhor não esquece?
TONIQUINHO: Todos os momentos foram bons, sem tirar nenhum. Só
chegava a chorar quando terminava o carnaval. Terminava o carnaval
antigamente tinha que ir à igreja rezar. Não podia nem pensar na
quarta-feira de cinzas! Sempre gostei de carnaval, de ritmo. Todos os
momentos foram agradáveis.
CARLOS: O senhor teve uma experiência com o teatro. Conte um
pouco.
TONIQUINHO: Em 1969, 1970. Tinha uma voz me chamando. Um
tal de Plínio Marcos. Eu estava sentado aí e ouvi a chamada no ar.
Marcaram um programa do “Oi, geeente!”, como é que é o nome do
apresentador? Não lembro. Tinha que cantar no programa. O Plínio me
abriu o caminho. O programa era de 15 minutos dele e quinze minutos
do outro. Aí chama o Zeca. Cantava rápido. Depois o Geraldo. Depois
Toniquinho. Saía daqui cedo para estar na rádio às 6 horas da manhã.
Sem condução. Zeca morava lá no Peruche e dizia: “tem que sair muito
cedo!” E o Plínio: “você não quer trabalhar não, porra?!” Zeca: “eu
canto porque eu gosto de cantar!” Plínio: “pois a partir de hoje tem que
chegar na hora certa.” “Eu não venho e falo mais: não tenho dinheiro
para condução!” O Geraldo vivia no centrão e era mais fácil. “Para mim
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dá!” “Então vem você!” Daqui a pouco surgiu o “Arena Conta Zumbi”,
fiquei conhecendo o Zé Keti, que eu já conhecia de vista. Ele entrou
no meio, fazendo uma graça com a gente ali, cantando samba, aí o
Plínio escreveu outra peça, não lembro o nome. Quem ensaiava tudo
era o Wilson de Moraes. Fizemos no Teatro de Arena uma temporada,
fizemos TBC, fizemos Teatro São Pedro, fora as casas particulares. .
CARLOS: Sempre tinha sambas na peça?
TONIQUINHO: No cinema, antes de começar o pianista tocava piano,
dizia ele, não sei se era verdade. Quando chegava na hora de passar
o filme, encerrava o pianista. Então, nós cantávamos nas peças do
Plínio. Cada um tocando com seu instrumento antes de começar a
peça. Quando começava a peça, a casa estava cheia de gente, daí ele
mandava começar.
CARLOS: Depois vocês voltaram com a história do samba.
TONIQUINHO: “Na Quebrada do Mundaréu”.
CARLOS: Quero agradecer muito a sua entrevista.
TONIQUINHO: Eu, Toniquinho Batuqueiro, assumo toda a
responsabilidade do que está escrito neste papel. Eu dei a entrevista
pessoalmente. Assumo a responsabilidade do que eu disse. Quem tiver
alguma coisa para dizer, fale comigo. Questione comigo, se houver
questão. Todo mundo tem mania de contar do que viu. Isso que eu
contei é a pura realidade. E só.
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DONA VERA E
SEU ARNALDO
D. Vera Lúcia Guedes, nasceu
no dia 29 de outubro de 1951,
em Mogi das Cruzes – SP. É instrumentadora de buco-maxilo.
Sr. Arnaldo Guedes nasceu no
dia 20 de abril de 1950, Rio de
Janeiro – RJ. É aposentado.
Casados desde 1972. Entrevista realizada dia 17 de dezembro de 2008.
CARLOS: Qual a sua idade?
ARNALDO: 58 anos.
CARLOS: Nasceu onde?
ARNALDO: Nasci no Rio de Janeiro, mas fui criado em São Paulo.
CARLOS: Veio para cá com quantos anos?
ARNALDO: Seis, sete anos de idade.
CARLOS: Você sempre morou aqui no Jabaquara?
ARNALDO: Não, não, eu morei em Guarulhos e fui criado na Zona
Leste. Moramos um ano, um ano e meio lá e depois fomos para a Zona
Leste, lá pro Itaim Paulista em 1958 e saímos de lá em 82. Então, nos
mudamos para o Jabaquara e estamos aqui até hoje.
CARLOS: Sua profissão?
ARNALDO: Bom, estou aposentado, mas nos últimos 24 anos,
metroviário. Eu trabalhava na área de usinagem. Fazíamos toda a parte
de componentes, manutenção para reposição de peça, construção,
desenvolvimento de peça e área técnica de manutenção.
CARLOS: Um mecânico de metrô?
ARNALDO: Não, usinador. São pessoas que trabalham com máquinas
operatrizes, fresa, retífica e torno. Era um pouco mais complexo.
Mecânico é o que atua direto na troca de equipamentos, revisão, essas
coisas.
CARLOS: Esta conversa é para você contar um pouco da sua história no
samba.
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ARNALDO: Nós, o povo negro, tudo nos foi passado pela oralidade.
Então, é preciso que se tenha documentação para registrar, senão tudo
se perde, cada um conta de um jeito e as coisas vão se perdendo.
CARLOS: Podia começar falando da sua história no samba.
ARNALDO: Bom, eu sou pioneiro na família. Não sei se por ter nascido
no Rio, mas eu sempre gostei. Comecei realmente a atuar em Escola
de Samba em 1963, na Unidos de Vila Maria como passista, aos 13
anos. Primeiro fui ritmista, saí na bateria. Passei a ser mestre-sala.
Depois, comecei com alguns amigos a ir para Rio Claro, onde eles
tinham uma escola de samba. Fomos em 30 pessoas, colegas e moças:
a nossa turminha. Devido à diferença da batucada, nós fizemos uma
reunião e resolvemos que iríamos formar uma bateria dentro daquela
já existente, mas também não deu certo porque era muito diferente.
Fomos a um ensaio e precisava de alguém para ficar na frente para
reger, e foi a primeira vez que eu fiquei na frente de uma bateria.
CARLOS: E qual era o nome da escola?
ARNALDO: Tamoio. Unidos do Tamoio de Rio Claro. Ela deve existir até
hoje, eu perdi o contato, mas deve existir. E era interessante porque
essa escola, como o pessoal mesmo lá falava, era a escola dos negros
pobres. Tinha outra que era dos negros mais elitizados, com um
poder aquisitivo maior, que era a José do Patrocínio. As duas dentro
do Carnaval eram rivais. Então, começamos a engrenar a bateria do
jeito deles com nosso jeito, e do nosso jeito com o jeito deles. Ficou
super legal, ficou diferente, com breque, intervenções. Na época, as
escolas de samba de Rio Claro também iam para Santa Gertrudes
e outra cidade que não me ocorre agora. Conseguimos ganhar o
Carnaval das outras cidades também. Em um ano ganhamos em três
lugares diferentes. Tricampeões. Ficamos lá até 73. No ano seguinte, o
Mercadoria, famoso diretor de harmonia, e mais algumas pessoas que
moravam no mesmo bairro que eu, resolveram fundar uma escola e
me convidaram.
CARLOS: Na Zona Leste?
ARNALDO: Na Zona Leste.
CARLOS: Quantas vezes o senhor viajava para Rio Claro?
ARNALDO: A gente ia mais na época de Carnaval.
CARLOS: Ficava aqui e viajava?
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ARNALDO: Não, ficávamos lá. Quando fui convidado para fazer parte
da fundação da Primeira do Itaim Paulista com o Mercadoria, o Oscar
Miguel, o Raimundo de Souza que é falecido, o Rubinho, o Zezé, Deleu
e mais algumas outras pessoas, em 74, na época, só tinha a Nenê de
Vila Matilde para o nosso lado, não tinha nenhuma outra escola. Então,
fundamos esta que tomou uma força muito grande, porque não tinha
outro divertimento. No segundo ano, fomos campeões no grupo em
que estávamos. Chegamos ao que seria hoje o grupo de acesso. Tinha
uma comunidade muito forte, a escola era só de operários. Eu tinha
amigos que saíam na bateria que eu dirigia, e esculpiam, construíam
alegoria, faziam tudo ali. Éramos uma revolução dentro do samba, com
diferenciais que a gente não encontrava em outras escolas. E o mais
importante é que todo mundo era amigo e tinha uma facilidade de
comunicação. No ano de 75, eu ganhei o apito de prata de São Paulo
por causa da bateria, era o segundo melhor. O concurso foi promovido
pela Secretaria de Esportes, Turismo e Fomento. Ganhou em primeiro
lugar, o falecido Feijoada, o apito de ouro. O Feijoada era considerado
o melhor da época. O Mestre Binha, que vinha de uma escola nova,
a Barroca Zona Sul, ganhou o apito de bronze. Faleceu algum tempo
atrás, era filho do também falecido Pé Rachado, que era presidente da
Vai-Vai. Fiquei lá até o ano de 82. Depois fui convidado pelo próprio
Mercadoria e pelo senhor Eduardo Basílio para dirigir a bateria do
Rosas de Ouro, mas na mesma época que era para eu ter assumido a
bateria, eu entrei no metrô e fiquei entre a cruz e a espada. Eu tinha
dois filhos pequenos, então dei prioridade para o trabalho. Trabalhava
à noite e acabei ficando na harmonia de 82 até 98. Tive a felicidade
de estar presente em todos os campeonatos que o Rosas ganhou. Foi
fantástica essa permanência.
CARLOS: Você foi ritmista na Vila Maria?
ARNALDO: Isso. Depois mestre-sala.
CARLOS: E tem a prova de fogo, não é? Como foi?
ARNALDO: Hoje está um pouco mais fácil. As escolas oferecem
treinamento. Naquele tempo você chegava, falava com o mestre. Ele
perguntava: “O que você toca?” “Ah, eu toco caixa”. Ele te dava uma
caixa para tocar. Parava toda a bateria e você tocava sozinho. Ou você
tocava ou então não tocava. Era o Mestre Batucada, um dos poucos
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brancos que dirigia bateria na época. Eu não tenho certeza, mas parece
que é vivo, ainda hoje. E passei pela prova de fogo, fiquei na bateria.
Foi por sorte também.
CARLOS: Virou mestre.
ARNALDO: É, depois de alguns anos. Primeiro fui passista, depois
ritmista, depois mestre-sala na Unidos de Vila Maria. Em casa tenho
dois mestres-sala. Os dois premiados. Aquele é o troféu do Diário
Popular.
CARLOS: Você estava falando da Itaim. Qual foi o motivo que você saiu
de lá?
ARNALDO: Pode-se dizer que aquela era uma escola do povo, pelo
povo e para o povo. Não tinha muita grana, tudo que se fazia lá era
feito por nós mesmos, inclusive não tínhamos nem carnavalesco.
Tínhamos um amigo que era professor, dava uma ideia para o
enredo, apresentava-o e desenvolvíamos. O pessoal confeccionava
a própria fantasia. Era um carnaval muito mais romântico sem esse
envolvimento mercadológico. Hoje as pessoas não têm esse vínculo
com as escolas. Ganhou “Acadêmicos Não Sei Do Que”, então vai todo
mundo para lá. Antes, o pessoal era muito ligado um ao outro, por
laços de amizade e em pról da própria escola. Saí de lá por divergências
com o presidente. Quando chegava o carnaval a gente tirava férias e
alguns ficavam trabalhando, confeccionando fantasia, chapéus, aquela
coisa toda. Um dia eu discuti com ele, estava todo mundo trabalhando,
nós fazíamos vaquinha para fazer o almoço e ele estava no bar jogando
baralho. Fiquei louco da vida e discuti com ele. Acabou o carnaval e eu
acabei saindo. Ele achava que estava certo porque era o presidente,
e eu achava que ele como presidente tinha que estar junto. Saí por
esse motivo, e desgostoso, pois eu era fundador, mas não teve jeito.
Eu me divergia com ele, então, era melhor sair. Fui para o Rosas, fui
ficando até chegar a diretor geral, o presidente de harmonia, como era
chamado lá.
CARLOS: E a Itaim, ficou quanto tempo?
ARNALDO: A Itaim foi até agora, 2002, 2003. Depois de alguns anos
cheguei a ter enredo lá.
CARLOS: Você lembra do samba?
ARNALDO: Ah, não vou lembrar, Infelizmente. É que vai passando e já
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entra com outro samba, outro ano, acaba esquecendo.
CARLOS: O samba enredo tem sido difícil ficar na memória também.
ARNALDO: É que mudou muito a linha de samba. Tem samba de vinte
anos atrás que é cantado como se fosse atual, tinha uma melodia
bonita, uma letra marcante, só que no decorrer do tempo e da própria
necessidade da organização de desfile, hoje está tudo mudando:
meio marchado, samba curto, com refrão e dois refrões fortíssimos. A
função da escola é desfilar. Antigamente era muito mais compassado,
com ritmo, dava para fazer sambas mais compridos, com uma poética
muito maior. Hoje a necessidade transformou o desfile em outra coisa.
Apesar de ter crescido muito, o carnaval em São Paulo perdeu um
pouco do romantismo.
CARLOS: Esse romantismo que você fala, em algumas letras, a gente
tem um pouco dessa imagem.
ARNALDO: Hoje, veja bem, nós temos os chefes de ala que são muito
diferentes do que era naquela época. Hoje as fantasias são fabricadas,
antigamente eram montadas, feito a mão, de bordar lantejoula, de
colocar a unha. As pessoas que iam naquela ala, tinham a obrigação,
bordavam a sua própria fantasia ou ensinava outro colega, outro
componente, outro amigo a bordar também. Esse tipo de romantismo
se perdeu, hoje você compra pela internet, já começa por aí. As
pessoas não têm muito vínculo. Tem uma meia dúzia de malucos iguais
a mim que ficam o ano inteiro frequentando, mas é minoria. Então, o
romantismo hoje é você sair numa escola de samba, mas sair é fácil. A
grande maioria que procura uma escola de samba hoje não conhece
ninguém. Vai lá, escolhe a fantasia. “Quanto é?” “X”! Divide em quantas
vezes quiser, paga no cartão, cheque pré-datado, faz boleto e à vista
tem desconto. Perdeu-se o vínculo. Esse ano vai para a Vai-Vai, ano que
vem vai para a X-9, depois à Mocidade. Era uma grande família, todo
mundo se conhecia, sabia o nome do pai, sabia o nome da mãe. As
escolas cresceram muito. Antigamente uma escola com 700 pessoas
era de grande porte, hoje as baterias têm 400 pessoas. As escolas têm
2.500, 3.000 pessoas. É uma coisa impressionante.
CARLOS: E os desfiles, você chegou a pegar...
ARNALDO: Peguei Anhangabaú, o primeiro, peguei São João, peguei
Tiradentes, que saudade! Acho que na boca da maior parte dos
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sambistas a Tiradentes foi o auge, tinha a terça-feira gorda. Aquilo era
excepcional, apoteose. As escolas chegavam completas, tinha desfile
oficial e depois desfilava o campeão da apoteose, aí já era uma coisa
mais despretensiosa, não tinha aquela rigidez toda de desfile, uma
coisa muita mais leve, uma coisa solta.
CARLOS: Meio São João?
ARNALDO: São João, não. Não é isso. Era outro desfile. Estava com
saudade disso aí, porque era um desfile muito leve, solto e alegre,
então colocava tudo para fora. Durante o campeonato, tinha de
cumprir uma série de regras, não pode isso, não pode aquilo, mas não,
isso já passou.
CARLOS: O desfile dos desejos.
ARNALDO: Era excepcional. Era fantástico. A gente se divertia muito.
Às vezes o campeão da apoteose era muito diferente do campeão
oficial. O oficial nem importava, o importante era a Apoteose.
CARLOS: Procurei algumas pessoas na Avenida Tiradentes para falar
um pouco dos desfiles daquela época. Foi muito difícil encontrá-las.
Queria saber dos moradores o que significava aquilo para eles.
ARNALDO: Eu não tenho nem ideia. Acredito que deveríamos
atrapalhar. Quando era na São João, não tinha cobrança de ingresso,
não tinha arquibancada, era corda, e o público participava mais na São
João. A arquibancada começou na Tiradentes, sempre teve. No começo
era gratuito e depois começou a cobrança até por conta da estrutura.
CARLOS: Teve um morador que ficou muito impressionado com uma
mulher que saiu nua.
ARNALDO: Foi na Camisa Verde.
CARLOS: Ele achava que era Vai-Vai e outra pessoa também falou que
era Vai-Vai.
ARNALDO: O Camisa saiu com o enredo que falava da natureza. Vinha
uma cascata e uma mulher lindíssima caracterizada de índia, tomando
banho na Cascata, se bem que o carro era 4mx4m, hoje é de 40m. Foi
uma revolução.
CARLOS: Você quer contar alguma história?
ARNALDO: Eu nunca desfilei na Vai-Vai. Meu filho foi campeão algumas
vezes por lá. Apesar de nunca ter desfilado na Vai-Vai, eu tinha muitos
amigos que eram de lá. Eu gostava de tocar caixa. Saí da Zona Leste
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com um amigo, Louzaninho, o filho do Louzá que foi apitador do VaiVai. No Vai-Vai guardavam-se os instrumentos em frente onde é hoje a
sede da UESP, logicamente a cidade não era do mesmo jeito. Não havia
aquele viaduto na 13 de Maio. Tinha o Cordão Vai-Vai, sob a regência
do Mestre Feijoada e tinha o Cordão Fio de Ouro, subia um e vinha o
outro. Tinha o repenique, ou repelique, como alguns falam, que era
usado para o primeiro racha para chamar o samba. Numa dessas vezes
peguei um tarol, que é mais fininho e repica mais. Ele estava bem
afinado, com a esteira, o bordon que é tipo aquela corda de violão.
Acabei de pegar e chegou um cara querendo pegar também. Encheu
o saco. Conclusão, final do samba, o mestre fez o sinal para o breque.
E o cara lá, “me deixa pegar”, e eu não querendo deixar. Fizemos o
breque, todos prestando atenção no samba. O Mestre Feijoada tinha
feito sinal para parar e sozinho eu chamei o samba de volta. Naquele
tempo a gente falava “dar a mão para bolo”, ou seja, você levava
baquetada. Não tive dúvida, coloquei o talabarte no pescoço do cara e
saí andando. Foi ele quem apanhou. Depois de muitos anos, lembrei e
contei para o Feijoada, que morreu de dar risada.
CARLOS: Você lembra da primeira roda de samba que você foi?
ARNALDO: Naquela época você não tinha necessidade de um
medalhão para lotar uma quadra. As rodas de samba eram feitas
pela ala de compositores da escola, das oito da noite até às quatro
da manhã. Cantava todos os sambas da escola e de outras escolas de
São Paulo e do Rio de Janeiro, mas também não tinha a concorrência
que tem hoje. Hoje tem samba em tudo quanto é lugar. Quem queria
ouvir samba tinha que ir para uma escola de samba. A primeira que me
lembro é a própria Peruche, mas da região que eu morava era a Nenê
de Vila Matilde. Outra coisa, para ingressar numa ala de compositores
você passava por uma peneira. A pessoa tinha que fazer um samba
de quadra, samba de exaltação para a escola, e num dia determinado
apresentava o samba, que passava pelo crivo dos mais velhos. Era
comum ouvir: “Está bom, volta ano que vem!”
CARLOS: Qual o desfile que mais te emocionou?
ARNALDO: Todo desfile é uma emoção, mas um dos primeiros que
mais me marcou foi na Itaim, fizemos o enredo Menino dos Palmares.
Os destaques eram todos de lá, não tinha destaques como hoje que
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gastam fortunas. Era confeccionada à mão e nós fomos campeões com
este enredo. Era a história de um livro infantil, se eu não me engano o
autor é Leandro Dupret, chamava-se Menino dos Palmares. A história
de um casal, onde era uma princesa africana trazida para o Brasil,
como escrava, e ele também na mesma fazenda. Eles se conheceram,
mas devido às tradições africanas ela foi prometida a outro e como
a família não concordava, eles fugiram. Foi a primeira vez que a
comissão de frente fugiu do tradicional que era terno, fraque, cartola,
chapéu panamá, e saiu vestida do que denominados de embaixadores
africanos. Eles estavam vestidos com uma túnica florida, um cocar de
samambaia. Foi tocante pela simplicidade do enredo e pelo resultado.
Teve outro do Rosas em que o carnavalesco vestiu todo mundo em
tons de rosa. Era um mar de rosas, muito bonito. Emocionante.
CARLOS: O apitador foi até que ano?
ARNALDO: Acho que até década de 80.
CARLOS: Então, você foi apitador.
ARNALDO: Fui. Apitador. Depois foi mudando para diretor e depois
mestre, mas naquela época as baterias eram muito menores, então
você conseguia apitar e você dirigia a bateria com um sinal sonoro,
chamado de breque. Hoje o pessoal usa muito sinal. Dentro da bateria
tem mais quatro ou cinco auxiliares reproduzindo o gesto do diretor
que está lá na frente. Uma bateria com 300 ou 400 pessoas fica meio
difícil só o apito, naquela época não.
CARLOS: Como é a tua relação com as escolas?
ARNALDO: Ótima.
CARLOS: Você continua no Rosas de Ouro?.
ARNALDO: Sou da direção de harmonia da Camisa Verde. Depois, na
Rosas, tive uma divergência também. Como não sou remunerado e não
tenho carteira assinada com nenhuma escola de samba, eu me reservo
o direito de ser, no mínimo, respeitado. Saí do Rosas de Ouro e fui para
a Mocidade Alegre. Era uma escola que vinha, desfilava bem e não
assustava. Junto com a presidente, Helaine, que me deu carta branca
para trabalhar, comecei a incutir nas pessoas que nós podíamos. No
ano de 99 tivemos problemas com a alegoria que não entrou. No ano
seguinte virei diretor de harmonia da escola e já chegamos ao segundo
lugar com a X-9, mas perdemos no desempate e ficamos com o terceiro.
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Foi quando começaram a acreditar no nosso trabalho. Saí de lá com a
escola vice-campeã. A presidente Helaine entregou o cargo, doente
já, e eu, presidente da harmonia, cargo de confiança do presidente,
entreguei junto com ela. Hoje a Mocidade é isso aí. Tem um pouquinho
do meu dedo lá. Por isso que eu digo que a minha relação com as
escolas é ótima. Eu entro e saio e sou muito bem recebido. Não só eu,
como toda a minha família.
CARLOS: Hoje é Camisa?
ARNALDO: Hoje ela caiu, está no acesso, e eu estou na Harmonia.
Minha mulher é chefe da ala das baianas. Estamos trabalhando para
o Camisa voltar para o lugar dele. Falta um pouco de auto-afirmação.
Uma escola de muita tradição. A Mocidade levou quatro anos para se
firmar. Estamos tentando também no Camisa.
CARLOS: A sua esposa sempre foi do samba?
ARNALDO: Não, quando nos casamos ela não era. Hoje é considerada
uma das melhores chefes de baianas de São Paulo. Por eu ser do Rio de
Janeiro, temos muitas amizades lá, então vamos aos cursos, palestras.
Hoje a família toda participa, até os netos.
Seu Arnaldo mostrou suas fotos e reportagens e sua esposa,
Dona Vera, participou da conversa.
DONA VERA: Na época da Tiradentes eu levava meus filhos para assistir
ao desfile, o Arnaldo estava trabalhando pelo Rosas de Ouro. Meu filho
demonstrou interesse em participar e quando ele fez 14 anos, já estava
treinando o samba que se aprendia na escola com um grande mestresala chamado Jorge Luís. Um dia ele me disse que estava doente, mas
eu não acreditei. Ele dizia que meu filho seria um dos grandes mestressala de São Paulo. No mesmo ano em que ele morreu meu filho ganhou
o primeiro prêmio como melhor mestre-sala de São Paulo. Jorge Luís
não desfilou porque estava muito doente. Ele morreu com 20 e poucos
anos, foi muito triste. Jorge Luís foi um dos melhores mestres-sala
que o Rosas de Ouro teve. Eu me orgulhei muito quando meu filho foi
dançar pela Império Serrano em homenagem a ele. A gente tem que
agradecer mesmo aqueles que se foram, pois eles deixaram um belo
trabalho. O samba deixou muita coisa maravilhosa. Hoje não temos
grandes harmonias, grandes passistas. Nós temos cópias.
O carnavalesco tem um sonho. A gente vive no sonho dele,
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é um arco-íris. Ele põe várias das cores, várias das histórias e só ele
entende. Vamos revelar o sonho do carnavalesco. Você não sabe a
história que ele vai trazer para você, mas você vai fazer.
ARNALDO: A montagem final está na cabeça dele. Nós presenciamos
casos, não causos, de escolas de samba que se propuseram a falar de
religião. É coisa complicada. É perigoso, segundo mãe e pai de santo,
tem que pedir licença ao santo, se pode usar aquela vestimenta, se
pode falar tal palavra, se pode vir tal imagem representada no carro.
No desfile das campeãs, acho que em 94, um carro da Peruche foi até
o meio da avenida, parou e ficou no box da bateria.
DONA VERA: Meu marido era da harmonia da Rosas e da coordenação
da Liga e eu estava com o Pavilhão (do Peruche) porque meu filho ia
ser o segundo mestre-sala dela. Eu vinha vestida de boina jogada de
lado, com uma roupa preta e um pano africano. Eu estava andando,
pois queria ver toda a escola e tinha aquele santo, o Tranca Rua, o Exu.
Até então estava tudo certo. De repente passa o diretor de carnaval
perguntando quem tinha mandado colocar aquele homem (alegoria)
na frente, e dando ordem para que ele fosse o terceiro carro e que
trouxessem o carro de Xangô no lugar dele. Todo mundo botou a mão
na cabeça pedindo para que ele não fizesse isso.
ARNALDO: E a noite estava maravilhosa!
DONA VERA: Estava muito calor, o Arnaldo saiu no Rosas, e eu e meu
filho íamos sair no Peruche. Na verdade saímos em várias escolas.
ARNALDO: Foi então que trocaram o carro.
DONA VERA: E começou uma ventania, tão forte que não tinha onde
se segurar. E o vento arrebentando as alegorias da escola, o povo
tentando segurar tudo. De repente veio a chuva forte que durou cerca
de alguns minutos, mas foi aquela tempestade que não tinha onde
se segurar nem esconder. Foi ali que comecei a conhecer a figura. Ele
vinha lá de baixo e quando chegou à porta, pronto para entrar, todo
mundo passou e ele ficou. Quando o carro chegou ao portal, ele virava
para todo lado, menos em direção a avenida. Tentavam empurrar para
a outra direção e ele não ia. Exu não vai desfilar e não desfilou. Acabou
o desfile, acabou a chuva. Fomos empurrar o carro para trás e ele foi
lindo da vida para a concentração, sem nenhuma dificuldade.
ARNALDO: Foi o segundo ano do Anhembi.
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DONA VERA: Ela não foi desclassificada. Ficou em quinto lugar e ia para
o Desfile das Campeãs.
ARNALDO: E aí o carro desceu na frente.
DONA VERA: Levaram-no para passear. Andaram com ele na avenida
todinha. Todo mundo dizia que era o carro de Exu.
ARNALDO: Arrumaram a caixa de direção à tarde inteira. Ele entrou na
frente para o desfile, mas só conseguiram levá-lo até o meio, no recuo
da bateria, a muito custo, pois ele não andava em linha reta.
DONA VERA: Você precisava ver. Eu não desfilei para ver o que estava
acontecendo. São Paulo inteira estava esperando.
ARNALDO: O carro estava lindo.
DONA VERA: Lindo, lindo. O carnaval para mim é uma história e eu vivo
dentro dela. Existem muitas histórias, nós vivemos numa festa mística.
Eu não sei quem esta lá dentro e você esquece quem você é. Em 60
minutos você se transforma. Esquece que tem problemas, quem é
teu parceiro, tua parceira, quem é seu amigo, quem é você. Quando
acorda e olha para trás, já passou, já desfilou.
CARLOS: Obrigado.
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MESTRE DIVINO
Sr. Valdevino Batista
da Silva, Mestre Divino, nasceu no dia
31 de maio de 1950,
em Salvador – BA. É
Calceteiro. Entrevista
realizada no dia 06 de
fevereiro de 2009.
CARLOS: Qual o seu nome?
DIVINO: Meu nome é Valdevino Batista da Silva. Todo Batista tem
que ter Silva, Alves ou Ferreira. Eu gosto de tocar, sou batuqueiro. A
batucada tem estilo e a bateria tem padrão. Então, a gente prefere
estilo à padronização. Você ensina criança, adolescente e melhor idade,
tudo o que a pessoa consegue mentalizar em questão de ritmo: pode
ser corda, teclado ou sopro. O que você imaginar fica mentalizado com
noção de compasso e de tempo. Pode ser quem quer que seja: adulto
ou criança. Conversamos meia hora e depois a pessoa faz aquilo (o
som) com a boca. A partir do momento que ela fizer com a boca, ela
mentaliza e será automática a coordenação motora. Quando ela errar,
para e relembra com a boca. Então, volta para a mão. Você nunca
tocou, mas, se você passar dez minutos aqui, vai embora pensando
no caso. O primeiro passo é mentalizar. Vira e mexe tem show,
apresentação, um bate papo com pessoas que não são do samba e no
final da apresentação está todo mundo fazendo uma batucada com a
boca e uma batucada com as mãos. A pessoa pode, através disso, ter
um norte, ter uma referência de onde ela quer chegar. A batucada é
assim: ela tem seis estilos para serem tocados. A bateria é no máximo
uma coisa, ela é padrão. Não tem como fugir daquilo. Tem um monte
de reportagens falando da corte, da batucada, bateria, rainha da
bateria. Quem tem que aparecer é quem está tocando. Você coloca
lá a atriz Fulana de Tal, aquele esplendor! Você coloca dez na frente e
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Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
quem está dando o som fica em segundo plano. Aqui a gente coloca
logo na frente as crianças, os adolescentes, a melhor idade, as moças
e as senhoras. O neto tocando com a avó, o pai tocando com o filho,
o filho com os primos, o vizinho com os vizinhos. As pessoas vêm de
lá do outro lado da cidade, da Grande São Paulo. Tudo na batucada
é tarol, tarolzinho e caixa de guerra. Cada estilo que você tocar tem
que ter bumbo com surdo, surdo com surdo, bumbo com bumbo, um
surdo de quarta e um de quinta.
CARLOS: Como um de quarta e um de quinta?
DIVINO: Na batucada tem isto. Bom, vamos fazer um estilo normal (faz
com a boca). Se ele fizer com a boca ele vai estar com a coordenação
motora lá (faz outros com a boca). Tem pessoas que confundem tudo
(faz com a boca). Não tem nada a ver um negócio com o outro. Você
entendeu a diferença de bateria para uma batucada? Uma batucada(faz
com a boca). Uma bateria (faz com a boca). Não tem nada a ver uma
coisa com outra. Até entendo como as pessoas conseguem chegar
nisso (faz com a boca). Tem pessoas com um nível de conhecimento
que passam tudo errado para os outros. Nada contra, mas cada um na
sua. Agora, falar que “eu tenho a batucada!”, isso daí já era! Quantos
sambas você conhece que têm batuqueiro? Um monte, mas um
monte mesmo. A origem disso daí é o mesmo caso da baiana dentro
da história do samba. Seja qual for o enredo, futurista, histórico, ficção
tem que ter a baiana, por quê? Tudo começou por onde? Os primeiros
negros escravos desceram onde? Na Bahia. No primeiro batuque,
quem cozinhou os restos dos porcos que deu na feijoada? Então, por
que tem baiana? Para não perder as origens. Com o tempo isso vai se
perdendo por outras pessoas que se acham donas do curral e também
porque tem um monte que não se valoriza. Seja você, faça o que você
sabe bem. Trombe com as ideias que não são. Não seja empregado
de ninguém, logicamente, se você é um atelier de barracão, de
aramagem, então você é um profissional, tem que ganhar porque está
trabalhando, mas jamais pode perder a essência do samba, da escola.
Tem um pessoal que quer dar diploma para a gente.
E a minha origem na escola de samba é com a seresta. Se
eu fosse puxar pelo meu pai seria música caipira. Gosto até hoje de
música caipira e não perco no domingo a Inezita Barroso na TV Cultura,
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um Rolando Boldrin, não perco um Ensaio na TV Cultura, e nas TVs
tudo passa e o samba vai ficando. Quem garantia que o Timbalada ia
sumir? Aquele som que eles deram uma sugada na escola de samba,
que não era aquilo, eles sabem que não. Eu tenho participação no
samba da Bahia de 30 ou 40 anos atrás. Ninguém fala como é. É como
se fossem os criadores. Puxou alguma coisa de escola de samba com
o Carlinhos Brown, nem sei onde ele está, mas passou e nós vamos
continuar. Dias atrás teve um evento aí que eu chamei de “INSS do
Samba”. Para, meu! Quem não tem histórico e não respeita o próprio
passado é a mesma coisa que não respeitar a avó, o pai, a mãe. Quem
não tem passado, vai ter futuro duvidoso. Há outros interesses que
acabam achatando quem realmente sabe que tem história. Escola de
samba não é alegoria e fantasia. Escola de samba é canto, evolução,
harmonia, melodia, bateria, batucada, ritmo e percussão. Não tem
outra coisa.
CARLOS: Qual sua idade?
DIVINO: 60 anos.
CARLOS: Nasceu em São Paulo?
DIVINO: Nasci na Bahia, mas quando me mudei para cá, eu tinha 6
anos.
CARLOS: De que cidade?
DIVINO: Salvador. Meu pai é de Salvador e minha mãe de Olinda,
Pernambuco. Meu pai era um negão de 1,80 e minha mãe, uma branca
de 1,76. Tenho sangue de branco e de negro, mas sou negro. É aquela
história, passou das 18:00, meu amigo, não venha contar história. E
a gente sente na pele como é: tudo o que é de negro duro e branco
pobre é mais difícil para o negro duro.
CARLOS: Qual a sua profissão?
DIVINO: Sou funcionário público municipal, minha origem é calceteiro,
que trabalha com asfalto e com paralelepípedo. Eu já tenho idade para
me aposentar, mas eu não quero. Aposentar para não ganhar nada,
prefiro trabalhar e ganhar pelo menos o necessário, mesmo achando
que não é o que mereço, mas é melhor do que o INSS da vida.
CARLOS: Como foi o seu início no samba?
DIVINO: Meus irmãos eram seresteiros e ouviam de tudo que você
possa imaginar. Eu sou pai de 13 filhos da mesma mulher. Meus filhos
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
todos gostam de samba. Se eu tivesse que puxar meu pai, seria música
caipira, mas eu não gosto de música sertaneja. Gosto de música caipira,
aquela original com violinha, a popular, a da fazenda, da boca do mato.
O único lugar em que todo mundo é igual é no ensaio da
escola de samba, em uma concentração, em um cortejo, em desfile. Ali
você tem doutor, advogado, político, malando, prostituta, vagabundo,
pessoas com alto nível de estudo, médico, cirurgião. O único momento
em que todo mundo é igual é em um ensaio de escola de samba,
concentração ou desfile. Acabou? Acabou!
De bateria e batucada, de cada dez, 9,5 é bateria. Uma batucada
tem 19 tipos de instrumento, uma bateria tem 12: primeiro, segunda
e terceira, repenique, tamborim, chocalho, agogô, cuíca, prato, de vez
em quando, se você procurar, tem algum cara fazendo a quinta, mas às
vezes ele nem sabe. A batucada é diferente, ela tem 19 instrumentos
de várias medidas para dar uma tirada de som que, no fim, dá um
conjunto da obra, que ao ouvir, você fala: “Que afinação!” Muita gente
gosta do que a gente faz, de como a gente é ou de como passamos para
eles. Como também tem muitos que não gostam. Tem gente que odeia
o jeito que eu falo, mas é um festival de mentiroso. Qualquer peça eu
toco, eu monto e desmonto, eu sei. Muitos têm medo de falar para não
se indispor com alguém. Poxa, tem quadro lá na Globo que eu fico só
vendo. Ali deveria aparecer quem toca. Às vezes está até estourando a
mão, e só vai estourar a mão quem não aparece no ensaio e não criou
resistência na pele. Até o carnaval você tem 40 ensaios. Não gosto
quando a mão está sangrando e os caras comentam: “Está dando o
sangue mesmo!” Nem sabem o porquê. Uma coisa que eu odeio é o
comentarista da Globo, não dá. Queria mandar um fiscal dizer que não
precisa comentar, deixa a gente passar. Os caras não sabem nada. Aí,
colocam um sambista lá que fica com medo de dizer alguma coisa e
perder o emprego. A gente não consegue ver três minutos de desfile.
“Cala a boca, mulher!” “Cala a boca, cara!” Pelo amor de Deus!
CARLOS: Você lembra da primeira roda de samba que você foi?
DIVINO: A primeira roda de samba que eu fui era assim: terrão, não
tinha asfalto. Antigamente, a gente tinha manteiga, hoje em dia é
que tem a margarina, meio sebosa. A manteiga vinha numa latinha
pequena, tinha a proteção de alumínio e a tampa. Todas as bexigas
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estouradas eu guardava. Quando acabava a manteiga, eu cortava o
forro e esticava a bexiga em cima e pedia para o meu irmão amarrar
o cordão. Beira de campo. Nós montamos, com latão de carbureto,
latinhas de manteiga, chocalhos de rolha e tamborins. Minha primeira
roda de samba foi lá em um bairro entre Artur Alvim e Vila Ré. Era tão
bom que a gente cabulava aula para nadar. A maldade que tinha era
roubar fruta na chácara. O que é roda de samba hoje era seresta de
antigamente. Meus pais não deixavam, mas, quando eles dormiam,
a gente abria a veneziana devagarzinho e pá, atrás dos meus irmãos.
Ainda meus irmãos falavam: “E o café?” Ainda tinha a manha de ir à
casa dos amigos fazer litro de café e misturar com pinga. Amanhecia o
dia sabendo que ia apanhar. Apanhei muito. Meu pai era assim, fazia
qualquer coisa, não falava nada. Chegávamos eu e meus irmãos, ele
não falava nada. Eu tomava banho, tomava café e quando entrava
debaixo da coberta ele ia lá. “Levanta!” Cinta de couro cru. “E você não
vai dormir.” Ia varrer quintal, catar papel, alumínio, engraxar sapato,
fazer carreto na feira, ia ajudar minha mãe. Era tempo do filão, não
tinha bengala nem pãozinho, era filão e broa.
CARLOS: Conta alguma passagem inesquecível.
DIVINO: A maior vergonha que eu passei na minha vida foi na Nenê
de Vila Matilde. Eu fui jogado do palco para baixo e metade da
batucada no Clube Tietê, pois a Nenê fazia batucada. Hoje, posso
falar, de conhecimento, que não fazem mais. A outra metade ficou na
quadra. Dava um breque e eu fazia um solo (fez com a boca). Eu fiz o
tulugundum? Não fiz. Passei batido. Um me pegou no braço. Outro
pegou no outro, me viraram de cabeça, me jogaram do palco para
baixo e todo mundo rindo da minha cara. Que vergonha! Pus aquilo na
cabeça. Subi lá e falei: “Vocês aprenderam, não é?” Não faltei em mais
nenhum ensaio. Deus é justo: era o segundo desfile do Anhangabaú e
adivinha o que aconteceu? A malacacheta de todo mundo estourou.
Adivinha qual ficou inteira? A minha. Adivinha o que eu fiz? Sentei
o pau. Foi ali que começaram a me ver com outros olhos. Isso era
no tempo em que a gente levava baquetada. Quem vinha desfilar,
agredia. Era negro bom de rodo, bom de cabeçada, bom de murro,
mas também não tinha covardia. “Vai para a roda, vai brigar.”Ficava ali
aquela meia hora, acabou não tinha mais continuação com inimizades.
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
Eu sou do tempo em que mulher que dava à luz ficava de quarentena
e recém nascido enfaixado e depois não tinha problema na espinha.
O samba, por ser uma referência, a pessoa não aprende só a
tocar, mas a socializar, a conviver. Se for mal educado, vai aprender a
ter educação - a gente tenta tornar a criança inteligente e não esperta.
Aqui toca criança, adolescente e melhor idade. Todos juntos e se
respeitando. Eu gosto mais de tocar do que de dirigir, pois eu tocando,
eu passo para as pessoas. Agora, ficar na frente dando ordem não
rola. Eu tiro um barato quando estou na frente. E não gosto de tocar
um instrumento só. Na noite passada, eu toquei tarol, malacacheta,
chocalho e surdo centralizador. Eu tinha uma bolha aqui e hoje de
manhã eu tirei. Se ela surgir, não estoura, pois aí arde. Esta daqui
foi feita na terça-feira, parece que não. Ou aquela velha coisa que o
pessoal não acredita. Tem pessoas brancas que a pele é mais fina, ou
não é tão grossa quanto a de um negro, ou alguém que é pedreiro,
carregou concreto, fez trabalho braçal ou já toca há muito tempo.
Antes de tocar, vai ao banheiro urinar e urina na mão, depois você lava
e vai lá tocar. Isto é sério. O que é a urina? Urina é coisa expelida que
não pode ficar no corpo, justamente a parte áspera. Vai lá, fica um,
dois minutos e lava a mão para o outro não pegar de tabela na sua
urina!
Tem pessoas que chegam aqui para vir tocar e dizem: “Toco
surdo!” Não meu, o princípio da coisa tem um caminho. Tem que
aprender, dar valor, tem que tocar chocalho. Chega cara aqui dizendo
que toca tudo. “Toca chocalho?” Se não toca, não toca nada. Pode
bater tudo, mas não toca. Se você aprender a balançar o braço
balanceado, meio acelerado, tem a coordenação motora necessária
porque você vai trabalhar toda a musculatura do braço e do ombro.
E você vai se familiarizar e pegar o tino enquanto o andamento está
sendo tocado (faz com a boca). Daí, você vai partir para outra coisa
(ensina-me a fazer o som das batidas na boca e, posteriormente nos
joelhos). Tudo tem que mentalizar. Fizemos aqui um minuto. Você vai
embora fazendo no carro. Duvido que não vá (faz com a boca), daí com
todos os estilos.
CARLOS: Você contou das rodas de samba no campinho. Depois, você
continuou fazendo instrumentos?
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DIVINO: Eu fui fazendo. Tenho instrumento que tem mais de quarenta
anos.
CARLOS: Estão aqui?
DIVINO: Tem três pandeiros. Um para samba enredo, um para partido
alto e outro que é para som de seresta. São sons diferentes.
CARLOS: Toca aí.
DIVINO: Este pandeiro aqui é relíquia (toca). Este já é completamente
diferente (toca).
CARLOS: Partido alto.
DIVINO: E este outro (toca e canta o samba-enredo da Escola de
Samba Imperial). Quem virava, dentro da batucada, era a frigideira.
O tamborim vinha tocando o telecoteco na marcação. Enquanto um
fazia uma coisa, o outro fazia outra (neste momento, Divino, chama o
Alan para mostrar a combinação. Enquanto um fazia uma parte, outro
fazia outra e em um dado momento os sons se misturaram) Só que
quem virava tudo era a coitada. Tem a coitada e a coitadinha (toca a
frigideira maior). E a coitadinha junto (toca a frigideira menor). E isso
foi levado para o tamborim (demonstra). Esse daqui é o tarol, mas tem
o tarolzinho que é menor que este aqui. E você tem seis maneiras de
tirar o som dele, dentro da batucada (demonstra as seis). E, para cada
uma, você tem que ter uma tirada de som de terceira e de quarta, pois
a quarta dá base para a terceira. Cada estilo deste você tem que tocar
de uma maneira, tem uma afinação. Por isso que eu digo, batucada e
bateria. A mão esquerda tem que ser mais usada (toca). Todo mundo
pensa que só tem uma mão (toca).
CARLOS: Queria que você contasse das escolas que você passou e dos
desfiles.
DIVINO: De 68 até 81 eu fiquei na Nenê, depois, onze anos de Camisa
Verde; dois anos de Peruche; dois Carnavais na Leandro; três meses na
Vila Maria; vinte e nove dias na Império da Casa Verde, logo quando
começou. Aqui estou desde a fundação como batuqueiro. Eu sou do
tempo do apitador, na época em que, na batucada, tinha até clarim (faz
com a boca). Depois, o apitador passou a ser diretor de bateria; diminui
o negócio da batucada e hoje são todos mestres de bateria. Você olha
a bateria com 200 e você vê lá dez caras. Acho ridículo! Um levanta
a mão e grita: “Agora”. E quando é o cara que está tocando levanta a
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mão e grita: “Agora”. Isso está demonstrando que a bateria não está
bem ensaiada, que você não ensaiou direito, que tentou fazer e não
conseguiu ou que você tem muitos amigos, trutas, camaradas, manos
e irmãos. Se tiver a oportunidade de vir, venha na batucada para eu te
provar o que estou falando. Todas as pessoas, sendo crianças ou avós,
cantam o samba de cabo a rabo. Pode soltar sozinho que ela vai. A
questão de ter um indivíduo lá na frente que sou eu é uma questão só:
quem canta, dança, quem canta e dança, se empolga. E se quem canta,
dança, se empolga e toca, faz o negócio ferver. Todo mundo sabe que
aqui, quando para a batucada, continua com a boca. Fica todo mundo
cantando e a batucada com a boca. A pessoa que toca tem que ser
expansiva, tem que ser alegre, estar livre, leve e solta. Ela pode estar
louca, muito louca, dopada de ritmo, de percussão, transpassada, na
vibração, porque é uma escola de samba.
Quantas senhoras que vem aqui começam a tocar? Daí começa
a melhorar a circulação, parte da musculatura. Vem aí e melhora. Tem
um rapaz que é cobrador de lotação, ele escorregou da perua, veio
um carro e passou por cima do braço. Foi internado e fez cirurgia.
Ele era batuqueiro com a gente aqui. Quando ele voltou com o braço
esquerdo livre, voltou chorando. “É, não dá mais”. “Não dá mais o quê?
Morreu? Estou vendo você aqui, como não dá?” Ele estava falando
isso no meio de um monte de gente. Falei: “Vem cá, vamos fazer um
exercício”. Ele fez a cirurgia na mão direita e estava tocando com a mão
esquerda. A dele foi fratura exposta. Agora tirou e só está com o dedo
engessado. Como está tocando com uma mão só, tem que deixar esta
mão para cima para dar apoio. “Mas não dá!” “Lógico que dá!” Pegou
o chocalho, apoiou com a mão aqui (demonstra) e foi treinar, e o
ensaio rolando. Daqui a pouco fui ver e o braço dele que parecia estar
jogado ao vento, estava um pouco para cima. Depois quase colocou a
mão no ombro. Terminou o ensaio e quando ele voltou, já conseguia
mais, por incrível que pareça. O tato já havia voltado, a coordenação
de punho, de cotovelo. Tem que pensar positivo e envolver aquilo com
o seu físico, caso contrário, daqui a pouco você estará um bagaço.
Eu tenho um menino aí que ele tem um problema neurológico.
Ele foi criado lá na favela. Tudo o que você manda fazer ele faz. Pode
ser ruim, ele faz. A polícia chegou lá: “Onde está a boca?” Ele levou a
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polícia lá. Inocentemente. Ontem eu fiquei bravo com ele; por quê?
Estava saindo do banheiro e estava entrando um dos menininhos e
ele atrás do moleque com o dedo em riste na nuca dele: “Pá, pá, pá,
pá!” Aquilo me atravessou. Levei-o longe e dei aquela lavada nele.
Em um garoto desses você não vai bater, já falei com a mãe: “Toma
conta porque corre risco”. Ele não tem noção. A mãe dele tem um
problema físico e não consegue correr atrás. Fiquei uns dez minutos
na orelha dele, explicando quantas vezes ele viu dentro da escola
qualquer pessoa, componente ou qualquer outra pessoa, inclusive eu,
ter este tipo de procedência? Quantas vezes alguém da escola ensinou
coisa ruim para ele fazer? Só sei que ele chorou um monte ali. “Eu vou
embora.” “Então, vá com Deus!”
CARLOS: Obrigado, Mestre Divino.
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VALDIR CACHOEIRA
Sr. Valdir Cachoeira
nasceu no dia 11 de
março de 1954, em São
Paulo – SP. É funcionário
público. Entrevista realizada dia 07 demarço de
2009 após apresentação
no CEU Guarapiranga.
CARLOS: Valdir Cachoeira, sambista da Rosas de Ouro, da Velha Guarda.
Qual sua idade?
VALDIR: Eu tenho 54 anos, dia 11 de março eu faço 55. Vai ter feriado
no mundo, se o mundo não fizer, eu faço feriado.
CARLOS: Faremos juntos!
VALDIR: Nasceu uma historinha da escola de samba, bem na periferia,
bem no fundo, não tínhamos quadra. Eu era muito ligado a Rosas de
Ouro, desde criança, desde moleque. E a gente entrou na área dos
compositores, fizemos alguns trabalhos lá. A idade chegou, a gente
cansou, a gente está assim, cansado, não é? Muita luta, muita briga.
Briga no bom sentido.Eu sempre queria que o samba tivesse total
harmonia. Você é um garoto, só quer ficar na escola. Eu percebo no
pessoal de hoje: não tem mais bandeira. Você sai em uma escola,
amanhã sai em outra, depois vai para outra. Está tudo bem. O
importante é que o samba não é só no carnaval. O samba é uma música
nossa, muito divulgada lá fora. E São Paulo também faz samba. Como
o Júnior do Peruche, ele foi fazer um projeto e nos convidou. Com
muita satisfação estamos aprendendo com essa meninada, o grupo
Na Boca do Beco, uma rapaziada muito boa do samba. Apesar da
idade, aprendemos muito com eles, o ensaio e o respeito ao público.
O público é a coisa mais importante, não é o artista. É gente operária,
trabalhador.
Gosto de fazer um samba. Eu estou terminando um samba que
é assim:
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“O samba não nasceu em um arranha céu,/ A arte não
nasceu em um arranha céu,/ Ela nasce na rua,/ Chegou, entrou e vou
descansar nos buracos da lua/ A arte não nasceu na rua/ Não nasceu
no computador, na faculdade.”
E a coisa mais triste do samba é quando você perde um
parceiro. Eu quero deixar registrado dois grandes amigos, Seu Miguel
da Contemporânea e Seu Juarez da Cruz, lá da Mocidade Alegre. Apesar
de eu não ser da Mocidade, eu sempre ia lá cantar meus sambas e
meus pagodes. Aprendi muito com eles. Só que a vida continua, não
tem jeito.
Então, você quer deixar uma obra registrada para as pessoas
ou então, essa criançada (que tinha assistido a apresentação) que
esteve com a gente, é um publiquinho importante. O respeito, o
carinho, o brincar, aquela brincadeira sadia de ouvir as músicas. Isso vai
continuando, vai passando e graças a Deus nós temos oportunidade de
passar isso para o pessoal. É a cultura nossa. Eu já peguei o tempo duro
do samba, quando a gente fazia samba nos porões da Barra Funda.
CARLOS: E como era?
VALDIR: Era o seguinte: ninguém queria o samba. Samba é de
preto, samba é de escravo. Igual a feijoada lá na Inglaterra tem um
restaurante que é assim, só cabem 80 pessoas. Lá só faz feijoada, lá
em Liverpool. Todo mundo come, os japoneses, os árabes. O samba
é o samba. Não tenho nada contra nada hoje, gosto de todo ritmo
brasileiro. Gosto muito de ouvir música de fora, muita gente gravou
músicas nossas. Ivan Lins, o Sivuca, que é um cantor nordestino, ele
teve que tocar sambão com a sanfoninha dele na Inglaterra, viajava a
Europa toda. Naná Vasconcelos, o maior percursionista do mundo, toca
com a orquestra sinfônica da Alemanha, ele só vem para o Brasil para
ensinar a pessoa a tocar lá. Ele não gosta que fale a palavra batuqueiro,
é músico, percussão. O Stanley George, que é um menino novo, ele
toca jazz, levou o garoto da comunidade de Padre Miguel, foram tocar.
Tem um grupo chamado Chicago que tem dois brasileiros tocando. No
samba o que vale é isso, onde tiver de ir, a gente vai.
Você ia num programa de calouro cantar um samba da noite,
um samba-rock. O que é samba-rock? O samba rock é o samba da
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periferia e hoje no Japão tem gente com academia de samba-rock. Só
que muita gente no Brasil não sabe disso, você procura ler, se não souber
chama alguém que saiba ler o que está escrito. Jackson do Pandeiro,
o artista que inventou o samba rock, mas quem inventou o samba rock
foi Jorge Ben. Não, não foi o Jorge Ben, foi Jackson do Pandeiro. “Meu
samba vem cá no tamborim”. Por exemplo, o Martinho da Vila, na
Suíça cantava Asa Branca, ele não toca forró, mas o pessoal pediu “Asa
Branca”, tem que cantar. O filho do meu ex-patrão me encontrou lá em
Nova York, o pai dele mandou dinheiro e ele veio tocar pandeiro com
a gente na firma e começou a ganhar dinheiro tocando pandeiro lá na
estação. Passava no metrô e botava uma malinha, arrumou dinheiro,
terminou de pagar os estudos dele. Depois chegou aqui aprendendo a
tocar cavaquinho, violão, mas ele tocava era pandeiro.
O Instituto Butantã me dá um cientista, um dos maiores
compositores. “Ronda” é da Maria Bethânia? Não é da Maria Bethânia,
é do Paulo Vanzolini, senhor de idade, gente boa pra caramba, amigo.
“Chorei, não procurei entender todos viram, fingiram, pena de mim
não precisava.”
CARLOS: Você se lembra da primeira roda de samba que você foi ?
VALDIR: Lembro, foi no SOBECA, Sociedade Beneficente da
Cachoeirinha. Você tinha que improvisar um samba. O primeiro que
eu fiz: “Minha mãe é de Madureira lá do beco do samba/ Sou Valdir
da Cachoeira...”. E cada um fazendo uma parte, você tinha que se
apresentar na mesa da roda de samba, você não podia cantar música
de artista famoso, você tinha que se apresentar com o seu samba.
Zézinho do Banjo era quem tocava Talismã. Você sentava-se à mesa,
aqueles velhos ali - os caras faziam sambas que nunca foram gravados
- faziam samba na hora, tiravam um barato na hora. Não tinha pagode,
tinha samba partido alto. Um entrava com um improviso, fazia um
verso para você. Não sai da roda, fica ali, tinha que continuar rimando.
Tinha pessoas em volta e a bebida vinha, nego pagava, cantava um
refrão de uma música para tomar uma cerveja, sem violência. A gente
pegou essa época aí.
CARLOS: Em que ano mais ou menos?
VALDIR: Anos 60. Tinha 14, 15 anos. Minha avó morava na Marquês de
Itu e era cozinheira do Mackenzie. Eu só ia para a casa da minha avó se
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eu passasse de ano. Não tinha presente, presente era passar o final de
ano na cidade. Você pegou Seven-Up?
CARLOS: Não.
VALDIR: Seven-Up era tipo uma soda. Então, você curtia a madrugada,
por exemplo, se eu ia numa roda de samba: “Eu conheço a sua avó.
Você não é neto da dona Márcia da Silva?” Minha avó trabalhava de
madrugada na faculdade e naquela época os estudantes eram zoeira.
Eles saíam do Mackenzie para a Maria Antonia e a noite em alta
boêmia. Tinha festa, eram os irmãos do Cauby Peixoto, o Moacyr e
o Araquen, eles arrumaram um na Gurgel, você ia lá e tocava violão.
Eu cheguei a ver Maísa Monjardim. Era bonita, ela cantava na rua
mesmo e era uma mulher de dinheiro, família Matarazzo. Via Zé Maria,
Nelson Gonçalves, cheguei a ver Agostinho dos Santos. Na rodoviária
em São Paulo, que era na marginal Tietê, você via. Hoje você não vê
mais artista da classe de compositores. Não tem mais aqueles artistas,
hoje o advogado do artista é o empresário e o divulgador. No mundo
do disco um divulgador era aquele cara que ia às rádios e tocava sua
música. Você já ouviu falar no Seu Miguel da Contemporânea?
CARLOS: Eu o entrevistei.
VALDIR: Um dia eu fui lá. “Esse aqui é meu filho!” Ele levou o Zeca
Pagodinho lá no começo de carreira. Esses dias o Zeca foi ao Olímpia e
passou lá, levou uma hora tocando. Estou doente, não fui ao enterro.
Só quero aquela imagem do sorriso dele. Ele sabia do meu aniversário,
me deu um tamborim, um pandeiro. Tem uma foto, vou sentir falta
dele, mas a vida continua.
CARLOS: Fez um show lindo, viu?
VALDIR: Obrigado, cara.
CARLOS: Todos dizem que sua voz é uma coisa que...
VALDIR: Obrigado.
CARLOS: Eu adoro ouvir!
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FERNANDO PENTEADO
Sr. Fernando Penteado
nasceu no dia 26 de fevereiro de 1947, em São
Paulo – SP. É jornalista.
Entrevista realizada no
dia 09 de março de 2009.
CARLOS: Conta um pouco sobre a sua história junto ao samba.
FERNANDO: Eu comecei no samba já no ventre da minha mãe, graças
a Deus sou de pai, avô e avó sambistas. Meu avô foi um grande
zabumbeiro-mor. Hoje, você tem os diretores de bateria, mas na época
de 1910, 20 era zabumbeiro-mor de Pirapora. Era assim: “Vamos ao
samba em tal lugar.” “Quem é o zabumbeiro?” Aí sabia se o samba
era bom. Tem um samba que o Geraldo Filme canta: Fredericão na
zabumba fazia a terra tremer. Era o meu avô. Nasci no meio de tudo
isso. Dia 26 de fevereiro de 1947, terça-feira de carnaval, no tempo de
parteira, no centro do Bixiga. Não tive outra escolha a não ser sambista
e Vai-Vai! E criei meus filhos da mesma maneira, com esse cheiro e
com esse som. Meu avô fazia parte da turma do Sardinha. Vai-Vai foi
fundada por cinco famílias: 1) O Henricão, Henrique Ferreira da Costa,
o primeiro Rei Momo negro que tivemos, um grande artista e primeiro
compositor da Vai-Vai em 1928; 2) o Fredericão, da família Penteado; 3)
Seu Lourival de Almeida, o Seu Loro, da família Almeida; 4) Seu Livinho,
grande apitador, quem fazia o samba; 5) e o Seu Sardinha, líder de
todos eles. Aglutinavam-se e tocavam na beira do campo do time de
futebol Cai-Cai - jogar bola não jogavam nada, eram uns pernas de pau,
mas faziam a batucada.
Na formação da Vai-Vai, cada um deu a sua contribuição no
que era melhor. No caso Henricão, foi no primeiro samba, eu quase
o visualizo. Precisavam de um pavilhão, de um símbolo. E meu avô
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montou o símbolo, não as cores, mas a coroa com o ramo de café.
As cores foram uma sátira às cores do Cai-Cai, que eram branco e
preto. Então, eles fizeram preto e branco. Nossa família sempre foi
muito ligada à cultura. Meu avô trabalhou na lavoura de Amparo.
Ele idealizou a coroa, mas não a coroa por causa do Brasil Império,
mas o formato da Coroa sim. Naquela época, até o final da década de
60, hoje na Bahia ainda é muito comum e aqui perdemos um pouco
disso, nós negros nos chamávamos de Rei, por quê? Porque muitos
negros que aqui vieram eram reis. Se fomos reis lá e somos reis aqui,
por que não uma coroa para representar a negritude do Bixiga? Então,
veio a ideia da coroa. O ramo do café porque todas eram quituteiras
e trabalhavam com os barões do café na Paulista. Quando tinha uma
festa, o barão não trazia o buffet. Ele chamava a quituteira, e minha
avó era uma das grandes quituteiras, Maria Magdalena Penteado.
Tinha um glamour ser quituteira. Os barões do café assinavam o Livro
de Ouro. Meu avô foi o mentor do pavilhão da Vai-Vai. Hoje, a minha
filha é a primeira porta-bandeira da Vai-Vai, bisneta dele e carrega o
pavilhão que o bisavô criou. O Seu Loro fez toda a documentação da
Vai-Vai. Um fez samba, outro idealizou o pavilhão e o Seu Loro cuidou
da documentação. Fui criado no meio do samba e graças a Deus não
tive chance de ir para outro lado.
Eu fui batizado em Pirapora. A gente ia muito à Pirapora
naqueles caminhões tipo pau-de-arara.
Quando nós chegamos ao Brasil como escravos, história que
todos sabem, a primeira coisa que os donos faziam era separar nossas
famílias. Não deixavam famílias ou negros da mesma tribo seguirem
juntos. Isto era para dificultar as fugas. Quando ia embora, o negro
levava alguma coisa, rasgava algum pano e ia embora com aquele pano
e dali para frente, você cultuava aquele pano amarelo. Constituía outra
família, mas continuava com aquele pano. Vão 200, 300 anos. O Santo,
Bom Jesus de Pirapora, foi achado por escravos no dia 06 de agosto de
1725, história parecida com a de Nossa Senhora Aparecida. Colocaram
aquela estátua num lugar dali e a lavoura do local começou a prosperar.
Então, eles atribuíram à estátua. Isso correu Brasil afora. Então, vinham
senhores pedir para suas fazendas prosperarem também. Tinha que
vir a pé, e quem os traziam eram os escravos. Por isso que tinha os
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barracões, onde os escravos dormiam e faziam as comidas para os
senhores. Cada um trazia sua cozinheira. As famílias começaram
a se encontrar, pois começaram a achar o paninho da mesma cor.
Hoje, o paninho amarelo que estamos pegando como exemplo, para
nós é o pavilhão. Por isso que as escolas têm seus pavilhões. Hoje,
quando chega a Vai-Vai, chega a Nação Alvinegra. Então, se você está
procurando alguma coisa: “o Vai-Vai está ali”; “O da Camisa está lá”.
No batuque já se reunia o pessoal do paninho amarelo, do paninho
preto. Começou-se a fazer batuque contra batuque. Eu vi o batuque de
Pirapora, eu vi o Henricão, eu vi Geraldo Filme, Toniquinho Batuqueiro,
Seu Carlão do Peruche. Fui crescendo no meio deles, aquele garoto
que sempre andou com os mais velhos. Meu pai também me trazia
para isso, sempre no meio do samba. Se você for à UESP, tem uma
foto bem grande do Carnaval no Anhangabaú em que desfila debaixo
do Viaduto do Chá a bateria dos Acadêmicos do Tatuapé. No primeiro
plano, tem dois negros conversando, meu pai e meu tio. A gente
sempre esteve no meio, não só como sambista, mas como direção.
Eu acompanhava meu velho. Tanto que, nas primeiras lembranças que
eu tinha do prédio Martinelli, ficávamos eu, Nelsinho Macalé, Beto
(da Vila Matilde, sobrinho do Seu Nenê, está na Velha Guarda) e bem
pequenininho, menor que a gente, até dávamos uns petelecos nele,
o Nelsinho Crescibeni, que é o presidente da FESEC hoje, era o único
branquinho. Ficávamos ali vendo a reunião e lá estava Pé Rachado,
Seu Inocêncio, Madrinha Eunice, Mala, Sinval, Carlão do Peruche, a
grande casta nobre do samba estava ali. A gente ficava ali esperando
eles mandarem comprar cigarro porque a gente ficava com o troco.
Tinha aquele elevador do Martinelli que era precário e a gente subia
treze andares de escada para ficar com 10 centavos.
Eu sempre gostei de bastidores. Participei do nascedouro
da UESP, da FESEC, da Liga. Só não participei, agora, da Superliga.
Participei da AMESPBEESP e sempre procurando dar uma contribuição.
Na época de cordão, década de 60, eu me meti a fazer enredo. Chegou
um casal de branquinhos na Vai-Vai, Caio e Bia, em 1967, 68. Eles eram
universitários. Branco naquela época na Escola de Samba era difícil.
Vieram na escola para desfilar, mas acabaram se entregando e se
integrando com a gente. Começaram a dar um formato na organização
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da escola. Eram colegas na época, hoje são casados, têm filhos e netos.
Eu participava das festas da comunidade negra que meu pai e meu tio
faziam - o Baile da Bonequinha do Café, era como se fosse a “Miss Brasil”.
Acontecia em um clube chamado 220. Elegiam a negra mais bonita.
Eu participava, mas não como deveria, era moleque, daí eu escrevi
um enredo: “Negros, Bandeirantes e o Progresso!” Fui às bibliotecas
pesquisar. Entreguei para este Caio, pois ele estava organizando. Ele
levou, depois veio: “quero conversar com você. Poxa, você tão ‘assim’,
sua família, e você vem falar de bandeirantes? Poxa, os bandeirantes
eram os que mais perseguiam os negros.” Ele começou a me contar
a história. “Caramba! Como é que este branco sabe mais que eu de
negro?” Passei uma vergonha. Aí ele mostrou que bandeirante prendia
negro, cortava orelha e vendia. Comecei a estudar, fui às bibliotecas
da vida. Então, comecei a ver a nossa história. Fui mudando minha
história: sou sambista, mas com outra visão de ser negro. Foi um
branco quem me deu isso, que me chamou à atenção. Então, eu
estou na minha escola, batendo bumbo e surge uma tal de “Mocidade
Alegre”. Nem era Mocidade Alegre, era o Bloco Pegue e Pague. Era o
nome de um supermercado onde o senhor Juarez, açougueiro, fornecia
carne. Então, eu passei a ter contato com o Senhor Juarez, isto em 71.
Eu achava engraçado, porque toda escola tinha duas cores: preto e
branco, verde e branco, azul e branco. Passava o Preto e Branco e todo
mundo sabia: é a Vai-vai. A Mocidade usava o verde e vermelho, usou
também o branco e verde, o vermelho e branco. E isso era permitido,
você podia usar o branco, o prata para poder enriquecer. Ele fazia uma
festa na Mocidade que era a festa da Choradeira. Ele me intrigava na
avenida, pois todos os presidentes corriam e estavam no início da
escola, no fim da escola. O Seu Juarez me chamava a atenção porque
ele ia à frente de sua escola, muito bem trajado, com sua esposa. “Por
que nossos presidentes não vêm assim?” A Vai-Vai não disputava com
Mocidade, pois eram só três cordões na época: nós, Camisa e Fio de
Ouro. Houve época em que tinha mais cordões.
Nas reuniões, eu ficava ligado no senhor Juarez, pois eu via
nele um diferencial. Chegava à UESP e ele punha a prestação da escola
de samba dele. Ninguém mais punha. E nas festas da Mocidade, ele
chamava seus sambistas pelo nome e falava a história do samba.
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Comecei a me espelhar nele. Primeiro, eu levei um puxão de orelha
por olhar a cultura do negro sem o lado do sambista, depois, eu fui
olhar o negro na parte do samba. O que hoje eu sei de regulamento de
samba, eu devo ao falecido Juarez.
No Vai-Vai, teve o Henricão em 28, depois o Tino, o Guariba nas
décadas de 30 e 40. Alguém vinha e fazia o samba. Nós não tínhamos
compositores fixos. De 50 para 60, teve uma estagnação do samba e
se cantava os sambas que faziam sucesso para cantar na rua. Até que
na década de 60 chegou no Vai-Vai um barbeiro que se dizia carioca e
começou a fazer enredo e samba. Eu: “Esse carioca fazendo samba!”
Fez grandes enredos, grandes sambas. Ele ganhou samba em 71. Eu e
Vonei descobrimos o Zé Di que falou: “fiz um samba queria levar na
Vai-Vai”. “Canta aí”. Ele cantou: “Valeu o sacrifício dos Andradas/ Ó
meu Brasil segue a parte/ Olha o futuro lhe espera/ Ninguém segura
esse (...)”. Levamos ele na Vai-Vai. O Carioca já estava com o samba.
“Mas o samba é este aqui!”, e ficou uma coisa bem agitada. Falei: “Mas
o samba é aquele lá do Zé Di.” Foi um sucesso nacional, o primeiro
samba de enredo paulista que entrou nas paradas de sucesso, no
Chacrinha e ganhou o Carnaval. Em 72, houve a mudança da Vai-Vai,
foi no Terceiro Simpósio do Samba. O primeiro foi no Rio e o segundo
em Campos, no Estado do Rio, capitaneado por Juarez da Cruz, ele é de
lá. O terceiro foi em Santos. Neste simpósio, tinha concurso de melhor
passista, o Dinei e a Edna Negão ganharam. Lá ficou acordado que,
como só tinha três cordões, por que não virar escola de samba? Vai-Vai
não tinha know how para virar escola de samba. O Camisa já desfilava
como escola de samba e era nossa grande rival. Em 72, tivemos que
virar escola de samba. Já em 71, tinha disputa de samba-enredo, tinha
o Carioca, o Zé Di e eu, o abelhudo. Eu fiz um samba-enredo: “150
anos de Independência”. Cantei em casa e acharam bonito. No dia da
escolha, fui à um bar e cantei o samba, mas faltava chegar o samba do
Zé Di e do Carioca. Ia ter uma disputa. Eu tinha esquecido as letras e
falei: “Vou buscar as letras!” Tinha deixado na casa da Néia, que ficava
na Rua Santo Antônio. Quando cheguei, já estavam cantando a música
do Zé Di. Eu falei: “Vou cantar a minha!” “Não, nós já escolhemos a do
Zé Di”, “mas vocês nem ouviram a minha”. “Ouvimos sim, lá no bar”.
O que eu fiz com o Carioca fizeram comigo. Aí tudo bem. Cantamos o
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samba do Zé Di. A Ala de Compositores da Vai-Vai já começa a ganhar
corpo. Em 73, vem Osvaldinho da Cuíca e em 74 ela se torna oficial.
Por essa minha insistência, desde 71 me deram a carteirinha nº 01 da
Ala dos Compositores, mas o compositor número 1 é o Henricão, 1928.
Começaram a aparecer os primeiros carnavalescos acadêmicos.
Seu Zulésio, Dona Maria Aparecida. Eles tinham aquele conceito de cor,
aquelas falas acadêmicas e precisavam fazer a interlocução entre eles
e o pessoal. Criou-se o diretor de carnaval para fazer esta interação,
então eu passei a ser o diretor de carnaval da Vai-Vai. Eu sempre me
relacionando com o samba, fazendo samba enredo. Saía de passista
em ala de passo marcado. Sou do tempo que tinha de ser sambista
mesmo para entrar numa roda, tinha que sair na perna. Eles punham
garrafas no meio da roda, quantas garrafas você derrubasse era o
tanto de cerveja que você tinha que pagar. Tinha que provar que era
sambista. Se errava, já vinha: “Põe a mão aí que você vacilou/ Eu quero
bate na mão do vacilador!” Tinha roda de pagode dos versadores e
eu ia lá, chegava na hora, não saía nada: “põe a mão aí.” Eu era muito
xereta, mas era assim com Silvio Modesto, Murilão, Jangada, Geraldo
Filme, Osvaldinho da Cuíca, Aruá da Mangueira, B Lobo, Talismã, Almir
Guineto e o Penteado. A gente não queria saber e apanhava mesmo.
Isso era formação de sambista. Quando um pavilhão de uma escola de
samba se dirigia a você era porque você realmente era considerado um
sambista. Hoje, saem dando pavilhão para todo mundo beijar. Não. Só
beijava o pavilhão quem ela considerava sambista, para a outra pessoa
só se fazia uma vênia. Davam o pavilhão para o outro e para mim só
fazia uma vênia. Falei: “um dia vão me dar para beijar”. Eu quero que
isso volte. Hoje as coisas são assim: eu oriento minha filha para não dar
o pavilhão para qualquer um, mas infelizmente ela é sozinha contra
uma cultura que está aí. Mas eu paguei muita cerveja!
Hoje eu vejo essa molecada cumprimentando aí e penso
que isso é nosso. Quando um sambista chegava na roda e ia te
cumprimentar, primeiro ele fazia tudo o que sabia de pernada e depois
ele dava a mão e aí você fazia a sua também. A nossa cultura se perde
e isso é nosso.
Eu sou de uma época que para você mandar, você tinha
que saber fazer. O diretor de harmonia era o que mandava. Então,
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“Baterista, para de fazer que está errado. É isto aqui!” e tinha que
fazer. “Está cantando errado. É assim!” E tinha que cantar. Ele ensaiava
com as passistas e tinha que rebolar junto com elas. Ele era o diretor
de harmonia. Ele era galgado na vivência do samba, ele foi diretor de
ala e era passista. Ele já passou por tudo. O bom diretor de ala era
reconhecido não só na Vai-Vai, na Camisa, mas por todas as escolas.
Um grande diretor de harmonia é o Zulu, hoje ele é o locutor oficial que
conta as notas na apuração. A escola toda o conhecia e o respeitava. Se
ele falasse “não vai entrar”, não entrava. Diretor de harmonia da época
tinha autoridade até em outras escolas. O samba tinha mais respeito
e o presidente era mais respeitado. Tínhamos respeito pela pessoa do
Pé Rachado, Seu Inocêncio, Seu Carlão do Peruche, Madrinha Eunice
da Lavapés. Uma vez, nós estávamos fazendo uma farra, algazarra
mesmo, de jovem, em um bar da São João. Aí veio o Seu Inocêncio. “O
que vocês estão fazendo aí?” Tirou todo mundo de lá. O seu Inocêncio
do Camisa Verde foi dentro do bar, ver se estava tudo certo, e, depois,
todos juntos, andando. Entregou a gente na mão do Pé Rachado.
“Olha, estavam fazendo bagunça”.
Uma vez, em 76, chegou um compositor e perguntou para
mim se íamos fazer um samba sobre o Solano Trindade, pois a Raquel
Trindade havia trazido o enredo. Ele pediu para fazer o samba e eu
falei: “Posso entregar a sinopse para você, mas a regra é fazer um
samba exaltação para ver se dá” e ele foi embora. Depois eu perguntei
onde ele estava para entregar a sinopse, mas ele já tinha ido. E eu
falei aquele negócio para ele brincando. Na quarta-feira seguinte, o
Alemão, falecido também, chegou para mim: “Penteado, vai lá no
bar da Odete e veja o samba que estão cantando lá!” Fui lá, ouvi,
um samba bonito e estavam cantando: “Quem nunca viu o samba
amanhecer/ Vai no Bixiga para ver/ Vai no Bixiga para ver...” Aí o
Geraldo Filme falou para mim: “Gostou do samba?” Eu falei: “Não!”
“Você não me mandou fazer um samba?” “É, eu mandei, mas você fez
um hino, não um samba!” Eu fiz uma brincadeira e ele levou a sério. O
Geraldo Filme foi cassado pelo DOPS. Ele era do Peruche e já naquela
época era muito respeitado. Ele era uma espécie de embaixador. Tinha
passaporte VIP, cidadão do samba. Ele era uma instituição. Não se
falava “veio o cara de tal escola”, se falava “veio Geraldo Filme”. Na
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época, o Geraldo foi preso, o delegado era o Tuma, e soltou-o: “Não,
eu te conheço. Você não pode ficar mais no Peruche e não faça mais
samba, não se movimente muito”. Ele foi preso porque fez um samba
que dizia assim: “Chamados heróis da Independência/ (...) Índio saindo
da mata/ Negros quebrando as correntes (...)”, em pleno AI-5. Então,
ele saiu e veio para a Vai-Vai. Ele chegava onde queria, mas ele tinha
uma namorada aqui no Bixiga, ficou ali com a gente. Sempre o vi em
Pirapora. Quando a Vai-Vai virou escola de samba, ele foi o primeiro
diretor cultural da escola e quando ele falou de fazer o samba, pois
tinha trabalhado com o Solano no teatro, eu falei para ele da regra,
mas falei brincando. Ele fez o “Tradição”. Hoje, têm firmas que fazem
o samba enredo. Graças a Deus na Vai-Vai não, já tentaram, mas não.
CARLOS: Conta sobre a Embaixada.
FERNANDO: A Embaixada do Samba foi fundada em 1996 por cinco
pessoas, dentre oitenta nomes. Tenho orgulho de ser um dos cinco,
assim como Gabi, Paulão, Hélio Bagunça e Toniquinho Batuqueiro,
que tiveram a incumbência de encontrar os outros. Falei para o Gabi:
“Nós somos embaixadores? Embaixador é última homenagem que
o sambista recebe em vida”. Daqui para lá, ele já é uma instituição,
ele não é Vai-Vai, não é Camisa.” A nossa voz, a Voz do Embaixador,
é a voz oficial do Samba. Tem que ter cuidado ao escolher. Fiquei
encostado na parede, Paulão e Gabi concordando comigo. Seu Juarez,
Seu Carlão do Peruche, Seu Nenê e a gente lá. Não somos mais que
eles. Então criamos o Embaixador Mestre: são os deuses. A gente não
se via naquilo e trouxemos o Osvaldinho da Cuíca e as mulheres. Hoje,
estamos com 52 Embaixadores.
É gratificante ser reconhecido pelo que fiz, mas não me torna
superior ou mais sambista. A Mocidade Alegre, todo ano em sua festa,
homenageava um sambista. Em 86, eu fui agraciado como Sambista
Imortal. Eu tinha brigado com um pessoal da minha escola, Seu Chiclé
e não sei mais quem. Teve eleição. Fiz uma chapa. “Vai ser o Seu
Chiclé!” “Por que?” “Porque não tem outro.” “Tem a mim. Tem que
ter eleição.” Teve a eleição e eu perdi. Seu Chiclé chegou lá. “Vai-Vai
tem eleição. Foi a vontade da maioria.” Não é que eu perdia, eu fazia
pelo estatuto. Perdia eleição, mas estava lá. Sempre fui diretor de
carnaval. Nesse ano, eu fui homenageado pela Mocidade Alegre, fui
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lá com a melhor roupinha e com a minha esposa. Eu lá, triste. Quando
as outras pessoas vão receber homenagem, a escola toda está lá e eu
aqui sozinho. Toda hora anunciavam: o sambista hoje homenageado é
o Fernando Penteado. Veio escola de samba de Santos com o Muniz.
Então, o Seu Juarez disse: “Fernando Penteado faça o favor!” Ele falou,
falou. Lembro e me arrepio. Para coroar abriram o portão e minha
escola inteira lá. Seu Chiclé veio falar: “a briga é nossa e não da VaiVai!”.
Esse ano também, na Festa do Chope da escola, o Thobias
subiu no palco e falou do homenageado e eu não sabia que era eu.
Só caiu a ficha quando ele falou: “Quando eu cheguei na Vai-Vai, eu
precisei usar um terno e eu não tinha, então usei o terno dele.” Eu
estava tão distraído e minha família toda ali na frente. Minha filha já ia
por causa do Pavilhão, mas foi minha irmã, meus filhos e minha esposa.
Quando ele falava isso, tinha um banner enrolado no teto e caiu o
banner. Era uma foto minha. Foi um momento único! O pessoal fez fila
para me cumprimentar aquele moleque xereta que ganhou palmada
na mão e derrubou garrafa de cerveja pra caramba. Essa é a história
que eu gostaria que muitos sambistas tivessem, mas daí para frente,
a estrutura mudou: você compra a fantasia pela internet. Uma vez,
de sacanagem, mandaram um cara vir falar comigo porque ele estava
com uma dúvida: queria saber como ele fazia para sair de diretor de
harmonia. Eu sou veterano, 62 anos de idade, mas com a cabeça de
hoje. Há outras qualificações para diretor de harmonia que trabalha
com informática, diretores de escrivaninha, que hoje tem que ter, mas
na Avenida?
Eu costumo dizer que a fusão do italiano com o africano não
deu certo porque o negro não gosta de festa e o italiano também não
gosta. O negro não gosta de comer, o italiano também não. O negro
fala baixinho, o italiano também. Você acha que isso ia dar certo? E
as duas raças são matriarcais. No Brasil, a raça negra é matriarcal e a
italiana também. O samba é matriarcal. Graças a essas mulheres que
trabalhavam nas cozinhas e como quituteiras é que tinha dinheiro para
a família. O homem não tinha dinheiro porque não tinha emprego.
Na era do Getúlio Vargas, é que se abre a repartição pública para ele
trabalhar. A mulher é quem sustentava a casa. A mulher negra sempre
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trabalhou. A Vai-Vai tem um mundo de negão e mais a mulher! Tem a
esposa do Tobias, Dona Joana, Jona Odete, Dona Olímpia, precursoras.
Dona Odete se casou com 13 anos de idade para se emancipar, para
sair na escola. Casou-se com o Genésio Baíga, grande sambista da
escola. Ela está hoje com 86 anos, com seus filhos, netos e tataranetos
na escola. Ela faz parte do grupo musical da Vai-Vai. Minha história é
esta, sempre trabalhando muito em pról, na barra da calça e na barra
da saia. Fui observar os sambistas, Jangada, falecido. Quando gente
velha fala de amigo, só fala de quem já foi, não é? Eu ficava no meio
deles, vendo-os fazer samba; Jangada, Toniquinho Batuqueiro, B Lobo,
Talismã, Geraldo Filme, Armando da Mangueira e o Penteado xereta.
Quando foi para fazer o samba do Geraldo, sobre o Solano Trindade,
o Jangada: “Menino, vem cá, vai fazer um samba comigo!” Eu não
dormi, fazer samba com o Jangada! Mas quem ganhou foi o Geraldo
Filme. Antigamente, tinha a coisa de o sambista ser analfabeto, semianalfabeto, e tinha no regulamento um negócio de não levar muito a
sério a letra do samba, por causa disso. Aquilo me incomodava muito
e descobri que incomodava também ao Jangada. Depois de uma
discussão destas, ele fez um samba assim: “Resta ao povo exaltado,
o Fausto que o tempo amanheceu” Por fim, conseguimos tirar isto. O
sambista não deve ser esse analfabeto, pois tem essa coisa de dizer
que é negro e é cultura de segundo plano.
Uma vez, eu e o presidente da Liga, o Mercadoria fomos
discutir finanças com o cara que era presidente financeiro da COSIPA.
A gente tirava a maquininha Sharp de R$ 1,00 e ele aquelas HP. Fazia
aquele monte de números. Eu ficava louco com aquilo. Não entendia
nada. Comprei aquela maquininha, eu queria aprender. Aí levei e senti
o olhar dele assustado. Então, íamos falar de marketing com o diretor
de marketing. Nós não sabíamos administrar. Até que um dia fomos
discutir o sambódromo. Quem foi? Eu, Mercadoria. Enfim, perdemos
muito por não ter gente preparada para discutir aquilo. No lugar de
chegar uma pessoa preparada, chegava eu. O samba perdeu muito,
ele embranqueceu aí. Não sabíamos administrar. O branco chegou
administrando e tomando. Como ele não sabia tocar bumbo, nós
ficamos tocando bumbo e estamos dormindo até hoje. Não sou contra
a presença do branco.
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O samba foi crescendo e eu não aguento mais ouvir que o
samba está crescendo. Ele vai explodir. Todo ano falam disso. O que
não cresce é a administração. Este ano foi o desfile mais perfeito que
a gente conseguiu. Surpresa de ver Tom Maior, Pérola Negra, Tucuruvi
e a Mancha Verde, escolas que dizem que não disputam título. Foi
uma grata satisfação ver o chamado “carnaval da superação”, porque
não tínhamos dinheiro, tivemos que nos virar. Só que a administração
é de 20 anos atrás, eles continuam nos tratando com frieza. Quer
dizer, nós crescemos! Mas eles não. Continuam dando a mesma
divisão. Tanto que nos disseram um dia: “Vocês estão vestindo mais
do que podem, por que vocês ficam teimando? Eu não pedi para
vocês vestirem”. Os números crescem para eles, mas não para nós.
Eu vivi toda esta administração, desde o Martinelli para cá. Fui para
o Anhembi com o Mercadoria. Formamos a primeira Coordenação
Técnica de Carnaval do Anhembi. Hoje, não tem mais. O carnaval era
administrado por sambistas. Porque o governo Federal investia no Rio,
Bahia e Pernambuco e não em São Paulo? Em uma viagem, encontrei
o Ministro e perguntei. Ele me explicou: “Em São Paulo, a renda per
capita vem de turismo de negócios e não do lazer, como no Rio ou
Bahia.” “Mas isto está errado!” “É, mas o dinheiro está lá e ninguém
foi buscar!”
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Esta entrevista foi realizada no Centro Cultural São Paulo e no
espaço em que estávamos, próximo ao núcleo da Web Radio TV, um
dos funcionários, Márcio Yonamine, que muitas vezes me perguntou
sobre o apitador Pato N’água, passou e o chamei para apresentá-lo ao
Sr. Fernando.
CARLOS: Este daqui é o Márcio. Ele trabalha com cinema e se interessou
pela história do Pato N’água.
FERNANDO: Nessa história, eu falo assim: “Eu saí na bateria do Pato
N’Água”. “Saiu nada, você nem é batuqueiro.” “Saí, sim! Sou xereta.”
“Em que ano?” “Em 63!” Daí eles vão olhar. “Saiu nada, não tem seu
nome lá!” “Saí carregando a sacola de jornal, mas eu saí”. Antigamente
no samba, o instrumento não tinha tarraxa e você vai ouvindo e
esquentando o couro no jornal. Se rasgava, rasgava ali. Um dia, o Pato
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N’Água não estava e, quando ele não estava, todo mundo pegava um
instrumento para tocar.
MÁRCIO: Ele não deixava?
FERNANDO: Não. E nós tínhamos medo. Ele era bravo pra caramba. Eu
tinha uns 12 ou 14 anos e estava tocando também. Vi que o pessoal
ia deixando os instrumentos e eu lá, tocando. E ele chegou e disse:
“Continua tocando. Você não é batuqueiro, neguinho?” Ele me deixou
tocando e foi para o Bar da Petisco. “Não para de tocar enquanto eu
não mandar!” E eu fiquei tocando, não parei de tocar. E ele do bar:
“Você está parando!” E eu tinha que tocar. O pessoal ficou pelos cantos
rindo. Ele falou: “Pode parar. Você vai sair na minha bateria.” Chegou
no dia, me deu a roupa e tudo, mais a sacola de jornal. “Olha o jornal!”
E eu saia correndo atrás. Nós saíamos do Bixiga e íamos desfilar no
Ibirapuera. E ia a pé: subia a Brigadeiro. Dava uma volta no Ginásio
tocando e eu com a sacola de jornal. Tive que arrumar jornal durante
o desfile. Foi minha passagem única na bateria e eu nunca mais quis
saber de Pato N’Água. Ele merece toda a atenção, porque foi um grande
ritmista, um grande passista e um dos mais respeitados malandros
que São Paulo já teve. Batia em todo mundo. Para você ser respeitado,
tinha que saber brigar e dar pernada.
Antigamente, tinha uma brincadeira assim: Chegava um e
ficava: “tumba, moleque, tumba.” Alguém ia cair. “Tumba, tumba,
tumba” anunciava alguém que chegou à roda e tinha dado mancada. Ia
ser derrubado. Quando você chegava e sabia que tinha dado mancada,
já ia se preparando, pois ia um jogando na roda, jogando até que
ficassem os dois ali, porque você não fugia. Você podia apanhar, mas
não fugia. Eu tive uma briga com Hélio Bagunça. “O Hélio falou que vai
quebrar a sua cara.” Montaram a roda. “Ele vai quebrar a minha cara
mesmo”. Abriram a roda, pernada para lá, para cá. Eu ia apanhar, seria
um trator, mas eu encarei. Não fugi. Pensei: “Não vou nem encostar a
mão nele.” Eu fui para a roda. Fizeram a roda. Quando viram ele, parou
tudo. Aí o Hélio falou: “Desse dia em diante, você vai ser meu amigo.”
Fiquei com passagem livre na Barra Funda, porque você não podia sair
do Bixiga para ir até lá. São Paulo era demarcada. Passou ali da Barra
Funda, neguinho do Bixiga saía correndo. Passei a ser protegido do
Hélio e eu ia à Barra Funda. Assim como os protegidos do Pato N’Água
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
vinham para o Bixiga. Tinha um dia, a segunda-feira, que era território
livre, a negada podia ir para qualquer lado da cidade. Dia em que íamos
acender velas na Igreja dos Enforcados, na Liberdade. Na segundafeira, era negro de tudo quanto era lado. Segunda era o dia das almas.
Esta é a história do Penteado, um sambista comum. Adoro meu
pavilhão. Sou Vai-Vai. Sambista de pai, mãe, tio, avô e bisavô. Minha
família toda é do samba. Minha mulher é chefe de ala, minha filha de
outra ala, meu filho faz parte da ala dos jovens, minha filha é portabandeira, minha irmã é a chefe de ala mais antiga do Brasil, se fosse
no Rio, ela estaria no pedestal. Ela dirige a Ala da Vai-Vai do Amanhã,
desde 1968. Hoje, ela está dirigindo netos daqueles que já saíram na
ala. Ela tem 72 anos e 66 na Vai-Vai.
CARLOS: Muito obrigado!
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MANÉZINHO
Sr. José Lino dos Reis
nasceu no dia 24 de
janeiro de 1937, em
Conceição da Aparecida – MG. É aposentado. Entrevista
realizada no dia 19
de março de 2009.
CARLOS: Manézinho, conte um pouco da sua história no samba.
MANÉZINHO: Cheguei em São Paulo em 1947, na rua Santa Eudóxia,
Casa Verde, Parque Peruche, e ali começou a minha passagem pelo
samba paulistano. Fui morar com a minha avó e de frente morava Seu
Dionísio Barbosa, fundador do Camisa Verde e Branco. Ele sempre
brincava com a criançada e eu ficava só observando aquele bloquinho
na rua Santa Eudóxia. Então, eu resolvi perguntar a ele o que era
aquela brincadeira e tive a resposta de que era uma escola de samba.
Perguntei se não tinha baliza e então Seu Dionísio pediu que eu fosse
até o Cordão Barra Funda, que lá eu veria 20, 30. Eu fiquei pensando,
pois baliza que eu conheço é do Rio de Janeiro, o elemento que dança
com a porta-bandeira, a dança da gente ali é balizar. Tem o Bicho-Solto,
Delegado, Laurindo, aquela raça todinha de grandes mestres-sala,
balizas do samba carioca, mas em São Paulo não tinha essas coisas,
paulista não conhecia isso. Então, resolvi ver esse negócio na Barra
Funda, chegando lá vi os caras jogando porrete para cima, caindo
para lá e para cá. E cadê os balizas? Baliza que eu conheço é aquela
figura que vem com a porta-bandeira, no maior charme, com leque,
saudando na frente da bateria. Esse é o baliza. Seu Dionísio disse que
isso era coisa de veado, mas continuei na minha.
Depois de muitos anos indo e vindo do Rio, surgiu essa escola
de samba Unidos do Parque Peruche. Lá na Santa Eudóxia também
tinha uma outra escola chamada Unidos da Casa Verde. O negócio
do samba era muito movimentado, tinha um tal salão também, uma
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Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
gafieira chamada Estrela do Peruche, tinha o Ponte Preta, perto daqui
tinha outro, tinha a Chácara do Samba, essas rodas com a malandragem
do samba. Tinha gente de família que não chegava porque tinha medo.
Se sabia que você era de uma escola de samba, nego se benzia: “Cruz
Credo. Papo com esse cara não, ele é de escola de samba.” Se você é de
uma repartição, qualquer coisa: “fica de olho nele que ele é de escola
de samba”. Agora o samba mudou o nome, chama-se cultura popular
brasileira. Aquilo lá era para malandragem, e eu fui criado no meio.
Surgiu essa escola de samba do Peruche e perguntei ao presidente,
Carlos Alberto Caetano, se eu poderia sair de baliza com a portabandeira chamada Janete Santos, grande porta-bandeira. O Peruche
tinha a bandeira e tinha o estandarte que usava nos cordões, então
comecei a dançar e a ensaiar com ela. Comecei pela função de mestresala pela Unidos do Peruche, que ninguém conhecia aqui em São Paulo.
Aí o Peruche desceu para Santos; naquela época quem desfilava em
Santos era Unidos do Parque Peruche, Nenê de Vila Matilde, Lavapés
e vinham duas escolas de samba de Campinas Ubirajara e Voz do
Morro. Tinha um jornalista lá em Santos que quando viu a minha figura
dançando, em uma avenida frente à bateria do Unidos do Peruche, ele
comentou: “Olha, esse pessoal de São Paulo da Peruche está trazendo
profissionais contratados do Rio de Janeiro. O mestre-sala e a portabandeira são de lá.” O jornalista era J. Muniz Jr.
Foi na Escola do Peruche que eu lancei mestre-sala e portabandeira. Tinha as batalhas de confete que hoje não existem mais, cujas
escolas participavam no Centro da Cidade. Nós pegávamos o bonde
na Casa Verde, descíamos no Largo São Bento, entrávamos na Rua
Quintino Bocaiuva e na Rua Direita. Íamos lá para Praça João Mendes
e encontrávamos com outras escolas de samba. Encontrava com o
Cordão Vai-Vai, encontrava com o Cordão Camisa Verde, encontrava
com o Cordão Paulistano da Glória, que também era dali. Tinha uma
escola de samba que se chamava Rosas Negras, da Vila Mariana,
Garotos do Itaim e Lavapés. Essas escolas participavam desse evento
no centro da Cidade. Paravam ali na Prainha, faziam aquela roda de
samba, vinha um bom passista daquela outra, dava uma pernada no
outro, aquele negócio todinho, que eles chamam agora de tiririca. Para
com esse negócio de tiririca. Eu participava disso. Era só para gente
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bamba e falo os nomes de todos que estavam comigo: o Besilongo, o
Pato N’água do Vai-Vai, o Dimas de Almeida do Peruche; o Cabo Roque
Santos: eram todos gente bamba mesmo, não é essa coisa que está
agora de escola de samba em que qualquer um é mestre daqui, diretor
de não sei do quê.
Vinha na frente da bateria uma figura que se chamava
rumbeira. Coração de Bronze, uma escola da Vila Madalena, tinha uma
que não era brincadeira, uma tal de Dirce Bacana, Coração de Bronze,
do Macalé. Ah, e a Vila Maria que eu me esqueci de falar, uma escola
que eu respeito muito, é antiga pra chuchu, também, uma das mais
antigas da Zona Norte. Essa Vila Maria tinha os melhores tamborins,
tinha o apitador, um tal de Batucada, branco, branquinho até. Ter
gente branca no samba era difícil. Os tamborins respeitadíssimos. E
no Peruche tinha uma mulher que cantava, a primeiras intérprete de
samba-enredo que eu vi na minha vida, chamava-se Ivonete. Ela saiu
do Peruche e fundou o Acadêmicos do Peruche. Morreu há dois anos.
Havia recebido o título de Embaixatriz. Merecido, merecido mesmo.
Então, para vir numa escola de samba o cara tinha que ser
bom de briga mesmo. Não tinha essa conversinha. Agora eu vejo que
para sair na frente de uma bateria tem que malhar. Malhar o quê! Vai
lá, sapateia, escreve o samba no terreiro. Tem que escrever no pé,
escrever o nome, assinar. Hoje não tem mais isso.
CARLOS: Como era isso?
MANÉZINHO: A pessoa sapateando, escrevia seu nome, chamava o
outro. Eu conheço paulista pelo sambar, porque ele olha logo no pé.
Você tem que olhar é para cima. A gingada. Não tem esse negócio
aqui. Não tem mais cabrochas na escola de samba. Não tem mais
pastora. Acabou tudo. Não tem passista, não tem ritmista: virou
cultura. Eu queria que a televisão, quando tivesse o carnaval, lá na
concentração, quando eles pegam essas mulheres quase nuas para
sair nestas revistas, que eles fossem na minha escola, entrassem na
ala das baianas, e fizessem perguntas para elas como: que ela foi no
passado? Alí que está a nata do samba. Pergunte a ela o que ela foi
no samba. Alí tem uma porta-bandeira, uma pastora, uma ritmista e
uma rumbeira. Na ala das baianas tem o grosso do samba, mas eles
vão procurar essas mulheres para sair nuas. Vai na bateria, fala com
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
um ritmista daqueles que eles chamam de batuqueiro. Eles não falam
com uma porta-bandeira sobre os problemas delas. Cada um tem um
problema no samba. Todos têm problemas, mas não, eles vão mostrar
na televisão essa mulher falando que malhou na academia, pelo amor
de Deus! Só o que eu quero é batalhar para mostrar esse povo que
sofre o ano todinho. Esse outro povo não, só aparece na hora do
carnaval, não é?
Tem uma porta-bandeira minha aqui, chama-se Nilza, e ela, em
uma época estava com uma filha na mesa, morta e mesmo assim, ela
veio desfilar. Em 68, perdi minha mãe também e ia desfilar no Peruche.
Ela dizia que o luto era no coração. Fiz minha obrigação e vim para a
folia. As lágrimas não deixam nódia, ela dizia. Infelizmente, a mídia,
nem quer saber desse negócio. A mídia quer o cara da televisão que
vem na escola, vai desfilar aqui, vai desfilar lá. Se você está na mídia vai
desfilar em todas, mas eu sendo Embaixador do Samba, eu entro na VaiVai, no Camisa, no Peruche, entro em todas as escolas, não interessa o
grupo, seja o 1, 2, especial, todos. Se eu cismar de entrar em uma, eu
entro. Tenho direito, sou Embaixador, represento o samba. Agora esse
povo aí? Malhar? Chega o carnaval e perde toda a coisa do sambista.
O samba caminhou para isto. Era de maloqueiro, era de marginal. E
agora? Responde. De quem é esse samba aí? Trabalhou o ano inteiro
na televisão, tem a mídia dele lá, e se ele der um espaçozinho para
mim? Para o sambista. Eles não dão. O samba foi por outro caminho.
CARLOS: Como era essa batalha dos confetes?
MANÉZINHO: A escola não tinha dinheiro. Aí faltando três, quatro
meses, saíamos pelas ruas lá no Centro da cidade: São João, Avenida
Ipiranga, Praça Clóvis, Praça da Sé, Ponta da Praia, e fazíamos aquela
batucada. Um bando de sambista, com a bandeira e pedindo ao público,
de bar em bar, a escola passava e eles botavam a ajuda. Aí encontrava
com outra escola e isso era interessante, não tinha briga, não tinha
nada, era batalha de confetes. Bom, naquela época também não tinha
torcida de futebol, não é? Encontrava outra escola, cumprimentava,
baixava o ritmo para outra passar. Eu ia para a Praça da Sé, Praça
Clóvis, os bons sambistas estavam ali. Faziam aquela roda de sambista,
bota pernada no outro, derrubava, o povo incrementava, tomava
um negócio ali e ia embora. A polícia chegava e prendia, levava todo
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mundo. Eu fui preso por várias vezes, me levaram lá para a Central.
Talvez você não saiba onde era, sabe? Era na Rua Boa Vista. Presta
atenção: tem o Pátio do Colégio, que tem o museu. Lá era a Central
da Polícia e ali era a Guarda Civil. Levavam você e te deixavam lá. Você
tinha que dar tantas gramas de sangue para ser liberado. “Você vai sair
só na quarta-feira de cinzas”, diziam. Eles faziam com a gente, com o
sambista, só com o pessoal da escola de samba. Eu doei sangue várias
vezes para ir embora. Saía de lá um trapo. Quando eu voltava, entrava
na Santa Ifigênia, tinha aquela igreja de santo que eu ia descansar para
poder ir embora para casa. O sambista era muito perseguido, qualquer
coisinha a polícia caía em cima. Agora, qualquer um quer sair na escola
de samba, doutor, sei lá o que, advogado quer vir tocando cuíca, a filha
do deputado para porta-bandeira, o neto do vereador para a bateria.
Naquela época, ninguém queria fazer essas coisas não, ninguém vinha.
Logo no início, quando começou a televisão, me convidaram
para dançar com a porta-bandeira, no Canal 4. Ali conheci vários
elementos: Sérgio Cabral, Benjamin Catan, Geórgia Gomide, Juca
de Oliveira, Paulo Autran. Conheci todos esses personagens e a
Geórgia Gomide dançava comigo. Ela fazia o papel de porta-bandeira,
chamava-se “Requiém por um Tamborim”, que era do falecido, esse da
“Navalha”, Plínio Marcos, que arranjou muita coisa para mim. Tinha o
Teatro de Alumínio, na Praça da Bandeira, onde participei de algumas
peças. Participei do Aída de Verdi, do filme do Juca de Oliveira, “Jogo
da Vida e da Morte”, com Odete Lara e outros, Talismã e um monte
de gente do samba. Foi a última coisa que eu fiz no samba, assim pelo
negócio artístico. Trabalhei na Rádio Nacional quando era na Rua das
Palmeiras. Eu era passista na Rádio Nacional com o falecido Jorge
Costa. Tinha a escola dele e eu fazia aquele “Ronda dos Bairros”. Eu
tocava tamborim, era passista deles e tinha as cabrochas. Fazia várias
apresentações, viajava para o interior.
Reveillon, não tem mais. Toda passagem de ano eles nos
chamavam. O Denner chamava. Têm outros, o Raí, o Chocolate, o
Noite Ilustrada, esses caras montavam um negócio assim: precisa-se
de tantos passistas, vamos lá.
CARLOS: E como era? Vocês iam às casas?
MANÉZINHO: É, fazíamos o show para a passagem de ano, com o
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
pessoal do samba. Seis homens, seis mulheres, ritmistas, era muito
bacana. Fim de ano e Natal também. A gente vivia disso. Fiz isso em 58,
59, 60. Aí parou. Fazia esses negócios em casas no Pacaembu, Brooklin,
Jardim América.
Vou te contar uma passagem: Nós fomos à casa de uma pessoa,
no Pacaembu. Você conhece o Benny Goldman? Ele estava aqui no
Brasil e fomos fazer um show. O dono da casa falou: “esse pessoal de
escola de samba aí, cuidado, são um perigo, eles já amarraram todos os
talheres.” A gente passava cada vexame. Toquei com Benny Goldman
e Samy Davis Jr.
E tinha um pessoal do Teatro de Alumínio, na Praça da
Bandeira, Solano Trindade, Jean Turi. Eu não fui à França com eles
porque eu era pequeno. O passista tinha que ter 1,90, não era essas
coisas pequenininhas não. O passista era só no gingado. O verdadeiro
passista é alto, então aparecia vestindo a roupa: paletó, jaquetão,
chapéu de aba gold. A malandragem do samba era essa, só no gingado,
virava prá lá e prá cá. Lembro-me do César Romero, quase dois metros
de altura, Roberto Grande, Tijolo do Salgueiro, Ministro da Cuíca, Boca
de Ouro do Pandeiro, e muitos outros. Esses eram passistas.
A porta-bandeira que passou na minha mão, que eu ensaiei,
que eu indiquei, estas não se curvam. Para você ver, uma portabandeira que vem de um lugar, vem com o pavilhão, vem com a cabeça
para cima. Ela se impõe. Você pode dizer: “aquela ali é do Mané. Ela
para e fica”. Agora veja esta se curvando. O quê? Ela está trazendo o
Pavilhão, como ela vai se curvar? Eles que têm que se curvar para ela!
Ensaiaram as coisas erradas. Eu fico olhando, não foi isso que eu trouxe
para dentro de São Paulo.
O Evaristo de Carvalho sabe tudo da minha vida. Eu moro na
rua de cima da dele, na Casa Verde, no Parque Peruche. Ele entrou no
samba por intermédio meu, quando não tinha Liga de Escola de Samba
nem nada. Ali na Praça Julio Mesquita, ímos eu, Seu Carlão, Xangô da
Vila Maria, Pitucha do Paulistano da Glória, Dona Eunice da Lavapés e
Seu Inocêncio daqui. Dei a ideia de fundarmos uma união das escolas
de samba e chamei o Evaristo para escrever. Já que é jornalista, escreve.
Gosto de falar dos verdadeiros baluartes. Muitos já morreram,
meu ex-cunhado Geraldo Filme já morreu. O Penteado está vivo, chegou
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depois. Tem um menino aí que nunca falam muito dele, mas estava
desde o começo. Era branquinho, mas estava no meio, o Germano
Mathias. Desde o início participava das batalhas de confete, era bom
de perna. Ele sempre estava no meio. Tem uma grande passista que é
do Peruche, era Sandália de Prata, a Laurinha do Peruche. Ela merece
uma faixa de Embaixatriz do Samba, pois foi uma grande passista.
Teve uma porta-bandeira esse ano, a Vera, lá no Anhembi, ela estava
trabalhando na pista, organizando: foi uma porta-bandeira. Põe ela ali
no camarote. A câmera não foi lá. A Vera era do Unidos do Bom Retiro,
mas participou da Peruche, da Rosas de Ouro, de várias escolas. Tem
a Cida que era da Unidos da Casa Verde, uma grande porta-bandeira.
Saiu na Ala das Baianas sabe de onde? Da Vai-Vai. Tem a Sueli, primeira
porta-bandeira mirim, está lá na Ala das Baianas da Vai-Vai. Essa é a
mágoa que eu tenho do samba, eles não dão valor. Dá um ingresso
para essas pessoas. Já vi gente implorando para entrar lá, porque não
tem condições. “Oi, Manézinho”. “Vem, você entra comigo. Me dá
a mão”. “Quem é esse, aí?” “Não interessa! É um grande sambista.
Se não fosse ele você não estaria trabalhando aqui”. Nessa época de
Carnaval eles deveriam aparecer. Vai lá, fala com sicrano. Tem muita
gente lá na Vila Maria, João Orlando, Dito Caipira e Tiana. Fiquei
conhecendo agora o presidente de lá, Sérginho. Figura muito bacana.
Apresentaram para mim. “Eu sei da sua vida”. “Você sabe?” “Você saía
lá do Parque Peruche para ensinar porta-bandeira aqui”. “E quem era
o mestre-sala?” “Guru”. “E quem era a porta-bandeira?” “A Tiana”,
o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira que existiu na Vila
Maria. Eu quem os ensaiou.
CARLOS: Antigamente só saía a porta-estandarte?
MANÉZINHO: Não. Porta-estandarte saía nos cordões. A escola de
samba tinha estandarte e porta-bandeira. A porta-bandeira vinha
sozinha.
CARLOS: Mas os balizas ficavam ao redor da porta-estandarte.
MANÉZINHO: Não. Eles vinham na frente.
CARLOS: É que você falou do balizar.
MANÉZINHO: Não. Balizar era no Rio de Janeiro. Balizar era o modo,
a elegância. Então, eles falavam que o mestre-sala vinha balizando
a porta-bandeira. É o gesto. Então, você tem que dar o braço à ela,
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apresentá-la a quem está cantando, volta ao centro. Eu peço licença a
todos os Orixás:
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“Ô, ô, ô/ Ô, ô, a/ Saravá meu povo/ Salve todos os Orixás/
Venho de Angola/ Sou Rei da magia/ Minha terra muito longe/ Meu
Congá é na Bahia.”
Aí eu danço. Essa é a verdadeira coisa do mestre-sala e portabandeira. Aquele negócio de beijação (no pavilhão), aquele que
você nem sabe quem é, cheio de batom, nada disso. Pavilhão você
só oferece para um grande autoridade do samba, de outra escola, aí
você apresenta o Pavilhão para ele. Não pode beijar qualquer um que
chega aí, um destaque num sei de onde. Não, pavilhão tem que ter
muito respeito. Apanhei da polícia, fui preso por causa disso. Eu estava
lá, não sou historiador. Sou da época em que o Faria Lima oficializou
o carnaval lá no Parque Ibirapuera. Eu fico me perguntando: essa
tal de “mestraiada”, onde é que eles estavam quando o carnaval foi
oficializado lá no Ibirapuera? Veio a Vila Isabel com grande mestre-sala
também. Quanta gente falou que é baluarte, que é não sei o quê, que
é bacharel do samba. Ele não estava lá. Foi Faria Lima quem oficializou
o carnaval paulista, em 68. A primeira campeã do carnaval paulistano
chama-se Nenê de Vila Matilde, escola que eu respeito muito.
Uma vez fui dançar em Pirassununga, terra da cachaça. Eu e a
Vera. Nós fomos almoçar e quando chegamos no restaurante os caras
falando, os mestres-sala de lá: “É, a escola adversária está trazendo de
São Paulo um tal de Manézinho e uma tal de Vera’ “E você de onde é?”
“Eu sou de todo lugar, meu”. “Mas quem é você?” “Eu vou desfilar em
uma escola de samba que você falou aí.” “Você é o Manézinho?” “Não,
sou não.” E ficou falando aquelas coisas todas. Nós chegamos lá. Eu
sou assim, eu vou dançar num lugar, o primeiro lugar que eu olho é o
chão. Naquela época a gente dançava com sapatos Luiz XV. Poderia ser
o enredo que fosse, ele vinha de Luiz XV, por isso que eles falavam que
era veado, pois o casal vinha de peruca. E era aquela elegância. Lá, a
rua era de paralelepípedo, e o Luiz XV com isso é um perigo, pois você
bate o pé, escorrega e cai. Aí entramos lá, molhamos os pés. Deixamos
os sapatos, eles só olhando. Todo mundo que entrava, caía, mas nós
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entramos e dançamos. Perguntaram-nos como fizemos para não cair e
respondemos que enquanto eles estavam falando da gente, estávamos
molhando os pés. Tem muita manha.
CARLOS: Então foi uma grande novidade quando você trouxe o mestresala.
MANÉZINHO: Foi na primeira escola de São Paulo que se chama Unidos
do Parque Peruche e eu tenho o título de “Mestre dos Mestres-Sala de
São Paulo”. quem me deu foi Xangô da Mangueira, Mano Décio, Natal
da Portela, Delegado da Mngueira, Noel Canelinha do Império Serrano.
Este último era o maior adversário do Delegado. E ao Delegado, meu
maior respeito, meu professor.
CARLOS: Unidos do Parque Peruche não é a mesma do Acadêmicos do
Peruche? Acadêmicos é a da Dona Ivonete?
MANÉZINHO: Da Ivonete era o Acadêmicos. E ainda tinha Unidos da
Casa Verde que era mais antigo do que o Peruche e o Ritmos do Morro
que é mais antigo ainda. Tem tanta agremiação extinta, ali era o berço
do samba de São Paulo. Na Zona Norte, a mais antiga era a Vila Maria.
CARLOS: E o Largo da Banana nessa história toda?
MANÉZINHO: Lá tinha um chafariz. Era o largo de gente bamba. Tinha
o Salão Campos Elísios, eu ia lá para participar da malandragem. Eu
era menor e trabalhava na fábrica de guarda-chuva, o primeiro serviço
que arrumei, na rua dos Americanos, em frente ao Conhaque Palhinha.
Eu escapava para ir ao Largo da Banana ver os bambas: Inocêncio,
Simplício, Chico Pinga e Mariano, eram caras respeitados. Eu, ainda
moleque, entrei e tinha um cara que era “bamba pra caramba”, o Boi
Lambeu. Ele me chamou e foi assim que entrei na roda. Eu ameacei
tirar o chapéu, coloquei na cara dele e passei a perna derrubando-o.
Fiquei fugido por uns três meses. Depois ele se tornou meu amigo, mas
era uma manha danada. Tinha outras coisas que usávamos no samba,
a navalha. Você pegava aqui no lenço e colocava a navalha no meio
(demonstra). Isto aqui em São Paulo, por isso que eu digo, samba era
para malandro. Otário não vinha, tinha medo. Agora chega aí, diretor
não sei do quê, mestre não sei do quê. Agora é tudo cultura, cultura
popular.
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
ZULU
Sr. Antonio Pereira da
Silva Neto nasceu no
dia 17 de outubro de
1948, em São Paulo –
SP. É técnico em radiodiagnóstico. Entrevista
realizada no dia 21 de
março de 2009.
CARLOS: Conta um pouco da sua trajetória no samba.
ZULU: Não foi fácil, Carlos. Primeiramente, boa tarde. Desejo uma
boa sorte para você. Que você consiga fazer seu trabalho com tempo.
Não é mole trabalhar com o povo do samba, um povo meio que é mal
humorado, mas gente fina, de bom coração. Talvez mal humorado
até por causa das cacetadas da vida. Você pergunta e eu respondo e
vamos trocando informações. Porque eu aprendi de graça e eu tenho
que passar de graça. Então, a gente vai deixar algum legado para a
rapaziada no futuro.
CARLOS: Você nasceu em que ano?
ZULU: Eu nasci em 17/10/1948, às 19h35min, na Rua Bela Cintra, na
Maternidade São Paulo. Até porque era a única maternidade que tinha.
Fechou. É a situação que esta aí. Fecha-se escola e hospital, mas tem
muita coisa que não fecha, mas deixa isso por conta da obra do acaso.
CARLOS: E você sempre morou na Barra Funda?
ZULU: Ah sim, sempre morei na Barra Funda e, como já recebi muitos
convites para ir para lá, para cá, não sei para onde, para escolas de
samba dentro de São Paulo, sempre disse: não adianta eu ir para escola
A, B ou C, que meu umbigo está enterrado na Barra Funda, um bairro
que eu gosto. Sei que um dia eu vou sair de lá, mas enquanto eu puder
vou ficar. Tudo o que eu tenho gosto e conquistei foi dentro da Barra
Funda. Então, é um bairro que está dentro do meu coração.
CARLOS: E você se lembra da primeira roda de samba que você viu ou
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participou?
ZULU: Eu me lembro da primeira roda de samba porque a minha
falecida madrinha alisava cabelo na Rua Camarajibe. Hoje em dia, é
cabeleireira, naquela época era alisadeira, o negócio era bem diferente.
E descendo alí, saía no Largo da Banana, só que, como eu era moleque,
sentava e ficava olhando a rapaziada da época que era o Inocêncio,
o próprio Seu Nenê, Seu João de Melo. Essas pessoas de que eu me
lembro ficavam cantando, versando, tocando. Era maravilhoso aquilo e,
dali, após o trabalho, eles formavam uma roda e aquele samba bonito,
as mulheres também participavam no canto, e eu molequinho ficava
vendo aquilo e falava: “O povo é animado”. Trabalhavam o dia todo ali.
Onde é o Memorial da América Latina hoje, era o pátio da estrada de
ferro, onde chegava todo alimento, cereais. Tudo vinha do interior e
parava ali. O pessoal trabalhava, dava um duro danado de dia, de noite
e tinha disposição para ir para o samba ainda. Era fantástico. Coisas
que, nos dias de hoje, a gente não vê mais. Perdemos muito terreno
neste aspecto.
CARLOS: Você acompanhou isso por muitos anos?
ZULU: Foi a base da minha formação. A Camisa Verde e Branco é de
1914, mas teve um hiato, problemas políticos, guerra, Presidente da
República, Seu Getúlio Vargas se metendo no meio. Teve que parar
porque confundiram tudo. Os integralistas usavam faixa verde, mas
não tem nada a ver. Hoje, cada um usa a roupa que quer. Eu cresci
sob a bandeira do Campos Elíseos, era um dos grandes cordões
carnavalescos que havia na época. Eu sou da época do cordão - estou
meio que rodado - e no Campos Elíseos, um cordão muito forte, houve
uma dissidência em que o Seu Inocêncio saiu e resolveu falar com Seu
Dionísio e reativar a Camisa Verde e Branco. No Campos Elíseos, no
auge, eu me recordo que minha família, papai, madrinha, titio, o povo
todo ia dançar lá. Tinha um grande baile e tinha um grande cordão.
Embora meu pai e meu tio morassem na Zona Leste, saíram da Nenê
de Vila Matilde, mas é outra história.
CARLOS: Como foi a sua chegada no samba?
ZULU: Em 1960, faz um pouquinho de tempo. Eu estava estudando
num colégio interno e tive que sair da Barra Funda com quatro anos
de idade. Eu estava em Jundiaí, depois, tive que sair de lá e estudar
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no Educandário Dom Duarte. Eu vejo meus filhos hoje e percebo que
nenhum deles puxou nem um terço, graças a Deus. Eu voltei para o
colégio interno e nas férias eu vinha. A Camisa ensaiava ali na Rua
Conselheiro Brotero e eu ia, meio que escondidinho. Minha madrinha
era muito austera, pegava muito no pé. Não que ela não gostasse, ela
gostava, mas não queria aquilo para gente, eu ia assim mesmo, mas não
saía ainda. A primeira saída minha foi em 63 ou 64, foi até escondido.
A primeira vez que fui ao ensaio, me deixaram dormir para fora de
casa. Era uma coisa complicada, mas eu vejo que eles tinham razão
porque senão como é que eu poderia ter estudado? Eu fui chegando,
fui trabalhando, fui crescendo. Na minha época, o melhor presidente
que eu vi chamava-se Carlos Alberto Tobias, parceiro, só isso, era o
cara. A gente cresceu ali. O pai dele também era linha dura. A mãe,
sem comentários, era o amor, amor mesmo. A gente estava sempre
ali, era um desvio e ela deixava o chicote estalar no lombo da gente,
é lógico, tomava conta de tudo, aconselhava muito. Eu fui crescendo
nesse ambiente.
Em 62, saí do colégio interno e fiquei de vez. Eu trabalhava
no barracão e fui aprendendo. Eu não cheguei de graça e também,
graças a Deus, não precisei puxar o saco de ninguém, muito pelo
contrário, levei foi é muito esporro do Seu Inocêncio e, hoje, eu vejo
que ele estava certo. Antes dele fazer o passamento, vivi uma das
minhas maiores emoções, infelizmente, nestas circuntâncias. Ele me
chamou e me colocou responsável para ajudar a dirigir a escola dele.
Ele me falou: “Meu filho vai ser o presidente e vocês dois vão trabalhar
juntos”. Para mim, foi uma... Eu fiquei uma semana com disenteria. Que
responsabilidade! Tem pessoas que são insubstituíveis, mas se Deus
colocou no meu caminho... Ele disse que estava me observando faz
tempo, se bem que eu era daquela turma que se diz do chifre furado,
digo: eu sempre levei as coisas a sério, principalmente da escola de
samba.
CARLOS: Como você trabalhava na Escola de Samba nessa época?
ZULU: Eu comecei no barracão. Aprendi muito com um cara que veio
do Rio de Janeiro, o Senhor Octávio da Silva, mais conhecido como
Talismã. Ele me ensinou muito, me deu a oportunidade de trabalhar
no barracão. Comecei servindo água para o pessoal que trabalhava.
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Um dia ele falou para mim: “Você vai começar a pregar os preguinhos”.
Tinha uma caixa grande de madeira com toda a numeração dos pregos,
então eu ficava separando os pregos. Isso é bom para você aprender,
porque não podemos desperdiçar material. Fui passando por todas
as etapas de barracão e ele me ensinando. Isso me deu um suporte
muito grande, porque não é só você mandar, e se o cara que você
mandar souber muito mais do que você? Você não vai mais poder
mandar. Você vai ter que obedecer. O Seu Inocêncio fez a gente ir para
biblioteca pegar as coleções, aprender a pesquisar para poder extrair
enredo, a parte literária da coisa. Eu sempre fui péssimo em desenho,
mas você tem que ter a noção do que você está vendo ali. E nós
aprendíamos. Isto foi de 65 a 67. Depois, eu voltei a estudar de novo.
“Um baita negão desses sendo office-boy? Tem que estudar”, disse
ele. Fui estudar. Dentro do samba, você passa por várias etapas. Eu
passei por várias até chegar ao ponto em que eu cheguei, cheguei com
conhecimento, cheguei com saber. Não é aquele negócio de você falar,
“mas é isso, isso,” aquele monte de abobrinha, totalmente errado.
Aquelas pessoas com um pouco mais de conhecimento sempre me
respeitam porque eu sempre as respeitei. Tem alguns mestres aí que
eu devoto muito, Seu Inocêncio é um, Seu Sebastião do Amaral, que
é o Pé Rachado, ex-presidente da Vai-Vai, Seu Zezinho, do Morro da
Casa Verde, o falecido Mala, do Acadêmicos do Tatuapé, Seu Geraldo
Filme, Osmar César de Carvalho, e tem duas pessoas do Rio, uma veio
quando eu era muito moleque, o Rubens Confeti, da Rádio Nacional
do Rio, e outra, o Delegado, quando eu estive na Mangueira, fazendo
um estágio. Aprendi muito lá. Então, é aquele negócio, a gente nunca
fala quem é a gente. Eu prefiro não falar. Eu prefiro ser um cara mais
comedido. Às vezes, você está na roda e você ouve tanta coisa. Não é
aquilo, não é? Mas derrubar os outros em cena nunca é bom.
CARLOS: Conta dos estágios no samba.
ZULU: Dentro dos estágios, quando eu saí na ala de passo marcado, nós
não tínhamos tudo pronto. Hoje em dia, você entra nessas lojas que
vendem materiais para o carnaval, já vem tudo preparado, é só você
pegar um revólver com cola quente e botar um aplique ali. Se você
der uma linha e uma agulha na mão do sujeito, ele não vai saber, eu
aprendi, eu já vinha do pregar o botão na sua roupa mesmo. Dentro da
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escola de samba eu fui aprendendo a bordar, hoje, está muito cômodo,
compra-se pela internet, corta, manda o revólver e está tudo pronto.
A sensibilidade, o amor que se perdeu nisso. Eu me recordo que na
ala do passo marcado, na ala do falecido Zé Carlos, a gente sentava e
bordava a roupa. Então, mudou muito. Seu Inocêncio ensinava a gente
a sambar. Tinha lá o quadrado que você tinha que sambar uma hora,
uma hora e meia, sem tirar o pé do chão, imagina como ficavam suas
pernas.
CARLOS: E você passou por isso?
ZULU: Passei por isso, pois eu não sabia o que estavam preparando
para mim. Tive o prazer de conhecer o Pato N’Água, trabalhando no
Camisa Verde, hoje o pessoal fala de batucada no Corinthians, no
campo de futebol, eu vi o Pato N’Água comandando a batucada no
parque São Jorge em 1959, 60, 61 e 62. Conheci o Nezão, Nelson Primo,
Bifinha, esse povo trabalhando na bateria da Camisa. Conheci o José
Porfírio, negão com 2 metros de altura, mais conhecido como Ticão,
um grande caixeiro da nossa escola, ele ensinou e nós aprendemos. Foi
mestre porque mestre é quem ensina, mestre não é o sujeito que está
à frente da bateria. O responsável atual da bateria da Camisa Verde,
um dia, quis fazer teste comigo: “Mas você está tocando surdo à moda
do cordão”. “Mas foi isso que eu aprendi. Então, você sabe que eu não
sou trouxa!”. Por isso que eu digo que para mandar tem que saber.
Colocava todo mundo sentadinho lá, todo mundo ia tocando e não
gostava que o outro ficasse rindo, não! Está todo mundo aprendendo,
porque você vai rir do outro? Passei por lá, tive meu aprendizado.
Ouvíamos falar de bloco. Seu Inocêncio não gostava, mas
nós formamos o “Bloco do Bom Proceder” e saímos em um sábado
de carnaval, só que, no sábado de carnaval, é dia de encourar
instrumento, hoje, se você mandar um cara encourar instrumento, ele
vai se embananar todo porque já vem tudo pronto, é só colocar lá, até
na hora de apertar as borboletas, tem gente que faz errado e estraga
os instrumentos. No entanto, na nossa época, colocava o couro no aro,
deixava tudo prontinho para quando secar, afinar, e à noite tinha que
estar pronto, mas não íamos, íamos para o samba. Saía da Barra Funda
com 50, 60 pessoas. Voltávamos com 5.000, era um horror de gente.
O homem punha a mão na cabeça e, como eu era uma das vítimas
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dele, ficava meio longe porque tomava bronca. Mas aquilo era a nossa
diversão porque domingo era a vera, não podia vacilar, tinha que ir para
dentro com tudo. Passava a noite encourando instrumento, cantando
o samba, todo mundo animado.
O que havia no passado? O respeito, a dedicação, como se
fosse uma família. Nos dias de hoje, é muito difícil, há muito interesse.
Às vezes, por causa de um cargo, o cara deixa de ser seu amigo. Não
é isso? Escola de samba é formada por várias pessoas, não importa
o que as pessoas têm: o conhecimento cultural, o grau financeiro, a
etnia. O que importa é que ela venha de uma família. Quando você
vê um amigo, cumprimenta, pelo menos, um boa tarde ou boa noite.
Isso faz parte da boa educação na escola de samba. Eu sou contra esta
palavra Secretaria da Educação. Tem que ser Secretaria de Atividade
Sócio-Cultural, porque você põe seu filho lá para aprender o saber
e conviver, para criar uma nova sociedade. Educação vem de casa.
Governo nenhum educa, muito pelo contrário, deseduca. Dentro da
escola de samba, tem que continuar o seguimento de família. Você
vai encontrar de tudo lá dentro, mas cada um segue a linha que quer
desde que não vá atrapalhar a instituição e nem atrapalhar o seu
próximo, foi essa minha prioridade.
Depois disso, dentro do próprio bloco tinha o movimento e
Tobias falou: “Vai se preparando que você vai ser o diretor de harmonia
da escola”. Eu já sabia que era uma bucha. “Eu quero me preocupar
com o negócio de harmonia nada, eu quero folia”, mas tudo bem, já
era do bloco e cantava também. Passei pela ala de canto. Até porque,
na minha época, eu tive aula de canto na escola, fiz parte do canto
orfeônico, daí em diante, saí da ala e veio o Delegado. Eu já estava
trabalhando na harmonia com o pessoal. Alí, a coisa é esquisita. O bom
harmonista trabalha para a escola, e não faz a escola trabalhar para
ele. Você tem sua vida particular, você trabalha oito horas por dia, você
trabalha mais oito para escola. Não é só procurando visibilidade, tem
que ter a cabeça no lugar, e graças a Deus, eu sempre tive a minha,
sempre procurando aprender, olhando o Manézinho, grande mestresala. Depois o Delegado me ensinou. A nossa quadra era descoberta,
um calorão danado, e eu lá: “Não, repete! Repete! Repeteee!!!”
E eu tive que repetir. Hoje, eu tenho condições de conversar com o
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responsável pela bateria e com o cara que é mestre-sala.
Na minha época, tinha ala de evolução e ala de passo marcado.
São duas coisas distintas e hoje você tem mais ala supostamente de
evolução porque, infelizmente, o desfile da escola de samba virou uma
coisa mais comercial que espontânea. Formam uma fila, distância, não
sei o quê. Você não vê mais um grande passista. Hoje em dia o que está
operando no carnaval de São Paulo? Aqui vai uma crítica contundente,
escola de samba substituiu rainha de bateria e madrinha de bateria
por mulheres que não são da comunidade. Fazer aqueles trejeitos que
elas fazem, até eu faço. Quero saber se realmente sabe o bê-a-bá da
história. Não sabe, se apertar não sabe. Mas a grande mídia, não é?
Eu acho que este negócio está totalmente errado, tem muitas pessoas
na sua comunidade, não precisa buscar em agência, em televisão, em
canto algum. Dê oportunidade para seu povo trabalhar. Isso eu tive,
graças a Deus. Tem que valorizar a tua comunidade e a tua comunidade
é sequência da tua família, aonde sua mãe vai levar o seu filho e o
filho, o filho dele. Eu sou do tempo das pastoras, de grandes passistas
formadas dentro da escola. Escola de samba não é só madrinha, é um
todo. Desde a comissão de frente até o último integrante, até o povo
da velha guarda que merece respeito e o recebe. Isto é um protesto
meu. Eu também já fui mocidade e hoje não sou mais, quer dizer que
não vale mais nada? O tempo passou e acabou? E o conhecimento?
Tem que priorizar isso. Eu ainda estou com alguma coisinha, não
sei o motivo, obra de Deus. Tem muitos companheiros que já vi que
estão de fora. Quero deixar bem claro: não existe filho sem pai, eles
merecem respeito, seja de que escola for. Isso não interessa. Não
são respeitados, nem politicamente, nem nas agremiações. Quando
respeitam um pouquinho, acham que estão fazendo muito, mas o cara
dedicou a vida àquilo! Ele tem que ter o espaço dele sim. Todos os
componentes têm que ter. Não só a madrinha de bateria. Fulana está
lá na mídia, acabou carnaval. Hoje é 21 de março, você ouve falar em
carnaval? E as supostas madrinhas estão cuidando da vida delas. Elas
vão lá ver se o povo da comunidade está precisando de alguma coisa?
E quando se fala em colaborar com a comunidade saem metendo a
boca por aí, como já vi. Então, não vá: compra o bilhete e senta.
Este ano, eu não saí na minha escola, mas arrumei o ingresso
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e fui ver o desfile. É duro pra caramba, mas não tem problema, fui lá
torcer por ela. Não importa quem dirige. Não há tanta formação igual
a que eu tive. Graças a Deus, eu peguei muita gente boa. Fui harmonia
da escola.
CARLOS: Conta um pouco como foi o seu trabalho de harmonia dentro
da escola.
ZULU: Difícil. Ali, é complicado porque você vai se relacionar com todos
os outros departamentos da escola. A responsabilidade é grande, tem
que pensar muito, tem que ter o conhecimento. Hoje, o carnavalesco
impõe e o povo diz amém! É só o presidente dizer amém, você vai ser
obrigado a dizer também. Vai bater de frente com o carnavalesco? Tem
presidente que deixa a desejar. O presidente que eu citei, o Tobias, e
eu, que era responsável de conduzir a escola, tivemos uma formação
sim. Vamos sentar e vamos conversar de igual, mas o cara falou: “Não
é assim que a gente quer. É assim que nossa escola funciona, assim
nosso povo gosta”. O gosto do povo, não o teu ou o meu. Dentro da
harmonia, tem que ter um bom jogo de cintura, tem que ser pai,
padrinho, padrasto e carrasco. Você tem que ter um bom mandatário.
Graças a Deus, eu tive o Tobias. Nós tínhamos até um sistema de
trabalho que deu certo para nós da Camisa Verde. Fantasias: tínhamos
que fiscalizar tudo, saber número de componentes. Entrei em tantos
lares na minha vida! Graças a Deus, sempre com respeito. Sentava no
meu velho fusca, que já não está mais comigo, às seis, sete da manhã,
ou no carro de outro amigo, e voltava meia-noite, uma da manhã.
Comia um lanche rápido no almoço. Fazia o levantamento de tudo o
que comprou ou não comprou para a escola não sofrer sanções, como
hoje se escuta. “Comprou e não pagou”, não havia. Se você ficasse com
um nó desses, ficava complicado. Depois, você ia aos ensaios, tinha
que se relacionar com os componentes. O componente da escola tem
que saber, tem que conhecer quem é o harmonia, o chefe de ala tem
que saber. Não adianta nada você chegar para o cara e pedir canto,
evolução e tal. É mole! Mas é mole para quem sabe, quem não sabe,
é complicado. Quando você chega para o cara e, depois, “quem é este
cara que eu nunca vi em lugar algum?” Você tem que interagir com o
chefe de ala para que o chefe de ala repasse para os integrantes da ala,
quem é o cara que vai conduzir tudo aquilo e quem são os assessores
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dele. Tem que estar afinadíssimo com tudo. Isto é o trabalho de uma
boa harmonia.
Eu trabalhei com dez harmonias na Camisa Verde. Para mim,
foram os melhores que eu vi. Eu trabalhei com alguns que foram meus
responsáveis. Depois, eu fui responsável deles e foram vinte anos de
felicidade com essa turma. Daquela turma se tiver quatro vivos é muita
coisa. O nosso objetivo sim, Camisa Verde e Branco, para dentro dos
adversários. Eles não sabiam como conseguíamos conduzir aquele
montão de gente com dez pessoas, mas nós fazíamos. Tirávamos de
letra, com os pés nas costas. Hoje, as pessoas se apegam muito na
nota. Lá atrás, não. Nós nos apegávamos ao trabalho, observávamos
as falhas, conversávamos com o presidente da escola. Ele explicava e
nós éramos obrigados a corrigir tudo aquilo para que, no próximo, não
ocorresse o mesmo erro. Hoje em dia, você é até limado por causa da
nota.
A harmonia é o trabalho a médio e longo prazo, não o trabalho
para dar resultado a curto prazo. Sou da época que o presidente
da harmonia da Camisa Verde fazia a avaliação da escola. Eu tenho
competência para isso. Hoje em dia, é o carnavalesco quem faz. Não
tenho nada contra, até porque quando fui diretor técnico dentro da Liga,
por quinze anos eu tentei formar uma associação dos carnavalescos
para que fossem formados dentro de São Paulo e não onerasse tanto
as escolas, mas eu não fui bem recebido porque falaram que eu queria
tomar conta do samba de São Paulo. Não tenho nada contra, muito
pelo contrário, acho um trabalho digno, são pessoas dignas e colocam
a cabeça deles à disposição daquilo. Tem muitas escolas que não
merecem o carnavalesco que têm.
Nesse aprendizado, desde a costura de tudo o que você possa
imaginar nós aprendíamos a fazer com muito amor, porque você podia
se deparar numa situação daquela: “Eu não sei fazer isso!” “Calma,
querida!” Você pega agulha dela e mostra o que deve ser feito. Você
vai lidar com todo o tipo de gente. O respeito em primeiro lugar, com
quem quer que seja. Você faz vários ensaios e tem que sair com seu
plano de vôo pronto. Hoje, tem ensaio técnico? Eu sou responsável
por isso, saiu da minha mão dentro da Liga. Ensaio já diz, é ensaio.
Aparar as arestas e tirar os defeitos. Não é você achar que aquilo já
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é apresentação, pois ela está por vir. O pessoal acha que tem que ser
aquilo lá. Não é nem mais ensaio, é desfile técnico. Eu encontrei o
Robson e ele me falou: “Você é o culpado disso!” “É, fazer o que, não
é, Robson?” Quando fica bonito todo mundo é pai. Quando é feio, o
pai é um só.
CARLOS: Quando você trouxe ou começou com os ensaios técnicos?
ZULU: Isso foi por volta de 99.
CARLOS: Antes não tinha?
ZULU: Antes não tinha. Cada escola ensaiava no seu bairro, no seu
reduto, não tinha isso. Tanto que eu sofri muito quando voltei para
a Camisa Verde, porque ensaiava naquela avenida, no portão dela o
couro comia.
CARLOS: Na Avenida Norma?
ZULU: Isso, isso. E agora não, agora nós temos que ir lá para o... O
que eu fiz? Meu Deus! Que caca! Eu era o responsável e apresentei o
projeto, agora estou vendo a direção de tudo isto. Eu estive lá olhando.
“Cara, o que é isto?” Tanto que um amigo meu, que trabalhava comigo
no Anhembi, apareceu lá também e disse: “Aí, o pai da criança!”
CARLOS: O ensaio técnico é uma grande desorganização?
ZULU: Infelizmente. Eu primo sempre pela boa organização. O pessoal
pergunta: “Como conseguia fazer isso na rua?” Cada chefe de ala
conhecia o seu rebanho, nós vamos fazer isso aqui e pronto. Armava e
ia embora. Dentro desse trabalho de harmonia, já tinha feito a armação
da escola, já tinha apresentado ao presidente, ao carnavalesco:
“Vou fazer a numeração das alas para a hora de armar. Você é a ala
catorze e eu sou ala quinze”. Por isso, nunca tivemos problemas. Hoje,
compositor é ala. Não é ala, compositor é apoio ao canto. Os caras
exigem: “Compositor tem que cantar”. Não. Compositor tem que
apoiar.
Uma vez eu tive que pegar no pé de um colega, pois ele disse:
“Diretor de Harmonia não pode interagir no meio do desfile com o
componente”. Falei: “Só do lado de fora? Então, não precisa”. Diretor
de harmonia não vai dar bronca na hora de transmitir ânimo, força,
determinação. O cara que mexe com escola de samba tem que saber,
principalmente o cara da harmonia, quantos componentes têm, o
plano de vôo da escola repassado para os meus companheiros. Deu
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certo? Glória a Deus! Deu errado? Bato a mão no peito, nunca fujo
da minha responsabilidade. Esse negócio de jogar seu companheiro
no fogo? Jamais! Acabou o carnaval, tem que fazer uma reunião de
avaliação com o presidente. O Tobias era uma pessoa com muita
coerência. Assim, a gente foi fazendo uma grande escola durante dez
anos. Não foi mole, mas nós estivemos ali. Nós perdíamos o carnaval,
mas não perdíamos a pose. Quando alguém pensava que a Camisa
estava morta era igual ao Jason da “Sexta-feira 13”, voltava mais
nervoso ainda! E nós fomos colhendo os frutos, pois nós tínhamos um
planejamento, a nossa proposta era ousada.
Dentro desse trabalho de harmonia é muito gratificante
e eu aprendi muito, inclusive o relacionamento com o ser humano.
Considero-me uma pessoa vitoriosa e prestei um grande trabalho para
minha associação. Um grande espelho na minha vida em termos de
harmonia foi o Pé Rachado da Vai-Vai. Eu vi esse cara coordenando
o cordão no Bixiga com sabedoria, interagindo com todos os
componentes, com vigor, por isso que a Vai-Vai está ai, firme e grande.
CARLOS: Você me fez refletir sobre a questão da tradição. O que da
tradição se transformou e ganhou outra cara? Ou o que se deturpou e
foi para outro lado? O seu depoimento contribui muito, pois traz um
exemplo disto. Outra coisa é que durante esta pesquisa, fui às escolas
para entender a dinâmica dos ensaios. Chamou-me a atenção que, nas
grandes escolas, o chefe de ala tem muito da postura de mandar, gritar
e de até brigar. Em outra escola, uma menor, a Imperial do Mestre
Divino, por exemplo, era completamente diferente. Tinha um prazer
das pessoas estarem lá, das fantasias que eram feitas ali, desde a
gravação do CD, tudo em família, praticamente.
ZULU: Para você ver que eu não te contei nenhuma mentira. O Seu
Inocêncio indicou a mim e um parceiro que está vivo, o José Carlos
Gordinho. Nós vamos discutir com Mazinho, Seu Nenê, Casado, Chiclé?
Poxa, os caras estão mil anos à nossa frente. Aí, Seu Juarez chegou
e falou: “Deixa eu ver se os ‘filhos do Inocêncio’ estão afiados!” Ele
tinha tudo, mas não sabia que nós também gostávamos de pesquisar.
Não estávamos de laranja na parada. Mal sabíamos que Seu Inocêncio
estava nos preparando para sermos dirigentes. O Robson me falou:
“Você foi o último dos caras que foram preparados para ser dirigente!”
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O cara que está de fora te observa, você não se observa. É quando falo
que o pessoal da harmonia deixa muito a desejar. Hoje, tem escola
que tem trinta, quarenta harmonias. Acho isso um absurdo, se é algo
levado a sério não precisa de tanta gente. Você tem que ter chefe de
ala e você vai conversar com ele. Exemplo, a maioria do povo mora em
bairros distantes e vem para as escolas do centro da cidade, vem para
o samba. Tem um cara que é o líder no bairro dele e, quando ele vem,
traz a turma dele. É muito mais fácil você interagir com ele e ele com
o povo dele. Mal sabe ele que pode estar se preparando para amanhã
ser um harmonia. Assim funciona, então, não adianta botar um cara
gritando. Até porque, hoje em dia, as fantasias vai ter que pagar, vai
dispor do seu recurso, a escola não te dá nada e, se te tratarem bem,
você volta sempre e periga agregar mais pessoas. No entanto, se não
tratarem bem, fica na lembrança, amigo, o dinheiro é meu. Está aqui
para ser achincalhado, tomar bronca? Saiba se posicionar. Agora, tem
algumas coisas aí que você mesmo andou e viu. Dentro de uma escola
de samba, o diretor de harmonia é fator preponderante. Teve até
um presidente que eu não vou citar o nome, mas quando sair este
trabalho, alguém vai ler, e ele vai se tocar. Ele falou que harmonia não
tem importância alguma dentro da escola. Quando me falaram isto me
deu vontade de chorar. A coisa está ruim mesmo, como é que um cara
desse pode ser presidente? É incompetente.
O Seu Inocêncio antes do ensaio geral reunia toda a harmonia,
entrava na salinha, fechava a porta e dizia assim: “Eu já terminei a
minha parte com a escola, alegoria pronta, destaque e pá, pá, pá.
Agora, é a parte de vocês, harmonia que tem que ser feita”. Quer
melhor que isso? A gente ficava um olhando o outro e quando saía
de lá, saía como louco, cada um com sua responsa. A responsa tinha
sido jogada no peito de cada um, naquela salinha. “Só vou falar com
vocês depois do resultado do carnaval!” Aí, você escuta um presidente
falando numa reunião, na frente de todo mundo, que harmonia não
manda nada. Será que eu aprendi tudo errado? Será que Seu Inocêncio
me ensinou tudo errado? A hora que ele ler isso daí, vai saber que a
mensagem é para ele. Um dia, talvez, eu te conto quem é.
Depois disso, eu fui assumindo alguns cargos dentro da escola,
às vezes, até me desentendi com alguns amigos, mas tudo dentro
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do respeito. Fui presidente do conselho da escola, depois voltei para
harmonia, trabalhei no barracão. Eu sinto muita falta do Tobias. O
Tobias é o fundador e o idealizador da Liga das Escolas de Samba.
Hoje, estão tentando fundar outra coisa, que para mim não vale,
essas pessoas chegaram depois e pegaram o arroz, o feijão e carne
mastigados. É cômodo, é fácil querer destruir o que está pronto. Por
isso que você falou que o ensaio geral está desorganizado. Em casa
que não tem comando e não tem ordem, vai faltar o pão. Isto é o que
aprendemos na nossa escola, com nossos antepassados. Sinto falta,
sim, de cada um daqueles com quem conversei. O Tobias falece, fica a
Magali e eu fui galgando outros cargos dentro da escola até chegar a
diretor geral e da última vez, diretor de carnaval, que também é outra
bucha quando você pega gente que não entende nada. Pode estar do
jeito que está, mas a minha escola é essa.
CARLOS: No Bloco do Bom Proceder, vocês saíam nas ruas no sábado?
ZULU: Era diversão. Naquela época, o desfile era mais descontraído.
Hoje, tem que cumprir tempo. Quando nós tínhamos esse bloco era
para ir para gandaia. Eu não quero saber de nada, hoje é carnaval! Nós
arrecadávamos dinheiro. Aquele montão de gente, era só alegria.
CARLOS: Você falou que foi do Cordão Campos Elíseos?
ZULU: Não. Eu não fui. Eu vi o cordão, mas fiz parte da ala jovem dessa
instituição.
CARLOS: Pode contar um pouco como era, o que você via?
ZULU: Havia uma mulher que comandava aquilo, chamava-se Dona
Neide, a mulher era um problema. Se você ia sambar, você tinha que
ter um lenço para por nas costas da moça porque transpirava a mão.
Tinha uma coisa muito importante: o baile de carnaval, baile de salão,
que hoje não tem. Baile de carnaval era uma coisa com decência,
com postura não é esse negócio pervertido que está aí, não. Lá, havia
matinê, a coisa mais linda do mundo. Lá, no Campos, eu vi baile de
carnaval muito bom, baile tradicional da ala jovem, depois que virou
escola de samba, eu trabalhei um pouco para eles, mas não saí lá, não.
Cheguei a pegar com o Senhor Inocêncio os instrumentos da Camisa
emprestados. Tomei uma dura! Mas os caras não conseguiram colocar
a escola na rua. Voltei com o rabinho entre as pernas. Ouvi o que
devia e o que não devia do Seu Inocêncio. Ele falou: “eu já sabia que ia
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acontecer isso”. Pela experiência dele, eu tinha que ouvir.
Agora, se você me perguntar de que dissidências foram
algumas escolas, eu te falo: Tom Maior foi uma dissidência dentro da
Camisa Verde, fundada pelo Seu Hélio Bagunça, Aníbal e Marcos, eram
integrantes da Camisa Verde. Houve uma reunião, parece que não saiu
bem um negócio, eu não me metia naquilo, saíram fora e formaram
a Tom Maior. A Rosas de Ouro foi dissidência dentro dos Campos
Elíseos. Os fundadores foram Zelão Engraxate, Zelão da Losa, Nego,
Azul. Eu vi o Lavapés, uma senhora escola de samba, mas infelizmente,
paciência. Tudo tem seu tempo e sua época. Chegar ao topo é uma
coisa, manter-se lá é outra. Agora, o carro-chefe da tradição desse
negócio de carnaval chama-se Nenê de Vila Matilde, Vai-Vai, Camisa
Verde e Branco e Unidos do Peruche. Eu cresci vendo esse povo. Os
outros vieram depois. Estão fazendo um trabalho que agrada, temos
que respeitar também. Agora se você não cuidar, a carruagem vem e
atropela. Outros acabaram. Campos Elíseos acabou, sumiu, dissolveuse tudo, não existe mais. Paulistano da Glória era um senhor cordão,
depois virou escola de samba, acabou com tudo também. Tinha o
salão de baile e nesse, eu cheguei a dançar.
A minha geração vem depois da geração do Seu Inocêncio. Essa
turma aí e a minha, o que nós vamos passar para a geração futura? A
minha preocupação é esta, porque do jeito que vai, eu não sei aonde
isso vai parar. Eu não estou gostando do que vejo. Eu vejo alguns
interessados. Será que a maioria está interessada? São eles que vão
ter que provar. Até porque, dos títulos de cordão, 54, do Centenário
de São Paulo, 68, 69, 70, depois mais nove como escola de samba e
um título do Grupo 1 que eu não estava mais mas do grupo especial,
eu ganhei todos com os meus companheiros. Então, você tem uma
história de vida prestada ao samba. Será que quem está mandando lá
tem? As pessoas podem até omitir, mas a história nunca!
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Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
MERCADORIA
Senhor Raimundo
Pereira da Silva
nasceu no dia 22 de
março de 1943, em
São Raimundo Nonato – PI. Entrevista
realizada no dia 24
de março de 2009.
CARLOS: Senhor Mercadoria, conta um pouco da sua trajetória no
samba.
MERCADORIA: Meu nome de batismo é Raimundo Pereira da Silva.
Sou piauiense de São Raimundo Nonato, nasci em 22 de março e
acabei de fazer 66 anos. Cheguei aqui em São Paulo com cinco anos
de idade, no ano de 1948 e, bom, posso dizer que sou paulista. Entrei
no colégio em 1952, em um seminário, pois eu iria ser padre. Estudei
na Escola Salesiana São José, em Campinas. Fiquei lá por dois anos, de
1952 a 1954, então eu vim passar as férias em São Paulo. Era o ano
do 4º centenário da cidade, cuja festa seria no Vale do Anhangabaú,
e naquele dia estava se apresentando uma escola de samba do Rio,
a Salgueiro. Eu nunca me esqueço, tinha uma ala de passo marcado
e quando vi fiquei encantado. Não voltei mais para o seminário e
coloquei na cabeça que não queria mais ser padre, queria fazer
outro tipo de coisa na vida. Acho que foi neste momento que eu virei
sambista. Comecei a procurar alguma coisa ligada não só a escola de
samba, mas também relacionada à música, pois queria conhecer um
pouco mais deste universo e vivia participando de escolas de músicas
para aprender mais, principalmente percussão. No entanto, isto você
não aprende a não ser com músico profissional, pois percussão boa
você aprende na escola de samba, na bateria.
Em 1959 conheci uma pessoa que depois virou meu parente,
pois casei com a cunhada dele. Esse amigo me levou para conhecer
uma escola, não digo que foi a primeira, mas oficialmente sim. Foi lá na
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favela do Vergueiro que conheci a escola de samba Rosas Negras. Digo
oficialmente porque antes desta, conheci as duas escolas de samba do
bairro da Vila Maria. Elas faziam os desfiles lá e eu andei participando.
Nessa época já existia a unidos da Vila Maria. Se não me engano, ela
era de 1954, mas eu me interessei mesmo pela Vergueiro, pela Rosas
Negras, apesar de não ter durado muito tempo. Uma escola com vários
elementos, vários sambistas, tanto é que foi da Rosas Negras que saiu
a Império do Cambuci, por volta de 1961. O Sinval e o Tarcisão, ambos
da Rosas, foram para a Cambuci e eu fui também. A escola ainda estava
sendo fundada ainda, o Nelson Crescibeni era o presidente e fundador.
Eu fiquei na Império, isso em 1963. Tinha também o Seu Beto, da
Mocidade Alegre, que era compositor e a Império foi o início da minha
carreira. Lá eu aprendi a tocar todos os instrumentos de percussão
com o Mestre Rubinho, grande batucador. Dessa escola saíram vários
nomes famosos do samba que fundaram outras escolas depois.
Hoje é fácil um ritmista chegar na Escola de Samba e já sair
tocando, mas naquela época não, para você tocar um instrumento
precisava primeiro saber encourá-lo. Eu queria tocar caixa, mas era
daquelas caixas antigas, do período da borboleta, Seu Rubinho me
disse, então, para montar meu instrumento e aprontá-lo para tocar.
Fiquei três dias coçando a cabeça, não tinha a menor ideia de como
fazer aquilo. Depois dos três dias, ele me chamou e disse que só ia
me ensinar uma vez, depois disso eu deveria me virar. Então, pegou o
couro e colocou na água, antigamente falava bordão, mas agora falase couro, aí cortou e molhou. No final da tarde, ele me chamou para
ensinar a encourar. Pegou o arco, a colher, dobrou e enfaixou. Aí ele
desmanchou tudo e disse: “Agora faça você!” Demorei umas cinco
horas para montar, mas montei. Eu peguei tanto gosto na coisa, que
toda vez que tinha um instrumento para encourar, eu ajudava. Outra
coisa que aprendi, e demorou um tempão, foi afinar instrumento,
quem me ensinou foi o Toniquinho Batuqueiro.
Acho que fiquei uns dez anos na Império, com grandes carnavais,
grandes sambistas. Em meados de 72 eu saí da Império e tive uma
passagem muito rápida pela Nenê. Já em 1973 eu frequentava a UESP.
Nesse ano me tornei diretor dela. Aí comecei a carreira de dirigente
de associações, e em 74 fui fundador da Escola de Samba Primeira do
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
Itaim Paulista, escrevi o enredo desta escola, Menino dos Palmares.
Fui carnavalesco, aderecista e fomos campeões do Carnaval no Grupo
3, na Avenida São João. O enredo era muito bom, baseado num livro
da Isa, mas não me recordo o sobrenome. Foi o primeiro livro de uma
escritora e jornalista que se tornou enredo no Brasil. Grandes pessoas
nos ajudaram a fazer esse desfile. Dona Elina Facio, a costureira, fez
tudo de graça para a escola. O Vasco, que trabalhava na Folha de São
Paulo e era editor internacional da Gazeta, também se interessou pelo
enredo. O Derly Marques, que ainda está vivo, era fotógrafo também
da Folha. Essas pessoas nos ajudaram muito.
Em 74 passei a ajudar na organização do Carnaval em São
Paulo, na época em que saiu da São João e veio para a Tiradentes,
pela Secretaria de Fomento e Turismo, que cuidava do Carnaval Dona
Maria Aparecida trabalhava pela Secretaria e fui indicado pela UESP a
tornar-me coordenador. Durante muitos anos essa mulher mandava
no carnaval de São Paulo. A Secretaria ficava no prédio da Câmara, aí
veio para o Anhembi, que passou a tomar conta do Carnaval. Naquela
época, nós fazíamos muitos desfiles nos bairros. A UESP chegou a
fazer 20 bairros. Era muito bonito, entre 77 e 78 quando o Carnaval
estava começando a ganhar corpo, não como carnaval profissional,
mas como carnaval organizado, com todas as regras. O Jangada
preparou o regulamento, era um jornalista carioca radicado em São
Paulo, fez muitos sambas para a Mocidade Alegre, trabalhou na Folha,
foi parceiro do Talismã. Participamos de todas as modificações que o
Carnaval de São Paulo passou até hoje, nós participamos.
Em 1979 fui convidado por uma outra escola de samba. Não
era grande na época, mas era respeitada. Era a Rosas de Ouro. O
Jangada era o diretor de harmonia da Rosas, mas ele tinha que voltar
para o Rio, e na época o irmão do presidente me convidou para ir pra
lá. Eu não queria ir, pois tinha uma política racial muito forte. Diziam
que a Rosas de Ouro era uma escola racista, não aceitava negros, e eu
não estava me sentindo a vontade.
CARLOS: Era uma escola só de brancos? Como era?
MERCADORIA: Na época as pessoas diziam que a Rosas era uma escola
de brancos, racistas, não era de negros, era uma escola elitizada, mas
isso não era verdade, tanto que o diretor de bateria na época era o
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Lagrila, e mais negro que ele era impossível. Convenceram-me em 1980
e eu fui para lá. O carnaval de São Paulo já estava se transformando.
O Camisa veio de um tetra campeonato e na minha opinião, um
dos mais bonitos de São Paulo; veio com “Narainã”, “Acima de Tudo
uma Mulher”, sambas de Ideval e outros parceiros. O samba de São
Paulo vai tomando um rumo diferente com grandes enredos, grandes
composições, grandes desfiles na Tiradentes, muito bem forrada de
iluminação. O som começou a mudar, não era mais a corneta, era a
caixa. O samba começou a tomar outro impulso.
Em 1980 a Mocidade ganhou o carnaval, um desfile maravilhoso,
e assim foi evoluindo. Na época, também fui fundador da atual FESEC,
que antigamente chamava-se FESEAC. Começamos a trabalhar sobre
o critério de julgamento que existe hoje. A TV Cultura se interessava
em fazer imagens do carnaval de São Paulo, até transmitiu, na década
de 80. Em meados de 81, 82 a Vai-Vai estava numa pujança muito
grande em sua caminhada. Já em 1983 a Rosas de Ouro começou a
mudar o Carnaval. Ela foi campeã em 83 e no ano seguinte houve a
primeira grande transformação. A Rosas levantou os carros e colocou
movimentos muito rústicos, antes inexistentes. Os carros para a época
eram gigantes, com oito metros de altura. Hoje nós temos alegorias
de 15 metros. A Rosas surpreendeu todo mundo, ganhou da Camisa
Verde por diferença de meio ponto. Neste ano o Ideval não fez samba
para a Camisa, fez para a Rosas e virou hino da Academia do Largo São
Francisco: “Lá no Largo São Francisco/ bem no centro da cidade/ dia
11 de agosto/ inaugurada a faculdade...”. Virou samba antológico da
faculdade e a partir daí as escolas começaram a investir nos desfiles e
as mudanças começaram a ficar significativas.
Houve melhor preparação dos ensaios e já pudemos ver
resultados em 1985, com a ida da Nenê para o Rio de Janeiro para
participar do Desfile das Campeãs. Naquela época foi feito um
convênio com a RIOTUR para que a escola campeã de São Paulo fosse
participar do desfile no Rio. Foi uma disputa muito grande, até hoje
muitas pessoas não concordam com a ida da Nenê, porque na época o
Betinho era presidente da UESP. Era seu último ano, e os participantes
da Vai-Vai e Rosas de Ouro não concordaram com aquele campeonato.
As duas escolas estavam empatadas, mas o último quesito, no final
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
da apuração, era o item que nem a Vai-Vai nem a Rosas perdiam
para ninguém, de jeito nenhum: a fantasia. Na época, a fantasia da
Nenê realmente não tinha condições. Esta escola sempre teve grande
bateria, grande samba no pé, mas fantasia não. E as duas tiraram notas
baixíssimas: oito. Já a Nenê tirou dez, o que a fez ser campeã do desfile.
Ela ganhou e foi para o Rio. Ela tem a primazia de ser a primeira escola
paulista a desfilar em um sambódromo. Na Rosas de Ouro estava tudo
pronto, todo o material para viajar, pois sabiam que não perderiam
este carnaval para ninguém, seria a Tricampeã do carnaval de São
Paulo, mas o registro da história está lá, deu Nenê. De certa forma isto
ajudou, pois o carnaval ganhou corpo, ficou mais consistente. Então, a
TV começou a se interessar, mas aí houve a cisão. Em 1986 foi criada a
Liga.
A UESP sempre teve o crédito de ter uma quantidade muito
grande de escolas de samba, na época existiam 115 escolas filiadas.
Escolas do Grupo 1, 2, 3, mas todas as votações tinham o mesmo peso
de voto. Todas as vezes que se votava alguma coisa para o Grupo 1,
perdia-se, porque o peso do voto era 95 contra dez. Os presidentes
foram ficando revoltados, então foi criado um movimento para que o
peso de nota do Grupo 1, valesse por dez. Neste movimento estávamos
eu, Tobias da Camisa, Fernando Penteado e o Betinho. Então, você teria
dez escolas, o que daria cem pontos, contra cem do lado de lá, mas
não aceitaram. São fatos que não estão registrados, mas é a realidade.
“Vocês não querem? Não”. Então, começou a ideia de se fazer uma
Liga aqui em São Paulo, mas ainda tentamos manter a coisa em pé.
Em 86 o Jânio Quadros foi eleito prefeito de São Paulo e a
primeira conversa dele é de que não haveria carnaval. Logo após a
eleição, chegou um grupo de empresários portugueses na UESP, queria
comprar o carnaval e mudar o desfile da Tiradentes, pois eles iam fazer
o sambódromo. A ideia era fazer onde fica o Parque Villa-Lobos, aí foi
aquela discussão, muda, muda, vende, vende, faz, não faz. Graças a
Deus não vendeu, mas essa discussão de vender ou não reforçou a
tese da Liga. O desfile do Grupo 1 era no domingo e o do Grupo 2 no
sábado, mas para fugir da concorrência do Rio, os empresários queriam
que o Grupo 1 fosse no sábado e o 2 no domingo. Fizeram a proposta
financeira. Propusemos que eles dessem algo em torno do que seria
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hoje R$ 100.000,00 para o Grupo 1 e R$ 80.000,00 para o Grupo 2,
em reunião feita na UESP, mas o Grupo 2 não aceitou, só aceitariam
se fosse divido por igual. Quem levantou este movimento do Grupo 2
foram o Leandro e o Divino, e neste dia foi fundada a LIGA. Nós quatro
saímos da rua e ficamos no paredão, conversando: eu, Betinho, Tobias
e Fernando Penteado. Foi quando chegou a notícia de que o Grupo 2
só aceitaria se o Grupo 1 fosse com este valor: estava fundada a Liga.
O documento de assinatura da criação da Liga foi feito no Prédio da
Federação Paulista de Futebol, num caderno. Todo mundo assinou,
até a Nenê, só que a assinatura foi do Betinho, e não do Seu Nenê.
Na hora da apuração, que passava na televisão, nós estávamos dando
ciência de que a partir daquele momento existia a Liga. Seu Nenê disse
que a Nenê não participaria, pois o Betinho não tinha autorização para
assinar o documento, tanto que se pode ver no Estatuto da Liga que
são dez escolas de samba. Dez ou doze, e a Nenê não está na lista. O
Betinho participou de toda a movimentação. As primeiras reuniões da
Liga foram feitas no Peruche e o finado Juarez foi o primeiro presidente.
Desde 87 o carnaval vem acontecendo com as grandes escolas
se aprimorando cada vez mais: os anos de 88, 89 e 90 sediaram grandes
desfiles. A Tiradentes foi tirada dos desfiles não pelo metrô, como
sempre alegaram, mas pelo crescimento, pelo tráfego intenso, o Jânio
construiu uma passarela e quando isso aconteceu ele matou as escolas
de samba. A ideia do sambódromo em São Paulo foi crescendo a cada
ano, foram vistos vários lugares, até pensou-se em levar o carnaval
para Interlagos ou para o espaço que os portugueses sugeriram, o
Parque Villa Lobos. Eduardo Basílio, presidente da Rosas de Ouro,
lembrou do espaço no Anhembi, onde hoje tem o sambódromo e que
era um estacionamento de carretas. Então, se iniciou o movimento
para que fosse feito ali. O espaço era grande. Na época, a Erundina
era a prefeita e quando estavam discutindo o projeto entrou a parte
política, pois era ano de eleição para presidente e o Lula era candidato.
A maioria dos vereadores só aprovaria o projeto do sambódromo se
alguma parte daquilo fosse dado para o Maurício de Souza, para fazer
o Parque da Mônica, que trabalhou na campanha do Lula. Houve uma
briga danada, mas depois de muita discussão, conseguiu-se tirar o
parque do projeto. Teve que ser aprovada uma lei, pois aquela área
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
era VIP e nestes lugares não se pode construir prédio algum.
O projeto que o Niemayer fez não é o que está hoje alí, era
bem mais amplo. Para você ter uma ideia, ele tem uma cúpula que
cobre toda a pista e arquibancada. Na época era um milagre para
fazer, hoje nem se fala, seria um negócio fantástico: um pé direito de
40 metros e a cúpula de acrílico. A Philips montou para o sambódromo
a mesma iluminação que tinha montado para as Olimpíadas de
Barcelona, tanto que o pessoal do Rio reclama dizendo que vira dia
de tão claro. A iluminação de São Paulo é um negócio terrível, muito
claro. Nos anos de 90, 91 foi uma loucura, tivemos muita chuva, mas
tudo isso valeu a pena. Hoje está até fácil trabalhar no Carnaval de
São Paulo, em termos de organização, não deve mais para ninguém.
Os desfiles são muito bem organizados, não tem mais atrasos. Muitas
pessoas lutaram por este carnaval. O Geraldo Filme foi um batalhador,
os presidentes da época ajudaram muito também, o Seu Inocêncio,
Seu Nenê, Mala, Dona Eunice, Sinval, Seu Zézinho do Morro da Casa
Verde, Basílio, Juarez, Carlão do Peruche, Valtinho do Peruche e Tobias.
Hoje as escolas têm uma casa, uma sede, mas isso aconteceu depois
de muito esforço, de muita luta. A criação da FESEC ajudou também
no carnaval do interior, se bem que tem cidade que tem carnaval tão
grandioso quanto o da capital.
CARLOS: Por que você deu graças a Deus por não ter vendido o carnaval
para os portugueses?
MERCADORIA: Descobrimos, depois de alguns meses, que eram uns
picaretas. Eles fecharam negócio com o Jânio e não cumpriram, deu
problema sério. Os caras não iam fazer nada.
CARLOS: Quando uma escola da UESP passa para o outro Grupo, ela
entra para a Liga?
MERCADORIA: É o processo natural. O regulamento do Carnaval diz
que tem de subir duas escolas do Grupo de acesso. Hoje existe mais
uma associação, a Superliga. A escola que vem da UESP só tem que
escolher onde ela vai ficar, Liga ou Superliga, não é obrigada a se filiar,
mas tem que ficar numa destas duas para participar das reuniões.
Duas escolas caem para a UESP; este ano caiu uma que é fundadora
da Liga, a Tatuapé, mas numa eleição da Liga ela tem que vir votar, ela
tem direito a voto.
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CARLOS: Qual o momento do carnaval que mais te emocionou?
MERCADORIA: Muitas coisas me emocionaram, mas o que mais me
marcou não foi nem o campeonato, foi uma tragédia. Eu era diretor
da Escola de Samba Primeira do Itaim e nós tínhamos acabado de
subir para o Grupo 2, em 1975. Em 74 na São João e em 75 fomos
para a Tiradentes. Nós fizemos um enredo que se chamava Festa na
Roça, contando a festa junina, mas no tempo de carnaval era muita
malandragem e nós não tínhamos ciência. O mesmo pessoal que
trabalhou com a gente em 74, trabalhou em 75. Íamos fazer um
carnaval simples, mas no topo. Só que tinha uma pessoa, Valdemar
Martins, que era o compositor do samba, ele era do morro da Casa
Verde. Foi para a Itaim e ganhou o samba lá. “Dia de festa na roça,/
cantamos até sinhá...”. O presidente, Oscar Miguel, um cara de coração
fantástico, acreditava em Papai Noel e em Mula sem Cabeça. Esse
Valdemar o convenceu de que tinha uma amizade no Rio, que ele traria
para São Paulo 110 integrantes da Beija-Flor para desfilar na Itaim
Paulista. Oscar disse “Aceito!”. Enquanto isso, a nossa bateria estava
ensaiando com apenas três pessoas. Chegado o dia do desfile, a escola
pronta para ser campeã de novo, naquela época a escola tinha quase
oitocentos integrantes, no bairro não tinha escola de samba, a mais
próxima era a Nenê ou a Leandro, que é lá do outro lado. Ficamos
esperando a bateria da Beija-Flor, e você sabe o que aconteceu, não
é? Não chegou. Foi a pior coisa que eu vi no carnaval. Ver todo aquele
povo sentado chorando, quase 800 pessoas chorando. Nós entramos
com dez integrantes da bateria. A escola ia ser campeã de novo, mas
a partir deste dia começou a acabar, uma escola que hoje poderia ser
uma das maiores e um desastre acabou com ela.
CARLOS: Por que este apelido?
MERCADORIA: O apelido Mercadoria hoje é marca, faz parte do nome
Raimundo. Nos anos 70 tinha uma novela que passava aqui em São
Paulo que se chamava “A Pequena Órfã”, e o Noite Ilustrada tinha um
personagem. Fazia muito frio em São Paulo, e eu estudava à noite.
Eu usava um gorro que fechava a orelha e o personagem do Noite
Ilustrada usava um idêntico. Um dia cheguei à sala de aula, eu estava
fazendo o ginásio lá no Carandiru, a professora de geografia olhava para
minha cara e dava risada, e os alunos perguntaram: “Ô professora, o
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que aconteceu?” “Ele parece o Mercadoria”, respondeu. Não precisou
falar duas vezes, 40 pessoas dentro da sala. Depois ela explicou que o
personagem do Noite chamava Mercadoria. No começo eu ficava meio
bravo, mas agora não. Onde se for no carnaval em São Paulo só me
conhecem por Mercadoria.
CARLOS: Muito obrigado.
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LANDÃO
Sr. Orlando Balbino
da Silva nasceu no
dia 11 de setembro
de 1946, em São
Paulo – SP. É aposentado. Entrevista
realizada no dia 26
de março de 2009.
CARLOS: Senhor Orlando, mais conhecido como Landão. Nome de
batismo?
LANDÃO: Orlando Balbino da Silva.
CARLOS: Nasceu?
LANDÃO: Em São Paulo, Bela Vista, Rua Frei Caneca, Maternidade de
São Paulo. Dia 11 de setembro de 1946, estou com 62, vou fazer 63.
CARLOS: Deve ter história para contar! Como começou a sua vida no
samba?
LANDÃO: É engraçado. O destino prepara a caminhada da gente, das
pessoas, e comigo não foi diferente. Mamãe era da Bela Vista, nasceu lá
e foi rainha do bloco no cordão da Saracura, na época. Eu nasci na Rua
Frei Caneca, no ano de 1946, como acabei de dizer, e em 1949 quando
a Nenê estava sendo fundada, eu fui para Vila Matilde. Papai voltou
para Vila Matilde e eu já tinha perdido a mamãe. Ele casou novamente.
Cresci na Rua José Mascarenhas, que fica no Largo do Peixe, vendo
aquelas bancadas, as tiriricas. Fui crescendo com aquilo, e está no
sangue, porque mamãe era da Vai-Vai e antes era Saracura. E eu sou
Nenê “doente”, junto do meu compadre Albertino Alves de Souza, o
Beto, um dos maiores sambistas que conheci e conheço até hoje. A
gente começou a ter amizade, ele era sobrinho do Seu Nenê, e quando
tinha 11 para 12 anos ele me chamou para desfilar na escola. “Eu
vou!” Ele me levou com os amigos, Walter, Wagner, todos os sobrinhos
do Seu Nenê. Desde o ano de 1958 até hoje desfilei na Nenê de Vila
Matilde. Nesse trajeto aconteceram muitas passagens pitorescas que
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Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
a gente lembra e dá risada.
Papai não gostava, tinha medo, na época o samba era
marginalizado, era perseguido. Minha madrasta e minhas irmãs ficavam
com medo porque eu ia escondido. Quando eu pedia dinheiro ao papai
para desfilar, ele não dava. Então, o que eu fazia? Juntava lata, vidro e
vendia. E para não voltar para casa fantasiado eu tirava a fantasia no
meio da rua e vestia minha roupa. Colocava a fantasia num plástico,
fazia um buraco num quintal baldio e enterrava. No outro dia tirava e
passava a minha fantasia. A mãe do meu compadre ajudava a lavar e
passar, sabendo que eu estava escondido. Depois de um tempo, papai:
“Num teve jeito, você está desfilando lá?” “Eu estou!” Começou em
1958 minha paixão pela escola de samba, batucada, passista, a ginga
das cabrochas, as baianas, era tudo de bom. Na época, a batucada da
Nenê era uma batucada que você se envolvia sem querer de tão boa
que ela era, aquilo contagiava a gente. Antes de começar a desfilar
eu chorava por vê-los no ônibus indo embora. Uma agonia. Chegava
em casa chorando. “O que foi?” “Nada!” Tudo por causa da escola
de samba. Hoje eu me considero um sambista realizado por causa da
Vila Matilde, e por conta do Albertino Alves de Souza, parceiro, amigo,
companheiro, sambista de primeira qualidade; aprendi muita coisa
com ele no samba, e até hoje a gente conversa. Fomos aprimorando e
a escola de samba crescendo. Quando eu comecei a desfilar, acredito
que tinha mais ou menos 120 pessoas na escola, tinha o Paulistinha,
grande mestre-sala, intérprete e compositor e Nicolau, grande diretor
de bateria. Eu observava tudo isso. De batuqueiro tinha Tibá, Juju, Tio
Zé, Ninhão, Charutinho, Geléia, Dercisão, Champlim, Zé Banana, Doce,
Mário, Patinho, Pezão, Odair, Alvin, se for falar de todos vamos passar
o dia aqui. Tinha a dona Odete, a primeira porta-bandeira da Nenê.
Eu observava um pouco de cada um; tocava um pouco de tamborim;
aprendi um pouco de repenique. A gente aprendia a cantar, a ser
intérprete e muitas vezes seguravámos a roda de samba cantando
a noite inteira. Na inauguração do Anhembi fomos para lá, fiquei
com braço duro de tanto tocar surdo. Isto aconteceu, também, nos
desfiles da São João, na Lapa, na Rua 12 de outubro e no Ibirapuera.
É uma história gostosa de falar. Hoje está o samba comercializado,
tipo empresa, mas até acho bonito que o carnaval tenha crescido de
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uma forma tão assustadora, porque de repente começaram a surgir
alegorias enormes, fantasias bem elaboradas e essas coisas todas que
vemos nos desfiles. É bonito, gosto de ver. O carnaval tem que crescer,
só não pode perder a originalidade do sambista, o samba no pé, que
é o passista, que faz a alegria, aquele sambista que transmite com a
brincadeira do seu gingado, com o malandreado e com a coreografia.
Dentro da Nenê de Vila Matilde eu fui um pouco de cada coisa: saí
na bateria, fui intérprete, varredor de quadra, trabalhei no bar, na
portaria, carreguei bloco e ajudei a construir a quadra. A primeira
quadra coberta do Brasil chama-se Nenê de Vila Matilde.
Por quase trinta anos fui diretor de harmonia e em 1996 fui
Rei Momo. Eu tive a felicidade de em 2009 ser o Cidadão Samba do
carnaval. Sou um sambista realizado, sou paulistano e defendo o
carnaval do meu Estado com unhas e dentes. Para mim, cada carnaval
tem seu estilo. Rio de Janeiro tem seu estilo, São Paulo tem o estilo da
gente, mas o nosso carnaval pode melhorar cada vez mais, no sentido
da união. Até faço um apelo para todas as comunidades carnavalescas
que se unam, que não se dividam. O público vai ganhar mais, o carnaval
vai ganhar mais se as forças se unirem. Todos os presidentes, todas
as escolas de samba, todas as entidades carnavalescas. É um apelo
do Landão para vocês presidentes, todos, sem exceção. Sei que eles
não vão ouvir o apelo de um sambista, de um pequenino sambista.
Quantas escolas nós temos em São Paulo? Eu acho que a briga é
dentro da passarela porque anos atrás a gente via o Seu Nenê, o Pé
Rachado, o Seu Inocêncio, Seu Carlão, cada um querendo levar o título
e tal, mas na hora de fazer a corrente em pról do samba eles estavam
sempre alí. O carnaval sofreu repressão: polícia batia. Seu Nenê, Seu
Carlão, Seu Inocêncio Tobias, Pé Rachado, Seu Chiclé, depois Seu
Juarez, se não fosse esses homens, eu não sei se existiria o carnaval.
Eles brigavam por um objetivo só, para o carnaval crescer. Depois
veio o grande Robson de Oliveira, que deu um impulso no carnaval e
ficou um espetáculo; ele não tinha medo, ia mesmo, não queria saber,
queria ver o carnaval. Então, hoje em dia você vê a estrutura da Vila
Maria, da Vai-Vai, da Rosas, todas têm que ter uma boa estrutura, mas
uma estrutura desse nível. O público ganha, a escola ganha, o carnaval
cresce. Aprendi harmonia com o Fernando Penteado, com o Amaral,
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
sambista de primeira qualidade, com o Zulu, com Otávio Pereira, com
essas feras aí.
CARLOS: Desta época em que você juntava as latinhas para comprar
sua fantasia, quanto, mais ou menos, você gastava pensando num
valor equivalente a hoje.
LANDÃO: Hoje, depende da fantasia. Custaria uns R$ 100,00.
CARLOS: Então, naquela época já era um pouco caro?
LANDÃO: Entre R$ 50,00 e R$ 100,00, eu não acho que era caro, não.
CARLOS: E a questão de confeccionar a fantasia?
LANDÃO: O carnavalesco fazia o desenho, entregava na mão do
Seu Nenê, que comprava o pano e contratava a costureira e a gente
ajudava. Colaborava para ajudar a escola a pagar. Não era luxo, mas era
uma coisa bem uniforme e estava todo mundo com um traje só.
CARLOS: O senhor disse que saíam umas 100, 120 pessoas. Quantas
tinham na bateria, na batucada?
LANDÃO: Na batucada umas 50. Entre 30 e 50 pessoas.
CARLOS: As fantasias eram separadas em alas?
LANDÃO: Em alas e vinham contando o enredo. A escola já vinha toda
separada e cada ala era uma parte do enredo.
CARLOS: E o senhor chegou a ver o Cordão da Saracura?
LANDÃO: Não. Não lembro porque quando a mamãe morreu eu era
pequenininho, eu tinha 4 anos de idade.
CARLOS: E a Nenê ia desfilar na 12 de outubro?
LANDÃO: A gente desfilava na Vila Esperança, em Santos, em Jundiaí,
em Mogi das Cruzes, Poá, Itaquá e Ibirapuera.
CARLOS: Essa era a época dos desfiles nos bairros?
LANDÃO: Não. Tinha o desfile principal que às vezes era na Lapa, às
vezes era na Avenida São Luiz, depois na Quintino Bocaiúva, depois
para São João, Tiradentes, Anhangabaú e Anhembi.
CARLOS: E teve no Ibirapuera. Foi só no ano do 4º Centenário?
LANDÃO: Acho que foi, não estou bem lembrado.
CARLOS: E como que seu pai descobriu?
LANDÃO: Eu estava com 14 ou 15 anos e já estava trabalhando. Ele não
gostou muito, mas já não podia fazer mais nada. Eu já estava vacinado
pela Azul e Branco. Na época não era azul e branco, era verde, amarelo,
azul, branco, antigamente não tinha muito padrão. Depois Seu Nenê
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foi para o Rio de Janeiro. E a Portela veio em 1970 para batizar a Nenê
de Vila Matilde.
CARLOS: Como foi isso?
LANDÃO: Foi feito na marra. Não tínhamos recursos para pagar
pedreiro, essas coisas todas. Nós pusemos a mão na massa, viramos
a noite trabalhando e fizemos o batismo. A Portela veio, Seu Nenê era
fã do Paulo da Portela, Paulo Benjamin de Oliveira. Ele escolheu como
símbolo da escola a águia e as cores azul e branco. No dia da festa, a
cimentada que nós tínhamos feito virou farelo. A festa, acho que foi
até às 10:00 da manhã. Um pagode que eu nunca vi em São Paulo.
Conheci um dos maiores diretores de harmonia do Rio,
Mestre Tijolo, hoje é finado, mas grande sambista. Ele veio como
chefe da delegação da Portela, que trouxe dois ônibus com passistas,
intérpretes, baianas, mestre-sala e porta-bandeira.
No ano de 1984, foi a vez do batizado da Harmonia da escola
e veio o Mestre Xangô, Xangô da Mangueira, padrinho da Nenê, junto
com Leci Brandão que fizeram uma grande festa neste batismo. Já
era uma outra festa, a Nenê já estava encaminhada, já estava bem
avançada e a gente fez o batismo da harmonia.
E a Nenê foi a primeira e única escola de São Paulo a desfilar
no rio, na Marquês de Sapucaí, em 1985.
A Nenê é isso aí, no chão é complicado, a rapaziada quando
pisa no asfalto defende a azul e branco até.
CARLOS: A Nenê tem grandes elogios de muitos sambistas quando
comentam da bateria. Fala sobre a bateria da Nenê.
LANDÃO: Realmente, e tivemos três grandes nomes à frente, três
diretores que marcaram sua passagem pela Nenê de Vila Matilde
foram o Mestre Nicolau, Mestre Lagrila e Mestre Divino. Tenho muita
adimiração pelo Lagrila. Ele foi o único que ganhou dez vezes seguidas
como diretor de bateria, em 68, 69 e 70 pela Nenê, em 71, 72 e 73 pela
Mocidade Alegre e foi tetra-campeão pela Camisa Verde e Branco de
74 a 77.
CARLOS: Qual lembrança de desfile que mais te emociona?
LANDÃO: Em 97 foi um desfile autêntico, com o enredo “Narciso
Negro”:
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
“O negro é amor, amor, amor,/ O negro é capaz, é capaz./ O
negro é lindo/ Evoluindo sempre mais./ É Manhã,/ Vindos da África
exportados sem querer,/ A negritude está em festa/ ‘Nenê’ sou mais
você/ Reluziu-se pelos continentes/ Se destacou,/ Se fez presente/ Da
cana às minas de ouro/ Sou herança de Zumbi,/ Sou liberdade, sou
povo/ (eu sou negro)/ Sou negro, sou arte,/ O estandarte do carnaval/
Sou baluarte da cultura nacional/ Hoje o negro sim,/ No esporte, na
cultura/ E na religião/ É o orgulho deste mundo inteiro/ Ademar foi o
primeiro/ Rei Pelé, eterno campeão/ Musicalmente temos luz/ Salve
Clementina de Jesus/ Um canto livre ecoa pelo ar/ Vaidosa minha ‘Vila”
vai passar/ No lago da reflexão/ Espalhando a miscigenação/ É tão
sublime, é divinal/ Com sutileza fiz valer meu ideal/ O negro é amor/
(amor, amor)/ O negro é capaz, é capaz./ O negro é lindo,/ Evoluindo
sempre mais.”
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Esse enredo tocou a escola, mexeu com a escola: a batucada
encaixou, o samba encaixou, a harmonia encaixou, a evolução encaixou,
a escola veio redonda, aquilo emocionou e a arquibancada desfilou
com a gente. Esse foi o desfile que me deixou mais emocionado.
CARLOS: A Nenê foi campeã?
LANDÃO: Não, naquele carnaval não fomos campeões. Era um desfile
para ser campeã. “É manhã, vindos da África exportamos sem querer,
samba aí, a negritude está em festa, ‘Nenê’ sou mais você...”. O pessoal
desfilou e bateu no peito, a arquibancada chorando. Festa bonita,
empolgação e a poeira comendo.
CARLOS: E nos desfiles pelo centro da cidade?
LANDÃO: Nunca sofri agressão, Seu Nenê tomava conta da gente,
ninguém gostava de perder. Íamos tomar cachaça na praça.
CARLOS: Como era eleita a escola campeã?
LANDÃO: Era a comissão julgadora. E julgavam a escola que ia melhor,
a bateria. Hoje não, o carnaval está padronizado, então cada escola
é julgada por três jurados. A comissão se reunia e dava o resultado.
Na época que tinha cordão, tinha Vai-Vai, Camisa Verde, Fio de Ouro
e outros, a gente da Nenê disputava com quem era escola, como a
Lavapés e a Peruche. A Nenê nunca foi cordão, ela sempre foi escola de
samba, desde a fundação. Tinha aquela rivalidade, todo mundo queria
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ganhar, mas fora isso todos os dirigentes se davam bem, mas disputa
é disputa.
Vila Matilde é minha casa, pode ser o que for, hoje, moro na
zona oeste, mas Vila Matilde é Vila Matilde.
CARLOS: Como é alguém ver todo esse crescimento do carnaval, quase
um monstro que surge, ter vivido numa época em que desfilavam 100
e hoje desfilam 4.000?
LANDÃO: Isso é evolução. Nós fomos campeões em 58, 59, 60, 68,
69 e 70. Nenê de Vila Matilde e Peruche brigavam pelo título. Surgiu
Mocidade Alegre em 71 e foi campeã. Ela já veio para ser campeã, não
estou lembrado da época exata que passa de cordão para escola de
samba; veio a Camisa Verde e Branco, a Vai-Vai e depois veio a Rosas.
E foi crescendo, depois veio o Robson de Oliveira presidente da Liga.
CARLOS: Isso já na década de 80, no início de 90.
LANDÃO: Não. O Robson veio depois. Mocidade Alegre ganhou os
três campeonatos, Vai-Vai e Camisa viraram escolas. Passou para
São João, Tiradentes, Anhembi com uma estrutura mais sólida, e
hoje nós temos um local adequado para desfilar. Robson de Oliveira
veio e deu aquele impulso, aplicou tudo no carnaval, então cresce
Vila Maria, Império de Casa Verde, inclusive a própria Vai-Vai. Tenho
certeza que a Nenê vai sair dessa incômoda situação e ir para o
lugar dela. Nenê tem que voltar, a Camisa Verde tem que voltar e a
Peruche também, porque são escolas de tradição no carnaval e vão
reviver os carnavais que fizeram na São João e Tiradentes.
CARLOS: Muito obrigado!
LANDÃO: Eu que agradeço.
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MESTRE GABI
Sr. Gabriel de Souza
Martins nasceu no dia
08 de novembro de
1947, em São Paulo
– SP. É desenhista de
arquitetura. Entrevista
realizada no dia 19 de
abril de 2009.
CARLOS: Você tem quantos anos?
GABI: 61.
CARLOS: Está no samba desde?
GABI: Desde garoto, mas, efetivamente participando, há uns 30 anos.
Até então, eu era folião. Ver desfiles, sair, banda bandalha, banda
redonda, só para brincar. Depois, a coisa ficou séria, encarei a cultura
com mais seriedade. Comecei a participar da Barroca Zona Sul, como
integrante, folião, aí me despertou vontade de fazer um samba. Com
alguns amigos, fizemos alguns sambas na Barroca. Ganhamos um
samba que foi “75 anos de Imigração Japonesa”. Uma coisa muito
bonita porque o japonês não estava integrado ao samba e, a partir
dali, se integrou. Naquele ano, vieram japoneses do Japão para sair
especialmente na escola. Isto foi em 1983, na Av. Tiradentes. Eu fiz
alguns outros sambas, mas não ganhei, pois não é sempre que se ganha,
não é sempre que se tem um Zé Carlinhos, amigo nosso da Vai-Vai que
ganha sempre. Depois, passei a ser mestre-sala na Barroca até 90. E
até 2002, eu e a Vivi, minha esposa, na Camisa Verde, uma bandeira
que a gente defende até hoje. Hoje, não saio mais como mestresala, mas estou lá participando, não muito diretamente. Quando era
mestre-sala, tinha que estar, hoje, nem tanto. Uma participação mais
comedida.
CARLOS: Você participou de várias fases do carnaval. São João?
GABI: Peguei São João e Anhangabaú.
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CARLOS: Fale um pouco da diferença, porque você participou tanto
como folião como integrante.
GABI: Era muito gostoso. Tinha aquelas disputas: “eu sou escola tal”,
“eu sou escola fulano”, tinha aquelas torcidas, mas nada, além disso.
Sem briga, sem nada. Já estive lá na arquibancada, na São João.
CARLOS: Então, na São João tinha arquibancada?
GABI: Tinha. Eram três tábuas, e se divertia muito lá. “Não, minha
escola vai ganhar!” Vinha a Camisa Verde, que ficava desfilando duas
horas porque o componente, quando chegava lá na frente, corria para
trás e entrava de novo. Isso era Camisa e Vai-Vai. Quando entrava uma
na frente da outra podia esperar que era um problema sério.
CARLOS: Naquela época você torcia para qual escola?
GABI: Não, nessa época eu era o samba, gostava do mais belo, do
samba mais bonito. Teve um ano que a Nenê veio com um samba
tão bonito. Era a Nenê! Outro ano veio a Camisa Verde, puxa que
samba! Quando você é folião, é o samba. Quando comecei a participar
mesmo, aí era na Barroca Zona Sul, que era a minha escola. Era não,
é até hoje! Eu tenho um carinho muito grande porque foi lá que eu
dei meus primeiros passos. Então, a gente jamais deve negar um
lugar onde se criou e alçou voo. Torcia muito, hoje ainda torço pela
Barroca. Agora, estou sofrendo pela Camisa, que não está muito bem.
São duas escolas que eu amo de paixão. Defendi estas duas bandeiras
como mestre-sala. Respeito muito as coirmãs, mas essas são escolas
que eu brigo por elas. A Barroca teve um problema de evolução, acho
que foi ano retrasado, eu entrei na pista brigando com os diretores de
harmonia, pois era perigoso cair. Caiu mesmo, por falha de diretores
de harmonia que não viam o que acontecia. Eu brigo mesmo por estas
duas bandeiras. As outras, enquanto sambista, Embaixador do Samba,
você tem uma responsabilidade. Se eu vejo um problema acontecendo
na Vai-Vai, eu falo, não importa que não seja a minha escola. A Nenê,
como eu sofri vendo a Nenê entrar.
CARLOS: Da pista?
GABI: Da pista. Como Embaixador e como instrutor de jurados da Liga,
eu posso ficar na pista. Então, eu vejo tudo passando na minha frente.
Quando eu vejo algo errado, falo, chamo o diretor de harmonia. Tem
uma participação mais direta.
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CARLOS: Quando não há desfiles como é a atuação?
GABI: Agora? Agora, eu dou aula para mestres-sala e porta-bandeiras,
tem uma associação em que sou presidente, a Associação de MestresSala e Porta-Bandeiras e Estandartes do Estado de São Paulo AMESPBEESP. Eu criei esta associação, junto de amigos e amigas em
95, com o propósito de não deixar com que a nossa arte, a de mestresala e porta-bandeira, se perca, pois estava se perdendo. Hoje vejo
que a coisa está difícil ainda, para que a tradição da dança não morra.
O pessoal quer inventar. Se você assiste “O Lago dos Cisnes”, uma
gravação de 1930 e outra de hoje, é lógico que os dançarinos mudaram,
mas a dança é a mesma. A mesma coisa é a nossa dança: o mestre-sala
é o protetor do pavilhão; a porta-bandeira apresenta o pavilhão com
elegância e garbo. Eles querem deturpar, inventar, mudar a dança e
colocar outras coisas no meio, por isso que somos resistência. Eu tenho
a Tininha, a Gilsa, que, infelizmente, faleceu agora em dezembro, ela
era a vice-presidente da associação, o Edney, um mestre-sala veterano,
que sai como convidado pela Rosas de Ouro: somos resistência. Ainda
tenho a grata satisfação de dar aula para os jurados, então os alunos
não podem me desobedecer muito porque senão a nota deles não vai
ser muito boa.
CARLOS: Qualquer mestre-sala ou qualquer pessoa que queira ser
mestre-sala pode ir à associação?
GABI: Digamos que você vê um mestre-sala dançando, gosta. “Poxa,
eu queria aprender.” Pode ir, sem problema. E não tem problema de
idade, de 6 a 80. Tem uma menininha (Rafaela) que sai na Peruche.
Ela começou a dançar quando tinha três anos, e saiu numa escola da
terceira idade, em São Bernardo do Campo. Hoje, ela é uma portabandeira com nove anos e desfila no Peruche com toda elegância.
Vai ser uma grande porta-bandeira, com toda certeza. E tem mestresala e porta-bandeira que começaram com certa idade e, hoje, estão
brilhando na passarela.
CARLOS: Você lembra da primeira roda de samba que você foi?
GABI: Da primeira é difícil. Foram tantas e são tantas. Até porque a
gente fazia roda de samba com futebol.
CARLOS: Como despertou este desejo de ser mestre-sala?
GABI: Não foi assim, um desejo. Eu sempre gostei. Admirava quando
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via a Analu, que faleceu ano passado, quando ela desfilava alí no
Anhangabaú, era uma graça!.. Ela girava como uma pluma. Desfilava
no Acadêmicos do Tatuapé. Teve a China da Vai-Vai, que desfilou no
Tatuapé, era uma elegância, você não tirava o olho. Tinha o menino, o
Hudson, da Mocidade Alegre, mas era aqui na Tiradentes. Na Barroca
tinha uma porta-bandeira, Alice, que veio do Império Serrano, eu
era passista e ela falou: “Gabi, você tem elegância, tem jeito para ser
mestre-sala. Vamos ensaiar”. “Eu acho bonito mesmo!” E comecei a
ensaiar com ela. “Você vai sair comigo.” Naquele ano, eu saí com ela.
CARLOS: Era o primeiro ou segundo?
GABI: Eu estava saindo como segundo. E, para minha surpresa, quando
terminou o carnaval, veio a apuração. Mestres-sala e porta-bandeiras
da Barroca: só 10, 10, 10. Cheguei lá, “o mestre-sala tirou dez, deixa
eu cumprimentar”. “Que nada, foi você quem tirou dez”. “Como?” “O
Pé (Rachado) apresentou vocês como o primeiro.” “Como assim?” “Eu
tinha tomado umas, o Pé olhou e viu que eu estava meio assim.” Era o
Cabeção, o mestre-sala junto com a Bete. O Pé me viu dançando com
a Alice e disse que estávamos bem e então, colocou a gente. Naquele
tempo, não tinha aquela coisa da plaquinha que mostrava quem era
o oficial. era o diretor de harmonia que indicava o primeiro casal. Até
hoje, eu não sei o que é sair numa escola sem ser o oficial.
Uma vez, eu estava com uma fantasia toda fechada e o costeiro
caiu, ficou preso no pescoço, eu quase não saí da avenida, fui puxando,
até... E dizendo: “vou desmaiar.” Foi uma loucura.
Tive diversos prêmios como o melhor de São Paulo; deram-me
um título lá no Rio: Gabi Maravilha e Vivi Maravilha. Eu fazia abertura
do carnaval lá. A abertura é feita na quinta-feira, juntamente com as
escolas mirins. As escolas mirins de lá, fazem um desfile maravilhoso.
Estou querendo fazer em São Paulo, pelo menos, uma escola mirim.
Lá têm Mangueira do Amanhã, Império, Portela, todas elas. Aqui,
estou querendo fazer uma com alas de todas as escolas, cada escola
uma ala e com casais de todas as escolas, casais mirins. O problema
maior, que me dá medo, é que você vai mexer com criança. Para isso,
você tem que ter pessoas do teu lado conscientes porque mexer com
filho dos outros é sério. Dou aula para crianças como presidente da
AMESPBEESP na Secretaria de Estado da Cultura para jovens. É uma
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responsabilidade, pois aquilo que você fala, transmite, é coisa séria.
Você está falando para criança de 5 a 15 anos, tem que medir o que
fala. Estou querendo muito fazer esta escola. Se não der para este ano,
2010 ou 2011.
E falando de título, não te falei do maior: O Mestre-Sala do
Século. Eu e a Vivi por São Paulo, Delegado e a Vilma pelo Rio de
Janeiro. Agora, só no outro século. São coisas gratificantes, mas que
te dão mais responsabilidade. Um dia fui convidado para fazer parte
de um livro, “Heróis Invisíveis”, do Dimenstein. Falaram-me: “Você foi
escolhido para representar o samba, pois você dá aula para crianças.”
E não é que foi verdade mesmo? No dia do lançamento do livro, teve
um coquetel maravilhoso no Museu da Imagem e do Som - MIS e
apresentaram aqueles heróis invisíveis. Foram 52 escolhidos, cada
um na sua área. Eu lisonjeado, pois, do samba, me escolheram. Festa
maravilhosa, com troféu e tudo. É o reconhecimento e isto te deixa
com mais vontade de fazer as coisas.
Se eu disser que ganhei dinheiro com o samba, não ganhei.
Deixei de ganhar. Em 93, nós fomos convidados, eu e a Vivi, para dançar
na Vila Isabel. O presidente falou: “Vocês podem vir tranquilamente,
U$$ 6.000 para cada um.” “Eu desfilo em São Paulo”. Pegou meu
telefone e ligou. Eu pensei: “não vou”. Que eu ia fazer? Os casais de lá
eram meus amigos. Como vou fazer isso? Então, deixei de ganhar.
CARLOS: Comenta um pouco da evolução do carnaval.
GABI: A diferença é que, hoje, você tem tudo on-line, antes, não.
Ficávamos o ano inteiro pensando no carnaval, no que ia fazer.
Bordando a sua fantasia: “vou por mais uma lantejoula aqui”. Era mais
romântico. Hoje, nem vejo a fantasia, quando vejo já está pronta. As
pessoas nem têm mais o carinho pela fantasia, hoje, talvez nem dê
mais tempo de olhar no espelho. Tem vezes que se pega a fantasia na
avenida. Mudou o romantismo. Teve carnaval na Tiradentes, que eu,
como mestre-sala, ainda estava no barracão pregando, colocando. E
o povo falando: “Gabi, está na hora!” “Espera! Cadê o meu sapato?
Roubaram meu sapato!” Agora, você chega lá e olha o carro: “hum,
está bonito.”
Antigamente você falava em comunidade, pois eram 300
pessoas. Todas do mesmo local e se conheciam. Hoje tem 3.000, você
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vê fantasiado e pergunta: “De que escola você é?” “Eu sou da minha
escola”, é muito diferente. As pessoas da velha guarda que aparecem
no desfile são impedidas de entrar, aqueles que fizeram tanto pelo
Samba são barrados, por não terem dinheiro para pagar a fantasia.
CARLOS: Fale um pouco sobre a Embaixada do Samba Paulista.
GABI: Pois bem, porque foi criada a Embaixada do Samba Paulista?
O cidadão Samba de São Paulo teve Osvaldinho da Cuíca, depois,
Lagrila e Feijoada. Depois, foi tendo uma safra de pessoas que não
representavam o samba como ele deveria ser representado. Então,
fazia um concurso e ganhava o que fazia mais graça. Em 96, o Robson,
presidente da UESP disse: “Quero regularizar o cidadão Samba de São
Paulo”. Escolheu cinco pessoas: Fernando Penteado, Hélio Bagunça,
Toniquinho Batuqueiro, Paulão da Lapa e eu, convidou-nos para uma
reunião na UESP e disse: “Eu queria que vocês disputassem para ver
qual vai ser o Cidadão Samba de São Paulo”. Eu falei: “Eu estou fora”.
O Penteado: “Eu também estou fora.” O Paulão: “Se vocês estão fora,
eu também estou”. Porque o Paulão é o mais novo, depois, vem eu
e o Penteado, temos a mesma idade. Não era justo eu e Penteado
concorrermos com Toniquinho Batuqueiro e Hélio Bagunça. “Então,
vamos fazer o seguinte: este ano vai Toniquinho Batuqueiro. Vocês
concordam?” Aí sim, teve peso: Toniquinho Batuqueiro, Cidadão
Samba. Chegou o outro ano: “E agora? Hélio Bagunça!” Outro ano:
“E agora?” Eu falei: “Eu não vou”. Penteado: “Eu não vou!” Então,
falamos: “Vamos fazer o seguinte: vamos formar uma embaixada”. Ela
foi formada neste ano mesmo em que ficou o Toniquinho. “Mas só os
quatro?” “Vamos então, convidar os cidadãos antigos.” Vieram Lagrila,
Osvaldinho e Feijoada, os outros meninos que foram. “E o Seu Nenê?
Seu Carlão do Peruche? Seu Juarez?” Aí, deu uma encorpada legal.
As reuniões eram uma briga: “Porque eu estava lá, você não estava!”
“Eu fiz, você não fez”. “Eu fiz!” Eu, que era mais novo, aprendia. Tinha
confusões, mas é tudo saudável, você vai conversando, lembrando.
Temos as reuniões para falar do samba, deste momento, do agora que
está delicado, que tem Liga e Superliga.
CARLOS: O que é preciso para ser Embaixador?
GABI: Você precisa ter anos de serviços prestados ao samba. Agora,
mudamos um pouco. Antes, você tinha que ser Cidadão Samba
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para ser Embaixador. Agora, você precisa ser Embaixador para ser
Cidadão Samba. Ou seja, o Cidadão Samba sai da Embaixada. Para
ser embaixador, você tem que ter 35 anos de história no samba.
Não são 35 anos saindo numa escola, embora tenhamos casos assim
na Embaixada, foi uma falha nossa. Nós fomos trazendo as pessoas
aleatoriamente, porque estávamos nos sentindo mal. Estamos com 49
embaixadores, mas, atuantes, temos por volta de vinte. Até mesmo
porque tem muita gente que está com certa idade, não dá mais para
sempre sair de casa.
CARLOS: Muito obrigado!
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SEU CARLÃO
Sr. Carlos Alberto
Caetano nasceu no
dia 11 de setembro
de 1930, em São
Paulo – SP. Ele é aposentado. Entrevista
realizada no dia 23
de abril de 2009.
SEU CARLÃO: Estou com 78 anos. Nasci na Barra Funda, 11 de setembro
de 1930, Rua dos Pirineus, 76. Ali era uma residência do Eduardo
Prado, meu pai era motorista dele. Hoje é Alameda Eduardo Prado,
na Barra Funda. Eu me recordo, devia ter uns 7 ou 8 anos, era levado
pelos meus pais para Pirapora do Bom Jesus. Quando chegava 6 de
agosto, iam romarias de tudo quanto era lugar. Quando chegávamos
lá, minha mãe ia para a igreja e meu pai me levava para o barracão,
onde se jongava. Lembro como se fosse hoje: “Zeca, onde você vai com
o menino?” “Eu volto já Maria!” E me levava para o barracão. E nesse
barracão se jongava, dormia, acordava, e o pessoal jongando. Nesses
anos todos, quando fui conhecer a igreja, eu já estava com meus filhos
todos grandes e vi a igreja por dentro. Muitos anos se passaram, eu
assíduo frequentador de Pirapora do Bom Jesus, assim como meus
pais. Nem sei se meu pai chegou a conhecer a igreja por dentro. Não
me lembro, pois ele ia lá para o barracão, aonde se jongava. O jongo
para mim é o embrião do samba. Eu me recordo que no barracão fazia
levantar poeira, o piso era terra, as imediações eram as margens do
Rio Tietê. Separavam-se as senhoras, as meninas e as adolescentes de
um lado e assim se processava com os homens do outro lado, e iam
jongar. Vinha gente de Tietê, Campinas, Barueri, Piracicaba, e até de
Minas Gerais. Hoje fala-se grupo: “vem um grupo de Tietê”. Na época
era terno: “vem um terno de Campinas para jongar”.
CARLOS: E essa festa durava dias?
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SEU CARLÃO: Sim, dias. Anterior e posterior a 6 de agosto. Hoje, depois
de muitos anos, eu quero acreditar que dos negros, alguns iam para
dentro da igreja, mas o grosso ia para o barracão. Com o decorrer do
tempo, não sei com que prefeito, cortaram todas estas manifestações.
Esses costumes foram sumindo e desapareceram. Depois tentaram
resgatar, mas não era aquela espontaneidade. No decorrer do tempo,
comecei a sair numa escola que se chamava Flor do Bosque. Saíamos
ali do Bosque da Saúde, nas imediações da Curva da Morte.
CARLOS: O senhor ia com seu pai?
SEU CARLÃO: Não, era levado pela rapaziada. Com 9 ou 10 anos,
íamos para a batucada. Eu morava por ali, na Rua Andrade Neves. Saí
posteriormente na Lavapés e fiquei até 55. Só a deixei por divergências
com a direção. Nós carregávamos a Lavapés, na qual Dona Eunice era
a presidente. Eu, Jacosinho, Boi Lambeu, Gilbertinho, Genésio, que era
o apitador, Chiclé, Motorzinho, que tinha esse nome porque quando
tocava um instrumento não parava mais, parecia um motorzinho.
Tinha o Mário Gago, Clodoaldo e o irmão dele, Brandãozinho, e muitos
outros. Você esteve entrevistando o Tadeu, que é o mestre de Bateria
da Vai-Vai, a mãe dele saía com a gente, na ala das baianas. Ele era
moleque, garotinho. Ela era conhecida por nome de Maria Pé de Papel.
Ela era magrinha e carregava essa alcunha.
Muito bem, em 1955, mais uma vez a Lavapés foi campeã.
Quem fazia o carnaval na época era a Rádio Record. Uma hora depois
que passaram todas as escolas, já se tinha o conhecimento de quem
era a campeã. O que a Dona Eunice passou para nós: “Vocês recolham a
escola e me aguardem no Largo São Paulo”. É onde hoje passa a Radial
Leste, sob a Rua da Glória, e lá tinha um teatro do mesmo nome que o
largo. Então ficamos ali aguardando para festejarmos o campeonato. A
Dona Eunice foi na Rádio Record, recebeu o prêmio, foi embora com Seu
Chico Pinga e não voltou. O Mário Gago que a tinha seguido retornou
e falou: “Ela foi embora”. Mas como ela mandou que esperássemos,
nós ficamos. Aquela batucada, a Nenê de branco, entrando. Três,
quatro, cinco horas. E o Mário insistindo: “ela foi embora com seu
Chico Pinga”. “Mas quando ela conversou conosco, ela não mandou
segurar a escola aqui?” “Vamos guardar os instrumentos porque ela foi
embora.” Mas nós não fomos, ela era a presidente e mandou esperar.
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Da Lavapés vinha gente de tudo que era lugar, escola pioneira: vinha
gente de Campinas, Piracicaba, senhora, sinhozinho, vinham ensaiar
na Lavapés. Daí os mais velhos começaram a reclamar: “Não sei como
a Dona Eunice deixa a escola na mão dessas crianças irresponsáveis!”
Mas nós não éramos irresponsáveis. Sabe o que é coque? Você fecha
esses quatro dedos e passa na cabeça. Nossos pais e avós tinham uma
técnica com esse coque que vinha direto na sua cabeça e queimava. Os
mais velhos que estavam reclamando deram um monte de puxão de
orelha, coque e ainda me chamaram de irresponsável. Recolhi a escola
e voltamos para a Lavapés revoltados. A sede era na Tamandaré, 90.
Recolhemos os instrumentos, nós os irresponsáveis. E os mais velhos
falando na nossa cabeça. Então falei para o Genésio: “Não vou sair
mais nisso aqui não!” Acharam que eu estava nervoso. Fizeram a festa,
logo no domingo, eu não tomei parte. Era ideia minha: “Vou sair na
Vai-Vai, vou para bateria da Vai-Vai”. Gilbertinho me acompanhava,
Boi Lambeu, Tilico, Rubão, Mirinho, eles já me acompanhavam. “Eu
vou para o Vai-Vai!” “Se você vai para o Vai-Vai nós vamos também.”
Mas eu estava morando aqui no Parque Peruche. “Vamos tirar uma
escola de samba daqui?”, surgiu a ideia. “Não, vamos para Vai-Vai!”
Éramos todos ritmistas e tínhamos condições de chegar em qualquer
bateria. Começamos a tirar a escola. Criamos a Sociedade Esportiva
e Recreativa Beneficiente da Unidos do Peruche. Esse é seu nome
original.
Hoje tem Grupo Especial, Acesso, Grupo 1, 2. Naquela época
tinha 1ª, 2ª e 3ª categoria. Nós saímos como 3ª Categoria, mas com
pessoas, ritmistas, pastoras e cabrochas, todos tarimbados. Tinha
parado de sair o Rosas Negras, do Paraíso. De lá veio um contingente
nosso. Outra parte havia saído da Lavapés. Antes, aqui no Peruche,
tinha uma escola por nome Ritmos do Morro, da década de 40. Esse
contingente todo passou a sair na Unidos do Peruche. A Peruche já
nasceu grande, em 56 foi campeã da 3ª Categoria, passamos para a
2ª; dois anos, 57 e 58, e no terceiro ano estávamos lá, na 1ª Categoria.
Dois anos depois, 61, fomos campeões disputando com Lavapés, Vila
Maria, Nenê e outras mais. Escola de samba com raízes puras. Vila
Matilde crescendo, eles na Zona Leste e nós aqui na Zona Norte.
CARLOS: E como veio o barracão?
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SEU CARLÃO: Nós tínhamos uma pessoa que gostava muito da Peruche,
Paulo Bessiane, mais conhecido como Caqui. Ele tomava conta de um
terreno onde se ferrava cavalos, ele era ferreiro. E então, cedeu o lugar
para ensaiarmos à noite. De dia a molecada limpava o terreno cheio de
estrume de cavalo, porque lá era uma cocheira conhecida por Terreiro
do Caqui.
Em 65, Doutor Ademar de Barros que era o governador de São
Paulo, resolveu levar o Peruche para o 4º Centenário da Guanabara,
como um presente de São Paulo para o Rio de Janeiro. A nossa ala
dos compositores, B Lobo, Geraldo Filme, Jurandir, Marrom da Cuíca,
Cobrinha, e outros, aprontaram um samba para levarmos ao Rio de
Janeiro.
CARLOS: Que timão, hein!
SEU CARLÃO: É. Timão mesmo!
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“Rio de Janeiro/ Gloriosa cidade de São Sebastião/ Rincão
Alviçareiro/ Terra de grande Tradição/ Sua natureza de Copacabana
a Ilha de Paquetá/ Tem tantas belezas que outra terra não há/
4º Centenário/ Quatrocentos anos de pendores/ Eis aqui nossa
homenagem a um de seus maiores benfeitores/ Salve o herói nacional/
Que saneou a Velha Capital Federal/ No ano de 1904/ Na democracia
menina/ Foi que surgiu o precursor da medicina/ Vencendo acusações
e preconceitos/ O nobre cientista conseguiu/ Higienizar o coração do
Brasil/ São Paulo, sua Glória vem cantar/ Osvaldo Cruz, seu nome na
história ficará/ Rio de Janeiro...”
Nos quatrocentos anos, foi nossa homenagem de São Paulo
para o Rio de Janeiro. Não fomos por fatores alheios, não da Peruche,
pois estava pronta: o Governo do Estado de São Paulo nos vestiu e
preparou; nós íamos em mil componentes,tenho como provar, tenho
documentos. No Rio íamos ficar hospedados no Maracanãzinho. Com
o governador Carlos Lacerda, estava tudo certo. Íamos de ônibus, mas
de última hora, o Governo do Estado de São Paulo resolveu nos levar
de trem. Tínhamos muitas senhoras e crianças. O trem na época era
um sacrifício, 12 horas de viagem. Não fomos. Isso nos causou um
grande problema, nós oficializamos aqui em São Paulo que Peruche
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não ia desfilar devido à viagem ao Rio de Janeiro. “Onde que vamos
levar a escola?” Não me lembro o nome, ele é radialista de futebol,
fez o carnaval na Avenida Brasil. E na época tinha o carnaval de Rua na
Lapa e nós nos oferecemos para levar a escola. Esse carnaval de rua
era organizado pelo Cuble de Lojistas da Lapa, no qual meu amigo Jacó,
proprietário da loja A Oculista, fazia parte e eu fui falar com ele. “Estou
com a escola montada e não tenho para onde levar.” Tinha também
o Geraldo, que era relações públicas, Geraldo Citroën, ele tinha um
Citroën na época. Ele conseguiu levar a escola para a Avenida Brasil
e posteriormente para a Lapa. Inclusive nos levou para fazer Serra
Negra ou Mogi, não lembro agora. Assim foi, fomos campeões na Lapa.
Ganhamos 65, 66 e 67. A Nenê respondeu em 68, 69 e 70. Porém,
a comissão julgadora do carnaval naquele ano foi feita pelo senhor
Lucrécio, funcionário da prefeitura. O carnaval da Peruche veio forte
apresentando o conto-ficção “O Rei do Café”, do B Lobo. Mostrávamos
o esplendor do café em duas fases, no Brasil e no mundo, ascensão e
queda. Quando fomos à apuração, o Carlos Roberto da Silva, conhecido
como Chita, diretor da Peruche, falou: “Dr Lucrécio é cunhado do seu
Nenê. Seu Nenê casou com a irmã dele, dona Tereza.” Então, adivinha
quem ganhou? Não é desmerecendo, pois a Nenê sempre foi uma
forte candidata. Mas deste caso eu não gostei.
CARLOS: Ouvindo vocês a gente percebe que o carnaval mudou muito.
SEU CARLÃO: Costumo dizer que carnaval em São Paulo não tem
condições. Quem conheceu o Carnaval em São Paulo sabe que isto
não é carnaval. Passamos um ano preparando as escolas para 65
minutos. Os coletivos encostam-se nas quadras, quarenta, cinquenta
ônibus, às vezes até mais, nos levam para o Anhembi. Nós andamos
da Praça Campos de Bagatelli até o local do desfile. Andamos mais
que desfilamos. São 65 minutos para passar um contingente de 3.000
pessoas. As nossas coirmãs que têm mais de 3.000 componentes,
forçam as alas para passar em doze minutos, mais ou menos. A
harmonia vai ter que correr e quando começa a correr vai perder em
evolução, harmonia, tudo. Passou a faixa amarela, a segurança do
Anhembi empurra. Acabou de desfilar, delicadamente, empurram todo
aquele contingente que ainda está vibrando: “Passamos bem!” Vai
depender de jurado, dizem que tem conhecimento. Escola de samba
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é cultura popular. O contingente, então, entra nos ônibus que voltam
para a quadra. Aí eu pergunto: isto é carnaval? Cadê a marchinha de
carnaval? Não tem mais. Você morava numa rua e perto tinha um bloco
de sujo que vinha brincar carnaval. Onde estão os clubes que faziam
os bailes infantis? Os pais vestiam as crianças de pierrô, colombina,
palhacinho, etc, e levavam para os clubes como São Paulo, Palmeiras,
Juventus, e outros mais. Hoje os clubes não fazem mais. Onde é que
está o carnaval? Homem vestido de mulher e vice-versa, hoje não
tem mais isso. Nós pagamos impostos, o governo investe nas escolas,
poderiam levar as escolas para se apresentarem para o povão. Se você
não tiver um determinado poder aquisitivo, no Anhembi você não vai.
Tem gente que sai na Escola de Samba porque nós ajudamos a vestir,
pois R$ 10,00 faz falta, às vezes a pessoa não tem. Muitos dependem
da avó aposentada que cuida do filho, dos netos e até da nora.
CARLOS: Seu Carlão, o senhor participou do processo em 1968 com o
Prefeito Faria Lima para a regularização do carnaval.
SEU CARLÃO: Nós, Mulata do Camisa Verde, Pé Rachado da Vai-Vai,
Mala do Acadêmicos do Tatuapé, Nego dos Marujos, eu do Peruche,
Dona Eunice do Lavapés, Macalé do Coração de Bronze, Nenê da Vila
Matilde, Nico do Brinco de Ouro da Vila Mariana, Xangô da Vila Maria e
que me perdoem os outros, pois vai chegando a juventude e dá aquele
branco. Nós nos reunimos e não era essa UESP aí não, era outra.
Federação das Escolas de Samba, Cordões e Blocos Carnavalescos, com
sede no Edifício Martinelli. “Vamos conversar com o prefeito para tentar
fazer o carnaval.” Agendávamos, íamos para o Ibirapuera e ficávamos
esperando. Escola de samba era pejorativo naquela época. Hoje te dá
status. As escolas iam todas para o Centro com taças para arrecadar
dinheiro, “ah essas caras vão usar para cachaça”. Hoje seria para tóxico.
No entanto, todos nós tínhamos uma meta. Passaram vários prefeitos:
“Volta amanhã”. Fizemos vários carnavais e nada da prefeitura nos
receber. Um dia sentou o saudoso Faria Lima. Agendamos com ele.
“Será mais um que vai dar canseira?” Ele nos recebeu no horário. Uma
mesa bem maior que esta. Ele sentado na ponta da mesa. Mala, sentado
ao meu lado. “Vocês são os homens do samba em São Paulo?.” Ele nos
pegou de calça curta: “Quanto vai me custar o carnaval? Onde será o
carnaval? Segurança? Decoração?” Não levamos nada, eu, Sarmento,
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Evaristo, Nenê, Mulata, Pé Rachado. Ele nos deu uma semana e
saímos. Uma semana depois nos recebeu. Apresentamos o carnaval
para a São João, com arquibancada, dispersão, custo do carnaval,
condução para levar e trazer as escolas. Foi a maior vergonha que eu
já passei. Ele comentou na primeira reunião que saía na Mangueira.
Eu do lado oposto dele falei para o Mala: “É da Mangueira nada, é
outro político que quer votos.” Nos recebeu, leu a parte financeira:
“Na São João, auto-falante, palanque, decoração, condução. Vamos
fazer carnaval!” Chamou o secretário dele, e nós todos alegres, aquela
descontração, tomando água e cafézinho. “Vamos fazer carnaval em
São Paulo.” Ele se levantou da ponta da mesa e veio até mim. “Eu falei
que saía na Mangueira, não é?” Todo mundo falou: “Foi!” E veio na
minha direção com a carteirinha da Mangueira. Eu tinha falado baixo.
A maior vergonha da minha vida. Ele mostrou a carteirinha para mim,
deu um sorriso e eu com uma vergonha tremenda.
CARLOS: O que mudou de um ano para o outro?
SEU CARLÃO: Decoração. As escolas se formavam entre a Avenida
Angélica e a Duque de Caxias em direção ao Anhangabaú. Aquele
povão. Corda, toda cercada de corda. As escolas desfilavam dentro
das cordas. Elas passavam e dava para ver as senhoras sentadas. Nós
dispersávamos ali na Praça da Bandeira. Cada escola recebia uma
verba e deixava 5% para a Federação. O mais importante era que o
dinheiro vinha diretamente para a Federação que repassava para as
escolas de samba. No primeiro dia da Federação, eu, como primeiro
tesoureiro, assinei o documento. O Secretário assinou. E quem ia
receber esse dinheiro? Eu, Seu Nenê e a finada Dona Tereza, que era
esposa dele. Nós fomos receber, era sábado. O banco fechava às 18hs,
acho. O dinheiro, por incrível que pareça, numa sacola da Dona Tereza.
Eu tinha conta no Banco Noroeste. Trouxe, coloquei na minha conta
particular. Chegamos ao banco quase 17hs. O gerente viu três negros
com aquela grana. Eles chamaram os caixas para contar o dinheiro na
mesa. O Nenê está vivo, pergunte a ele essa história, isso foi no sábado.
No domingo, a Dona Eunice foi em casa. “Vim buscar meu dinheiro.”
“Está depositado.” “Menino, não brinca, quero meu dinheiro.” “Dona
Eunice, está depositado. A senhora foi à reunião, não foi acertado
isso?” “Você não recebeu?” “Recebi.” “E onde está depositado?” “Não
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tem reunião na quarta-feira? A senhora, eu, seu Nenê, todo mundo vai
receber lá.” “Mas eu quero agora”. Passou um sermão em mim.
E as escolas foram deixando 5% e foi começando a crescer.
Depois veio a Erundina, conseguimos o sambódromo. E sempre
querendo mais. De repente, o carnaval ficou preso no Anhembi.
Estamos confinados. O carnaval cresceu? Cresceu assustadoramente.
Para mim não é carnaval. É uma competição entre nós. Quem vem
melhor, quem desenvolve melhor seu tema, sua história. Escola de
samba é um teatro ambulante.
CARLOS: Sobre as arrecadações que eram feitas pelas escolas no
Centro, elas eram feitas com batucada?
SEU CARLÃO: Com batucada. Tem fotos das pessoas aí, mas tinha que
tomar cuidado. Os mais espertos pegavam. Às vezes mandava alguém
seguir e depois ele contava que fulano pôs a mão na taça e depois no
bolso.
CARLOS: Qual a maior alegria que o samba te deu?
SEU CARLÃO: O samba me deu muitas alegrias e tristezas. Meus amigos
que já foram e ajudaram a carregar o Peruche: Teixeira, Alencarzinho,
Brandão, Chita, Pipoqueiro, Seu Celso, e tantos outros mais. E as
mulheres da época: a Vanda do Churrasco, ela vendia churrasco na
quadra, a Dona Isabel, a Romilda, a Tera. Que me desculpe a falha,
a memória está me traindo, vejo a pessoa na frente e não recordo o
nome. Está chegando a juventude.
Chegou uma época em que falaram: “Não vou mais sair na
nossa escola”. Era da ala de baiana, de outras alas, a porta-bandeira.
“Não vai dar para sair mais.” Estavam cansados, com idade avançanda.
Então, falei: “Gente, está na hora de fundarmos nossa Velha Guarda”.
Fundamos em 1975. “Somos fundadores, raízes, vamos curtir a nossa
escola na Velha Guarda.”
CARLOS: Seu Carlão. Quero agradecer a gentileza em me receber.
SEU CARLÃO: Foi um prazer. Uma escola de samba, quem está nela,
sabe que tem seus altos e baixos. O importante é saber que a escola
de samba nivela, culturalmente, socialmente, economicamente,
politicamente e esportivamente.
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DONA ROMILDA
Dona Romilda Simões
nasceu no dia 12 de
abril de 1930, em São
Paulo. É costureira.
Entrevista realizada
no dia 25 de abril de
2009.
CARLOS: Onde a senhora nasceu?
DONA ROMILDA: Eu nasci no Bom Retiro, em 1930. Fiz agora, em 12
de abril, 79 anos.
CARLOS: Qual é a primeira lembrança que a senhora tem do samba ou
da roda de samba?
DONA ROMILDA: A primeira lembrança que eu tenho é de um samba
de roda, de umbigada, mas eu era muito nova, eu tinha mais ou menos
meus sete anos. Minha mãe também gostava porque ela tinha nascido
numa fazenda lá em Campinas e meu avô, o Seu Pedroso, fazia roda na
fazenda. Era o fim da escravidão. Ele preparava uma fogueira perto do
bumbo que era para o couro, para afinar. Eles tocavam e as senhoras
iam para lá e os homens vinham para cá e davam a umbigada. Eu
gostava de ver. Minha mãe levava a gente para assistir porque ela
dançou muito, ela dançava bastante.
CARLOS: Você lembra até que ano isso aconteceu?
DONA ROMILDA: Aconteceu até mais ou menos 1946.
CARLOS: Onde era?
DONA ROMILDA: Era aqui na Praça Centenário, na Casa Verde, lá em
cima. Acontecia uma vez por ano, acho que era no 13 de Maio. Tinha
muita senhora idosa que pertenceu a fazenda e estava morando para
cá, que ia nesta umbigada.
CARLOS: Então, vinha gente de vários lugares?
DONA ROMILDA: Não, não vinha muito porque não havia condução.
Quem sabia contava ao outro e no próximo ano vinha mais gente.
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Durou muito pouco, acho que uns três anos mais ou menos. Naquela
época a Casa Verde era muito pequenininha e tinha pouca casa, era
um bairro que estava surgindo.
Em 1937, o meu pai deu sorte no jogo do bicho, comprou
um terreno aqui na Casa Verde e nós viemos para cá, porque os
senhorios não queriam mais alugar casas para quem tinha filhos. Já
nessa época a gente pulava o carnaval. Era criancinha, mas pulava
porque antigamente a gente fazia qualquer roupinha. Minha mãe fazia
a fantasia de acordo com a música: colombina, pierrot, espanholinha.
E nós íamos ao coreto. O prefeito mandava fazer um tablado e as
crianças iam brincar. A música vinha das caixas de som que ficavam
penduradas nos postes.
Eu sempre gostei de samba. Adoro samba. Então, fui crescendo
e fui trabalhar em casa de família. Eu era pajem. Meu pai faleceu muito
cedo, acho que eu estava com 10 anos, o caçula com oito, minha irmã
caçula com seis, e a outra acima de mim estava com 12 para 13. Quando
eu estava com 14 precisava ajudar minha mãe, então fui trabalhar em
Perdizes. Lá conheci uma família que dançava na matinê, porque a
gente era menor e não podia dançar à noite. A matinê começava às
três da tarde e terminava às oito. Justamente nesse salão tinha um
cordão que saía dos Campos Elíseos, mas a gente não sabia. Depois
que fomos pegando amizade, conhecendo as pessoas, nos contaram
que o pessoal da noite formava um cordão no carnaval. Minha amiga
Olga falou: “vamos lá ver?” “Vamos.” O baile terminava no domingo
e a época do carnaval era em fevereiro. Eles começavam o ensaio em
janeiro e a gente gostou. Ela falou com a moça que tomava conta de
lá que disse assim: “Vocês são menores?”. “Nós somos”. “É, vai ser um
pouco difícil porque o juizado não deixa. Vamos ver o que dá pra fazer.”
Eu fiquei entusiasmada. A gente sempre ensaiava. Eu contei para a
minha mãe no começo, ela não gostou muito, mas eu não ia sozinha,
então ela me deixou ir.
No primeiro ano não, mas no segundo eu já desfilei porque eu
levei o documento da minha irmã. Eu estava com 15 anos, mas ninguém
sabia. Eles pegaram o RG e meu nome lá na roleta era Benedita, nome
da minha irmã. Então a Dona Cecília deixou, ela era encarregada. Logo
fomos convidadas para sair como princesinhas, porque o cordão era
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formado por reis, rainhas, condes, princesas, duquesas, marquesas,
mas tudo com roupa de época. Era muito lindo. Falei para minha mãe.
A gente suou e fez a roupa, porque a gente não ganhava não, tinha que
comprar com o nosso dinheiro.
CARLOS: E quem fazia?
DONA ROMILDA: Eu. Eu aprendi a costurar. Tenho uma tia que eu ia para
casa dela e ela era costureira. Então, me ensinou, eu aprendi quando
era criança. Minha mãe também sabia um pouco e me explicava. Não
sei se você já assistiu algum filme de rei e rainha, a nossa roupa era
assim. Eu fazia todas elas.
Naquele tempo não era bateria que chamava, era batucada;
não era passista, era baliza. Tinha uma conhecida que saía de baliza
e eu adorava assistir. Aí eu falei: “eu também vou sair”. Falei com ela
e ela disse: “você vai aguentar?” Eu era magrinha, pesava uns 40kg.
“Eu vou!”. “Então, vem de noite falar com a Cecília, que saímos eu e
você”. Eu fui e ela deixou. Fiquei como baliza no Campos Elíseos, por
uns quatro anos.
CARLOS: E o que fazia a baliza?
DONA ROMILDA: Nós não ficávamos vestidas como crianças e mulheres,
usávamos um calção, uma capa enorme e um chapéu muito bonito.
Calçávamos tênis e meia, naquela época não se usava sapatos. Era
muito bonita a fantasia. A gente dançava, pulava mesmo, dava no pé,
era samba no pé. A gente usava uma baliza feita com cabo de vassoura
cortado, virava nos dedos da mão, mas virava mesmo. Não sei se você já
assistiu na banda dos colégios os desfiles de fanfarra, aquelas meninas
que pulam. Só que nós não pulávamos, nós girávamos. Jogávamos
assim no ar (demonstra). Tinha os homens que também faziam isso.
Mulheres tinham poucas. Eram só três aqui em São Paulo, o resto eram
todos homens.
CARLOS: Então, a senhora foi uma das poucas mulheres a ser baliza?
DONA ROMILDA: É. Eu e a Bastianinha éramos do Cordão Campos
Elíseos e a Tininha do Vai-Vai. Quando acabou o Campos Elíseos a Dona
Sinhá, o Seu Mulata e diversas pessoas que eram do Campos fizeram
renascer o Cordão Camisa Verde e Branco. Me convidaram para sair
com eles e eu disse que não ia porque a condução era difícil. Os ônibus
e os bondes só começavam a correr ás quatro da manhã. Como eu
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morava na Casa Verde tinha que esperar até cinco horas para voltar. E
não tinha trégua, pois tinha que chegar em casa, por a roupa e ir para o
serviço. Contei a eles que tinha uma batucada na Casa Verde, no bairro
do Parque Peruche, como já tinha bastante gente queríamos tirar
uma escola. Naquela época, de escolas de samba já existia a Lavapés,
Garotos do Itaim, Brinco de Princera, Coração de Bronze, Nenê de Vila
Matilde e outras mais. O Carlão era muito conhecido, entendia muito
de samba, tinha vindo da Lavapés e mudado para o bairro da Casa
Verde. Ele falou: “Vamos fazer uma escola de samba e registrá-la como
Unidos do Parque Peruche.” E foi assim que ela começou a sair. tinha
muita gente que dizia: “Vamos, Carlão, vamos firme. Vamos por nossa
escola na rua.” Com muita coragem e sacrifício ela foi colocada numa
época que não tínhamos ajuda de ninguém.
CARLOS: Por que o Cordão Campos Elíseos acabou?
DONA ROMILDA: Porque o presidente, Seu Santinho, morreu e a Dona
Cecília, a diretora carnavalesca, era uma senhora idosa, não aguentava
mais tirar esse cordão. Ele era bonito, era roxo e branco, na época
tinha o Vai-Vai, preto e branco, e tinha o Santo Cristal, azul e branco, do
Seu Júlio Garita que tinha um salão de baile. Eu também dancei muito
neste salão. Neste e em outros, tinha Tangará, Amarelinho e muitos
outros.
Naquele tempo as pessoas eram selecionadas: tinha o preto
tu, trabalhador simples, o preto turututu, mais metido que trabalhava
em escritório, e preto sim sinhô, metido a doutor. A pessoa contando
ninguém acredita, mas tinha essa divisão. Essas pessoas mais pobres
não se vestiam muito bem, só viviam do trabalho. Chegava o domingo
e vestia uma roupinha mais ou menos. Era assim, eles saíam e não
falavam muito bem, pois a maioria vinha do interior e eles não sabiam
se expressar, não é? Então, às vezes a gente até achava graça quando
conversava com um moço que era preto tu. Eram muito acanhados.
Agora, tinha os outros que já tinha ido à escola, andavam mais
arrumadinhos. Esses que eu estou falando eram os pretos turututu.
Os negros sim sinhô eram aqueles metidos, nem davam confiança
para os que não eram estudados. Bem vestido, bem arrumado e se
expressavam bem na hora de falar. Tanto é que a gente saía do salão de
baile, íamos para a cidade passear, para namorar. Tinha a Rua Direita
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que era dos negro tu, a Patriarca e a Rua São Bento era dos negros sim
sinhô. E a gente não entrava na Rua Direita. Aos domingos quando
saíamos da matinê, que era aqui na Rua Olga, a gente subia até a Praça
Patriarca. O Garitão fazia questão que no cordão dele só fosse de gente
estudada, gente bonita. O cordão dele era todo sim sinhô. E o Campos
Elíseos também era. Era e não era.
CARLOS: Quanto tempo tem o Peruche?
DONA ROMILDA: Olha o Peruche está com 56 anos, mas eu acho que
ele tem mais. De registro ele tem isso, mas da época do oba-oba, que
andava para lá e para cá, para cima e para baixo, correndo de polícia e
tudo, ele tem mais. Quem saísse de casa para o samba não prestava,
a polícia batia. Qualquer coisinha! Não era errado o que fazíamos.
Eles achavam ruim a gente cantar e rir alto. Eles nos paravam, a gente
estava de fantasia. Geralmente as mulheres passavam batido, mas nos
homens eles batiam. Batiam e levavam.
CARLOS: E como era essa ação da polícia?
DONA ROMILDA: Geralmente na volta. Era sempre na volta. A gente
não queria esperar o bonde, então vínhamos a pé, cantando para
distrair.
CARLOS: Isto então era depois dos desfiles?
DONA ROMILDA: Depois dos desfiles.
CARLOS: Como eram os desfiles dos cordões dos Campos Elíseos?
DONA ROMILDA: No Cordão dos Campos Elíseos, a gente saía da
Alameda Olga. Antes não tinha UESP e nem a Liga. Quem promovia
o concurso das escolas de samba e cordões era a Rádio Record. Era
sábado, domingo, segunda e terça-feira de carnaval. Eles faziam um
concurso de resistência para quem aguentasse dançar. Eu soube que
muita gente que tomou parte desse concurso comprava casa, pois dava
dinheiro. Para as escolas eles davam taças. Se davam dinheiro eu não
sei, porque a gente não sabia disso. A gente queria sair! Para escola de
samba tinha a taça pequena, média e grande, porque tinha o primeiro,
segundo e terceiro lugar. Nós faziamos a fantasia do jeito que queria,
não era a escola que exigia de você sair assim. O concurso era na
Avenida Matarazzo, no Parque da Água Branca. Depois foi evoluindo,
saiu dali e foi para a Consolação e juntou à Record com a Bandeirantes.
Os cordões subiam a Rua Olga, saíam em Perdizes, pegavam a São João
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e iam para a Consolação. Tudo a pé, dançando, cantando e sambando.
Naquela época não era como agora que anunciavam: “Vai entrar tal
horário!”, “Vai entrar a escola tal!” A escola entrava, tinha aquele
palanque que não era muito grande, passava embaixo. Era um atrás do
outro. Cantava o samba inteirinho e a turma dançando. Saía, entrava
o Vai-Vai atrás, saía, entrava o Camisa. Vinham todas as escolas de
samba e não tinha horário para acabar, mas agora tem. Eu sei a música
do Vai-Vai, do Campos Elíseos, do Santo Cristal, tudo daquela época.
Ficava um cordão parado de um lado e do outro a gente cantando. Era
muito bom, assim era o nosso desfile.
CARLOS: Como se portava o público?
DONA ROMILDA: Ficava vendo, tudo em pé, na calçada. Tinha corda
e tinha polícia. A gente ficava no meio da rua. Quando era na Barra
Funda o carro passava pelo meio, mas a gente respeitava e respeitavam
a gente também. Queríamos sambar. Eu subia aquela Alameda Olga
dançando. Era uma beleza!
CARLOS: E tinha mais negros do que brancos?
DONA ROMILDA: Nos cordões havia mais negros do que brancos. Os
brancos tinham medo, receio. Agora isso acabou, mas eles tinham
medo. Eles gostavam e iam assistir. Ficavam na beira da calçada
olhando, achavam bonito, mas não entravam como entram agora. Era
só negro mesmo, branco você podia contar nos dedos.
A direção queria que chegasse até umas 200, 250 pessoas,
mais do que isso no cordão não, tanto no cordão quanto nas escolas
de samba. Cordões eram Campos Elíseos, Vai-Vai, Camisa Verde
e Santo Cristal. Não tinha briga, tinha muito respeito. Quando uma
porta-estandarte encontrava a outra, as duas dançavam juntas, depois
cada uma ia para o seu lado. Com os balizas era a mesma coisa: nós
entrávamos com eles, pulávamos, nos abraçávamos e íamos embora.
Ganhasse quem ganhasse, não tinha nada além: era na raça.
CARLOS: E o Peruche?
DONA ROMILDA: O Peruche precisava ser registrado porque não podia
continuar do jeito que estava. Eu não tenho muita certeza, mas me
parece que quem começou a arrumar o carnaval de São Paulo foi
Morais Sarmento, um locutor da Rádio Bandeirantes que gostava
muito de escolas de samba e tinha amizade com os presidentes e
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componentes. Ele e a Hebe Camargo; ela ajudou a fazer campanha
para que a terça-feira fosse feriado. Já o Morais ajudou a fazer a Liga
das Escolas para sambarmos sossegados. Na quarta-feira de cinzas já
saía nos jornais que tinha ocorrido briga, que a polícia tinha batido.
Precisava arrumar mesmo, como foi arrumado. As escolas de samba
tinham que ter tudo registrado, com as cores certas. Aí começamos
para valer. Tinha ensaios e conseguimos uma quadra, mas antes disso,
nós sofremos bastante, porque não havia lugar certo para ensaiar.
Conversaram com o prefeito para arrumar um terreno e assim está
como é hoje. Apesar de que eu prefiro o antigo ao modelo de agora.
CARLOS: Por quê?
DONA ROMILDA: Eu gosto mais porque hoje em dia se você tiver
dinheiro sai, se não tiver dinheiro fica difícil, antigamente não era
assim, a gente comprava com o dinheiro da gente, era barato, agora as
fantasias são caras. Eu não aprovo isto não, porque carnaval é 1 hora e
20 ou 40 minutos?
CARLOS: Uma hora e 5’.
DONA ROMILDA: A pessoa gasta 200, 300 reais. Está certo que é algo
muito bonito e tudo mais, mas agora é sofrido para sair em uma escola
de samba. O povo fica na vontade, os trabalhadores. Mal dá para a
gente comer quanto mais comprar uma fantasia, mas tem gente que
faz essa loucura. É fogo. Eu trabalhei muito mesmo para fazer as minhas
fantasias e cumprir com minhas obrigações dentro de casa. Minha mãe
dizia: “vocês querem sair, vocês saiam, mas primeiro aqui em casa,
depois comprem as suas fantasias”.
CARLOS: Depois que a senhora se mudou para a Casa Verde, sempre
morou nesse local?
DONA ROMILDA: Meu pai deixou a gente muito cedo, depois a minha
mãe lutou para não perder a casa que ele tinha comprado. Ele não
tinha nem terminado de pagar quando morreu e nós éramos crianças.
A minha mãe foi logo enfrentar um tanque em casa de família, pois
naquele tempo existia essa vantagem. Ela trabalhava de lavadeira e
nos levava para ajudar. Não tivemos mordomia, ajudamos. Ela precisou
vender nossa casa e comprar outra aqui. Era um quarto e cozinha. Meu
pai morreu com câncer na garganta. Um irmão dele veio do interior
para morar com a gente.
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Meu pai era de Salvador e trabalhava na Santa Rosa, em um
daqueles armazéns, por volta de 1926. Vinham sacos de arroz e feijão
naqueles caminhões. Até hoje os caminhões encostam lá, mas agora
vem a máquina e retira a mercadoria. Antigamente os caras tiravam na
cabeça, meu pai era um deles, trabalhava na sacaria, por isso que uma
época moramos no Bom Retiro, pois era perto da Estação da Luz. Somos
cinco, todos nascidos e criados no Bom Retiro. Trabalhamos e nos
aposentamos, também, no Bom Retiro: eu, minha irmã e meu irmão.
Ele é pintor de casa, mas também saia na Peruche. Era peruchense
roxo. Eu já saí um pouco da rota. Saí também na Império, escola que
ajudei a fundar. O pessoal se aborrecia na escola e: “Não vou mais!”
“Vou em outro lugar, tem um batuquinho. Vou lá”. Chegava naquele
batuquinho e arrumava a escola. Quem era? Era gente da Peruche. A
mesma coisa foi com a Mocidade, a Rosas e a Império de Casa Verde.
O primeiro presidente da Vila Maria chamava-se Nenê. Até
a gente confundia: Nenê da Vila Matilde? Não, Nenê da Vila Maria.
Quando a Tucuruvi se formou chamou a Peruche, a Explosão e a
Imperador do Ipiranga para batizá-los. Aqui na Casa Verde existem
muitas escolas de samba e todas tem gente da Peruche.
Sou costureira há cinquenta e poucos anos, desde que a
Peruche foi fundada. Aqui em casa todas nós costuramos, chegada
a época do carnaval, todos aqui em casa éramos só para a máquina.
Um rapaz, o Caçata, me procurou um dia dizendo: “Dona Romilda, eu
queria falar com a senhora. Eu estou aborrecido com a Peruche, com
a diretoria. Não vou mais. Conheço um senhor aí, Seu Chico, ele quer
fundar uma escola”. Então, eu disse: “Mas fundar onde uma escola?
Aqui na Casa Verde?” “A senhora não quer ir lá para conversar com a
gente, para ver como dá para montar a escola?” “Bom, posso ir”. “Eu
tenho uma reunião, vai ser no sábado. Nós vamos dar um coquetel e a
senhora está convidada para conhecer o presidente da escola”. Chegou
o sábado, eu fui lá, meu filho me levou. O presidente sentou-se à mesa
conosco. “Estou com vontade de fundar uma escola de samba e a
senhora poderia me explicar mais ou menos como é que faz?”
CARLOS: Isto foi em que ano?
DONA ROMILDA: A escola está com 15 anos, faça as contas, por favor.
CARLOS: Foi em 1992, 93.
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DONA ROMILDA: Por aí. No outro domingo teria uma reunião para
escolher o presidente. Quem achasse que ele deveria ser o presidente
assinaria um livro, quem não concordasse assinaria outro. Eu assinei
concordando. Compareceram somente cinco mulheres. O restante era
todos homens.
Chegado o mês de agosto, veio uma amiga aqui em casa,
agosto não, minto, foi em janeiro. Eu assinei o livro e não fui mais lá.
Não apareci porque eu era da Peruche. O que eu iria fazer lá? Essa
mulher veio aqui faltando 20 dias para o carnaval e me disse: “Romilda,
o que você esta fazendo?” “Nada”. Eu não estava costurando. “Você
não quer ir comigo até a Império? A costureira deles se enrolou”.
Quando cheguei lá havia muitas máquinas que o Chico comprou.
Começou bem, comprando um monte de máquinas, mas só havia três
costureiras e faltavam 20 dias para o carnaval. A encarregada, uma
senhora com o nome de Nair, já falecida, estava lá. Minha amiga que
estava conversando com ela disse: “Você não tem uma costureira boa?”
Ela respondeu: “Está aqui a costureira”. “A senhora é costureira?” “Sou”.
“A senhora sabe costurar fantasia?” “Sei”. “Diz-me uma coisa: Quais
são as fantasias essenciais pra escola de samba?” Ela era costureira
de televisão, coisa para novela e não tinha prática. “O essencial para
uma escola de samba é a bateria, comissão de frente, baiana, mestresala e porta-bandeira e componentes, se não tiver componente não é
tão necessário como uma bateria ou porta-bandeira”, eu disse. “Mas
é isso que falta!” “Eu não estou acreditando!” “Dona Romilda, pelo
amor de Deus, faz pelo menos as blusas das baianas para mim?”, ela
implorou. A escola estava começando, era do terceiro grupo, não era
como hoje. Então, eu respondi: “Está bem, vamos fazer uma coisa: a
senhora manda todas as baianas para a minha casa. Manda-me uma
pronta”. Dei-lhe o endereço daqui. Ela mandou blusa e saia. Quando eu
cheguei em casa falei para a minha irmã, já falecida: “Fui na Império e
elas estavam com as baianas todas por fazer”. E ela respondeu: “Já sei,
você mandou tudo para cá!”. “Mandei mesmo! Agora converso com
as meninas e elas me ajudam”. Quando terminei as 50 baianas, ela
veio aqui. Faltavam 15 dias. “Eu não acredito! 50 baianas prontas!” Ela
entrou no meu quarto, estava tudo amontoado, porque quando nós
começávamos, nós praticamente não dormíamos. Ficávamos até duas,
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três da manhã acordadas, descansávamos um pouco, tomávamos café,
cochilávamos um pouquinho. Nós sabemos qual é a responsabilidade.
Faltavam cinco dias, na sexta-feira de carnaval eu liguei para ela. O
bom deles é que me mandaram duas máquinas retas, eu tenho uma
outra sobrinha que também costura e veio me ajudar. A encarregada
me ligou para saber como andavam as coisas e eu disse para ela não se
preocupar, pois estava tudo bem. Quando disse que estava tudo pronto
ela não acreditou. O presidente era seu Chico e o Seu Pimenta era vicepresidente. Ele veio e nos pagou direitinho. Sabe o que aconteceu?
Costurei para a Império dez anos. Quando chegava agosto ele já ligava.
A mãe do vice-presidente vinha aqui saber se eu ia costurar: “Dona
Romilda, pelo amor de Deus, a senhora não vai me dizer que não vai
costurar”. Ela vinha, me pagava, trazia tudo para mim. Nesse primeiro
ano eu não saí, mas depois comecei a sair porque insistiram. Tinha
toda essa coisa de que a Peruche não saía na Império, mas eles sabiam
que eu era costureira, então comecei a desfilar para as duas e continuo
até hoje.
CARLOS: O desfile da Império deste ano foi bonito.
DONA ROMILDA: Foi lindo. Eu achei lindo, mas foi roubado. Passaram
a mão na Império. Se eu estivesse com a fita você iria ver. O meu
filho organizou a comissão de frente. Ele havia assistido a comissão
da Salgueiro e achou muito bonita. Os rapazes eram todos de uma
altura só e com o mesmo porte de corpo. Faz 13 anos que ele assistiu
a Salgueiro, quando ela veio desfilar no sambódromo de São Paulo. A
Império está com 15. Há 13 anos que fui jurada e fui para a avenida,
como eu tinha crachá, arrumei um para ele também. Ele, então
comentou que se fosse possível, ele iria fazer numa escola de samba
uma comissão de frente igualzinha, então ele fez com a Império. Há 13
anos a comissão de frente é a mesma, são sempre os mesmos rapazes
que ensaiam. É ele quem vê tudo direitinho, como vai ser o ensaio e
coreografia.
CARLOS: E a família inteira costura?
DONA ROMILDA: No começo eu costurava para a comissão de frente
da Império e depois começou a ficar complicado, porque tinha muita
fantasia. Então, eu decidi que não as faria mais. A Império já tinha mais
de 100 baianas. Há quatro anos que eu não costuro para a Império.
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Costuro apenas para mim.
CARLOS: Quero agradecer a gentileza da senhora em me receber e
conceder esta entrevista. Falou maravilhas.
DONA ROMILDA: O samba é uma coisa muito boa, é bom demais. Traz
muita coisa da vida da gente.
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
ALBERTINO
Senhor Albertino Alves de Souza nasceu
no dia 24 de abril de
1947, em São Paulo –
SP. É comerciário. Entrevista realizada no
dia 01 de maio de
2009.
CARLOS: Onde você nasceu?
ALBERTINO: Nasci em São Paulo. Meu nome é Albertino Alves de
Souza, mais conhecido como Beto do Tamborim. Nasci na Vila Matilde,
no Largo do Peixe. Estou mais de 50 anos na escola de samba. Já deixei
de sair na Vila Matilde várias vezes. Já saí no Rio de Janeiro, saí na São
Carlos, que hoje é a Estácio de Sá, em 1972. Fui convidado por um
amigo, Clóvis Messias, para conhecer o carnaval carioca em 1972. Em
1971 fomos tricampeões com a Nenê, aqui em São Paulo. Os caras
fizeram uma picaretagem comigo, eu era o primeiro mestre-sala da
escola de samba, faltavam 5 minutos para gente sair e eu não tinha
fantasia. Então, em 72 eu não saí na escola porque eu estava com raiva.
Fui para o Rio de Janeiro, não com o intuito de sair, fui para conhecer
o carnaval. Como nessa época eu era um bom passista e dançava bem,
acabei saindo na São Carlos, e tinha um amigo meu que desfilava lá,
eu o conheci em São Paulo, o Baianinho, aí o pessoal arrumou a roupa
e sai de passista. Foi uma experiência que eu nunca tinha tido, saí na
Getúlio Vargas, aquilo lotado, fiquei que nem um bobo. Depois voltei
para a Nenê, saí na harmonia, já fui diretor, saí em ala e depois tornei a
me afastar da escola. Em 77 voltei como diretor de harmonia, o Landão
tinha ficado e voltamos para escola em 77. De lá para cá tenho saído
sempre. Em 82, ainda na harmonia, eu fui incumbido de segurar o
Armando da Mangueira, porque me disseram que ele não podia beber,
foi a maior besteira que eu fiz, quando chegou na hora de cantar não
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teve vibração, ele queria beber, devia ter deixado. O Armandinho era
da ala dos compositores da Nenê e naquele ano ele ia puxar o samba da
escola, vinha ele e o Vanderlei, mas toda a vibração era em cima dele,
quando ele tomava uma, explodia. Naquele dia, o samba não explodiu,
foi minha culpa. Eu devia ter tido jogo de cintura, mas por causa disso
fui acusado de ter perdido o carnaval. Fiquei chateado e voltei para
bateria; antes, eu já saía na bateria, sempre toquei tamborim. Eu
tocava tamborim na escola, mas nunca na bateria, sempre saí em ala,
em outros departamentos, mas na bateria tocava até chegar o carnaval,
e quando chegava eu ia para outro departamento. Em 83 saí na bateria
e fiquei direto, já tinha meus filhos, eles cresceram e foram todos para
a bateria, em 85 nós fomos campeões. Fomos considerados a melhor
ala de tamborim de São Paulo, na Nenê de Vila Matilde. Fomos para o
Rio de Janeiro desfilar.
A Vai-Vai passou a ser escola de samba e deixou de ser cordão
e fui convidado, junto do Macalé e Clóvis Messias, para fazer parte
da Vai-Vai. O Macalé ficava instruindo o pessoal, dando formação e
nós fomos para lá. Continuei na Nenê, tocando tamborim, até 2005. A
partir daí não saí mais, porque a escola de samba modificou muito, e
como eu não queria entrar em atrito com a diretoria, saí.
CARLOS: Qual a diferença de sair em São Paulo e sair no Rio de Janeiro?
ALBERTINO: Em 72 a diferença era gritante. Aqui, a gente desfilava
no Vale do Anhangabaú. Já no Rio de Janeiro tinha uma passarela do
samba, gente para caramba. Então, a diferença era gritante: televisão,
o samba era diferente, tinha mais componentes, e continua tendo
essa diferença até hoje. São Paulo tem tudo para chegar lá, mas se
continuar com essas direções que tem no carnaval de São Paulo, nós
não vamos chegar lá nunca.
CARLOS: Qual caminho devia trilhar o carnaval de São Paulo?
ALBERTINO: Na minha opinião, é o seguinte: organização. Escola de
samba tem que ter organização, buscar investimentos. Por exemplo:
as escolas de samba têm que se impor ao próprio governo. Não sei
se a prefeitura ou ao governo do estado. Precisa se impor, porque lá
no Rio, os cara se impuseram e tomaram conta. Na época do carnaval
os caras ganham muito dinheiro, se as escolas de samba estão dando
lucro, porque eles não vão investir nelas? Esse é o meu ponto de vista.
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
CARLOS: Você lembra da primeira roda de samba que você foi?
ALBERTINO: A primeira roda de samba que eu fui, foi na Nenê de Vila
Matilde.
CARLOS: Consegue lembrar-se de como foi?
ALBERTINO: Tinha o pessoal da escola de samba, o Jangada, o próprio
Carlão do Peruche, o pessoal da antiga. A roda de samba era boa, tinha
Paulistinha da Nenê, Macalé e Landão estavam na parada. Essa primeira
roda de samba que tivemos, começamos lá na Nenê, quando fizeram
a quadra, a primeira coberta de São Paulo. Você vê que a modificação
é tanta que em 1970 quando foi feita a quadra, a escola de samba
funcionava todo sábado. Hoje em dia, quando o homem já chegou até
a lua, a quadra da Vila Matilde não funciona. Pode um negócio desses?
CARLOS: Não tem mais roda de samba?
ALBERTINO: Não tem nada, escola de samba só tem na época do
carnaval. Não tem mais nada lá, os caras fazem uma meia dúzia
de festinhas, negócio para garotinho e mais nada. O pessoal da
Velha Guarda na escola de samba em São Paulo não existe. Existe
sim, esporadicamente, quando precisa e você é obrigado a estar
à disposição, porque do contrário, para o samba, esse trabalho não
existe mais, morreu. Esse é o meu pensamento.
CARLOS: E o senhor lembra o que cantava nas rodas de samba? Hoje
na roda de samba, canta-se muito samba do Rio de Janeiro, canta-se
pouco o de São Paulo. Sempre foi assim?
ALBERTINO: Quando eu falo que cantava muito samba do Rio era
porque eu conhecia um cara chamado Xangô da Mangueira. Ele, junto
com o Armando, cantava muito partido alto, então eu cantava o partido
deles. Os compositores que tinha aqui em São Paulo era o Armando, o
Jangada, o Paulistinha, mas a gente cantava muita música desses caras
aí. O Xangô chegava, tomava conta e cantava aquele samba “Quando
vim de Minas...”, e pegava fogo. Eram esses caras que botavam fogo na
roda de samba.
CARLOS: E tinha comida na roda de samba?
ALBERTINO: Tinha comida, tinha bebida, tinha tudo.
CARLOS: Juntava toda a comunidade?
ALBERTINO: Naquele tempo, o pessoal fazia aqueles pratos, mas hoje
não tem mais esse tipo de encontro. Hoje os caras cantam, mas cantam
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samba da rapaziada jovem, eu não vejo numa roda de samba os caras
cantarem samba da antiga.
CARLOS: Qual era a diferença entre a quantidade de componentes do
Rio de Janeiro e de São Paulo?
ALBERTINO: Em 70, 71 eram 4.000, 5.000 componentes no Rio de
janeiro e em 76, 77 a Portela veio com 7.000 componentes. A bateria
tinha 500, tanto é que tinha uma parte que tocava e outra que parava.
Eles não conseguiam fazer todas as partes e juntar. Com o tempo
foi diminuindo o número de gente, hoje em dia não passa de 4.000.
Tinha blocos de 10.000 componentes. Quando cheguei ao Rio eu não
conhecia aquele bloco carnavalesco, Cacique, que sai com mais de
10.000. Íamos da zona norte à zona sul. Você via gente chegando de
tudo quanto era lugar.
CARLOS: O bacana do bloco é que entra todo mundo.
ALBERTINO: Lá tinha um local, aquelas barraquinhas. Você comprava
as fantasias e escolhia o bloco que queria, colocava a fantasia e ia. Eu
fui.
CARLOS: Conta um pouquinho da diferença entre Anhangabaú, São
João e Tiradentes?
ALBERTINO: São lugares que a gente desfilava, Anhangabaú e São João,
que não tinha estrutura nenhuma, por exemplo, os carros alegóricos
eram de 3m de altura. Quando nós fomos para a Tiradentes montaram
arquibancada, as escolas de samba começaram a crescer e os carros
alegóricos aumentaram. Foi crescendo a essência. De diretor não
cresceu nada.
CARLOS: Para você o que significa o sambódromo do Anhembi?
ALBERTINO: Uma luta do pessoal da Velha Guarda. Seu Inocêncio, Seu
Carlão, seu Nenê, Dona Eunice, gente que tentava organizar o carnaval
de São Paulo. Foi a luta deles.
CARLOS: Como foi sua aproximação com a escola?
ALBERTINO: Eu saí na escola com 3 anos de idade, estou com 62, vê
quantos anos que estou na escola. Fui levado por meu tio Nenê.
CARLOS: Três anos? Tem alguma lembrança disso?
ALBERTINO: Não tenho lembrança alguma. Tem um quadro meu
segurando a bandeira. Fui saindo e aprendendo. Aprendi a tocar
tamborim com o Rato da Portela, tanto é que a escola foi batizada pela
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Portela em 1970. Eu era o primeiro mestre-sala da escola. Tinha 24 ou
25 anos.
CARLOS: E como que foi a festa?
ALBERTINO: A quadra explodiu, o pessoal da Portela batizou a escola, a
X-9 participou da festa, foi legal. Saí em ala como passista em 1967, aí
os caras aclamaram que queriam que eu fosse o mestre-sala da escola
de samba. Fiquei até 1971, fomos tricampeões. Eu modifiquei tudo em
relação ao mestre-sala e teve gente que não gostou.
CARLOS: Quem contestou?
ALBERTINO: Uns dos que contestou foi o Manézinho. Os caras não
botavam fé em mim, acharam que eu não devia ter tirado dez. Fui, tirei
e matei os caras do coração, aqui em São Paulo. Aprendi de olhar, eu
via no Rio, na Mangueira, e fazia. Faziam na quadra e eu via. Tentava
fazer aqui. Eles nunca tinham visto esses passos aqui em São Paulo, foi
legal essa passagem. Tinha passo que eu fazia e hoje eu não consigo
fazer: eu ficava deitado, caía, ia segurando a porta bandeira, girando, e
estourou tudo. Tem que criar, como os caras nunca tinha feito.
CARLOS: Como era sua relação com as pessoas que chegavam? Você
ensinava? Como você ensinava?
ALBERTINO: A porta-bandeira fui eu que trouxe para o samba. No fim
eu casei com ela, a Clara, e tivemos uma filha que não sai mais na
escola de samba. Estamos todos brigados com a escola. Mas íamos, ela
ia até com a chupeta, na escola. O Landão também se espelhou muito
na dança, ensinei. Eu e a Clara nos apresentamos juntos: ela de portabandeira e eu de mestre-sala. Fomos ao simpósio em Santos.
CARLOS: Como que foi o simpósio? Qual era a importância?
ALBERTINO: Eles falaram da importância do samba, tinha autoridades,
tinha rodas de samba. Nesse simpósio teve o show do Martinho da
Vila. Tem aquele passeio, aquela confraternização que encontra o
pessoal de Santos e do Rio. No Rio de Janeiro era a mesma coisa, mas
tinha mais algumas autoridades, conhecidas do mundo do samba. Foi
legal pra caramba.
CARLOS: Como foi desfilar no Rio de Janeiro com a sua escola, a Nenê
de Vila Matilde?
ALBERTINO: Foi maravilhoso, uma coisa inesquecível. Nós fomos para lá
e fizemos o desfile, mas vi que não tinha condições de encarar os caras.
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Foi um desfile bonito, empolgante porque havíamos sido campeões em
São Paulo e fomos lá desfilar. Tivemos reforço do pessoal da Portela,
foi aquela festa mesmo. Chegamos no Maracanã por volta de 1 hora da
tarde e foi festa até na hora de ir embora.
A partir de 91, o carnaval foi para o sambódromo, aí as escolas
começaram a crescer, os carros alegóricos ficaram maiores, as alas
começaram a encher. Mas é o seguinte, tem que começar a organizar
a sua diretoria, enquanto não organizar a sua diretoria o carnaval de
São Paulo não vai para frente. Tem que exigir dos governantes de São
Paulo condições melhores de tratamento. As escolas de São Paulo não
têm barracão, é tudo precário. Tem que exigir das autoridades que
construam um local adequado para as escolas de samba fazerem suas
alegorias, hoje em dia não tem ensaio de ala. Não dá, você não tem um
lugar adequado.
CARLOS: Qual foi o desfile mais marcante aqui em São Paulo?
ALBERTINO: Têm vários. Em 82 foi um desfile invocado, não lembro
qual era o enredo, mas foi um desfile bom, um desfile gostoso. Depois
foi em 99, quando falamos do negro em samba. A bateria encaixou, foi
considerada a melhor bateria de São Paulo, hoje em dia, já não é. Na
minha opinião, hoje é a pior bateria de São Paulo. Se a bateria estivesse
boa eu estaria lá. É duro ter que aguentar essa. Em 83, eu fui com
a bateria, o diretor da bateria era o Divino, levei, toquei tamborim e
trouxe aquela rapaziada que também tocava, tocamos também em 84,
mas depois o Divino saiu e entrou o Claudemir, aí fomos campeões em
85. Veio o Joãozinho Redenção e o pessoal dele, aí a ala do tamborim
da Nenê se firmou e foi considerada a maior ala de tamborim de São
Paulo.
Tem umas histórias pitorescas. Em 86 nós desfilávamos ainda
na Tiradentes. Como a Nenê foi campeã em 85, a bateria estava
grande, mais de 300 componentes, a roupa tinha uma meia por baixo
e uma túnica por cima. Quando eu olhei para trás e vi um cara com
uma folha de jornal na bunda, um Jornal Notícias Populares, falei para
tirar. “Vamos tirar isso, cara!” “Sabe como é, não dá para tirar, porque a
minha cueca está rasgada.” “Pô, vira a cueca ao contrário!” O cara com
um NP bem na bunda, essa foi demais.
CARLOS: Como está a sua relação com o samba hoje?
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ALBERTINO: Nenhuma. Não tenho relação alguma com o samba,
não vou a lugar algum. Não estou nem aí, não quero nem saber, por
causa desse tipo de coisa, estou fora da Nenê porque a diretoria de
lá é incompetente. Se a diretoria melhorar eu volto, porque lá é a
minha casa, mas não desfilo mais. Assisto, tenho um filho que desfila
na Império, vou lá prestigiar, mas sair, eu não saio. Eu assisto pela
televisão, não vou porque eu não desfilo e sei que vou passar raiva.
Posso passar mal do coração e morrer pela escola de samba. Eu morro,
mas pelos caras que estão lá, não! Assisto e quando eu vejo a Nenê, eu
fico com um olho aberto e outro fechado.
CARLOS: Pode me falar o verso de um samba que você gosta muito?
ALBERTINO: “Deixe o meu samba te levar, a estrela te guiar.” Este
samba é da Mocidade Independente de Padre Miguel, esse samba eu
gosto. Enredo de 2008.
CARLOS: Quero agradecer a sua gentileza de conceder este depoimento.
ALBERTINO: Obrigado.
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VALDIR CACHOEIRA
Esta é a segunda entrevista com o Sr. Valdir Cachoeira. Foi concedida
no dia 28 de maio de
2009, antes da apresentação na sala Adoniran
Barbosa, no CCSP.
CARLOS: Gostaria que você começasse contando um pouco da sua
história no samba.
VALDIR: Está aí. Uma coisa que a gente nunca esperava no samba. A
gente queria ver a escola do bairro desfilar na avenida, fazer sucesso.
Você não queria ser artista. Você queria desfilar na escola, mostrar
aquilo que você aprendeu com os chamados “nego véio”. Aquele
pessoal fazendo chorinho e contando a história, passando para gente,
para hoje estarmos aqui e repassar para essa rapaziada que está
chegando.
Na sexta-feira você tem que sair do serviço, ir para casa, às
vezes não dá nem tempo de jantar porque a escola vai sair. Aí a mulher
está arrumando a fantasia, brigou com você: “Você não vai sair!”. No
fim ela brigou e não vai ao carnaval, mas vai à arquibancada porque
você é o puxador de samba da escola, você é o diretor de bateria e
às vezes você é o mestre-sala, porque o mestre-sala não vai sair com
a esposa, ele vai sair com a escola. Então, tem aquele ciúme. Eles
brigaram, depois fazem as pazes. No ano que vem a gente sai de novo.
Perdemos muita gente boa do samba, como o Zeca da Casa Verde, o
Pé Rachado e a Madrinha Eunice. Eu estava na UESP, o diretor da UESP
era o Divino. Ela estava chateada lá, e a nossa Escola na Cachoeira
Império do Samba ia homenagear a Madrinha Eunice, mas a Madrinha
Eunice tinha a Lavapés para desfilar e estava sem puxador de samba.
“Aí, como é que eu vou fazer?” Ela só tinha a letra e a melodia gravada
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Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
em uma fita. Poxa, nós vamos homenagear a Madrinha Eunice e ela
está aí sem alguém para cantar o samba dela.
Celebridade para mim é Bernadete. Está com a gente, ajudando.
No Carnaval você faz parte da escola, todo mundo é celebridade.
Antigamente você sabia do nome do compositor do samba, hoje, quem
é o compositor desse samba? Não sei. Quem será, não é? Antigamente
a sua escola podia vir boa, mas a outra foi melhor, e você comentava:
“Você viu aquela escola que passou? Aquela bateria?” Tudo evolui.
Você tem um espaço que é o Anhembi. Você tinha o Anhangabaú, você
tinha a São João, depois veio a Tiradentes e era difícil.
O momento que eu mais gosto é o dia de hoje, mas eu não
posso esquecer o passado. O compositor quando tinha que dar uma
entrevista, a imprensa ia à casa dele, e a casa do compositor era
muito humilde, a casa não tinha portão, a mulher dele estava fazendo
comida. Ele preparava toda a família para receber, aí o diretor do jornal
fala assim: “Não. Não vamos fazer a reportagem aqui!”. Os repórteres
comiam pra caramba e iam tirar a fotografia em frente ao Hotel San
Rafael, porque para sair no jornal a casa dele não servia, pois o vitrô
do banheiro estava quebrado. O gerente do hotel San Rafael ficava
olhando, o cara todo de branco, tirando fotografia ali em frente ao San
Rafael. E o gerente: “Esse cara não é daqui do hotel”. E o gerente no
domingo de carnaval: “Ah, aquele é o puxador da Escola de Samba!”
Mas a casa dele não podia ser filmada. Ele guardava aquilo com mágoa,
mas ele tinha que aparecer no jornal. O destaque era a Carmem que
trabalhava na feira. “Pô, você viu a Carmem no jornal?” O Diretor de
Bateria era o jornaleiro, a Comissão de Frente era o pessoal que na
hora de tirar o chapéu tinha aquela elegância, mas tudo evolui. Você
vê grandes comissões de frente hoje. Coisa bonita, trabalho bem
elaborado, mas a luta do passado fez com que se chegasse nisto hoje.
Hoje você vê, por exemplo, gente da periferia fazendo balé, indo para
Europa. O melhor tempo é o de hoje.
Tinha gente que vinha a pé do bairro para desfilar na Avenida
São João, se trocava no banheiro do boteco. Ali no Largo do Paissandu,
ainda tem aqueles bares antigos, o camarada trocava de roupa porque
a escola ia desfilar. Hoje tem o espaço que é o Parque Anhembi, e estou
com 55 anos, eu vi e vejo, mas a celebridade era a escola toda. Tinha
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gente que se orgulhava de empurrar o carro alegórico; descia uma ala
chamada Ala da Merenda, tinha um pão com mortadela e uma tubaína,
hoje já se vê profissionais. Isso é muito bom porque dá emprego. A
vantagem do carnaval é que gera muitos empregos. Muita gente nova
trabalhando, não é? Fazendo as fantasias, porque antigamente o
compositor tinha que fazer o enredo, a música e desenhar o figurino.
Eu conheci um grande compositor chamado Talismã, na hora em que o
bicho pegava, ele falava: “eu vou fazer o arlequim e você faz o pierrô”.
Hoje tem artista plástico famoso, gente de teatro.
A Mocidade Alegre homenageou Procópio Ferreira, e você,
naquela época, para ter acesso ao Procópio Ferreira, só em revista.
Então, tive a oportunidade de ver o Procópio Ferreira e a Bibi Ferreira
lá no Mocidade Alegre do Seu Juarez, que Deus o tenha. Que sambista
não morre, não é? E o samba é o samba. Não é gostar de samba só no
carnaval.
Eu vejo pessoas da televisão que querem sair em quinze
escolas, querem bater o recorde, querem sair no Guinness Book, mas
será que têm escola? Tem gente que conseguiu sair em oito, você
chega para ela: “Você não tem escola”. Não sabe o enredo da escola,
comprou a fantasia mais cara, mas não sabe o enredo. Veterano viu
coisas no samba que hoje não se vê, porque hoje, infelizmente, eu
ainda vejo gente esconder a fantasia, se trocar na avenida, sair da
avenida e esconder a fantasia. A pessoa que sai na mídia é uma e a
que estava lá é outra. Ela só foi celebridade ali na avenida. O amor pela
escola está acabando.
Eu passei pela minha Cachoeira Império do Samba, Brasil
Cachoeirinha, que já não existe mais, só na lembrança, e a Rosas de
Ouro. O pessoal do Cachoeirinha era muito ligado ao Rosas de Ouro.
Você ia concorrer samba na Rosas, ia defender samba para os amigos
como, Seu Basílio, Zelão, e outro pessoal, pois a gente procurou se
criar junto. Os nego véio, muita gente que já se foi, deixou lembranças,
deixou músicas, músicas inéditas que estão lá na gaveta, mas a neta já
não quer dar a letra porque: “Meu avô era muito gandaieiro”. Naquela
época você não podia divulgar, não tinha espaço, e eu acredito que
até hoje não tem esse espaço, não tem uma reunião de sambistas em
um programa de televisão. É so game, pegadinha, mulher manga e
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melancia. Durante o ano ela não gosta de samba, mas no carnaval ela
tem que sair, porque tem que ser a Rainha da Bateria. Dou valor, tudo
bem. Tem espaço para ela mas ainda tem aquele pessoal que deixou
muita coisa na gaveta. Você vai à casa dos antigos e: “Poxa vida, agora
que vocês lembraram de mim?” O pessoal agradece.
Meu vizinho, meu compadre, sábado passado, queria ser
padrinho de casamento, mas ele falou assim: “Meu sapato está furado!”
Aí ele ouviu a música do Toninho Casa Verde e ele foi ser padrinho.
Só que não ajoelhou porque o sapato estava furado, mas agradece ao
Toninho porque a música dele ajudou. Aumentou a autoestima dele
e ele ficava sério. Tudo isso você coloca em samba. Então, o partido
alto, a gente aprendeu um pouco de Samba de Breque. O samba de
São Paulo não pode ficar resumido somente a dois ou três, tem mais
gente. O camarada é enfermeiro, mas é compositor, é bombeiro, mas
é compositor, a menina é telefonista, mas ela compõe, então, você tem
que juntar esse pessoal. Existem os movimentos. O Júnior do Peruche
é um jovem veterano, como diz o Moisés da Rocha, pois ele puxa isso
e não desanima. Você está lá no hospital: “Faça uma letra”. Então, a
gente se junta para poder mostrar alguma coisa. Muita gente que vai
para São Paulo e vai para qualquer lugar tem que mostrar o samba
de São Paulo. O carnaval de São Paulo cresceu e não gosto da crítica
que diz que o carnaval de São Paulo está se igualando ao do Rio. Não!
Tem samba na Bahia, tem samba em Porto Alegre, tem samba no Rio,
em Minas. O cantor antigo saía de Minas e ia para o Rio e de lá ele
não falava mais de Minas. Aí, eu ouvi a Clara Nunes e ela cantava:
“Quando eu vim de Minas...” Pô, legal, falou de Minas, aí tinha gente na
televisão falando que a Clara Nunes era carioca. Não! Era mineira. Clara,
mineira. Você tem o Geraldo Filme, você tem a Bernadete, o Toninho
Casa Verde, o Maurinho da Mazzei, o Deolindo, o Wilson Passarinho,
o André Pantera, que estão neste CD: são todos de São Paulo. Você
pode fazer um cruzeiro pela Europa, arranjar um financiador e vamos
divulgar a música popular brasileira. Não é só música de São Paulo ou
do Rio. É procurar resgatar. Tem muita coisa boa, letra, melodia e fita
cassete que a família não quer dar. Independente de fazer sucesso,
você tem que cantar o seu trabalho. O nosso cachê é o aplauso. É muito
importante você, na sua cidade, fazer um trabalho e ser reconhecido
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por isso.
Teve um final de samba na Cachoeirinha e ficaram dez sambas
para a final. Não tinha jeito, os dez eram bons, e se desse um, ia ter
uma briga. Em vez de soltar fogos, os caras dariam tiros. Tudo bem,
polícia não tinha, porque não dava. Largo do Japonês lotado, duas
horas da manhã e não tinha saído a final. Os jurados já tinham ido
embora. Quem é que vai dar a final? Alguém tinha que subir lá e dar a
final. Reunimo-nos. “Dá o samba do menino, ninguém vai brigar”. Para
gente não brigar, fizemos um samba só dos nomes dos que perderam.
“Falou meu nome, não é?” Para poder levar o samba para avenida e
não acontecer nada.
O que tinha no carnaval e que não tem mais hoje, o tocador
de prato. O cara para tocar um prato em uma bateria tinha que saber
tocar; baliza, baliza era um camarada que usava um pauzinho e jogava
para cima, jogava para baixo, escondia e ninguém sabia. Era atração do
carnaval, então a gente fez um samba.
“Não sou o maior dos mortais desta terra,/ Já fui pierrô de
alguns carnavais,/ Baliza da minha escola querida,/ Bate prato, bate
forte, às vezes fugindo da morte,/ Eu sou/ Eu sou um velho seresteiro
a recordar,/ Canções que não ouço nestes carnavais/ Lamento a minha
juventude de outrora,/ Eu confesso para você, não era como agora/ E
aí eu vou seguindo a minha sina/ Pelos bares da rotina para poder me
embriagar,/ E aí eu vou seguindo a minha sina/ Pelos bares da rotina
para poder cantar.”
Quando chegou o movimento dos botecos, você cantava um
pagode, o dono do boteco dava duas cervejas na mesa. Aí você cantava
outro samba e aparecia mais outro, aí você bebia pra caramba e comia,
mas tinha que cantar sucesso.
“Foi no início do século/ Essa beleza retratante começou ôôô/
Bar e festa e fantasia/ Zé Pereira já reinava na folia/ Vem do Rio de
Janeiro/ A primeira escola de samba/ Deixa Falar, Abram alas que a
Império vai passar/ Oh, lindas baianas,/ Sorrindo com os pés no chão/
Porta-bandeiras apresentam/ O seu pavilhão/ Madrinha Eunice o seu
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tempo é de Glória/ Na passarela outra vez /Eu só levo história.”
Ela não foi com a gente, mas ficou sabendo lá no hospital que
ela foi homenageada no Anhembi e que eu puxei o samba da Lavapés
no sábado e na segunda nós fomos para o Anhembi. Saiu a família e
ela falou: “Eu vou embora contente. Menino, eu não tenho cachê para
te dar, mas dou um abraço. Você vai puxar?” Eu falei: “Vou, Madrinha
Eunice.” “Eu vou para o hospital”. E foi, não é? São coisas que a gente
guarda com o maior carinho. Não me esqueço dos “nego véio”. A velha
guarda para mim é a coisa mais importante. Uma baiana falou para
mim: “Valdir, quando você entrar numa quadra, você beija o Pavilhão,
cumprimenta uma criança e peça a benção para as baianas”. “Mas por
que, Nega Véia?” Eu moleque. “Porque a criança vai ser a velha guarda
de amanhã e a velha guarda é a última ala da escola”, disse ela.
CARLOS: Muito obrigado!
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TONINHO CASA VERDE
Sr. Antonio Natalício Vieira, Toninho Casa Verde,
nasceu no dia 21 de
dezembro, em Diamantina – MG. É soldador e
aposentado. Entrevista
realizada no dia 28 de
maio de 2009.
CARLOS: Vou começar perguntando sobre sua história no samba.
TONINHO: Eu vim de Minas, sou filho de Diamantina, terra de JK e
Xica da Silva. Cheguei aqui em São Paulo garoto e fui me criando em
roda de samba e carregava na veia aquela coisinha de letra. Venho
de uma família de músico, meu pai era violeiro, sanfoneiro e cantador
da Festa do Divino, ele que animava a festa, carregava bandeira e
entrava nas casas com o Divino Espírito Santo, era muito conhecido. Eu
acompanhava aquele pessoal, meus tios e meus primos tocavam violão.
Depois cheguei em São Paulo, dei um breque e fui estudar. Passei pelo
exército e aí novamente veio a chama. Comecei a escrever e não parei
mais, sempre lutando, pois não é fácil arrumar o espaço da gente, é
complicado, é uma política lascada, mas eu nunca me preocupei com
o nome, eu sempre me preocupei com a arte que me faz bem. Gostava
de estar nas minhas rodas e nos botecos. Fui compositor do Camisa
Verde e Branco, onde ganhei o nome de Toninho Casa Verde. Sou
apaixonado, a música para mim é arroz e feijão. Sem a música não me
completo, não existo.
CARLOS: Em que ano você veio para São Paulo?
TONINHO: Eu vim para São Paulo em 1958.
CARLOS: E você pegou desfiles na São João?
TONINHO: Eu peguei na Lapa, na época as maiores escolas eram a
Nenê de Vila Matilde e Peruche. Elas eram as últimas escolas a desfilar.
Era um show de bateria, uma loucura total.
CARLOS: Em qual escola você saía?
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TONINHO: Na época, em nenhuma, embora eu morasse no Peruche,
depois fui para o Camisa, por intermédio de amigos meus que
desfilavam lá. Comecei na Ala dos Compositores, concorri a uns quatro
ou cinco sambas e depois parei.
CARLOS: Você lembra do seu primeiro samba?
TONINHO: Eu lembro do enredo. Naquele ano, a Camisa saiu com a
Chanchada Brasileira, cinema nacional. Depois veio o Narainã, um dos
maiores sambas de enredo do Camisa, e eu concorri. Depois veio...
olha não é fácil você gravar, mas eu concorri a uns cinco sambas lá.
CARLOS: Agora tem um samba seu que já é bem famoso, um tal de
“Sapato Furado”.
TONINHO: Sim. É uma sátira. Eu gosto muito deste estilo, é coisa bem de
povo. Não tem papo de intelecto, é sapato furado, é vô num vô, aquele
jeito que eu tenho. É a forma de se identificar com mais facilidade. “Eu
não vou no seu pagode me sinto até contrariado / Vou falar a verdade
não teve castigo / É que meu sapato está furado!” Tem também o
“Pagode do Urubu” que eu acho uma letra muito interessante. “Urubu
também canta / Não demora para cantar / Mas ele tem o seu dia de
gorjeio...” Tem vários nesta linha de sátira.
CARLOS: Você começa a cantar o “Sapato Furado” e dá vontade de
ouvir mais...
TONINHO: “Você sabe muito bem da minha real situação/ Há mais de
um ano desemprego/ Não é brincadeira não/ Eu fui no terreiro pedir
pro véio reza forte para me ajudar/ E no jogo do búzio o nego falou:
tão querendo te afundar/ Eu não vou no seu pagode/ Me sinto até
contrariado/ Vou falar a verdade não teve castigo/ É que meu sapato
está furado!”
CARLOS: Conta para a gente a sua trajetória no Camisa Verde.
TONINHO: Eu fui a convite de amigos que já frequentavam a escola e
fiquei muito empolgado, maior glória. Pertencer à ala dos compositores
da Camisa Verde e Branco, aquilo para mim foi uma injeção, costumo
dizer que o meu avião decolou da quadra da Barra Funda. Só que depois
eu me afastei do samba-enredo, não só da Camisa, mas do sambaenredo. Fiquei só compondo pagode, a minha sátira que eu gosto. Me
identifiquei e fiquei à vontade, porque não tem aquele compromisso,
eu componho naturalmente. A inspiração vem, a gente vai sentando o
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bambu e fazendo o trabalho.
CARLOS: Qual foi o seu desfile inesquecível na Camisa?
TONINHO: Foi Narainã, quando fomos Tetra. Samba de Ideval, Zelão
e Jordão. As alegorias foram muito bonitas, muitas penas e falava
de pássaros, no Narainã. Foi o desfile que me arrepiou. Aliás dois,
Chanchada Brasileira também.
CARLOS: Conta da sua participação no SP em Retalhos.
TONINHO: Sou vizinho do Júnior, ele me convidou a participar de seu
projeto umas três vezes, mas eu não estava com muita vontade porque
eu estava cansado de gravar fitinha, mostrar para produtor e mostrar
para cantor. Nunca vivi de música, sou serralheiro até hoje, mas um dia
minha mãe falou: “o rapaz veio aí pela terceira vez, custa você ir lá? Uma
fita a mais, uma fita a menos vai mudar alguma coisa?” Então, eu fui e
estamos reunidos aí até hoje. Temos muita coisa para mostrar ainda.
Acredito que o segundo CD vai ser muito mais do que este, porque a
gente aprende, e porque o Júnior deu muita força, desenterrou um
bocado de gente que estava no anonimato, inclusive eu.
CARLOS: Você canta a última música para gente fechar?
TONINHO: Vou cantar uma música da Bernadete. Chama-se A Força
de um Canto. Esta música eu fiz embaixo do caminhão.
“Aí eu canto/ Um novo mundo desperta/ Eu visto a tristeza de
alegria/ E faço aquela festa/ Meu canto tem a forma divina de uma
oração/ E o povo igualmente na procissão/ Vai me acompanhando,
vamos cantando/ Meu canto tem uma dose forte de magia/ A força
de dez canhões que só explodem em poesia/ É cantando que eu sinto
a presença marcante de Deus/ E cantando bem junto aos meus/ A
gente sente que a dor se distancia/ Bambaluê, bambaluá, pega a
viola camarada que é hora de cantar.”
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BERNADETE
D. Maria Bernadete
Raimundo nasceu no
dia 24 de janeiro de
1951, em São Paulo
– SP. É cantora. Entrevista realizada no dia
28 de maio de 2009.
CARLOS: Queria começar ouvindo um pouco da sua história no samba.
BERNADETE: Minha história no samba difere um pouquinho das outras
porque comecei na escola, que ainda funciona. Ela é pequenininha. Sou
devota a ela, a Império Lapeano. Da Império Lapeano, fui convidada
a migrar para a Peruche. Estava na Império, e era o último ano da
Tiradentes, eles gravaram uma fitinha. A intérprete oficial da Unidos
do Peruche era a Eliana de Lima, ela estava grávida, com a agenda
lotada de shows e não conseguia dar conta dos dois lados. Então,
me fizeram o convite para realizar os ensaios nas ausências dela. A
princípio eu achei que era um trote, porque ninguém me conhecia,
como é que de repente me chamam para fazer parte de uma escola
assim, de grande nome, sem que eu conhecesse os participantes e sem
ninguém me conhecer? A surpresa foi essa, e eles tinham a tal fita que
gravaram na Tiradentes. Eu fui lá para ver se era verdade e era, sim.
Para mim foi uma surpresa incrível, foi como se eu tivesse ganhado
na loteria, sabe lá o que é sair de uma Império Lapeano e ir para uma
Unidos do Peruche? E eu nem sabia que a surpresa seria maior ainda.
Fiz os ensaios, algumas apresentações, junto com a Eliana, e no dia
do desfile oficial, 10 de fevereiro de 1991, ela foi para o hospital. Era
o dia do desfile e eu estava cantando na minha escola, fiquei até de
manhã vendo as outras escolas. Fui a primeira mulher a cantar no
Anhembi. A primeira escola foi a minha, nós inauguramos o Anhembi,
e eu fiquei até de manhã. “Meu compromisso é a noite e não é tanto
compromisso assim”, pensei. Depois fui para casa, dormi e a Eliana foi
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para o hospital. Acordei com a minha mãe batendo na porta do meu
quarto: “Vai dar no rádio”. Peguei o rádio, sonolenta. Então, ouvi: “A
Eliana foi para o hospital, e agora? Quem vai levar o samba da Unidos
do Peruche?” Parei, fiquei com a respiração presa de tanto susto, mas
ao mesmo tempo falei: “Mãe, calma aí, vamos dar um tempo, não são
burros. Eles não vão jogar uma escola dessa na minha mão, eles não me
conhecem direito. Estou ensaiando há um mês e meio só, não é assim.
Insegurança para eles, por uma pessoa nada a ver com a escola.” Doce
ilusão. Cheguei na Unidos do Peruche no horário marcado. Estava todo
mundo me esperando. Colocaram-me num quartinho e falaram: “É
você que vai para a avenida”. Resumindo a história, fui para a Avenida!
Chegando lá olhei aquela imensidão, eu já havia estado lá um dia antes
e pensei: “Você vai cantar para a Império Lapeano, esquece a Unidos
do Peruche”, e eu esqueci mesmo a Peruche. Entrei como se fosse a
Império Lapeano, e graças a Deus me saí muito bem. Ganhei todos
os prêmios da noite: revelação, melhor intérprete, tudo o que tinha
direito eu ganhei. Aí começou a história da Bernadete no mundo do
samba.
CARLOS: Você lembra desse enredo da Peruche? Pode cantar um
pedaço?
BERNADETE: Lembro. O tema era: “Quem Não Arrisca, Não Petisca!”
“Ô Batuqueiro, segue meu samba que a Peruche vem mostrar/
Nesta Ciranda quem não arrisca nunca pode petiscar/ O tempo que
não dá tempo para pensar/ A sorte nessa hora jorra pelo ar/ Vamos
tentar de novo, sempre fazendo jogo/ Desta vez é para ganhar...”
CARLOS: E a do Império Lapeano?
BERNADETE: A do Império Lapeano você acredita que eu não lembro?
Porque ficou assim, marcou muito na minha vida isso, sabia? Porque é
uma história que, vamos combinar, ninguém mais vai viver. Que outra
cantora vai cantar numa escola e vai dar à luz naquele dia? E que uma
outra assumiu o lugar, uma mera desconhecida? Marcou muito isso e
eu não consigo esquecer, e acho que muita gente não esquece. Todo
mundo tem esse dia como referência.
CARLOS: E qual o desfile mais emocionante da Império Lapeano que
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você participou?
BERNADETE: Olha, todo desfile é emocionante, mas o que marca
mesmo é o primeiro, porque você vem de reuniões, reuniões e
reuniões. “Vamos formar uma escola”. “Vamos formar uma escola”.
E de repente a Escola está ali e você está fazendo carro alegórico,
fazendo fantasia, ensaiando o samba. Então, eu acho que o primeiro
desfile da Império para mim foi muito marcante. O primeiro desfile foi
na Tiradentes, em 1974, eu desfilei o último ano da São João. Fizeram
um cartaz para o nome da escola que se chamava “A Voz do Morro”
e depois se transformou na Império Lapeano. Foi só um ano, nós
desfilamos com ela na Avenida São João. Neste ano, o Jair Rodrigues
cantou pela Rosas de Ouro. No fim, eu ganhei dele, acabei ganhando
dele como melhor intérprete. Já ali eu ganhei.
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HOMENAGEM
Este trabalho traz uma riqueza de universos particulares
a respeito de uma manifestação popular. A experiência que vivi no
Samba da Vela quando Paqüera contou histórias de sambistas mais
velhos e ainda cantou suas músicas me proporcionou imaginar e recriar
um fato ou fatos, por meio do ponto de vista dele e de minhas poucas
referências da época. Porém, hoje eu não tenho aquelas histórias ou
canções na memória, mas a impressão de um momento marcante e
arrebatador - a narração de Paqüera. Agora, penso nas pessoas que
cruzei nestes dois anos e que por algum motivo não consegui registrar
seus depoimentos - seja por questões de prazos de minha parte, seja por
não casarem os horários e disponibilidade. Mas alguns motivos foram
mais fortes para impedir a realização de determinadas entrevistas,
pois alguns partiram desta vida. Este capítulo triste é uma sugestão de
que trabalhos envolvendo a memória do samba se multipliquem, não
necessariamente neste formato. Muitas pessoas que visitei guardam
fantasias bordadas à mão, LPs, reportagens, instrumentos, fotografias,
letras de músicas, e tantas outras coisas, que nenhum centro cultural
ou órgão público se preocupou em preservar, até o momento.
Seu Miguel da Contemporânea, empresário e dono da loja
e marca de instrumentos Contemporânea, concedeu uma pequena
e rápida entrevista que serviria de base para um segundo encontro,
que infelizmente não pode acontecer. Pretendia também entrevistar
Odelise Camargo, da Velha Guarda do Peruche e Embaixatriz do
Samba, que havia me encantado com sua voz linda e forte. Ela veio a
falecer após sofrer um infarto na Quadra da Camisa Verde e Branco,
na madrugada da escolha do Casal Cidadão Samba de 2009. Outra
importante figura, muito citada pelos interlocutores foi seu Juarez da
Cruz, fundador da Escola de Samba Mocidade Alegre. Na cerimônia
de posse da presidente Maria Helena para a Embaixada do Samba
Paulista, em 2008, ouvi o discurso de seu Juarez. Infelizmente, esperei
demais para entrevistá-lo.
Pretendia, também, recolher o depoimento de alguém que
tivesse contribuído significativamente com o samba da região M’ Boi
Mirim, lugar onde me criei e moro. E no Jardim São Luís conheci a
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Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
figura do Mário Preto e seria ele a pessoa. Mas foi fazer companhia ao
Seu Miguel, Odelise e seu Juarez. A biografia a seguir é uma homenagem
a Mário Preto e a todos que fizeram seu passamento e dedicaram sua
vida ao samba, sobretudo aqueles anônimos que estiveram nos seus
bairros, às vezes até longe de suas escolas do coração, mas que não
deixaram de fazer o samba.
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Odelise Camargo cantando ao lado de Maria Helena, na Vigília Dia do Samba,
02 de dezembro de 2008. (Foto de Luís Baron)
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MÁRIO PRETO
Mário Luiz Fraga de
Oliveira nasceu em
São Paulo, no dia 21
de fevereiro de 1958
e faleceu dia 01 de
setembro de 2009. Era
motorista. Este texto
foi feito em colaboração com seu filho, Mario Fraga Junior.
Mário Preto, também conhecido como Marum ou Índio, desde
criança esteve presente nas rodas de samba com o pai, Geraldo Fraga.
Mas, sua história no samba começou em 1972 como integrante da
bateria da Escola de Samba Plenário de Santo Amaro. A partir daí foi
integrante da bateria da Vai-Vai e falava com orgulho: “sou bela vista,
sou vai-vai, sou bi-campeão”. Em 76 integrou a banda de Benito di
Paula na percussão, onde permaneceu por mais de 30 anos.
Nas décadas de 80 e 90 ajudou na formação da bateria da
Escola de Samba Unidos do Jardim São Luís em São Paulo e durante 12
anos ajudou na realização do Carnaval de Ibitinga. Integrou a Torcida
Uniformizada do Palmeiras - TUP, assumindo a bateria como segundo
diretor. Porém, o presidente falava: “o Pio apita, apita e os erros
continuam. O Mestre Marum dava duas apitadas e o samba ficava
redondo”. Dentre triunfos e perdas de carnavais nesse tempo, a TUP
passou de bloco carnavalesco à Escola de Samba. Em 2002 integrou a
bateria da Escola de Samba Rosas de Ouro até 2004. A partir de 1995
Mario Preto iniciou uma tradicional virada de ano reunindo sambistas e
suas famílias em que o samba celebrava o Ano Novo. E assim aconteceu
durante catorze anos. Em 2009 realizou seu último trabalho como
diretor de bateria do Bloco do Beco no Jardim Ibirapuera onde realizou
cortejos carnavalescos pelas ruas e vielas do bairro e proporcionou um
novo olhar da comunidade para o espaço público e samba.
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Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
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34, 2ª edição, 2005.
URBANO, Maria Aparecida. Sampa, Samba, Sambista - Osvaldinho da
Cuíca. São Paulo: Edição do Autor, 2004.
______________________. Carnaval & Samba em Evolução na cidade
de São Paulo. São Paulo, Ed. Plêiade, 2005.
Vários autores. História da Vida Privada no Brasil. SP, Cia. Das letras,
1999, vol 3.
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Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
Documentários Pesquisados
1. Samba à Paulista - fragmentos de uma história (2006),
direção de Gustavo Mello, - Série de três episódios que a partir de
depoimentos e imagens históricas se propõe ao registro da memória.
2. Coleção História dos Bairros de São Paulo - documentários
sobre bairros: Vila Maria, Vila Matilde, Itaim Paulista, Capela do
Socorro, Capão Redondo, Jabaquara, Barra Funda, Perdizes, Pacaembu,
Vila Madalena, Freguesia do Ó, Perus, Brasilândia, Pirituba.
3. Programa Ensaio com Geraldo Filme.
4. Especial Os Baluartes do Samba Paulista exibido pela TV
Cultura com participação de Toniquinho Batuqueiro, Silvio Modesto,
Geraldo Filme, Zeca da Casa Verde, Zezinho do morro e Talismã. 5. Programa Jogo de Idéias do Itaú Cultural, conversa com
Fabiana Cozza e T-Kaçula.
6. Sampa Hop SP,
7. “Seu Nenê”, direção Carlos Cortez.
8. Geraldo Filme, direção de Carlos Cortez.
9. Brodway Bexiga.
10. Filhos do Samba, direção de Germano Fehr e Tomás
Carvalho.
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Áudios pesquisados
1. Programa Ensaio com Paulo Vanzolini.
2. Entrevistas realizada por Olga Von Simson arquivado no
MIS-SP com Geraldo filme, Madrinha Eunice, Seu Carlão do Peruche,
Dionísio barbosa, entre outras personalidades.
3. Plínio Marcos, Geraldo filme, Toniquinho Batuqueiro e Zeca
da Casa Verde no LP - Prosa e Samba, Nas Quebradas do Mundaréu.
Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
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DESDOBRAMENTOS BATUQUE MEMORÁVEL
Em maio de 2009 iniciou o primeiro desdobramento do
projeto com o nome reduzido para BATUQUE MEMORÁVEL que teve a
apresentação de dois shows, SP em Retalhos e Embaixada do Samba
Paulista.
Em novembro e dezembro as apresentações musicais voltaram
à sala Adoniran Barbosa. Foi realizada uma parceria com o Bloco do
Beco e o projeto cresceu para além do Centro Cultural indo para os
bairros do Jardim Ibirapuera (Bloco do Beco), Jardim São Luís (Centro
Cultural Monte Azul) e Parque Santo Antônio (Sacolão das Artes), na
Zona Sul da cidade.
Assim o Centro Cultural abriu espaço para o samba paulistano e
artistas da nova geração se encontram com sambistas veteranos. Velhas
Guardas e rodas de samba compuseram uma intensa programação
que também incluiu encontro de baterias e dança de mestre-sala e
porta-bandeira.
7/11 - sábado, às 21h - Centro Cultural Monte Azul
OSVALDINHO DA CUÍCA
8/11 - domingo, às 18h - Centro Cultural São Paulo
TONIQUINHO BATUQUEIRO E TIAS BAIANAS PAULISTAS
14/11 - sábado, às 16h - Bloco do Beco - Tenda na rua
TIAS BAIANAS PAULISTAS
15/11 - domingo, às 18h - Centro Cultural São Paulo
VELHA GUARDA MUSICAL NENÊ DE VILA MATILDE com as participações de
OSVALDINHO BABÃO E IDEVAL
20/11 - sexta - Bloco do Beco
15h - ENCONTRO DE BATERIAS: GRÊMIO MADRUGADA E BATUCADA BLOCO
DO BECO
16h - NOSSA CHAMA
18h - BATERIAS: OS BAMBAS
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Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
19h - ELISETE ROSA E O PROJETOCULTURAL SAMBA NOSSO DE CADA DIA VAI-VAI participação especial TOINHO MELODIA
21h - BATERIAS: BATUCADA BLOCO DO BECO
21/11 - sábado - Sacolão das Artes
19h - KOLOMBOLO DIÁ PIRATININGA
20h30 - COMUNIDADE SAMBA DO MONTE
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22/11 - domingo, às 18h - Centro Cultural São Paulo
VELHAS GUARDAS MUSICAIS DA ROSAS DE OURO E DA CAMISA VERDE E
BRANCO
29/11 - domingo, às 18h - Centro Cultural São Paulo
MESTRE GABI APRESENTANDO MESTRE-SALA E PORTA-BANDEIRA
5/12 - sábado, às 21h - Centro Cultural São Paulo
NOSSA CHAMA PARTICIPAÇÃO OSVALDINHO DA CUÍCA
6/12 - domingo, às 18h - Centro Cultural São Paulo
VELHA GUARDA MUSICAL VAI-VAI
13/12 - domingo, às 18h - Centro Cultural São Paulo
MESTRE DIVINO E A ESCOLA DE SAMBA IMPERIAL
PRO CINEMA SAMBAR
Desde 2006 o Pro Cinema Sambar, projeto do Grupo de Pesquisa
de Samba e Teatro Band’ doido, juntou exibição de filme, apresentação
musical e caldo de feijão numa grande festa para a comunidade. Os
escadões do Jardim Ibirapuera viraram arquibancada, o tecido branco
virou a tela de projeção e o tema do samba acompanham o filme. Após
a exibição das obras acontecia a roda de samba e servia-se o caldo de
feijão. Nas edições do Batuque Memorável o grupo que acompanhou
o evento foi a Batucada no Beco.
PARADAS SONORAS
Em novembro de 2009, o público que frequentou o Centro
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Cultural São Paulo pode ouvir uma seleção especial de sambas paulistas.
Estas músicas ficaram disponíveis gratuitamente nas Paradas Sonoras,
que são pontos de audição espalhados pelo CCSP em vários formatos para escuta individual, em dupla ou coletiva. O projeto foi criado para
tornar mais acessível o acervo da Discoteca Oneyda Alvarenga, que
conta hoje com mais de 70 mil discos.
WORKSHOPS
Durante os meses de novembro e dezembro, aconteceram no
Bloco do Beco workshops de capoeira, percussão, bateria mirim, dança
afro e maracatu.
PORTAL
Desenvolvido pela equipe da Web Radio TV do Centro Cultural
São Paulo a criação do portal foi coordenada por Márcio Yonamine. A
idéia principal do portal é de ser mais que um publicador de notícias e
acervos, possibilitando o encontro entre pesquisadores, entusiastas e
ouvintes, além de um mecanismo de recolhimento de materiais para o
aumento e diversificação do seu acervo.
Desta forma, é a possibilidade de uma memória viva em
frequente expansão e reflexão em si.
O Portal terá a seguinte estrutura:
• Publicação de notícias envolvendo o samba paulistano serão
organizadas e publicadas;
• Agenda de eventos: um agenda com participação do público
e que terá formato iCal que possibilita diálogo com outros, o
Calendário Google;
• Consulta ao acervo: baseado em padrões internacionais
(Dublin Core), possuirá acervo digital multimídia e poderá
fazer parte de uma rede de acervos de mesmo protocolo;
• Redes Sociais: os usuários poderão criar páginas pessoais para
administração de favoritos, material enviado, mensagens de
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outros usuários, etc;
• Upload de material: um área reservada para um mecanismo
de upload de material que poderá ser incorporado ao acervo.
Promoção de coleta
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Além do material enviado pelos internautas, o Portal será
abastecido pelo material vindo dos documentários em produção, de
programas da Web Radio TV CCSP e do próprio material utilizado na
pesquisa.
http://www.centrocultural.sp.gov.br/batuque/
DOCUMENTÁRIO
Este livro vem acompanhado por um DVD com um filme
documentário. É o registro de entrevistas e imagens de alguns
veteranos do samba paulistano. Participaram do documentário a
maioria dos fizeram apresentações musicais durante os meses de
novembro e dezembro. Foi, acima de tudo, a busca de depoimentos
enfocando o universo da Velha Guarda Paulistana, não para compor a
história do samba, mas para proporcionar a idéia de um todo a partir
de declarações pessoais.
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1. Cristina no ateliê da 4. Entrevista com Valdir CaEscola de Samba Impe- choeira. (Foto Radio - CCSP)
rial. (Foto Carlos Gomes)
2. Equipe de Gravação e 5. Entrevista com ToniMarco Antonio. (Foto Luís quinho Batuqueiro. (Foto
Baron)
Radio - CCSP)
3. Entrevista com Mestre 6. Apresentação da Velha
Divino. (Foto Radio - CCSP) Guarda da Vai-Vai. (Foto Ra4. Baianas da Imperial
na concentração para o
desfile de 2009. (Foto Ra-
dio - CCSP)
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Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
dio - CCSP)
Tias Baianas Paulistas e equipe CCSP. (Foto Equipe Radio - CCSP)
Ideval (ao fundo) e Lagrila antes do show da Embaixada do Samba no CCSP. (Foto Carlos Gomes)
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Apresentação Toniquinho Batuqueiro na Adoniran Barbosa. (Foto Equipe Radio - CCSP)
Apresentação da Escola de Samba Imperial, Mestre Divino tocando surdo. (Foto Equipe Radio - CCSP)
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Gravação do documentário com a Velha Guarda Musical da Nenê de Vila Matilde. (Foto Luís Baron)
Apresentação da Velha Guarda Musical da Nenê na Adoniran Barbosa. (Foto Equipe Radio - CCSP)
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Imperial e AMESPBEESP. (Foto Equipe Radio - CCSP)
Mestre Gabi em apresentação na Adoniran Barbosa. (Foto Equipe Radio - CCSP)
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Apresentação da Velha Guarda da Camisa Verde e Branco na Adoniran Barbosa. (Foto Equipe Radio - CCSP)
Casal da AMESPBEESP em apresentação no CCSP. (Foto equipe Radio - CCSP)
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Apresentação do Casal Mirim da AMESPBEESP na sala Adoniran Barbosa. (Foto Equipe Radio - CCSP)
Mestre-Sala Gabi e a Porta-Bandeira Vivi dançando com a Bateria da Imperial. (Foto Equipe Radio - CCSP)
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Apresentação do Grupo Nossa Chama e participação de Osvaldinho da Cuíca. (Foto Equipe Radio - CCSP)
Apresentação da Velha Guarda Musical da Rosas de Ouro. (Foto Equipe Radio - CCSP)
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Vigília do Samba, na UESP, com a Embaixada do Samba, 02 de dezembro de 2008. (Foto Luís Baron)
Bateria da Imperial no CCSP. (Foto Equipe Radio - CCSP)
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Apresentação Velha Guarda Musical Camisa Verde e Branco. (Foto Equipe Radio - CCSP)
Tias Baianas Paulistas e Equipe Gravação Documentário no CCSP. (Foto Equipe Radio - CCSP)
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1. Moisés da Rocha 4. Detalhe do Estanapresentando “O Samba darte. (Foto Radio - CCSP)
Pede Passagem”. (Foto
Carlos Gomes)
5. Paqüera acendendo a
2. Equipe de Gravação vela. Início do Samba da
CCSP. (Foto Radio - CCSP)
Vela. (Foto Carlos Gomes)
3. Ensaio Ala Perfor- 6. Integrantes da Barroca
mance da Vai-Vai no Anhembi. (Foto Luís Baron) Zona Sul no empossamento da Presidência da
4. Porta-Bandeira da Embaixada do Samba em
AMESPBEESP no CCSP. 2008. (Foto Carlos Gomes)
(Foto Radio - CCSP)
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ESPAÇOS DO SAMBA
Seguem nestas folhas, descrições de alguns espaços citados
nas entrevistas ou que colaboraram durante a pesquisa de campo.
UESP - União Das Escolas De Samba Paulistana
É uma associação sem fins lucrativos, fundada em 10 de
setembro de 1973 com o objetivo de unir as Escolas de Samba e Blocos
Carnavalescos representando-os junto ao poder público. É mebro
do Conselho Municipal de Cultura. A UESP, por ocasião do carnaval
paulistano, é responsável pela realização de 6 desfiles oficiais de
escolas de samba e blocos carnavalescos, além de ser a organizadora
do Carnaval de Bairro. Abriga a Embaixada do Samba - um grupo seleto
de sambistas com trajetória que lhes confere o status de referência
absoluta do samba paulista. Rua Rui Barbosa, 588 - Bela Vista. Tel: (11)
3171-3713.
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CDMS - Centro De Documentação e Memória Do Samba
Desde 1999 é um centro de referência para pesquisadores,
o único voltado para o samba paulista. Conserva rico acervo, realiza
atividades culturais, tais como exposições, lançamentos de livros,
palestras cursos, seminários, oficinas etc, procurando aglutinar,
divulgar e preservar a história para garantir o futuro do samba. Estão
armazenados milhares de documentos, desde a década de 20, como
fotos, revistas, discos e jornais que registram a história e evolução do
samba paulista, mostrando, através dos tempos, a história de escolas
de samba, blocos, cordões carnavalescos e todas manifestações
da cultura do samba e sua influência na formação cultural do povo
paulista. Está localizado na sede da UESP, endereço acima.
FESEC - Federação das Escolas de Samba e Entidades Carnavalescas
do Estado de São Paulo
Entidade federativa fundada em 13 de julho de 1984. Faz visitas
periódicas às cidades do interior organizando seminários, encontros e
palestras, mantendo sempre seus objetivos em oficializar o carnaval, os
desfiles carnavalescos e padronizar as formas e critérios de julgamento,
e estimulando a criação de Uniões, Ligas ou Associações de Escolas
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de Samba e Blocos Carnavalescos. Primeira entidade a promover o
Curso De Formação e Aperfeiçoamento de Jurados. A diretoria atual
tomou posse em 10 de junho de 2008 tendo como presidente Nelson
Crecibeni Filho. Rua Frei Antônio Santana Galvão, 37 - Luz. Tel: (11)
3227-2263.
LIGA INDEPENDENTE DAS ESCOLAS DE SAMBA DE SÃO PAULO
A LIGA é uma Organização Sociedade Civil de Interesse
Público - OSCIP, reconhecida na esfera Federal, Estadual e Municipal
que congrega quinze agremiações e dois afoxés. Fundada em 19 de
junho de 1986 tem realizado um trabalho permanente na promoção
e produção dos desfiles dos grupos Especial e Acesso das Escolas de
Samba do Carnaval Paulistano no Sambódromo. Sua missão, além do
Carnaval, é de contribuir para o desenvolvimento cultural, social e
econômico da cidade, gerando emprego e renda, implantando cursos
de formação profissional em parcerias com instituições públicas e
privadas; promovendo eventos diversos, concursos carnavalescos
oficiais e extra-oficiais, conferências, feiras, debates, congressos,
seminários, espetáculos, desfiles e festivais de cultura assim como
ações desportivas e de lazer. Av. Santos Dumont, 614/618 - Armênia.
Tel: (11) 2853-4555.
SUPER LIGA DAS ESCOLAS DE SAMBA DE SÃO PAULO
Foi formada em 2008, por 9 entidades dissidentes da LigaSP: Vai-Vai, Camisa Verde e Branco, Unidos do Peruche, Gaviões da
Fiel, Imperador do Ipiranga, Pérola Negra, Império de Casa Verde,
Mancha Verde e Dragões da Real. Tem como finalidade, reunir idéias
das escolas, divulgar eventos e expandir o amor pelo samba por
todo o Brasil, organizar contratos do carnaval paulistano e ainda,
fortalecer o crescimento do espetáculo com a união das entidades. Sua
administração é formada por integrantes de várias escolas de samba.
Rua Marjor Caetano da Costa, 91 - Santana. Tel: (11) 2089-0579.
AMESPBEESP - Associação de Mestres-Sala, Porta-Bandeiras e
Estandartes do Estado De São Paulo
Com a preocupação de preservar a tradição da dança do Casal
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Um Batuque Memorável no Samba Paulistano
de Mestre-Sala e Porta-Bandeira foi fundada no dia 10 de Junho de
1995. Teve o apoio de algumas entidades como UESP, LIGA e FESEC.
Neste período, os cursos foram ministrados nas seguintes coirmãs:
Camisa Verde e Branco, Unidos do Peruche, Mocidade Alegre, Rosas de
Ouro, Vai-Vai, Barroca Zona Sul, Tom Maior e Acadêmicos do Tucuruvi.
Os cursos são abertos para quem quiser. Neste ano de 2010 será na
Império de Casa Verde.
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SAMBA DA VELA
Fundada em 17 de julho de 2000 por Paqüera, Magnu Sousá,
Chapinha e Maurílio de Oliveira é uma reunião de compositores,
cantores, músicos e simpatizantes do samba que apresentam suas
obras diretamente ao público. Sua principal característica é reunir
dezenas de crianças, jovens, adultos e idosos da periferia da cidade
para ouvir samba em silêncio. Refletindo, transformando e renovando
suas ações, o Samba da Vela democratiza o acesso a cultura e por meio
da música revela novos compositores e promove mudanças individuais
e coletivas. Os encontros acontecem às segundas-feiras a partir das
21hs na Casa de Cultura Santo Amaro localizada na Praça Doutor
Francisco Ferreira Lopes, 434 - São Paulo - SP - CEP 04751-070.
ASSOCIAÇÃO INDEPENDENTE CULTURAL DA VELHA GUARDA DO
SAMBA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Esta associação tem como missão reunir nos quadros
associados todas e todos os componentes das alas de Velhas Guardas
das agremiações, blocos e cordões carnavalescos paulistas, para
preservar a cultura do samba, fomentar projetos culturais e sociais,
e defender os direitos dos sambistas da Velha Guarda na festa do
carnaval, mantendo viva a memória do samba paulista. Rua Capitão
Salomão, 40 - 6º. Andar, sala 602. Tel: (11) 3311-7718.
DISCOTECA ONEYDA ALVARENGA – CCSP
Idealizada por Mário de Andrade enquanto esteve à frente
do Departamento de Cultura da Cidade de São Paulo, a discoteca
Oneyda Alvarenga foi criada em 1935, com o nome de Discoteca
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Pública Municipal. Em 1982, após passar por várias sedes, a Discoteca
foi transferida para o Centro Cultural São Paulo e, a partir de 1987,
passou a se chamar Oneyda Alvarenga, em homenagem a sua primeira
diretora, que exerceu o cargo até 1968.
Trata-se de uma instituição pública que abriga um acervo
de 70 mil discos e mais de 60 mil partituras, um rico material para
pesquisadores e público em geral. Além do acervo sonoro e impresso
(que inclui uma hemeroteca especializada) a discoteca conta também
com um acervo histórico. Tel: 3397 4071.
O SAMBA PEDE PASSAGEM
A história da veiculação do samba nas emissoras de
rádio paulista, nos últimos 30 anos, não pode ser contada sem o
reconhecimento do pioneirismo do radialista e pesquisador da MPB
Moisés da Rocha e de seu programa “O Samba Pede Passagem”, marco
da popularização do samba nas emissoras de rádio, levado ao ar pela
Rádio da Universidade de São Paulo, transmitido pela primeira vez em
1978. Programa consagrado pelo público e várias vezes premiado pela
crítica especializada é dedicado à preservação das raízes culturais afrobrasileiras, evocando personagens e criações musicais e divulgando
talentos contemporâneos, reconhecidos ou não pela mídia em geral.
Para sintonizar: Rádio USP FM 93,7 MHz, sábados e domingos das
12h00 às 14h00 e Rádio Capital AM 1040Khz aos sábados das 0h00 ás
2h00. E-mail: [email protected]
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Muito obrigado aos interlocutores que com tanta
generosidade me presentearam com suas histórias, humores e
prazer de ser e estar no samba.
Muito obrigado as minhas famílias, Moreira, Gomes e
Baron, um apoio carinhoso, amoroso que me fortaleceu e me
acalentou nos devidos momentos.
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Aos meus primeiros leitores, revisores, críticos e
dedicados companheiros que me presentearam com a paciência
e generosidade: Cíntia Gomes, Celina de Castro, Andréia Tenório,
Thaís Queiroz, Luís Cláudio de Souza, Márcio de Holanda, Suellen
Caroline, Lucimara Souza, Wanderley Moreira, Regina Baron,
Aparecida Baron, Thaís Lemes, Valéria Gomes e o mais dedicado
companheiro, presente desde a primeira ida a campo, aos
ensaios, ao desfile e as cansativas edições, escolhas, revisões,
Luís Baron.
Ao Chapinha, Paqüera, Osvaldinho da Cuíca, J. Muniz
Júnior, Moisés da Rocha, Marcos dos Santos, Sérgio da
Contemporânea, Gustavo Melo, Gunnar, Katia Dell´Agnolo
Bocchi, dona Paula, SP em Retalhos, Ala das Baianas do Camisa
Verde e Branco, UESP, Band’doido, FESEC, Liga, Superliga,
AMESPBEESP, Escola de Samba Imperial, Embaixada do Samba
Paulistano e todos que muito contribuíram.
A equipe do CCSP sempre dispostos a realizar este projeto
da melhor maneira, especialmente Juliano Gentile, Márcio
Yonamine, Marquito Alonso, Durval Lara, Alaete Evangelista de
Andrade, Roque de Souza, Nelson de Souza Lima, Karlla Guerra,
Thiago Negro, Mariane Kunze, Patrícia Ceschi, Vera Lúcia Cardim
Cerqueira.
Ao vereador Jamil Murad, a Associação Bloco do Beco e
ao Centro Cultural São Paulo.
Obrigado!
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