Genocídio - Professor Luiz Regis Prado

Transcrição

Genocídio - Professor Luiz Regis Prado
Lei 2.889/1956
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Embora sempre tenha existido, na História,
atos de barbárie adequados ao que se
considera atualmente crime de genocídio, a
preocupação internacional de estabelecer
mecanismos jurídicos para sua prevenção e
repressão só surgiu ao fim da 2ª Guerra
Mundial, como reação aos atos de extermínio
levados a cabo pelos nazistas no período de
1941 a 1945, notadamente contra os judeus,
poloneses e ciganos.
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O próprio termo genocídio é um neologismo
criado nessa época (1944) pelo polonês Rafael
Lemkin, sobrevivente das perseguições raciais dos
nazistas, professor de Direito Internacional da
Universidade de Yale, obtido, para alguns, da
junção do vocábulo grego genos (gente, grupo
humano) e do sufixo latino cidio (matar), e para
outros, dos lexemas latinos genus (raça, povo) e
excidium (destruição, exterminação).
Esta última concepção, tendo em conta que o
genocídio, como conceituado na Convenção para a
Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio da
ONU, de 09.12.1948, não se restringe à ação de
matar, delineia-se mais adequada.
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A doutrina, na esteira dos conceitos adotados
pela Convenção de 1948, concebe o
genocídio como a prática de determinados
atos, definidos em lei, finalisticamente
dirigidos à destruição, total ou parcial, de um
grupo nacional, étnico, racial ou religioso
enquanto tal.
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Há posições divergentes sobre a questão do bem jurídico
tutelado nos tipos de genocídio. Podem-se identificar três
correntes de opinião:
◦ As que defendem a proteção de um bem jurídico coletivo, cujo
substrato ideológico é o reconhecimento da diversidade
humana e a inadmissibilidade de nela radicar qualquer critério
de inferioridade ou superioridade racial, étnica, nacional ou
religiosa;
◦ As que vêem no crime de genocídio a tutela de bens jurídicos
individuais, de que são titulares cada qual dos membros do
grupo atingido;
◦ e, enfim, os que preconizam tratar-se de delito pluriofensivo,
que tem como objetividade jurídica imediata o bem individual
(vida, integridade física, liberdade, etc) e, de forma reflexa, o
bem jurídico coletivo consistente no direito do grupo à
existência na diversidade.
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Perfilha-se o entendimento de que o crime tem
por objeto bem jurídico de caráter supraindividual, consubstanciado na idéia de
diversidade e pluralidade como direitos
inerentes à própria dignidade humana. O bem
jurídico protegido nos tipos da Lei 2889/56 é o
direito à
existência de grupos humanos,
independentemente
de
raça,
etnia,
nacionalidade ou religião já que o genocídio se
consubstancia na própria negação desse direito.
Trata-se,
portanto,
de
bem
jurídico
supraindividual.
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Nessa esteira, o STF, no julgamento do R.E. n°
351487-RR, que tinha por objeto delito de
genocídio contra a tribo Yanomami da
Comunidade
Haximu,
em
Roraima,
pronunciou-se no sentido de que a
objetividade jurídica nesse crime é a “tutela
penal da existência do grupo racial, étnico,
nacional ou religioso, a que pertence a pessoa
ou
pessoas
imediatamente
lesionadas”,
cuidando-se de delito de “caráter coletivo ou
transindividual. Crime contra a diversidade
humana”.
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Sujeito ativo de qualquer das condutas
descritas nos tipos incriminadores da Lei
2.889/56
é
qualquer
pessoa.
Delito
unissubjetivo, pode ser cometido por um só
indivíduo; sem olvidar, contudo, que no
genocídio é marcante a pluralidade de
agentes, os quais geralmente estão ligados às
forças de repressão de determinado grupo
detentor do poder político e/ou militar.
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De se ressaltar que só a pessoa física, não a
jurídica, poderá figurar como agente do
crime, tanto em razão do que estabelecem os
artigos IV e V da Convenção de 1948, que
mencionam pessoas culpáveis, como porque,
“do ponto de vista penal, a capacidade de
ação, de culpabilidade e de pena exige a
presença de uma vontade, entendida esta
como
faculdade
psíquica
da
pessoa
individual, que não existe na pessoa jurídica”.
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Não pode ser agente o próprio membro do
grupo cuja extinção se pretende, porquanto, o
extermínio em massa de pessoas da mesma
nacionalidade poderá consubstanciar crime
contra a humanidade, mas não genocídio,
quando a intenção não seja acabar com esse
grupo, e sim com aqueles integrantes dele que
se apresentem como dissidentes, de modo
que o grupo vitimado já não o é em razão de
sua nacionalidade, etnia ou religião, mas por
sua oposição ideológica ao agente.
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De se observar que no crime do artigo 2° da Lei
2889/1956, modalidade especial de crime de
quadrilha ou bando, delito de concurso
necessário, só se perfaz o tipo com a
convergência de mais de três pessoas, isto é,
exigem-se ao menos quatro integrantes na
associação.
Em quaisquer dos crimes definidos nos artigos
1°, 2° e 3°, da Lei 2889/1956, incide uma
majorante de 1/3 (um terço) da pena se o
agente for governante ou funcionário público,
por força do disposto no artigo 4°; o que se
justifica em razão da maior magnitude do
delito em tais casos.
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Sujeito passivo direto e imediato do crime – que se
confunde também com seu objeto material – é a
pessoa, o membro da coletividade que se busca
extinguir e sobre o qual recaia a conduta do agente,
e sujeito passivo mediato é o gênero humano e,
especificamente, os grupos nacionais, étnicos, raciais
ou religiosos cuja existência na diversidade se busca
proteger.
A Convenção de 1948, em seu artigo II, relacionou –
o que é repetido no artigo 1° da Lei 2.889/1956 –
como destinatários da proteção jurídica os grupos
nacionais, étnicos, raciais ou religiosos, como tais,
excluindo deliberadamente os grupos políticos, cuja
inclusão fora inicialmente aventada.
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Nem a Convenção nem a Lei brasileira definem
o que seja grupo nacional, grupo étnico, grupo
racial ou grupo religioso, de modo que tais
expressões revelam-se elementos normativos
extrajurídicos e o propósito teleológico da lei
permite afirmar que o que é relevante é a
existência de uma coletividade como objeto do
crime, “es decir, de una colectividad humana
dotada de cierta estabilidad y señas comunes
de identidad”.
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Tem-se como grupo nacional aquele constituído de
pessoas, ocupantes ou não de um mesmo Estado,
vinculadas por unidade de origem, de território, idioma,
costumes, cultura e aspirações coletivas; em síntese, “um
grupo de pessoas unidas por laços naturais e portanto
eternos – ou pelo menos existentes ab immemorabli – e
que, por causa destes laços, se torna a base necessária
para a organização do poder sob a forma do Estado
nacional...”.
Entretanto, tal definição não é completa nem fechada,
havendo grupos nacionais com certas diversidades
culturais e até de línguas – vejam-se os diversos dialetos
italianos – assim como composto de membros esparsos
por vários territórios, como era o caso dos judeus antes da
criação do Estado de Israel, etc.
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Pode-se, entretanto, afirmar que o vínculo que
integra o grupo nacional é preponderantemente
de ordem sócio-cultural, e não biológica ou
antropológica.
Grupo étnico, por sua vez, “é um conjunto
relativamente estável de indivíduos que mantém
continuidade histórica porque se reproduz
biologicamente e seus membros estabelecem
entre si vínculos de identidade social distinta, a
partir do que se assumem como uma unidade
política (real ou virtual, presente ou passada), que
tem direito exclusivo e controle de um universo
de elementos culturais que consideram próprios”.
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Grupo étnico e grupo racial são conceitos que se
entrelaçam, porque seu ponto de convergência são
homogêneas características biológicas, como laços de
sangue, genéticos, de anatomia, cores da pele e dos
olhos, traços físicos, etc.
Por isso, é muito difícil uma precisa distinção entre
raça e etnia, sendo comum que os léxicos os tratem
como sinônimos, devendo-se destacar, ademais, que
“la pureza racial es algo inexistente em la práctica,
por lo que toda unidad racial a su vez será la
integración de varias otras razas que se han integrado
más o menos en la misma”.
Grupo religioso é o integrado por adeptos da mesma
fé religiosa, seguidores de um determinado
esoterismo ou prática de culto comum.
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No artigo 1°, tipo misto alternativo, diversas são
as ações incriminadas, todas como expressão de
um específico propósito, referido no caput: a
intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo
nacional, étnico, racial ou religioso, como tal.
Nele se podem identificar condutas constitutivas
do denominado genocídio físico.
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A primeira conduta incriminada (art. 1°, alínea a) é
a de matar membros do grupo. A conduta objetiva
é a mesma do tipo do homicídio, descrito no
artigo 121 do Código Penal.
É a eliminação da vida humana, por qualquer
meio, direto ou indireto, físico, químico, térmico,
etc. É a morte de um ou mais membros do grupo
com o propósito de extirpação do grupo.
De se ressaltar que, embora o tipo empregue o
termo membros do grupo no plural, basta a morte
de um único integrante do grupo para que se
configure o crime de genocídio, desde que haja
nexo lógico entre esse fato e a pretensão de
destruição do grupo a que pertence a vítima.
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Melhor redação tem o artigo 607 do Código Penal
espanhol, que se refere à morte de “algum de
seus membros”.
Consigne-se que a ocisão de vários membros do
grupo visado, num mesmo contexto, configura
um único crime de genocídio; isto é, não há um
delito de genocídio para cada morte, mas um só
crime de genocídio em concurso formal com os
homicídios, um só ataque contra o bem jurídico
supra-individual em concurso com as agressões
individuais, cada qual em relação de concurso
ideal com o crime de genocídio.
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A hipótese é de concurso formal impróprio,
implicando a aplicação cumulativa da pena do
genocídio, em razão dos desígnios autônomos do
agente.
É o entendimento expressado pelo Pleno do Supremo
Tribunal Federal no julgamento do Recurso
Extraordinário 351487-RR, proferido em 03.08.2006,
de que foi relator o Min. Cezar Peluso. A consumação
se dá no momento da morte do integrante da
coletividade visada, coincidindo com a consumação
do homicídio. A tentativa é possível, quando o agente
não consegue a morte do membro do grupo por
causas alheias à sua vontade.
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A segunda ação prevista (art. 1°, alínea b) é a de causar
lesão grave à integridade física ou mental de membros do
grupo.
É, como a conduta anterior, tipo de forma livre, podendo o
agente empregar quaisquer meios capazes de produzir
lesão à integridade física ou mental de membro do grupo.
E, do mesmo modo, para que se configure o crime basta
que um único membro do grupo seja lesionado, se o
móvel da conduta do agente é o intuito de extermínio,
total ou parcial, do grupo nacional, racial, étnico ou
religioso a que pertence o ofendido.
Lesão grave é elemento normativo jurídico do tipo,
remetendo ao artigo 129, parágrafos 1° e 2°, do Código
Penal, mas para que consubstancie crime de genocídio
deve ter magnitude ou gravidade suficiente para refletir na
perenidade do grupo (ex: a mutilação de uma parte do
corpo característica de determinada etnia).
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Não é suficiente à caracterização do crime a prática
de lesão de natureza leve contra membros do grupo,
ainda que o agente esteja imbuído do propósito
genocida.
Consuma-se o crime com a efetiva produção da lesão
de natureza grave, seja à integridade física ou mental
do ofendido.
A tentativa, em que pese certa divergência
doutrinária, é admissível, eis que o agente pode
iniciar a execução de ato plenamente eficaz à
produção de lesão grave, sem lograr sua
consumação, v. g., atirar de cima de um prédio
pesado objeto sobre a vítima que, num átimo antes
de ser atingida, dá um passo adiante, esquivando-se
do projétil.
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A terceira conduta incriminada (art. 1°, alínea c) é a de submeter
intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de
ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial.
Trata-se de tipo excessivamente vago e indeterminado, que não
se coaduna com o princípio da taxatividade ou determinação da
lei penal. Submeter é sujeitar, subordinar.
Pune-se a sujeição do grupo a situação de vida que, por sua
precariedade ou circunstâncias hostis, possa implicar sua
extinção.
A conduta do agente, aqui, não é dirigida a um ou outro
membro, mas ao grupo. Obviamente, não é preciso que todo o
grupo, em sua integralidade, seja posto sob condições de
perecimento, mas é necessário que a submissão seja de um
número tal de componentes que se evidencie a ofensa coletiva.
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Dá-se o crime quando o agente sujeita uma pluralidade de
integrantes do grupo a uma situação de existência
degradante ou desumana, capazes de acarretar a própria
morte de tais pessoas, como na hipótese em que o grupo
seja isolado num gueto, privado de alimentação, água
potável, remédios, assistência médica, sanitária e outros
recursos básicos indispensáveis à sobrevivência humana.
Trata-se de delito permanente, protraindo-se no tempo
sua consumação por vontade do agente; circunstância que
não obsta a possibilidade de tentativa.
A quarta ação incriminada (art. 1°, alínea d), é adotar
medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do
grupo. Também um tanto vago o tipo, porque não
especifica quais medidas são punidas, o que estende seu
alcance sobre quaisquer providências que tenham a
tendência de obstar os nascimentos no grupo.
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Trata-se de hipótese que a doutrina denomina genocídio
biológico, em que, embora não haja a eliminação física
direta de componentes dos grupos visados, o agente
prepara a sua destruição a longo prazo, adotando medidas
com o propósito de impedir a reprodução dentro do
grupo, obstando o nascimento de infantes.
Basta, pois, que a providência tomada pelo agente seja
voltada à cessação da procriação dos componentes da
etnia, raça, nacionalidade ou seita.
Estão incluídos os métodos contraceptivos, dentre os
quais a esterilização, cirúrgica ou não, de homens e/ou
mulheres do grupo, assim como as diligências abortivas,
já que tanto umas quanto as outras visam obstar a
reprodução da espécie.
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No caso de adoção de providências abortivas, os
eventuais abortamentos ocorridos serão punidos em
concurso formal com o crime de genocídio;
entretanto, na hipótese de esterilização, três são as
possibilidades: se o agente realiza concretamente as
medidas de esterilização, incide no tipo em comento;
se induz ou instiga terceiros à prática de atos de
esterilização contra os membros do grupo, incide no
artigo 3° da Lei 2889/1956; e, enfim, se induz ou
instiga um ou mais membros do grupo visado, com o
intuito de extermínio do grupo, à prática de
esterilização cirúrgica – exclusivamente cirúrgica –
incidirá no artigo 17, parágrafo único, da Lei 9.263,
de 12.01.1996, norma especial.
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Consuma-se o crime com a adoção, isto é, aplicação
ou implementação, de qualquer medida apta a obstar
a procriação, independendo a consumação de
qualquer resultado naturalístico decorrente da
adoção das medidas.
A tentativa é possível, v. g., no caso em que o agente
distribui uma droga esterilizadora às mulheres do
grupo que, no entanto, por uma razão ou outra não a
utilizam.
A quinta conduta tipificada (art. 1°, e) constitui-se na
transferência forçada de crianças do grupo para
outro grupo.
É a ação de retirar, à força, isto é, de modo
compulsório, mediante coação física ou moral,
crianças integrantes de uma coletividade nacional,
étnica, racial ou religiosa, para incluí-las em outra.
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Essa conduta determina, a médio ou longo prazo, a
extinção do grupo pelo natural envelhecimento e
desaparecimento de seus componentes, aliada à
inserção de suas crianças a outros grupos, de forma a
diluir ou extinguir os traços característicos ou
distintivos de seu grupo originário.
Crianças é expressão que deve ser lida consoante a
definição do artigo 2° da Lei 8.069/1990, referindose, pois, aos menores de 12 (doze) anos. Consumase o delito no momento do efetivo deslocamento da
criança de um grupo para outro.
Delito plurissubsistente, admite a tentativa, quando o
agente, iniciando os atos de remoção compulsória da
criança, tem obstada sua atividade por circunstâncias
divorciadas de sua vontade.
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O crime tipificado no artigo 2° da Lei 2889/1956 é o de
formação de quadrilha ou bando destinado à prática de
quaisquer dos crimes definidos no artigo 1° da mesma Lei.
A ação incriminada é, como no artigo 288 do Código
Penal, associarem-se os agentes, isto é, agruparem-se em
caráter estável, com ânimo de perenidade.
O ponto distintivo entre este delito e o de quadrilha ou
bando do Código Penal é o especial fim da sociedade, qual
seja, o propósito de cometer delito de genocídio.
Ressalte-se que só se configura o tipo se o fim visado pela
quadrilha for o de praticar crimes de genocídio tipificados
no artigo 1°, configurando-se o delito do artigo 288 do
Código Penal se o propósito é a prática de outros delitos,
inclusive o do artigo 3°, da Lei 2889/1956, que incrimina a
incitação ao genocídio.
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Delito de mera atividade, consuma-se no
momento da formação efetiva da associação
criminosa, ainda que nenhum outro crime
tenha ainda sido levado a efeito. É crime de
perigo abstrato contra o bem jurídico
tutelado, o direito de existência do grupo
nacional, étnico, racial ou religioso. É
inadmissível a tentativa, pela impossibilidade
de fracionamento do iter criminis.
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No art. 3º pune-se a incitação ao crime de genocídio. É
delito similar ao do artigo 286 do Código Penal,
distinguindo-se deste em razão da espécie de crime a
cuja prática o agente incita: o genocídio.
A ação nuclear do tipo é incitar, que no texto tem o
significado de instigar, açular, estumar; isto é, o agente
estimula, instiga, seja por palavras, gestos ou escritos,
à prática de uma ou mais das condutas tipificadas no
artigo 1° da Lei.
A incitação deve ser pública isto é, realizada em local,
ocasião e outras circunstâncias que a tornem
perceptível por número indeterminado de pessoas, além
de direta, ou seja, inequívoca, clara, ostensiva.
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Se o agente dá publicidade à incitação por meio da
imprensa, aí compreendidos os jornais, revistas,
emissoras de rádio, televisões, sítios de acesso público da
Internet, etc, incide uma causa de aumento de terça parte
da pena (art. 3°, § 2°), o que se justifica pela maior
potencialidade de divulgação e alcance da incitação que
daí decorrem. Também é delito de mera atividade, cuja
consumação se dá com a só incitação, independente de
qualquer outro evento.
Na hipótese de o crime incitado vir a ser realizado, e
demonstrado o vínculo entre a ação precedente do
incitador e a conduta do agente do delito subseqüente, a
pena da incitação será a mesma do crime incitado (art. 3°,
§ 1°, da Lei 2.889/56). A tentativa é, em tese, admissível,
notadamente na forma escrita.
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Nas figuras do artigo 1° da Lei, a tipicidade subjetiva é
representada pelo dolo, representado pela vontade livre e
consciente de realizar a conduta tipificada, mais o
elemento subjetivo do injusto, consistente na intenção de
destruir, no todo ou em parte, o grupo alvo. No tipo do
artigo 2°, é o dolo de se associar de forma estável, mais o
propósito de cometimento de crimes de genocídio,
elemento subjetivo do injusto.
Por fim, a figura incriminada no artigo 3° é tipo
congruente, que se satisfaz com o dolo, constituído da
consciência e vontade de incitar, publicamente, a prática
de condutas definidas no artigo 1° como crimes de
genocídio.
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É admissível, em quaisquer dos crimes da Lei
2.889/1956 tanto na modalidade de co-autoria
como participação. Mesmo na figura do artigo 2°,
que define crime de quadrilha ou bando
genocida, consistente de tipo plurissubjetivo ou
de concurso necessário, admite-se o concurso
eventual, que se dá pela cooperação consciente
de terceiro, não integrante da quadrilha.
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No crime do art. 1° da Lei, tipo misto alternativo, a
consumação dar-se-á consoante a realização de
cada conduta incriminada.
Assim, na hipótese da alínea a o crime tem o
mesmo momento consumativo do homicídio, ou
seja, com a morte do membro do grupo vitimado,
bastando a morte de um só indivíduo, em que pese
o emprego do termo membros, no plural. A
tentativa é possível, como no homicídio, porquanto
se cuida de crime plurissubsistente.
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A segunda ação incriminada no art. 1° (alínea b) tem seu
momento consumativo quando o indivíduo alvejado sofre,
efetivamente, a lesão corporal ou psíquica de natureza grave.
Também aqui se admite a tentativa, que ocorre quando o
agente, animado do propósito de produção do evento lesivo –
e motivado pela intenção de destruir, integral ou parcialmente,
o grupo a que pertence o indivíduo visado –, realiza ato de
execução tendente a ofender a incolumidade física ou psíquica
da vítima, mas não atinge o fim anelado por intercorrência de
evento alheio à sua vontade.
Entretanto, como é elemento normativo jurídico do tipo a
lesão grave (cuja definição encontra-se nos §§ 1° e 2°, do art.
129 do CP), para se reconhecer a tentativa é necessário que o
meio empregado seja apto, nas circunstâncias, a produzir
lesão grave.
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A terceira conduta prevista no art. 1° (alínea c),
tipo mal construído, excessivamente vago, pode
levar a incertezas quanto ao momento
consumativo.
De todo modo, o crime não estará consumado
antes da efetiva sujeição de uma pluralidade de
integrantes da nacionalidade, etnia, raça ou
religião a condições de perecimento.Cuida-se de
delito permanente.
A tentativa é possível.
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A quarta conduta prevista no art. 1° (alínea d),
também descrita de forma demasiado genérica,
tem seu momento consumativo quando o agente
adota, isto é, realiza, põe em prática, qualquer
medida apta a obstar a procriação dentro do
grupo.
Não é preciso que a medida adotada cause,
efetivamente, o efeito naturalístico almejado,
basta que tenha aptidão para tanto. Possível a
tentativa, v.g., no caso em que o agente distribui
uma droga esterilizadora às mulheres do grupo
que, no entanto, por alguma razão não a utilizam.
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Na hipótese da alínea e do art. 1°, a consumação se dá
com o efetivo deslocamento da criança de seu grupo
nacional, étnico ou religioso para um outro, diverso.
Possível a tentativa, que se dá quando, tendo o agente
iniciado os atos executórios necessários à compulsória
transferência da criança, animado do propósito de fazer
perimir o grupo, vê malograda a consumação por fato
alheio à sua vontade.
O tipo do art. 2° da Lei 2889/56, crime de mera atividade,
permanente e de perigo, tem sua consumação no
momento em que, imbuídos do propósito de futura
prática de quaisquer dos crimes relacionados no art. 1°,
agregam-se ao menos quatro pessoas, aí computados
eventuais inimputáveis. A tentativa não é admissível, eis
que o iter criminis não é passível de fracionamento.
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A figura do art. 3°, que pune a incitação ao crime de
genocídio. Delito de perigo, instantâneo e de mera
atividade, tem seu momento consumativo no ato de
açular publicamente à prática de qualquer uma das
condutas tipificadas no art. 1° da Lei, independente
da
ocorrência
de
qualquer
outro
evento
subseqüente. Se a incitação é pela imprensa (art. 3°,
§ 2°), a consumação ocorre no momento da
publicação ou transmissão incitativa.
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tipo do artigo 1° é delito internacional, comum,
comissivo
(podendo
se
realizar
também,
eventualmente, por omissão), de ação múltipla,
de dano, plurissubsistente, de forma livre, doloso
e instantâneo, salvo na modalidade da alínea c,
que configura crime permanente.
O artigo 2° é delito internacional, comum,
plurissubjetivo, comissivo, unissubsistente, de
ação única, de perigo abstrato, doloso e
permanente.
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A figura do artigo 3° constitui delito internacional,
comum quanto ao agente, comissivo, de ação
única, plurissubsistente, unissubjetivo, de perigo
abstrato, doloso e instantâneo.
Nenhum dos crimes descritos na Lei 2.889/1956
é crime político, em vista da norma explicativa do
seu artigo 6°.
Por fim, em razão do disposto no artigo 1°,
parágrafo único, da Lei 8.072/1990, são crimes
hediondos todas as modalidades definidas nos
artigos 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889/1956.
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Não comina a Lei penas próprias para as condutas que tipifica,
tendo o legislador adotado o expediente de remeter às penas
de delitos descritos no Código Penal, alguns deles sem relação
alguma com as condutas tipificadas como genocídio (nenhuma
relação há, v. g., entre a conduta descrita no art. 1°, c, da Lei,
com o crime de envenenamento de água potável do art. 270 do
CP), dificultando a inteligibilidade da Lei e criando situações de
perplexidade: para se saber, v. g., qual a pena para o crime de
associação, descrito no artigo 2°, ou para o de incitação,
definido no seu artigo 3°, é preciso definir exatamente qual
espécie de conduta, dentre as diversas do tipo misto alternativo
do artigo 1° da Lei, tinha a quadrilha o propósito de praticar ou
cuja prática o incitador estimulou.
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Merece nota a adoção de um critério rígido para a punição da
tentativa: dois terços da pena cominada ao crime consumado
(art. 5°), sem dar ao juiz qualquer margem de
discricionariedade, diversamente do critério adotado no Código
Penal.
No artigo 1° da Lei 2.889/1956, comina-se a pena do homicídio
qualificado (doze a trinta anos de reclusão) à primeira
modalidade (alínea a); a do artigo 129, § 2°, do CP (dois a oito
anos de reclusão) à segunda modalidade (alínea b); a pena do
artigo 270 do CP (dez a quinze anos de reclusão) à terceira
modalidade (aliena c); a pena do artigo 125 do CP (três a dez
anos de reclusão) à quarta modalidade (alínea d); e a do artigo
148 do CP (dois a oito anos de reclusão) à quinta modalidade de
conduta (aliena e). Se o agente for governante ou funcionário
público a reprimenda será acrescida de um terço.
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No artigo 2°, a pena cominada pela associação é
de metade da pena prevista no artigo 1°. Assim,
v. g., será de seis a quinze anos de reclusão, se
a quadrilha formar-se para o fim de matar
membros de uma certa nacionalidade ou raça,
ou de um a quatro anos de reclusão se o
objetivo da associação criminosa for a
transferência forçada de crianças de um grupo
para outro.
No artigo 3°, comina-se, igualmente, à prática
de incitação, a metade da pena cominada ao
crime definido no artigo 1°.
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Pública incondicionada.
A competência, no caso específico da modalidade
prevista na alínea a do artigo 1°, é do Tribunal do
Júri. Não porque se trate de crime contra a vida, mas
em razão do concurso formal com o homicídio, este
sujeito à competência do Tribunal do Júri por
disposição do artigo 5°, XXXVIII, d, da Constituição
da República, e da aplicação das regras de
competência por conexão e continência (art. 78, inc.
I, do CPP.)