Ellen Gracie

Transcrição

Ellen Gracie
Ano I # 12
MP e parlamento
Uma relação a ser rediscutida
Instituição no divã
Repensando o MP
Ellen Gracie
A força da mulher
Palavra do Presidente
Amor,
Prosperidade e
Muita Paz!
Contraponto |
Ellen Gracie 04
Maxima Venia | Improbidade Administrativa na atualidade
O período
de festas de final de ano
é sempre reservado para confraternizações e reflexões. Encontramo-nos com
vários colegas nesse período, seja nos eventos da
APMP, seja no convívio social, o que sempre estimula e revigora nossa capacidade de luta.
Um bom exemplo dessa saudável união foi o
Seminário Jurídico, que neste ano foi realizado na
paradisíaca Ilha de Comandatuba.
Mais de 600 pessoas – entre associados e familiares – desfrutaram de dias agradáveis que mesclaram lazer e trabalho.
Gostaria de, em nome de todos os promotores
e procuradores de justiça de São Paulo, agradecer
a presença de várias autoridades que aceitaram
nosso convite e debateram temas de alta relevância para o Ministério Público e para a sociedade.
Há muitos desafios pela frente? Inegavelmente.
Precisaremos de união e luta? Sem nenhuma dúvida.
Como, porém, podemos temer o futuro se
contamos com o apoio da maior entidade congênere da América Latina?
Como nos sentirmos ameaçados se dispomos em nossas fileiras de
homens e mulheres que conseguiram criar este
Ministério Público pujante, independente e forte
estampado na Constituição Federal?
Conscientes da força do MP e do destemor de
nossos associados, que jamais se vergaram diante
das vicissitudes, procuraremos, de todas as formas,
auxiliar a Instituição, para que ela se torne cada
vez mais apta a resgatar os direitos do cidadão e,
assim, efetivamente “promover a Justiça!”.
Esta edição da APMP em Reflexão traz entrevista exclusiva com a ministra Ellen Gracie, primeira
mulher no STF e futura presidente da mais alta Corte,
dois artigos jurídicos dos jovens promotores Wallace
Paiva Martins Júnior e Marcelo Pedroso Goulart,
além de diversas matérias interessantíssimas.
Boa leitura.
Feliz Natal e Próspero Ano Novo!
João Antonio Garreta Prats
Presidente
MP em foco | Ministério
Público:
Estratégia, princípios institucionais e novas
formas de organização
MP em foco | XVI Congresso Nacional do MP
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Seminário Jurídico 2005 | Comandatuba
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MP de São Paulo marca presença
em Belo Horizonte
recepciona membros do MP, familiares e autoridades
Paris é 40
uma festa
APMP Destinos
Destinos|
Cultura e Lazer |
John Lennon
44
Gastronomia |
48
25 anos sem o mito
Revista APMP EM REFLEXÃO
Veículo mensal de comunicação
da Associação Paulista do
Ministério Público.
Ano I, Número 12 (2005).
Tiragem: 4.000 exemplares.
Conselho Editorial
João Antonio Garreta Prats
Cláudia Jeck Garcia de Souza
Paulo Roberto Dias Júnior
Sérgio de Araújo Prado Júnior
Coordenação Geral
Luciano Ayres
Jornalista Responsável
Adriana Brunelli – MTB 33.183
Redação
Ayres.PP – Comunicação
e MKT Estratégico
(19) 3242-1180
Assessoria de Imprensa
ReDe Comunicação
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Fotos
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Leandro Irmão
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São Paulo
Babel Gastronômica
Contraponto
Como os formadores de opinião enxergam o MP
Chegar ao Supremo Tribunal Federal é talvez a maior realização para um operador do Direito.
Alcançar essa meta lutando contra preconceitos e inúmeras
outras adversidades traz ainda mais emoção à conquista.
É com imenso prazer que a Revista APMP em Reflexão
apresenta, em entrevista exclusiva, Ellen Gracie Northfleet,
a primeira mulher no STF, que no próximo ano comandará a
mais alta Corte do Brasil.
Ellen Gracie
Northfleet
Um pouco de Ellen Gracie
Nascida no Rio de Janeiro, ela é gaúcha de coração. Formou-se em Direito e Antropologia pela UFRGS. Ainda no campo acadêmico, foi bolsista da Fundação Fulbright do Governo
dos EUA (Hubert Humphrey Fellowship Program).
Não é demais lembrar que Ellen Gracie viveu numa época
em que sequer eram analisadas as inscrições de mulheres
para concurso da Magistratura no Rio Grande do Sul.
Forjou os ideais de democracia em meio a um regime totalitário. Foi Procuradora da República de 1973 a 1989, passou
pelo TRF da 4ª Região, exercendo sua Presidência no biênio
96/97. Tomou posse como Ministra do Supremo Tribunal Federal em 14 de dezembro de 2000, tornando-se a primeira mulher a integrar a Suprema Corte do Brasil desde a sua criação.
Atualmente é Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal e assumirá a Presidência da Corte em 2006.
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Contraponto
APMP em Reflexão: O que mudou na Magistratura e no Direito com a chegada das mulheres?
Ellen Gracie Northfleet: Essa é uma trajetória longa. Recordo que, na época em que me formei em
Direito, as mulheres sequer eram admitidas a prestar concurso no Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul. As fichas de inscrição eram rejeitadas sem
qualquer motivação, desde que fossem preenchidas
por mulheres. Em outras palavras, as mulheres não
podiam sequer concorrer.
APMP: E chegamos à primeira mulher no Supremo Tribunal Federal...
EGN: É verdade. Felizmente, aquela época passou.
Hoje temos 30% de mulheres nas primeiras instâncias das justiças estaduais e federal. São 26%
de mulheres na segunda instância. E um número
menor, mas significativo, no Superior Tribunal de
Justiça, no Tribunal Superior do Trabalho e aqui no
Supremo Tribunal Federal.
APMP: Quando se alcançará o equilíbrio em todas as Cortes e quais serão os reflexos?
EGN: Eu creio que o aumento é decorrência natural desses números que temos na primeira e segunda instância. Vamos alcançar o equilíbrio desejado,
com a participação feminina tanto na Magistratura
quanto no Ministério Público. Aí teremos uma visão mais humana da atividade, contribuindo muito
para a realização do melhor Direito.
APMP: Pode citar alguma mudança de conceito
com a chegada das mulheres?
EGN: Essas mudanças não são assim tão flagrantes. Elas não marcam posição imediatamente.
Trata-se de alteração da mentalidade,
uma abertura maior. Especialmente nas questões relacionadas ao Direito de Família, à
guarda de filhos, à situação
da mulher, à violência doméstica... Talvez porque as
mulheres tenham uma visão mais sensível e detalhada desse assunto.
APMP: De um país machista e sem liberdade
para um Brasil que está
em vias de assistir uma
mulher como Presi-
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dente do Supremo Tribunal Federal...
EGN: Nós hoje vivemos num Estado Democrático de
Direito pleno, as instituições funcionam livremente.
Temos tido turbulências recentes, que estão sendo
superadas, passo a passo, com um intercâmbio e um
auxílio entre as instituições, o que é importante que
aconteça. Os Poderes são independentes, harmônicos e complementares. E toda essa evolução, que
veio ao longo do tempo, de certa maneira reafirma
o Direito em seu sentido mais amplo, englobando
principalmente os direitos individuais. Dentro dessa
trajetória insere-se também essa progressão da condição feminina.
APMP: Conte-nos um pouco de sua passagem pelo
MP. A senhora pertenceu aos quadros do Ministério Público por 16 anos...
EGN: Eu ingressei no Tribunal Regional Federal da 4ª.
Região como integrante na sua primeira composição
do quinto constitucional, oriunda do Ministério Público Federal. Até então, desde 1973, eu havia sido Procuradora da República, egressa do segundo concurso
do Ministério Público Federal. De 1973 até 1989 fui,
com muita honra, integrante do MPF.
APMP: O que mudou de lá para cá?
EGN: Eram atividades diferentes das de hoje. Nós
tínhamos atribuições múltiplas. Além da função de
“custos legis”, exercíamos também as tarefas de advocacia da União. Naquela época eram muitas as dificuldades: além do número reduzido de procuradores,
ora defendíamos posições da União Federal e ora atuávamos como “custos legis”, em pareceres contrários
aos interesses da União.
APMP: É correto
afirmar que o
MP é guardião
da sociedade?
EGN: Sem dúvida. E isso foi
resultado da
atividade muito
profícua
dos Ministérios Públicos.
Nesse ponto,
nunca é demais louvar
o MP de São
Paulo,
que
atuou bastante, inclusive com um lobby legítimo perante a Assembléia Nacional Constituinte, para que
a Instituição assumisse sua dimensão atual. Eu creio
que o país ganhou muito com a nova posição dada
ao Ministério Público e só temos que, eventualmente,
fazer alguma correção de percurso.
Nunca é demais louvar o MP de
São Paulo, que atuou bastante,
inclusive com um lobby
legítimo perante a Assembléia
Nacional Constituinte, para que
a Instituição assumisse sua
dimensão atual.
APMP: E a sociedade tem reconhecido isso?
EGN: Eu creio que sim, diante do trabalho da Instituição, sobretudo na defesa dos direitos coletivos e difusos. O MP tem desempenhado bem as suas funções
e tem preenchido exatamente esse, que é um nicho
novo, criado pela Constituição de 88.
APMP: Como enxerga a relação do MP e da própria
Justiça com a imprensa?
EGN: Temos uma dificuldade de comunicação. Creio
que isso decorre das linguagens diferentes. A jurídica
é muito técnica, de difícil compreensão. Acresça-se
o “timing” diverso que, sem dúvida, causa discrepância. Nós, os magistrados, não temos uma preocupação
tão grande com a urgência de uma pauta que precisa
ser encerrada, de uma edição que precisa, às vezes,
ser publicada para a manhã do dia seguinte. Então,
entramos em rota de colisão com os jornalistas que,
tão logo tenha sido praticado um crime, querem saber qual a pena a ser aplicada. Preocupamo-nos com
outras coisas, como o devido processo legal, que é
exatamente a nossa obrigação. Tanto do Judiciário
quanto do Ministério Público.
APMP: Esses são os choques?
EGN: São primeiro na linguagem e, em segundo lugar,
por esse “timing”. A imprensa tem sempre muita pressa em resultados e nós precisamos de algum tempo
para desenvolver o processo dentro das garantias asseguradas pela Constituição e que são, afinal de contas, um grande progresso da humanidade.
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Contraponto
APMP: Pode exemplificar?
EGN: Eu me recordo que há muito tempo, quando
começava minha carreira, recebi um advogado importante do meu Estado, que me esperava para tratar de
um assunto de interesse do cliente dele. Esse velho
advogado, um pouco na brincadeira, ao me cumprimentar disse: “Mas, doutora, por que a senhora faz
tanta questão de condenar o meu cliente?”. Eu imediatamente respondi: “Eu absolutamente não faço
questão de condenar o seu cliente. A tarefa do Ministério Público é a busca da verdade. Se convencida da
inocência do seu cliente, serei a primeira a requerer
a absolvição”. Nossa tarefa é exatamente essa: a busca da verdade. E a tarefa da imprensa também não
é diferente: buscar a verdade para bem informar o
público. Paradoxalmente, nós temos pontos de convergência e estamos um pouco distanciados.
APMP: Num país com total liberdade - da imprensa
e do MP - como devem ser coibidos os excessos?
EGN: Nossa legislação já prevê mecanismos para coibir os excessos. Ou seja, quem se sentir prejudicado
por notícias maldosamente colocadas ou incorretas
possui meios para reclamar. Os órgãos de imprensa
também estão atentos para que não haja uma distorção da própria liberdade de imprensa, de modo que há
mecanismos que permitem a correção de excessos.
APMP: E quanto ao MP?
EGN: Também há meios de reprimir eventuais excessos. Há dentro de cada organização um sistema
de autocontrole. No Ministério Público, as atividades
correcionais podem muito bem dar resposta a condutas eventualmente desviantes. Nunca é demais frisar:
não se trata da regra. E não podemos, jamais, legislar
pela exceção.
APMP: Conselho Nacional da Justiça e Conselho
Nacional do Ministério Público. O que a sociedade
pode esperar desses órgãos?
EGN: Esses órgãos vieram suprir uma grande deficiência, especialmente o CNJ, que está em pleno funcionamento. Por que eu digo que havia essa omissão?
No país há mais de 90 Tribunais, com administrações
próprias e com autonomias asseguradas constitucionalmente. Isso é bom. É garantia do cidadão. Mas, do
ponto de vista administrativo e institucional, havia
uma indesejável superposição de tarefas e dispersão
de recursos.
APMP: E isso está sendo feito a contento?
EGN: Creio que a principal função do CNJ será bem
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Às vezes entramos em rota de
colisão com os jornalistas que,
tão logo tenha sido praticado um
crime, querem saber qual a pena
a ser aplicada. Preocupamo-nos
com outras coisas, como o devido
processo legal, que é exatamente
a nossa obrigação. Tanto do
Judiciário quanto do Ministério
Público.
desempenhada: a de ser um centro de pensamento
e de planejamento estratégico do Judiciário. O povo
brasileiro tem o direito de ter um núcleo pensante,
com pessoas que se ocupem de saber que tipo de Poder Judiciário nós desejamos, como devemos aperfeiçoá-lo e como ele será dentro de 10 ou 20 anos. Ou
seja, uma projeção muito maior no tempo da atividade desse órgão que é fundamental para o desenvolvimento da democracia.
APMP: O STF e a TV Justiça trazem com transparência absoluta todos os julgamentos importantes.
Como enxerga esse interesse da sociedade em saber como está sendo decidido o futuro do país e
como tem sido essa repercussão?
EGN: Para ser sincera, fiquei surpresa com o sucesso da TV Justiça. Eu acreditava que ela pudesse ser
vista por estudantes de Direito, professores, advogados, enfim, por aqueles interessados nos casos em
discussão. Contudo, fui surpreendida ao constatar
que muitas pessoas que não são do ramo assistem
a TV Justiça. Muitas delas até me confessaram que
não entendem tudo o que ali se diz, mas mesmo assim acham importante ver aquela discussão feita em
profundidade, valorizando especialmente as decisões em grupo.
APMP: Muitas vezes se assiste a acalorados debates. As discussões são saudáveis?
EGN: Não há nada mais interessante do que ter várias pessoas pensando juntas sobre um mesmo tema.
Muitas cabeças pensando enxergam melhor, encontram melhor solução que uma só.
Há dentro de cada organização um sistema
de autocontrole. No Ministério Público, as
atividades correcionais podem muito bem
dar resposta a condutas eventualmente
desviantes. Nunca é demais frisar: não se
trata da regra. E não podemos, jamais,
legislar pela exceção.
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Contraponto
APMP: A TV Justiça auxilia então a transparência?
EGN: Sem dúvida. A TV Justiça está mostrando as sessões do Supremo Tribunal Federal, o que é fato único.
Não há nenhum Tribunal no mundo que delibere em
público e transmita ao vivo as suas sessões. Creio que
isso demonstra a grande transparência do Judiciário,
um Poder que não é, de forma nenhuma, fechado.
APMP: Por quê?
EGN: Porque nós temos a obrigação, desde o juiz de
primeiro grau, até a mais alta Corte, de sempre fundamentar as decisões. Ou seja, você pode não concordar com uma decisão minha, mas terá acesso aos
motivos que me levaram a chegar àquela conclusão.
Em outras palavras, sempre haverá a possibilidade do
cidadão saber exatamente porque a decisão foi favorável ou contrária aos seus interesses.
APMP: Houve grande discussão na Constituinte se
o Supremo seria apenas um Tribunal Constitucional, o que acabou não prevalecendo. Quais as conseqüências disso?
EGN: Eu vejo hoje o STF e o STJ assoberbados com
uma série de processos repetitivos, que na realidade não são lides diferentes. É uma mesma lide, uma
mesma questão de Direito. Veja as questôes do Fundo de Garantia, das reclamações contra a Previdência
Social, das cobranças de índices, dos reajustes. Uma
mesma questão de Direito repetida inúmeras vezes.
Então, a partir do momento em que tenhamos mecanismos que permitam adotar um poder vinculante
às decisões, não haveria a necessidade de repetir o
julgamento.
APMP: E assim descongestionar as Cortes Superiores...
EGN: Exatamente. Com isso, desafogaremos os Tribunais Superiores. Essa é uma primeira vantagem, mas a
maior de todas é que nós faremos com que o cidadão
não tenha que percorrer todas as instâncias judiciárias para ver reconhecida questão que já está definida. Então, essa me parece a solução para o problema
de acúmulo de feitos no sistema judiciário como um
todo e, sem dúvida nenhuma, a gama extensa de atribuições do Supremo engloba mais do que o simples
controle de constitucionalidade.
APMP: E a atual crise política, afeta o trabalho do
Supremo?
EGN: Fala-se de crise política, mas na realidade esta-
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mos vivendo a plena democracia, com
as instituições em funcionamento.
Não existe vida sem crise. As crises se
sucedem na vida das pessoas, das instituições, dos países. O importante é
que haja instituições fortes o suficiente para que essas crises sejam contornadas e possamos, então, passar a um
patamar mais elevado no nosso processo democrático.
O povo brasileiro tem o direito
de ter um núcleo pensante, com
pessoas que se ocupem de saber
que tipo de Poder Judiciário
nós desejamos, como devemos
aperfeiçoá-lo e como ele será
dentro de 10 ou 20 anos.
Palavra de
Mestre
O Secretário de Justiça e Defesa da Cidadania, Hédio Silva
Júnior, enviou afável mensagem
que tomamos a liberdade de compartilhar com você. Afinal, sem
você não seria possível a APMP
em Reflexão.
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A
TV Justiça
história de uma TV
que aproxima a
Justiça do cidadão
Transformar uma emissora de TV segmentada em
atraente para o grande público. Missão impossível?
Várias pessoas realmente acreditavam que
ninguém se interessaria por uma programação
essencialmente técnica, cercada de “juridiquês”.
Não Felipe Fraga, supervisor de programação
da TV Justiça. Com perseverança, luta e dedicação, a emissora ganha cada vez mais espaço
na televisão brasileira, mudando velhos hábitos e
aproximando a Justiça do cidadão.
Pode ser coincidência, mas não custa lembrar
que a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) acaba de lançar uma campanha para abrandar o tecnicismo nas peças jurídicas. Mudança
na Justiça e na sociedade.
APMP: É correta a informação de que a TV Justiça é
a única no mundo que transmite ao vivo as decisões
de uma Corte Suprema?
Felipe Fraga: É verdade, de todas as TVs sobre o
Judiciário, somente a Court TV dos Estados Unidos
transmite alguns julgamentos. Às vezes, nem se
permite a entrada de jornalistas. E, em alguns julgamentos, permite-se a entrada apenas de repórteres setorizados que, contudo, somente podem
noticiá-los com autorização. Por isso é correta a
afirmação de que apenas o Brasil transmite - e ao
vivo - as sessões da Corte Suprema.
APMP: Que tipo de público assiste a TV Justiça?
FF: Hoje notamos uma diversificação bem maior. É
a população querendo se informar. É possível afirmar que temos uma audiência maior que muita TV
transmitida a cabo, em face do retorno recebido de
pessoas de todo o Brasil.
APMP: Quais são os desafios que vêm pela frente?
FF: Queremos uma abrangência maior e simplificar
a linguagem, para que as pessoas compreendam
o que está sendo dito. Nosso objetivo é fazer um
trabalho mais aberto para a sociedade, para que
ela entenda como funciona a Justiça. E o desafio é
fazer isso sem esquecermos do compromisso com
os operadores do Direito.
APMP: E como você chegou à TV Justiça?
FF: Vim de uma outra casa, a Câmara dos Deputados
e sempre trabalhei em TV. Passei pela Globo, Bandeirantes, SBT... depois fui para TV Câmara e, finalmente,
cheguei à TV Justiça.
QUARTA-FEIRA
19h30 TV Justiça
DOMINGO
10h30 TV Justiça (reprise)
SEGUNDA-FEIRA
10h
TV Justiça (reprise)
DOMINGO
17h
18h
Canal 21
TV Justiça (reprise)
TERÇA-FEIRA
19h
TV Justiça (reprise)
19h30 TV Justiça (reprise)
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Maxima Venia
Seis meses depois da eclosão da maior crise política da história republicana recente, as perspectivas
não são nada alentadoras.
O partido protagonista do escândalo, que no início pregou até sua “refundação”, adota cada vez mais
a teoria da conspiração das elites, atacando os que
pedem punição como se estes fossem os artífices do
“valerioduto”.
A oposição usa a tática do “morde e assopra”,
dando a impressão de que não quer efetivamente a
apuração aprofundada dos fatos, que poderia alcançar governos dos quais fez parte.
E as CPIs caminham para produzirem resultados
muito aquém dos esperados pela população, cujo
resto de esperança está para ser roubado, o que reforçará a sensação de que é impossível combater a
corrupção endêmica de nosso país e de que não vale
I
Contribuição de nossos associados para a Sociedade
A Revista APMP em Reflexão abre espaço para os seus associados divulgarem artigos de interesse
da comunidade e com isso aproximar nossa Instituição do destinatário final de nossas ações:
o cidadão. As condições para a publicação estão disponíveis na página: www.apmp.com.br/
apmpemreflexao/maximavenia. Colabore e escreva para: [email protected], com
sugestões de matérias ou artigos.
Os artigos da seção Maxima Venia são assinados, não refletindo necessariamente a opinião do Conselho Editorial da Revista APMP em Reflexão
mprobidade
administrativa na
atualidade
“Dormia a nossa pátria-mãe tão distraída sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações”
(Chico Buarque de Hollanda)
Introdução
Os momentos de crise política na história brasileira geralmente estão envoltos em denúncias de
prática de atos de improbidade administrativa. A
atenção não deve estar exclusivamente dedicada às
reações jurídicas, sociais e institucionais, devendo
ser aproveitada a oportunidade para a investigação
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a pena lutar pela ética e pela honestidade.
Resta a sociedade civil. Por esse motivo a APMP
participa ativamente do movimento “Da Indignação
à Ação”. Por essa razão lutaremos com todas as nossas forças para que mudanças pontuais de legislação, com o objetivo de jogar uma cortina de fumaça
no descalabro generalizado, não piorem a situação
(sim, é possível piorar!).
Nesse quadro, é um bálsamo quando nos deparamos com análises isentas e argutas da crise, de sua
gênese, conseqüências e possíveis soluções. Assim é
o artigo do promotor de justiça Wallace Paiva Martins
Júnior, que faz bis nesta seção para reviver nossa fé
de que é possível enfrentar a improbidade administrativa. Sem mágicas ou alterações legislativas açodadas. Apenas com empenho e vontade de construir
uma verdadeira nação.
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Wallace Paiva Martins Junior
Promotor de Justiça da Cidadania da Capital
Mestre e Doutor em Direito do Estado (USP)
das causas e a formulação de propostas de aprimoramento dos aspectos corretivos e preventivos.
Para se alcançar a maturidade democrática, a
ética deve ser eleita como baldrame republicano. Por
isso, a moralidade administrativa é princípio constante da Constituição. As crises republicanas são o
cenário para o ensaio de revisões radicais das leis
que abrem brechas à frustração de seus princípios.
Se a intenção brasileira é a maturidade política
e econômica, chance está aberta para importantes
medidas: revogação da lei do foro privilegiado, reformulação do controle social dos órgãos públicos
pela ampliação da participação popular em questões
de alta relevância (reduzindo a proeminência dos
representantes do governo), adaptação do Código
Penal para evitar a despenalização lato sensu dos
crimes contra a Administração Pública, adoção de
sistema eficiente de incompatibilidades (para evitar
a mola-mestra da corrupção – a confusão entre as
esferas do público e do privado), ruptura da tradição
do sigilo governamental e aumento e desburocratização do grau de acesso à informação sobre a gestão pública, flexibilização do sigilo fiscal e bancário,
controle de transações financeiras internacionais
com cooperação mútua e, principalmente, alteração
das regras eleitorais.
Não se pode perder de vista que, no Brasil, o
fenômeno da corrupção é endêmico, havendo uma
cultura da improbidade (rouba, mas faz; criar dificuldades para vender facilidades; levar vantagem
em tudo etc.) arraigada atavicamente.
Não é demérito da democracia, já que nas ditaduras a ausência de liberdade de imprensa e de
confiança nas instituições é a nuvem de fumaça que
a encobre. A vantagem da democracia é a transparência das apurações de erros e denúncias adminis-
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Maxima Venia
trativas, que não se compara às trevas dos regimes
autoritários, onde não são livres a imprensa nem os
Poderes constituídos e, por isso, há uma falsa impressão de honestidade.
Importante é a apuração de fatos e punição dos
responsáveis. Aí a diferença entre uma democracia
madura e um arremedo de democracia periférica e
artificial. A democracia é o regime da responsabilidade e da ética. Há, desde a redemocratização, a
coincidência entre as aspirações do povo e as exigências das normas jurídicas, denotando o interesse
público na reação aos atos de improbidade administrativa, no atacado e no varejo, alcançando os
detentores do poder político e econômico.
Em realidade, não é possível creditar-se a improbidade ao sistema capitalista. Ela está presente
onde haja aqueles que gozam do poder e outros
que o servem. Mas, o que se pode esperar de uma
sociedade burguesa, em que a meta da classe dominante é a posse e a apropriação dos bens, concentrando-os no patrimônio de uns poucos, para
aumento da riqueza?
O anátema esteve presente em todas as formações sociais na História. Mesmo que o sistema
político-republicano vigente prime pela distinção
entre os sujeitos das esferas pública e privada – no
lugar dos estados absolutistas em que havia confusão entre as propriedades estatal e pessoal -, a
sociedade burguesa oferece aos temporários detentores do poder político oportunidades para o
aumento da dimensão da propriedade privada (seja
pela apropriação de bens, direitos e interesses públicos, seja pela chance que o poder ou a gestão do
patrimônio público oferece para investidas pessoais sobre bens alheios).
Soará natural à sanha acumulativa de riqueza
a destruição da linha divisória entre o público e o
privado, assim como arrefece o conceito de soberania na luta entre nações desenvolvidas e periféricas ou emergentes. Só mesmo o senso da
ética para amesquinhar
a tentação.
As
crises
republicanas
são o cenário para
o ensaio de revisões
radicais das leis que
abrem brechas à frustração
de seus princípios.
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O receio da desestabilização econômica não deve
impedir a normalidade democrática. O argumento é
perigoso, pois serviria, por exemplo, à manutenção
de uma ditadura. Entre os dois valores (combate à
corrupção versus estabilidade econômica) não deve
haver conflito. Se as investigações ou responsabilizações provocam tensões pré-menstruais do mercado, que abalam voláteis capitais, é sinal que nem
a democracia nem a economia são estáveis. Só a
democracia estável e responsável mantém uma economia forte. E se o pensamento (neo) liberal prega
a não intervenção estatal na economia, as turbulências políticas seriam indiferentes. De qualquer
modo, somente a maturidade democrática (que impõe a responsabilidade) fornecerá credibilidade e
segurança na economia. A república é o regime da
responsabilidade, dizia Geraldo Ataliba.
Não se pretende a discussão de particularidades;
o campo das generalidades permite apontar como
fenômenos articuladores da corrupção (lato sensu)
a disseminação da sensação da impunidade e de
uma cultura da imoralidade, o exagerado intervencionismo, a falta ou imperfeição de controles e a
inércia de instituições repressoras, a ausência de
transparência, o desprezo pelo respeito a res publica pelos vícios do coronelismo, do assistencialismo,
do patrimonialismo, do compadrio, do nepotismo,
do desvio de poder, do tráfico de influência, da
apropriação ou desvio dos bens e interesses públicos, do estabelecimento de fontes de oportunidades ilícitas, a ineficácia de normas repressivas ou
preventivas, enfim, a confusão entre as esferas do
público e do privado.
“A aristocracia, por seu lado, degenera em oligarquia pela ruindade dos governantes, que distribuem
sem equidade o que pertence ao Estado – todas ou
a maior parte das coisas boas para si mesmos, e os
cargos públicos sempre para as mesmas pessoas, e
olhando acima de tudo a riqueza” (Aristóteles)
Financiamento de campanhas
eleitorais
Decerto um dos temas mais férteis para a tomada de uma posição que não fique na intermediária,
atualmente, é o financiamento público de campanhas político-partidárias.
Os sistemas de financiamento misto ou exclusivamente privado exauriram sua capacidade de manutenção, pois, além de proporcionarem as ligações
perigosas entre investidores privados e agentes pú-
blicos na oficialidade, trafegam quase sempre para
fondi neri abastecidos com recursos escusos derivados do blanchiment de l’argent sale viabilizado
por operações financeiras descontroladas e paraísos
fiscais. Também pecam na medida em que os fomentadores privados nenhuma restrição têm para
receberem o prêmio pelo investimento após a eleição e posse.
Poder-se-ia alegar que o financiamento público
não eliminará fundos secretos, mas, se isso é possível acontecer, se estará no campo da clandestinidade sujeito à descoberta e punição, o que é bem
melhor do que a atual situação em que a legalidade
estimula relações incestuosas. De qualquer modo, é
melhor que a situação atual e, de outra parte, favorece o ingresso à política daqueles que não querem
coletar dinheiro para venda de favores futuros ou
obediência a interesses escusos.
As propostas apresentadas de manutenção do
financiamento misto de campanhas eleitorais não
satisfazem se não impuserem a proibição de contratar colaboradores e a punição (proibição de novos
contratos, benefícios, perda de mandato, suspensão
de direitos políticos) se violada a norma.
Por isso, o amadurecimento democrático não encontra outra solução senão no financiamento público, com controles reais, voto distrital e lista fechada
de candidatos. Sua grande vantagem é que o princípio de igualdade de oportunidades – tão caro ao
liberalismo – se aperfeiçoa proporcionando o acesso
ao poder político, subtraindo a maior capacidade
econômica dos candidatos por recursos financeiros
de origem lícita ou não (fondi neri).
A hora é para o radicalismo, não para medidas
“água com açúcar”, pois, diariamente, é mostrado
que, como dizia Karl Marx, tudo que é sólido se desmancha no ar.
“A sã política é filha da moral e da razão”
(José Bonifácio de Andrada e Silva)
Transparência administrativa
Outro tema que, por sua magnitude, exige maior
reflexão é a elevação dos graus de transparência
governamental.
A medida de boa governança é estimulada pelos
organismos de fomento financeiro internacionais, a
partir de experiência norte-americana e européia
para superação da crise de legitimidade do Estado (criada pelo alto grau de intervenção estatal na
vida privada e pela acirrada disputa entre os Pode-
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Maxima Venia
res Legislativo e Executivo na condução política dos
negócios públicos).
A transparência governamental impõe o aumento sensível dos graus de publicidade, motivação e
participação popular na administração pública.
Sua contribuição é a renovação do perfil das estruturas democráticas, revalorizando importantes
funções e objetivos (controle, legitimidade, confiança, correspondência entre as demandas sociais
e as respostas estatais etc.).
Além disso, é antídoto eficaz contra o lobby das
diversas elites que compõem a sociedade de massas. A verdade é que o apetite voraz das aves de
rapina encasteladas no poder político e econômico
em angariar ou distribuir vantagens ou empreender
maus negócios gastando abusivamente o dinheiro
público vem ruindo, em lento processo, a democracia, a crença nas instituições e a organização do
tecido social, abastecida pela incômoda sensação de
impunidade.
A nação precisa de auto-higiene.
“Muita saúva, pouca saúde, os males do Brasil são”
(Mário de Andrade)
O enfrentamento judicial da
improbidade administrativa
Decerto uma das mais tormentosas discussões
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acerca da Lei nº 8.429/92 consiste na aplicação de
suas sanções.
Malgrado para muitos seja diáfana a intenção da
lei de aplicação cumulativa de suas sanções, grassa uma certa complacência judicial. Como se fosse
possível reconhecer a improbidade (desonestidade)
de uma pessoa, mas condená-la somente à suspensão de seus direitos políticos e alforriá-la da proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, e
vice-versa!
Para agravar este quadro, há certa minimização
do reconhecimento da própria improbidade – como
se estivessem em julgamento agentes públicos com
padrões escandinavos de conduta – e de negação
de dano ao patrimônio público nas mais comezinhas
violações sintomáticas do dever de boa administração (dispensa indevida de licitações ou concursos
públicos), quando se sabe a endêmica proporção do
patriarcalismo, do nepotismo, do compadrio, do patrimonialismo etc. Enfim, das nódoas evidenciadoras
do desvio de finalidade lato sensu e da lesividade
presumida de tais atos.
Chega-se mesmo à negativa de vigência aos arts.
11 e 12, III, da Lei nº 8.429/92, concebidos justamente como normas residuais punitivas da improbidade administrativa que não causa prejuízo material
ao erário, senão imaterial à moralidade administrativa (art. 21, I). Ignora-se solenemente que o ir-
regularmente contratado não atendeu ao sistema
de mérito (eficiência, igualdade, competitividade e
moralidade), querido pelos incisos II e XXI do art. 37
da Constituição Federal, e foi aquinhoado em troca
de alguma benesse por critérios subjetivos e distanciados do interesse público.
Com relação à aplicação cumulativa das sanções
da Lei nº 8.429/92, o princípio da proporcionalidade
informa a necessidade de aplicação cumulativa das
sanções do art. 12 da Lei nº 8.429/92 c.c. o art. 37,
§ 4º, da Constituição Federal.
O artigo 37, § 4º, da CF estabeleceu que os atos
de improbidade administrativa importarão suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e o ressarcimento do
dano, na forma e gradação da lei.
A norma constitucional fixou uma diretriz de
conduta à legislação infraconstitucional no sentido
de regulamentar a punição do ato de improbidade
administrativa. Não estabeleceu as sanções, porém
indicou-as, dado que à norma constitucional não
compete essa tarefa.
Além disso, a indisponibilidade dos bens não é
uma sanção, senão uma providência acautelatória
cujo escopo é a garantia da futura aplicação de uma
sanção.
O mesmo dispositivo constitucional se refere à
improbidade administrativa como gênero, que compreende três espécies: enriquecimento ilícito no
exercício de função pública, prejuízo ao patrimônio
público e atentado aos princípios da administração
pública (dispostas em relações exemplificativas nos
arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, enquanto o
art. 12 estabelece para cada espécie um bloco de
sanções respectivo).
Em coerência com a previsão da citada norma
constitucional, que não distingue a espécie de improbidade administrativa (tratada no seu gênero),
foram impostas idênticas sanções a todas as espécies de atos de improbidade administrativa, mas,
atendendo à proporcionalidade e à individualização
da sanção, elas variam no tempo e na expressão
monetária (suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil, proibição de contratar com
o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais e creditícios) em limites máximos
e mínimos, estabelecidos conforme a maior
ou menor gravidade do ato.
As demais sanções, por suas estruturas, não podem variar, mas, de
outra parte, não poderiam ser desprezadas da legislação infraconsti-
tucional, pois a norma constitucional raiz determinou, tout court, a sua incidência a todos os atos de
improbidade administrativa quando a eles se referiu
no gênero e não na espécie.
O campo discricionário do juiz está limitado
ao prazo e à base de cálculo inerentes às sanções
variáveis, previstas no art. 12, e que têm dosimetria orientada pelos critérios da extensão do
dano e do proveito patrimonial obtido, expressos
no parágrafo único, dado que o ato de improbidade administrativa afeta ou pode afetar valores de
natureza diversa (patrimônio público econômico-financeiro, patrimônio público moral, honestidade e
moralidade no trato da coisa pública, disciplina interna da Administração Pública), alcançando a censura legal diversos direitos do infrator (propriedade,
cidadania etc.).
“Nas favelas, no Senado,
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é este?”
(Renato Russo)
Foro privilegiado
Apesar das sérias deficiências do direito penal
para repressão compatível aos ataques à probidade
administrativa, a Lei nº 8.429/92 forneceu poderoso arsenal com graves sanções de natureza extrapenal.
A assunção prática da legitimidade concorrente conferida ao Ministério Público para postulação
judicial dessas sanções gerou
insatisfação nos detentores do po-
A vantagem
da democracia é
a transparência das
apurações de erros e
denúncias administrativas,
que não se compara às trevas dos
regimes autoritários, onde não são
livres a imprensa nem os Poderes
constituídos e, por isso, há uma falsa
impressão de honestidade.
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der político e econômico, acostumados à mais tranqüila impunidade.
O órgão, que alterou seu perfil institucional pela
atribuição de funções mais ativas na Constituição
de 1988 e, antes mesmo, na tutela dos interesses
difusos e coletivos de outras naturezas, dotado de
poderes instrutórios reforçados e independência,
assumiu como vocação institucional aberta luta
contra a improbidade administrativa.
A reação veio contundente.
Primeiro com os ensaios de Lei da Mordaça, depois com a implantação de absurdo juízo de delibação nos respectivos processos por medida provisória
não convertida em lei e cuja manutenção é vedada
pela própria Emenda Constitucional nº 32.
O saldo é a procrastinação do processo, com a
criação de ambiente propício à prescrição – e, portanto, à impunidade – que, de todos os modos, é
arrefecido ou combatido seja pelo reconhecimento da inconstitucionalidade (incidental) da Medida Provisória nº 2.245, seja pela assertiva de que o
ajuizamento da ação, e não a citação e sua eficácia
retroativa, interrompe a prescrição.
Não obstante, a mais forte reação adveio da Lei
nº 10.628/02, que, alterando o art. 84 do Código
de Processo Penal, estendeu o foro por prerrogativa
de função às ações civis de responsabilização por
improbidade administrativa, inclusive beneficiando
àqueles que já exauriram sua investidura. O assunto
inova em relação à Constituição, única sede para,
com razoabilidade, instituir “foro privilegiado”.
A latere transitou entendimento do Supremo
Tribunal Federal nesse sentido – divergente de sua
anterior orientação - agregado à tese de inaplicabilidade da Lei nº 8.429/92 aos agentes públicos por
força de seu regime jurídico especial (v.g., impechmeant) derrogatório de suas disposições, a instaurar
um juízo exclusivo pela ofensa à probidade administrativa praticada ou imputada a tal espécie de
agentes públicos.
Sobre este último ponto, destaque-se que, em
nenhum momento, a Constituição reservou à instância do julgamento político-administrativo o caráter de jurisdição exclusiva dos agentes políticos,
na medida em que respondiam pelo fato também
civil e criminalmente.
A questão da competência – à luz da Lei nº
10.628/02 - foi pacificada recentemente no Supremo Tribunal Federal após as demais Cortes adotarem
posturas diametralmente opostas: o Superior Tribunal de Justiça retificou seu entendimento anterior,
suspendendo os processos até julgamento da ação
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direta de inconstitucionalidade (embora julgasse
antes pela aplicabilidade da questionada lei, ante
a denegação de liminar em ação direta de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal), e o
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo pacificou
o entendimento da inconstitucionalidade da lei.
O próprio Supremo Tribunal Federal emitiu decisão reverberando que a denegação de liminar em
ação direta de inconstitucionalidade em trâmite
(ADI 2.797) não impede o afastamento da inconstitucional Lei nº 10.628/02 no juízo difuso de constitucionalidade das leis incidenter tantum requerido
ou apresentado como fundamento.
“Donde nasce também que nem um homem nesta
terra é repúblico,
nem zela ou trata do bem comum, senão cada um
do bem particular”
(Frei Vicente do Salvador, 1627)
Indisponibilidade de bens
A jurisprudência enuncia que a indisponibilidade
de bens prevista no art. 7º da Lei nº 8.429/92 não
atinge nem alcança bens adquiridos anteriormente
à prática do ato de improbidade administrativa.
A medida restritiva de segurança cabe tanto nas
situações de improbidade administrativa características de enriquecimento ilícito de agentes públicos
no exercício de função pública, quanto na de prejuízo ao patrimônio público (arts. 9º e 10, Lei nº
8.429/92), e trata ambas da mesma maneira, quando são radicalmente diferentes.
Se, ad argumentandum tantum, em face do enriquecimento ilícito de agentes públicos no exercício
de função pública, a premissa é aceitável, em tese e
em princípio, não o é, efetivamente, diante do prejuízo ao erário, já que em se tratando de ato ilícito é
vetusto princípio geral de direito, traduzido em regra, que o patrimônio (antigo ou futuro) do devedor
responde por suas dívidas (art. 942, Código Civil de
2002; art. 1518, Código Civil de 1916).
Entre as sanções dessa modalidade ou espécie de
improbidade administrativa, encontra-se o ressarcimento integral do dano (art. 12, II, Lei nº 8.429/92).
A indisponibilidade de bens serve como medida assecuratória (art. 18) de garantia do resultado útil
do processo, tanto para ela quanto para uma outra
sanção, entre outras, típica para o enriquecimento
ilícito de agentes públicos: a perda dos valores ilicitamente acrescidos ao patrimônio do agente público (art. 12, I).
Em princípio, seria lógica a limitação do raio de
incidência da indisponibilidade de bens, uma vez
que o gravame deveria atingir justamente os valores ilicitamente acrescidos ao patrimônio do agente
público (alvo de futura perda, nos termos do citado
art. 12, I). Mas, mesmo perante os casos de enriquecimento ilícito no exercício de função pública imputado a agente público, a premissa jurisprudencial
não pode ser acolhida sem ressalvas.
Com efeito, há variáveis que impõem a incidência da indisponibilidade de bens adquiridos antes do
ato ímprobo.
É possível a indisponibilidade alcançar bens adquiridos anteriormente ao ato ímprobo, de modo a
garantir a eficácia da sentença condenatória nas
hipóteses em que o agente público adquiriu bens
fungíveis, perecíveis ou consumíveis ou obteve vantagem patrimonial indireta (por meio de terceira
pessoa) ou sob forma de prestação negativa (uso de
bens ou serviços de maneira gratuita ou assumidos
por outrem, gerando poupança ao agente) ou, ainda,
transferiu, com intuito simulatório ou fraudulento,
bens adquiridos ilicitamente, a terceiro, para, proposital e formalmente, reduzir-se à insolvência
ou, por fim, praticou blanchiment d’argent sale
(lavagem de dinheiro).
Nesses casos, continua prevalecendo a regra do
art. 942 do Código Civil, até porque se cuida de ato
ilícito.
Não é difícil raciocinar com base em sugestivos
exemplos.
Um agente público percebe a título de propina
um automóvel. Entre as sanções cominadas para o
caso concreto, está a perda desse bem. Trata-se de
obrigação de dar coisa certa. Se esse agente público
tiver alienado esse bem, porventura,
a tertius de boa fé, este logicamente não poderá
sofrer os efeitos da
condenação. Se
Se as
investigações ou
responsabilizações
provocam tensões prémenstruais do mercado,
que abalam voláteis capitais,
é sinal que nem a democracia
nem a economia são estáveis.
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for terceiro de má fé, dúvida não há, porque se
insere na categoria de partícipe do ato de improbidade administrativa, na conformidade do art.
3º da Lei nº 8.429/92. Mas, na primeira hipótese,
como a coisa já não pertence mais ao ímprobo,
ele deve ter extraído de seu patrimônio bens de
igual valor.
Noutro exemplo, o agente público ímprobo
percebe soma de dinheiro e a consome em seu
proveito, adquirindo bens consumíveis. A mesma
solução se impõe. Ora, nestas hipóteses é o seu
patrimônio anterior ou posteriormente constituído ao ato de improbidade administrativa que
responde pelas conseqüências do ato ilícito (arts.
884 e 885, Código Civil), sujeitando-se à perda
do equivalente ao que acresceu e, por isso, não há
restrição à indisponibilidade de bens.
Como dinheiro – alvo da obrigação de dar – é
bem fungível e consumível, na hipótese de enriquecimento ilícito de agente público no exercício de função pública em que este tiver amealhado indevidamente dinheiro, se a soma tiver
sido gasta ou consumida, a perda de bens incide
sobre o equivalente constante do patrimônio do
agente público (arts. 844, parágrafo único, e
942, Código Civil de 2002). Há uma conversão
em perdas e danos.
Um outro a ponto a merecer reflexão é referente ao impacto da indisponibilidade de bens
após o advento da Medida Provisória 2.088/01,
que alterou o art. 17 da Lei nº 8.429/92, introduzindo algumas modificações processuais na
ação civil pública por ato de improbidade administrativa.
Reeditada pela Medida Provisória 2.171/01
e pela Medida Provisória 2.225-45/01 um
pouco antes da promulgação
da Emenda Constitucional
32/01, no que inte-
O
produto da
improbidade
administrativa
amiúde abastece ativos
financeiros de empresas
off-shore ou de pessoas
físicas em países propícios
(paraísos fiscais)...
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ressa, determinou a instauração de um contraditório prévio (ou preliminar) ao recebimento da
ação, possibilitando a oitiva do réu (manifestação
escrita após notificação) e até mesmo a rejeição
antecipada da petição inicial, com ou sem julgamento de mérito (art. 17, §§ 6º a 8º, Lei nº
8.429/92).
A preocupação exposta indaga se é ou não
necessária essa manifestação do réu para a concessão da indisponibilidade de bens. A resposta
é negativa. Como se trata de privilégio, sua interpretação deve ser sempre restrita. Os §§ 6º a
8º acrescidos ao art. 17 da Lei nº 8.429/92 não
exigem expressamente condição da concessão liminar da indisponibilidade de bens à prévia oitiva
do réu. Reclamam, tão somente, essa providência
para o recebimento da ação. Se a lei pretendesse
condicionar a decisão de tutela de segurança seria
explícita, como, por exemplo, em matéria diversa,
a Lei nº 8.437/92. E ademais, a possibilidade jurídica da concessão liminar de indisponibilidade de
bens, inaudita altera parte, radica-se no próprio
poder geral de cautela do juiz, admitindo-se mesmo antes do recebimento postergado ou diferido
da petição inicial diante do perigo de lesão irreparável ou de difícil reparação.
“Como se fez prostituta a cidade fiel, cheia
de retidão?
(...) Os teus príncipes são infiéis, companheiros de ladrões”
(Isaías, 1, 21-23)
Cooperação internacional e
paraísos fiscais
O art. 16 da Lei nº 8.429/92 estabelece um seqüestro atípico no seu § 2º, permitindo que ele envolva o exame e a apreensão de bens e ativos no
exterior.
O produto da improbidade administrativa amiúde
abastece ativos financeiros de empresas off-shore
ou de pessoas físicas em países propícios (paraísos
fiscais) ou não à menor vigilância da origem do dinheiro importado, o que possibilita o blanchiment
de l’argent sale.
No entanto, a operacionalidade desse seqüestro depende do que for disposto nos tratados internacionais.
Há acordos multilaterais nesse sentido, como
a Convenção Interamericana contra a Corrupção
(Caracas, 1996), adotada no direito brasileiro
pelo Decreto nº 4.410, de 07 de outubro de 2002,
e a Convenção sobre o Combate da Corrupção de
Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações
Comerciais Internacionais (Paris, 1997), adotado pelo Decreto nº 3.678, de 30 de novembro
de 2000, sem prejuízo do que for estipulado em
acordos bilaterais de cooperação mútua e assistência jurídica, principalmente para inclusão dos
atos de improbidade administrativa e de sua repressão extrapenal.
“A responsabilidade dos agentes do poder constitui,
pois, uma das condições e necessidades essenciais
da ordem e liberdade pública, uma das garantias indispensáveis dos governos constitucionais. Se, pois,
e não obstante estes justos fundamentos, o funcionário público, violando a lei e os seus deveres
morais, converte o emprego em meio de interesse
pessoal ou instrumento de suas paixões, não só o
cidadão injustamente lesado deve ter o direito de
promover sua responsabilidade, mas os seus próprios
superiores estão na obrigação de provocá-la, ou fazer efetiva”
(Marquês de São Vicente)
Sigilo bancário e fiscal
Por derradeiro, o último ponto a merecer detida preocupação na luta contra a corrupção é, sem
dúvida, o tratamento dispensado ao acesso de organismos constitucionalmente vocacionados a essa
empresa aos dados cobertos pelo sigilo fiscal e financeiro.
A legislação vigente, por incrível que pareça, não
permite que a Polícia Judiciária, o Ministério Público e o Tribunal de Contas tenham acesso direto a
tais dados, exigindo autorização judicial.
Embora essa legislação proporcione intercâmbio
de informações entre autoridades financeiras e tributárias, com transferência da obrigação de preservação do sigilo e de seu uso responsável, ela merece
ser revista para inclusão desses outros órgãos públicos no acesso direto, sob as mesmas cláusulas.
Nem se diga que a matéria é de índole constitucional. Ao contrário, ela decorre da proteção
da intimidade e da privacidade previstas no nível
constitucional, mas é disciplinada no nível normativo infraconstitucional, cujo preceito conformador
pode estender o acesso direto, pois não há cláusula
constitucional alguma de exclusividade do controle
judiciário.
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MP em Foco
Desde a primeira edição, temos tentado apresentar, de forma didática e direta, as linhas mestras do novo modelo de gestão institucional e gerenciamento administrativo que a APMP propôs
para o MP, a partir de trabalho do seu Departamento de Estudos Institucionais.
Hoje seria a vez de analisarmos como o novo
modelo de gestão permitiria que critérios objetivos norteassem os atos de criação e desnomenclaturação de cargos.
Faremos, porém, uma pausa nesse debate para
apresentarmos trabalho da lavra do promotor de
justiça paulista Marcelo Pedroso Goulart, apro-
M
vado por unanimidade no XVI Congresso Nacional
do Ministério Público (novembro de 2005 - Belo
Horizonte/MG).
A razão de publicarmos essa tese está no fato
de que ela traz uma série de preocupações discutidas neste espaço, com argumentos sólidos e
soluções inovadoras para a retomada do desenvolvimento do Ministério Público de São Paulo.
Principalmente ao dar novo enfoque a princípios
institucionais, como o da independência funcional, cuja interpretação equivocada tem sido
verdadeiro obstáculo à implementação plena de
nosso perfil constitucional.
inistério
Público:
Estratégia, princípios
institucionais e novas
formas de organização
Marcelo Pedroso Goulart
1. A crise do Ministério Público
A situação de crise, segundo Gramsci, é aquela em
que o velho morreu e o novo não conseguiu afirmar-se
(“Cadernos do Cárcere”, v. 3, Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2000. p. 184).
O Ministério Público brasileiro vive uma situação
de crise, imperceptível aos olhos da maioria de seus
membros e de seus dirigentes, uma vez que o velho
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Ministério Público (pré-88) morreu, mas o novo Ministério Público, projetado na Constituição de 1988, ainda
não se afirmou.
De acordo com a vontade popular explicitada na
Constituição da República, o Ministério Público deve
constituir-se em um dos mais importantes agentes da
vontade política transformadora, cabendo-lhe a tarefa
de definir e participar de ações político-jurídicas modificadoras da realidade, objetivando a construção do
projeto constitucional de democracia (a sociedade livre,
justa e solidária, na qual o desenvolvimento sócio-econômico-cultural deve estar voltado para a erradicação
da pobreza e da marginalização, para a redução das
desigualdades sociais e regionais e para a promoção do
bem de todos). Essa é a estratégia institucional.
Levar avante essa prática transformadora (práxis) é
cumprir uma função política maior, que implica a substituição de uma dada ordem por outra ordem social,
mais justa, na qual prevaleçam os valores universais da
democracia. A realização prática dessa função política
maior dá-se no movimento catártico que promove a
transição da sociedade, dos seus movimentos, das suas
organizações e de suas instituições do momento corporativo e particularista para o momento ético-político de modificação do real.
Do ponto de vista jurídico-constitucional (formal), o
Ministério Público estruturou-se para cumprir a função
de promover os valores democráticos, como instituição
catártica, universalizante, não-corporativa. O seu perfil
constitucional não dá margem a dúvidas quanto a isso.
Todavia, do ponto de vista do movimento real da Instituição, não se pode fazer a mesma afirmação. A realidade demonstra que o Ministério Público ainda está
em fase de transição, visto que, do ponto
de vista intra-institucional, ainda
não incorporou plenamente
sua nova função política, ainda não formou uma vontade
coletiva-interna democrática
capaz de garantir a unidade necessária à
atuação voltada à transformação social.
Hoje, esse tipo de atuação transformadora
desejada pela sociedade deve-se à ação isolada
de algum membro do Ministério Público ou de
alguns grupos de promotores de justiça ou de
procuradores da República, cujo resultado do
trabalho realizado repercute positivamente nos
meios de comunicação de massa, passando a falsa impressão de que se trata de ação definida e
pautada institucionalmente.
No nível institucional, portanto, o Ministério
Público ainda não superou, plenamente, o momento corporativo, fato que impõe a aceleração
do movimento catártico interno. Do contrário, a
passividade poderá tomar conta da Instituição,
levando-a à impotência objetiva, ao não cumprimento da sua função política e dos objetivos que
lhe foram postos pela Constituição. Esse tipo de
comportamento passivo-impotente poderá acarretar a perda de legitimidade (de sustentação social) e levar ao retrocesso na configuração formal-
institucional do Ministério Público.
A consolidação do novo Ministério Público (pós-88)
e a sua afirmação como agente da vontade política
transformadora impõe, ao menos, dois movimentos
que ainda não se completaram.
O primeiro movimento, que denomino de catártico,
impõe a transposição do momento corporativo para o
momento ético-político. Esse movimento pressupõe:
a) a elaboração da ideologia institucional;
b) a definição da política institucional;
c) a mudança de mentalidade dos membros da Instituição (adequação psicológica para o cumprimento
da estratégia institucional).
É nesse campo, marcadamente ideológico (cultural),
que se faz necessária a atualização dos conceitos de
unidade institucional e de independência funcional.
O segundo movimento, que denomino de estrutural,
impõe reformas que viabilizem o cumprimento da missão institucional (estratégia), passando pela:
a) reestruturação organizacional do Ministério Público;
b) reestruturação da carreira dos membros da Instituição;
c) revisão das atribuições do Ministério
Público.
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MP em Foco
Nesse campo ocorreram avanços tímidos, como,
v.g., (i) a criação da Promotoria de Justiça como nova
instância político-administrativa do Ministério Público; (ii) a busca de novas espacialidades através da
implantação de Promotorias Regionais Ambientais,
Promotorias Agrárias e Promotorias Comunitárias; (iii)
a racionalização da atuação institucional como custos
legis nos processos cíveis.
2. Algumas premissas para a
superação da crise
2.1 A revisão dos conceitos
de unidade institucional e de
independência funcional e a
correlação desses princípios à
luz da estratégia institucional
A forma como a doutrina insiste em definir os princípios conformativos-informativos do Ministério Público não atende ao perfil institucional delineado pela
Constituição de 1988. Esses princípios devem ser compreendidos à luz da estratégia institucional.
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O princípio da unidade
Mister a revisão do conceito do princípio da unidade. No modelo superado, tal princípio cinge-se a conformar a estrutura administrativa da Instituição, como
órgão único, integrado por promotores de justiça sob a
direção de um só chefe. Alguns confundem o princípio
da unidade com o princípio da indivisibilidade, como se
fossem um único princípio e, numa perspectiva reducionista, conferem à unidade uma dimensão exclusivamente processual.
No pós-88, o princípio da unidade ganhou conotação política, que transcende os aspectos administrativos-estruturais pelos quais foi definido pela doutrina
tradicional, embora esses aspectos estejam nele incluídos. Ademais, não pode ser confundido com o princípio da indivisibilidade. Este princípio (indivisibilidade)
informa a atuação do membro do Ministério Público
como agente procedimental-processual. O princípio da
unidade informa e orienta a atuação político-institucional do Ministério Público, que, através do conjunto
de seus membros, de seus órgãos de execução e de Administração Superior, deve estar voltado à consecução
do seu objetivo estratégico: a promoção do projeto de
democracia participativa, econômica e social delineado na Constituição da República (a construção da
sociedade livre, justa e solidária, na qual o desenvolvimento deve estar voltado, necessariamente, à erradicação da pobreza e da marginalização, à redução das
desigualdades sociais e regionais e à promoção do bem
comum).
Os critérios definidores da unidade são dados pela
Constituição da República, na determinação da estratégia institucional (objetivo estratégico), e pelos
Planos e Programas de Atuação, que contemplam as
prioridades e os meios de ação para o cumprimento da
estratégia.
Unidade e estratégia transitam numa via de mão
dupla. A estratégia define a unidade e a unidade concretiza a estratégia. A unidade é definida pela estratégia posta abstratamente pela Constituição. A estratégia realiza-se no mundo concreto através da realização
prática das metas prioritárias estabelecidas nos Planos
e Programas de Atuação.
A unidade institucional deve ser construída democraticamente. A construção democrática da unidade
institucional supõe a participação da sociedade no
processo de definição das prioridades institucionais,
através dos novos instrumentos e espaços de democracia participativa, como, v.g., as audiências públicas.
Incumbe aos órgãos de execução do Ministério Público (Promotorias e Procuradorias de Justiça) a im-
plementação dos Planos e Programas. Cabe aos órgãos
da Administração Superior garantir a unidade. À Procuradoria-Geral incumbe promover a mobilização dos
membros da Instituição no sentido da consecução do
objetivo estratégico, bem como fornecer os meios e o
suporte material necessários ao cumprimento das metas estabelecidas nos Planos e Programas de Atuação.
À Corregedoria-Geral, fiscalizar o cumprimento, pelos
órgãos de execução, das metas estabelecidas nos Planos e Programas de Atuação. Ao Conselho Superior,
exercer o poder revisional de arquivamentos de inquéritos civis, a impedir desvios que frustrem a unidade
institucional nos casos concretos.
O princípio da independência
funcional
A independência funcional tem por objetivo garantir ao membro do Ministério Público o exercício independente de suas atribuições funcionais, tornando-o
imune a pressões externas (dos agentes dos poderes do
Estado e dos agentes do poder econômico) e internas
(dos órgãos da Administração Superior do Ministério
Público). Por força desse princípio, consagrou-se o seguinte aforismo: o membro do Ministério Público só
deve obediência à sua consciência e ao direito.
O entendimento superficial que se tem dado ao
princípio da independência funcional, a partir dessa
máxima, não revela o seu verdadeiro sentido, provocando distorções inaceitáveis no atuar concreto dos
membros do Ministério Público. Impõe-se, nesse momento de reconstrução institucional, rever o conteúdo
do princípio da independência funcional, levando em
consideração que:
a) a independência funcional, antes de ser uma garantia do membro do Ministério Público, é uma garantia da sociedade, uma vez que foi instituída para dar
ao povo a segurança de contar com um agente político
que, no exercício das funções de defesa dos interesses
sociais, possa atuar com independência, imune às pressões do poder;
b) quando se fala em dever de obediência à consciência, não se está tratando de uma consciência espontânea ou contingente (falsa consciência), mas, sim,
de uma consciência autêntica, emancipada e universal
(verdadeira consciência), de uma consciência ética, informada pelos valores universais da democracia;
c) quando se fala em dever de obediência ao direito,
não se está tratando da obediência cega do membro do
Ministério Público à literalidade dos textos legais, mas
no uso do direito como instrumento de transformação
social, o que implica interpretação recontextualizadora
da norma, à luz dos valores que informam o projeto
democrático constitucionalmente delineado (estratégia institucional do Ministério Público), bem como
o reconhecimento de que o direito possui diferentes
dimensões (política, econômica, cultural e normativa),
portanto a dimensão normativa é apenas uma delas.
A correlação dos princípios da
unidade e da independência
funcional
Para que o Ministério Público cumpra a sua missão institucional, ou seja, o seu objetivo estratégico,
é preciso compreender a correlação existente entre os
princípios da unidade e da independência funcional.
Enquanto Instituição una, o Ministério Público deve
estar voltado ao cumprimento de sua estratégia, o que
se dá através da implementação dos Planos e Programas de Atuação. Para isso, os agentes do Ministério
Público devem atuar com independência, ou seja, devem estar imunes às pressões internas e externas que
frustrem e inviabilizem o cumprimento da estratégia
institucional, que se dá, concretamente, através da
execução dos Planos e Programas de Atuação.
As metas, prioridades e ações definidas nos Planos
e Programas de Atuação decorrem da necessidade de
o Ministério Público cumprir, por força de imposição
constitucional genérica, os seus objetivos estratégicos.
Por ser assim, esses Planos e Programas contemplam,
necessariamente, hipóteses de atuação obrigatória e
vinculam os membros do Ministério Público. Em outras
palavras: o membro do Ministério Público que deixa de
observar as metas, prioridades e ações estabelecidas
nos Planos e Programas de Atuação não pode invocar,
em sua defesa, o princípio da independência funcional,
pois este princípio não pode servir de escudo àqueles
que deixam de cumprir objetivos institucionais constitucional e democraticamente definidos.
2.2 Novas formas de ocupação
do espaço pelo Ministério
Público
A divisão da base espacial de atuação do Ministério
Público deve ser repensada. A divisão por comarca não
mais atende às expectativas da sociedade, pois conspira contra a efetividade da atuação institucional. Isso se
evidencia, sobretudo, nas áreas de defesa de interesses
difusos e de combate ao crime organizado. A atuação
fragmentada e desintegrada, por comarcas, quebra o
princípio da unidade e frustra o cumprimento da estratégia institucional.
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MP em Foco
É preciso estabelecer novas escalas espaciais de
atuação, que leve em conta o território como instância
de disputa de poder entre os diferentes atores sociais
e, conseqüentemente, instância de luta pela efetivação
dos direitos fundamentais. O estabelecimento de uma
escala única (a comarca) é hoje inadmissível. É preciso redimensioná-la, de acordo com a natureza das
demandas sociais por cidadania. Sem desprezar o espaço da comarca, que continua ideal para determinados
tipos de atuação, mostra-se conveniente, em muitos
casos, a macro-regionalização (ampliação da base territorial) e, em outros, a micro-regionalização (redução
da base territorial).
O empirismo tem marcado algumas experiências
que se iniciam. Todavia, essa resposta eminentemente prática a que estamos assistindo, embora valiosa
para indicar caminhos e romper o imobilismo, carece
de uma reflexão mais profunda que torne a redefinição das escalas espaciais de atuação uma prioridade
institucional.
Em alguns Estados brasileiros despontam iniciativas
que merecem generalização. As Promotorias de Justiça do Meio Ambiente por ecossistemas ou por bacias
hidrográficas, as Promotorias de Justiça Agrárias e de
Conflitos Fundiários e os Grupos de Combate ao Crime
Organizado, de base física estadual ou regional, são
exemplos positivos de macro-regionalização.
As Promotorias de Justiça da Comunidade, instaladas nas periferias urbanas de algumas cidades brasileiras, representam também iniciativas de micro-regionalização a serem estudadas e aperfeiçoadas, visto que,
em alguns casos, perderam a perspectiva de instrumento de emancipação coletiva das populações excluídas e territorialmente segregadas, para retomarem o
perfil superado de agências tradicionais de assistência
judiciária, com limitado potencial transformador.
De forma paralela e integrada ao estabelecimento
das novas bases territoriais de atuação, é preciso estabelecer Promotorias de Justiça temáticas, que enfrentem, com maior eficácia, as principais questões sociais
(educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, terra). A macro-regionalização tende à especialização temática e a micro-regionalização, à generalização.
2.3 A Promotoria de Justiça
como instância chave da
estrutura do Ministério Público
Para superar o ultrapassado modelo de Ministério
Público e adequar a estrutura institucional ao novo
perfil constitucional, as Leis Orgânicas Nacional e Estadual do Ministério Público instituíram a figura da
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Promotoria de Justiça como “Órgão de Administração
do Ministério Público”.
Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz e João
Lopes Guimarães Júnior definem a Promotoria de Justiça como: órgão administrativo, integrado por promotores de determinada comarca, com atribuições
especializadas ou não, dotado de estrutura funcional e
material de apoio voltado ao estabelecimento de uma
política própria de atuação para alcançar objetivos institucionais concretos (“A necessária elaboração de uma
nova doutrina de Ministério Público, compatível com
seu atual perfil constitucional”, in “Ministério Público:
instituição e processo”, São Paulo, Atlas, 1997, p. 31).
Partindo-se dessa definição, pode-se afirmar que
a Promotoria de Justiça é mais do que uma unidade
de gestão. Também é uma unidade política responsável pela implementação da estratégia institucional, ou
seja, é o órgão de representação da política institucional na base territorial onde atua (comarca ou região).
A Promotoria de Justiça cumpre uma função de
natureza estritamente administrativa (unidade de
gestão) e outra de natureza político-institucional
(unidade política).
A Promotoria de Justiça como
unidade de gestão
Como unidade de gestão, cabe à Promotoria de Justiça cuidar de todas as tarefas administrativas de suporte à sua atividade fim, como, v.g., direção dos seus
serviços auxiliares. Ainda no âmbito administrativo,
cabe-lhe propor aos órgãos de Administração Superior
a divisão interna de serviços processuais e extraprocessuais, a forma de organização administrativa dos
serviços auxiliares internos, a distribuição de atribuições entre funcionários e estagiários, a escala de férias individuais de seus integrantes e a de substituição
automática.
A Promotoria de Justiça como
unidade política
Como órgão de implementação da estratégia institucional, cabe à Promotoria de Justiça definir os
Programas de Atuação Local e de Atuação Integrada,
encaminhar à Procuradoria-Geral de Justiça sugestões
para a elaboração do Plano Geral de Atuação, propor a
constituição de Grupos de Atuação Especial.
Como unidade responsável pela implementação da
estratégia institucional, a Promotoria de Justiça deve
funcionar como órgão local/regional de representação
do Ministério Público na articulação de políticas pú-
blicas. Deve intervir nos antigos e novos espaços de
negociação política como órgão mediador, regulador e
corretor das desigualdades sociais e das práticas anticidadãs.
3. Conclusões
1ª) O objetivo estratégico do Ministério Público é
a defesa do projeto de democracia participativa, econômica e social delineado na Constituição de 1988,
por meio da consecução dos objetivos fundamentais
da República sintetizados no art. 3º, incs. I a IV (construção da sociedade livre, justa e solidária, na qual o
desenvolvimento sócio-econômico-cultural deve estar
voltado para a erradicação da pobreza e da marginalização, para a redução das desigualdades sociais e regionais e para a promoção do bem de todos).
2ª) Para cumprir o seu objetivo estratégico, o Ministério Público precisa definir políticas públicas, por
meio de Planos e Programas de Atuação Institucional, com o estabelecimento de metas prioritárias que
orientem a ação dos órgãos de execução e de Administração Superior.
3ª) O princípio da unidade informa e orienta a atuação político-institucional do Ministério Público, que,
através do conjunto dos seus membros, dos órgãos de
execução e de Administração Superior, deve estar voltado à consecução do seu objetivo estratégico.
4ª) A independência funcional tem por objetivo
garantir ao membro do Ministério Público o exercício independente de suas atribuições funcionais, tornando-o imune a pressões externas e internas que
frustrem e inviabilizem o cumprimento da estratégia
institucional.
5ª) O Ministério Público concretiza o objetivo estratégico abstratamente previsto na Constituição por
meio da execução das metas prioritárias dos Planos e
Programas de Atuação. Essas metas decorrem de imposição constitucional, portanto, contemplam hipóteses de atuação obrigatória e vinculam os membros do
Ministério Público.
6ª) A comarca, como base territorial de atuação do
Ministério Público, não mais atende, em regra, às expectativas da sociedade, pois conspira contra a efetividade da atuação institucional, que, fragmentada,
provoca a quebra do princípio da unidade e frustra o
cumprimento da estratégia institucional.
7ª) É preciso estabelecer novas escalas espaciais de
atuação, que levem em conta o território como instância de disputa de poder entre os diferentes atores
sociais e, conseqüentemente, instância de luta pela
efetivação dos direitos fundamentais.
8ª) O estabelecimento de uma escala única (a comarca) é hoje inadmissível. É preciso redimensioná-la,
de acordo com a natureza das demandas sociais por
cidadania. Mostra-se conveniente, em muitos casos, a
macro-regionalização (ampliação da base territorial)
e, em outros, a micro-regionalização (redução da base
territorial).
9ª) De forma paralela e integrada ao estabelecimento das novas bases territoriais de atuação, é preciso estabelecer Promotorias de Justiça temáticas, que
enfrentem, com maior eficácia, as principais questões
sociais (educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, terra).
10ª) A Promotoria de Justiça, como uma das instâncias que compõem a estrutura do Ministério Público, é
mais do que uma unidade de gestão. Também é uma
unidade política responsável pela implementação da
estratégia institucional, ou seja, é o órgão de representação da política institucional na base territorial onde
atua (comarca ou região).
11ª) Como unidade responsável pela implementação da estratégia institucional, a Promotoria de Justiça
deve funcionar como órgão local/regional de representação do Ministério Público na articulação de políticas
públicas. Deve intervir nos antigos e novos espaços de
negociação política como órgão mediador, regulador e corretor das desigualdades sociais e das práticas
anti-cidadãs.
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MP em Foco
XVI Congresso Nacional
do Ministério Público
Britto destacou a importância do Ministério Público
no cenário nacional e na defesa da sociedade. Propôs
aos operadores do Direito o maior uso da emoção no
exercício de suas funções, por vezes tão esquecida pelo
emprego exclusivo da razão.
O tema central do Congresso (“Ministério Público
e Justiça Social”) gerou a apresentação de 111 teses,
discutidas nas comissões durante os dias 7 e 8.
São Paulo foi bem representada com a inscrição de
13 teses, das quais 12 resultaram aprovadas nas comissões e na sessão plenária.
Programação paralela
é destaque
MP de São Paulo
marca presença
em Belo Horizonte
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A capital das Minas Gerais foi sede, entre os dias
6 a 9 de novembro, do XVI Congresso Nacional do Ministério Público.
A cerimônia de abertura, que contou com a presença de quase mil congressistas, foi prestigiada pelo
Vice-Presidente da República, José de Alencar. Na
conferência inaugural, o Ministro do STF Carlos Ayres
Além da discussão e votação das teses inscritas, a
programação paralela do XVI Congresso Nacional chamou a atenção, de modo positivo.
Nos painéis jurídicos, registre-se a presença do nosso associado Wallace Paiva Martins Júnior, que, ao
lado do senador Jefferson Peres, do juiz federal Sílvio
Luiz Ferreira da Rocha e do empresário Emerson Kapaz,
debateram o tema “Corrupção no Brasil”.
Dignas de nota também as palestras do filósofo
Mário Sérgio Cortella, do consultor Waldez Ludwig, do
médico e escritor Içami Tiba e do economista Geraldo
Eustáquio.
Na parte cultural, de muito bom gosto, cabe mencionar,
as apresentações do compositor e instrumentista Marcus
Viana, do grupo de teatro Galpão, do Núcleo Artístico de
Dança e, como gran finale, da banda Jota Quest.
São Paulo foi bem representada
com a inscrição de 13 teses,
das quais 12 resultaram
aprovadas nas comissões e na
sessão plenária.
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C
MP em Foco
Seminário Jurídico 2005
omandatuba
recepciona membros do MP,
familiares e autoridades
Delegação de São Paulo
vota unida
Pelo regimento do Congresso, as teses aprovadas
nas comissões foram levadas à sessão plenária, ocorrida na manhã do dia 9. Além dos Presidentes das associações de classe, cada Estado podia contar com até
cinco delegados.
As teses que não fossem objeto de destaque eram
votadas em bloco. As destacadas eram apreciadas individualmente.
A APMP escolheu como delegados os procuradores
de justiça Antonio Visconti, Sérgio de Araújo Prado Júnior (ativos) e Darcy Paulillo dos Passos (aposentado) e os promotores Marcelo Pedroso Goulart e
Paulo Roberto Dias Júnior, que, ao lado do Presidente
da APMP João Antonio Garreta Prats, votaram de forma uniforme em cada pedido de destaque, após breve
conferência informal em que predominava a opinião
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do delegado que participara do debate da tese na respectiva comissão.
A exceção ficou por conta do trabalho “A antecipação do parto em caso de anencefalia e o transplante de
órgãos e tecidos dos anencéfalos”, da colega potiguar
Mariana Marinho Barbalho Tavares, em que a “bancada” foi liberada para votar cada qual de acordo com
sua convicção jurídico-filosófica.
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XXXII promove
Jurídico obre a relação
debate s lamento
MP e Par
As teses que não fossem objeto
de destaque eram votadas em
bloco. As destacadas eram
apreciadas individualmente.
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Seminário Jurídico 2005
Aproveitando os feriados jurídicos de 8 e 9 de dezembro, cerca de 600 associados da APMP e familiares
participaram da segunda etapa do XXXIII Seminário
Jurídico dos Grupos de Estudos de São Paulo, realizada
entre os dias 7 e 11 do mesmo mês no Hotel Transamérica Ilha de Comandatuba.
Em um dos melhores resorts do Brasil, os participantes tinham dificuldade para escolher entre as inú-
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meras atividades oferecidas regularmente pelo hotel e
aquelas preparadas com exclusividade para os associados da APMP.
Fitness center, caminhadas na praia, aulas de
spinning, capoeira, dança do ventre, axé, forró, merengue, hidroginástica e alongamento, massagens, arco e
flecha, torneios de peteca e xadrez, tamboréu, bicicletas, mini-buggies, bocha, tênis, squash, golfe, futebol,
vôlei de praia, futevôlei, piscinas, toboágua, tirolesa,
quadriciclo, paintball, pesca oceânica, corrida de jegue,
happy hour diário, shows variados e, fechando a noite,
boate. Ufa! Haja fôlego e disposição.
Tanto esforço era fundamental para manter a silhueta. Quem assim não procedeu desembarcou em
Cumbica no domingo com alguns quilos a mais, resultado da excelente culinária do hotel.
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Seminário Jurídico 2005
Hora do trabalho
No dia 9 de dezembro, foi realizado o painel “O MP
e o Parlamento”, em que se debateu a necessidade de
aperfeiçoamento da relação institucional entre o Ministério Público e as Casas Legislativas.
A mesa do evento foi composta por nosso Presidente, João Antonio Garreta Prats, pelo Procurador-Geral
de São Paulo Rodrigo César Rebello Pinto, pelo Corregedor-Geral Paulo Hideo Shimizu, pelo Coordenador
Geral dos Grupos de Estudos Albino Ferragini e pelos
quatro painelistas: o Presidente eleito da CONAMP José
Carlos Cosenzo, o Procurador-Geral da Bahia Aquiles
Siquara e os Deputados Federais e membros do MP de
São Paulo Dimas Ramalho e Carlos Sampaio.
Ao final do painel, houve a transmissão do cargo
de Coordenador Geral dos Grupos de Estudos para o
procurador de justiça aposentado Darcy Paulillo dos
Passos, que tomou assento à mesa juntamente com um
de seus Adjuntos, o promotor de justiça Carlos Melluso
Júnior.
Encerrando os trabalhos, foi franqueada a palavra a
todos os presentes na “Tribuna Livre”.
A confraternização deu o tom
Motivo de satisfação para os organizadores, o clima
de congraçamento entre os participantes comandou o
encontro. Destaque para a cordialidade e presteza dos
funcionários da APMP Leandro, Rogério, Luzia, Gesani,
Cláudia e Rosângela, que não mediram esforços para
que as eventuais falhas, naturais em um evento desse
porte, fossem as menores e menos incômodas possíveis.
Na sala de embarque para o retorno a São Paulo, os
semblantes pensativos indicavam uma pergunta interior: “Duvido que no ano que vem o Seminário consiga
ser melhor!”.
O desafio está aceito! Aguardem o XXXIV Seminário
Jurídico dos Grupos de Estudos do MP de São Paulo.
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P
APMP Destinos
aris
é uma
Não é qualquer cidade que consegue a proeza
de ser uma das mais cosmopolitas do mundo
e, simultaneamente, manter intocadas tradições seculares.
Não é em qualquer lugar do mundo que você pode
desfrutar de cenários históricos e, com um breve
giro de olhar, admirar estruturas modernas.
Não é qualquer pedaço de terra que mantém o
passado e projeta o futuro.
E Paris é assim: de paradoxo em paradoxo,
tornou-se a cidade mais visitada do mundo.
festa
Reveillon, champagne, glamour?
E quando as festas de final de ano são o assunto...
É verdade que a disputa anda bem acirrada. Nova
York e a famosa festa na Times Square, Rio de Janeiro
e os sensacionais shows pirotécnicos, Sidney e o Ano
Novo chegando mais cedo. Tudo muito bonito. Mas dá
para comparar com Paris?
Será mero acaso as palavras glamour, reveillon e
champagne, quase sinônimas de Ano Novo, terem origem francesa?
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internacional - inclusive a brasileira.
Bastille abriga sua Ópera, onde são apresentados inigualáveis espetáculos de dança, além da badalação parisiense, que fervilha todas as noites. Noutras palavras, é
imperdível ao menos uma rodada pelos cafés da Bastille.
Clima de poesia? Montmartre é o lugar. Do alto de
suas escadarias surge uma das vistas mais esplendorosas da cidade. E, seguramente, é possível entender
a expressão la vie en rose.
Basta um anoitecer de verão nas escadarias da Sacre Coeur.
A basílica está aberta
até as 11 horas da noite.
As portas da Sacre Coeur
emolduram efervescente
movimentação até depois
da 1h, quando são apagadas as luzes da Torre Eiffel.
Em verdade, nem mesmo o velho Lobo do Mar, o
boêmio Ernest Hemingway, resistiu ao charme (outro
termo francês) e eternizou o espírito de Paris: “se você
tiver a sorte de viver em Paris enquanto jovem, aonde
quer que você vá, pelo resto de sua vida, Paris estará
com você”.
Vida noturna: bem mais que
Moulin Rouge
Quando o assunto é diversão noturna, Paris simplesmente arrasa a concorrência.
Um ar “boêmio-falso-decadente” faz de Pigalle um
dos lugares mais agitados da cidade. Lá nasceram o
“can- can” e os cabarés.
Atualmente abriga danceterias e casas noturnas
como o famoso Moulin Rouge.
É, entretanto, nos decadentes bistrôs da região que
você conhece a essência dos franceses, que une de forma quase indissociável arte, moda, culinária, criando a
chamada “civilization française”.
Chatelêt é um palco privilegiado, que recebe orquestras e óperas. Simplesmente o melhor da música
o Château d’Yquem Vintage 1871, além de champanhes e conhaques de inestimável valor. Mas é claro que
você, simples mortal, também encontrará uma garrafa
ao seu alcance entre as mais de 500.000 em estoque!
O que Gerard Depardieu e culinária tem a ver?
Tudo! Esse ator, apaixonado pela cozinha, possui dois restaurantes na cidade: o Le Fontaine
Gaillon, instalado
numa construção
histórica de 1672.
A cozinha é clássica e Depardieu está
sempre por ali. Seja
de olho no forno e
fogão, seja ajudando na criação de
pratos ou circulando pelo salão, quando costuma brindar
os clientes com um
bom papo e, às vezes, uma taça de vinho ou uma porção
de presunto. Excelente exemplo de relação direta
entre qualidade e preço, o lugar virou sucesso. A
adega do restaurante foi montada com a ajuda do
crítico americano Robert Parker, amigo do ator e
freqüentador do estabelecimento. Na mesma praça, Gérard Depardieu tem o L’Ecaille de la Fontai-
Gastronomia: Aqui se inventou o
restaurante. Precisa dizer mais?
Em Paris se tem contato com a mais famosa cozinha
do mundo. A variedade é grande, e tem para todos os
gostos. Obrigatório é conhecer o La Tour D´Argent, um
dos restaurantes mais célebres do mundo e que abriu
suas portas em 1582. Lá o maitre Frederic faz o seu
espetáculo com o pato, a pièce de résistance da casa,
grelhado na sua mesa à la goutte de sang. Sem contar a inacreditável adega do restaurante, que resistiu a
diversas guerras e revoluções, como a Segunda Guerra
Mundial, quando suas preciosas garrafas foram defendidas por Claude Terrail, responsável pela sobrevivência de tesouros como Château-Citran 1858, Château
Guaud-Larose 1870, o ancestral dos bordeaux brancos,
ne, um pequeno bistrô dedicado a ostras e frutos
do mar. Ele divide com a mulher, a atriz Carole
Bouquet, a paixão pela gastronomia.
Para quem gosta de culinária, a cidade é um prato cheio. Não faltam opções de restaurantes clássicos, modernos, bistrôs e bons vinhos e queijos.
Vale a pena dar uma olhada em publicações específicas, como o famoso Guia Michelin.
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APMP Destinos
O berço da arte européia
O Louvre é uma atração imperdível. É preciso reservar um dia inteiro (ou mais!) para percorrê-lo e, mesmo
assim, não dá para observar tudo.
O museu é enorme e tem coleções variadas, para
todos os gostos: antiguidades da Grécia e da Mesopotâmia, pinturas francesas e italianas, esculturas renascentistas, mobílias medievais, além do famoso quadro
da Mona Lisa que, sozinho, já vale a viagem
Mas tem mais. Que tal o maior acervo de arte egípcia
do mundo? Ou as coroas do reinado de Luis XV e seus
hipnóticos diamantes? Isso é um pouco do Louvre.
Você quer mais?
Saia de lá, atravesse o Sena e chegue a Gare d’Orsay,
uma antiga estação ferroviária que foi transformada
num dos maiores museus de arte do mundo. O destaque são as obras impressionistas de Jeau des Paumes,
Monet e Renoir, sem esquecer das telas de Van Gogh.
Ainda tem disposição? Que tal conhecer um lugar
mais visitado que a Torre Eiffel? Duvida que seja possível? Pois o lugar existe e se chama Centre Georges
Pompidou. A arquitetura moderna - de plástico e tubos coloridos - contrasta
com os antigos prédios de
seis andares da vizinhança.
O Georges Pompidou ainda abriga o Museu de Arte
Moderna, a biblioteca mais
freqüentada do mundo,
uma cinemateca e inúmeras exposições de fotografia
e imensas esculturas. E o
povo também contribui para
o clima de arte: do lado de
fora artistas - e aspirantes
- tentam ganhar algum trocado.
La Villete abriga um dos mais interessantes monumentos auto-explicativos da ciência do mundo, além
da cidade das crianças e da música. E tudo fica ainda
mais borbulhante no verão, quando verdadeiras multidões se aglomeram para assistir ao cinema de rua nas
paredes da Cidade das Ciências.
Também vale a pena conhecer o Museu Rodin, que
reúne, além das obras do famoso escultor que lhe dá
nome, também as de Camile Claudel, sua amada assistente. Não perca o famoso jardim ao ar livre.
Arte espanhola? Que tal Pablo Picasso e Salvador
Dali? Há dois museus dedicados aos famosos artistas,
com várias cartas, pinturas e esculturas dos mestres.
Você ficou meio perdido em meio a tantos museus?
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Não é para menos. Há, ainda, o Museu de l’Orangerie,
o Hôtel de Cluny, o Musée Carnavalet, Egouts de Paris
e Les Catacombes. Ufa! Sugere-se a compra da “Carte
Musée et Monuments”, válida em 65 museus e monumentos da cidade.
Pé na estrada
Faça um passeio histórico a pé. Parta do Arco do Triunfo (metrô Charles de Gaulle-Etoile), desça toda a ChampsElysées, boulevar mais chique e caro de Paris. No final do
ano, o visual é ressaltado pelas luzes de Natal. Não perca
por nada, se lá estiver.
Chegue até a Place de la Concorde, onde Luis XVI
e sua mulher Maria Antonieta foram guilhotinados.
Enquanto estiver atravessando a praça, não deixe de
observar, à esquerda, a belíssima Igreja da Madeleine
ao fundo, que também vale uma visita.
Da Concorde, siga pelo Jardim das Tuileries, onde
já existiu um imponente palácio, derrubado durante a
Revolução Francesa. No verão, as Tuileries abrigam um
parque de diversões. Na roda-gigante, aproveite para
observar os telhados de Paris.
Compras com
grife
Paris tem as melhores grifes (mais uma da França) do
mundo, reunidas na Rue du
Faubourg Saint Honoré, onde
há também restaurantes de
primeira linha, ateliês de estilistas famosos e emergentes.
Você também encontra altacostura na famosa Avenue Montaigne e na Saint Germain des Prés. Na Place Vendôme, as joalherias mais
badaladas de Paris.
Nas Galeries Lafayette, La Samaritaine e Printemps,
lojas de departamento reúnem produtos de beleza,
perfumes, utilidades domésticas, roupas e acessórios.
Les Halles, Chatelêt e o Centre George Pompidou
são a área de maior concentração de jovens na cidade
durante o dia. Les Halles, antigo mercado de frutas,
abriga um shopping center com 15 cinemas.
No Trezième, bairro oriental de Paris, é possível encontrar pechinchas de eletrônicos “made in Taiwan” e
os mais baratos pratos chineses.
Para quem gosta de variedade, o Marché aux Puces tem
feira de roupas usadas e curiosidades todos os domingos.
Passeios
Na Torre Eiffel, o melhor
ponto para se observar e tirar fotografias é partindo dos
jardins e espelhos d’água do
Trocadero. No verão, turistas
descolados de todo o mundo
costumam tomar banho no
chafariz. Resista à tentação de “escalar” a torre. É puro
sofrimento. Use sempre os elevadores.
Visite a Catedral de Notre Dame, marco de peregrinação do mundo medieval desde o século 12. Na
frente da Notre Dame, desça até a cripta onde estão
as primeiras pedras de Paris, do tempo dos romanos.
Confira a Sainte Chapelle, dentro do Palais de Justice, de longe a capela mais bonita da cidade. Atrás da
Notre Dame, repousa calmamente a Île de Saint Louis,
que ainda se conserva como uma área residencial do
interior da França.
No lado direito do rio Sena, o Quartier Latin
continua sendo área de estudantes e intelectuais.
As ruas Saint Michel e Saint Germain abrigam os
bistrôs mais queridos da boemia francesa. O mais
famoso é o Café de Flore, onde a turma de JeanPaul Sartre se reunia.
Septième é o lugar da burguesia parisiense e também abriga consulados e a sede mundial da Unesco.
O bairro tem também o Hôtel des Invalides, a École
Militaire e o Musée des Armées, onde está exposto o
caixão de Napoleão. Montparnasse é misto de Quartier
Latin e Septième, um bairro
classe média, com importante vida noturna.
O Cemitério do Père Lachaise é de longe o mais
“alegre” do mundo. Namorados fazem passeios românticos entre os túmulos
e adolescentes costumam
fazer piquenique por lá. Os
túmulos mais visitados são
o de Jim Morrison, Allan
Kardec, Balzac, La Fontaine,
Molière, Sarah Bernhardt,
Proust, Oscar Wilde, Danton, Edith Piaf, Irmãos Lumiére, Isadora Duncan e Chopin.
La Defense é uma área futurista patrocinada pelas
principais multinacionais francesas. Confira o moderno
Arco do Triunfo, o Grand Arch de La Defense, seus espelhos d’água e esculturas malucas.
A Grand Bibliotèque de France, construída em vidro, merece ser conhecida. Passeie de Bateau Mouche
- bem diferente da cópia mal feita brasileira - sob as
pontes de Paris. Certifique-se de que o bateau passe
por Pont Mirabeau, a mais bela de Paris.
Fora de Paris, Versailles foi sede da sofisticadíssima
corte francesa de Luís XV. Um dos palácios mais ricos
do mundo e que mostra até onde o luxo e a ostentação
chegaram na França pré-revolucionária.
Paris é realmente uma festa, seja para quem procura glamour, gastronomia e cultura. Como dizia Hemingway: “Quando sonho com o paraíso, a ação acontece
sempre no Ritz de Paris”.
Ano do Brasil na França
A cada ano, a França convida um país para apresentar as diferentes variações de sua cultura. As “Saisons
Culturelles” (Temporadas Culturais) são organizadas pela
Associação Francesa para a Ação Artística, vinculada ao
Ministério das Relações Exteriores. Em 2005, o homenageado foi o Brasil. O Ano do Brasil pretende mostrar que
nosso país vai muito além do samba, futebol e carnaval.O
foco foi nossa diversidade cultural. Realizaram-se mais de
300 eventos culturais, entre teatro, cinema, dança, fotografia, gastronomia, literatura, esporte, design e artes plásticas.
O governo brasileito investiu 40 milhões de reais na preparação, captando recursos através da Lei Rouanet em empresas estatais e privadas.
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J
Cultura & Lazer
ohn Lennon
25 anos sem o mito
Faz 25 anos que a humanidade vivencia o luto pela perda de um de seus
maiores mitos: John Lennon. O líder da banda mais famosa da história, que
hoje teria 65 anos, foi um misto de genialidade, polêmica, paz, confusões e
muita admiração. Quantas saudades...
Nascido em 9 de outubro de 1940 em Liverpool, Inglaterra, o menino-gênio foi batizado como John Winston
Lennon (Winston era uma homenagem ao primeiro ministro
britânico Winston Churchill). John era um sujeito extremamente marcante. Há quem diga que os Beatles não seriam
reconhecidos sem John. Porém, a recíproca não é verdadeira: seria muito difícil John Lennon ter passado por esse
mundo sem deixar suas marcas. É difícil dizer exatamente
o que impressiona mais em Lennon, da mesma forma que
não é fácil detectar o que o fez tão sublime. Uma coisa é
fato: foi um homem cheio de experiências, tanto positivas,
quanto traumáticas. E seu brilho deve reluzir de um misto
dessas sensações e emoções. Exatamente como ele era.
Sua história já começou marcada por perdas. Sua mãe,
quando grávida, foi abandonada pelo marido, Alfred Lennon,
e acabou entregando o que seria um dos maiores gênios
da humanidade para sua irmã criar. Ainda que distante da
educação de Lennon, a mãe o visitava com freqüência e o
ensinou os primeiros acordes musicais em um banjo. Também foi ela quem comprou sua primeira guitarra.
A segunda grande perda de John Lennon aconteceu
em 1958. Novamente sua mãe o deixou, mas, desta vez,
para sempre. Ela se dirigia para uma de suas visitas ao filho quando foi fatalmente atropelada. O que se sabe é que
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John carregava dolorosas recordações e se lembrava com
ressentimento dos momentos de vazio decorrentes da ausência da mãe. Foi para ela que escreveu as músicas “Julia”,
“Mother” e “My mummy is dead”.
John adorava escrever, mas era um aluno problemático, não gostava de estudar e sempre se envolvia
em brigas com outros garotos. Casou-se pela primeira vez em 1962 com Cyntia Powell, sua namorada nos
tempos de Liverpool, com quem teve o filho Julian, em
1963. Mas a vida lhe reservara uma grande reviravolta
quando o colocou diante da artista plástica Yoko Ono,
em 1966. Ela expunha em uma galeria de arte de Londres. Uma de suas obras trazia uma lupa pendurada no
teto de uma sala. Ao lado, uma escada. Quem subisse
e posicionasse a lupa para o teto podia ler a palavra
“Sim”. John se encantou com isso. Ao ser apresentada a
ele, um dos homens mais famosos daquela época, Yoko
alegou nunca ter ouvido falar dos Beatles. Mas o procurou depois para que financiasse uma exposição sua.
Resultado: passaram a viver juntos. Isso representou
mudanças consideráveis na vida do músico e da banda. John começou a levar Yoko ao estúdio durante as
gravações, atitude que começou a perturbar os outros
integrantes do grupo.
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Cultura & Lazer
Decisão pela carreira
solo
As mudanças foram levando
Lennon a optar por uma carreira
solo paralela a dos Beatles. E isso
se iniciou em 1968, quando lançou o polêmico Two Virgins, que
trazia a participação de Yoko
Ono. O disco causou rebuliço,
pois os dois apareciam nus na
capa. O casal, cada vez mais
unido, oficializou os laços
em 20 de
março de
1969, casando-se
em Gibraltar. Uma das
cenas mais inesquecíveis da história da exótica dupla foi o “Bed in”, um
movimento pela paz no mundo que os
exibia deitados numa cama, de pijamas.
O primeiro durou sete dias e o segundo
dez, durante o qual gravaram o clássico
“Give peace a chance”.
Os três primeiros discos solos de
John não obtiveram sucesso algum,
pois nada mais eram do que álbuns
experimentais. Antes dos Beatles se
separarem, John realizou um show em Toronto sem a
presença dos outros integrantes da banda. E ele terminou
o ano de 1969 devolvendo a medalha M.B.E. (Membro do
Império Britânico) que havia recebido em 1965 da rainha
da Inglaterra, em protesto ao apoio britânico aos Estados
Unidos na guerra do Vietnã.
O sonho acabou
Quando o fim dos Beatles foi anunciado oficialmente
em 1970, Yoko foi acusada por muitos fãs de ser a responsável. O primeiro disco solo de Lennon, após a separação
dos Beatles, foi John Lennon Plastic Ono Band. Esse álbum
foi influenciado pela terapia primal do Dr. Janov, a qual ele
praticava na época. É na música “Well, well, well” que John
diz a famosa frase “O sonho acabou”, em referência aos Beatles. E em “God”, ele afirma não acreditar nem nos Beatles
e nem em Deus.
Ápice e desentendimentos
O grande ápice da carreira solo do compositor aconteceu em 1971, com o álbum Imagine. A faixa título estourou
e tornou-se, mundialmente, um hino à paz. Nesse momen-
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to da vida, John alegou que o ex-parceiro Paul McCartney
vivia lhe atacando e, em resposta, compôs a música “How
do you sleep?”, acusando Paul de fazer música “muzak”
(músicas de elevador). Indo além, afirmou que a única coisa
que Paul escreveu bem foi “Yesterday” e que o ex-parceiro
só sabia escrever canções de amor tolas (silly love songs).
Conflitos, paz, separações e
política
Cada vez mais John tomava uma postura política a favor
da paz. Em 1972, ele e Yoko mudaram-se para Nova York e
lançaram o álbum Sometime in New York City, com mensagens anti-racistas e anti-sexistas. Naquele disco, John
cantou uma música chamada “Sunday
Bloody Sunday”, em referência ao domingo sangrento acontecido na Irlanda. Esse foi o momento mais político da
vida de John Lennon. Recebia em sua
casa vários ativistas e criticava a postura política do presidente americano
Richard Nixon. Para se ter uma idéia, o
FBI, anos mais tarde, confessou que investigava a vida de Lennon por causa de
seu engajamento.
Em 1973, mais uma grande mudança
em sua vida. Lançou o álbum Mind Games
e se separou de Yoko. Voltou para a noite
nova-iorquina e lá conheceu May Pang,
com quem começou a namorar. Juntos, mudaram-se para Los Angeles e ela o encorajou a participar
mais da vida de seu filho Julian, fruto de seu primeiro casamento com Cyntia. Mas a separação com Yoko não durou
muito. Um ano depois reataram, à época do lançamento
do álbum Wall and Bridges e alcançou sucesso com “#9
Dream” e “Whatever gets you thru the night”.
No ano seguinte, John lançou o álbum Rock and Roll, que
apresentava suas versões cover para músicas
que ouvia na adolescência, mas o nascimento de
Sean, seu filho com Yoko,
o fez abandonar a carreira
por um tempo para se dedicar à família. Foram cinco
anos de reclusão. Em 1980,
John Lennon voltou a gravar um novo álbum, Double
Fantasy, e a música “Starting
Over” entrou na lista das paradas americanas.
A grande tragédia
The Beatles: o fenômeno
E eis que na noite de 8 de dezembro de 1980 não apenas o coração de Lennon, mas o do mundo inteiro parou.
Ele voltava para o seu apartamento, no edifício Dakota,
em frente ao Central Park, quando foi abordado por um
rapaz que, durante o dia, lhe
pedira um autógrafo. Mark
David Chapman era um fã
dos Beatles e de John. Ele
sacou um revólver calibre
38 e, da maneira mais
inesperada, atirou. A
polícia chegou em minutos e levou John na
própria viatura para o
hospital. Apenas com
um livro nas mãos,
“O Apanhador no
Campo de Centeio”,
de J. D. Salinger.
Chapman permaneceu no local.
Horas depois, a
imprensa divulgava:
Jonh Lennon morrera, com 40 anos de
idade e o mundo inteiro aos seus pés. Assim que a notícia
se espalhou, uma multidão se juntou em frente ao Dakota
para homenageá-lo, levando velas e cantando suas músicas. A dor podia ser vista, ouvida e assistida em todos os
países por pessoas que choravam a morte de um dos ícones
de toda uma geração.
Após a morte de John, foi criado um memorial chamado Strawberry Fields Forever, no Central Park, em frente
ao Dakota. Alguns discos póstumos foram lançados, como
Milk and Honey, com sobras de músicas de Double Fantasy.
Várias coletâneas, além do inédito Accoustic foram lançados em 2005.
Milhões de discos vendidos, estádios lotados, fãs
enlouquecidas, excursões pelo mundo. Esse é o retrato do ápice de uma banda de Liverpool, cidade
portuária da Inglaterra, de onde saíram quatro jovens que mudaram todo o conceito de rock and roll
no mundo: os Beatles.
No final do década de 50, John Lennon, que já
tinha uma banda com colegas de escola (The Quarrymen), convidou Paul McCartney para se integrar
ao grupo. Paul chamou seu amigo de escola e guitarrista George Harrison, enquanto John trazia Stu
Sutcliffe para tocar baixo. Em 1960, Pete Best assumiu as baquetas, que ocupou até ser substituído
por Ringo Starr. O nome The Beatles é um trocadilho com beetles (besouro) e beat (que significa
batida ou compasso ritmado). Mas antes disso, o
grupo se chamou Johnny and the Moondogs e The
Silver Beatles.
Foram descobertos pelo empresário Brian Epstein,
que os viu tocar no famoso Cavern Pub. E com
essa formação o grupo gravou
o single Love Me Do, lançado em outubro de 1962 pela
Parlephone (EMI).
Seguiu-se algo inédito
na história do rock: a Beatlemania. Enormes vendas de
discos, inúmeras viagens feitas aos EUA e o arrebatador
sucesso de filmes como A Hard
Day’s Night (Os Reis do Iê, Iê, Iê)
indicavam o fenômeno de popularidade do grupo de rock destes
quatro rapazes de Liverpool. Eles
inventaram termos e ritmos, assim
como os videoclipes.
O Apanhador no Campo de Centeio
Mark David Chapman alegou que cometeu o
assassinato porque obedecia a vozes que o mandavam executar essa tarefa, que, pela psiquiatria, é
caracterizado como distúrbio
de esquizofrenia. Condenado
a uma pena de 20 anos à prisão perpétua, Chapman matou
Lennon no dia 8 de dezembro
de 1980 em frente ao edifício
Dakota, onde o ex-Beatle vivia.
Horas antes, Lennon autogra-
fara para Chapman uma cópia de seu recém-lançado
álbum Double Fantasy.
Chapman, então com 25 anos, citou o romance
“O Apanhador no Campo de
Centeio”, de J.D. Salinger,
como inspiração para o crime. Dizia se identificar com
o protagonista do livro, que
odiava a falsidade, e baleou
Lennon porque o considerava um hipócrita.
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S
Gastronomia
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ão Paulo
Babel
Gastronômica
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São Paulo abraça com otimismo as diferenças culturais. Aliás, uma de suas principais características é a
de abranger uma diversidade imensa de etnias e, com
elas, verdadeiras pérolas gastronômicas. Encontra-se
de tudo: cozinha tailandesa, chinesa, japonesa, árabe,
alemã, marroquina, portuguesa, peruana, entre muitas outras. Alguns restaurantes prezam pela fidelidade
cultural. Seguem à risca a tradição alimentar, conservam os hábitos e são rigorosos na maneira de servir os
alimentos. Outros já preferem adaptar os pratos à la
Brasil. Mas a verdade é que o brasileiro, em especial o
paulistano, mostra-se muito aberto e receptivo às mais
diversas culturas, gosta de se aventurar em restaurantes exóticos e experimentar os mais variados sabores e
temperos do mundo. E é por isso mesmo que se pode
afirmar que São Paulo é uma verdadeira babel gastronômica.
Abdel Ghafour, proprietário do restaurante marroquino Agadir, em Pinheiros, está à frente do negócio há
cinco anos. Sempre teve vontade de comercializar algo
que representasse sua nacionalidade e, com o incentivo de amigos, levou a idéia adiante. “Aqui servimos
pratos autênticos. Tudo o que temos é original e feito
de acordo com o que é servido lá”. Ele explica que a
base dessa cozinha é o trigo, diferente do Brasil, onde
quem manda é o arroz. Um dos pratos típicos que está
se tornando cada vez mais conhecido em São Paulo,
segundo Abdel, é o “cuscus marroquino”. O curioso é
que, em Marrocos, come-se com a mão. “Deixo as pessoas livres para comerem do jeito que preferirem, com
talheres ou com as mãos”, comenta.
Apesar de serem restaurantes,
ao mesmo tempo, tradicionais
e exóticos, a freqüência
de clientes é bastante
equilibrada: metade
brasileiros e metade estrangeiros,
dado que revela
o quanto o mercado da capital
é receptivo a
esse tipo de negócio.
Outros restaurantes já preferem dar um toque de
modernidade, como o East, que desenvolve pratos baseados nas cozinhas da Tailândia, Vietnã, Índia, Corêia,
China e Japão, trazendo, porém, a perspectiva brasileira. Aliás, a cozinha tailandesa é uma das mais exóticas
e variadas. Utiliza-se de um eclético uso de temperos e
condimentos e é bastante inspirada pela Índia, valendo-se de gengibre, cardamomo, galanga etc.
A cozinha chinesa, por exemplo, é um dos exemplos mais visíveis de crescimento e aceitação no paladar dos brasileiros. Notoriamente as redes de fast food
desse segmento cresceram, restaurantes tradicionais
incrementaram seus cardápios e se estabilizaram na
capital. Rolinho primavera, yakisoba e frango xadrez
são nomes comuns no vocabulário nacional. Chen
Miao Ci Chi (Natália), proprietária do restaurante China Kwon Min, comanda o estabelecimento há 11 anos.
Ela confirma que a demanda cresceu bastante durante os últimos anos, mas garante que é fundamental
inserir novidades. “Brasileiro gosta de experimentar
novos sabores. E eles aderem mesmo à cultura. Tenho
clientes aqui que têm postura idêntica à dos chineses.
Tomam sopa, chás, enfim, fazem tudo o que a tradição
pede”. No caso desse restaurante, um dos diferenciais
é que são servidos pratos típicos
da região sul da China
e também os da
região Nor-
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Gastronomia
te. E lá o macarrão é caseiro, preparado com as mãos,
tira por tira, cortadas por facas, não máquinas. “Somos
bastante tradicionais. Inclusive um de nossos pontos
fortes é o pastel, que fazemos exatamente como na
China: um lado torradinho e o outro branquinho, feito
no vapor”.
A culinária chinesa é muito mais abrangente do que
se serve aqui, pois no Brasil é proibida a comercialização de carnes de gatos, cachorros, cobras. Mas Natália
garante que são pratos deliciosos e que, quando chega
na China, a primeira coisa que faz é apreciar uma bela
carne de cachorro!
Devido à grande variedade geográfica, cultural e
climática, a culinária espanhola é composta de diferentes tipos de pratos fortemente influenciados pela
variedade de frutos do mar. A Espanha é o segundo
maior consumidor de peixes, perdendo apenas para
o Japão. Por ter uma história dotada de muitas influências culturais, a riqueza e variedade da sua comida
é impressionante. E quem é que resiste a uma paella
bem feita?
A cozinha italiana já tem tanto espaço na mesa
dos brasileiros que praticamente o bairro do Bixiga
todo é tomado por restaurantes italianos. Ninguém
dispensa uma bela massa. As pizzas fazem parte do
dia-a-dia do brasileiro. Prova disso são as pizzarias:
inúmeras e com custos bastante acessíveis. Tanto que
a criatividade brasileira já inseriu no menu “redondas” bastante inusitadas, como de abobrinha e carneseca.
A culinária portuguesa é caracterizada por possuir
pratos ricos, saborosos e não tão caros. É bastante influenciada pelas antigas colônias, e também pelas cozinhas árabe e moura. Em comum com o Brasil, a utilização do alho em demasia e ervas como a salsa. Por ser
uma nação com vocação marítima, abusam dos peixes
e frutos do mar em seus cardápios. Dentre eles, o
delicioso e tão tradicional bacalhau, que,
dizem, pode ser preparado de 365 maneiras, uma para cada dia do ano.
Coreanos também têm sua
vez em meio a tantos temperos.
Hyoza Moon Cho (Madalena),
proprietária do Restaurante Lua Palace, disse que há
12 anos, quando começou o
negócio, 90% dos fregueses
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O que vale é experimentar. E baseado neste perfil do
brasileiro, que procura conhecer as tradições e degustar
diferentes pratos, a APMP ofereceu um giro pelo mundo através de um delicioso jantar de final de ano, cujo
cardápio incluiu um pouquinho do que se aprecia em
outras nações. Os pratos foram minuciosamente preparados por conceituados chefs, sushimen e cozinheiros,
que apresentaram
o melhor de cada
nacionalidade.
eram estrangeiros. “Agora, é meio
a meio”, afirma.
A comida japonesa é leve, de fácil digestão e não
deixa de ter um toque romântico, que consiste em dividir o prato em uma mesma bandeja e, dependendo do
clima, levar a comida à boca do acompanhante. Especialistas alegam que para apreciar o cardápio japonês é
preciso dedicar mais de uma hora para almoçar ou jantar, e assim concretizar todo o ritual de molhar o sushi
e o sashimi no shoyo e utilizar o gengibre e o wassabi
(massa verde de sabor forte). Apesar de não ter todos
os nutrientes necessários
para a alimentação
completa, a comida japonesa é
equilibrada e
sadia.
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