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PÚBLICO, SEX 18 OUT 2013 | 47
A Internet, a lei
e o TEDH
O
Francisco Teixeira da Mota
Escrever direito
Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos (TEDH)
proferiu no passado dia 10
uma importante decisão
para o mundo virtual,
no caso Delfi AS contra
Estónia ao pronunciar-se
sobre a responsabilidade
de um portal de notícias
relativamente aos
comentários aí colocados pelos leitores.
A Delfi SA é um portal de notícias de
grande importância na Estónia que chega
a publicar 330 novos artigos por dia,
sendo que os seus leitores aí publicam
diariamente cerca de 10.000 comentários,
a maior parte com pseudónimos.
Embora não lesse nem moderasse
previamente os comentários, a Delfi SA
criara um conjunto de regras quanto
aos mesmos, em que, para além de um
filtro que removia automaticamente os
comentários que contivessem determinadas
palavras ou expressões consideradas
insultuosas, previa um sistema de
notificação por parte dos leitores quanto
aos comentários considerados insultuosos
para a sua remoção. Para além disso,
estava também implantado um sistema
em que qualquer pessoa podia solicitar à
Delfi SA para esta retirar os comentários
considerados inapropriados, o que a
companhia fazia imediatamente.
Tinha ainda a Delfi SA o cuidado de
colocar no portal, um aviso, esclarecendo
que os comentários não traduziam a
opinião da companhia e que se reservava
o direito de retirar os comentários que
não respeitassem as regras de boa prática
que divulgava, nomeadamente, que
contivessem ameaças, insultos, expressões
obscenas ou incitassem à violência ou à
prática de actividades ilegais.
Em 24 de Janeiro de 2006, a Delfi SA
publicou uma notícia relativamente às
BARTOON LUÍS AFONSO
actividades de uma companhia de ferries
que alterara uma rota de ligação com
algumas ilhas no Inverno, tendo destruído
camadas de gelo onde se poderiam vir
a construir estradas que permitiriam a
ligação com essas ilhas, evitando-se a
necessidade de utilização dos ferries. Nesse
dia e no dia seguinte foram publicados
185 comentários ao artigo dos quais cerca
de 20 continham ameaças e expressões
ofensivas dirigidas à companhia dos ferries
e que passavam pelas clássicas “filhos da
mãe” ou “merdas” e expressões quejandas
ou pelas ameaças do tipo: “... Um porco
vai ser massacrado. Nada a fazer.” Ou: “...
Matem estes bastardos de uma vez para
sempre. No futuro, os outros saberão o que
arriscam.”
Só em 9 de Março, através de carta,
solicitou a companhia de ferries a retirada
dos comentários em causa, bem como o
pagamento de uma indemnização de cerca
de € 32.000 pela ofensa ao seu bom-nome.
A Delfi, SA retirou nesse mesmo dia os
comentários que considerou insultuosos,
mas não pagou a indemnização por
considerar que a alegada ofensa não era da
sua responsabilidade.
O assunto foi parar aos tribunais
estonianos que, em decisão final,
condenaram a Delfi SA a pagar € 320 à
companhia de ferries, considerando-a
responsável pelo conteúdo dos comentários
publicados no portal. Embora o montante
fosse reduzido, entendeu a Delfi SA recorrer
ao TEDH por considerar ter sido violada a
sua liberdade de expressão, consagrada na
Convenção Europeia dos Direitos Humanos
(CEDH) . Defendia a Delfi SA que era um
mero prestador intermediário de serviços,
não devendo ser considerado responsável
pelo conteúdo dos comentários publicados
pelos leitores das notícias, invocando
em seu favor a directiva sobre comércio
electrónico de 2000 que, no seu entender,
tinha sido mal aplicada pelos tribunais
nacionais.
Por seu lado, o Governo estoniano
defendeu que as decisões dos seus tribunais
Aves
bravas
não violavam a liberdade de expressão,
já que eram razoáveis e proporcionadas
numa sociedade democrática, sendo que
a Delfi SA não era um mero fornecedor de
serviços na Internet, mas um fornecedor
de conteúdos que publicava notícias e
podia interferir nas mensagens que eram
publicadas. Podia e devia ter tomado outras
medidas para evitar a lesão do direito ao
bom nome da companhia dos ferries.
O TEDH, por unanimidade, considerou
que não tinha de apreciar se os tribunais
estonianos tinham aplicado bem ou
mal a directiva
do comércio
electrónico, mas
tão-só se tinham
violado a CEDH.
E, nesse aspecto,
decidiu que os
tribunais da Estónia
não tinham violado
a liberdade de
expressão da Delfi
SA, uma vez que:
esta podia ter feito
mais para evitar
os comentários
inequivocamente
insultuosos, a
condenação era
num montante
bastante razoável
e os tribunais não tinham imposto à Delfi
SA qualquer medida desproporcionada
em termos da sua liberdade de expressão,
nomeadamente obrigando-a ao futuro
registo dos leitores que quisessem efectuar
comentários ou à prévia fiscalização de
todos os comentários.
Esta pioneira decisão do TEDH
no domínio dos limites da liberdade
de expressão na Internet, embora
fundamentada, abre um perigoso caminho
para a legitimação de restrições à liberdade
de expressão online.
De quem é
a responsabilidade pelos
comentários
online ?
Advogado. Escreve à sexta-feira
[email protected]
A
Miguel Esteves Cardoso
Ainda ontem
s gaivotas, já de si rabujentas,
andam fulas. Os restaurantes
da praia já não têm tantas
tripas de peixe e pão velho
para oferecer e as gaivotas só
agora souberam, pelos apertos
nas gordas barrigas, que o
Verão efectivamente acabou.
Juntam-se em grandes bandos
flutuando na água. Todas estão
deprimidas, mas só uma é que se exprime,
gatafunhando histericamente nas penas,
mergulhando o bico no tinteiro do mar. Na
areia viram as costas umas às outras, como
se tivessem cortado relações. Algumas, mais
quezilentas, provocam discussões e bicadas.
Em casa onde não há pão...
Na Praia das Maçãs dezenas delas
puseram-se em fila indiana, ocupando toda
a praia até ao mar, como se esperassem a
distribuição milagrosa mas ordeira de uma
sardinha por cada ave.
Vou ver o que há sobre gaivotas no
monumental e exaltante Birds & People, de
Mark Cocker. É capaz de ser o livro mais
interessante de sempre sobre pássaros.
Está atento à terminologia portuguesa e
brasileira: levamos muito na cabeça por
confundir andorinhões e andorinhas.
Encontro lá a lindíssima Sterna paradisaea
(a que chamamos, gulp, andorinha-do-mar
árctica), que todos os anos faz uma viagem
de ida e volta entre as duas regiões polares,
passando dois Verões por ano: um no
Árctico, outro na Antárctida. São só 35 mil
quilómetros. Cocker diz que a ave “é pouco
mais do que um coração embrulhado em
músculo de asa”, lembrando que a beleza
dela até no nome científico é cantada:
paradisaea, “do paraíso”.

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