Tombuctu

Transcrição

Tombuctu
Errâncias
DR
De Lisboa a
Tombuctu
Vinte e três dias de viagem num
velho UMM sem tracção às 4 rodas
entre Lisboa e a mítica cidade
de Tombuctu, no Mali. Foi esta a
aventura do leitor Filipe Bianchi,
retratada aqui na primeira pessoa
Sair de Lisboa para uma viagem de 23
dias até Tombuctu num UMM com 20
anos é já prenúncio de uma grande
aventura. Se a isto juntarmos o facto
de não conhecermos os nossos
companheiros de viagem, todos eles
ingleses, viajando em carros também
de idade avançada, alguns sem
tracção às 4 rodas, temos então a
certeza de que a aventura vai ser
mesmo a valer.
Tínhamos como objectivo chegar a
Tombuctu, no Mali, e assistirmos ao
Festival do Deserto, que se realiza em
Essakane. A viagem de Lisboa até à
Mauritânia decorreu sem muito para
contar, tirando uma avaria que nos
forçou a passar um dia inteiro numa
oficina e depois fazer 1000
quilómetros sem travões e sozinhos
para nos juntarmos de novo ao grupo.
Ainda em Marrocos os nossos
companheiros de viagem brindaramnos, na passagem de ano, com um
monumental fogo de artifício que
haviam trazido de Inglaterra na mala
de um dos carros.
O facto de o nosso carro ser dos
mais lentos obrigava-nos sempre a
partir mais cedo para chegarmos
todos ao mesmo tempo. Uma
desvantagem abençoada, já que nos
permitiu ir assistindo as nascer-do-sol
no Sahara, um espectáculo
deslumbrante e inesquecível..
Chegados à Mauritânia e depois de
passarmos por postos fronteiriços
que ultrapassam toda e qualquer descrição que se possa fazer, sentimonos realmente em África. O trânsito
nas localidades é caótico, com carros
a cair aos bocados, carrinhas sem
vidros a servirem de minibus, carroças por todo o lado e até rebanhos de
cabras a pastar nos separadores centrais.Sempre que parávamos os carros éramos inundados por magotes
de crianças curiosas e dispostas a
trocar até um simples lápis do Ikea
pelo mais sincero dos sorrisos.
Até Nema, na Mauritânia, seguimos sempre por estradas asfaltadas.
Apartir daí embrenhámo-nos pelas
pistas do deserto, e começaram as
dificuldades para os carros que não
dispunham de tracção integral e o
divertimento para os 4x4.
Se na Mauritânia as povoações são
sujas e desordenadas, no Mali são
muito mais bonitas, limpas e cuidadas. As crianças, essas, são iguais,
continuando a presentear-nos com os
seus belos sorrisos.
Com alguns atrasos e percalços chegámos finalmente a Tombuctu, mas já
depois do festival ter acabado. Ninguém
ficou desapontado com isso: o objectivo
de chegarmos todos a Tombuctu e de
vivermos momentos e emoções inesquecíveis tinha sido plenamente atingido. É
espantoso o que veículos com aquela
idade ainda são capazes de suportar.
Tirando avarias simples como ventoinhas
de radiador partidas, escapes soltos ou
apoios de amortecedores partidos, todos
os carros chegaram ao fim.
Tombuctu é ainda hoje um destino
mítico [apesar de estar a ser engolida
pelas areias do Sahara e de já não ter o
esplendor de outrora, a cidade continua
a viver do prestígio da Universidade de
corânica de Sankoré e do o famoso Centro Ahmed Baba, depositário de uma
fantástica colecção de 20 mil manuscritos árabes antigos, que guardam mais
de um milénio de conhecimento
científico islâmico), mas é pouco
mais do que isso. Depois de lá chegarmos não nos cativa por aí além.
África, com as suas gentes, sim, é um
verdadeiro continente de emoções a
que ninguém consegue ficar indiferente. (www.filipebianchi.com)
Passatempo Leitores em fuga
O FUGAS lança o desafio aos seus
leitores: envie-nos uma fotografia da
última viagem que fez ou daquela
que mais o marcou juntamente com
um pequeno texto. O texto tem que
ser original e não deverá
ultrapassar os dois mil caracteres já
com espaços. O melhor trabalho
será publicado na edição em papel
do suplemento FUGAS e o conjunto
das fotografias integrará uma
Galeria de Imagens no PUBLICO.PT.
O melhor trabalho de cada mês,
escolhido pela equipa do FUGAS,
receberá uma assinatura anual do
jornal em pdf. As fotografias e os
textos deverão ser enviados para o
e-mail [email protected] ou
[email protected]
Errâncias
PAULO RICCA
O livro Mulher de Porto Pim e outras
histórias, de Antonio Tabucchi,
é o ponto de partida do texto
do leitor Rui Cóias, o primeiro
que publicamos no âmbito do
passatempo Leitores em fuga
Açores
Inutile phare
de la nuit
Antonio Tabucchi escreveu, em
1983, uma das suas obras mais
emblemáticas, que, com os anos, se
foi tornando, para muitos de nós,
uma espécie de segredo precioso,
um livro clássico e fundamental,
uma outra viagem pessoal: Mulher
de Porto Pim e outras histórias. A
narrativa de Tabucchi enche-nos a
memória com uma leve penugem
solar e quente, onde os olhos brilham inundados de ilhas e promontórios, de planaltos e portos onde
nada há a fazer senão «escrever» e ir
vendo os barcos chegar e partir e
acompanhá-los ao longo dos paredões a deixarem um rastro onde
ecoam histórias impossíveis e aventuras esquecidas. Com Tabucchi
vamos através das inefáveis e belísi-
Ilha doPico
mas ilhas que formam, como uma
miragem esfumada e um reduto
guardado da memória, o arquipélago real e sonhado dos Açores. Os
temas de que trata são logo adiantados por Tabucchi no seu Prólogo: as
pequenas baleias azuis que se passeiam ao largo dos Açores nos dias
de maior bonança; os naufrágios,
«que na sua acepção de actos falha-
dos e malogros parecem igualmente
metafóricos»; as vidas que se perdem pelo caminho e as que foram
levadas pelos ventos às costas do
Faial; esse lugar mítico, ponto de
encontro de todos os navegantes,
velejadores e viajantes do mundo,
«destinatário de mensagens precárias e de sorte incerta», que é o
Peter`s Bar, na Horta; os lugares e as
Sons com asas
Internacional cigana
Primeiro premiado
Fanfare Ciocarlia
Queens and Kings
Asphalt Tango, distri. Megamúsica
Descoberta por
acaso por uma
equipa de
televisão
francesa, a
Fanfare Ciocarlia
vem duma remota terriola do
nordeste romeno onde só há 400
ciganos, mas todos cantam e/ou
tocam algum instrumentos. É
assim uma espécie de selecção da
aldeia, que toca com uma fúria e
uma rapidez estonteantes. O seu
delírio festivo rapidamente os fez
ganhar o circuito de festivais de
world internacionais, dos quais só
se retiraram em finais do ano
passado, para finalmente se
estrearem no Palácio Nacional da
Cultura, a sala mais nobre de
Bucareste – uma consagração
tardia no seu próprio país,
mediada pela consagração no
estrangeiro, à semelhança do que
antes sucedeu com os Taraf
Haidouks. A ocasião era especial e
a Fanfare quis torná-la ainda mais
inesquecível partilhando o palco
com outros nomes destacados da
diáspora cigana.
Dessa reunião resulta “Queens
and Kings”, uma celebração sem
fronteiras da alma cigana, que
triunfa na mesma medida em que a
Fanfara investe a sua equação de
sopros delirantes e ritmos militares
como uma linguagem franca,
declinável com as mais variadas
iluminações da música roma. Do
O leitor Rui Cóias foi o primeiro leitor a
ganhar uma assinatura anual do
PÚBLICO em pdf, com o texto “Inutile
phare de la nuit”, publicado no passado
dia 14 de Abril e considerado pela
equipa do FUGAS como o melhor do mês.
14 • Sábado 14 Abril 2007 • Fugas
10 • Sábado 5 Maio 2007 • Fugas
barroco épico da macedónia Esma
ou do hiper romantismo do sérvio
Saban aos arabescos estilizados
dos franceses Kaloome e ao
fusionismo electrónico da
estreante Florentina Sandu, os
pontos comuns prevalecem sobre
as diferenças, num alinhamento
que não apenas justifica o conceito
de “música cigana” como guardachuvas comum, mas dele oferece
um instantâneo “best of”. Num
disco incendiário, onde cada
prestação parece concorrer com a
seguinte em termos de intensidade
e contágio, o melhor fica para
quando menos se espera ou
quando o ouvinte já está a precisar
de descanso. É a inenarrável
versão do clássico hippie “Born to
be wild”, que doravante merecerá
o título de hino da internacional
cigana. Espantoso.
evocações de jornadas; e a história
fantástica de «Lucas Eduíno, que
matou com o arpão a mulher que
julgava sua, em Porto Pim», que não
sabemos se real, imaginada ou um
pouco das duas, contada, à noite,
entre a toada dos pézinhos e chamaritas, aos turistas numa taberna da
baía de Porto Pim, na Horta.» Donna
di Porto Pim é uma história de silêncios, como o silêncio que à noite
enche a distância de ecos e vozes
junto à baía de Porto Pim. Mulher de
Porto Pim é um livro sobre os Açores
de cada um de nós, sobre as memórias que cada um tem e guarda das
ilhas, e que não deve contar. Chatwin dizia que todos precisamos de
uma busca como desculpa para
viver. As vistas do Pico, as águas lisas
junto a São Roque, os planaltos de
São Jorge, as costas macias do Faial
ou a travessia para as Flores, com o
Corvo ao fundo, podem muito bem
ser essa busca e essa desculpa. Mas
perdoem-me: não falem muito dos
Açores; partilhem-nos apenas com
aqueles que procuram os lugares
improváveis, os que permanecem
como os últimos lugares deste
mundo: os inutile phare de la nuit.
Como escreveu Tabucchi:
«Durante muito tempo trouxe na
memória uma frase de Chateaubriand: Inutile phare de la nuit.
Creio que lhe atribuí sempre um
poder de desencantado conforto
como quando nos apegamos a algo
que se revela um inutile phare de la
nuit e, contudo, nos permite fazer
alguma coisa apenas porque acreditávamos na sua luz: a força das ilusões. Na minha memória esta frase
andava associada ao nome de uma
ilha longínqua e improvável: Ile de
Pico, inutile phare de la nuit.»
Passatempo Leitores em fuga
O FUGAS lança o desafio aos
seus leitores: envie-nos uma
fotografia da última viagem que
fez ou daquela que mais o marcou
juntamente com um pequeno
texto. O texto tem que ser original
e não deverá ultrapassar os dois
mil caracteres já com espaços. O
melhor trabalho será publicado na
edição em papel do suplemento
FUGAS e o conjunto das fotografias
integrará uma Galeria de Imagens
no PUBLICO.PT. O melhor trabalho
de cada mês, escolhido pela
equipa do FUGAS, receberá uma
assinatura anual do jornal em pdf.
As fotografias e os textos deverão
ser enviados para o e-mail fugas@
publico.pt ou [email protected]