A LITERATURA NO CIBERESPAÇO: AUTOR, LEITOR E

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A LITERATURA NO CIBERESPAÇO: AUTOR, LEITOR E
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A LITERATURA NO CIBERESPAÇO: AUTOR, LEITOR E HIPERTEXTO
Marco Antonio Hruschka TELES (PG – UEM)
Resumo: O objetivo deste trabalho é discutir a relação e a identificação cruzada que se
estabelece, no âmbito da literatura, entre autor e leitor no ciberespaço. Para isso,
debater-se-á o conceito de hipertexto. Igualmente, a reprodutibilidade técnica da arte,
sobretudo a contemporânea, e a possibilidade de um novo gênero literário culminante
justamente da interatividade midiática que se impõe cada vez mais, principalmente em
blogs e redes sociais. Para tanto, utilizar-se-á a linha de raciocínio teórica de Walter
Benjamin e de Pierre Lévy.
Palavras-chave: Literatura. Ciberespaço. Hipertexto. Autor. Leitor.
Devido à globalização e ao advento da internet, o contato das pessoas com a rede
informacional evoluiu significativamente. As principais vantagens são a velocidade com
que as informações chegam até os internautas e a possibilidade de um contato mais
próximo com diversas áreas do conhecimento. As opções são inúmeras, como esportes,
atualidades, entretenimento, política, jogos, futilidades e até mesmo a cultura e a arte,
que antigamente era considerada sagrada, um objeto de culto, seja pelo viés religioso ou
mágico, como afirma Walter Benjamin (1996, p. 171): “A forma mais primitiva de
inserção da obra de arte no contexto da tradição se exprimia no culto. As mais antigas
obras de arte, como sabemos, surgiram a serviço de um ritual”. Se fosse possível
escolher apenas uma desvantagem, citar-se-ia o fato de essas mesmas informações
disponíveis serem consumidas tão rapidamente quanto um clique no mouse. Devido
principalmente à reprodutibilidade técnica, os trabalhos artísticos perdem cada vez mais
a sua aura, pois se distanciam de sua origem e, inevitavelmente, deixam de ser únicos.
Mas o que é, de fato, a aura de uma obra de arte? “É uma figura singular, composta de
elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto
que ela esteja” (BENJAMIN, 1996, p. 170). É como se um artista estivesse pintando a
sua obra e fosse possível visualizá-la no mesmo instante ou logo em seguida, quando ela
estivesse pronta. Ou ainda, contemplar A criação de Adão, de Michelangelo dentro da
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própria Capela Sistina, pois assim preservar-se-ia o seu valor de culto religioso e a sua
aura artística seria mantida. Mas se o afresco fosse fotografado e a visualização fosse a
partir de uma tela de computador, ainda se trataria de uma pintura de Michelangelo? É
uma pergunta simples, mas a resposta seria complexa. Contudo, poder-se-ia afirmar, no
mínimo, que a aura estaria perdida. Desta forma,
“com a reprodutibilidade técnica, a obra de arte se emancipa, pela
primeira vez na história, de sua existência parasitária, destacando-se
do ritual. A obra de arte reproduzida é cada vez mais a reprodução de
uma obra de arte criada para ser reproduzida” (BENJAMIN, 1996, p
171).
Talvez isso tenha mais a ver com o cinema, com a música e justamente com o
foco deste trabalho, a literatura. Se fosse possível encontrar a primeira edição de A
divina comédia de Dante Alighieri e compará-la com uma versão reproduzida
digitalmente para leitura na tela de computador, por exemplo, tratar-se-ia de duas obras
diferentes? O texto, diferentemente da pintura e da escultura, não necessita de um
suporte específico para ser o que é:
Desde suas origens mesopotâmicas, o texto é um objeto virtual,
abstrato, independente de um suporte específico. Essa entidade virtual
atualiza-se em múltiplas versões, traduções, edições, exemplares e
cópias. Ao interpretar, ao dar sentido ao texto aqui e agora, o leitor
leva adiante essa cascata de atualizações (LÉVY, 1996, p. 35).
Sendo o texto um objeto virtual, ele pode ser reproduzido sem perder o seu
propósito inicial. Dom Casmurro em papiro, em papel, no notebook ou na tela de um
celular continuará sendo o mesmo romance de Machado de Assis. Com a (pós)
modernidade e a evolução dos meios de comunicação, a literatura tem a possibilidade de
se expandir e chegar a lugares antes nunca alcançados. A sua propagação via internet
multiplicou o número de leitores e o acesso aos conteúdos que outrora só estavam
disponíveis a partir do investimento financeiro por parte de quem podia comprar um
livro. Benjamin (1996, p.180) afirma que “a arte contemporânea será tanto mais eficaz
quanto mais se orientar em função da reprodutibilidade e, portanto, quanto menos
colocar em seu centro a obra original”. Ao contrário das tradições mais antigas, nas
quais a obra de arte deveria permanecer escondida, devido ao seu valor sagrado, na
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atualidade ela deve ser mostrada e reproduzida com o principal objetivo de alcançar o
maior número de admiradores possível.
Antes, as entidades ou objetos de cunho artístico eram feitos para o entendedor,
o apreciador com sentidos aguçados, aquele que interiorizava a sua essência e
reconfigurava o seu sentido. Hoje eles são feitos, por que não dizer fabricados, e
recebidos como entretenimento, diversão, talvez um passatempo para que as massas os
consuma:
A massa é a matriz da qual emana, no momento atual, toda uma
atitude nova com relação à obra de arte. [...] Afirma-se que as massas
procuram na obra de arte distração, enquanto o conhecedor a aborda
com recolhimento. Para as massas, a obra de arte seria objeto de
diversão, e para o conhecedor, objeto de devoção (BENJAMIN, 1994,
p. 192).
É preciso observar com atenção os novos fenômenos artísticos, atualizar a
concepção de arte, pois o próprio fazer artístico se modifica constantemente com as
novas ferramentas, com os novos acontecimentos, fenômenos, suportes, ideias e
intenções. Muitos temem a morte do livro impresso, talvez
por termos sido educados a valorizar o livro como objeto cultural,
ficamos perdidos diante dessa nova figura literária – talvez gênero –
que nos impõe respostas, interações e principalmente uma reeducação
da percepção da arte (CORRÊA, 2005, p. 19).
Entretanto, antes de forçar respostas, de afirmar e concluir antecipadamente, é
preciso questionar. A partir da indagação pode-se chegar a reflexões pertinentes. A
primeira questão levantada é: O texto literário digital tem alguma validade, utilidade ou
importância? Corrêa (2005, p. 17) alega que
Embora argumentem contrariamente à validade e à utilidade do texto
literário digital - especialmente aqueles que defendem o papel
dignificador da alta cultura e do livro como herança artística da
humanidade –, a bem da verdade o grande modificador estrutural é o
meio ou a técnica [...] A par disso, surgem outras questões mais
conceituais: a disponibilidade e a multiplicidade do objeto, a
conformação e a inteireza da obra, a vulgarização e o respeito à
propriedade intelectual, a volatilidade da autoria, a reprodutibilidade
técnica e o aparato multimidiático, e a estetização do texto eletrônico.
Percebe-se a quantidade de questões conceituais advindas da problemática da literatura
no ciberespaço. Contudo, apesar de sua correlação lógica, neste artigo, por motivos de
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especificidade e coerência com o objeto estudado, priorizar-se-á apenas a volatilidade
da autoria, a reprodutibilidade técnica e o aparato multimidiático.
É preciso, antes de tudo, definir e explanar o conceito de hipertexto. Segundo
Pierre Lévy (1996, p. 40), “um hipertexto é uma matriz de textos potenciais, sendo que
alguns deles vão se realizar sob o efeito da interação com o usuário”. É o conjunto de
todos os textos expostos e disponíveis na rede mundial de computadores ligados entre si
por links, permitindo que o acesso seja mais dinâmico e veloz. Ou, ainda nas palavras
de Lévy (1996, p. 44), “o hipertexto seria portanto definido como uma coleção de
informações multimodais disposta em rede para a navegação rápida e „intuitiva‟”.
Todavia, esses textos não são estáticos. Estão em contínuo crescimento e se alimentam
cada vez mais de informações correlacionadas, tanto que “o hipertexto jamais é duas
vezes o mesmo” (LÉVY, 1996, p. 48). A partir de então, surge a problemática
relacionada à autoria.
No espaço virtual, em sites, blogs, fanfictions e redes sociais, como o Twitter e o
Facebook, pode-se encontrar infindáveis exemplos de postagens literárias. Entretanto,
devido à dinamicidade do ciberespaço e ao atual aguçamento sensitivo por parte do
internauta, essas postagens são, geralmente, mais recheadas com elementos
multimidiáticos, ou seja, em um mesmo post pode-se encontrar uma união, fusão ou
coexistência de mais de uma linguagem, podendo ser verbal ou não verbal, dependendo
da mídia.
No Facebook existem várias páginas “pessoais” de escritores já falecidos, como
Machado de Assis, Clarice Lispector, Fernando Pessoa ou Caio Fernando de Abreu.
Nessas páginas, obviamente criadas por familiares ou por fãs, pode-se visualizar trechos
e/ou citações dos autores. Frente à enorme gama de opções e exemplos no mundo
virtual, foi escolhido para este trabalho um post da página da escritora Clarice
Lispector, moderada pela fã Geórgia. Eis um exemplo de citação da autora de A hora da
estrela, que pode ser visualizado no álbum “Fotos do mural” da página
(http://www.facebook.com/pages/Clarice-Lispector/187687457950398):
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Não há referência. Não se sabe de qual livro e em qual página encontra-se a
citação. Apenas nos comentários dos seguidores é que aparece a alusão ao romance e à
personagem, Macabéa. Contudo, segundo Lévy, no mundo virtual isso não tem
importância, pois “não me interesso mais pelo que pensou um autor inencontrável, peço
ao texto para me fazer pensar, aqui e agora. A virtualidade do texto alimenta minha
inteligência em ato” (LÉVY, 1996, p. 49). Entretanto, como visto acima, há uma foto
que faz parte da postagem. Trata-se de uma mulher jovem e bonita, sentada na parte de
dentro de uma janela, que está fechada, ela está olhando para fora, usa um vestido solto
e segura um cão de pelúcia. As cortinas são brancas e faz sol lá fora. O fato é que após a
leitura do texto literário, o moderador da página, que tem a intensão de compartilhar o
excerto procura, em geral no banco de imagens do google, alguma foto, pintura ou
desenho que simbolize ou complete o sentido do fragmento que será enviado online.
Todavia, a imagem escolhida já está carregada da leitura feita anteriormente pela dona
da postagem, influenciando diretamente na interpretação de quem lê. Quem é o dono
dessa nova linguagem que se descortina no ciberespaço? O fotógrafo ou ilustrador, a
Clarice Lispector ou aquele que posta fazendo a interação midiática e criando uma nova
maneira de se expressar? Benjamin (1994, p. 184) afirma que “a diferença essencial
entre autor e público está a ponto de desaparecer. Ela se transforma numa diferença
funcional e contingente. A cada instante, o leitor está pronto a converter-se num
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escritor”. A partir do momento que o leitor participa com um comentário referente a
algum texto disponível na rede, ele passa também a ser um escritor, pois, naquele
instante, ele contribui com uma linha a mais do hipertexto, “ora, a hipertextualização
objetiva, operacionaliza e eleva à potência do coletivo essa identificação cruzada do
leitor e do autor” (LÉVY, 1996, p. 45). Não se trata mais somente daquele trecho de
Clarice Lispector, ou de uma foto, uma imagem isolada. Tem a ver com a atualização do
pensamento, a leitura de cada um, a ligação intuitiva da mensagem com o hipertexto e a
transformação da arte em uma rede semântica que transbordará os limites da página e
das aspas, pois
As passagens do texto mantêm entre si virtualmente uma
correspondência, quase que uma atividade epistolar, que atualizamos
de um jeito ou de outro, seguindo ou não as instruções do autor.
Carteiros do texto, viajamos de uma margem à outra do espaço do
sentido valendo-nos de um sistema de endereçamento e de indicações
que o autor, o editor, o tipógrafo balisaram. Mas podemos
desobedecer às instruções, tomar caminhos transversais, produzir
obras interditas, estabelecer redes secretas, clandestinas, fazer emergir
outras geografias semânticas (LÉVY, 1996, p. 36).
Não há mais nada de concreto, de fixo e de imutável, pois “o texto serve aqui de
vetor, de suporte ou de pretexto à atualização de nosso próprio espaço mental” (LÉVY,
1996, p. 37).
Outro caso interessante é de uma postagem do blog “Letra Lírica”, do escritor
Marco Hruschka (www.letralirica.blogspot.com). Rotulado blog do escritor, o espaço
traz também conteúdos de outros escritores, sobretudo de influências literárias. Em 20
de dezembro de 2009, o blogueiro fez um post cujo texto preliminar diz:
Eis um de meus poemas prediletos: Eros e Psiquê, de Fernando
Pessoa. O texto pode ser encontrado no livro Cancioneiro. Trata-se de
uma releitura do mito grego. No vídeo, a declamação do poema por
Maria Bethânia com piano ao fundo. A primeira foto é uma escultura
de Antonio Canova chamada Psiquê revivida pelo beijo de Eros,
a segunda foto é uma pintura que se chama L'enlèvement de psyché, de
William Bouguereau. Abaixo um link sobre o mito de Eros e Psiquê.
Declamação, música, escultura, pintura e poesia, viva a junção das
Artes!
Qual o limite para a interação midiática? Qual a sensação que essa junção causa
no internauta? Uma coisa é clara: o ciberespaço possibilita novas alternativas e novas
experiências com relação à arte, pois
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Todos os textos públicos acessíveis pela rede Internet doravante fazem
virtualmente parte de um mesmo imenso hipertexto em crescimento
ininterrupto. Os hiperdocumentos acessíveis por uma rede informática
são poderosos instrumentos de escrita-leitura coletiva (LÉVY, 1996,
p. 46).
Imagine: ler o poema de Pessoa no livro Cancioneiro. Tem-se apenas papel e
letras. No máximo um conhecimento prévio do autor e a retomada de alguma de suas
características. A interpretação é toda do leitor, com ou sem declamação. Todavia, a
primeira parte do post é o vídeo com a dramatização de Maria Bethânia com uma
música de fundo tocada ao piano. E se o declamador fosse o próprio Pessoa? Ou um
professor de Literatura de alguma universidade? Ou alguém que decorou o poema em
vez de lê-lo? As pausas, o ritmo, a voz, a entonação, e o próprio instrumento musical
influenciam na interpretação do texto. Em seguida, abaixo, o próprio poema para que o
internauta acompanhe a leitura enquanto ouve a declamação da cantora. O que pode ser
opcional, visto que o vídeo pode ser acionado ou não. Ao lado, a escultura de Antonio
Canova, com Eros fazendo renascer Psiquê. Um pouco mais abaixo, mas ainda do lado
direito do poema, a pintura de Bouguereau, retratando os mesmos personagens. Por
último, um link denominado “O mito de Eros e Psiquê – Clique e saiba mais!”, que dá
acesso à página do Wikipédia com informações a respeito da lenda em voga. Trata-se de
uma postagem que corresponde ao que se espera de uma dinâmica multimidiática,
Pois o texto contemporâneo, alimentando correspondências on line e
conferências
eletrônicas,
correndo
em
redes,
fluido,
desterritorializado, mergulhando no meio oceânico do ciberespaço,
esse texto dinâmico reconstitui, mas de outro modo e numa escala
infinitamente superior, a copresença da mensagem e de seu contexto
vivo que caracteriza a comunicação oral. De novo, os critérios
mudam. Reaproximam-se daqueles do diálogo ou da conversação:
pertinência em função do momento, dos leitores e dos lugares virtuais;
brevidade, graças à possibilidade de apontar imediatamente as
referências; eficiência, pois prestar serviço ao leitor (e em particular
ajudá-lo a navegar) é o melhor meio de ser reconhecido no dilúvio
informacional (LÉVY, 1996, p. 39).
Além disso, há a possibilidade de postar comentários, geralmente concernentes
ao tema do blog ou da própria postagem. Eis um comentário postado por um leitor
anônimo: “Bela poesia. Eu gosto muito de mitologia. Me fez lembrar de um livro que li
uma vez. Chama-se: „O universo, os deuses e os homens: mitos gregos contatos por
Jean-Pierre Vernant‟. Fica a dica”. Qual a contribuição que esse internauta anônimo dá
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para o post? Seria ele parte do próprio texto? Ou ainda coautor? O poema de Pessoa e o
mito no Wikipédia são distintos? Pierre Lévy ajuda a responder a essas questões dizendo
que
Os dispositivos hipertextuais nas redes digitais desterritorializaram o
texto. Fizeram emergir um texto sem fronteiras nítidas, sem
interioridade definível. Não há mais um texto, discernível e
individualizável, mas apenas texto, assim como não há uma água e
uma areia, mas apenas água e areia (LÉVY, 1996, p. 48).
Sem entrar na discussão do que possui valor artístico/literário ou não, t odo leitor é um
escritor em potencial. A partir do ciberespaço, todos podem acessar o conteúdo
disponível e atualizá-lo colaborando com essa grande bola de neve que é o hipertexto.
Sendo assim, “é como se a digitalização estabelecesse uma espécie de imenso plano
semântico, acessível em todo lugar, e que todos pudessem ajudar a produzir, a dobrar
diversamente, a retomar, a modificar, a dobrar de novo...” (LÉVY, 1996, p. 49).
O que será do livro impresso se o ciberespaço possibilita uma interação muito
maior com diversas áreas do conhecimento, com as artes e com criações
multimidiáticas? O mundo está em plena evolução e com ele as ferramentas de criação
artística. Quando o computador foi criado, substituiu a máquina de escrever e a
produção, sobretudo de textos, progrediu significativamente. Entretanto,
Considerar o computador apenas como um instrumento a mais para
produzir textos, sons ou imagens sobre suporte fixo (papel, película,
fita magnética) equivale a negar a sua fecundidade propriamente
cultural, ou seja, o aparecimento de novos gêneros ligados à
interatividade (LÉVY, 1996, p. 40).
Em uma outra postagem do blog “Letra Lírica”, o autor Marco Hruschka publica
um poema em prosa de sua autoria, chamado Amor em vidros. Eis uma reprodução que
pode ser encontrada e melhor visualizada em (http://letralirica.blogspot.com.br/):
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Como se pode ver, ao lado do texto, há uma fotografia postada no propósito de
enfatizar o aspecto sentimental do poema. O visual é perceptível mais rapidamente pelo
ser humano. Olhar uma gravura ou um desenho, por exemplo, é mais rápido que ler um
poema. Assim as imagens já vão sendo criadas na mente do leitor mesmo antes da
leitura propriamente dita. É uma espécie de preparação. A foto é em preto e banco, mas
percebe-se que o dia está cinzento por causa do clima. Em primeiro plano há um jovem
casal se beijando sob um guarda-chuva segurado pelo homem. Em segundo plano, a
Torre Eiffel. A fotografia resgata todo o glamour da capital francesa e, evidentemente,
um ar de romantismo que a cidade possui. Aqui, o mesmo autor do texto é quem
escolhe a imagem para somar e potencializar o seu significado. Mas não se trata apenas
disso, nesse caso e no citado anteriormente, o post com o poema Eros e Psiquê,
Cabe ainda ao menos ressaltar que uma mesma postagem pode
articular diversas linguagens, em especial a linguagem verbal e uma
outra manifestação de linguagem visual ou audiovisual. Destaquemos
que não se trata simplesmente de um caso de imagens ilustrativas que
concorrem para reiterar o que o texto verbal oferece em termos de
mensagem, mas, em muito casos, percebemos uma tensão criativa
entre texto e imagem (ou vídeo) que cria uma nova perspectiva
comunicacional – muitas vezes crítica (PRADO, 2010, p.5).
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Entretanto, a fotografia não foi tirada por ele. Foi encontrada no banco de
imagens do google. E agora, quem é o autor dessa invenção, fruto da interação
multimidiática no ciberespaço? Pode-se afirmar que “o suporte digital permite novos
tipos de leituras (e de escritas) coletivas” (LÉVY, 1996, p. 42), pois “para começar, o
leitor em tela é mais „ativo‟ que o leitor em papel” (LÉVY, 1996, p. 40). Além disso,
“toda leitura em computador é uma edição, uma montagem singular” (LÉVY, 1996, p.
40). Isso significa que “a partir do hipertexto, toda leitura tornou-se um ato de escrita”
(LÉVY, 1996, p. 46).
Com relação à originalidade do post, pelo fato de haver a utilização de uma
imagem que não pertence ao dono do blog ou ao dono do poema, Lévy afirma que “no
mundo digital, a distinção do original e da cópia há muito perdeu qualquer pertinência.
O ciberespaço está misturando as noções de unidade, de identidade e de localização”
(LÉVY, 1996, p. 48).
É válido mencionar que o foco deste artigo, embora muito em voga no
ciberespaço, não é a análise de ciberpoemas ou poesia cinética, por exemplo, pois
demandaria um conhecimento específico e a apresentação de um conjunto teórico
voltado também para a área da informática, devido à influência direta de hardwares e
softwares na concretização desse novo gênero poético. Entretanto, pode ser tema para
novos trabalhos subsequentes.
Considerações finais
Com o boom da internet e dos meios de comunicação, o ciberpespaço
passou a ser a via pela qual as pessoas procuram informações de modo mais rápido e
eficaz. Consecutivamente, passou a ser a maneira mais interessante de divulgação,
devido à ampla abrangência e à velocidade com que as notícias e os conteúdos chegam
até as pessoas. Entretanto, isso afetou a literatura e as artes em geral. Com a
reprodutibilidade técnica, as obras de arte sofreram uma desterritorialização afastandose cada vez mais de sua aura. Atualmente, uma obra de arte reproduzida é feita
justamente para ser reproduzida. O objetivo é alcançar o máximo de apreciadores, ou
melhor, consumidores, possível. E para isso é necessário ajudá-los a navegar, propor
links e interligá-los no mundo virtual. No ciberespaço, as artes apresentam-se cada vez
mais híbridas e os gêneros cada vez mais complexos. Igualmente, autor e leitor se
confundem, pois o hipertexto coloca todos os internautas no mesmo patamar de
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interação e participação no que tange à escrita. A interação multimidiática nas postagens
de sites, blogs e redes sociais deixa críticos cada vez mais agitados, pois as ferramentas
tradicionais já não são mais suficientes para uma boa análise do conteúdo apresentado,
sendo inevitável a formação de profissionais cada vez mais especializados em mais de
uma área do conhecimento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e
história da cultura. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
CORRÊA, Alamir Aquino. Técnica e valor do texto literário na era digital. In: JOBIM,
José Luís (org.). Literatura e Informática. Ed. UERJ: Rio de Janeiro, 2005.
LÉVY, Pierre. O que é o virtual?; trad. Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, 1996.
PRADO, Márcio Roberto do. A escrita e a leitura na internet: o esboço de uma poética
do ciberespaço. In: CIELLI – Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e
Literários, 1º, 2010, Maringá. Anais... Maringá: UEM, 2010.
REFERÊNCIAS WEBGRÁFICAS
http://www.letralirica.blogspot.com

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