O CONSUMO DA PIRATARIA NA SOCIEDADE PÓS

Transcrição

O CONSUMO DA PIRATARIA NA SOCIEDADE PÓS
O CONSUMO DA PIRATARIA NA SOCIEDADE
PÓS- MODERNA: O LUXO ESTÁ NA MODA.
Gabriela Maroja Jales de Sales1
Maura Carneiro Maldonado2
Resumo:
O consumo é um fenômeno que cresce a cada dia, fruto de uma nova
sociedade relacional, que vê na mercadoria objeto de prazer e hedonismo.
Alguns filósofos e sociólogos já viam no consumo, sobretudo da moda, um
símbolo da distinção entre classes sociais, ou estamentos, como prefere
Simmel. Porém, na sociedade pós-moderna que vem se configurando a partir
da 2ª metade do século XX e, sobretudo, no século XXI, surge um novo
elemento que muda o panorama do consumo, principalmente dos bens
culturais e da moda de luxo: a pirataria, ou seja, falsificação de produtos. Com
a pirataria novas discussões são incorporadas às ciências humanas, afinal ela
pode ser vista de duas maneiras: como exclusão, mas também como uma
forma de democratizar os bens de consumo, portanto, como inclusão social. É
disto que trata nossa pesquisa.
Palavras-chave: consumo de pirataria, pós-modernidade, moda, luxo.
1. Introdução
Este artigo tem como objetivo analisar o problema da pirataria na sociedade
moderna visto que este fenômeno hoje é um dos problemas mais difíceis de
ser controlado e aumenta a cada dia, em proporção ao crescimento do
mercado de luxo e da tecnologia, que deixa cada dia mais pessoas excluídas
do consumo de bens e serviços.
Trata-se de ver a pirataria, que será conceituada posteriormente, como um
fenômeno típico de uma economia de mercado. Este movimento se fortaleceu
após a Revolução Industrial no século XVIII quando as mercadorias passaram
1
Professora e Coordenadora do Curso de Design de Moda do Unipê- Centro
Universitário de João Pessoa. Mestranda de Sociologia do PPGS da UFPB, alunapesquisadora do Grupo do CNPQ Mídia, Cultura e Consumo.
Email: [email protected]
Tel: (83)- 3247-4796/ 2106-9376
2
Professora do Unipê- Centro Universitário de João Pessoa e da Faculdade INPER.
Mestre em Administração pelo programa PPGA da UFPB.
Email: [email protected]
Tel: (83)- 8863- 8881
www.antennaweb.com.br
AntennaWeb nº6
www.ibmoda.com.br
a ser confeccionadas de forma que não se pudesse ser distinguida a sua
qualidade ou marca. “A capacidade de consumir conspicuamente foi
estendida a milhões de pessoas” (LURIE, 1997:145). Instaurou-se uma
preocupação dos produtores e distribuidores em continuar incentivando o
desejo de compra a partir do prestígio que então passava a ser menos
aparente.
“Por um certo tempo parecia que realmente seria impossível, para a
maioria de nós, distinguir o muito rico do moderadamente rico ou do
meramente rico pelo que vestiam. Essa terrível possibilidade foi
evitada por um ato ousado e engenhoso. Percebeu-se que um traje
indicando uma classe alta não precisava exibir uma qualidade
melhor ou ser mais difícil de ser confeccionado do que outros;
precisava apenas ser reconhecido como mais caro. (...) Isso foi
realizado de maneira muito simples: deslocando o nome do
fabricante, antes relegado à uma posição modesta no interior da
roupa, para um local de proeminência. (...) Houve por exemplo, um
grande aumento na venda de bolsas de plástico marrom, muito
feias, que por terem impressas, em bastante evidencia, as letras
“LV” (Louis Vuitton), sabia-se que custavam muito mais que as
menos feias de couro marrom.”(LURIE, 1997:145).
Essa grande transformação no modo como os bens eram produzidos,
deslocando o trabalho da força física e muscular para o universo da máquina,
proporcionou e provocou o aumento gigantesco do consumo. Deste modo
percebe-se a tendência dos consumidores em apreciar mais do que a função
utilitária dos produtos, o seu valor intangível, ou seja, os símbolos de status,
beleza, prazer e prestígio (SCARABOTO, 2006).
Segundo Strehlau (2005, p.1) “a posição de um indivíduo na estrutura social
se expressa através do seu consumo”, neste sentido a aquisição de bens
falsificados aproxima o consumidor da aura simbólica de distinção que os
produtos de luxo prometem.
O objeto desta investigação é a pirataria, entendendo que esta não se
configura apenas como um problema moral, como um fenômeno de evasão
de renda, como uma ação que infringe a ordem fiscal, como uma mancha e
uma desordem no mercado formal, conseqüentemente gerando a
informalidade e desorganizando a produção.
Considera-se que a falsificação comporta vários ângulos de análise, e dentre
estes se salienta o caráter antropológico e a dimensão simbólica. Na verdade,
a pirataria mais do que tudo revela uma sociedade que conhece a produção
em massa e deseja os seus produtos. Porém dentro das escalas sociais
encontram-se motivações diferentes ao consumo simbólico, as elites
consomem produtos de luxo na intenção de manter e defender os seus gostos
e distinção a partir do uso de produtos caros e raros.
Já as classes econômicas inferiores tentam imitar este estilo de consumo
procurando produtos substitutos que pareçam com os originais. Assim, a
www.antennaweb.com.br
AntennaWeb nº6
www.ibmoda.com.br
pirataria aparece não apenas como uma produção fora da lei, mas como o
modo como o homem, um animal simbólico por excelência, se posiciona
diante do consumo, se insere no universo do desejo, se realiza como
participante de uma esfera que não deve ser apenas de alguns privilegiados,
mas de todos, numa apropriação legítima.
Para este estudo foi realizada uma pesquisa de campo na cidade de João
Pessoa com sujeitos de alto poder de compra e com máximo nível de
escolaridade, objetivando descobrir a motivação do consumo de produtos
falsificados. Supõe-se que apenas a classe inferior consome produtos
pirateados, porém este nicho de mercado interessa a muitos atualmente, e
não apenas àqueles privados de renda e acesso à informação.
Desta forma, entrevistar sujeitos da classe dominante, que supostamente
podem pagar por produtos autênticos, pretende responder de forma real a
verdadeira motivação por este tipo de consumo.
2. Referencial Teórico
A pirataria está na moda
O problema da pirataria está na ordem do dia. De economistas a empresários,
passando por agentes do Estado, educadores, psicólogos, sociólogos, a
pirataria é tema de amplos e apaixonados debates. Roupas, acessórios,
CD´S, DVD´S, livros, softwares de computadores, tudo que se fabrica e se
consome está incluído no universo da pirataria.
De um momento para outro o mundo se viu diante de um movimento que
parece não ter limites e nem barreiras, desafiando a lei e os governos de todo
o mundo. Nas décadas de 70 e 80 a falsificação era um negócio de pequeno
porte, os produtos eram claramente de baixa qualidade e muito baratos.
A democratização do luxo e a entrada da China no mercado globalizado
mudaram este panorama, produtos inautênticos se proliferaram com grande
velocidade e as grandes marcas, que até então não se preocupavam com
este tipo de concorrência, foram pegos de surpresa.
O grande investimento pelas marcas de prestigio em ações publicitárias por
um lado aumenta suas vendas, por outro dissemina o desejo de compra em
grupos sociais que não têm poder aquisitivo para tanto, assim fazendo
crescer junto com suas vendas a produção de produtos pirateados que
podem ser adquiridos por 5% ou 10% do valor da mercadoria original
(THOMAS, 2008).
www.antennaweb.com.br
AntennaWeb nº6
www.ibmoda.com.br
Frequentemente são apontados os aspectos anti-éticos da pirataria, sua
dimensão destruidora da economia formal, sua responsabilidade pela
manutenção do submundo, sua ligação com o crime organizado, seu papel de
vilão na evasão fiscal. Embora hoje em dia cds, canetas, perfumes, relógios e
até água mineral sejam falsificadas, o ramo da moda é um dos mais
prejudicados.
Em 2000 o Global Anti-Counterfeiting Group (Grupo Global Antifalsificação)
afirmou que 11% do consumo de roupas e assessórios do mundo eram
pirateados, o que significa que o setor fashion perde até US$ 9,2 bilhões
anualmente (THOMAS, 2008).
Neste cenário, a máquina arrecadadora dos Estados se vê privada do
pagamento de impostos, o comércio legalizado reclama da concorrência
desleal, os legisladores criam normas que impedem a pirataria, porém todas
as forças coercitivas parecem inúteis no seu combate. A sociedade pósmoderna parece ter abalado todas as verdades, todos os fundamentos que
eram a força de um mundo mais estático. O desaparecimento das barreiras
de todos os tipos, a informação caracterizada pela velocidade, a contestação
de todos os valores, parecem desenhar o rosto da sociedade pós-moderna.
Pirataria: efeito da globalização?
Para compreender melhor o que significa a pirataria de muitos dos bens
produzidos, é fundamental uma referência, por mais breve que seja ao que se
convencionou chamar de globalização ou mundialização. Com efeito, estas
duas palavras, tomadas como sinônimos são um movimento contínuo de
vendas e trocas de produtos, bens e serviços que praticamente não conhece
fronteiras. Mas apesar deste ser um tema atual, globalização é fruto do
desenvolvimento da humanidade (GRIECO, apud José Junior, 2005:27).
A sociedade contemporânea é descendente de um intercâmbio cultural
quando na cultura têm-se influências de índios, africanos, portugueses,
italianos, espanhóis e estes por sua vez já trouxeram influências orientais
pelas transações comerciais feitas com o Oriente Médio, desde antes do
descobrimento da América. Por exemplo, o tempo das grandes navegações já
se buscava expandir territórios e quebrar as fronteiras.
O que caracteriza a globalização dos tempos atuais é o uso da tecnologia a
serviço das trocas mundiais. Os jatos intercontinentais, a televisão, o rádio, o
telefone, o computador e todas suas operações, tudo isto formatou um mundo
novo, um novo tempo, de tal modo que Castels (1999) afirma que a sociedade
de hoje é uma “sociedade em rede”, uma sociedade continuamente
interligada, que não conhece mais nenhum tipo de limites no seu movimento,
na sua onda contínua e configurando um novo paradigma fundado na
velocidade das informações.
www.antennaweb.com.br
AntennaWeb nº6
www.ibmoda.com.br
Vivendo numa “aldeia global”, para lembrar a expressão de Marshal
McLuham, que tudo produz e tudo consome, o fenômeno da pirataria também
se situa no universo do “desejo global”, cuja realização é a filha legítima deste
movimento de consumo. Assim, piratear não é apenas compreendido no
universo da ilegalidade, da infração, mas se situa no cenário em que todas as
classes, todos os estamentos se sentem no direito de possuir e de consumir
os bens e serviços.
O Homem Sonha, A Cópia Nasce
Com efeito, a pergunta básica que deve fundamentar um estudo sobre a
pirataria é aquela formulada por Douglas e Isherwood (2006:52): “Por que as
pessoas querem consumir bens, e se querem, este consumo tem uma
escolha racional?”
Para responder a esta pergunta, é necessário compreender que o desejo de
consumo e de possuir bens e conseqüentemente de adotar todo tipo de
moda, comportamento, padrões, remonta ao homem primitivo. A mercadoria,
seja ela qual for, ao invadir a vida humana na sua totalidade, terminou por ser
o centro do sistema econômico, ocupando o lugar de um semi-deus no
universo da existência (Baudrillard, 2007).
Deste modo o consumo, considerado agora não mais respondendo à simples
sobrevivência, mas preenchendo aspectos fundamentais do homem no seu
plano simbólico, passou a ser encarado como realmente deve ser: a busca da
realização de um animal falante, desejante, mutante.
Para tanto, é importante diferenciar o que é necessidade e desejo. A
necessidade seria o indispensável o inevitável, e o desejo e a vontade de
conseguir algo, ambição ou sonho (CASTARÉDE, 2005). A necessidade está
presente no desejo, inclusive precedendo-o. Não é fácil definir um limite moral
para a necessidade, principalmente na sociedade contemporânea, onde por
um lado se encontram a profusão de oportunidades e objetos, além de
estímulos à compra, e por outro, um mundo miserável e subdesenvolvido.
Mas, mesmo a classe social menos favorecida está sujeita a questionamentos
sobre o que é ou não necessário.
Oh, não discutam a “necessidade”! O mais pobre dos mendigos
possui ainda algo de supérfluo na mais miserável coisa. Reduzam a
natureza às necessidades da natureza e o homem ficará reduzido
ao animal: a sua vida deixará de ter valor. Compreendes por acaso
que necessitamos de um pequeno excesso para existir?
(SHAKESPEARE apud BAUDRILLARD, 1995, p. 39)
Lipovestky (2005) corrobora com essa perspectiva quando ressalta que mais
ninguém ou quase ninguém vive tendo como objetivo a aquisição do
“estritamente” necessário. Isto se dá em função da supervalorização do
consumo, do lazer e do bem-estar relacionados à compra de produtos
www.antennaweb.com.br
AntennaWeb nº6
www.ibmoda.com.br
“supérfluos”. Portanto, é importante entender que as
perpassam questões de cultura, costumes e posição social.
necessidades
Allérès (2006) faz uma avaliação sobre o que é necessidade e se ela é ou
não absoluta. A sua conclusão é de que hoje é vivido um enriquecimento das
necessidades, e estas são classificadas a partir de prioridades que vão das
instintivas (alimentação, proteção, segurança) às sociais (aspirações
pessoais, sonhos, fantasias, beleza, lazer). Também se pode falar nesta
questão como necessidades verdadeiras ou falsas.
A autora afirma que distinguir as verdadeiras necessidades (físicas) das
falsas (sociais) não teria nenhum sentido, na intenção de dizer que as
mesmas não são excludentes, pois o fato de uma ser determinada como falsa
ou supérflua não a descaracterizaria como sendo uma necessidade. Ainda
nesta análise, a autora aponta que a necessidade é baseada na utilidade dos
bens escolhidos, os quais correspondem ao nível socioeconômico do
indivíduo, reforçando a idéia de que o que é necessário para um grupo de
poder econômico elevado pode não o ser para os menos favorecidos.
Dentro das necessidades sociais da compra de luxo estão os valores
simbólicos atribuídos a este conjunto de produtos como status, distinção,
auto-realização, prazer. Esta é a chave para compreender o fenômeno da
pirataria, especialmente nos tempos pós-modernos onde a produção em
massa, a estandardização do produto, produz e oferece um universo de
sonhos, muitas vezes inalcançáveis.
A falsificação revela especialmente o campo do desejo, a vontade de
participação de todas as classes, todos os segmentos sociais em consumir os
bens, mesmo que estes não estejam à disposição de seu poder aquisitivo. É
esta a tese de Lipovetsky (2005:16) ao afirmar que “hoje vemos desenvolverse o culto das massas das marcas, a difusão das cópias, a expansão da
falsificação, que é estimado em 5% do comércio mundial”. Deste modo, a
pirataria é uma decorrência não somente do mundo dos negócios, do lucro,
da sonegação, mas uma face escondida que todos têm em participar não
somente dos bens que cobrem as necessidades básicas, mas de um mundo
do consumo superior, do consumo de bens caros, supérfluos, e neste cenário
Lipovetsky acrescenta que “o luxo é o sonho” (p.19), é também um fenômeno
cultural, uma atitude mental e social que afirma o poder de transcendência,
evolução e espírito de “não-animalidade” do homem (LIPOVETSKY, 2005).
Pode-se afirmar que a pirataria como um comportamento generalizado, está
situada na confluência de dois mundos: o mundo das relações econômicas e
o mundo do simbólico, do desejo. Estes dois mundos estão intimamente
ligados ao mundo do consumo. Não sendo o homem um animal em estado
puro, dono de um corpo que deve apenas ser alimentado, abrigado das
intempéries, reprodutor da espécie, caminhante em busca da sobrevivência
(BAUDRILLARD, 1995), mas um ser colocado no mundo para transformá-lo,
www.antennaweb.com.br
AntennaWeb nº6
www.ibmoda.com.br
num processo chamado de cultura, fica patente que este animal se
movimenta numa rede de signos. Para exemplificar, tem-se a moda como um
indicador desta rede. Vestir uma roupa, usar um relógio, adornar-se com um
lenço, dirigir um automóvel, nos transforma e nos caracteriza como um ente
de desejos e de utopias (THOMAS, 2008;).
A moda transcende em muito o sobreviver apenas. Os seis milhões de
automóveis que circulam pelas ruas da cidade de São Paulo não levam seus
condutores somente ao trabalho e ao lazer. Eles são símbolos de alguma
coisa maior, mais profunda, que identifica seu proprietário, isto é, a marca, a
grife.
Neste universo de consumo em série, como admirar o estimulo dos indivíduos
de querer este título de sócios, de proprietários? Não existe uma satisfação
em apenas observar as classes de maior poder aquisitivo desfilar suas
marcas de roupas, sapatos, jóias, bolsas, celulares. Os “fora do grupo”
também desejam participar do banquete das obras de arte, das músicas, dos
filmes e de tudo que desperta nossos sentidos (SIMMEL, 1998). Deste modo,
a pirataria também aponta para um problema cada vez mais discutido: o que
é inclusão, o que é exclusão
É neste aspecto que a pirataria não pode ser compreendida apenas como
uma necessidade de consumo, mas deve ser colocado também no cenário da
injustiça social, na injusta divisão de riqueza no interior das sociedades. Com
efeito, a perversa concentração de renda na mão de minorias é um estimulo à
pirataria, e, portanto à inclusão social de um grande número de pessoas. Ao
lado disso, a pesada carga tributária que atinge até mesmo rendas mínimas é
um convite à imitação do produto e marcas.
É possível que se o Estado renunciasse a arrecadar acima de tudo e o
dinheiro circulasse com mais desenvoltura, a tentação de cair na
marginalidade econômica fosse menor. A cada compra de um produto
pirateado o consumidor parece querer dizer: “também quero participar desta
festa, pois tenho direito ao bolo, tenho direito ao que me dizem que é bonito e
bom” seguindo a máxima imposta pelo universo do consumo de grandes
marcas para quem não é necessário apenas consumir, mas consumir
conspicuamente segundo Veblen (1974).
Visto assim, piratear é incluir, é de alguma forma participar do consumo
universal. Pode-se também afirmar que a pirataria é uma ação intimamente
relacionada com a questão do desemprego, em todas as partes do mundo,
notadamente em países de economia frágeis (THOMAS, 2008).
Grande parte das populações de economias debilitadas encontrou na
imitação e na reprodução de produtos e serviços a única forma de sobreviver,
seja como produtores, seja como consumidores. Como consumidor, ostentar
www.antennaweb.com.br
AntennaWeb nº6
www.ibmoda.com.br
um “símbolo” de riqueza, luxo, poder e sucesso, ainda que pirateado, tem o
efeito de sentir-se incluídos, de demonstrar força e presença.
3. MÉTODO
Com o objetivo de compreender o fenômeno do consumo da pirataria foi
realizada uma pesquisa de campo exploratória e qualitativa ancorada na
análise de discurso, na intenção de desvendar nas falas dos
entrevistados um pouco das representações que povoam o imaginário e
o pensamento que circulam a respeito do consumo de produtos piratas,
sobretudo os produtos de moda.
Na verdade, sendo o consumo da pirataria considerado algo como quase
exclusivo das classes desfavorecidas, foi feita uma avaliação do
pensamento circulante na classe A/B, classe esta que se supõe ter renda
suficiente para adquirir produtos originais. Será que também consomem
produtos piratas? Será que o consumo se dá na mesma esfera das
representações da classe de renda inferior?
Para as pesquisas de caráter mais subjetivo, que trabalham com
aspectos simbólicos, percepções sobre experiências, interações
humanas e outros fenômenos interpretativos, opta-se por uma
abordagem qualitativa que permite uma análise mais rica em informações
e uma interpretação mais completa das falas dos indivíduos envolvidos
na pesquisa.
Deste modo, foi escolhido um pequeno grupo representativo no contexto
da investigação, tendo em vista que a validade da amostra de uma
pesquisa qualitativa não é determinada pelo número de pessoas
entrevistadas, mas sim pela qualidade da análise feita a partir deste
instrumento de pesquisa (MALHOTRA, 2001).
Como instrumento complementar à entrevista tem-se a observação
participante e a entrevista semi-estruturada, que mantém um padrão
mais ou menos rígido nas suas perguntas, porém, permite que as
respostas possam aflorar ao longo das falas dos entrevistados, questões
suplementares, problemas ou soluções não previstas no seu núcleo.
Dessa forma, após essa breve descrição de nossa metodologia,
passaremos à analise dos dados de nossa pesquisa.
www.antennaweb.com.br
AntennaWeb nº6
www.ibmoda.com.br
A Pesquisa
Nome Gênero
Bianca
F
Regina
F
Glória
F
Rosa
F
Marcela
F
Flávia
F
Paula
F
Pedro
M
Alan
M
Bruna
F
Roberto
M
Michel
M
Idade Escolaridade
Profissão
26
SC
Médica
32
SC
Advogada
35
PG
Publicit/ Consultora
45
SC
Designer/Profª. Universit.
33
PG
Advog/ profª Universitária
32
SC
Jornalista
59
D
Profª Universitária
40
PG
Auditor Fiscal
35
SC
Artista plástico/Professor
46
PG
Redatora/ Tradutora
67
D
Prof. Universitário
35
SC
Empresário/ prof. Universitário
Renda
5.000
2.800
5.000
2.300
NI
7.000
6.000
12.000
3.000
2.000
6.000
4.800
NOTA: Nome (são usados pseudônimos para preservar a identidade dos
entrevistados); Escolaridade (PG=Pós-graduado; D=Doutor; SC= Superior Completo;
SI= Superior Incompleto; FI=Fundamental Incompleto; EM=Ensino Médio); Renda
(individual, em Reais); SR=sem renda
Renda mensal
Média salarial de 12,18 salários.
Os entrevistados foram questionados sobre os seguintes pilares básicos:
• Já usou produtos pirateado?
• Por quê?
• Se pudesse usaria sempre produtos originais?
• Qual a solução para acabar com a pirataria?
• O que leva uma pessoa a usar um produto pirata por um valor
elevado?
• O que você acha desse sistema de pirataria que acompanha a
produção de objetos de marca ou grife?
• Alguma observação ou sugestão?
Apesar de os entrevistados estarem dentro dos padrões sociais de classe
média alta, apenas um deles respondeu não ter consumido produtos
falsificados. Ou seja onze entrevistados usam ou já usaram produtos piratas.
Os produtos que mais aparecem na lista de uso são predominantes CDS,
DVD´S e softwares de computador.
De um modo geral os sujeitos alegam o alto custo dos produtos originais e a
forte carga tributária como justificativa para consumirem as marcas copiadas.
Deste modo, o baixo preço das mercadorias piratas são um atrativo. Mas há
também respostas interessantes, como por exemplo, às que se referem ao
aspecto de participar do mundo charmoso das grandes grifes, ou a maior
facilidade em encontrar os artigos piratas. Lembremos que na cidade de João
www.antennaweb.com.br
AntennaWeb nº6
www.ibmoda.com.br
Pessoa ainda não se tem a oferta de produtos de marcas internacionais ao
que toca os bens de moda.
Glória justifica o seu uso por não considerar aquele produto relevante para si:
“Todos (produtos pirateados) comprei por ser algo que não dou valor, que
será pouco usado, é mais barato, não acho justo os preços que praticam, mas
sou contra a pirataria...”.
Já Pedro tem como motivação o status adquirido pelo uso da marca: “Pela
necessidade ou desejo de usar um produto cujo original custa muito caro”.
Nos discursos a maioria dos entrevistados demonstrava o não apreço pela
referência às marcas, como se a marca em si não fosse relevante,
enxergando o produto apenas pela sua funcionalidade como os cd’s e
softwares de computadores. Porém ao serem questionados na situação
hipotética: se você pudesse, sempre consumiria produtos originais? Onze
participantes responderam que sim, e apenas um afirma que mesmo com a
possibilidade financeira de comprar somente produtos originais, ainda
consumiria mercadorias piratas. O discurso de Bianca evidencia uma revolta
com relação aos preços praticados pelos produtos originais de marca no
Brasil “se estou fora do país não compro nada pirata, compro o original, por
que a diferença de preço é pequena, mas em um país como o Brasil, em que
são cobrados tantos impostos, quando o produto chega à loja está com um
preço hipermegasuperfaturado.”
Quanto à diferença tangível entre o produto original e o pirata, os
entrevistados foram categóricos em afirmar que a qualidade superior dos
originais é visível, embora alguns afirmem não se importarem com essa
qualidade dita superior.
Sobre o seu comportamento de consumo Glória diz: “Se achasse os preços
justos de certos produtos consumiria sem dúvida, porque o original tem mais
qualidade”. Roberto por sua vez diz saber da qualidade de um produto
original, mas faz ressalva à sua cultura de consumo quando questionado se
consumiria apenas originais responde: “Penso que não. Pois embora possa
comprar coisas originais, termino comprando produtos pirateados. A diferença
consiste em dar valor à verdadeira empresa que paga impostos, que dá
emprego e distribui renda”
Até então foi questionado aos participantes sobre o uso de produtos
falsificados especificamente, ou seja, se eles consomem e porque consomem.
Deste modo foi evidenciada a preferência da maioria por produtos originais,
porém como não podem pagar por eles, acabam cedendo ao consumo dos
piratas. Para confrontar esse depoimento de consumo de mercadorias
falsificadas apenas pela impossibilidade de pagar pelo original, foi
perguntado: “o que leva uma pessoa a comprar um produto pirateado, que
custa o mesmo valor de um original sem grife?”.
www.antennaweb.com.br
AntennaWeb nº6
www.ibmoda.com.br
Neste momento é evidenciada uma relação conflituosa entre os depoimentos
e o ato de consumo dos entrevistados. Mesmo após afirmarem serem
consumidores de produtos falsificados, criticam esta ação, inclusive não se
incluindo na categoria dos consumidores de pirataria. Falam com desdém do
apreço a marca e a valorização de elementos como status, prestígio, etc.
Apenas Bruna mostra-se coerente com sua resposta, já que afirma não
consumir produtos falsos em nenhuma hipótese.
Rosa acredita que as pessoas consomem produtos falsificados de marca ao
invés dos originais sem marca para “talvez aparentar uma situação social e
econômica desejada, achando que acessórios vão mascarar o que se é de
verdade... Mas às vezes é até gente que pode e mesmo assim compra.
Talvez seja um mix de “emergente” com amarrada. E aquela velha história de
levar vantagem”.
Para Bianca a justificativa é uma “visão pequena”, se referindo a indivíduos
que “valorizam apenas o exterior ou o que as outras pessoas irão pensar
deles”. Roberto enxerga a questão pelos valores éticos e morais da ação:
“acredito que a justificativa seja pela atitude comum a todas as classes sociais
de comprar coisas pirateadas, talvez pelo prazer de infringir a norma, ou
talvez porque sejamos um povo com vocação de “cachorro vira-lata...”“.
Nos textos dos entrevistados foi evidenciado que desejos, imaginário,
dessacralização, simbologia, conscientização, são palavras que mostram a
complexidade do mundo da pirataria dos produtos de marca, sobretudo da
moda. O consumidor brasileiro, independente de classe social e nível sócioeconômico, se comporta como se não estivesse inserido na complexa trama
do consumo deste tipo de produto. Critica a atitude do consumidor que tenta
levar vantagem, porém age igual, acredita que tem que haver repressão,
porém não se auto-reprime e nem reprime os seus próximos, pensa que deve
haver conscientização, mas não se conscientiza.
Por fim, todos cobram do governo investimentos em escolas, saúde,
emprego, segurança, quando na verdade o consumo de produtos ilegais,
piratas, ajuda a sonegar os impostos para estes investimentos. Pedro
inclusive comenta um dado importante quando diz que “Um dado importante é
a regularização do produto pirata, ou seja, empresas constituídas que
recolhem seus tributos, vendem abertamente o produto pirata e,
impressionantemente, a qualidade do pirata também chega a ser alta.” É
como se a vantagem individual dominasse a consciência pelo bem coletivo.
Flávia encerra as entrevistas lembrando que “existe um fator importante que é
o cultural. Muitas pessoas nem conhecem a marca e compram porque usar
marca dá status e isso é de uma ignorância extrema. Você comprar um
programa pirata por 300 reais enquanto o original custa 1.500 reais ainda é
www.antennaweb.com.br
AntennaWeb nº6
www.ibmoda.com.br
justificado, mas no quesito moda é pobreza intelectual. Isso acaba
prejudicando o trabalho criativo, original de artistas não tão famosos.”
4. Conclusão
Esta pesquisa procurou analisar e discutir a questão da pirataria sob diversos
ângulos, conforme expusemos ao longo do texto. Considerando que o
consumo não existe apenas no ato de comprar, mas indica dimensões
simbólicas, a pirataria realiza o desejo do ser humano de participar e se
incorporar aos signos das classes mais abastadas. “Consumo marcas
famosas, logo existo”, parece ser o lema que faz uma analogia à frase famosa
de Descartes, e que parece ser o lema dos que produzem e dos que
consomem produtos pirateados.
Após a análise das considerações e da pesquisa exploratória, conclui-se que
a pirataria moderna é um modo de inclusão. Os indivíduos querem fazer parte
deste grupo seleto capaz de consumir conspicuamente, todos desejam ter
acesso ao que a mídia e o mercado oferecem e freqüentemente impõem. E
ao ser sentir incluído a partir do consumo de falsificações o homem deseja,
sonha, sente prazer em demonstrar e ostentar os símbolos, as marcas, os
distintivos de seu mundo social.
Consumir essas marcas, esses ícones, é uma forma de se afirmar e revelar o
seu pertencimento. Debord (1997) concorda com esta linha de pensamento
quando vê na mercadoria, e também na mercadoria pirateada, a ocupação
total da vida humana a tal ponto que “toda vastidão da sociedade é o seu
retrato”. A pirataria não pode ser analisada apenas do ponto de vista da
legalidade e do infringimento à regra. Piratear é antes de tudo, um movimento
que envolve elementos jurídicos, sociais, econômicos, antropológicos e
psicológicos.
As respostas dos sujeitos desta pesquisa revelam que consumir um produto
pirateado não é apenas uma questão de poder aquisitivo, ou da falta dele,
mas sobretudo da simbologia das marcas e das novas necessidades
humanas. Necessidades que são fabricadas (ALLÉRÈS, 2006), é a ânsia do
ter para ser. Miranda (2008) cita ainda
Por exemplo, o novo rico demonstra seu status mediante o
consumo conspícuo de produtos que têm pouca ou nenhuma
utilidade ou função. Todo objeto comercial tem caráter
simbólico: fazer uma compra envolve a avaliação do seu
simbolismo, para decidir se é ou não adequado ao seu
comprador (p.42)
Por isso associar o aumento vertiginoso do mercado de luxo e da pirataria é
algo que está totalmente relacionado e que faz com que o consumo de
produtos piratas esteja na esfera do desejo, do sonho, da vontade de se
diferenciar, pois ostentar o símbolo é algo maior que apenas consumir, e
www.antennaweb.com.br
AntennaWeb nº6
www.ibmoda.com.br
nesse sentido, o consumo do produto ainda que pirata supre esse desejo em
vários aspectos.
Podemos concluir dizendo que artigos de moda, acessórios, livros, perfumes,
produtos eletro-eletrônicos, símbolos, softwares, mesmo reproduzidos e
pirateados, não podem ser analisados como exteriores ao ser humano, este
ente de imaginação que faz do desejo e do sonho o objetivo de sua vida.
Referências Bibliográficas:
ADORNO, T. HORKHEIMER, M. “A Indústria Cultural” in Dialética do
Esclarecimento: fragmentos filosóficos. 2 ed. Trad. Guido A. de Almeida.
Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
ALLÉRÈS, Danielle. Luxo… Estratégias de Marketing. Rio de Janeiro: FGV,
2006.
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa/PT: Edições 70,
2006.
CASTARÈDE, J. O Luxo: os segredos dos produtos mais desejados do
mundo. São Paulo: Barcarolla, 2005.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto,
1997
DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma
antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006
FORTES, Luíz R. S. O iluminismo e os reis filósofos. São Paulo:
brasiliense, 1981
LIPOVETSKY, Gilles; ROUX, Elyette. O Luxo Eterno: da idade do sagrado
ao tempo das marcas. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
LURIE, Alison. A Linguagem das Roupas. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
MALHOTRA, N.K. Pesquisa de Marketing. 3. ed. São Paulo: Bookman,
2001.
MC LUHAN, Marshall. Os meios de Comunicação como extensão do
homem. São Paulo: Cultrix, 1988.
MIRANDA, Ana Paula de. Consumo de Moda: A relação pessoa-objeto.
São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2008.
www.antennaweb.com.br
AntennaWeb nº6
www.ibmoda.com.br
SCARABOTO, Daiane et al. Pequenos Luxos, Grandes Prazeres Significados do Consumo e Valores dos Consumidores de Joalheria e
Vestuário de Luxo. Anais do II Encontro de Marketing da ANPAD (EMA,
2006). Rio de Janeiro: Associação Nacional dos Programas de PósGraduação em Administração (ANPAD), 03-05/05/2006.
STREHLAU, S. A Teoria do Gosto de Bourdieu Aplicada ao Consumo de
Marcas de Luxo Falsificadas. Anais do XXIX Encontro da Associação
Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração
(ENANPAD 2005). Brasília: Associação Nacional dos Programas de PósGraduação em Administração (ANPAD), 17-21/09/2005.
THOMAS, Dana. Deluxe: Como o luxo Perdeu seu Brilho. Rio de
Janeiro:Elsevier, 2008.
VEBLEN, T. Teoria de la Clase Ociosa. Mexico: FCE, 1974.
www.antennaweb.com.br
AntennaWeb nº6
www.ibmoda.com.br