A origem da inércia

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A origem da inércia
A ORIGEM DA INÉRCIA
Daniel Gardelli
Curso Anglo Vestibulares de São Paulo
Centro de Educação Vivencial Mater et Magistra
Núcleo de Educação e Cultura Mogi - NECM-ANGLO.
São Paulo - SP
Resumo
O presente artigo discute os conceitos newtonianos de massa inercial e
espaço absoluto, referenciais inerciais e não-inerciais, e as condições
de validade da 2a Lei de Newton. Apresenta ainda o Princípio de Mach
como uma possível explicação para a origem da inércia.
I
Introdução
O Princípio Fundamental da Dinâmica, mais conhecido pelo nome de 2a Lei
de Newton, diz que a resultante R das forças que atuam em um certo corpo é igual ao
produto de sua massa inercial m por sua aceleração resultante a , ou seja, R ma 1,
sendo que a aceleração do corpo é medida em relação a um referencial inercial.
Mas o que vem a ser massa inercial? E referencial inercial? Será que essa
equação sempre é válida?
Para respondermos a estas perguntas, devemos analisar cuidadosamente a
obra de Isaac Newton (1642-1727) intitulada Philosophiae Naturalis Principia
1 Na verdade, se quisermos ser mais coerentes com as palavras de Newton, o Princípio
Fundamental da Dinâmica deve ser escrito na forma R
dp / dt , sendo p
mv a quantidade
de movimento associada a um certo corpo de massa inercial m movendo-se com velocidade v
em relação a um referencial inercial. Segundo Newton: A mudança de movimento é
proporcional à força motora imprimida, e é produzida na direção da linha reta na qual aquela
força é imprimida. [Ref. 1, pág. 15, Lei II]. A 2a Lei de Newton, escrita na forma R ma , foi
proposta em 1750 pelo matemático suíço Leonhard Euler (1707-1783). Ela pode ser expressa
nesta forma no caso em que a massa do corpo é considerada constante.
Cad.Cat.Ens.Fís., v. 16, n. 1: p. 43-53, abr. 1999.
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Mathematica (Princípios Matemáticos de Filosofia Natural) [1], cuja 1a edição é de
1687. Além de
entendermos os conceitos de massa inercial e referencial inercial, veremos
também que para se utilizar corretamente a 2a Lei de Newton, deve-se eleger
convenientemente um referencial inercial em relação ao qual se mede a aceleração do
corpo em questão.
II
A Dinâmica Newtoniana
Ao estudarmos o seu trabalho, notamos que Newton tinha uma idéia muito
clara a respeito do movimento e a interação entre os corpos do Universo.
Com relação à interação, ele postulou que quando dois corpos interagem
entre si, sempre surgem duas forças de mesma intensidade, mesma direção e sentidos
opostos, cada uma delas atuando em um dos corpos interagentes2. A essa idéia, deu-se
o nome de Princípio da Ação e Reação ou 3a Lei de Newton.
Com relação ao movimento dos corpos, ele percebeu que quando todas as
forças aplicadas em um certo corpo se anulam mutuamente, este corpo só pode ser
encontrado em apenas dois estados: o estado de repouso ou o estado de movimento
retilíneo uniforme, ambos em relação a um referencial inercial3. E a essa idéia, deu-se o
nome de Princípio da Inércia ou 1a Lei de Newton.
No caso de haver uma força resultante diferente de zero atuando sobre o
corpo, então este sofre uma aceleração inversamente proporcional à sua massa inercial e
no mesmo sentido da atuação da força, em relação a um referencial inercial adotado
arbitrariamente, o que ficou conhecido por Princípio Fundamental da Dinâmica ou 2a
Lei de Newton4.
Ainda nos Principia, Newton fala de uma certa propriedade intrínseca aos
corpos materiais conhecida por inércia ou vis insita, que pode ser medida através da
chamada massa inercial desses corpos, e que tende a mantê-los em seus estados iniciais
2 A toda ação há sempre oposta uma reação igual, ou, as ações mútuas de dois corpos um sobre
o outro são sempre iguais e dirigidas a partes opostas. [Ref. 1, pág. 16, Lei III]
3 Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em uma linha reta,
a menos que ele seja forçado a mudar aquele estado por forças imprimidas sobre ele. [Ref. 1,
pág. 15, Lei I]
4 Ver nota de rodapé no 1.
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Gardelli, D.
de repouso ou de movimento retilíneo uniforme5. Ou seja, massa inercial é uma medida
da resistência oferecida pelos corpos à mudança de seus estados iniciais de repouso ou
de movimento retilíneo uniforme. Caso uma força atue sobre um certo corpo, quanto
maior for sua massa inercial, maior será a sua resistência à mudança desses estados que
porventura o corpo possa se encontrar inicialmente, e por conseguinte, menor será a sua
aceleração em relação a um referencial inercial.
Mas o que vem a ser um referencial inercial? Para entendermos esse difícil
conceito newtoniano, é preciso que tomemos conhecimento de uma experiência que o
próprio Newton realizou e relatou em sua obra.
III
A Experiência do Balde de Newton
Trata-se
de
uma
experiência em que inicialmente
considera-se um balde com água
em seu interior, ambos em repouso
em relação à Terra, caso em que se
verifica que a superfície da água
apresenta um formato plano
(Fig.1). Em seguida, numa segunda
situação, considera-se a água e o
balde girando juntos com uma
velocidade angular constante,
novamente em relação à Terra,
verificando-se agora que a
Fig.1
Fig.2
superfície da água apresenta um
formato côncavo (Fig.2).
Procurando analisar esta experiência de acordo com os pontos de vista da
Mecânica Newtoniana, algumas perguntas que surgem são: Por que a superfície da água
5 A vis insita, ou força inata da matéria, é um poder de resistir, através do qual todo o corpo,
estando em um determinado estado, mantém esse estado, seja ele de repouso ou de movimento
uniforme em linha reta.
Essa força é sempre proporcional ao corpo ao qual ela pertence, e em nada difere da inatividade
da massa, a não ser pela nossa maneira de concebê-la. A partir da natureza inerte da matéria, um
corpo não tem seu estado de repouso ou movimento facilmente alterado. Sob esse ponto de vista,
essa vis insita pode ser chamada, mais significativamente, de inércia (vis inertiae) ou força de
inatividade. [Ref. 1, pág. 2, Definição III]
Cad.Cat.Ens.Fís., v. 16, n. 1: p. 43-53, abr. 1999.
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é plana em uma situação e côncava em outra? O que causa essa mudança de formato?
Quem interage com a água quando o balde está girando?
Pode-se pensar em três possíveis causas responsáveis pela concavidade da
água: sua rotação em relação ao balde, em relação à Terra ou em relação às estrelas
fixas6.
Que a rotação em relação ao balde não é responsável pela mudança no
formato da superfície da água pode ser compreendido imediatamente observando que
não há movimento relativo entre a água e o balde nas duas situações citadas
anteriormente. Assim, qualquer que seja a força exercida pelo balde sobre a água na
primeira situação, ela será a mesma na segunda situação, já que a água estará em
repouso em relação ao balde nos dois casos.
A rotação da água em relação à Terra também não pode ser
responsabilizada pelo resultado da experiência, já que a força exercida pela Terra sobre
os corpos que se encontram em sua superfície é atrativa para baixo em direção ao seu
centro e não centrífuga em direção às paredes do recipiente em rotação, como se
verifica com a água do balde. Ou seja, estando a água em repouso ou em rotação, a
Terra só a puxa para baixo.
Com relação às estrelas fixas, sabe-se que, ao relatar a experiência do balde
nos Principia, Newton disse: De início, quando o movimento relativo da água no
recipiente era máximo, não havia nenhum esforço para afastar-se do eixo; a água não
mostrava nenhuma tendência à circunferência, nem nenhuma subida na direção dos
lados do recipiente, mas mantinha uma superfície plana, e, portanto, seu movimento
circular verdadeiro ainda não havia começado. Mas, posteriormente, quando o
movimento relativo da água havia diminuído, a subida em direção aos lados do
recipiente mostrou o esforço dessa para se afastar do eixo; e esse esforço mostrou o
movimento circular real da água aumentando continuamente, até ter adquirido sua
maior quantidade, quando a água ficou em repouso relativo no recipiente. E, portanto,
esse esforço não depende de qualquer translação da água com relação aos corpos
do ambiente, nem pode o movimento circular verdadeiro ser definido por tal
translação. [Ref. 1, pág. 12, nossa ênfase]
Além disso, na Proposição XIV, Teorema XIV do livro III do Principia,
Newton afirmou: E como estas estrelas não estão sujeitas a nenhuma paralaxe
perceptível devido ao movimento anual da Terra, elas não podem ter nenhuma força,
devido a sua imensa distância, para produzir qualquer efeito perceptível em nosso
sistema. Sem mencionar que as estrelas fixas, dispersas em todo lugar no céu de forma
6 Para simplificar a análise, as estrelas fixas estarão representando aqui o restante do Universo,
compreendendo o conjunto de todas as estrelas que compõem a Via Láctea e todas as outras
galáxias que se encontram ao redor do balde e da Terra.
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Gardelli, D.
desordenada, destroem suas ações mútuas devido a suas atrações contrárias, pela Prop.
LXX, Livro I. 7
Newton sabia mais do que qualquer outra pessoa que utilizando a sua Lei
da Gravitação Universal para calcular a força que uma casca esférica8 exerce sobre um
corpo que se encontra em seu interior, o resultado era igual a zero, independentemente
de o corpo estar em rotação ou não em seu interior9, já que a Lei da Gravitação
Universal não depende da velocidade ou da aceleração entre os corpos interagentes.
Deste modo, a rotação em relação às estrelas fixas também não pode ser
apontada como a causa do surgimento de qualquer força centrífuga exercida sobre a
água do balde em rotação.
Isto mostra que, na Mecânica Newtoniana, a superfície côncava da água
não pode ser explicada pela rotação entre a água e o balde, nem entre a água e a Terra, e
nem entre a água e as estrelas fixas.
Para Newton, a mudança no formato da superfície da água era devida à
rotação da água em relação ao espaço absoluto10.
Com a introdução deste novo conceito, parece que Newton estava querendo
diferenciar entre referenciais ditos inerciais, ou seja, aqueles que se encontrassem em
repouso ou em movimento retilíneo uniforme em relação ao espaço absoluto, daqueles
referenciais ditos não-inerciais, ou seja, aqueles que se encontrassem acelerados em
relação a esse ente abstrato chamado de espaço absoluto.
Isto porque ao se estudar o movimento dos corpos do ponto de vista de um
referencial não-inercial, percebia-se o surgimento de efeitos dinâmicos que passavam a
invalidar o Princípio Fundamental da Dinâmica, pois evidenciavam a presença de outras
forças que aparentemente não apresentavam causa, agindo sobre os corpos materiais
7
Se para cada ponto de uma superfície esférica tenderem forças centrípetas iguais, que
diminuem com o quadrado das distâncias a partir desses pontos, afirmo que um corpúsculo
localizado dentro daquela superfície não será atraído de maneira alguma por aquelas forças.
[Ref. 1, pág. 221, Seção XII - As forças atrativas de corpos esféricos, Proposição LXX. Teorema
XXX, nossa ênfase]
8 Como ao olhar para o céu, percebemos a existência de estrelas e galáxias distribuídas mais ou
menos uniformemente por todos os lados, pode-se entender todas essas estrelas e galáxias como
sendo aproximadamente um conjunto de cascas esféricas com densidade constante de matéria.
9 Ver nota de rodapé no 7.
10 Para Newton: O espaço absoluto, em sua própria natureza, sem relação com qualquer coisa
externa, permanece sempre similar e imóvel. [Ref. 1, pág. 7]
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apenas pelo fato de o referencial em questão estar acelerado em relação ao espaço
absoluto.
Assim, para Newton, referencial inercial é qualquer sistema de referência
que se encontra em repouso ou em movimento retilíneo uniforme em relação ao espaço
absoluto e portanto, qualquer sistema em que não se pode constatar quaisquer efeitos
produzidos por forças sem agente causador aparente, as quais foram chama das
posteriormente de forças inerciais11.
Sendo assim, pode-se afirmar que as três leis de Newton são válidas apenas
em referenciais inerciais, por definição, pois não é necessário introduzir as forças
inerciais para explicar qualquer fenômeno, já que todos os efeitos podem ser entendidos
através de interações físicas reais do ponto de vista de um referencial inercial (o que
aliás, foi o procedimento utilizado por Newton durante toda a sua vida).
Caso queiramos estudar o movimento de um corpo do ponto de vista de um
referencial não-inercial, ou seja, que se encontra acelerado em relação ao espaço
absoluto, então deveremos levar em consideração os efeitos causados pelas forças
inerciais.
Portanto, a concavidade da água não surgia devido à interação do balde
com ela, nem devido à sua rotação em relação à Terra e nem mesmo devido à sua
rotação em relação ao Universo distante (conjunto das estrelas fixas). A forma côncava
assumida pela superfície da água só podia ser entendida pelo movimento de rotação
dela em relação ao espaço absoluto.
No entanto, devido à função atribuída ao espaço absoluto, Newton foi
muito criticado, inicialmente pelo bispo anglicano G. Berkeley (1685-1753) e pelo
filósofo alemão G. W. Leibniz (1646-1716) e mais fortemente no século passado pelo
físico austríaco Ernst Mach (1838-1916) que afirmava ser inconcebível corpos
interagirem com espaço, pois para ele, matéria só poderia interagir com matéria. Em
seu trabalho The Science of Mechanics (A Ciência da Mecânica) [2], cuja 1a edição é de
1883, ele diz: Para mim, só existem movimentos relativos. Não vejo, neste ponto,
nenhuma diferença entre translação e rotação. Obviamente não importa se pensamos
na Terra como em rotação em torno de seu eixo, ou em repouso enquanto as estrelas
fixas giram em torno dela. O Princípio da Inércia deve ser concebido de tal forma que
a segunda suposição leve exatamente aos mesmos resultados que a primeira. Torna-se
então evidente que, na sua formulação, é preciso levar em conta as massas existentes
no Universo.
11Portanto, forças inerciais seriam aquelas que surgem em referenciais não-inerciais devido ao
fato de eles se encontrarem acelerados em relação ao espaço absoluto e que recebem os nomes de
força centrífuga, força de Coriolis e uma outra que não tem nome específico e que aparece
quando a velocidade angular do referencial em rotação não é constante. Genericamente, essas três
forças são mais conhecidas por forças fictícias.
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Gardelli, D.
Na Mecânica Newtoniana, se o balde e a água ficarem em repouso em
relação à Terra e se o conjunto de estrelas que se encontram ao redor do balde forem
giradas em relação à Terra, a superfície da água continuará plana. Para Mach, a água
deverá ficar côncava, como na experiência original de Newton, já que do ponto de vista
cinemático, as duas situações são equivalentes.
IV
O Princípio de Mach
Foi da idéia acima que surgiu o que chamamos hoje de Princípio de Mach.
Este princípio diz que a inércia de um corpo existe devido à sua interação gravitacional
com a matéria do restante do Universo ao seu redor.
Assim, para Mach, se um corpo é forçado a deixar o seu estado inicial de
repouso ou de movimento retilíneo uniforme através da atuação de uma força local real
(gravitacional, elétrica, magnética, elástica etc), então instantaneamente deve surgir
uma força aplicada pelo conjunto das estrelas fixas sobre esse mesmo corpo a fim de
evitar que ele altere o seu estado inicial.
Portanto, diferentemente de Newton, que acreditava que inércia é uma
propriedade intrínseca da matéria, Mach entendia inércia como sendo uma força de
interação gravitacional entre os corpos materiais e o conjunto das estrelas fixas e que
somente atua sobre eles no caso de se tentar acelerá-los em relação a elas.
Vale lembrar que Albert Einstein (1879-1955), em seu trabalho intitulado
The Meaning of Relativity (O Significado da Relatividade) [3], cuja 1a edição é de 1922,
mostrou que as idéias de Mach encontram confirmação, embora apenas qualitativa, na
Teoria da Relatividade Geral.
É curioso notar que a noção de espaço absoluto (ou de referencial inercial
desvinculado de qualquer corpo material) ficou tão enraizada entre os físicos que
embora Einstein fosse simpatizante das idéias de Mach, o que ele acabou fazendo na
prática, com sua Teoria da Relatividade Geral, foi dotar o espaço de propriedades
físicas, preservando dessa maneira a idéia inicial de Newton sobre o espaço absoluto.
Apenas para citar um outro exemplo da forte influência do pensamento
newtoniano sobre os físicos, para o físico alemão Werner Heisenberg (1901-1976), um
dos criadores da Mecânica Quântica, a existência de forças inerciais em um sistema
dotado de aceleração simplesmente prova a existência de propriedades físicas do espaço
e permite estabelecer a distinção entre referenciais acelerados ou não. Ele diz, em sua
obra Physik und Philosophie (Física e Filosofia) [4, pág. 92], cuja 1a edição é de 1958:
A existência de forças centrífugas, em um sistema dotado de um
movimento de rotação, prova - no que diz respeito à teoria da
relatividade de 1905 e 1906 - a existência de propriedades físicas do
espaço que permitem estabelecer a distinção entre referenciais com
e sem rotação.
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Isso pode parecer pouco satisfatório de um ponto de vista filosófico,
pois seria preferível se associar propriedades físicas somente a
entidades físicas como corpos materiais e campos, e não ao espaço
livre. Mas, pelo menos no que diz respeito à teoria dos processos
eletromagnéticos e dos movimentos mecânicos, a existência de
propriedades físicas do espaço vazio é simplesmente uma descrição
de fatos irretorquíveis.
Portanto, podemos perceber o quanto Heisenberg, um dos grandes físicos
deste século, era pragmático com relação a esse assunto, diferentemente de Newton,
Mach e Einstein, que sempre se preocuparam com as implicações filosóficas da
Mecânica Newtoniana.
Agora, da mesma forma que a noção de espaço absoluto de Newton, o
Princípio de Mach é apenas uma questão filosófica. Então, como provar a interação
gravitacional entre um corpo material e o conjunto das estrelas e galáxias que se
encontram distribuídas ao seu redor?
Para isso, é necessário que tomemos conhecimento de uma outra lei de
força conhecida por força de Weber.
V
A Força de Weber
Em 1846, Wilhelm Eduard Weber (1804-1891) publicou um trabalho no
qual ele apresentava originalmente a sua famosa lei de força entre cargas elétricas. Esta
lei é essencialmente a de Coulomb adicionada de termos que dependem da velocidade e
da aceleração relativa entre as cargas interagentes.
A força de Weber foi a primeira a surgir na Física com dependência não
apenas da distância entre os corpos, mas também de suas velocidades e acelerações
relativas, ou seja, foi a primeira lei que apareceu do tipo completamente relacional, que
assume o mesmo valor independentemente do referencial adotado.
Ela é extremamente poderosa, pois satisfaz os princípios da ação e reação
na forma forte (pois a força está sempre ao longo da reta que une os dois corpos
interagentes), da conservação da quantidade de movimento linear e angular e da
conservação da energia (a soma da energia potencial de Weber com a energia cinética
de duas partículas interagindo através da força de Weber é constante no tempo, ou seja,
o trabalho realizado por esta força através de um caminho fechado é igual a zero). Além
disso, com ela pode-se deduzir a força de Coulomb, a força entre elementos de corrente
de Ampère e as quatro equações de Maxwell (lei de Gauss, lei da não existência de
monopólos magnéticos, lei circuital de Ampère e lei de indução de Faraday).
Para uma apresentação detalhada do assunto, consultar a referência [5].
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Gardelli, D.
VI
A Força de Weber aplicada à Mecânica
Já em 1872, o astrônomo francês Tisserand (1845-1896) utilizava a Lei de
Newton da Gravitação Universal com termos que dependiam da velocidade e da
aceleração entre as massas de maneira análoga à lei de Weber e recentemente, em 1989,
em seu trabalho intitulado On Mach s Principle (Sobre o Princípio de Mach) [6], André
K. T. Assis, utilizando esta mesma lei, conseguiu implementar quantitativamente o
Princípio de Mach.
Usando a lei de Weber para a Gravitação, Assis concluiu que a força que as
estrelas e galáxias distribuídas uniformemente ao redor de um certo corpo exercem
sobre ele não é mais igual a zero e sim igual a menos o produto da massa pela
aceleração, no caso de não haver rotação relativa entre os corpos interagentes. Agora,
diferentemente do Princípio Fundamental da Dinâmica, a massa é gravitacional e a
aceleração do corpo é em relação às estrelas fixas.
No caso de haver rotação relativa entre os corpos, os cálculos de André
Assis mostraram que a força de interação gravitacional entre as estrelas e o corpo em
questão é igual a menos o produto da massa pela aceleração, mais dois termos
conhecidos como força de Coriolis e força centrífuga, mais um terceiro termo que não
possui nome específico e que aparece quando a velocidade angular relativa entre os
corpos interagentes não é constante. Ou seja, o físico brasileiro mostrou que se houver
uma rotação relativa entre o Universo e o balde de Newton, então surgirá a força que
empurra a água em direção às paredes do balde, como queria Mach.
Deste modo, André Assis chegou aos seguintes resultados principais:
1a) As forças inerciais surgem devido à interação gravitacional de um certo
corpo com o restante do Universo.
2a) A massa inercial é, na verdade, a própria massa gravitacional.
3a) O espaço absoluto de Newton é identificado como o conjunto das
galáxias e estrelas fixas.
4a) Não é mais necessário diferenciar referenciais inerciais de referenciais
não-inerciais.
5a) Para se deduzir uma expressão análoga à 2a Lei de Newton, Assis
postulou que a resultante das forças que atuam sobre um certo corpo não é mais igual ao
produto da massa pela aceleração e sim igual a zero. Agora, deve-se levar em conta não
só as forças locais que atuam sobre o corpo, tais como as forças peso, elástica, elétrica,
magnética etc., como também a força exercida pelas estrelas e galáxias sobre o corpo.
Para uma análise detalhada destes e de outros resultados obtidos por André
Assis, recomendamos fortemente a leitura do livro Mecânica Relacional [7] de sua
própria autoria.
Cad.Cat.Ens.Fís., v. 16, n. 1: p. 43-53, abr. 1999.
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VII - Conclusão
Isaac Newton elaborou a melhor Mecânica de seu tempo. No entanto, ao
sugerir a interação entre corpos materiais e o espaço absoluto (como na experiência do
balde com água em rotação, entre outras), acabou sendo alvo de severas críticas, tanto
de seus contemporâneos George Berkeley e Gottfried Wilhelm Leibniz, como de Ernst
Mach quase duzentos anos mais tarde, quando afirmou em seu livro The Science of
Mechanics: Tente fixar o balde de Newton e girar o céu de estrelas fixas e então prove
a ausência de forças centrífugas. [Ref. 2, pág. 279], insinuando claramente que o
responsável pelo afastamento da água de seu eixo de rotação só podia ser o conjunto
das estrelas fixas.
O enigma aparentemente só pôde ser desvendado quando se utilizou uma
lei de força entre corpos interagentes que dependesse não apenas da distância entre os
corpos (como na Lei de Newton da Gravitação Universal), mas também da velocidade
radial relativa e da aceleração radial relativa entre eles (como na força de Weber
aplicada à Gravitação).
Esperamos com este trabalho ter esclarecido alguns conceitos fundamentais
da Mecânica Newtoniana e ter apontado claramente uma possível explicação para a
origem da inércia.
Agradecimentos
Agradeço ao professor André Koch Torres Assis pelos preciosos
comentários e sugestões apresentados a este trabalho e por esclarecer todas as eventuais
dúvidas surgidas durante a elaboração do presente artigo.
IX
Referências Bibliográficas
1. NEWTON, I.; Principia - Princípios Matemáticos de Filosofia Natural. Nova
Stella/EDUSP, São Paulo, 1990, volume 1. Tradução de T. Ricci; L. G. Brunet;
S. T. Gehring e M. H. C. Célia.
2. MACH, E.; The Science of Mechanics - A Critical and Historical Account of Its
Development. Open Court, La Salle, 1960.
3. EINSTEIN, A.; O Significado da Relatividade. Editora Arménio Amado. Coimbra,
1984, 2a edição. Tradução de Mário Silva.
4. HEISENBERG, W.; Física e Filosofia. Editora UnB, Brasília, 1995, 3a edição.
Tradução de J. L. Ferreira.
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Gardelli, D.
5. ASSIS, A. K. T.; Eletrodinâmica de Weber - Teoria, Aplicações e Exercícios.
Editora da UNICAMP, Campinas, 1995.
6. ASSIS, A. K. T.; On Mach s Principle. Foundations of Physics Letters, Vol. 2, pp.
301-318,1989.
7. ASSIS, A. K. T.; Mecânica Relacional. Coleção CLE, Vol. 22. Centro de Lógica,
Epistemologia e História da Ciência da UNICAMP, Campinas, 1998.
Cad.Cat.Ens.Fís., v. 16, n. 1: p. 43-53, abr. 1999.
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