Opinio Iuris - EXPO Unimed Curitiba

Transcrição

Opinio Iuris - EXPO Unimed Curitiba
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Boletim Informativo
do Curso de
Direito da
Universidade Positivo
N. 2 – maio/2011
Editorial
Agradecemos as contribuições e a divulgação para o número 1. da Opinio
Iuris. Este veículo é feito com base nas suas ideias e serve para informálo do que acontece em nosso ambiente.
Não poderia passar em branco fato de relevantíssima importância: nosso
prestigiado colega, Professor Guilherme Roman Borges foi aprovado no
concurso para Juiz Federal e em breve assumirá Vara Federal no Estado
de São Paulo. Ganha a magistratura federal, ganha a população. Sucesso
e parabéns, aos alunos, boas aulas e sigam o exemplo.
Sua partipação com artigos, sugestões ou críticas pode ser registrada
pelo mail [email protected]
Boas aulas!
Prof. Maicon Guedes.
Palavra da Coordenação
Vida acadêmica e reflexão sobre a sociedade
A vida universitária não se restringe a assistir a aulas e realizar provas.
A universidade constitui-se como ambiente de perene reflexão, o que
pressupõe debate e divulgação de ideias. Justamente por isso o curso
de Direito promove diversos eventos que fomentam a exposição e discussão de temáticas atuais e polêmicas que instigam o acadêmico a refletir sobre o seu papel na sociedade e no campo do conhecimento.
Recentemente, no auditório do bloco bege, o secretário nacional de
justiça, professor Paulo Abrão, proferiu palestra sobre a questão polêmica
da lei da anistia e a proteção aos direitos humanos. No dia 19 de maio foi
realizado evento sobre direito internacional humanitário: a lei da guerra,
promovido pelo tenente-coronel Carlos Eduardo Machado Gouvêa.
Recentemente, no auditório do bloco bege, o secretário nacional de
justiça, professor Paulo Abrão, proferiu palestra sobre a questão polêmica da lei da anistia e a proteção aos direitos humanos. No decorrer deste
mês, o professor Alberto Vargas ministra curso sobre benefícios previdenciários. No dia 19 de maio será realizado evento sobre direito internacional humanitário: a lei da guerra, promovido pelo tenente-coronel
Carlos Eduardo Machado Gouvêa.
Todos esses eventos de extensão demonstram o diálogo do curso de Direito com temáticas contemporâneas e o compromisso com o aprofundamento teórico que a formação completa do jurista exige. O papel do
profissional do Direito vai muito além dos textos legais e demanda reflexão sobre questões sociais a ser aprimorada durante toda a vida universitária.
Prof. Eros Cordeiro.
Coordenador-Adjunto do Curso de Direito
Agenda
10/05 a 01/06
EXPOSIÇÃO ARTE ACADÊMICA
Horários: de segunda a sexta-feira das 7h às 22h, e aos
sábados das 8h às 17h
Local: Biblioteca
24/05 a 07/06
EXPOSIÇÃO JARDIM EM
LOCO - JARDINS DE CURITIBA
Horário: durante a semana
9h às 21h; sábado 9h às 15h
Local: Sala de Eventos do
Prédio da Pós-Graduação e
Extensão
Informações: 3317-3446
25/05 às 20h
O CONTESTADO, DE ROMÁRIO BORELLI
Local: Teatro Positivo Pequeno Auditório
Entrada: Gratuita
Informações: 3317-3446
08/06 às 09h30min
FORMAÇÃO POLÍTICA UMA ABORDAGEM FILOSÓFICA - PROFESSOR JOSÉ
PIO MARTINS
Local: Auditório do bloco
bege
22/05
DOMINGO NO CÂMPUS DUO DE CONTRABAIXO E
PIANO
Músicos: Pablo Guiñez,
Maria Helena Salomão e
Clenice Ortigara
24/05 - 18h30
CORAL UNIVERSIDADE
POSITIVO - ABERTURA
DA EXPOSIÇÃO JARDIN IN
LOCO
Local: Sala de Eventos –
Prédio da Pós-Graduação e
Extensão
Informações: 3317-3446
29/05
RECITAL DE PIANO
Músico: Olga Kiun
Informações: 3317-3446
11/06 às 20h30min
MUSICA NO CAMPUS
Teatro Positivo - Pequeno
Auditório
Ingressos: R$ 20 e R$ 10
(meia-entrada).
Informações: 3317-3446
15/6 às 19h
Palestra com Prof. Dr.
RenÉ Ariel Dotti
25 anos da Lei dos Crimes
contra Sistema Financeiro Nacional
Local: Auditório do Bloco Azul
Vitrine Acadêmica
- Projeto de extensão – Cidade em Debate
O Projeto de Extensão “Cidade em Debate”, da Universidade Positivo, é
multidisciplinar, o qual possui como objetivo ampliar os canais de participação da sociedade civil em um processo que divulgue as ações e
propostas que impulsionam possibilidades e garantias do desenvolvimento de políticas setoriais para a construção de uma cidadania plena e,
principalmente, para que a população esteja aberta, participe, fiscalize,
exerça seus direitos e cumpra seus deveres.
Integram tal projeto professores e estudantes dos cursos de Direito, Arquitetura e Urbanismo e Serviço Social da Universidade Positivo, bem
como a equipe do Centro de Apoio às Promotorias dos Direitos Constitucionais do Ministério Público do Estado do Paraná.
Esse Projeto de Extensão possui alguns projetos em andamento, quais
sejam: (i) elaboração de um guia de proteção do direito à moradia adequada para a cidade de Curitiba; (ii) monitoramento, documentação e
incidência nos espaços de participação popular sobre planejamento urbano, com o objetivo de acompanhar os espaços de participação popular, nos quais são discutidos temas sobre o planejamento urbano; (iii)
difusão do sistema nacional de desenvolvimento urbano, realizado com
vinculação ao Observatório das Metrópoles; (iv) análise da implantação do sistema de desenvolvimento urbano nas regiões metropolitans,
a partir de alguns estudos de casos, projeto que também é realizado em
vinculação ao Observatório das Metrópoles; (v) elaboração do Estatuto
da Cidade anotado, com o qual se pretende organizar as informações
relativas ao processo de concretização e implementação do Estatuto da
Cidade (Lei n.º 10.257/2001); e (vi) formação e capacitação da sociedade
civil e Poder Público, visando construir espaços para a partilha de conhecimento com a sociedade civil, com vistas a fomentar o aprofundamento de temas relativos ao planejamento urbano.
Para maiores informações sobre o projeto de extensão “Cidade em Debate” verifique o site http://www.cidadeemdebate.net/
- Aconteceu na Positivo
Evento: Direitos Humanos e Anistia
Paulo Abrão - Secretário Nacional de Justiça
Data: 05 de maio, às 19h
Evento: Eterno Retorno à Moral Inquisidora: Aspectos Gerais da Denúncia Genérica
Palestrante: Professor Leonardo Costa de Paula
DATA: 06 de maio, às 9h30min
- Professor da UP oferece curso de capacitação para líderes
de Minas Gerais
Durante os dias 27 e 28 de abril, o professor Marcelo Guimarães ofertou
um curso para Lideranças e Gestores da FIAT, em Betim-MG (Região
Metropolitana de BH) sobre Relações Trabalhistas e Prevenção de Riscos, abrangendo diversos assuntos, tais como: legislação trabalhista em
geral, responsabilidade civil do empregador por acidente de trabalho
e doença ocupacional, assédio moral, limites da jornada de trabalho e
compensação de horas, entre outros.
Revista Raízes Jurídicas seleciona artigos
A Revista do Curso de Direito e da Pós-Graduação da Universidade Positivo, “Raízes Jurídicas”, capitaneada pelo professor Guilherme Roman
Borges seleciona artigos de professores e alunos para seu próximo volume. A publicação é semestral e o periódico está indexado no sistema
Qualis Periódicos. Maiores informações podem ser obtigas em
http://raizesjuridicas.up.edu.br/
Espaço do Professor
Sobre a morte de Bin Laden
A morte de Osama Bin Laden é
a nova onda pop internacional.
Tuitada por todos, replicada incontáveis vezes em redes sociais e comentada em milhares de
blogs na internet, o assassinato
do maior terrorista internacional foi assunto obrigatório em
todos os jornais há poucos dias.
Na medida em que a produção
acadêmica não consegue acompanhar a velocidade da era digital, estas linhas vêm à tona apenas agora, em evidente atraso
eletrônico.
A única vantagem desse atraso
parece ser a possibilidade de reflexão que só o tempo permite
– mesmo que a correria do dia
a dia torne esse tempo extremamente exíguo. Ao mesmo tempo
em que arrefece o interesse no
tema, começam a surgir debates
interessantes sobre a temática e
que podem render boas ponderações teóricas. Obviamente não
se pretende esgotar a temática
neste texto, mas é possível lançar aqui alguns germens de discussão que, no futuro, rendam
pesquisas aprofundadas.
Não há dúvidas de que a operação militar americana que matou o terrorista foi feita ao arrepio do Direito, tanto nos seus
ramos Internacional quanto
Penal. No plano do Direito Internacional, a invasão não autorizada de um país por outro
é apenas possível em casos excepcionais (legítima defesa ou
autorização do Conselho de Segurança, por exemplo), que não
se evidenciaram na situação que
se tem em mesa. Embora teóricos internacionais possam vir
a apresentar fundamentos para
tanto, não se acredita que será
possível diferenciar a medida
americana (chamada tecnicamente de “abdução”) de outras
tomadas, por exemplo, por Israel no caso Eichmann, reconhecidamente violadoras das regras da soberania defendidas no
plano internacional.
No que toca ao ramo Penal,
tampouco se pode identificar
qualquer traço de legalidade na
operação americana. Seria um
extenuante exercício científico
listar todos os princípios penais
violados pelo que é chamado
de assassinato de Estado (statesponsored murder), comumente praticado secretamente
em históricas ditaturas e, dentre outras ocorrências contemporâneas, às claras por regimes
que, diga-se, pretendem “defender a ordem pública”, como
ocorre na Rússia, na China, em
Cuba e em Israel. Mas violações
ao devido processo legal, ao uso
limitado da força e à própria
proporcionalidade – sem contar
a evidente violação do direito à
vida – não deixariam de constar
nessa constrangedora lista.
Embora exista posição doutrinária
que aponte pela necessidade de
um afastamento da legalidade estrita e de uma “virada à ética” no
Direito Internacional (como quer
KOSKENIEMMI), o que justificaria intervenções militares ilegais ditas humanitárias, como
aquela da OTAN na Iugoslávia em
1999, esse argumento não se sustenta no plano do Direito Penal. O
raciocínio da pena é estanque: ela
somente é justa quando realizada
dentro da legalidade e não existe
“virada à ética” que possa sustentar
uma execução levada a cabo sem o
controle do Judiciário e, especialmente, de uma lei democrática. A
simples fundamentação das operações militares americanas que
terminaram com Bin Laden morto
em informações que teriam sido
obtidas a partir de tortura, como
se alega e parece reconhecido pelo
próprio governo estadunidense,
por si só já é um determinante da
ilegalidade de toda a situação.
O argumento que se levanta não é
ignorado: trata-se de Osama Bin
Laden e, portanto, sendo um caso
extremo de um terrível terrorista
de seu quilate, seriam necessárias
medidas extremas. A condição de
Bin Laden como hostis humani
generis parece justificar qualquer
medida, mas não justifica. Se se
tratava de um criminoso perigoso,
deveria ter sido levado a julgamento, processado e, eventualmente,
condenado (mesmo à morte, se a
legislação aplicável, ainda que abjeta, assim o determinasse). A exceção aberta pelos assassinatos de
Estado não pode ser celebrada sob
argumento algum porque confirma a exceção e o risco ao Estado
de Direito, abrindo as portas para
uma “virada à ética perversa” formidavelmente assustadora e perigosa.
Todavia, mais desagradável é a
sensação de mal-estar que provocam as imagens de celebração do
assassinato do terrorista que circularam onipresentes. Sabendo-se
que o mundo não está mais seguro
e que a morte do saudita não melhora em nada a atual condição do
homem em nosso planeta, à razão
causa estranheza que tanta celebração e felicidade tomem conta da
comunidade internacional nesse
momento. Diante do fato de que
não existe motivo justo para a celebração da morte de um homem
(qualquer que seja), permanece
ativa uma pergunta que parece
cutucar os mais recônditos íntimos
da psique humana: que espécie de
válvula de escape moral esse evento ativou na humanidade? Afinal,
é como se essa “virada à ética perversa” fosse comum e natural ao
ser humano, sendo a lei, que se
pretende baseada em uma ética
virtuosa, uma necessária forma de
controle da maldade natural do indivíduo. Em outras palavras, é de
se temer o Estado totalitário ou o
homem totalitário?
Rui Carlo Dissenha
Doutorando em Direitos Humanos na USP; mestre em Direito
das Relações Sociais e bacharel na UFPR; Diplôme Supérieur de
l’Université de Paris II Panthéon-Assas, França; LLM in Public International Law with International Criminal Law Specialization at
Leiden University, Holanda; bolsista doutoral do governo brasileiro
na Università di Bologna; advogado, professor de Direito Penal e de
Direitos Humanos na Universidade Positivo.
O ENSINO JUSBRASILEIRO:
A mediação quase universal do princípio constitutivo do I don’t care
No final do séc. XIX, desde os estertores da centralização de nosso segundo Pedro de Alcântara, o Brasil
experimentava no plano político e
econômico uma lenta “americanização”, conduzida em seguida com
maestria nas mãos de Rio Branco e
em plena sintonia com os presságios
de Monroe e Roosevelt. A América
era, doravante, o lugar dos “americanos”, descolonizados, independentes, “autônomos”, que passavam a
contrapor-se à força do concerto europeu de poderes e a toda a opressão
conservadora que constituiu a triste
historiografia latino-americana.
Se no sécs. XVI e XVII o capital
flamengo nos colocou economicamente no mundo, e nos sécs. XVIII
e XIX o capital inglês nos conduziu
à liberdade do exclusivo metropolitano e do lado “negro” de nossa história, o final do séc. XIX e o séc. XX
fazem aparecer o capital norte-americano na compra de nossos excedentes de café e na proclamação de
nossa República. Os EUA se tornam
o “novo parceiro”, a nova “mão-condutora”, e o Brasil europeu passou a
ser o Brasil “norte”-americano.
Essa aproximação não foi apenas
econômica ou política, mas o foi,
sobretudo, cultural. Se antes Bilac se
regozijava e se destacava escrevendo em francês, e nossa elite jurídica dançava no antigo paço os passos da Polca, da Mazurca, da Valsa,
desde então, os brasileiros, quando
não brindavam nos Frevos ou nos
Chorões, estavam lentamente sendo norte-americanizados, e seus saracoteios bamboleavam ao som do
Cake-Walk, Two-Step, Blackbotton,
Jazz, Fox-trot etc.
Nossa elite musical trocou o choro
das flautas e do oficlide pelo som nobre do saxofone. Nossa elite política,
formada por pequenos industriais,
mas, especialmente, por juristas
(professores, magistrados, advogados, promotores) trocou suas influências franco-germânicas pelo gosto
do american way of life. O Brasil era
culturalmente um país hollywoodiano.
Apesar da eqüidistância pragmática intentada no início por Getúlio,
o Brasil foi paulatinamente se tornando cada vez mais norte-americanizado. Os Estados Unidos não se
tornaram apenas nosso agente econômico, mas nosso grande pedagogo. E assim, a elite política, que estava
acostumada com as aventuras amorosas nas garçonières e a auto-exibição nas pelouses dos hipódromos,
passou a fazer footing nas avenidas;
talqualmente o povo a deleitar-se
nos shows ao som do rock’n roll.
Esse completo alinhamento político-econômico e cultural à Nova Inglaterra, se por um lado permitiu o
avanço da substituição das importações e da industrialização nacional,
e, logo, uma possibilidade de desenvolvimento econômico, trouxe, por
outro, inevitavelmente, uma aniquilação da cultura nacional, especialmente, uma antropofagia modernista às avessas no sistema educacional
brasileiro.
Se antes o romântico iluminismo
europeu, mesmo aos tropeços, elitista, mesmo com as “idéias fora
do lugar”, como bem gosta Roberto
Schwarz, tentava construir um ensino voltado à busca por uma cultura
do povo brasileiro, lavrada a sangue
índio e a sangue negro (Darcy Ribeiro), o consumismo norte-americano invadiu os bancos escolares, as
faculdades de direito, e, há mais de
meio século tem contribuído para
construir um modelo de ensino frágil, superficial, pragmático e utilitarista.
Nesse caminho, o ensino jurídico
também a certo ponto se norte-americanizou. Não adotou a perspectiva casuística (ainda, enquanto
os “cases” não tomarem conta do
“novo modelo” de jusensino), talvez
por simples ausência de alteração
legislativa, porém esse modelo assumiu em todos os seus níveis um papel fundamental: otimizou raciocínios, tecnicizou currículos, agilizou
respostas forenses, publicizou imagens de professores-palestradores
showmen, em suma, empobreceu a
juspedagogia brasileira.
Essa giganta aproximação não seria
de todo ruim se fora feita com cautela ou se se restringisse à recepção
de construções teóricas aprimoradas de brilhantes intelectuais norte-americanos, cujos objetivos não se
mostrariam como neoimperilistas,
mas como prudentes reflexões sobre
o mundo. Todavia, esse achegamento à cultura norte-americana trouxe
para academia jurídica uma triste realidade, seja no que diz com o
conteúdo, seja com o corpo discente,
seja com a docência nacional. Tudo,
infelizmente, americanizou-se.
O conteúdo do jusensino brasileiro
débil e burrego constrói-se às margens e às obviedades norte-americanas. Abandonam-se paulatinamente as grandes teorias, as investigações
mais detalhadas, o gosto pelo rigor
conceitual, pela seriedade de pesquisa e, especialmente, pela “austeridade acadêmica”, e, no seu lugar, aparecem o imediatismo das respostas, a
efetividade dos dispositivos, o deleite com as regras de decisão.
O corpo docente, por sua vez, em
grande parte (embora alguns dignos
devam ser excepcionados, porque
fazem uma resistência, ora velada,
ora aberta), também se deixou levar pela fluidez e superficialidade
da formação pessoal e do ensino de
seus alunos. Às vezes mal intencionados, utilizando-se da academia
para angariar clientes entre os alunos
ou estagiários para os seus gabinetes,
contudo, às vezes muito bem intencionados, procurando criar mecanismos para facilitar o aprendizado.
Assim, espécies de mnemônias jurídicas começaram a correr os bancos
jusescolares por culpa de editores,
mas, sobretudo, por culpa de professores. Tal como na pré-escola, em
que os incipientes alunos recebem
de seus pedagogos construções feitas, cujo nobre e necessário objetivo
é a memorização léxica, o aprendizado da formação sintática e mesmo
a ortoepia pela repetição exaustiva
dessas fórmulas rítmicas (mnemônias): “um, dois, feijão com arroz;
três, quatro, feijão no prato”, ou mesmo as regionalistas “tem picolé, seu
José; é de juçara, dona Januária; é de
murici, dona Lili; é de Abacaxi, seu
Gigi” etc., no jusensino elas também
têm ocorrido.
Os alunos, longe das aulas feitas com
discussão de textos ou debates e longe até da pesquisa e dos projetos de
extensão jurídicas, tão fundamentais
para a formação de “juristas curadores de si”, têm sido limitados ao conhecimento que forma, que constitui, que os torna virtuosos, como
bem queria a paideía grega.
Cada vez mais são conduzidos por
seus mestres, americanizados, a
fazerem monografias concisas, de
rápidas leituras, papers, quando
não o deveriam, já que a concisão
e a capacidade de “dizer-se” em
parcas palavras e orações é privilégio de poucos machadianos. Do
mesmo modo são levados a ler as
tais sinopses, vez que os exames
assim lhes auferem o “conhecimento”, quando muito não as indicam em seus planos de ensino.
O grande problema é que, mesmo para os docentes bem intencionados (porque os mal não têm
justificativa) essa facilitação fez os
alunos perderem o gosto pela pesquisa, pela reflexão, pela abstração, pelo demorar-se com um texto, pelo “saber com sabor”, no bem
querer de Roland Barthes, pelo
pacientar-se com o futuro econômico. Resumos, sumários, esquemas, cursos, sínteses, sinopses
jurídicas prontificaram o jusconteúdo aos acadêmicos, mas abreviaram, concentraram assuntos,
e, sobretudo, restringiram nessa
medida o conhecimento. Somos
nada mais que uma boa coletânea
de vernáculos e uma boa reunião
limitada de conhecimentos aos
nossos alunos. É preciso refletir a
prática do ensinar.
Por fim, a norte-mericanização
também se faz sentir no corpo
discente. Os alunos das faculdades de direito (e aqui novamente
inúmeros devem ser excluídos,
porque procuram fugir a essa
formatação) parecem constituir-se das imagens que os meios de
comunicação acabaram por lhes
vender. Se fossem apenas questões estéticas, o mal seria menor, a
grande questão é que toda a principiologia da sociedade de consumo norte-americana os arrebatou
na própria formação pessoal.
Osacadêmicosdedireitoparecem,
nas palavras de Mario Quintana,
“viverem eternamente barbiturizados pelas novelas da Televisão”,
e, desse modo, pelo gosto das coisas fáceis, rápidas, sem conteúdo,
criadas com fim apenas da satisfação dos sentidos. Perdidos, não
sabem exatamente porque fazem
Direito, ou mesmo porque estão
na faculdade, quando gostariam
de estar fazendo outra coisa, que
também não sabem bem ao certo
o quê.
Padronizados pelo consumismo
norte-americano e pela orientação desfalcada de professores
também norte-americanizados,
que lhes retiram conteúdos pela
sinopse, apresentam uma nítida
“infantilidade”. Essa supressão de
conteúdo, seja pela superficialidade do conhecimento passado,
seja pela alienação produzida pela
cultura de massa, impede-os de se
madurarem.
Assim, em pleno curso superior,
portam em suas malas experiências que deveriam ter ficado no
passado: cadernos com imagens
de ursinhos Walt Disney, canetas
com estrelas que acendem com
o apoio sobre o caderno, estojos
Hello Kitty, ou mesmo práticas
estudantis, como trabalhos entregues em folha almaço, provas
feitas à lápis, gírias que retiram a
variedade vocabular, e, como um
bom passe-partout, impelem seus
interlocutores a uma mesmice
inevitável. Há, esteticamente, enfim, uma “cor-de-rosalização” do
mundo, cuja inocência, se não
bela, deixa-os deleitados e presos
numa irresponsabilidade peculiar
da adolescência tardia.
No entanto, o que há de mais pesaroso é a importação do princípio
norte-americano do I don’t care,
que parece constituir-se numa
espécie de mediação quase universal a ponto de deixá-los desleixados com o mundo. Inúmeras situações admitem na prática o uso
do I don’t care e suas traduções
também não são poucas, mas se
concentram, talvez, no famoso
(recentemente divulgado por fraca música de massa) “tô nem aí!”.
Essa prática norte-americana
de não se importar com nada se
apresenta de diferentes maneiras
no campo político, econômico,
social, lingüístico, mas, especialmente, no âmbito antropológico.
Vê-se nas variantes próximas: I
couldn’t care less! (Eu não poderia
me importar menos!), This definitely doesn’t concern me! (Isso definitivamente não me diz respeito!); Why should I know/worry?
(E eu com isso?), em suma, whatever!. Há também às vezes em
que são empregadas de maneira
irresponsável: Include me out! (To
fora! Me tire disso!); ou com vontade de menosprezo: Beats me!
(Sei lá!); I have/got no idea! (Não
faço idéia!); How should I know!
(Como eu deveria saber!); I don’t
give a damn (Não ligo para isso,
não estou nem aí!); What’s that to
me? (Não dou a mínima!); ou com
vontade de desafio: And so what?
(E daí?); Who cares? (Quem se
importa?); ou com total relapso:
Never mind! (Deixa pra lá! Não
liga pra isso!) Forget it! (Esquece!)
Big deal! (Grande coisa!).
Seja lá o sentido próprio movido
pelo desprezo, pela irresponsabilidade, pelo relapso, pelo desafio,
o triste é que esse princípio norte-americano contaminou parte
significativa dos acadêmicos de
direito no Brasil, que parecem estar a todo instante dispostos a não
se preocupar com nada, a deixar
tudo para depois, a não se importar com coisa alguma, em suma, a
fazer do “tô nem aí!” um modo de
ser, uma Lebensfhürung (condução da vida), segundo Weber, uma
forma de agir. Essa é uma forma
de norte-americanização da alma,
muito mais dura e profunda que a
não menos trágica corrupção estética.
Desse modo, o american way of
life se espraiou pelo mundo, o que
é evidente, mas não poderia ter
penetrado, ao menos em seu lado
nefasto, no universo acadêmico jurídico. É preciso saber disso
para que possamos dele nos afastarmos. É preciso fugir a tudo isso,
sejam professores, sejam acadêmicos, à sedução das coisas práticas, dos fest-foods teóricos, da falta de compromisso. É necessário
deixar a mandriice e a pachorra
de lado que nos passarinha, que
nos atenta e nos encanta, e optar
pelas leituras mais bem construídas, mais bem refletidas, que nós
brasileiros somos capazes certamente de fazer. Optemos pelo ensino paciencioso, pela disposição
e pela prudência que se constrói
lentamente numa academia jurídica à brasileira, sem síntese, sem
plágios, sem “Ctrl’s C e Ctrl’s V”!
Guilherme Roman Borges
Doutorando em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP (2007),
com estágio doutoral anual na Sholé Anthropístikon kai Koinonikon
Epistémon Tméma Philosophías - Universidade de Patras - Grécia
(2008), pesquisador-visitante junto ao Max Planck Institut für ausländisches und internationales Strafrecht de Freiburg - Alemanha
(2010) e pesquisador-bolsista junto ao Max Planck Institut für Europäische Rechtsgeschichte de Frankfurt - Alemanha (2010 e 2011); é
Mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito na USP (2006) e Mestre
em Direito do Estado na UFPR (2005); é Bacharel em Direito na
UFPR (2003), Professor de Economia e Direito Econômico na Universidade Positivo (2003-), Advogado.
Espaço do Aluno
A Academia e a Formação Humana
Em tempos de recatado conformismo, do encapsulamento do ser
humano dentro de seu próprio eu
e do triunfo de um individualismo,
frio, cruel e desmedido, se faz preciso reavivar a brasa daquele humanismo que se preocupa com as
relações, as inquietudes e os problemas sociais e psíquicos que permeiam a existência humana sobre
a Terra.
Inserida no contexto dessa problemática tão atual e preocupante, a
academia deve abandonar a feição
tecnicista e a objetividade prática
que vem acatando, mormente nas
últimas duas décadas, e voltar-se
novamente ao ser humano, seu
objeto e objetivo primordial.
É preocupante assistir, no seio
histórico dos grandes triunfos da
humanidade, o exulto de uma ética
meramente utilitarista, cujo objetivo parece não ser outro senão a
adesão inescrupulosa aos interesses de um mercado que prega
a competição e a intolerância e
abomina qualquer manifestação
que seja contrária aos seus ideais
diabólicos.
Inegável é que qualquer área do
conhecimento, por mais objetiva
e técnica que se apresente, tem
sempre como pano de fundo o
homem em sua vivência cotidiana.
Nesse contexto, o que dizer então
daquelas ciências que são indiscutivelmente humanas ou sociais? O
que dizer do direito?
Não há dúvidas de que o direito que hoje se enclausura em
um curso universitário é muito
mais do que um simples ramo do
conhecimento ou uma opção profissional.
O direito é um instituto tradicional de incalculável nobreza, que
desenha, projeta, forja e disciplina
a vivência da humanidade e toda
sorte de relações que se travam entre as pessoas. Não se pode negar
que apenas o direito tem a capacidade de regular e limitar a liberdade de seres humanos, de garantir-lhes sobrevivência digna ou
entregar-lhes à sua própria sorte,
de tutelar os seus negócios e disciplinar absolutamente todas as relações que podem travar no decorrer de sua vida.
Falamos, portanto, de um organismo vivo, cujo habitat é a sociedade humana em suas relações
e angústias, em seus tormentos e
aflições psicológicas. Não se pode
cogitar o direito fora da sociedade
e não se pode pensar uma sociedade, qualquer que seja ela, sem o
direito.
Cabe ponderar, então, que a
sociedade para a qual o fenômeno
jurídico se dirige é a mesma na
qual ele é criado e exercido, pois
é, e deve continuar sendo, fruto da
vivência dos seres humanos. Nesse
contexto, o que preocupa é a contaminação do direito com os males
da sociedade, criando um insuperável e mortal círculo vicioso.
Ora, a sociedade que trabalha o
direito está cada vez mais permeada pelos ideais do mercado,
pelo individualismo e pelo espírito de selvageria, atitudes que ferem de morte todo um arcabouço
ideológico que há séculos vinha
sendo desenhado. Não há meios
imagináveis que sejam capazes de
unir o direito ao individualismo e
ao descaso para com os seres humanos, sem desvirtuar por completo a verdadeira razão de ser do
fenômeno jurídico.
Cabe recordar aquela famosa carta de um médico recém-formado
que, ao encarar a realidade prática
da medicina e perceber que nela a
vida e a saúde se dobram aos mandos do mercado, se disse arrependido da profissão que escolheu.
No direito, não seria nenhum exagero afirmar que a situação é ainda pior, pois a triste realidade
de que tratamos se reflete já nos
próprios bancos universitários e
muito pouco ou quase nada se escreve ou se debate a respeito.
O olhar apenas para o próprio
nariz é um mal que contraria nossos ideais mais nobres, é uma
atitude deve ser imediatamente
abolida e, mais do que isso, deve
deixar de ser incentivada pela comunidade acadêmica, pois calar é
consentir.
Como gostam de ponderar os europeus, o nível acadêmico é um
nível de crítica e não deve ser instrumentalizado. O papel da academia não é apenas o de prestigiar
a técnica, a dinâmica e a praticidade, como fez crer o paradigma
americano, mas carece também de
profunda análise e ponderação no
trato com a realidade que se descortina do lado de fora dos muros
da academia.
É, pois, inaceitável que a comunidade acadêmica chancele o desvirtuamento de sua verdadeira função
e dos seus verdadeiros fins, que se
traduzem na busca por uma formação humana pautada na ética e
no respeito às diferenças e não na
produção de um exército de profissionais obedientes à selvageria
do mercado, acríticos e estupidamente competitivos e individualistas.
A atuação que se espera da academia, especialmente no curso de
direito, é a de não apenas oferecer
disciplinas propedêuticas curriculares, como também incentivar o
diálogo e exercitar a vivência humana na mais inocente e imaculada de suas formas, mirando a
necessidade de uma completa revolução intelectual em prol do verdadeiro bem comum.
Não é inegável que tal proposta pode parecer uma utopia aos
teóricos e talvez uma verdadeira
perda de tempo aos mais práticos,
mas são justamente essas reações
que fazem prova da necessidade
de uma mudança urgente de atitudes e, quiçá, de paradigmas.
A precipitação faz mal ao homem,
a banalização também. A vida de
relação que travamos diariamente
e as inculcações que trazemos
conosco e desenvolvemos no
curso de nossa existência fazem,
muitas vezes, com que nos precipitemos em nossa intenção de
resolutividade ou banalizemos a
própria essência das relações humanas, esquecendo-nos da velha e
tão conhecida máxima aristotélica
que proclama o homem como um
animal social e não como um ente
isolado do restante do planeta, o
que de fato não é.
Precisamos, portanto, de uma reeducação humana e ética a nos
afastar desses incômodos males
contemporâneos, que são, e cada
vez mais intensamente o serão, os
responsáveis por problemas homéricos para toda a humanidade.
O novo homem a ser forjado deve
prezar pelo bom direito e pelos
nobres ideais da justiça, mas somente irá brotar e desenvolver-se
se semeado nas terras férteis da
academia, na medida em que é ela
o grande celeiro de intelectuais e a
tutora por excelência das perspectivas futuras do ser humano.
Não se pode olvidar ou tratar com
menosprezo a grande necessidade
de mudança e a importante incumbência que tem a academia em
todo esse contexto. Negar tais circunstâncias seria o mesmo que dar
um tiro no próprio pé ou destruir
a viga mestra de um grande edifício, seria a própria anunciação do
apocalipse.
Leandro José Rutano
Acadêmico do 5º período de Direito
Egressos pelo mundo
Nosso ex-aluno Allan Gilberto Pereira Barcelos atualmente advoga em escritório
próprio, cursa o Mestrado em Gestão Ambiental e coordena o grupo de estudos
em Constituição e Ambiente da Universidade Positivo em conjunto com a Profa.
Bettina Amorim.
Roberto de Carvalho Peixoto, formado em nossas primeiras turmas, advoga e,
com o gosto pela docência despertado ainda nos bancos acadêmicos, hoje leciona Direito Empresarial na Universidade Positivo e Direito do Trabalho na especialização em Direito do Trabalho do IBPEX.
Com igual interesse acadêmico, a ex-aluna Heloísa Camargo de Lacerda hoje
é Mestre em Direito. Leciona Direito de Família, Sucessões e Internacional nas
Faculdades Estácio de Sá e FAMEC, onde também exerce funções de gestão. Publicou artigos e partipa de grupo de pesquisa da UFPR.
O ex-aluno Pedro Cruz Port, advoga para diversas instituições financeiras. Atualmente é Procurador de Justiça Desportiva no Tribunal de Justiça Desportiva do
Paraná e cursa Especialização em Direito Civil e Processual Civil.
Parabéns! Desejamos ainda maior sucesso na jornada acadêmica e profissional.
Expediente: Orientação e editoriação: Maicon Guedes | Coordenação do curso de Direito : Marcos Alves da Silva
Revisão: Adriane Setti | Diagramaçao e projeto gráfico: Marcos Felipe Monteiro e Paula Setsuko
Nishizima