Perguntas chave no - Sociedade Portuguesa Oncologia

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Perguntas chave no - Sociedade Portuguesa Oncologia
RENATO SOTTO-MAYOR
COORDENADOR:
Perguntas chave no CANCRO DO PULMÃO
Perguntas chave no
CANCRO
DO PULMÃO
CO O RD ENA D O R:
RENATO SOTTO-MAYOR
PERMANYER PORTUGAL
www.permanyer.com
Perguntas chave no
CANCRO
DO PULMÃO
COORDENADOR:
RENATO SOTTO-MAYOR
PERMANYER PORTUGAL
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Suporte válido
Comunicado ao Departament de Salut (Gran Vía) de la Generalitat de Catalunya: n.º
Autores
Ana Cristina Amado
Serviço de Radioterapia
Hospital de Santa Maria
Centro Hospitalar Lisboa Norte
Lisboa, Portugal
Direndra Hasmucrai
Hospital de Dia de Pneumologia Oncológica
Centro Hospitalar Lisboa Norte
Lisboa, Portugal
Dulce Antunes
Assistente Hospitalar de Imagiologia Geral
Serviço de Imagiologia Geral
Centro Hospitalar Lisboa Norte
Lisboa, Portugal
Encarnação Teixeira
Assistente Hospitalar Graduada
Centro Hospitalar Lisboa Norte
Hospital Pulido Valente
Lisboa, Portugal
Francisco Félix
Chefe de Serviço de Cirurgia Torácica
Centro Hospitalar Lisboa Norte
Lisboa, Portugal
Isabel Lourenço
Assistente Hospitalar Graduada de Anatomia Patológica
Centro Hospitalar Lisboa Norte
Lisboa, Portugal
Luís Carreiro
Chefe de Serviço de Pneumologia
Coordenador da Unidade de Pneumologia
Hospital Lusíadas
Lisboa, Portugal
Margarida Felizardo
Assistente Hospitalar de Pneumologia
Hospital Beatriz Ângelo
Loures, Portugal
Margarida Mendes de Almeida
Assistente Hospitalar Graduada de Anatomia Patológica
Centro Hospitalar Lisboa Norte
Lisboa, Portugal
Maria Inês Antunes
Serviço de Radioterapia
Hospital do Espírito Santo (Lenicare)
Évora, Portugal
Mariana Roque
Interna de Imagiologia Geral
Serviço de Imagiologia Geral
Centro Hospitalar Lisboa Norte
Lisboa, Portugal
Patrícia Garrido
Assistente Hospitalar Graduada de Pneumologia
Centro Hospitalar Lisboa Norte
Lisboa, Portugal
Paula Alves
Assistente Hospitalar Graduada de Pneumologia
Centro Hospitalar Lisboa Norte
Lisboa, Portugal
Paula Monteiro
Assistente Hospitalar Graduada de Pneumologia
Unidade Pneumológica de Intervenção
Serviço de Pneumologia
Centro Hospitalar Lisboa Norte
Lisboa, Portugal
Renato Sotto-Mayor
Chefe de Serviço de Pneumologia
Assistente Convidado da Faculdade de Medicina
da Universidade de Lisboa
Hospital de Dia de Pneumologia Oncológica
Serviço de Pneumologia
Centro Hospitalar Lisboa Norte
Lisboa, Portugal
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
III
Índice
Prefácio
V
R. Sotto-Mayor
Epidemiologia e rastreio do cancro do pulmão
1
D. Hasmucrai e R. Sotto-Mayor
Do diagnóstico à broncologia de intervenção no cancro do pulmão
9
L. Carreiro
Classificação histopatológica e molecular do cancro
do pulmão
15
I. Lourenço e M. Mendes de Almeida
Estadiamento do cancro do pulmão
21
D. Antunes, M. Roque e P. Monteiro
Tratamento cirúrgico do carcinoma pulmonar de não
pequenas células
29
F. Félix
Tratamento neoadjuvante e adjuvante no carcinoma pulmonar
de não pequenas células
35
P. Alves e P. Garrido
O papel da radioterapia no carcinoma pulmonar
de não pequenas células
41
A.C. Amado e M.I. Antunes
Tratamento de primeira linha do carcinoma pulmonar
de não pequenas células
47
E. Teixeira
Tratamento do carcinoma pulmonar de não pequenas células
após progressão de primeira linha
55
M. Felizardo
Tratamento do carcinoma pulmonar de pequenas células
61
R. Sotto-Mayor
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
IV
Prefácio
A prática da pneumologia oncológica tem tido, entre nós, uma ação primordial na luta contra o
cancro do pulmão1, mercê do empenho, dedicação e competência de um conjunto de profissionais
de saúde com experiência nesta área, mesmo quando pouco havia a fazer aos doentes para além de
cuidados paliativos e de suporte, até aos nossos dias, em que emergiram novos paradigmas na terapêutica desta verdadeira epidemia oncológica, que abrem horizontes de esperança e de otimismo no
que se refere ao seu prognóstico e sua qualidade de vida.
De facto, os pneumologistas têm um papel decisivo2 na abordagem do cancro do pulmão, desde
a sua prevenção, ao seu diagnóstico, estadiamento anatómico, avaliação funcional, tratamento – incluindo na vertente das técnicas pneumológicas de intervenção –, e cuidados paliativos e de suporte.
Essa sua intervenção deve ser integrada numa perspetiva de trabalho multidisciplinar3,4 em que façam
parte profissionais de saúde com larga experiência em oncologia torácica, como médicos pneumologistas, cirurgiões torácicos, radioncologistas, oncologistas, patologistas e outros, assim como enfermeiros,
psicólogos e assistentes sociais, no sentido de oferecer a cada doente os melhores cuidados possíveis.
Mas esses grupos de trabalho multidisciplinar, além de representarem uma oportunidade de discussão dos casos apresentados, que tem como objetivo major a melhoria da qualidade e eficiência
dos cuidados prestados aos doentes, devem também ser vistos como um pretexto de interação entre
os diferentes participantes, que eventualmente poderá contribuir para a prevenção do stresse e do
tão falado burnout que atingem uma parte cada vez maior de prestadores de cuidados de saúde aos
doentes com patologia oncológica5.
Foi com este espírito de multidisciplinaridade e de trabalho em grupo que aceitámos coordenar a
edição do livro que agora apresentamos, agradecendo a participação empenhada de todos os autores
– a maioria dos quais integra a consulta de grupo da nossa unidade –, o que muito o valorizou.
Uma palavra de reconhecimento à editora Permanyer por nos ter desafiado para este projeto, e à
Roche Farmacêutica por possibilitar a sua publicação.
BIBLIOGRAFIA
1.
2.
3.
4.
5.
Sotto-Mayor R. Marcos históricos no estudo do cancro do pulmão. Rev Port Pneumol. 2006;12(4):401-46.
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Powell HA, Baldwin DR. Multidisciplinary team management in Thoracic Oncology: more than just a concept?. Eur Resp J. 2014;43:1776-86.
Shanafelt T, Dyrbye L. Oncologist burnout: causes, consequences, and responses. J Clin Oncol. 2012;30:1235-41.
R. Sotto-Mayor
Chefe de Serviço de Pneumologia, Assistente Convidado da FMUL
Hospital de Dia de Pneumologia Oncológica, Serviço de Pneumologia
Centro Hospitalar Lisboa Norte, Lisboa, Portugal
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
V
Capítulo 1
Epidemiologia e rastreio
do cancro do pulmão
D. Hasmucrai e R. Sotto-Mayor
QUAL A IMPORTÂNCIA DO TABACO
NA ETIOPATOGENIA DO CANCRO
DO PULMÃO?
Nos últimos 75 anos, o cancro do pulmão (CP)
tornou-se uma epidemia mundial1. Sem dúvida, o
tabaco constitui a principal causa de CP, responsável por 80-90% de casos nos Estados Unidos e
noutros países onde o hábito tabágico é comum.
O risco de cancro nos fumadores é cerca de 20 vezes
superior ao dos não fumadores, tornando-o numa
doença altamente evitável2.
A composição do tabaco modificou-se desde
os anos de 1950, onde os cigarros sem filtro foram
substituídos pelos com filtro, com baixo teor de
alcatrão e nicotina e, alguns, com mentol2. O fumo
do cigarro é um aerossol complexo que contém
mais de 4.000 produtos químicos de que se realçam inúmeros irritantes, oxidantes, radicais livres e
mais de 50 carcinogéneos, principalmente nitrosaminas, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos,
polónio 210 e cádmio3.
Vários estudos prospetivos demonstraram relação dose-resposta significativa entre a exposição
ao fumo do cigarro (número de cigarros/dia e duração do hábito) e o desenvolvimento do CP. Outros fatores que contribuem para o aumento do
risco são: início precoce do hábito tabágico, inalações frequentes e profundas, e alto teor de alcatrão e nicotina3.
Os indivíduos que fumam cigarros com filtro e/
ou com baixo teor de nicotina tendem a inalar
mais profundamente, estando predispostos a
desenvolver tumores periféricos como é o caso dos
adenocarcinomas e dos carcinomas de grandes
células. Por outro lado, os que fumam cigarros sem
filtro e/ou alto teor de nicotina tendem a inalar
menos profundamente apresentando maior predisposição em desenvolverem tumores centrais como
é o caso dos carcinomas epidermoides ou dos carcinomas pulmonares de pequenas células2.
O mentol é um agente aromatizante, que se
associa atualmente a cerca de 1/3 do mercado dos
cigarros nos Estados Unidos. Tem propriedades refrescantes, anti-irritantes e analgésicas que, combinadas com o facto de os afro-americanos terem
maior taxa de CP e alta prevalência do uso de
tabaco com mentol, são compatíveis com a hipótese de que os cigarros com esse produto estarão
mais fortemente associados ao CP que os não
mentolados. Contudo a comparação usando estudos caso-controlo, de cohort e biomarcadores não
relevaram diferenças consistentes2.
O risco de CP associado ao charuto ou ao
cachimbo é substancial mas menor que o do cigarro por diferenças na frequência e profundidade
de inalação2.
O consumo de marijuana ou de cocaína provavelmente estará relacionado com aumento de
risco de CP, uma vez que foram documentadas
alterações histológicas e moleculares do epitélio
brônquico semelhantes às da inalação do fumo do
tabaco4.
O fumo do cigarro potencia o efeito de alguns
carcinogéneos ocupacionais. Como exemplo, o
tabaco e os asbestos são fatores independentes
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
1
D. Hasmucrai, R. Sotto-Mayor
para o CP, mas, em combinação, atuam sinergicamente aumentando marcadamente o risco dessa
neoplasia2.
O risco diminui com a suspensão do hábito
de fumar e vai reduzindo à medida que aumenta o número de anos sem fumo, mas nunca
atinge o dos não fumadores e não expostos ao
fumo do tabaco1.
A HERANÇA GENÉTICA
TEM IMPORTÂNCIA NO CANCRO
DO PULMÃO?
Fatores ligados ao hospedeiro podem afetar a
suscetibilidade para desenvolver CP2. Uma história
de CP em familiar de 1.º grau aumenta duas a seis
vezes o risco relativo independentemente da idade, género, tabagismo e exposição ocupacional3.
Por razões ainda não conhecidas, as mulheres são
mais suscetíveis ao fumo do tabaco que os homens5. Estudos em indivíduos que tiveram familiares do sexo feminino com CP mostraram que o
risco relativo era 5,7 nas não fumadoras e 30,0 nas
que fumavam; nas fumadoras sem história familiar
de CP, o risco relativo foi de 15,13.
A suscetibilidade individual aos carcinogéneos
provenientes do tabaco depende da interação
competitiva gene/enzima, que regula a ativação e
metabolização dos compostos (determina a concentração de metabolitos tóxicos) e a capacidade
dos mecanismos de reparação das lesões do ADN.
Muitos carcinogéneos do fumo do tabaco sofrem oxidação pelo sistema enzimático do citocromo P450, formando compostos intermédios reativos (fase I), que podem ligar-se ao ADN e causar
lesão genética, ou serem transformados por outras
enzimas, como a glutatião-S-transferase, que os
conjuga e inativa em formas excretáveis (fase II). É
o balanço entre os mecanismos de ativação e destoxificação dos carcinogéneos que parece estabelecer a predisposição individual para CP. O sistema
do citocromo P450 é codificado pela família de
genes CYP que é polimorfa e tem capacidades
enzimáticas diferentes. Os fenótipos com menor
capacidade de reparação do ADN estão associados
a aumento do risco de CP3.
2
O gene supressor p53 (com envolvimento no
ciclo celular, sabendo-se que, quando não funciona, a célula cresce e divide-se acumulando erros
sucessivos) foi encontrado mutado em 50% dos
CP. No adenocarcinoma, a mutação do gene EGFR
é mais frequente (15%) nas doentes do sexo feminino, em não fumadoras e de origem asiática,
enquanto que a mutação do gene K-ras foi observada em 24-50% dos doentes fumadores. Algumas mutações podem não ser herdadas mas representar marcadores dos efeitos cancerígenos do
fumo do tabaco3.
A moderna biologia molecular é concordante
com o conceito de múltiplos alvos na indução do
cancro e dá suporte à ideia da existência de uma
suscetibilidade genética para o CP3.
COMO SE EXPLICA A EXISTÊNCIA
DE CANCRO DO PULMÃO EM NÃO
FUMADORES?
Embora a exposição ao fumo do tabaco esteja
presente na grande maioria (85-90%) dos doentes
com CP, a etiologia provavelmente é multifatorial
(menos de 20% dos fumadores desenvolve CP). O
risco de CP reflete a inter-relação entre a exposição
direta ou indireta a agentes etiológicos ambientais
e a suscetibilidade individual aos carcinogéneos
respiratórios3. Outros fatores de risco estabelecidos
incluem: tabagismo passivo, carcinogéneos ocupacionais, radiações e poluição2.
Nos Estados Unidos, os estudos de risco populacional para o CP estimam que a exposição ocupacional é responsável por 9-15%, o radão por
10% e a poluição atmosférica externa por 1-2%
de casos3.
A poluição atmosférica traduz a presença no
ar ambiente de uma mistura complexa de gases,
partículas e fibras, principalmente de derivados
dos combustíveis fósseis (hidrocarbonetos aromáticos policíclicos) e metais (arsénio, crómio, níquel), lançados pelos veículos motorizados, instalações fabris e habitações, que varia com o local
(mais elevada no meio urbano que no rural), com
as condições meteorológicas e com as próprias
fontes3.
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Epidemiologia e rastreio do cancro do pulmão
Na grande maioria, a poluição aérea fora de
casa é gerada pela combustão de combustíveis
fósseis e a do interior de casa pode ser proveniente de fora ou originar-se dentro dela. Nos países
desenvolvidos, os dois poluentes dentro de casa
que mais fortemente aumentam o risco do CP em
não fumadores são o tabagismo passivo e o radão,
e, nos países em desenvolvimento, são os combustíveis sólidos não processados, fósseis e de biomassa para cozinha e aquecimento2.
O tabagismo passivo é causa frequente de CP,
com aumento de risco de 20-30% nos não fumadores que habitam com fumadores, e é proporcional ao nível, duração e idade do início da exposição. Estima-se que seja responsável por 21.400
mortes/ano no mundo2.
O CP é a mais comum causa de cancro associado a exposição ocupacional. Os trabalhadores
expostos ao alcatrão, fuligem e metais (arsénio,
crómio, níquel) estão em maior risco de desenvolver CP2. A evidência implicando exposições nem
sempre é suficiente, devido à dificuldade em minimizar o poderoso efeito do tabaco em estudos
observacionais, tornando correlações subtis, difíceis de interpretar1.
A associação da exposição aos asbestos e CP
é forte. O risco relativo aumenta seis vezes com
a exposição a asbestos, 11 vezes com o tabagismo, e aumenta exponencialmente (59 vezes) com
a exposição simultânea3. Não é conhecido se atua
de forma direta como carcinogéneo ou de forma
indireta (inflamação crónica)2. O risco é dose dependente mas varia também de acordo com o tipo
das fibras de asbestos, sendo maior para os expostos às fibras de anfibola em relação às de
crisótila4.
A exposição à sílica, ocorre em várias indústrias
(mineira, cerâmica, areias, etc.). É controverso o
papel da sílica no risco do CP, mas estudos epidemiológicos e meta-análises sugerem um risco relativo de 2,8 em doentes com fibrose intersticial por
silicose3.
Dois tipos de radiação são relevantes para o
CP: a radiação de taxa de transferência de energia linear baixa (raios-X e γ) e a radiação de taxa
de transferência de energia linear alta (radão,
neutrão); a radiação de energia alta é a que produz maior dano biológico, em doses equivalentes2.
O radão, produto de degradação natural do
urânio, está presente na crosta terrestre e pode
acumular-se no interior das habitações e de outros edifícios3. Cerca de 15.000 a 20.000 mortes
por CP por ano nos Estados Unidos são causadas pelo radão2.
Os resultados de numerosos estudos de cohort
são compatíveis com uma fraca associação entre
o fumo de diesel e o risco de CP2.
QUAL A INFLUÊNCIA DAS
CONDIÇÕES SOCIOECONÓMICAS,
DA DIETA E DA ATIVIDADE FÍSICA
NO RISCO DO CANCRO DO
PULMÃO?
O CP tende a ocorrer mais frequentemente em
populações com piores condições socioeconómicas, refletindo maior consumo do tabaco, maior
exposição a poluição profissional e ambiental, baixo nível de educação, o tipo de dieta e constrangimentos no acesso e na utilização dos cuidados
de saúde3; estudos antropométricos mostraram
que pessoas com baixo índice de massa corporal
tinham maior risco de CP2.
Em 2008, os novos casos diagnosticados de CP
nos países em desenvolvimento foram de 884.500
e nos desenvolvidos de 724.300, o que representa
um diferencial de 22%2.
Os fatores dietéticos mais investigados são os
que parecem ter implicação na prevenção: frutas,
vegetais e antioxidantes específicos. Quanto maior
a quantidade de frutos e vegetais ingeridos, menor
o risco de CP2. Os elementos dietéticos mais implicados (e estudados) têm sido os carotenos, as
vitaminas C e E e o selénio que interferem na diferenciação das células epiteliais e têm o potencial
de inibir as células neoplásicas3. O iso-tiocianato
existente nos vegetais crucíferos exerce o seu efeito químio-preventivo, bloqueando carcinogéneos
pela indução de enzimas de destoxificação de fase
II como a glutationa-S-transferase2.
O fumo do tabaco pode afetar diretamente a
concentração circulante dos fatores dietéticos,
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
3
D. Hasmucrai, R. Sotto-Mayor
sabendo-se que os fumadores tendem a apresentar baixas concentrações circulatórias de antioxidantes2.
Os β-carotenos foram estudados como agentes
quimio-preventivos, mas vários estudos não demonstraram qualquer benefício e sugeriram mesmo que altas doses de β-carotenos poderiam estar
associadas ao aumento do risco de CP em fumadores4.
pulmão, uma vez que o ADN deste vírus está presente no carcinoma epidermoide de outros órgãos
como do colo uterino, ano-retal, pele, esófago e
vias aéreas superiores4.
Comparando com todos os doentes com CP
em estádio avançado, a sobrevivência média dos
que apresentam infeção VIH concorrente é significativamente mais curta, 3-6 versus 10-12 meses2.
EXISTE RELAÇÃO ENTRE O VIH
E O CANCRO DO PULMÃO?
QUAL A IMPORTÂNCIA
DE OUTRAS PATOLOGIAS
NO CANCRO DO PULMÃO?
O CP é a 3.ª neoplasia mais comum em doentes com infeção VIH, seguido do sarcoma de Kaposi e do linfoma não-Hodgkin, representando cerca
de 16% de mortes destes doentes2.
Os indivíduos imunodeprimidos têm risco
acrescido para CP mas a maior parte dos doentes
com infeção VIH e CP têm apenas imunossupressão moderada e contagem de CD4, e carga viral
normais2. Os mecanismos propostos que relacionam o VIH com maior risco de CP incluem: efeito
oncogénico direto do VIH, imunossupressão induzida pelo VIH, inflamação crónica, fumo do tabaco
e uso de drogas intravenosas6.
Apesar da evidência atual sugerir que a infeção
por VIH aumenta o risco de CP, independentemente do status tabágico, em pelo menos 2,5 vezes,
estes doentes fumam mais que a população em
geral2. O risco de CP é cerca de seis vezes maior
nos doentes VIH que usam drogas intravenosas6.
De notar que a idade média de diagnóstico
neste grupo de doentes é cerca de 25 a 30 anos
mais cedo que a da população em geral. Uma vez
que o risco de CP aumenta com a idade, é expectável que o CP se torne comum à medida que a
população infetada pelo VIH envelhecer2.
A distribuição por tipos histológicos no CP é
similar à que ocorre nos doentes VIH negativos,
predominando o adenocarcinoma (superior a
50%). Grande parte são diagnosticados em estádio avançado da doença, sendo menos de
15% em fases precoces6.
O vírus papiloma humano poderá estar associado ao risco de carcinoma epidermoide do
São variadas as doenças pulmonares subjacentes que podem aumentar a suscetibilidade ao CP
nomeadamente a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), a tuberculose pulmonar e a fibrose
pulmonar2.
A associação entre DPOC e CP é um tema
complexo e controverso, pois partilham o mesmo
agente etiológico. Vários estudos prospetivos reportam que a presença de obstrução das vias
aéreas (VEMS < 1.100 l ou < 60% do previsto) é
um fator independente de risco de CP, risco relativo de 2,7 a 53.
A associação entre tuberculose pulmonar e CP
foi observada em vários estudos, na forma de
cancro de cicatriz. As pneumoconioses têm sido
associadas com aumento de risco de CP, nomeadamente, quando apresentam evidência radiológica de fibrose intersticial difusa. Nos doentes com
fibrose pulmonar idiopática, foram encontradas
10% de mortes por CP, durante um período de
18 anos, que representou um risco aumentado de
14 vezes3.
O CP é o mais frequente cancro associado a
esclerose sistémica2.
A radioterapia (RT) torácica pode aumentar o
risco de segunda neoplasia do pulmão nos doentes que são tratados a outras neoplasias, sendo
maior nos fumadores. Por exemplo, nos doentes
que fizeram RT para linfoma de Hodgkin, este
risco pode aumentar cerca de sete vezes e pode
durar 20 a 25 anos. Na mulheres que fizeram RT
após mastectomia por neoplasia da mama, o risco
é cerca de quatro vezes, e maior no pulmão
4
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Epidemiologia e rastreio do cancro do pulmão
ipsilateral. A melhoria das técnicas de RT têm diminuído esse risco4.
QUAL A SITUAÇÃO
EPIDEMIOLÓGICA ATUAL
DO CANCRO DO PULMÃO?
O CP, era considerado uma entidade clínica
rara no começo do século XX, mas, com o incremento do tabagismo, que veio a verificar-se desde
então, tornou-se uma verdadeira epidemia global, sendo atualmente a neoplasia maligna mais
frequente no mundo, responsável anualmente
por 13% (1,6 milhões) dos novos casos de cancro
e de 18% (1,4 milhões) das causas de morte por
essa patologia7.
Deste modo, revelou-se como um problema de
saúde pública grave e uma das principais causas
de morte evitáveis, nomeadamente nos países industrializados3. O risco cumulativo de CP nos fumadores pesados é de 30% comparado com 1%
dos não fumadores4.
Afeta predominantemente os idosos, sendo
de 67 anos a idade mediana aquando do diagnóstico; mais de 50% ocorrem entre os 65-79
anos e apenas 5-10% são diagnosticados abaixo
dos 503.
No mundo, o CP é a principal causa de morbilidade (17% de novos casos) e mortalidade
(23% dos óbitos) relacionada com cancro no homem. Na mulher, é a quarta causa de morbilidade
(9% dos novos casos) e segunda de mortalidade
(13% dos óbitos) relacionada com cancro, seguido do cancro da mama. Na Europa, é a principal
causa de mortalidade relacionada com cancro no
homem e a segunda na mulher. A mortalidade
relacionada com CP no homem tem vindo a diminuir mas na mulher tem aumentado e, num futuro próximo, será a primeira causa de mortalidade
relacionada com cancro em ambos os sexos. Em
Portugal, é a principal causa de mortalidade relacionada com cancro no homem e 4.ª na mulher7.
Para ambos os sexos, a incidência mais baixa ocorre em África2.
Quanto às taxas de sobrevivência global aos
cinco anos, a melhoria tem-se mostrado muito
lenta, tendo evoluído de 13% em 1975 para 16%
nos últimos dados publicados, sendo 18% na mulher e 14% no homem, o que corresponde a um
ganho de 1% em cada década nos últimos 30 anos7.
O mau prognóstico deve-se ao facto do diagnóstico ser tardio. Como é sabido, nos carcinoma
pulmonar de não pequenas células (CPNPC 85% dos diagnósticos), a sua apresentação clínica e imagiológica ocorre nos estádios III e IV em
80% das situações, e nos carcinomas pulmonares
de pequenas células (CPPC – 15% dos diagnósticos) a doença limitada dá-se em 30% dos doentes, com sobrevivências globais sucessivamente
menores à medida que o estádio TNM se agrava.
Nos CPNPC, as sobrevivências globais aos cinco
anos, segundo os estádios, ronda os 50% no
estádio IA, 43% no IB, 36% no IIA, 25% no IIB,
19% no IIIA, 7% no IIIB e 4% no IV; enquanto nos
CPPC, a sobrevivência global aos cinco anos é de
14% na doença limitada e de 0-1% na doença
extensa7.
Os homens negros apresentam uma maior predisposição para o CP do que os brancos, enquanto a incidência em mulheres negras e brancas é
sobreponível1.
Os asiáticos têm melhor sobrevivência que os
caucasianos. As razões não são conhecidas, mas
um dos fatores a ter em conta para explicar essa
constatação poderá ser a diferença nas características do tumor. Por exemplo, nos asiáticos, a prevalência da mutação no recetor do fator de crescimento epididémico (EGFR) é maior que nos
caucasianos, o que, nesses casos, os torna mais
sensíveis ao tratamento com inibidores tirosina-cinase (TKI)2.
Em 1998, num estudo efetuado em 10 hospitais portugueses, verificou-se que o carcinoma
epidermoide e o adenocarcinoma partilhavam percentagens semelhantes, sendo que tradicionalmente o carcinoma epidermoide predominava
sobre o adenocarcinoma; em 2002, o adenocarcinoma vinha já apresentando uma vantagem considerável em relação ao epidermoide. No mesmo
estudo, entre 2000 e 2005, existia já um predomínio franco do adenocarcinoma (40%) versus 30%
para o carcinoma epidermoide1. A explicação mais
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
5
D. Hasmucrai, R. Sotto-Mayor
provável de aumento de adenocarcinoma é a mudança nas características dos cigarros2.
POR QUE ESTÁ
A AUMENTAR O CANCRO
DO PULMÃO NA MULHER?
A prevalência dos hábitos tabágicos atingiu o
seu pico cerca de duas décadas mais tarde na
mulher do que no homem, o que poderá explicar
a tardia relevância epidemiológica do CP na mulher. Alguns estudos sugeriram risco potencialmente mais alto associado ao tabaco, em mulheres
comparado com os homens2.
São avançadas razões biológicas para explicar
as diferenças de risco de CP entre os dois sexos3:
– Diferenças no metabolismo da nicotina: a mulher está exposta a níveis mais altos porque
tem menor clearance plasmática da nicotina.
– Variações nas enzimas P450 envolvidas na bio-ativação e destoxificação dos componentes
tóxicos do fumo do tabaco (hidrocarbonetos
aromáticos policíclicos e nitrosaminas): os níveis de transversões do ADN são maiores nas
mulheres, apesar de níveis de exposição tabágica mais baixos.
– Efeito hormonal no desenvolvimento do CP:
alguns autores encontraram associação entre
estrogénios e aumento de risco de CP; verificaram que a terapêutica estrogénica de substituição estava associada significativamente a
maior risco de adenocarcinoma pulmonar, o
que era agravado quando a mulher fumava;
também tem sido constatado o efeito protetor
da menopausa no risco de CP, em idades abaixo dos 40 anos.
– Alterações genéticas: os exames histológicos
mostram que as mulheres têm maior frequência
de mutações no gene supressor tumoral p53.
A CESSAÇÃO TABÁGICA
NO DOENTE COM CANCRO
DO PULMÃO SERÁ DE FAZER?
Quer da parte de uma percentagem significativa de doentes que fumam, como de alguns
6
clínicos, existe a convicção de que, após o diagnóstico de CP, especialmente nas suas fases mais
avançadas, já não será de insistir na cessação tabágica.
Contudo, a evidência científica leva-nos a defender o abandono do hábito de fumar também
nos doentes oncológicos, em especial nos que sofrem de CP, independentemente do estádio da sua
doença e do tipo de terapêutica proposto8,9.
São apontados vários efeitos positivos da cessação tabágica em doentes com CP8:
– Menos complicações da anestesia geral e da
cirurgia torácica, recuperação pós-cirúrgica mais
rápida e melhor prognóstico após a ressecção
tumoral, com menores taxas de recidiva tumoral
no follow-up.
– Melhor resposta à RT torácica e menor iatrogenia (pneumonite).
– Melhor resposta à quimioterapia (QT) e com
menos complicações (imunossupressão, perda
de peso, fadiga, toxicidade pulmonar e cardiovascular, infeções respiratórias).
– Maior eficácia das terapêuticas alvo (EGFR-TKi).
– Melhor função respiratória, melhor circulação
periférica e mais rápida cicatrização de feridas,
mais energia, menor risco de infeções em geral
e mais fácil recuperação do peso.
– Menor probabilidade de um segundo cancro.
– Menores riscos de segurança dos doentes sob
oxigenoterapia ou com perturbações de consciência.
– Em suma, menor taxa de recidiva/progressão
da doença, melhor resposta e tolerância às
terapêuticas instituídas, maior intervalo livre de
progressão da doença, menor mortalidade específica do cancro ou por outras causas, maior
sobrevivência, melhor performance status e
melhor qualidade de vida.
Cerca de 30% dos doentes com CP continua
a fumar após o diagnóstico, sabendo-se que muitos estariam suscetíveis a abandonar esse comportamento se convenientemente ajudados8,mas,
apesar de muitos oncologistas, na prática clínica
corrente, questionarem os seus doentes sobre os
respetivos hábitos tabágicos e de os aconselharem
a deixar de fumar, a maioria não os apoia, quer
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Epidemiologia e rastreio do cancro do pulmão
do ponto de vista medicamentoso como na referenciação para equipas especializadas em cessação
tabágica – se necessário, com apoio psicossocial –,
o mesmo acontecendo quando participam em ensaios clínicos9.
As intervenções no sentido de ajudar os doentes com CP a deixarem de fumar – assim como os
seus conviventes fumadores – são centrais na qualidade dos cuidados que lhes dispensamos, pelo
que deverão fazer parte da prática clínica rotineira
de todos os que lidam com estes doentes, incluindo os longos sobreviventes9.
SERÁ DE IMPLEMENTAR
O RASTREIO DO CANCRO
DO PULMÃO?
Para que um rastreio de CP se revele útil, deverá permitir a sua deteção precoce, numa fase em
que a terapêutica tem maior probabilidade de ser
eficaz e daí resulte um decréscimo significativo da
mortalidade.
Com a publicação dos resultados do National
Lung Screening Trial (NLST) foi alcançado um novo
paradigma no que se refere ao rastreio do CP10.
O estudo incidiu sobre uma população com
idades entre os 55-74 anos, fumadores ou ex-fumadores nos últimos 15 anos, e com uma carga
tabágica ≥ 30 unidades maço/ano; os indivíduos
rastreados foram randomizados para TC espiral de
baixa dose com frequência anual, durante três
anos consecutivos, ou para telerradiografia PA com
igual intervalo, ficando os dois grupos em follow-up por mais três anos.
No que fez TC, encontrou-se uma diminuição
de mortalidade por CP de 20% em relação ao
da telerradiografia, e de 7% por todas as causas,
o que teve significado estatístico relevante, sendo necessários 320 exames por TC para prevenir
uma morte por CP; a maioria dos tumores foram
diagnosticados no período de rastreio, tendo predominado os estádios precoces e os adenocarcinomas10.
Esses resultados referem-se a uma população
bem definida, de alto risco para o CP e potencial
candidata a cirurgia, não se aplicando
necessariamente a não fumadores, a indivíduos
mais jovens, debilitados, ou mais velhos que não
pudessem beneficiar de atitudes terapêuticas curativas.
Abriu-se uma janela de esperança para o rastreio do CP em fase precoce, mas colocam-se alguns problemas: o elevado número de lesões encontradas que necessitam de investigação
complementar e que se revelam benignas (falsos-positivos), com a carga emocional que tal acarreta; os custos-benefícios inerentes e quem financia
a sua implementação; se o mesmo deverá ser alargado a outros grupos e se, nestes casos, terão
iguais benefícios; o facto dos fumadores rastreados sentirem-se motivados para continuarem a
fumar em face de uma TC negativa; os eventuais
riscos a longo termo das radiações; a necessidade
de definir a frequência com que os exames imagiológicos deverão ser realizados (mantendo igual
eficácia) e por quanto tempo; como valorizar as
alterações das lesões anteriormente identificadas
(avaliação do diâmetro versus volume) e como monitorizar o seu follow-up; e a eventual importância
da incorporação de marcadores biológicos nas decisões.
Fruto do intenso debate surgido com a publicação do NLST10, emergiram recomendações e
normas de múltiplas sociedades científicas da
América do Norte que têm defendido a sua implementação no terreno, com base nos critérios
de inclusão daquele estudo, devendo o aconselhamento e a promoção dos serviços relacionados
com o screening serem feitos de acordo com níveis de ética e de reconhecida qualidade. Sublinham a necessidade do estudo ser integrado num
programa de cessação tabágica – sem o qual não
será custo-eficaz –, e que os indivíduos que decidirem integrá-lo, devidamente esclarecidos sobre
os respetivos riscos e benefícios, deverão ser referenciados a centros de imagiologia de alta qualidade e terem a possibilidade de acesso a equipas
multidisciplinares de especialistas com indiscutível
experiência em CP.
Apesar dos resultados positivos do NLST, as
autoridades de saúde europeias têm-se mostrado
renitentes em implementar o rastreio do CP,
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
7
D. Hasmucrai, R. Sotto-Mayor
aguardando o desenvolvimento dos dados obtidos
com o estudo NELSON (e de outros a decorrerem
na Europa) para avaliarem o seu impacto em termos de mortalidade e de relação custo-benefício
na população do nosso continente.
Entretanto, há quem defenda que as vantagens justificam a recomendação do rastreio a nível
individual (oportunista), segundo os pressupostos
que indicámos.
4.
5.
6.
7.
8.
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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Capítulo 2
Do diagnóstico à broncologia
de intervenção no cancro
do pulmão
L. Carreiro
A CARACTERIZAÇÃO DO CANCRO
DO PULMÃO É ESSENCIAL PARA
O DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
ADEQUADOS? QUAL OU QUAIS
OS ELEMENTOS INDISPENSÁVEIS
PARA A SUA PROSSECUÇÃO?
Existe, no atual modelo de desenvolvimento,
uma alteração enfática na necessidade de obter
amostras biópticas capazes de darem substrato ao
diagnóstico histopatológico, incluindo o estudo imunohistoquímico e molecular. Esta preocupação tem
em conta a resposta a uma terapêutica mais personalizada que modificou o paradigma de abordagem dos doentes com cancro do pulmão (CP).
Alguns trabalhos1 sugerem que a fidelidade diagnóstica dos subtipos dos carcinomas pulmonares
de não pequenas células (CPNPC) na base da histologia convencional não é possível em cerca de
40% dos casos. Este dado está intimamente relacionado com o tipo e dimensão da amostra bióptica o ser muitas vezes originária da periferia do
tumor ou de metástases com pouca diferenciação,
perdendo com isso os critérios histopatológicos de
estandardização dos subtipos presentes nas áreas
de maior diferenciação. Pelos pressupostos anteriores, pode não ser possível no exame bióptico identificar em definitivo o subtipo de tumor, nestes
casos, o diagnóstico de CPNPC não é específico
(NOS). Perante estes dados, é exigível que nos requisitos para uma caracterização diagnóstica, a
análise da amostra seja maximizada, tendo em conta a necessidade de caracterização histológica e
molecular, e ainda a redução da necessidade do
doente se submeter a novos procedimentos invasivos.
TENDO EM CONTA A PERGUNTA
ANTERIOR, TÊM AINDA HOJE
LUGAR NO DIAGNÓSTICO DE
CANCRO DO PULMÃO OS
MÉTODOS NÃO INVASIVOS
DE CITOMORFOLOGIA?
A citologia da expetoração continua a ser o único
método não invasivo de diagnóstico do CP. Existem,
no entanto, alguns dados para que a citologia da
expetoração tenha uma adequada rendibilidade diagnóstica, número de amostras (habitualmente três),
técnica de preservação da expetoração, localização e
dimensão do tumor (central versus periférico). A sensibilidade diagnóstica depende, em grande parte, dos
programas estabelecidos em cada Instituição, relativos
à colheita e processamento da amostra, mas também
das caraterísticas dos doentes, expetoração hemoptoica ou hemoptise, tumores maiores de 2,4 cm, localizados centralmente e citologicamente escamosos. A
citologia da expetoração deve ser o primeiro passo
do diagnóstico nos doentes que têm elevado risco
para procedimentos invasivos ou semi-invasivos, e
com lesão central. Nas várias revisões publicadas2, a
sensibilidade do método varia entre 42-97% e a
especificidade de 68-100%. A sensibilidade agrupada é de 66% e especificidade de 99%, com 8% de
falsos positivos e 10% de falsos negativos. Mesmo
com um excelente processamento da amostra, o
exame citológico da expetoração continua a
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
9
L. Carreiro
fornecer uma diminuta quantidade de tecido, fundamental para a caracterização diagnóstica do CP e
consequente realização de estudos moleculares.
QUAL O DESEMPENHO
DA BRONCOSCOPIA E TÉCNICAS
ACESSÓRIAS NO DIAGNÓSTICO
DO CANCRO DO PULMÃO?
Existe um variado número de modalidades técnicas utilizadas no diagnóstico do CP. Destas, destacamos broncofibroscopia com as respetivas técnicas
acessórias, lavagem brônquica (LB) e bronco-alveolar (LBA), escovado brônquico (EB), punção aspirativa transbrônquica (PATB), biópsias brônquicas
(BB) e transbrônquicas (BPTB) e broncoscopia por
navegação eletromagnética (NEM).
A broncofibroscopia é um excelente veículo
para o diagnóstico do CP, no entanto existem diferenças de rendibilidade diagnóstica que estão
diretamente relacionadas com o tipo de apresentação endoscópica, localização do tumor central,
envolvimento endobrônquico em oposição aos
tumores periféricos cuja dimensão é superior ou
inferior a 2 cm. Foram publicados 35 estudos3 num
total de 4507 doentes, que evidenciam uma sensibilidade agrupada de 88% da broncofibroscopia
no diagnóstico do CP, nos tumores centrais, com
envolvimento exofítico, massa, envolvimento sub-mucoso e/ou peribrônquico com compressão extrínseca. Nas lesões periféricas, a sensibilidade é
inferior; das 34 publicações que englobam as diferentes técnicas acessórias, a sensibilidade no
conjunto ronda os 78%. Para uma correta interpretação dos resultados no diagnóstico das lesões
periféricas, devem ser introduzidos alguns dados:
primeiro, muitos dos estudos utilizam a fluoroscopia por rotina; segundo, o número de amostras
biópticas pode ser determinante; terceiro, mas não
menos importante, é a visualização na TC da relação do tumor com o brônquio. Estes dados, quando analisados em conjunto, podem ampliar significativamente a sensibilidade do método. Nas
lesões periféricas a dimensão da lesão é o elemento que mais afeta a sensibilidade da broncofibroscopia, menos de 2 cm, 34%, mais de 2 cm, 63%4.
10
Lavado brônquico: no LB não existe um volume
exato de soro fisiológico a instilar, em muitos dos
trabalhos publicados o volume utilizado é de aproximadamente 20-30 cc; pode ser efetuado antes ou
depois das restantes técnicas; nas lesões endoluminais
a percentagem diagnóstica varia entre os 49-76%5.
Lavagem broncoalveolar: o volume instilado
(150-200 cc) é superior ao da LB; existem linhas de
orientação que devem ser recomendadas no LBA:
– O broncoscópio deve ser inserido no local onde
existe a suspeição da doença, podendo ser utilizada fluoroscopia como auxiliar na orientação.
– O volume instilado deve ser determinado pela
percentagem recolhida.
– Pode utilizar-se um catéter inserido no canal
de trabalho para melhor acesso ao tumor.
– O número de células malignas pode ser ampliado se o LBA for realizado após o escovado
brônquico.
Após o processamento da amostra, o diagnóstico varia entre 25% no tumor de grandes células
e 92% para o tumor de componente maioritariamente alveolar.
Escovado brônquico: tem uma boa sensibilidade diagnóstica nas lesões endoscopicamente visíveis; nalguns dos trabalhos publicados é ligeiramente inferior à referida para as biópsias brônquicas; a
área suspeita deve ser escovada duas a três vezes
e deve ser realizado antes das biópsias para evitar
a contaminação com sangue.
Punção aspirativa transbrônquica: permite ter
acesso a amostras da sub-mucosa ou de tecido peribrônquico que são tecnicamente pouco acessíveis
por biópsia; esta técnica demonstrou ter uma excelente sensibilidade diagnóstica (95-97%) nas lesões
neoplásicas visíveis endoscopicamente; para uma
melhor e mais adequada amostra, é útil o exame
citológico direto utilizando o «rapid on-site examination» (ROSE) reduzindo, por isso, o número de amostras inadequadas; nas amostras com conglomerado
celular, deve utilizar-se de preferência a técnica de
bloco associada aos esfregaços, porque em conjunto
oferecem uma rendibilidade diagnóstica superior.
Biópsia brônquica: como foi dito anteriormente,
a eficácia diagnóstica da biópsia depende do número e do tamanho do retalho; quanto maior for a
100 Perguntas chave no Cancro do Pulmão
Do diagnóstico à broncologia de intervenção no cancro do pulmão
amostra, a possibilidade de obtermos o diagnóstico
é significativamente superior; a dimensão da
amostra depende do tamanho dos forceps, maior
do que 2 mm, e do número de biópsias realizadas,
mais do que cinco, ampliando em mais de 90% a
probabilidade de dispormos de células tumorais na
amostra; a criobiópsia, ainda não muito utilizada
na doença tumoral, é uma técnica bióptica com
futuro, porque potencia a dimensão da amostra.
Biópsia pulmonar transbrônquica: é habitualmente realizada sob controlo fluoroscópico que
serve de orientação nas lesões pulmonares nodulares; este procedimento tem uma baixa rendibilidade diagnóstica em doentes com nódulos < 3 cm
ou lesões não visíveis por fluoroscopia.
Broncoscopia por navegação eletromagnética: trata-se de um guia de localização por imagem que
permite a colocação endobrônquica de acessórios nas
áreas alvo do pulmão; um trabalho prospetivo realizado num centro piloto com 60 indivíduos com lesões
periféricas pulmonares mostrou que a navegação eletromagnética possibilitou o diagnóstico em 74%; o
resultado global foi de 80%, independentemente da
dimensão ou localização das lesões; é uma técnica
que melhora a abordagem e amplia a sensibilidade
diagnóstica das lesões pulmonares periféricas.
AS DIFERENTES MODALIDADES
DE ECOENDOSCOPIA TÊM UM
IMPORTANTE PAPEL NO
DIAGNÓSTICO DO CANCRO DO
PULMÃO?
A utilização da ecoendoscopia brônquica (EBUS)
no diagnóstico da doença tumoral permite amostras
das diferentes estações ganglionares com envolvimento tumoral (2R/L, 4R/L, 7, 10R/L, 11R/L). Numa
meta-análise envolvendo 1.299 doentes, a sensibilidade e especificidade da ecoendoscopia brônquica,
aspiração transbrônquica por agulha (EBUS-TBNA)
no diagnóstico da doença metastática ganglionar
foi respetivamente de 93% (IC 91-94%) e 100%
(IC 99-100%). É ainda um método de diagnóstico
que pode detetar o envolvimento mediastínico precoce; em doentes com ausência de alterações mediastínicas na TC, são vários os estudos que
demonstram que mesmo na doença cN0, de acordo
com critérios TC, a utilização do EBUS-TBNA modificou o estádio da doença que passou a pN2/N3,
sendo este acontecimento similar para a tomografia
por emissão de positrões (PET/TC) e o EBUS-TBNA.
O impacto diagnóstico do EBUS-TBNA tem sobretudo a ver com o número de passagens, que não deve
ser inferior a três. O diâmetro da agulha, a utilização
de miniforceps, o uso de aspiração, o tipo de anestesia/sedação, ou até a utilização do ROSE não têm, por
si só, ou em complementaridade, influência na eficácia diagnóstica. A análise molecular (EGFR, KRAS,
ALK) pode ser efetuada por rotina na maioria das
amostras, no entanto é claro que o diagnóstico depende mais do tratamento institucional das amostras
do que da utilização dos diversos meios utilizados
(esfregaço, bloco celular ou biópsia por agulha)5.
A ecoendoscopia, aspiração por agulha fina
(EUS-FNA) é de grande utilidade na recolha de
amostras dos gânglios do mediastino posterior e
paraesofágicos (estação 8). Numa meta-análise, a
sensibilidade do EUS-FNA em doentes com envolvimento metastático dos gânglios do mediastino posterior foi de 83% (com IC 78-87%), enquanto a
especificidade dos gânglios negativos foi de 97%
(com IC 96-98%). A ecoendoscopia (EUS) é também utilizada no envolvimento metastático da supra renal esquerda que pode ter a forma ecográfica
caraterística em gaivota seagull, podendo ainda ser
útil no envolvimento do lobo esquerdo do fígado.
A técnica combinada de EBUS e EUS denominada ecoendoscopia combinada (CUS), utilizando o
broncoscópio, amplia o acesso ao mapa ganglionar
e evidenciou um aumento da sensibilidade (96%)
quando comparada com os dois métodos em separado EBUS 92% e EUS 89% respetivamente.
O EBUS radial (R-EBUS) é uma modalidade utilizada no diagnóstico das lesões nodulares pulmonares periféricas. Uma meta-análise recente mostrou que a sensibilidade e especificidade são
respetivamente para as lesões periféricas de 73%
IC 95% (70-76%) e 100% IC 95% (99-100%). A
eficácia diagnóstica é menor nas lesões menos de
2 cm (56%) quando comparadas com lesões maiores de 2 cm (78%). O EBUS radial é uma técnica
segura sendo as complicações menos de 1%6.
100 Perguntas chave no Cancro do Pulmão
11
L. Carreiro
O DERRAME PLEURAL É MUITAS
VEZES A APRESENTAÇÃO INICIAL
DO CANCRO DO PULMÃO. COMO
FAZER O DIAGNÓSTICO?
O estudo do líquido pleural e a realização de
técnicas biópticas são os meios habitualmente utilizados no diagnóstico do derrame pleural maligno.
Na avaliação do líquido pleural, as caraterísticas
macroscópicas, como a presença de líquido hemorrágico com mais de 100.000 eritrócitos/mm3, num
doente sem traumatismo, é altamente sugestivo de
doença maligna. Nestes casos, o doseamento da glucose é habitualmente < a 60 mg/dl e, em 10% dos
doentes, a amilase está elevada. A rendibilidade
diagnóstica do exame citomorfológico é superior
a 40%, podendo nalgumas séries atingir os 80%,
quando na presença do adenocarcinoma.
A biópsia pleural por agulha continua a ser um
dos meios de recolha de material bióptico; a percentagem de biópsias pleurais positivas em doentes com
doença maligna varia entre os 69-75%. Tendo a
biópsia por agulha algumas limitações para atingir o
diagnóstico, no momento atual, alguns autores
questionam o seu papel, quando dispomos de outros
meios com maior eficácia, como a pleuroscopia e a
biópsia por agulha dirigida por TC. Caso não exista
qualquer contraindicação, a pleuroscopia é um excelente meio de visualização direta do espaço pleural
e estabelece o diagnóstico de doença maligna em
mais de 90% dos doentes. A biópsia por agulha de
corte dirigida por TC atinge, nalgumas séries, a percentagem de 87%7 e, por isso, é um excelente veículo de diagnóstico quando temos espessamento
pleural suspeito de envolvimento pleural maligno.
A PNEUMOLOGIA DE
INTERVENÇÃO UTILIZA A
ENDOSCOPIA ASSOCIADA A
DIFERENTES TÉCNICAS? QUAIS?
É consensual que a broncoscopia rígida é o meio
mais utilizado na terapêutica endoscópica. A sua
capacidade em manter a via aérea permeável, em
permitir ventilar, com grande eficácia, a excelente
capacidade de aspiração e, ao mesmo tempo, em
poder realizar dilatação mecânica e desobstrução por
12
debulking, fazem da broncoscopia rígida um instrumento essencial da terapêutica endoscópica.
É também a broncoscopia rígida o meio que
se utiliza para a realização de laser, crioterapia e
colocação de próteses.
O laser é a técnica mais conhecida da terapêutica
de intervenção pneumológica; produz um feixe monocromático, coerente, características que possibilitam
a vaporização dos tecidos, coagulação e necrose. Devido ao efeito de penetração do laser–Nd:YAG, é essencial ter atenção à morfologia da lesão e respetiva
localização anatómica. A terapêutica com laser é geralmente bem tolerada e segura. A permeabilização
da árvore traqueo-brônquica, nos tumores da traqueia, brônquio principal e intermediário, é bastante
elevada (90%). A diatermocoagulação com Argon-plasma é outro meio técnico utilizado na terapêutica
endoscópica. Por possuir efeito de penetração baixo
(2-3 mm), as lesões mais distais são acessíveis e sem
risco acrescido. A crioterapia e a electrocauterização
são excelentes alternativas ao laser no tratamento da
obstrução da via aérea. O efeito tecidular da electrocauterização é similar ao do laser. A crioterapia induz
necrose tecidular, por cristalização hipotérmica e microtrombose. Estas técnicas são superiores ao laser nas
lesões brônquicas mais distais, por implicarem menor
risco de perfuração. A crioterapia não deve ser utilizada nas situações de obstrução que exija um rápido
alívio sintomático. A terapêutica fotodinâmica aplica
o princípio que certos compostos, como a hematoporfirina e derivados, sob o efeito da luz monocromática com determinado comprimento de onda, funcionam como agente fotossensível, transformando os
radicais de oxigénio em O3, conduzindo à necrose
e morte celular. Os candidatos ideais para este tipo
de terapêutica são os doentes com tumor minimamente invasivo, obstrução brônquica por massa
polipóide e componente extrínseca minor.
COMO FAZER NA OBSTRUÇÃO
TRAQUEO-BRÔNQUICA DE
COMPONENTE MAIORITARIAMENTE
EXTRALUMINAL?
A dilatação por balão e/ou mecânica e colocação
de endoprótese são habitualmente os meios técnicos
100 Perguntas chave no Cancro do Pulmão
Do diagnóstico à broncologia de intervenção no cancro do pulmão
utilizados na doença traqueo-brônquica de componente maioritariamente extraluminal. Se existir envolvimento do lumen, as técnicas descritas anteriormente podem ter um papel complementar. A colocação
de prótese traqueo-brônquica nos doentes com obstrução é, por vezes, o único meio capaz de manter a
patência do lumen, melhorando de modo considerável a qualidade de vida dos doentes. Existem dois tipos
de próteses, as de silicone e as metálicas. As próteses
de silicone, modelos HOOD e DUMON, são as mais
utilizadas, por serem facilmente removidas, mais baratas e com boa compatibilidade biológica. Têm a
desvantagem de a sua colocação exigir a utilização de
broncoscopia rígida sob anestesia geral. Existem próteses de dimensões e morfologia diversas, o que possibilita uma melhor e mais adequada adaptação às
diferentes situações encontradas. As próteses metálicas, menos utilizadas, colocam-se por broncofibroscopia e fluoroscopia, não migram e preservam a clearance mucociliar. São mais caras, de difícil remoção e
mais agressivas na criação de tecido de granulação.
A BRAQUITERAPIA,
INDIVIDUALMENTE OU EM
COMBINAÇÃO COM OUTRAS
MODALIDADES, É MAIS UMA
TÉCNICA DE DESOBSTRUÇÃO
BRÔNQUICA? EM QUE CONSISTE?
A braquiterapia endobrônquica (BEB) consiste na
colocação, por via endoscópica, de uma fonte radioativa no interior ou na proximidade do tumor, de modo
a disponibilizar uma dose terapêutica adequada e, ao
mesmo tempo, reduzir a quantidade de radiação aos
tecidos envolventes não afetados. O Iridium-192 em
alta taxa de dose (> 12Gy.h-1) é geralmente a fonte
radioativa utilizada. A aplicação endoscópica da braquiterapia é um procedimento minimamente invasivo,
fácil, seguro, pode ser realizado em regime de ambulatório e é adequado para doentes com moderado
performance status. No tratamento do CP, a BEB, quer
isoladamente ou em associação com outras técnicas,
é utilizada no controlo da doença local. Esta opção
terapêutica está indicada no tratamento paliativo
do CP, contudo, em casos selecionados, pode ser
utilizada como tratamento curativo. Os principais
candidatos para terapêutica com BEB são doentes
com sintomas (dispneia, hemoptise, tosse persistente
e sinais de pneumonia obstrutiva) e importante componente endoluminal. Contrariamente, a doença tumoral com envolvimento maioritariamente extramural
não tem indicação para esta modalidade terapêutica.
A braquiterapia de alta taxa de dose tem um grau de
penetração nos tecidos mais elevado do que outras
técnicas utilizadas na desobstrução brônquica e, por
não apresentar efeito rápido, não está indicada na
desobstrução urgente da via aérea. No caso de lesões
de grandes dimensões e obstrução crítica da via aérea,
a indicação é a utilização de outras técnicas endoscópicas como o laser, Nd:YAG, electrocautério e Argon-plasma, no entanto, a BEB pode ser empregue em
complementaridade pelo seu efeito prolongado8. Alguns autores consideram que a BEB, por apresentar
um volume de radiação baixo e um rápido declínio da
dose de radiação, pode ser uma opção terapêutica
em doentes tratados anteriormente com radioterapia
externa e obstrução brônquica recorrente. Mesmo
com todos os avanços, são ainda necessários estudos
randomizados para definir a dose de radiação ótima
e o benefício da braquiterapia relativamente a outras
técnicas utilizadas na desobstrução brônquica.
NO ENVOLVIMENTO MALIGNO
DO ESPAÇO PLEURAL PODE TER
INDICAÇÃO A PLEURODESE?
QUAIS AS MODALIDADES
ATUALMENTE EMPREGUES?
O CP é uma das causas mais comuns de derrame pleural maligno. A identificação de células
neoplásicas e/ou na pleura parietal significa doença avançada e está associada a menor esperança
de vida. A abordagem do derrame pleural maligno
é determinada por vários fatores, nomeadamente,
os sintomas, o performance status do doente, a
resposta à terapêutica sistémica e o grau de reexpansão pulmonar após drenagem.
A pleurodese, ou seja, a obliteração do espaço
pleural pela esclerose da pleura parietal e visceral,
é uma das opções utilizadas na abordagem terapêutica do derrame pleural maligno. Esta técnica
tem indicação formal no derrame pleural maligno
100 Perguntas chave no Cancro do Pulmão
13
L. Carreiro
sintomático, recidivante, com índice de Karnofsky
> 40/Zubrod 3, pulmão não encarcerado e sem
obstrução endobrônquica proximal.
A pleurodese química consiste em introduzir na
cavidade pleural uma substância irritante produzindo intensa inflamação com fibrose e esclerose entre
as pleuras parietal e visceral, e consequente obliteração do espaço pleural. O agente esclerosante de
escolha (recomendação A) é o talco devido à sua
eficácia (95-70%) e perfil de segurança. Esta substância pode ser aplicada em suspensão (solução
salina) através do tubo de drenagem (slurry) ou em
pó (spray) através da pleuroscopia. A pleuroscopia
com a aplicação de talco em spray é a técnica de
eleição caso não exista contraindicação para a sua
realização. São vários os agentes esclerosantes alternativos propostos para a pleurodese, oxitetracilina, bleomicina, iodopovidona e nitrato de prata,
mas nenhum está isento de complicações, e a sua
eficácia é ligeiramente inferior à do talco9.
NO DERRAME PLEURAL
MALIGNO RECIDIVANTE, COM
ENCARCERAMENTO PULMONAR,
O QUE FAZER?
O encarceramento pulmonar é uma complicação
mecânica com restrição pleural, causada por inflamação ativa ou processo pleural maligno, que impede
a completa expansão pulmonar. O pulmão encarcerado complica 5-20% dos derrames pleurais malignos, nomeadamente os associados ao mesotelioma
pleural ou ao CP. Após toracentese terapêutica ou
drenagem torácica, a não existência de melhoria sintomática, associada ao aparecimento de dor intensa
e/ou hidro-pneumotórax, pode indiciar que o pulmão
não expande por encarceramento. A utilização da
manometria com determinação da pressão pleural
pode ser um excelente auxiliar diagnóstico e ajudar
a predizer o sucesso da pleurodese que, no encarceramento pulmonar, é habitualmente ineficaz.
Assim, em indivíduos com derrame pleural maligno recidivante sintomático e pulmão encarcerado, a colocação de um catéter pleural permanente
(conectado a um frasco em vácuo) é recomendada
para controlo sintomático e melhoria da qualidade
14
de vida (recomendação C). Com o catéter pleural
permanente, a drenagem é contínua, estando descritos, na literatura, alguns casos de pleurodese
espontânea. Uma das complicações associada a
esta técnica é o risco de infeção.
Estudos que compararam, na abordagem do
derrame pleural maligno, a pleurodese com e sem
drenagem pleural permanente, verificaram que
ambas as técnicas são efetivas no controlo da dispneia, contudo a drenagem pleural permanente
esteve associada a menos dias de internamento
hospitalar, assim como a menor necessidade de
procedimentos pleurais adicionais. Finalmente,
mas não menos importante, a avaliação das condições sociais, apoio familiar e estruturas de saúde
locais são um importante fator decisor na utilização desta modalidade terapêutica10.
BIBLIOGRAFIA
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100 Perguntas chave no Cancro do Pulmão
Capítulo 3
Classificação histopatológica
e molecular do cancro
do pulmão
I. Lourenço e M. Mendes de Almeida
QUAL É A CLASSIFICAÇÃO
HISTOPATOLÓGICA DOS
CARCINOMAS PULMONARES
DE NÃO PEQUENAS CÉLULAS
MAIS FREQUENTES?
A classificação histopatológica dos carcinomas
pulmonares de não pequenas células (CPNPC) mais
frequentes inclui o carcinoma pavimentoso, o adenocarcinoma, o carcinoma adenoescamoso e o
carcinoma sarcomatóide.
– Carcinoma pavimentoso: carcinoma com diferenciação pavimentosa (com queratina e/ou
pontes intercelulares) ou marcadores imunohistoquímicos positivos para diferenciação pavimentosa (p63 e CK5), com marcadores de
adenocarcinoma (ADC) negativos.
– Adenocarcinoma: carcinoma com diferenciação
glandular (glândulas, túbulos ou papilas) ou
marcadores imunohistoquímicos de ADC positivos (TTF1, Napsina A), com marcadores de
carcinoma pavimentoso negativos.
Há que diferenciar o ADC invasivo de duas
entidades, que requerem avaliação histológica
da totalidade do tumor1:
• Adenocarcinoma in situ (AIS): é definido
como um ADC, menor que 3 cm, constituído
por pneumocitos neoplásicos que crescem
ao longo das estruturas alveolares (crescimento lepídico), sem invasão vascular, pleural
ou do estroma. Verificou-se que estas lesões
se correlacionam com 100% de tempo livre de
doença, aos cinco anos, se completamente
ressecadas.
• Adenocarcinoma minimamente invasivo (MIA):
ADC menor que 3 cm, com crescimento ao
longo das estruturas alveolares e com invasão do estroma inferior a 5 mm; este conceito foi proposto para definir uma população de doentes com quase 100% de tempo
livre de doença, aos 5 anos, se a lesão for
totalmente ressecada.
– Carcinoma adenoescamoso: carcinoma com
dois componentes histologicamente distintos:
um componente de ADC e um de carcinoma
pavimentoso, ou carcinoma pouco diferenciado, que expressa marcadores de carcinoma
pavimentoso e marcadores de ADC.
– Carcinoma sarcomatóide: consiste numa proliferação de células fusiformes que se distingue
do sarcoma pela imuno-marcação positiva para
citoqueratinas.
COMO SE SUBDIVIDEM
AS NEOPLASIAS
NEURO-ENDÓCRINAS?
O espectro das neoplasias neuro-endócrinas vai
desde neoplasias de baixa malignidade a de alto
grau de malignidade.
O tumor carcinoide corresponde a uma proliferação celular de células poligonais, de núcleos
em «sal e pimenta», que expressa marcadores
neuro-endócrinos (sinaptofisina, cromogranina A,
CD56) e que se subdivide em:
– Tumor carcinoide típico, que tem índice mitótico
inferior a 2/10 campos de grande ampliação,
sem necrose.
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
15
I. Lourenço, M. Mendes de Almeida
Tabela 1. Imuno-histoquímica no diagnóstico diferencial entre adenocarcinomas pulmonares primitivos e secundários
Pulmão
Mama
Cólon
Estômago
Próstata
Tiroideia
CK7
+
+
–
±
–
+
TTF1
+
–
–
–
–
+
Nap A
+
–
–
–
–
-
RE
–
+
CK20
–
+
+
–
CDX2
–
+
+
PSA
–
Tgb
–
+
+
CK7: citoqueratina 7; TTF1:Thyroid transcription fator; Nap A: Napsina A; RE: recetores de estrogénio; CK20: citoqueratina 20; CDX2: Caudal type
homeobox 2; PSA: Prostate specific antigen; Tgb: tireoglobulina.
– Tumor carcinoide atípico, que tem índice mitótico entre 2 e 11/10 campos de grande ampliação e/ou necrose.
– Carcinoma de pequenas células, constituído
por uma população de células de dimensão
inferior a três vezes o linfócito normal, de
núcleo híper-cromático e disposição celular
em mosaico; apresenta um elevado índice
mitótico, mais de 11 mitoses/10 campos de
grande ampliação, com Ki67 alto, frequente
e extensa necrose, e expressa, pelo menos, um
marcador neuro-endócrino.
– Carcinoma de grandes células neuro-endócrino: constituído por células grandes, com pleomorfismo e núcleo com nucléolos, tendo características idênticas ao carcinoma pulmonar
de pequenas células, no que respeita ao índice
mitótico, necrose e marcação imuno-histoquímica (IHQ)2.
É POSSÍVEL FAZER A DISTINÇÃO
ENTRE CARCINOMA PRIMITIVO OU
METASTÁTICO, SENDO O PULMÃO
UM ÓRGÃO SEDE DE FREQUENTES
METÁSTASES?
É fundamental ter uma história clínica cuidadosa com informação de eventual neoplasia
16
prévia, o que pode ajudar a direcionar o patologista. Os tumores secundários no pulmão representam a forma mais comum de neoplasia pulmonar e
aquele é o local mais frequente de metástases. As
metástases pulmonares são geralmente tumores
periféricos de limites bem definidos.
Os carcinomas que metastizam para o pulmão
têm origem, por ordem de frequência, na mama,
cólon, estômago, pâncreas, rim, próstata ou tiroide.
Podendo ser a arquitetura das neoplasias muito semelhante (padrão glandular) nos adenocarcinomas do pulmão, cólon, estômago e próstata,
bem como nalguns carcinomas da mama e tiroide,
temos de nos basear na história do doente, com
a corroboração do estudo imuno-histoquímico
para o diagnóstico diferencial.
A tabela 1 exemplifica os casos mais frequentes.
Há marcadores imuno-histoquímicos que são
específicos de órgão, como é o caso do PSA nos
adenocarcinomas da próstata, e da tireoglobulina
nos carcinomas da tiroide.
Por outro lado, principalmente em biópsias,
pode pôr-se o diagnóstico diferencial entre mesotelioma pleural maligno e adenocarcinoma pulmonar.
Para tal, é aconselhável utilizar um painel constituído
por vários anticorpos que, pela positividade de uns
e negatividade de outros, tornam possível o diagnóstico diferencial, como se indica na tabela 2.
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Classificação histopatológica e molecular do cancro do pulmão
QUAIS AS VARIÁVEIS
HISTOPATOLÓGICAS MAIS
IMPORTANTES DO CARCINOMA
PULMONAR, NA PEÇA CIRÚRGICA,
QUE INFLUENCIAM
O PROGNÓSTICO?
– Dimensões do tumor: o tumor é medido nas
suas três dimensões, sendo o maior eixo o que
determina o T; quanto maior a dimensão, maior
o T com influência negativa no prognóstico.
– Invasão pleural: quando o tumor é sub-pleural,
deve referir-se se há invasão da pleura pelo
tumor; se o tumor ultrapassar a membrana
elástica interna é considerada invasão pleural;
no caso de um tumor com dimensões inferiores a 3 cm, o estadiamento T sobe de T1 para
T2, sendo pior o prognóstico.
– Invasão vascular: a invasão vascular pode ser
macroscópica ou microscópica; neste caso,
tem de haver células tumorais dentro de vasos; a confirmação de invasão vascular determina a possibilidade de haver células tumorais
em circulação, o que aumenta o risco de metastização.
– Invasão ganglionar: se houver metástases ganglionares, há maior risco de disseminação tumoral, o que piora o prognóstico.
– Margens cirúrgicas: coto brônquico, vasos do
hilo, margens de arcos costais, como exemplos;
se a margem cirúrgica tiver tumor, aumenta a
probabilidade de recorrência tumoral.
– Tipo histológico: têm melhor prognóstico os
tumores carcinoides, os ADC e carcinomas pavimentosos que os carcinomas adenoescamosos, carcinomas sarcomatoides e carcinomas
de grandes células.
– Grau de diferenciação: quanto mais semelhante aos tecidos normais melhor o grau de diferenciação, de G1 até G4 ou indiferenciado;
quanto mais bem diferenciado o carcinoma,
melhor o prognóstico.
– Atividade mitótica e necrose: qualquer delas,
quanto mais extensas, pior o prognóstico.
– Reação linfoide: a existência de reação linfoide
peritumoral indica que o organismo está a reagir
Tabela 2. Imuno-histoquímica no diagnóstico diferencial
entre adenocarcinoma pulmonar e mesotelioma
Adenocarcinoma
pulmonar
Mesotelioma
Calretinina
Negativo
Positivo
CK5
Negativo
Positivo
TTF1
Positivo
Negativo
WT1
Negativo
Positivo
CEA
Positivo
Negativo
BerEP4
Positivo
Negativo
CK5: citoqueratina 5; TTF1: Thyroid transcription fator; WT1: Wilms
tumor; CEA: Carcino embryonic antigen; BerEP4: Epithelial antigen
antibody BerEP4.
ao tumor «tentando limitá-lo», o que determina um prognóstico mais favorável.
COMO SE DEVEM ESTADIAR
OS CARCINOMAS PULMONARES
MÚLTIPLOS?
De acordo com vários autores, esta situação
pode ser muito difícil, requerendo uma equipa multidisciplinar de pneumologistas, radiologistas, cirurgiões torácicos, patologistas e radioncologistas, para
que se conjuguem todos os aspetos clínicos, imagiológicos e patológicos do doente na tentativa de lhe
fornecer o tratamento ideal. De acordo com o American College of Chest Physicians (ACCP) e o American
Joint Committee on Cancer (AJCC), deve tentar
seguir-se as seguintes regras3:
– Carcinomas multifocais: são considerados os
carcinomas in situ com ou sem componente
invasivo (exemplo: ADC in situ) em que o maior
tumor determina o T; entre parênteses insere-se o m de multifocal ou o número total de
tumores; por ex., três ADC in situ, o maior com
2,5 cm seria T1b(m) ou T1b3.
– Carcinomas primitivos síncronos: têm de ser de
tipo histológico diferente (um ADC e um carcinoma pavimentoso) ou, se do mesmo tipo
histológico, de diferente subtipo (por ex.: um ADC
papilar e outro ADC sólido); são estadiados
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
17
I. Lourenço, M. Mendes de Almeida
separadamente; por ex., um ADC com 3,5 cm
e um carcinoma pavimentoso com 2 cm seria
T2a + T1a.
– Carcinomas adicionais: aplica-se apenas, para
um carcinoma sólido dominante, com um número limitado de nódulos adicionais, sólidos,
de histologia idêntica; por ex., um ADC papilar
com 4 cm e um ADC papilar com 1 cm no
pulmão contralateral seria T2a M1a.
A incidência de carcinomas múltiplos pulmonares
tem vindo a aumentar devido às técnicas de imagem
de maior resolução, ao screening mais frequente em
doentes com fatores de risco e ao follow-up mais
apertado de doentes com carcinomas prévios, o que
torna muito importante o seu estadiamento correto.
EXISTEM ALTERAÇÕES
MOLECULARES NO CANCRO DO
PULMÃO, QUE DEFINEM SUBTIPOS
MOLECULARES DIFERENTES?
O cancro do pulmão tem sido classificado segundo critérios histológicos. Atualmente, e tendo em
conta a descoberta de múltiplos mecanismos moleculares subjacentes ao desenvolvimento, à evolução
e ao prognóstico destes tumores, apareceram novas
terapêuticas-alvo com benefícios para os doentes.
Existem, assim, diferentes subtipos moleculares
de cancro do pulmão com prognósticos diferentes
e terapêuticas específicas:
– Mutações do recetor do fator de crescimento
epidérmico (EGFR): as mutações estão presentes
em aproximadamente 10-15% dos carcinomas
do pulmão, principalmente em ADC. Desde
meados de 2009, a identificação de mutações
no EGFR tem sido o requisito necessário para
a primeira linha de tratamento com gefitinib
ou erlotinib (e, mais recentemente, com afatinib), inibidores tirosina cinase (TKi) do EGFR
(EGFR-TKi). Dentro dos subgrupos de tumores
com mutações ativadoras do EGFR, as taxas de
resposta observadas são substancialmente mais
elevadas do que as observadas com a quimioterapia convencional. Mutações EGFR não são
detetadas em CPPC, exceto em tumores mistos
de CPPC com componente de ADC (CPPC
18
combinados). Também há casos de ADC EGFR
mutados que são tratados inicialmente com
boa resposta com EGFR-TKi, mas que mostram
transformação em CPPC na recidiva como mecanismo de resistência. As mutações EGFR são
raras em neoplasias do pulmão de grandes células, carcinomas sarcomatóides e carcinomas
neuroendócrinos de grandes células, não se
encontrando em carcinoides brônquicos4-6.
– Translocação da cinase do linfoma anaplásico
(ALK): a presença do oncogene de fusão ALK
define um subtipo molecular do CPNPC com
características clínicas e patológicas distintas
dos demais subgrupos moleculares. Os doentes
são relativamente mais jovens, não fumadores
ou fumadores ligeiros e ADC.
Em populações não selecionadas com CPNPC, o
rearranjo do ALK é relativamente raro, variando
consoante as séries entre 4-7%. A frequência é
semelhante em populações asiáticas e ocidentais. No entanto, a incidência do ALK em doentes não fumadores ou fumadores ligeiros (inferior a 10 UMA) e com histologia de ADC pode
atingir os 13%. Nesta população, se o teste do
EGFR for negativo, a frequência é superior, podendo um em cada três ser ALK positivo.
– Mutações do Kirsten rat sarcoma viral oncogene homolog (KRAS): o oncogene mutado mais
comum no ADC do pulmão é o KRAS (30%).
A frequência das mutações varia de acordo
com os grupos étnicos, mais frequente em europeus/americanos (25-35%) e menos em asiáticos (5-10%). Cerca de 90-95% dos doentes
KRAS mutados têm história de tabagismo,
contudo cerca de 5% de doentes são não fumadores. As mutações KRAS e EGFR excluem-se
mutuamente, por isso, um teste rápido de KRAS
pode ser feito inicialmente para excluir os tumores KRAS mutados da pesquisa de EGFR,
salvaguardando que a amostra é suficiente para
pesquisa de EGFR e ALK, caso KRAS negativo4,5.
– Translocação do gene ROS1: ROS1 é um recetor tirosina cinase (TK) da família de recetores
da insulina que atua como um oncogene driver em 1-2% do CPNPC. As características
histológicas e clínicas que estão associados à
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Classificação histopatológica e molecular do cancro do pulmão
translocação ROS1 incluem doentes jovens,
não fumadores com ADC. A translocação
ROS1 é identificada pelo método de FISH semelhante ao usado na translocação ALK4,5.
COMO TRATAR DAS AMOSTRAS
(BIOPSIAS PEQUENAS/CITOLOGIAS)
PARA EVENTUAL ESTUDO
MOLECULAR?
As amostras de biopsia deverão ser fixadas em
formol a 10%, entre 6 a 48 h, para preservar o
ARN e o ADN. No caso de material de metástases
ósseas, este deverá ser descalcificado em EDTA, que
é um agente que preserva o ADN e assim permite
os estudos moleculares.
Mais de 40% de todos os CPNPC têm diagnóstico apenas por citologia. Os estudos moleculares aplicam-se ao material citológico, incluindo citoblocos,
esfregaços, cytospins ou citologias em meio liquido.
Os citoblocos são preferidos na maioria das
instituições, incluindo a nossa, pois são aplicados
os mesmos protocolos usados na histologia.
Nos esfregaços, fixados em álcool, podemos fazer análise das mutações, FISH e imuno-citoquímica,
tendo em conta que os protocolos diferem em relação aos usados em material fixado em formol.
Ao patologista, preferencialmente com experiência em cancro do pulmão, cabe caracterizar a
neoplasia, utilizando o menor número de anticorpos
possíveis para que fique material para estudos moleculares, sem, com isso, prejudicar o diagnóstico.
Será também da sua responsabilidade a revisão
de todo o material de cada doente, com o objetivo de selecionar a melhor amostra para estudos
moleculares
Os testes moleculares devem ser realizados em
laboratórios de referência e que façam prova de
participação com sucesso em atividades de controlo externo de qualidade4.
O laboratório deverá definir, através de validação do método, a proporção mínima de células
tumorais para deteção de mutações EGFR. É recomendado que seja utilizado um método com sensibilidade suficiente para detetar mutações em
amostras com apenas 20% de células tumorais4,5.
COMO SE FAZ O DIAGNÓSTICO
DE CANCRO DO PULMÃO EM
BIOPSIAS PEQUENAS E
CITOLOGIAS?
O diagnóstico patológico de cancro do pulmão
é, hoje em dia, um processo que inclui múltiplas
etapas, começando com o diagnóstico morfológico para determinar o tipo histológico, apoiado,
quando necessário, na IHQ e, por último, a caracterização molecular do tumor.
Este algoritmo diagnóstico implica uma premissa fundamental que é a existência de material
suficiente para se fazerem todos os testes necessários. Assim, o papel de uma equipa multidisciplinar que inclui pneumologistas, oncologistas, radioncologistas, radiologistas, patologistas e cirurgiões
torácicos assume uma importância vital na escolha
do melhor procedimento para cada doente.
A maioria dos cancros do pulmão são diagnosticados em estádio avançado, não sendo cirúrgicos, e assim as amostras para diagnóstico são
geralmente muito pequenas, biopsias pequenas e
citologias.
O diagnóstico morfológico deverá ser feito de
acordo com a nova classificação da International
Association for the Study of Lung Cancer/American Thoracic Society/European Respiratory Society
(IASLC/ATS/ERS)5,6.
O subtipo específico de todos os CPNPC é
necessário para a decisão terapêutica, e deverá ser
realizado sempre que possível. A IHQ deverá ser
usada para reduzir a percentagem de CPNPC-NOS
(not otherwise specified) para um número < 10%
dos casos diagnosticados.
Há critérios morfológicos que permitem o diagnóstico diferencial entre adenocarcinoma e carcinoma pavimentoso. A presença de mucina ou diferenciação glandular permite o diagnóstico de
adenocarcinoma, enquanto que a presença de pontes intercelulares ou queratinização apontam para
o de carcinoma pavimentoso6-8.
Na ausência destes critérios, necessitamos de
IHQ. A positividade do TTF1/Napsina A favorece o
ADC, enquanto a positividade do p63/CK5/6 favorece o carcinoma pavimentoso.
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
19
I. Lourenço, M. Mendes de Almeida
Nas amostras citológicas ou em biopsias pequenas, no relatório patológico deverá ser mencionado
se o diagnóstico foi feito só pela morfologia ou se
foram necessários exames específicos, nomeadamente IHQ.
Sempre que possível, a citologia deverá ser interpretada em conjunto com a histologia, pois complementam-se. Num estudo recente, a concordância entre biopsia e citologia no diagnóstico de ADC
versus carcinoma pavimentoso foi de 93%. Contudo, quando a citologia é correlacionada com a biopsia, a percentagem de casos diagnosticados como
CPNPC-NOS é muito reduzida, apenas 4%6.
Devido à heterogeneidade tumoral, os termos
AIS (ADC in situ) ou MIA (minimally invasive adenocarcinoma) não deverão ser usados em citologia
ou biopsias pequenas.
O diagnóstico de carcinoma de grandes células
deverá ser apenas feito em peças cirúrgicas.
TODOS OS DOENTES COM O
DIAGNÓSTICO DE CARCINOMAS
PULMONARES DE NÃO PEQUENAS
CÉLULAS DEVEM FAZER O TESTE
DA MUTAÇÃO DO RECETOR DO
FATOR DE CRESCIMENTO
EPIDÉRMICO E O TESTE DA
TRANSLOCAÇÃO DA CINASE DO
LINFOMA ANAPLÁSICO OU
DEVERÃO SER SELECIONADOS?
A determinação da mutação do EGFR deverá
ser feita em todos os doentes com o diagnóstico
de CPNPC, do tipo não pavimentoso, em estádios
avançados ou em recidiva4.
Deverá incluir os exões 18-21 e os associados
à resistência EGFR-TKI.
Em caso de material escasso, pesquisar, no mínimo, os exões 19 (deleção) e 21 (mutação L858R).
O teste não é recomendado nos doentes com o
diagnóstico de carcinoma pavimentoso, com exceção
dos não fumadores ou fumadores leves (< 15 UMA).
A pesquisa das mutações em estádios precoces
deve ser decidida individualmente pelos centros de
referência, mas a relação custo/benefício não justifica a sua realização.
20
A translocação ALK deve ser testada em todos
os CPNPC, doença avançada, EGFR negativos4.
COMO DEVE SER FEITO
O RELATÓRIO
ANATOMOPATOLÓGICO?
O diagnóstico cito ou histopatológico deverá
ser feito de acordo com a classificação da IASLC/
ATS/ERS5.
Deverá ser mencionado se o diagnóstico foi
feito só pela morfologia ou se foi necessário IHQ
ou colorações especiais.
Nos casos em que houver testes moleculares,
deverá haver um comentário especificando que
tipo de material (bloco/lâmina) foi enviado.
Os resultados destes testes não devem atrasar
o relatório patológico, sendo enviados para o clínico como aditamento. O tempo de resposta ideal
deve ser entre cinco a dez dias uteis, e é essencial
uma boa comunicação entre o clínico, o patologista e o laboratório de medicina molecular4.
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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Capítulo 4
Estadiamento do cancro
do pulmão
D. Antunes, M. Roque e P. Monteiro
EM QUE CONSISTE O
ESTADIAMENTO DO CANCRO DO
PULMÃO E QUAIS AS
CLASSIFICAÇÕES VIGENTES?
O estadiamento do cancro do pulmão (CP) é
um conjunto sistematizado de procedimentos envolvendo essencialmente a clínica, a imagiologia,
a broncologia, a cirurgia e a anatomo-patologia
realizados com o objetivo de avaliar a extensão
anatómica da doença e enquadrar cada caso em
grupos terapêuticos e de prognóstico, tanto nas
fases pré como pós-terapêuticas. As alterações
identificadas pelos diversos métodos devem ser
valorizadas com base no sistema TNM (Tabela 1),
cuja última edição (7.ª) é também aplicável ao
carcinoma pulmonar de pequenas células (CPPC),
aos tumores carcinoides e ao carcinoma bronquíolo-alveolar. Esta avaliação compreende três componentes – tumor (T), gânglios linfáticos (N) e
metástases (M) – e gera estádios e subestádios,
com taxas de sobrevivência e indicações terapêuticas definidas.
O componente T refere-se às dimensões e extensão local do tumor. O N diz respeito aos territórios linfáticos, sendo atualmente adotado o
mapa ganglionar da International Association for
the Study of Lung Cancer (IASLC), o qual delimita
anatomicamente 14 estações ganglionares (Tabela 2).
O M diz respeito à existência de disseminação intra
ou extratorácica (M1a ou b respetivamente).
A determinação do estádio faz-se como é detalhado na tabela 1.
Está estabelecido que, havendo dúvida sobre qualquer um dos parâmetros (T, N ou M), deve optar-se
pela categoria que reflete doença menos agressiva1.
QUAL O CONTRIBUTO RELATIVO
DAS DIVERSAS TÉCNICAS DE
IMAGEM NO ESTADIAMENTO DO
CANCRO DO PULMÃO?
O estadiamento imagiológico do CP baseia-se
na tomografia computorizada (TC) tóraco-abdominal, no estudo metabólico, preferencialmente por
tomografia de emissão de positrões-tomografia
computorizada (PET-TC) de corpo inteiro, e na ressonância magnética (RM) crânio-encefálica.
A TC tóraco-abdominal com contraste iodado endovenoso e opacificação oral do tubo digestivo é o
método mais amplamente utilizado, permitindo fazer
o diagnóstico e o estadiamento simultâneos. Dá ótima informação acerca do T, orienta frequentemente
a biopsia transtorácica e permite na mesma avaliação o estadiamento abdominal e ósseo.
A TC crânio-encefálica com contraste iodado
endovenoso tem sido recentemente preterida em
favor da RM.
A PET-TC de corpo inteiro tem elevada sensibilidade na deteção da doença local e à distância. Destaca-se relativamente à TC na deteção de doença ganglionar e de metástases à distância, podendo também dar
um contributo importante na avaliação do T e no
estudo da pleura. Não é adequada para o estudo
cerebral dada a elevada captação difusa da fluorodesoxiglucose (FDG) pelo parênquima cerebral, e o facto
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
21
D. Antunes, M. Roque, P. Monteiro
Tabela 1. Diagrama ilustrativo da 7.ª edição da classificação TNM do cancro do pulmão
Gânglios (N)
Peribrônquicos (ipsilaterais)
Ipsi
Contra
Hilares
Subcarinais
Ipsi
Contra
Escalenos
Supraclavículares
Mediastínicos
Estadio IV (metastização: M1a ou M1b, qualquer T, qualquer N)
+
+
+
+
N3 Estadio IIIB
–
–
–
+ &/+
–
N2 Estadio IIIA
–
–
–
–
–
–
+ &/+
N1 Estadio IIA
–
–
–
–
–
–
–
N0 Estadio IA
–
T1a
T1b
Estadio
IIB
Estadio Estadio
IB
IIA
T2a
T2b
Estadio IIB
T3
T4
≤2
cm
> 2 cm > 3 cm > 5 cm
> 7 cm
Qualquer um
mas
mas
mas ≤
≤3
≤5
7 cm
cm
cm
Ausência de
Brônquio principal Brônquio
–
invasão
(a ≥ 2 cm da
principal
proximal a
carina)
(a < 2 cm da
brônquio
carina)
lobar
Envolvido por
pulmão ou
pleura
visceral
Metastização (M)
M1a
– Disseminação intratorácica local:
• Derrame pleural/pericárdico
maligno
• Nódulos pulmonares separados no
pulmão contralateral
M1b
– Doença (extratorácica disseminada):
• Fígado, osso, cérebro, glândulas
suprarrenais,…
Pleura visceral
Parede
Mediastino/
torácica/
traqueia/
diafragma/
coração/
pleura
grandes
mediastínica/
vasos/
pericárdio
esófago/
parietal
corpos
vertebrais/
carina
Atelectasia/
pneumonite
obstrutiva que
se estende
desde a região
hilar mas não
envolvendo o
pulmão na
totalidade
Atelectasia/
pneumonite
obstrutiva
envolvendo
todo o
pulmão;
nódulo(s)
tumoral(ais)
separado(s)
no mesmo
lobo do
tumor
primário
Tumor
primário (T)
a. Tamanho
b. Localização
endobrônquica
c. Invasão
local
Nódulo(s)
d. Outros
tumoral(ais)
separado(s)
no pulmão
ipsilateral
mas num
lobo
diferente do
tumor
primário
Adaptado de Uybico2.
22
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Estadiamento do cancro do pulmão
Tabela 2. Zonas e estações ganglionares segundo a
IASLC
Zona supraclavicular
– Estação 1L: cervicais inferiores, supraclaviculares,
furcula esternal esquerdos
– Estação 1R: cervicais inferiores, supraclaviculares,
furcula esternal direitos
Zona superior (Mediastínicos superiores)
– Estação 2R: para-traqueais superiores direitos
– Estação 2L: para-traqueais superiores esquerdos
– Estação 3A: pré-vasculares
– Estação 3P: retro-traqueais
– Estação 4R: para-traqueais inferiores direitos
– Estação 4L: para-traqueais inferiores esquerdos
Zona aorto-pulmonar
– Estação 5: gânglios subaórticos
– Estação 6: para-aórticos
Zona subcarinal
– Estação 7: subcarinais
Zona inferior (Mediastínicos inferiores)
– Estação 8: paraesofágicos
– Estação 9: gânglios do ligamento pulmonar
Zona hilar e interlobar
– Estação 10: hilares
– Estação 11: interlobares
Zona periférica
– Estação 12: lobares
– Estação 13: segmentares
– Estação 14: sub-segmentares
Adaptado El-Sherief1.
de as metástases cerebrais serem frequentemente hipometabólicas e de pequenas dimensões3.
A RM torácica está recomendada no estadiamento do tumor do sulco superior, e pode ser útil na
avaliação do mediastino, particularmente quando há
contraindicação para TC com contraste iodado.
A RM pode ainda contribuir para o esclarecimento de lesões hepáticas, das glândulas suprarrenais e ósseas.
QUAIS OS FUNDAMENTOS E
LIMITAÇÕES DA CARACTERIZAÇÃO
IMAGIOLÓGICA DO T?
No CP o T expressa a dimensão do tumor, a
existência de outros nódulos e a caracterização de
eventual envolvimento traqueobrônquico, cardiovascular ou da parede torácica (Tabela 1).
As dimensões do tumor são geralmente avaliadas por TC, contudo, quando há condensação
do parênquima peri-tumoral, a PET-TC e a RM
revelam-se mais precisas. Embora a classificação
TNM tenha sido elaborada com base em medições no plano axial, são aceites medições noutros planos. A medição pode ser feita em janela
de pulmão ou de mediastino, no entanto o
maior eixo do componente sólido, mensurável
em janela de mediastino, parece ter maior valor
prognóstico, e melhor relação com a resposta
terapêutica do que o eixo total das lesões sub-sólidas4.
As características do parênquima que envolve
o tumor são também referenciadas no T: parênquima arejado ou pequenas áreas de atelectasia/
pneumonite obstrutiva sem extensão ao hilo são
consideradas T1; atelectasia ou pneumonite obstrutiva com extensão ao hilo ou da totalidade do
pulmão envolvido são classificadas como T2 e T3
respetivamente.
Os nódulos tumorais adicionais ipsilaterais ao
tumor são incluídos no T (T3 se localizados no
mesmo lobo e T4 se identificados em lobos homolaterais distintos). Os nódulos tumorais contralaterais são considerados metastáticos (M1a).
O envolvimento da pleura visceral pode ser
classificado como T1 ou T2, consoante as restantes
características do tumor, e a disseminação para a
pleura mediastínica e pericárdio parietal são consideradas T3. Contudo, a TC revela baixa sensibilidade para estas formas de disseminação e a
doença pleuro-pericárdica detetável por TC corresponde, na maioria dos casos, a M1a.
A PET-TC revela maior sensibilidade que a TC
na identificação de invasão da parede torácica
(também classificada como T3).
A extensão ao mediastino (nomeadamente à
carina e/ou traqueia, grandes vasos, coração e esófago) e coluna vertebral caracteriza os tumores T4.
Nem sempre é evidente por TC a distinção entre
invasão mediastínica (T4) e as adenopatias hilares/
mediastínicas (N1 e 2). Na avaliação dos grandes
vasos, pericárdio e coração, a RM tem-se revelado
superior, particularmente quando está contraindicado o contraste iodado5.
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
23
D. Antunes, M. Roque, P. Monteiro
QUAL O CONTRIBUTO E QUAIS AS
PRINCIPAIS LIMITAÇÕES DA
IMAGIOLOGIA NO ESTADIAMENTO
GANGLIONAR DO CANCRO
DO PULMÃO?
Na ausência de metástases, o envolvimento dos
gânglios mediastínicos é decisivo para a abordagem
terapêutica e é o fator de prognóstico mais importante entre os doentes com carcinoma pulmonar de
não pequenas células (CPNCP). Sendo o diagnóstico
histológico o método de referência na avaliação da
doença ganglionar, os métodos imagiológicos têm
a finalidade de avaliar sobre a indicação e orientar
anatomicamente as técnicas invasivas.
No estudo da disseminação ganglionar, a caracterização morfológica proporcionada pela TC é
superada pela informação metabólica da PET-TC3.
Embora se aguardem estudos prospetivos, admite-se que a RM torácica com protocolo de difusão
possa ter acuidade diagnóstica superior à PET-TC
no estudo ganglionar.
Os falsos positivos em TC devem-se à baixa especificidade do critério dimensional (consideram-se
adenomegálias os gânglios com menor eixo superior
a 10 mm), no entanto o valor preditivo positivo das
adenomegálias pode ser reforçado por aspetos sugestivos de necrose e de disrupção capsular. Os falsos
positivos em PET-TC resultam da fixação do FDG
associada a processos infecciosos e inflamatórios.
A principal causa de falsos negativos, tanto
na avaliação por TC como por PET-TC, são os
gânglios metastáticos infracentimétricos e as skip
metastasis2. A acuidade diagnóstica da PET-TC é
considerada insuficiente no estadiamento ganglionar de tumores com mais de 3 cm, tumores
centrais e na exclusão de N2/3 quando há suspeita de envolvimento N1, estando indicado o estadiamento invasivo3.
A classificação da doença ganglionar pela 7.ª
edição do TNM (Tabela 1) e pelo mapa ganglionar
da IASLC (Tabela 2) tem revelado ambiguidades: a
sobreposição das estações 10 e 4 e 1, 2 e 3, a
definição de lateralidade de algumas estações (pré-vasculares, peri-esofágicos e para e retro-traqueais)
e a valorização de adenomegálias em grupos
24
ganglionares não incluídos no mapa (axilares, das
cadeias mamárias internas e diafragmáticos) que
deverão ser considerados doença metastática intratorácica (M1a)1.
PESQUISA DE SINAIS
IMAGIOLÓGICOS DE
METASTIZAÇÃO: QUANDO E COMO?
Na 7.ª edição do TNM, as metástases do CP
são divididas em intra e extratorácicas pelo diferente impacto prognóstico.
A PET-TC é o exame de eleição para a avaliação
da doença tóraco-abdominal e óssea, podendo
revelar metástases previamente insuspeitas em até
37% dos casos3. Está assim indicada nos doentes
com avaliação clínica alterada, e nos doentes propostos para terapêutica curativa com avaliação
clínica e TC normais, excetuando os que têm tumores periféricos em estadio IA e lesões em vidro
despolido.
O estudo cerebral, preferencialmente por RM,
é recomendado em doentes com sintomas de órgão e doentes assintomáticos em estádio III ou IV.
Embora não haja recomendação formal da avaliação cerebral nos estádios inferiores, estudos com
taxas de metastização cerebral insuspeita de cerca
de 22% podem sustentá-la3.
Em situações de atraso no início do tratamento o American College of Chest Physicians (ACCP)
recomenda reestadiamento completo a partir das
quatro semanas3.
QUAIS AS PRINCIPAIS LIMITAÇÕES
DOS VÁRIOS MÉTODOS DE
CARACTERIZAÇÃO DA DOENÇA
METASTÁTICA?
As principais limitações no estadiamento intratorácico relacionam-se com os nódulos pulmonares
adicionais, e a doença pleural e pericárdica. Na
avaliação extratorácica, as dificuldades diagnósticas
prendem-se mais frequentemente com avaliação
dos nódulos das glândulas suprarrenais e hepáticos. A valorização das lesões ósseas pode também
ser problemática, principalmente após terapêutica.
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Estadiamento do cancro do pulmão
Os nódulos pulmonares impõem diagnóstico
diferencial entre lesões benignas, tumores síncronos e metástases. Os múltiplos estudos que têm
procurado definir critérios para a valorização destas lesões combinam fatores anátomo-patológicos
e imagiológicos, entre os quais se destacam: a
semiologia clássica do nódulo do pulmão e a localização (os tumores síncronos surgem com maior
probabilidade em lobos distintos)2.
O envolvimento pleural e pericárdico com expressão por TC (sob a forma de espessamento difuso, ou mais frequentemente multinodular e derrame pleural) traduz, na maioria dos casos, doença
metastática (M1a) que, no caso de haver derrame,
requer confirmação citológica. Comparativamente
com a TC, a PET-TC revela maior sensibilidade e
valor preditivo negativo na avaliação pleural.
As suprarrenais são um dos locais mais frequentes de metastização do CP (em cerca de 20% na
apresentação da doença), mas a elevada prevalência
de adenomas (10-20% da população geral) e o
largo espectro morfológico das lesões dificultam
o diagnóstico. Embora estejam definidos critérios
semiológicos de benignidade (dimensão inferior a
3 cm e componente adiposo documentado por
hipodensidade em TC e/ou efeito chemical shift
em RM) e de malignidade (disrupção capsular com
densificação da gordura envolvente), e múltiplos
estudos documentem o contributo da PET3 e da
RM, na prática clínica, muitas lesões permanecem
indeterminadas e requerem biopsia. O impacto da
ressecção de metástases adrenais únicas na sobrevivência do doente pode justificar a biopsia cirúrgica.
Os nódulos hepáticos, que muitas vezes apresentam morfologia inespecífica, obrigam frequentemente à integração com PET-TC e caracterização
complementar por RM ou biopsia.
A PET-TC de corpo inteiro tem elevada sensibilidade na identificação de metástases ósseas e
melhor especificidade para as lesões líticas3, que
são as mais frequentemente encontradas no CP. A
terapêutica com inibidores do recetor do fator de
crescimento epidérmico (EGFR) pode induzir uma
reação blástica que se expressa por progressão
esclerótica das lesões em TC e, por vezes, por
aumento da captação do FDG em PET.
AVALIAÇÃO DA RESPOSTA À
TERAPÊUTICA: QUANDO E COMO?
Com os progressos do tratamento do CP, a
avaliação da resposta à terapêutica tem importância crescente e particular impacto no contexto da
terapêutica neo-adjuvante.
A PET-TC é atualmente o exame mais preciso na
avaliação da resposta terapêutica e a variação do
maximum standardized uptake value (SUVmax) do
tumor primitivo e gânglios tem revelado valor prognóstico e relação com o reestadiamento patológico6.
Apesar das limitações da avaliação morfológica, a TC
continua a ser muito utilizada no estudo após terapêutica. A RM tem ganho importância na medida
em que possibilita estudos funcionais que permitem
identificar a resposta terapêutica mais precocemente.
No contexto da terapêutica neo-adjuvante, a
European Society of Thoracic Surgery (ESTS) elege
os métodos invasivos de estadiamento ganglionar
mediastínico como os mais precisos, apesar das
limitações técnicas e da acuidade diagnóstica que
podem resultar dos procedimentos de estadiamento inicial e da terapêutica6.
A evolução da terapêutica e dos métodos de
avaliação da resposta tem sido acompanhada pelos algoritmos de classificação da mesma7. Os response evaluation criteria in solid tumors (critérios
RECIST), baseados na variação dimensional, podem agora ser integrados com outros fatores
como a resposta metabólica, PET response criteria
in solid tumors (critérios PERCIST), e dados densitométricos (pela valorização da proporção dos
componentes sólido, de vidro despolido e de cavitação). O recurso crescente à terapêutica imunológica conduziu à criação de critérios específicos
(immune related response criteria).
A expressão dimensional da resposta à terapêutica não antecede habitualmente o 2.º ciclo de
quimioterapia pelo que a TC é realizada no fim do
mesmo. A PET-TC e a RM de difusão podem revelar
sinais de resposta a partir dos sete a 14 dias.
As alterações inflamatórias, após RT e cirurgia,
podem ser causa de falsos positivos em PET-TC,
devendo esta ser protelada até pelo menos um
mês após RT, e oito semanas após cirurgia.
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
25
D. Antunes, M. Roque, P. Monteiro
A ENDOSCOPIA RESPIRATÓRIA
É FUNDAMENTAL NO
ESTADIAMENTO DO CANCRO DO
PULMÃO?
QUAL O PAPEL DA ECOGRAFIA
ENDOBRÔNQUICA NO
ESTADIAMENTO DO CANCRO DO
PULMÃO E CONSEQUENTE
ABORDAGEM TERAPÊUTICA?
Um estadiamento preciso do CP é fundamental, não só na abordagem terapêutica, mas também na definição do prognóstico do doente, dado
constituir o principal fator preditivo de sobrevivência. As estratégias terapêuticas baseadas na evidência dependem desse estadiamento correto.
O estadiamento do CP pode ser cliínico (imagiológico) ou patológico (cirúrgico/técnicas endoscópicas), sabendo-se à partida que a concordância
destes dois tipos de estadiamento é apenas de
35-55% dos casos.
A endoscopia respiratória constitui um exame
major no diagnóstico do CP, obtendo material para
diferenciação diagnóstica, citológica ou histológica
do tumor.
A nível de estadiamento permite, sob visualização direta, detetar lesões a nível da via aérea,
por vezes não reveladas ou mal definidas por métodos de imagem, além de determinar a extensão
anatómica e a gravidade de destruição ou invasão
do tumor; permite ainda, através de técnicas acessórias, colher material para estadiamento ganglionar mediastínico do cancro.
A nova revisão da classificação TNM do estadiamento do CP salienta a importância da realização
da endoscopia respiratória, não só na avaliação dos
N mediastínicos, mas também na determinação das
dimensões e grau de invasão do T.
Na avaliação T, a endoscopia é útil em determinar o local e grau de invasão do tumor na via
aérea e a distância a que este se encontra da carina (mais ou menos de 2 cm), contribuindo assim
na divisão do tumor de T1 a T4.
Na avaliação N, a endoscopia respiratória, mais
uma vez, pode fornecer informação preciosa ao permitir a punção às cegas ou ecoguiada dos gânglios
mediastínicos acessíveis através da árvore brônquica.
A punção de adenopatias ipsilaterais, peribrônquicas ou hilares (N1), subcarinais ou ipsilaterais
mediastínicas (N2), e contralaterais (N3), contribui de
forma precisa para o estadiamento N (de N0 a N3).
26
A sensibilidade e especificidade da TC torácica
e da PET-TC na deteção do envolvimento ganglionar mediastínico no CP é aproximadamente de
51-60% e 81-85%, e de 74-84% e 85-89% respetivamente. A PET-TC veio melhorar o estadiamento, evitando uma cirurgia ineficaz em 10-15%
dos doentes.
Porém, desde logo, a confirmação citológica/
histológica é preferencial no estadiamento ganglionar mediastínico do CP, sendo cada vez mais
consensual que as adenopatias detetadas por TC
ou PET devem ser caracterizadas por punção guiada por ecografia endobrônquica (EBUS).
Na nova classificação TNM do estadiamento do
CP (IASLC/AJCC), existem 14 estações ganglionares mediastínicas (Tabela 2)8.
A mediastinoscopia foi, durante muitos anos,
a técnica preferencial deste estadiamento, sendo
um procedimento invasivo, oneroso, não isento de
complicações, e com limitações no acesso aos gânglios posteriores e inferiores do mediastino (permite acesso às estações ganglionares 1, 2, 3, 4 e 7).
A sua sensibilidade ronda os 80-90%, com cerca
de 10-15% de falsos negativos.
A EBUS é uma técnica complementar da endoscopia respiratória que alarga a visão do endoscopista para além do lúmen das vias aéreas, tendo vindo
a ganhar terreno no estadiamento ganglionar mediastínico, face à mediastinoscopia, pelo seu menor
grau de invasão, reduzido risco de complicações,
seus excelentes resultados e menores custos.
A EBUS apresenta uma sensibilidade de 85-93%,
uma especificidade de 100%, e um valor preditivo negativo de 90% no estadiamento ganglionar do CP.
A EBUS possui atualmente duas modalidades
complementares: sonda radial e EBUS convexa ou
linear (incorporada no fibroscópio) que possibilita,
em tempo real, guiar a punção dos gânglios mediastínicos ou estruturas adjacentes à via aérea.
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Estadiamento do cancro do pulmão
A maioria das séries publicadas confere uma taxa
de sucesso diagnóstico superior a 90%, independentemente da localização/dimensão do gânglio.
Esta taxa de sucesso depende ainda de forma
relevante do tratamento e análise do produto colhido e, se possível, da presença de um anatomopatologista na sala
A combinação da EBUS com a ecografia endoscópica esofágica (EUS) permite ter acesso a
praticamente todos os gânglios mediastínicos, dado
que a EUS permite o acesso aos gânglios do mediastino posterior e inferior, e a EBUS o acesso aos
gânglios do mediastino superior e anterior. A associação das duas técnicas possui um valor preditivo
negativo de 97%.
A PUNÇÃO ASPIRATIVA
TRANSBRÔNQUICA E OUTRAS
TÉCNICAS ACESSÓRIAS
ENDOSCÓPICAS PERMANECEM
ÚTEIS NO ESTADIAMENTO DO
CANCRO DO PULMÃO?
O sucesso da punção aspirativa transbrônquica
(TBNA), técnica onde a punção ganglionar mediastínica é efetuada às cegas, depende de múltiplos
fatores, nomeadamente da experiência do operador, da dimensão e localização da lesão, da presença de anatomopatologista na sala e da experiência do citopatologista, entre outros9.
A sua taxa de sucesso varia de 15-78%; uma
das várias meta-análises efetuadas confere-lhe uma
sensibilidade de 39%, com uma especificidade de
99%. Deve ser realizada sempre que exista a presença de adenopatias mediastínicas na TC ou PET,
e não existir possibilidade técnica de efetuar EBUS.
A navegação eletromagnética é uma técnica
efetuada através de endoscopia respiratória e que
possibilita guiar a biópsia de lesões pulmonares
únicas ou múltiplas ou mediastínicas, tal como o
global positioning system (GPS) guia um condutor
ao seu destino. Tem uma taxa de sucesso de 63-74%
nas biópsias de lesões periféricas, beneficiando
assim não só o diagnóstico, mas também o estadiamento do CP10. É contudo uma técnica morosa,
com equipamento muito dispendioso, não existindo
em Portugal nenhum dispositivo deste tipo. Quando associada à EBUS radial, a taxa de diagnóstico
pode alcançar os 88%.
BIBLIOGRAFIA
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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
27
Capítulo 5
Tratamento cirúrgico do
carcinoma pulmonar de não
pequenas células
F. Félix
QUE LUGAR PARA A CIRURGIA
NO TRATAMENTO DO CANCRO
DO PULMÃO?
A cirurgia pode desempenhar vários papéis,
desde o diagnóstico ou estadiamento iniciais a
mais remotas intervenções de caráter paliativo nos
estádios avançados da doença. Mas o seu papel
fulcral desenvolve-se no âmbito de uma terapêutica multimodal da doença oncológica, oferecendo
uma ressecção radical e, com esta, o melhor controlo local da doença e a esperança de cura.
Nos estádios mais precoces (I e IIA) onde se
observam as melhores sobrevidas aos cinco anos
(90-55%), a cirurgia de ressecção é quase sempre
a terapêutica de primeira linha. Na doença localmente avançada, estádios IIB e IIIA, as diferentes
formas de apresentação que se incluem nestes
grupos ditam opções diversas. De um lado, tumores ressecáveis envolvendo estruturas vitais, mas
sem evidência de metastização ganglionar ou à
distância, podem ser elegíveis para cirurgia em
combinação com terapêutica indutora ou adjuvante, com resultados encorajadores. De outra parte,
no estádio IIIA, e reconhecido o impacto maior da
doença ganglionar (N2) no prognóstico, a decisão
terapêutica será em boa parte determinada pelo
grau de envolvimento mediastínico (estação única,
multi-estação ou a presença de bulky disease).
Podem aqui ser delineadas três linhas de abordagem: cirurgia seguida de quimioterapia adjuvante,
quimioterapia de indução em 1.ª linha, fazendo
depender a ressecção pulmonar ulterior do
downstaging da doença, ou quimio-radioterapia
radical definitiva sem opção de cirurgia.
COMO EVOLUIU TECNICAMENTE
A CIRURGIA TORÁCICA?
Os mais recentes progressos na cirurgia torácica estão seguramente ligados ao desenvolvimento
das técnicas mini-invasivas, videotoracoscopia e
robótica, permitindo ressecções major, lobectomias
e, mais recentemente, as mais conservadoras
como as segmentectomias, sem prejuízo dos critérios oncológicos. Incorporando a experiência ganha e o instrumental nelas usado, as toracotomias
clássicas tornaram-se também menores, e a cirurgia, de um modo geral, menos traumática. A
doença precoce pode assim ser tratada com um
significativo decréscimo de morbilidade. Aliada a
uma melhor avaliação e preparação pré-operatória, um crescente número de doentes no limiar
funcional de aceitação para cirurgia, ou de faixas
etárias mais elevadas, podem agora ser operados.
Mas este percurso fez-se acompanhar de um caminho também importante em direção oposta.
Sedimentou-se o papel da cirurgia nos tumores
localmente avançados. Inicialmente a ressecção
combinada de parênquima e parede torácica, com
reconstrução protésica e retalhos miocutâneos. Em
simultâneo a cirurgia dos tumores de Pancoast
com recurso a ressecção/reconstrução da coluna e
vasos subclávios. Ainda as ressecções em manga
(sleeve) e as mais complexas técnicas de broncoplastia e ressecção de carina, permitindo excisar os
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
29
F. Félix
tumores mais centrais. Com a ajuda de dispositivos
de assistência circulatória, oxigenador de membrana extracorporal (ECMO) ou circulação extracorporal (CEC), casos rigorosamente selecionados de
tumores localmente invasivos de estruturas, antes
invioláveis como os grandes vasos ou mesmo o
coração, podem agora, em centros altamente diferenciados, ser ressecados com benefício de morbimortalidade e sobrevidas aceitáveis.
QUAL O PAPEL DA CIRURGIA
NO ESTADIAMENTO DO
MEDIASTINO?
A metastização ganglionar mediastínica é o
maior determinante de prognóstico no cancro do
pulmão. Pelas implicações que a sua deteção ou
exclusão acarreta para a decisão terapêutica, o
estadiamento deste território revela-se de enorme
importância. Está indicado formalmente na exploração de doença ganglionar suspeitada na avaliação de imagem, em tomografia computorizada
(TC) ou de emissão de positrões (PET), e ainda
recomendada em doença N1 e em tumores centrais de dimensões superiores a 3 cm, especialmente se adenocarcinomas, evidenciando standardized uptake value (SUV) altos e localizados nos
lobos superiores1.
O cirurgião pode aceder às cadeias ganglionares do mediastino através de diferentes abordagens, consoante a acessibilidade das estações
ganglionares em causa. A mediastinoscopia, considerada a técnica gold standard, e cujo valor
reside em elevadas sensibilidade e especificidade,
está limitada à exploração das cadeias paratraqueais e subcarinais. Para a abordagem das restantes cadeias (para-aórticas, janela aorto-pulmonar e para-esofágicas), a cirurgia dispõe da
videotoracoscopia e, desta forma, pode aceder a
todo o mediastino.
Com o desenvolvimento da ultrasonografia endoscópica, endoesofágica (EUS) e endobrônquica
(EBUS), menos invasivas, associadas a menor taxa
de complicações e morbilidade, a mediastinoscopia
parecia vir a perder algum protagonismo. Recordemos, porém, que estes métodos não garantem um
30
valor preditivo negativo comparável, logo a mediastinoscopia reassume todos os seus créditos na
reexploração do mediastino, para melhor comprovar o downstaging patológico, após terapêuticas
indutoras.
Em paralelo, a introdução do videomediastinoscópio tornou o exercício da técnica mais apelativo para os cirurgiões, e facilitou o seu ensino e
divulgação, e a evolução para procedimentos mais
radicais como as recentemente apelidadas de supermediastinoscopias, as video-assisted mediastinoscopic lymphadenectomy (VAMLA) e transcervical extended mediastinal lymphadenectomy
(TEMLA). Estas técnicas têm potencial de ainda
aumentar a já elevada sensibilidade da mediastinoscopia clássica e, dadas as características de
radicalidade, vir a ser incorporadas numa estratégia combinada de estadiamento/linfadenectomia e
ressecção pulmonar curativa.
ESTADIAMENTO OPERATÓRIO –
LINFADENECTOMIA OU
AMOSTRAGEM GANGLIONAR?
A dissecção sistemática do mediastino, e consequente linfadenectomia, é uma parte importantíssima do tempo operatório de ressecção de
cancro do pulmão. Só ela garante um estadiamento patológico rigoroso, e parece, por isso,
essencial para determinar a necessidade de terapêutica adjuvante. A sua prática tem vindo a
aumentar, mas não é consensual. Alguns autores
contestam-na, invocando que não acrescenta
benefício sobre a amostragem ganglionar, no
que toca às taxas de recorrência local ou sobrevida. Esta posição está suportada num ensaio
realizado em doentes submetidos a ressecção
pulmonar em estádio I, e randomizados para
amostragem ou linfadenectomia intraoperatória2. Recorde-se que, para uma amostragem ser
fidedigna, as biópsias devem interessar pelo menos três estações em N2 e obrigatoriamente a
estação 7 (subcarinal). O mesmo estudo salienta
ainda, nas suas conclusões, que estes resultados
não devem ser extrapolados para estádios mais
avançados da doença.
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Tratamento cirúrgico do carcinoma pulmonar de não pequenas células
QUAL A CONDUTA PERANTE
DOENÇA GANGLIONAR
INESPERADA NA CIRURGIA?
Apesar dos progressos obtidos pela combinação
dos diferentes métodos de estadiamento mediastínico, não é raro o cirurgião ser confrontado com o
achado de doença ganglionar na exploração que
antecede a ressecção pulmonar. As suas opções incluem prosseguir com a cirurgia planeada, ou abortar
a cirurgia para permitir um tratamento neoadjuvante
e encarar, à posteriori, a ressecção pulmonar. Para
prosseguir, pode argumentar que o doente foi já
submetido a uma agressão major, e que a cirurgia
não acrescenta especial morbilidade. Pode, ao contrário, invocar que o impacto da ressecção não pode
ser subestimado, especialmente se implica pneumectomia, e que a quimioterapia de indução tem vantagens sobre a adjuvante, e assim fazer pender a decisão no sentido de suspender a ressecção. Fatores
como o tamanho do tumor e o número de estações
ganglionares envolvidas devem também ser ponderados. Uma meta-análise de ensaios de terapêutica
neoadjuvante e de séries publicadas de doentes submetidos a ressecção em N2 incidental comparou os
resultados em termos de sobrevida, qualidade de
vida e custo-benefício. Estes parecem favorecer a
decisão de abortar a ressecção programada3. Observou-se uma maior sobrevida, e a qualidade de vida
também se revelou superior, apesar do prolongamento do tratamento e da submissão a duas intervenções cirúrgicas. As diferenças em termos de custo-benefício foram negligenciáveis. O incremento
observado na sobrevida média (2,1 vs 1,7 anos) parece traduzir o benefício da terapêutica de indução,
mas admite-se que possa refletir também a exclusão dos doentes, com doença especialmente
agressiva, que progrediram sob tratamento e não
foram consequentemente submetidos a ressecção.
LOBECTOMIA-SLEEVE OU
PNEUMECTOMIA EM DOENTES
COM BOA FUNÇÃO PULMONAR?
As técnicas de preservação de parênquima foram desenvolvidas no sentido de possibilitar a
ressecção curativa em doentes com escassa reserva pulmonar e tumores centralmente localizados,
considerados inaptos para procedimentos como a
pneumectomia, mas tolerando amputações funcionais menores. Demonstraram já resultados favoráveis em termos de mortalidade e morbilidades
operatórias, bem como sobrevidas globais da
doença oncológica, semelhantes às observadas em
doentes com ressecções equivalentes. Decorrente
deste reconhecimento, o seu uso tem vindo crescentemente a aplicar-se a doentes sem limitação
de reserva funcional, com igual objetivo de poupar
reserva ventilatória e evitar a pneumectomia. As
vantagens resultam de uma reduzida mortalidade
operatória e de uma melhor qualidade de vida,
proporcionadas pela lobectomia-sleeve. A preservação de parênquima pode ainda garantir a possibilidade de uma futura ressecção pulmonar, na
perspetiva de ocorrência de um segundo tumor.
Alguns riscos devem ser tidos em conta, como
o incremento das taxas de recidiva local, as complicações anastomóticas e o impacto do envolvimento ganglionar N2 na sobrevida. Nos estudos
realizados, não parece demonstrado que o risco e
padrões de recorrência possam ser relacionados
com a técnica. A doença N2 tem reconhecidamente um efeito adverso em ambos os grupos, mas
com maior impacto nos doentes submetidos a lobectomia-sleeve, onde parece condicionar uma
maior taxa de recidiva, por comparação com o
grupo de pneumectomia, e permanece como foco
de controvérsia na seleção dos doentes. No plano
das complicações operatórias, os doentes de lobectomia-sleeve apresentam menos eventos do
foro cardíaco que os de pneumectomia, mas uma
maior incidência de complicações de via aérea,
com destaque para a deiscência de anastomose
brônquica. Apesar da evolução das técnicas de
broncoplastia, dos cuidados de preservação de vascularização e proteção de anastomose, persiste este
tipo de complicação. Nestes doentes, deve ser dada
especial atenção aos fatores locais que potenciam
esse risco, como a presença de doença na margem
de ressecção, ou a irradiação prévia indutora.
Muitos trabalhos sugerem que a preservação de
parênquima, de modo geral, beneficia claramente a
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
31
F. Félix
qualidade de vida, em termos de reserva cardio-respiratória. Alguns autores evidenciaram, neste
aspeto, a superioridade da lobectomia-sleeve sobre a pneumectomia, independentemente do status cardiopulmonar subjacente4.
No atual estado da arte, podemos pois afirmar
que a lobectomia-sleeve deve ser usada sempre,
desde que adequada à ressecção curativa do cancro do pulmão, em detrimento da pneumectomia, no sentido de obviar os seus efeitos adversos, especialmente o seu impacto na qualidade
de vida.
LOBECTOMIA OU RESSECÇÃO
ECONÓMICA NO ESTÁDIO I?
O papel dar ressecção conservadora no tratamento do estádio I do cancro do pulmão continua
a ser explorado. Após um primeiro estudo randomizado5, que demonstrou acréscimo de incidência
de recidiva locorregional nos doentes operados por
ressecções menores, e estabeleceu a lobectomia
como terapêutica de eleição, outros mais recentes
se seguiram, que relançaram o valor da segmentectomia regrada, associada a dissecção hilar e
mediastínica, na erradicação da doença, atingindo
sobrevidas e taxas de recidiva comparáveis, ainda
que tendencialmente em favor da lobectomia. Outros estudos que investigaram morbilidade, mortalidade e função ventilatória pós-operatória relacionadas com os procedimentos também não
conseguiram demonstrar vantagem da ressecção
menor. A evidência acumulada não permite, de
momento, recomendar a segmentectomia para
doentes com risco aceitável para ressecção pulmonar. Mais recentemente, no âmbito da histologia
dos tumores, o seu papel voltou a ser equacionado, no tratamento de subtipos histológicos pré-invasivos ou mini-invasivos de adenocarcinoma, particularmente se menores que 2 cm, mas serão
necessários, num futuro próximo, estudos que
demonstrem inequivocamente o seu valor. Todos
os trabalhos apontam entretanto para a necessidade de que estas ressecções económicas se façam
acompanhar de linfadenectomia ou amostragem
ganglionar adequadas
32
CIRURGIA MINI-INVASIVA – QUE
BENEFÍCIOS E RISCOS?
As ressecções pulmonares anatómicas com recurso a técnicas mini-invasivas, com destaque para
a lobectomia e, mais recentemente, a segmentectomia videotoracoscópicas, vêm-se afirmando desde há duas décadas. Talvez porque o cancro do
pulmão é a principal indicação para o procedimento, a questão da adequação do método à satisfação dos princípios oncológicos permaneceu longo
tempo como um obstáculo na mente de muitos
cirurgiões torácicos. Outros aspetos como a segurança, complicações e mortalidade, e ainda custos
e benefícios em termos de redução da dor e melhoria da qualidade de vida, foram igualmente
abordados.
Apesar da escassez de estudos randomizados
que comparem a lobectomia standard e videotoracoscópica, as séries publicadas parecem demonstrar a equivalência dos procedimentos em termos
de rigor oncológico, traduzido em sobrevidas e
taxas de recorrência estatisticamente comparáveis6,7. A sua maior vantagem residirá na diminuição da dor pós-operatória, e da resposta inflamatória à agressão cirúrgica, de menor magnitude,
consequentemente numa aptidão mais precoce
para o início de terapêuticas adjuvantes.
O candidato ideal é o doente com doença limitada, idealmente tumores T1-2, sem envolvimento ganglionar mediastínico. Para esse, a evidência aponta a lobectomia videotoracoscópica
como uma alternativa segura e eficaz no tratamento do cancro do pulmão.
QUAL O LUGAR DA CIRURGIA
CONSERVADORA E DA
RADIOTERAPIA EM DOENTES COM
FUNÇÃO PULMONAR
COMPROMETIDA NO ESTÁDIO I?
A perspetiva de cura para doentes submetidos
a ressecção anatómica para este estádio é excelente. Infelizmente, uma parcela importante destes
sofrem de doença cardiovascular ou outras comorbilidades que os impede de tolerar a cirurgia,
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Tratamento cirúrgico do carcinoma pulmonar de não pequenas células
nomeadamente a lobectomia. As opções incluem
então a ressecção menor, económica ou conservadora, sempre que possível por uma via mini-invasiva, e a radioterapia. A radioterapia vem reclamando a sua eficácia como terapêutica radical na
erradicação de lesões até 3 cm, após as evoluções
técnicas recentes que possibilitam incrementos de
dose com baixa toxicidade. Contudo, os trabalhos
que abordaram a sua eficácia neste contexto não
demonstraram benefício desta, e os resultados
sempre pendem para o lado da cirurgia8. Alguma
expectativa tem sido colocada também no seu uso
como adjuvante à cirurgia de ressecção económica,
em doentes com má função, para prevenir a recorrência, sem demonstração inequívoca de vantagem.
Nos doentes com compromisso grave da função e que, apesar de uma reabilitação pré-operatória adequada, não são candidatos a cirurgia, ou
naqueles em que a localização do tumor inviabiliza uma ressecção menor, o recurso à radioterapia
como alternativa à cirurgia deve ser encarado.
QUE CIRURGIA NO OCTAGENÁRIO?
O envelhecimento progressivo da população
com cancro do pulmão confronta oncologistas e
cirurgiões com o desafio de tratar estes doentes,
ajustando as decisões terapêuticas às comorblidades e riscos inerentes a este grupo etário. Dado
que a cirurgia permanece o pilar do tratamento
dos estádios precoces e oferece a melhor oportunidade de cura ou controle local e sobrevida, o seu
papel pode ser crucial. As séries mais recentes
apontam para resultados que se aproximam da
população mais jovem, em termos de morbimortalidade operatória, e sugerem mesmo que uma
esperança de vida aumentada se acompanha de
uma melhor aptidão para cirurgia. A relutância
em oferecer cirurgia, baseada na suspeita de que
os doentes são intrinsecamente maus candidatos, deve ser afastada. Estes doentes devem ser
rigorosamente avaliados, individualmente, no sentido de lhes ser oferecida uma terapêutica curativa.
A lobectomia prevalece como o tratamento
standard, mas a videotoracoscopia9 aportou algum
benefício sobre a toracotomia, em termos de morbilidade, complicações, precocidade da alta e retoma da atividade regular. Também a opção por
ressecções segmentares anatómicas10, às quais se
possam imputar iguais critérios oncológicos, pode
ser utilizada em tumores de reduzidas dimensões
(< 2 cm) favoravelmente implantados, com vantagens na preservação do parênquima pulmonar.
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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
33
Capítulo 6
Tratamento neoadjuvante e
adjuvante no carcinoma pulmonar
de não pequenas células
P. Alves e P. Garrido
QUAL O PROGNÓSTICO
DE UM DOENTE COM CARCINOMA
PULMONAR DE NÃO PEQUENAS
CÉLULAS EM DOENÇA PRECOCE,
SUBMETIDO A TERAPÊUTICA
CIRÚRGICA? QUAIS OS SEUS
PREDITORES?
O carcinoma pulmonar de não pequenas células (CPNPC) apresenta, por vezes, um crescimento
assintomático com reduzido número de casos
diagnosticados em estádios precoces (25-30%),
passíveis de abordagem cirúrgica1.
Embora o estadiamento seja o principal fator
de prognóstico (e.g. a dimensão do tumor e o
envolvimento mediastínico e pleural), outras condicionantes como a técnica cirúrgica (lobectomia
versus ressecção sublobar), o género (mulher) e
a etnia (asiáticos – independentemente dos hábitos tabágicos ou da presença da mutação EGFR)
são descritos como indicadores de melhor prognóstico.
Nos doentes operados, a sobrevida (SV) aos
cinco anos é de 60-80% para o estádio I e de
30-50% no estádio II. As recidivas poderão ser
locais ou, mais frequentemente, à distância (1020% no estádio I)1.
Influenciados pela variabilidade genotípica e de
reparação do ADN, vários ensaios estão a ser conduzidos para a determinação de marcadores moleculares preditivos de resposta.
Estão atualmente em validação mas, no futuro,
a assinatura genética poderá auxiliar a identificação
dos doentes que beneficiarão da terapêutica adjuvante à cirurgia.
COMO SE DEFINE TERAPÊUTICA
NEOADJUVANTE? QUAIS AS
INDICAÇÕES NO CARCINOMA
PULMONAR DE NÃO PEQUENAS
CÉLULAS?
A baixa SV após tratamento do CPNPC não
metastático levantou a hipótese de associar terapêutica antes (neoadjuvante) e/ou após (adjuvante)
ao tratamento cirúrgico preconizado.
Os estudos com quimioterapia (QT) neoadjuvante são poucos e com baixo número de doentes,
mas alguns favorecem esta terapêutica.
Vários estudos randomizados e algumas meta-análises revelaram benefício na SV, caso se efetuasse QT seguida de cirurgia versus só cirurgia,
nomeadamente nos tumores com mais de 4 cm
e nos estádios IIIaN2. Nestes, foi demonstrado um
ganho na SV se houvesse downstaging para N0
com a QT. A QT neoadjuvante faz parte das recomendações nos estádios IIIaN22,3.
Nos estádios mais precoces, apesar de existir
resposta em 40-60% dos casos com QT antes de
cirurgia, em termos de SV, os dados não têm
significado estatístico, pelo que não é recomendada.
Como vantagens da terapêutica neoadjuvante
salienta-se: tratamento precoce da doença micrometastática; downstaging do mediastino (melhor
SV após cirurgia); diminuição do tamanho do
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
35
P. Alves, P. Garrido
tumor (maior probabilidade de ressecabilidade
completa); melhor tolerância e compliance em relação à terapêutica adjuvante.
Como desvantagens, há a apontar a toxicidade
ao tratamento, o aumento do risco cirúrgico e da
progressão antes da cirurgia mas, atualmente, elas
são consideradas pouco relevantes.
QUAL O PAPEL DA RADIOTERAPIA
NO TRATAMENTO NEOADJUVANTE
DO CARCINOMA PULMONAR DE
NÃO PEQUENAS CÉLULAS?
INDICAÇÕES E RISCOS
Outra questão é se a associação da radioterapia (RT) à QT pré-operatória aumenta a SV.
Alguns estudos demonstraram aumento da
resposta patológica e downstaging do mediastino com QT e RT (QTRT) neoadjuvante versus
só QT, na doença localmente avançada, mas
outros não.
Muitos autores referem o aumento significativo da toxicidade, o que é particularmente verdade
quando se utiliza gemcitabina ou paclitaxel com
RT, por aumento de complicações pulmonares, nomeadamente Acute Respiratory Distress Syndrome
(ARDS).
O estudo INT 01394 demonstrou aumento significativo da SV, se realizada lobectomia após QTRT
nos doentes em estádio III (T1-3N2M0), mas diminuição significativa, se realizada uma pneumectomia, por aumento de complicações e mortalidade.
Contudo, há quem defenda que, com o aperfeiçoamento das técnicas de tratamento existentes
atualmente, a QTRT neoadjuvante se possa estender a ressecções cirúrgicas mais alargadas.
Segundo as normas da National Comprehensive Cancer Network (NCCN)3, a QT de indução com
ou sem RT, é uma opção nos estádios IIIa (T1-3,
N2-mínimo) se for prevista a lobectomia, e é recomendada nos tumores do sulco superior ressecáveis. Defende-se QT (com ou sem RT) de indução
nos estádios IIIa-N2 múltiplos (não bulky) e, se
após avaliação de resposta existir downstaging, e/
ou se o cirurgião entender que a doença (inclusive
as adenopatias mediastínicas) poderá ser
36
completamente ressecada, atitude discutível e que
deve ser tomada em reunião multidisciplinar.
QUAIS OS ESQUEMAS
TERAPÊUTICOS PRECONIZADOS
PARA A TERAPÊUTICA
NEOADJUVANTE?
A QT deve basear-se na associação de um platino com um agente de 3.ª geração e contemplar,
pelo menos, três ciclos2.
Esquemas de cisplatina e vinorelbina parecem
ser os mais vantajosos. A carboplatina com paclitaxel teve resultados menos positivos, sendo só
indicada na presença de alguma contraindicação à
cisplatina.
Na associação com RT, não é de empregar
gemcitabina nem paclitaxel (só se associado a carboplatina e não a cisplatina), por maior risco de ARDS3.
A dose total de RT preconizada corresponde a
45-50 Gy fracionada (1,8-2 Gy/fr)3, e o intervalo
entre o fim da RT e a cirurgia não deve ultrapassar
uma semana.
COMO AVALIAR A RESPOSTA À
TERAPÊUTICA NEOADJUVANTE?
A avaliação de resposta à terapêutica neoadjuvante só poderá ser efetuada corretamente se existir um
estadiamento adequado antes do tratamento.
Indicada a realização de TC/PET-TC, se o mediastino for suspeito de positividade, tem que se obter a
análise patológica que poderá ser feita por EBUS/EUS
e/ou por mediastinoscopia, ou toracoscopia.
A avaliação de resposta em termos morfológicos será efetuada por TC, segundo os critérios de
RECIST versão 1.1.
A utilização da PET (com quantificação do SUV
– PERCIST 1.0) na avaliação da resposta à terapêutica não reúne uniformidade de critérios, pelo que a
sua utilização, neste contexto, ainda não foi validada.
Nos tumores com N2, após terapêutica de indução, é preconizado o reestadiamento patológico
do mediastino.
Repetir a mediastinoscopia é tecnicamente difícil, e tem pouca rentabilidade comparada com a
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Tratamento neoadjuvante e adjuvante no CPNPC
mediastinoscopia inicial. Uma estratégia será de
fazer EBUS/EUS na fase inicial e guardar a mediastinoscopia para o estadiamento após terapêutica
neoadjuvante.
A TC não é útil no reestadiamento do mediastino,
pois a rentabilidade diminui para 58% após terapêutica de indução; a PET-TC também não é vantajosa.
COMO SE DEFINE TERAPÊUTICA
ADJUVANTE. QUAIS OS SEUS
CRITÉRIOS E OS ESQUEMAS
PRECONIZADOS?
Como já referido, a recidiva à distância, com
ou sem recidiva local, é frequente nos tumores do
pulmão, mesmo que completamente ressecados.
A terapêutica adjuvante surgiu na tentativa de
diminuir a recidiva e melhorar o prognóstico dos
doentes. Mesmo com QT adjuvante, a taxa de
recidiva local é alta (20-40%), daí o interesse pela
RT após cirurgia.
A indicação de terapêutica adjuvante depende
dos achados intraoperatórios e, em especial, da
classificação patológica do tumor.
A recente atualização das orientações da NCCN3
define a estratégia a seguir, devendo o início do
tratamento ser 4-8 semanas após a cirurgia.
Vários estudos e meta-análises mostraram ganhos na SV aos cinco anos (4-15%) com terapêutica adjuvante à base de cisplatina, sendo o esquema de cisplatina e vinorelbina o mais utilizado6.
A QT adjuvante deverá ser utilizada nos estádios II e III6,7, e em casos selecionados de Ib, nomeadamente, nos tumores de grandes dimensões
(> 4 cm), com invasão da pleura visceral ou quando o estadiamento foi inadequado6. A idade jovem, a preferência do doente, o performance status e a presença de comorbilidades também têm
influência na decisão.
A RT adjuvante não mostrou benefício nos estádios I e II (N0 e N1)7 e, embora diminua a recidiva local nos N2, o impacto na SV é controverso.
Estudos e meta-análises recentes sugerem que
a RT adjuvante deve ser considerada nos estádios
IIIaN2, sobretudo se existem múltiplas estações ou
crescimento extracapsular.
A RT está indicada se existir tumor residual
nas margens de ressecção (R1 e R2), pois aumenta o controlo local da doença, com impacto positivo na SV.
A sequência da terapêutica multimodal não
está absolutamente determinada, mas a RT concorrente com QT adjuvante só é realizada em
doentes selecionados3.
Outro problema é a alta incidência de metástases à distância, particularmente cerebrais, após
ressecção cirúrgica da doença pulmonar, pelo que
se questiona se não se deveria efetuar, por norma,
a irradiação profilática cerebral (IPC). Existem poucos estudos mas, apesar de se ter verificado menor
incidência de metastização cerebral com a IPC, isso
não se refletiu em ganho na SV, pelo que a IPC
ainda não está indicada nos CPNPC.
COM QUE LIMITAÇÕES NOS
DEPARAMOS NA PROPOSTA
DA TERAPÊUTICA NEOADJUVANTE
E ADJUVANTE?
Possivelmente, a mais importante limitação à
proposta de uma terapêutica neoadjuvante é determinar a ressecabilidade completa da doença,
estando intimamente relacionada com a experiência de cada centro. O algoritmo da decisão obedece a muitas variáveis, pelo que cada caso carece
de apreciação em equipa multidisciplinar.
A invasão da parede torácica, do diafragma ou
das estruturas vasculares não são contraindicações
(exceto se invasão do epicárdio/miocárdio), podendo ser necessária a intervenção da cirurgia vascular
e cardíaca.
A PET-TC, a mediastinoscopia e biopsias de
lesões suspeitas devem ser equacionadas na abordagem de tumores potencialmente ressecáveis.
O desafio prende-se também com o performance status e com as comorbilidades, designadamente pulmonares, cardiovasculares, renais e até cognitivas. É essencial a compreensão
e o consentimento informado do plano terapêutico.
Inúmeros estudos avaliaram o impacto da idade na decisão cirúrgica; os 70 ou mais anos só são
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
37
P. Alves, P. Garrido
considerados uma contraindicação relativa para
cirurgia.
Alguns autores8 descrevem um aumento do
risco de complicações major com necessidade de
prolongamento do internamento (19 versus 47%, p
< 0,0037) no grupo de doentes submetidos a QT
prévia à cirurgia. O grupo de revisão Cochrane Collaboration verificou um benefício de 5% na SV aos
cinco anos, no subgrupo de doentes sujeitos a QT
neoadjuvante, permitindo uma atitude potencialmente curativa facilitando a técnica cirúrgica.
O doente pós-cirúrgico encontra-se em recuperação, sendo fundamental iniciar terapêutica
adjuvante (se indicado) nas quatro a oito semanas
subsequentes. Esta limitação é observada na prática clínica. A reabilitação respiratória, o apoio nutricional e psicológico são, por vezes, necessários.
O QUE FAZER APÓS TERAPÊUTICA
ADJUVANTE? COMO AVALIAR E
QUAL O SEGUIMENTO?
Um doente submetido a cirurgia com intuito
curativo pode experienciar dúvidas e receios, dado
o impacto que a sua doença oncológica tem ao
nível psicológico, social e profissional. A informação deve ser clara, responsabilizando-o, também,
pelo seu seguimento.
A equipa multidisciplinar onde foi iniciado o
tratamento manterá o follow-up, com uma boa
articulação com o seu médico de medicina geral e
familiar.
Um dos objetivos é fomentar o reinício da sua
atividade profissional e o incrementar de estilos de
vida saudável, nomeadamente a manutenção do
exercício físico e da alimentação adequada.
A intervenção específica na cessação tabágica
é fundamental, pois está associada à diminuição
do risco de mortalidade e do desenvolvimento de
um novo tumor ou de recidivas.
Encontra-se descrito1 o aparecimento de recidiva em 10% dos casos nos cinco anos após a
cirurgia, nomeadamente por disseminação à distância. Cerca de 60% dos casos ocorrem nos primeiros 2-3 anos; na presença de envolvimento
ganglionar, a recidiva é mais precoce e mais
38
frequente, sendo o risco de desenvolvimento de
um novo tumor de 2% a cada ano. Assim, é aconselhado o acompanhamento a cada três meses durante os dois primeiros anos, seguidamente de seis
em seis meses até ao 5.º ano, e depois a cada ano.
Para além de avaliar os resultados e detetar as
complicações tardias das terapêuticas efetuadas,
a calendarização das avaliações e respetivos exames visam o diagnóstico precoce de recidiva e a
identificação de novos tumores, primários ou secundários.
Em todas as consultas são avaliadas as queixas
do doente e realizado um exame objetivo dirigido,
bem como a avaliação analítica. Atendendo à pouca sensibilidade, a determinação de marcadores
tumorais é opcional1.
Em cada consulta, apenas um exame imagiológico carece de ser realizado, sendo a TC indicada
aos seis e 12 meses e, posteriormente, em regime
anual.
A PET-TC é opcional, não havendo estudos que
a recomendem em detrimento da TC neste contexto.
Recomenda-se um plano de vacinação antipneumocócica e influenza, bem como a realização de um
questionário de qualidade de vida específico (e.g.
EORTC QLQ-LC13) e provas funcionais respiratórias
aos seis e 12 meses para adequar estratégias para
uma melhor qualidade de vida (QV).
QUAL O PAPEL DA REABILITAÇÃO
RESPIRATÓRIA NOS DOENTES SOB
QUIMIOTERAPIA ADJUVANTE?
Segundo a American Cancer Society, as técnicas cirúrgicas inovadoras e as terapêuticas combinadas permitem uma SV aos cinco anos de 52% nos
doentes com CPNPC localizado, que, no entanto,
está frequentemente associada a um grande impacto clínico pela presença de dispneia, fadiga, ansiedade, diminuição da tolerância ao esforço, perda de
massa muscular e compromisso da QV.
Recentemente, o American College of Chest
Physicians salientou que o controlo dos sintomas
é tão importante como tratar a neoplasia.
Alguns estudos9 reportam uma prevalência de
80% de fadiga relacionada com o cancro, em
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Tratamento neoadjuvante e adjuvante no CPNPC
doentes sob QT e/ou RT adjuvante, sabendo-se
que estas terapêuticas diminuem a capacidade
de fornecimento e utilização do oxigénio durante o esforço, contribuindo para a intolerância ao
exercício.
Documentou-se9 uma boa adesão ao programa de reabilitação respiratória, com segurança
comprovada, melhoria na QV e na capacidade para
o exercício.
As modalidades de intervenção foram múltiplas, como o exercício aeróbico através do uso de
bicicleta, tapete rolante, marcha e treino de escadas; alguns incluíram treino de força, de relaxamento e sessões educacionais.
Mais e maiores ensaios clínicos são necessários para corroborar os dados já existentes, decorrendo atualmente um estudo prospetivo com
esse objetivo10.
Numa perspetiva futura, devido à oferta ainda
limitada dos programas de reabilitação, o desafio
passa pela elaboração de programas realizados no
domicílio, adaptados a esta população.
QUAL O PAPEL DAS
TERAPÊUTICAS INOVADORAS NO
TRATAMENTO NEOADJUVANTE E
ADJUVANTE DO CARCINOMA
PULMONAR DE NÃO PEQUENAS
CÉLULAS?
Nos últimos anos, assistimos à emergência de
novos paradigmas no tratamento dos CPNPC, em
estádios IV, com o uso de terapêuticas dirigidas,
em tumores com marcadores moleculares positivos, especialmente a mutação do EGFR ou a translocação do gene ALK.
Recentemente (estudo RADIANT), avaliou-se a
resposta do erlotinib num grupo de doentes com
doença ressecada, com mutação EGFR. Os resultados não foram significativos devido a constrangimentos estatísticos, mas, no entanto, sugerem que
o erlotinib, em terapêutica adjuvante, prolonga o
tempo livre de doença (TLD); a SV foi semelhante
nos dois braços.
O impacto dos anticorpos monoclonais está a
ser considerado. Aguardam-se resultados do
estudo de fase II, ECOG 1505, cujo outcome primário é avaliar a SV de doentes submetidos a QT
adjuvante, com ou sem bevacizumab.
O cetuximab compete na ligação ao domínio
extracelular do EGFR; dados pré-clínicos indicam
que é rádio-sensibilizante e que amplifica a resposta à QT. Estudos em estádios IIIa/b e IV foram
promissores, mas a sua utilização em terapêutica
adjuvante carece de mais ensaios clínicos.
A imunoterapia tem emergido como terapêutica promissora, nomeadamente pela checkpoint
inhibition ou através da utilização de vacinas.
No estudo de fase III, MAGRIT, não se evidenciou aumento do TLD em doentes operados submetidos a imunização com MAGE-A3 recombinada, uma proteína apenas presente em células
tumorais.
Muito se tem avançado, mas aguardam-se ainda resultados de terapêuticas mais eficazes e menos agressivas no combate ao CPNPC.
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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
39
Capítulo 7
O papel da radioterapia no
carcinoma pulmonar de não
pequenas células
A.C. Amado e M.I. Antunes
QUAIS OS DOENTES ELEGÍVEIS
PARA TRATAMENTO DE
RADIOTERAPIA RADICAL?
A opção de eleição no carcinoma pulmonar de
não pequenas células (CPNPC) é, sempre que possível, a ressecção cirúrgica, no entanto, nos estádios iniciais da doença, quando os doentes recusam a cirurgia ou, dadas as comorbilidades, não
têm condições para tolerar a mesma ou têm eventualmente grande risco cirúrgico, opta-se pela radioterapia (RT) radical. No caso de não existir
doença mediastínica, podem ser usados esquemas
de hipofracionamento como na RT estereototáxica
de corpo (SBRT), com fracionamentos que podem
variar, consoante as dimensões, a localização do
tumor e a tolerância dos órgãos de risco (OR); nos
centros em que não está implementada a SBRT, é
adequado recorrer a um esquema de hipofracionamento moderado1, sendo que, se houver doença mediastínica, terá de ser usado um fracionamento convencional.
Apesar de não existirem ensaios prospetivos
randomizados comparativos entre a cirurgia e a
SBRT em doentes em estádios iniciais (T1a,b,2aN0
e em casos selecionados T2b,3N0), estudos retrospetivos não-randomizados e séries de doentes
mostram que a SBRT, com doses altas por fração,
permite taxas de controlo local e sobrevida global
muito semelhantes a lobectomia e superiores a RT
conformacional 3D (RTC3D)1, no entanto, na
maioria das séries de doentes estudados, há que
considerar o viés que os resultados têm, dado
que os doentes que são submetidos a SBRT, têm,
à partida, pior prognóstico, porque foram previamente considerados sem capacidade para tolerar
a cirurgia. Onishi, et al., numa análise retrospetiva
de doentes estádio I tratados com SBRT com diferentes fracionamentos, em 13 instituições japonesas, reportaram que, com SBRT, a sobrevida é potencialmente comparável à da lobectomia no
subgrupo de doentes em estádio I que, sendo
operáveis, recusaram cirurgia, admitindo que este
tipo de tratamento é seguro e promissor, podendo,
eventualmente no futuro, ser o tratamento de eleição nos doentes em estádio I operáveis2.
Na doença localmente avançada, se o doente
não tem condições para quimioterapia (QT), a RT
radical com fracionamento convencional de 1,8-2
Gy/fração (fr) é também uma estratégia terapêutica adequada, embora com piores resultados.
A dose preferencialmente utilizada em tratamentos radicais de RT são 70 Gy, em fracionamento convencional (1,8-2 Gy/fr); caso a tolerância dos
OR não o permita, proceder-se-á à diminuição da
dose, que no entanto nunca deverá ser inferior a
60 Gy. Em SBRT, são preferíveis os esquemas com
dose biológica equivalente (BED) ≥ 100 Gy por
demonstrarem melhores resultados de controlo
local e sobrevida1.
QUANDO ESTÁ A RADIOTERAPIA
NEOADJUVANTE INDICADA?
Tratamentos neoadjuvantes de RT e QT (QTRT)
concomitantes estão indicados nos tumores do
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
41
A.C. Amado, M.I. Antunes
sulco superior (T3-4N0-1), seguidos de cirurgia e
QT adjuvante ou, caso o tumor seja irressecável,
dever-se-á prosseguir com QTRT até uma dose
curativa. O volume-alvo deverá incluir o tumor e a
região ganglionar supraclavicular ipsilateral. Deverão administrar-se 45-50,4 Gy (1,8-2 Gy/fr). Embora existam estudos em que são administradas doses curativas, doses superiores a 50 Gy estão
associadas a fístulas bronco-pleurais, empiema e
aumento de tempo com ventilação mecânica no
pós-operatório.
Com o intuito de redução tumoral de forma a
possibilitar uma remoção cirúrgica, os doentes
com doença T1-3 N2 (N2 não-bulky, < 1,5 cm),
também podem ser candidatos a QTRT neoadjuvante, sendo reavaliados, à semelhança dos doentes com tumores do sulco superior, para cirurgia
ou QTRT até uma dose curativa. Deve incluir-se o
tumor, a região ganglionar envolvida e a primeira
região ganglionar não envolvida3.
QUAL A IMPORTÂNCIA
DO ESTADIAMENTO PATOLÓGICO
PRÉVIO AO TRATAMENTO
NEOADJUVANTE EM DOENTES N2?
O estadiamento correto dos gânglios mediastínicos tem um papel fulcral na otimização do
estadiamento e consequentemente na escolha da
melhor estratégia terapêutica. A confirmação histológica deve ser feita sempre que haja suspeita de
envolvimento mediastínico, quer em TC do tórax
quer em PET-TC, para exclusão de falsos positivos,
podendo ser realizada através de ecografia endobrônquica (EBUS), ecoendoscopia (EUS), mediastinoscopia, linfadenectomia mediastínica assistida
por video (VAMLA), linfadenectomia mediastínica
transcervical alargada (TEMLA), toracoscopia assistida por vídeo (VATS) ou mediastinotomia.
Sendo importante em todos os casos, é especialmente relevante confirmar, antes de qualquer
terapêutica, a positividade ou negatividade dos
gânglios, nas áreas correspondentes a N2, para se
poder determinar a necessidade ou não de RT adjuvante, na medida em que a terapêutica neoadjuvante pode conduzir a um downstaging ganglionar.
42
QUAL A MELHOR ESTRATÉGIA
TERAPÊUTICA EM DOENTES
INOPERÁVEIS POR DOENÇA
LOCALMENTE AVANÇADA?
Nos CPNPC, são considerados como doença localmente avançada os estádios IIIA e IIIB, impondo o
primeiro um maior desafio na abordagem e definição
da estratégia terapêutica. Se no estádio IIIB todos
os doentes terão como abordagem preferencial a
QTRT que demonstrou ser, em numerosos ensaios
clínicos1 (CALGB 8433, intergroup e duas meta-análises), superior à terapêutica isolada, já o estádio IIIA é
um pouco controverso por apresentar uma grande
diversidade de doentes (T1-3N2; T3 N1, T4 N0-1),
tendo várias abordagens possíveis. Nos doentes em
que a possibilidade cirúrgica é posta de parte,
mesmo com recurso a terapêuticas neoadjuvante
ou adjuvante, a melhor opção do ponto de vista
do controlo da doença é também a QTRT.
Vários ensaios randomizados de fase II e III
(RTOG 9410, LAMP, French NPC 95,01, Furuse, et
al.), bem como uma meta-análise4, estabeleceram
que os tratamentos concomitantes têm uma melhor sobrevida média e sobrevida global aos cinco
anos, em relação aos sequenciais, no entanto verifica-se que esta melhoria tem como contrapartida um
aumento da toxicidade esofágica, observando-se um
maior número de casos de esofagite graus III-IV.
Os doentes com comorbilidades significativas
ou que não tenham um performance status (PS)
que permita tolerar os tratamentos concomitantes,
poderão ser candidatos a terapêutica sequencial
ou apenas a RT radical.
Deverá ser tentado um escalonamento de dose
até 70 Gy, nunca devendo a dose ser inferior a 60
Gy, em fracionamento convencional.
QUE DOENTES PODEM
BENEFICIAR DE RADIOTERAPIA
PÓS-OPERATÓRIA, QUE VOLUMESALVO DEVEM SER INCLUÍDOS E
QUAIS AS DOSES IDEAIS?
Os doentes com alto risco de recorrência loco-regional, nomeadamente os que apresentam
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
O papel da radioterapia no carcinoma pulmonar de não pequenas células
envolvimento ganglionar mediastínico inesperado
após cirurgia (pN2), extensão extra-capsular (EEC)
e margens positivas, podem beneficiar de RT adjuvante. No caso de margens positivas, o tratamento deverá ser QTRT concomitante. Se se tratar
de N2 ou EEC, a terapêutica recomendada é sequencial (QT → RT).
As doses a administrar deverão ser entre 50-54
Gy, se N2 com margens negativas; com boost
até 60-66 Gy no caso de EEC; 54-60 Gy, no caso
de margens positivas por doença microscópica e
60-70 Gy, se doença macroscópica.
Não há muita literatura disponível que descreva o que incluir nos volumes a tratar, talvez pelo
facto de este tema não ser ainda consensual. Alguns autores sugerem, se as margens cirúrgicas
forem positivas e pN0, que o volume-alvo corresponda apenas ao leito tumoral; no caso de N2,
deverão incluir-se as áreas ganglionares invadidas,
de acordo com o constatado em exames imagiológicos e anátomo-patológicos, o coto brônquico
homolateral, a região hilar homolateral, e toda a
extensão possível da pleura mediastínica junto ao
leito tumoral. Além das áreas ganglionares atingidas, segundo os mesmos autores, o volume-alvo
mediastínico deverá incluir, de forma sistemática,
as áreas ganglionares 4 e 7, e as áreas ganglionares 5 e 6, para tumores à esquerda5.
EM QUE CONTEXTO PODERÁ
HAVER LUGAR PARA A
REIRRADIAÇÃO PULMONAR?
As indicações específicas de reirradiação (re-RT) devem ser decididas individualmente, tendo
em consideração o PS, comorbilidades, sintomatologia, extensão da recidiva loco-regional, metástases à distância, esperança de vida, grau de benefício da primeira irradiação, provável benefício e
capacidade de tolerância a um novo tratamento.
Existem quatro tipos de indicações para re-RT:
– Emergente sintomática – exemplo, síndrome
da veia cava superior (SVCS);
– Sintomática não emergente;
– Assintomática em risco de um evento grave –
exemplo, obstrução da via aérea;
– Assintomática com evidência radiológica de
progressão da doença6.
Doentes com um volume tumoral limitado,
sem doença extratorácica não controlada e bom
PS, podem responder a uma terapêutica de salvação. Nestes casos, deve realizar-se avaliação
histológica do tecido para confirmar a recidiva da
doença e excluir uma causa não maligna ou um
novo tumor primário. O volume a irradiar é o
volume macroscópico tumoral sendo a dose decidida individualmente, tendo em conta a intenção do tratamento, a dose inicial sobre o tumor,
os tecidos sãos e a esperança de vida do doente.
Embora ainda não tenha sido estabelecida de
forma segura a tolerância dos órgãos sãos à
re-RT, existem algumas publicações baseadas em
séries de doentes que fazem referência a valores
de tolerância.
A re-RT com doses elevadas, necessárias para
ultrapassar a radio-resistência secundária à presença de células cronicamente hipóxicas, associa-se a taxas de sobrevida superiores às da re-RT
paliativa e a melhor controlo local que a QT sistémica.
QUAL A TOXICIDADE
PULMONAR ESPERADA
COM A RADIOTERAPIA
TORÁCICA?
A evolução tecnológica verificada nas últimas
décadas, tanto a nível dos exames complementares de diagnóstico, bem como ao nível dos equipamentos, técnicas, delimitação de volumes e algoritmos de planeamento de RT, permite cada vez
um maior conhecimento da dose que o pulmão
são recebe durante o tratamento.
A pneumonite rádica (PR) é uma complicação
associada à RT, que pode ser assintomática (apenas
com tradução imagiológica), causar sintomas ligeiros, graves ou ser fatal.
Há diversos fatores que influenciam a probabilidade de desenvolver PR, como fatores dosimétricos, o uso de QT concomitante, o esquema de QT
utilizado e a reserva pulmonar do doente. Uma
meta-análise recente7 mostra que em doentes
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
43
A.C. Amado, M.I. Antunes
submetidos a QTRT concomitante, o risco de PR
está associado ao tipo de QT instituído, idade do
doente e parâmetros dosimétricos. Apesar de vários parâmetros dosimétricos serem preditivos de
eventual PR, como o V5, V13, V25 e V30, os fatores dosimétricos mais relevantes a ter em conta
são a dose média no pulmão que deverá ser inferior a 20 Gy e o V20 que deve ser mantido abaixo
de 30-35%, para um risco de PR moderada a
grave menor que 15-20%1,8.
A PR sintomática é uma importante toxicidade
clínica, ocorrendo em 15-40% dos doentes submetidos a QTRT concomitante, sendo mais frequentes o grau 2 e 3. O risco de PR é muitas
vezes um fator limitante da dose de RT a ser administrada bem como, eventualmente, da dimensão do volume a tratar. Com a SBRT, a probabilidade de PR diminui significativamente, porque
apesar da dose ser muito superior, o volume a
irradiar é de menores dimensões, as técnicas utilizadas garantem uma maior precisão, para além
de não se realizarem tratamentos concomitantes
com QT.
BRAQUITERAPIA
ENDOBRÔNQUICA,
QUANDO É UMA OPÇÃO NO
CARCINOMA PULMONAR DE
NÃO PEQUENAS CÉLULAS?
A braquiterapia endobrônquica (BTE) de alta taxa
de dose (HDR – high dose rate) consiste na colocação, através de um broncofibroscópio, de um cateter guia no brônquio e posterior aplicação de uma
fonte radioativa, que terá a possibilidade de administrar a dose de radiação prescrita junto ao tumor,
minimizando a exposição dos órgãos adjacentes.
Apesar de não estar muito difundida na maioria
dos centros, poderá ser opção no CPNPC, tanto
em tratamentos de intenção paliativa como curativa.
Como tratamento de intenção paliativa, a BTE
poderá ser usada em casos de recidiva endobrônquica de tumores da árvore brônquica previamente
submetidos a cirurgia, QT e/ou RT, podendo ser
usada isoladamente ou como complemento de
44
outras técnicas desobstrutivas ou ainda em casos
de hemoptises não controladas.
Tem indicação como tratamento com intuito
curativo, na ressecção com coto brônquico positivo, tumores in situ e estádio IA (T1N0M0) limitados
à parede brônquica, em doentes não candidatos a
cirurgia radical, ou ainda como boost em tumores
endobrônquicos (associada a RT externa) com o
objetivo de aumentar a sobrevida, o controlo local
e reduzir os efeitos secundários comparativamente
à mesma dose com RT externa.
Serão contraindicações para a realização deste procedimento, a impossibilidade do cateter
ser colocado e ultrapassar o extremo distal do
tumor, a obstrução grave da traqueia e brônquio
principal superior a 50-60%, a obstrução brônquica por compressão extrínseca, tumores periféricos, tumores volumosos que não possam ser
totalmente englobados, esperança de vida inferior a um mês e PS > 2/índice de Karnofsky (IK)
< 60%.
As complicações tardias que poderão decorrer
do tratamento são bronquite rádica, traqueomalácia, fístulas traqueo-esofágicas, necrose brônquica, sendo a de maior gravidade as hemoptises
massivas, que variam em algumas séries entre
0-32%.
Estão descritos na literatura vários esquemas
de fracionamento, entre 15-47 Gy/1-5fr, com distância de prescrição entre 0,5 e 1 cm do eixo
central do cateter, consoante a localização do
tumor. A sociedade americana de braquiterapia
(ABS) recomenda, nos casos paliativos, 20 Gy/2fr,
22,5 Gy/3fr ou 24 Gy/4fr prescritos a 1 cm do
centro do cateter; para tratamentos curativos a
ABS, recomenda 25 Gy/5fr ou 22,5 Gy/3fr, se
terapêutica única, e se o doente nunca tiver sido
submetido a RT, ou 15 Gy/2-3fr se usada como
boost, após 60 Gy/30fr ou 45 Gy/15fr a 1 cm do
eixo central do cateter. Apesar de raramente utilizada, é ainda de considerar a hipótese de realizar um boost após RT externa, também nos casos
paliativos, com o objetivo de prolongar a paliação, sendo as doses sugeridas pela ABS de 15
Gy/2-3fr ou 16 Gy/4fr, após 30 Gy/10fr de RT
externa.
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
O papel da radioterapia no carcinoma pulmonar de não pequenas células
QUAL O PAPEL DA RADIOTERAPIA
NO CONTROLO LOCAL
DA DOENÇA EM CONTEXTO
OLIGOMETASTÁTICO?
Os doentes com CPNPC estádio IV têm um
mau prognóstico, no entanto, alguns dados sugerem que doentes com metástases solitárias ou
doença metastática limitada (≤ 5), beneficiam de
um aumento da sobrevida livre de doença e sobrevida global após terapêuticas ablativas locais (cirurgia ou RT)9.
A técnica de RT utilizada é sobretudo a SBRT,
que permite a destruição de clones tumorais resistentes às terapêuticas sistémicas. Os fracionamentos utilizados dependem de várias condições,
como o número, a localização e o volume das lesões. Atualmente, existe um interesse elevado na
associação da SBRT e moduladores imunitários
sistémicos, uma vez que desta combinação podem
resultar respostas sistémicas que aumentam o efeito da RT10.
–
–
EM QUE SITUAÇÕES
DE URGÊNCIAS ONCOLÓGICAS
SE DEVE FAZER RADIOTERAPIA?
–
A única emergência em RT, que deve ser iniciada em 24 h após o diagnóstico, é a compressão
medular. A RT paliativa de urgência, útil no tratamento de sintomas da doença primária ou metastática quando estes têm impacto sobre o risco de
vida e/ou quando é necessário prevenir o desenvolvimento de um dano irreversível, deve ser administrada tão precocemente quanto possível:
– Síndrome de compressão medular: o CPNPC é
um dos tumores que com maior frequência
provoca este síndrome, associado a metástases
ósseas vertebrais, intradurais ou intramedulares ou pela invasão tumoral direta de neoplasias adjacentes.
O objetivo do tratamento é manter a função
neurológica, assim como diminuir e/ou resolver
a sintomatologia dolorosa. Os principais fatores de prognóstico sobre a sobrevivência e função neurológica são o estado ambulatório do
–
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
doente na altura do diagnóstico e o início precoce do tratamento.
Doentes com uma única lesão e esperança de
vida maior que três meses, devem realizar
cirurgia seguida de RT, e os com pior prognóstico, não candidatos a cirurgia, devem
realizar RT. Os esquemas mais frequentemente utilizados são 30 Gy/10fr, 20 Gy/5fr ou 8
Gy/1fr.
Síndrome da veia cava superior (SVCS): os
tumores do pulmão são a causa mais frequente de SVCS. O início do tratamento depende
da gravidade dos sintomas, devendo-se apenas realizar RT sem ter o diagnóstico histológico se existir risco de vida. Existem diversos
esquemas de fracionamento que podem variar entre 20 Gy/5fr, 30 Gy/10fr e 37,5 Gy/
15fr, ou tratamentos em sessões únicas semanais. A melhoria clínica, que ocorre em 70%
dos SVCS por tumor do pulmão, precede a
melhoria radiológica.
Obstrução da via área: tanto a RT externa
como a BTE de alta taxa de dose são opções
válidas, existindo para ambas vários fracionamentos, todos eles superiores ao convencional.
Hemoptises: se na origem desta hemorragia
estiver a invasão tumoral, o seu tratamento
com RT (RT externa ou BTE), apresenta uma
elevada taxa de resposta, devendo os esquemas de dose usados ser hipofracionados.
Metástases cerebrais: os tumores do pulmão
são dos que mais frequentemente metastizam
para o sistema nervoso central (SNC). O prognóstico dos doentes é variável, nomeadamente
com o PS, o número de lesões no SNC, a
presença e o controlo de doença noutras localizações, um intervalo prolongado até à metastização e o tipo histológico. Existem várias
escalas que permitem ajudar a estabelecer de
forma mais objetiva o prognóstico dos doentes
e assim o tratamento mais adequado.
O tratamento de RT holocraniana procura melhorar a função neurológica e, em alguns casos, aumentar a sobrevida, existindo vários
45
A.C. Amado, M.I. Antunes
fracionamentos, como 40 Gy/20fr, 37,5 Gy/
15fr, 30 Gy/10fr (o mais comum) e 20 Gy/5fr.
Fracionamentos mais prolongados, com menor
dose por fração, estão associados a uma menor toxicidade.
O recurso à cirurgia e radiocirurgia, além da RT
holocraniana, melhora a sobrevida dos doentes
com um número limitado de metástases. As
doses de prescrição de radiocirurgia recomendadas são 24, 18 ou 15 Gy, de acordo com o
volume (RTOG 90-05).
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100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Capítulo 8
Tratamento de primeira
linha do carcinoma pulmonar
de não pequenas células
E. Teixeira
QUAIS OS PRINCIPAIS
AVANÇOS NO TRATAMENTO
DE 1.ª LINHA DO CARCINOMA
PULMONAR DE NÃO
PEQUENAS CÉLULAS
METASTIZADO?
QUAL A IMPORTÂNCIA
DA HISTOLOGIA
NA DECISÃO TERAPÊUTICA
DO CARCINOMA PULMONAR
DE NÃO PEQUENAS CÉLULAS
METASTIZADO?
Em 1983 discutia-se o papel da quimioterapia
(QT) nos doentes com carcinoma pulmonar de não
pequenas células (CPNPC) metastizado. A investigação clínica limitava-se a comparar a QT com a
melhor terapêutica de suporte devido à duvidosa
eficácia dos agentes citotóxicos, produzindo baixas
taxas de resposta, elevada toxicidade e questionável benefício na sobrevivência1. Contudo, a meta-análise de 1995 demonstrou aumento da sobrevivência dos doentes com CPNPC avançado
tratados com dupleto baseado em platino em relação aos doentes que receberam apenas melhor
terapêutica de suporte com um hazard ratio (HR)
de 0,73. Estes resultados originaram duas décadas
de investigação, com o objetivo de encontrar melhores regimes.
Até recentemente, o tratamento era uniforme,
não havendo necessidade de distinguir os vários
subtipos histológicos por não influenciar a decisão
terapêutica2.
De todas as mudanças que ocorreram no
cancro do pulmão (CP), a terapêutica personalizada pela histologia, o uso de marcadores moleculares e a terapêutica de manutenção são
importantes avanços com influência na sobrevivência dos doentes.
A estratégia terapêutica deve ter em conta a
histologia, determinação molecular, idade, performance status (PS), comorbilidades e preferência do
doente3.
A maior toxicidade do bevacizumab no carcinoma de células escamosas e superior eficácia do
pemetrexedo no carcinoma de células não escamosas enfatizam a necessidade de um diagnóstico histológico preciso. Além disso, os marcadores
moleculares, incluindo o estado mutacional do
recetor do fator de crescimento epidérmico
(EGFR) e translocação da cinase do linfoma
anaplásico (ALK), encontram-se predominantemente nos adenocarcinomas e são, cada vez
mais, determinantes importantes da seleção terapêutica2.
Em abril de 2008, a European Medicines Agency (EMA) aprovou o pemetrexedo em combinação
com cisplatino no tratamento de primeira linha dos
doentes com CPNPC com histologia predominantemente não escamosa. A aprovação foi baseada
no ensaio clínico de fase III (JMDB) que demonstrou significativo aumento da sobrevivência dos
doentes tratados com pemetrexedo/cisplatino em
relação ao grupo tratado com gemcitabina/cisplatino na histologia não escamosa. Nos doentes com
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
47
E. Teixeira
carcinoma de células escamosas, a terapêutica
com um dupleto baseado em platino e um agente
de 3.ª geração como a gemcitabina, taxano ou
vinorelbina permanece a principal opção terapêutica.
Finalmente, os biomarcadores moleculares
revolucionaram a abordagem do CPNPC avançado pela descrição de mutações ativadoras do
EGFR e da translocação do ALK e pela sensibilidade desses tumores associada aos respetivos
inibidores1.
NA PRÁTICA CLÍNICA,
QUAIS OS BIOMARCADORES
DETERMINANTES DA OPÇÃO
TERAPÊUTICA?
Avanços na caracterização molecular do
CPNPC levaram à identificação de subgrupos de
doentes distintos, definidos molecularmente e que
obtêm benefício das terapêuticas targeted. Os inibidores da tirosina cinase (TKI) orais dirigidos ao
EGFR, tornaram-se uma modalidade de tratamento indispensável do CPNPC avançado.
Os doentes com adenocarcinoma e mutação
do EGFR tratados com TKI de 1.ª geração têm
sobrevivência mediana que oscila entre 24-30
meses em contraste com o plateau histórico dos
10 meses obtidos com QT baseada em platino,
em populações não selecionadas pelo perfil molecular.
Os estudos de fase III demonstraram que a
mutação do EGFR é preditiva de resposta aos TKI
e o uso destes biomarcadores é aceite como o
paradigma da terapêutica individualizada baseada
no genótipo. No adenocarcinoma, o teste do EGFR
deve ser prioritário em relação a outros marcadores moleculares seguido do ALK. A evidência atual
é insuficiente para recomendar outros marcadores4.
Recentemente, vários estudos exploraram a
possibilidade de detetar a mutação do EGFR no
ADN tumoral circulante a partir de amostras do
plasma ou soro como substituto de amostras de
tecido tumoral. A concordância do estado da mutação entre as amostras de sangue e tecido variam
48
entre 59,1-92%, com mínima taxa de falsos positivos e variável taxa de falsos negativos3.
O teste da mutação KRAS não é recomendado
como determinante da terapêutica com TKI do
EGFR.
QUANDO E A QUEM FAZER
A PESQUISA DE
BIOMARCADORES?
Considera-se que o teste molecular do EGFR
e ALK deve ser usado para selecionar doentes
para tratamento com TKI. Os doentes não devem
ser excluídos com base nas características clínicas. Devem ser testados todos os adenocarcinomas ou tumores mistos, com componente de
adenocarcinoma. São excluídos os escamosos
puros, exceto se forem não fumadores. Lesões
do tumor primário ou metástase são igualmente
adequadas para o teste. Tumores primários simultâneos devem ser testados separadamente.
As pesquisas da mutação do EGFR e rearranjo do
ALK devem ser efetuadas na altura do diagnóstico em doentes com estádio IV, na recorrência
ou progressão, em doentes que inicialmente tiveram doença mais precoce. A decisão de testar
os estádios mais precoces deve ser tomada localmente, de acordo com o laboratório e a equipa
de oncologia3,5.
Como demonstrado em vários estudos de fase III,
as mutações ativadoras do EGFR são preditivas de
resposta aos TKI, resultando um aumento da taxa
de resposta, sobrevivência livre de progressão (PFS)
e qualidade de vida (QV), bem como melhor tolerabilidade quando comparados com QT de 1.ª linha.
Os TKI do ALK podem controlar a atividade
ALK, devendo o teste ser efetuado por rotina na
mesma população do EGFR em paralelo com este
ou sequencial.
Apesar dos melhores resultados dos doentes
com mutações do EGFR e translocação ALK tratados com TKI específicos, eventualmente todos os
doentes progridem por aparecimento de resistência. Vários mecanismos foram identificados originando o desenvolvimento de novas moléculas,
muitas ainda em ensaio clínico3.
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Tratamento de primeira linha do CPNPC
OS INIBIDORES DA TIROSINA
CINASE DO RECETOR DO FATOR
DE CRESCIMENTO EPIDÉRMICO
TÊM EFICÁCIA E TOXICIDADE
SEMELHANTES?
Em 2004 foi descrita a mutação de ativação do
EGFR no CPNPC que torna os tumores sensíveis
aos TKI. As mutações ativadoras mais comuns são
a deleção no exão 19 e a mutação no exão 21. As
mutações no exão 18 são raras e geralmente ativadoras, enquanto que as mutações no exão 20
conferem resistência aos TKI6.
Algumas evidências sugerem que a deleção do
exão 19 está associada a um melhor resultado ao
tratamento com TKI, quando comparada com a
mutação do exão 21.
Erlotinib e gefitinib são inibidores reversíveis do
EGFR de 1.ª geração, enquanto o afatinib é um
inibidor irreversível de 2.ª geração da família ErbB
(HER-1 e HER-2). O bloqueio irreversível in vitro
demonstrou ultrapassar a resistência da mutação
específica no exão 20 T790M, que é uma das
principais razões para a resistência. Os três TKI
foram investigados em nove ensaios clínicos de
fase III, em doentes com CPNPC metastizado com
a mutação do EGFR, em comparação com QT baseada em platino que englobaram 1.774 doentes.
Em todos se verificou uma vantagem da PFS estatisticamente significativa, superior taxa de resposta
e melhor QV dos doentes tratados com TKI em
relação à QT. Possivelmente devido à taxa de crossover não foram detetadas diferenças na sobrevida
global6,7. Dos três TKI aprovados, gefitinib, erlotinib e afatinib, ainda não existem resultados de
estudos comparativos diretos de eficácia. Das meta-análises dos estudos, foram efetuadas comparações indiretas para estimar o risco/benefício associado a cada fármaco6,7.
Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os diferentes TKI. É suposto que o afatinib seja mais eficaz em doentes
com mutações raras. Em modelos in vitro, está
descrita potencial atividade na presença de T790M.
Os resultados finais do LUX-Lung 3 e do LUX-Lung 6 demonstraram aumento da sobrevivência
global dos doentes tratados com afatinib em relação à QT (HR: 0,81; p = 0,0374). O efeito do
afatinib foi superior nos tumores com a deleção
19 (HR: 0,59; p = 0,0001). O aumento de sobrevivência com TKI não tinha sido observado em
nenhum dos estudos anteriores.
Podemos pensar que, atualmente em relação
à terapêutica targeted, não basta ser específica da
mutação, deve também ser específica do exão.
Em relação ao perfil de segurança, existem
algumas diferenças entre os TKI, sendo a diarreia
a principal toxicidade do erlotinib, a hipertransaminasémia do gefitinib, e o rash, a mucosite e a
diarreia do afatinib. O gefitinib tem apenas uma
dose disponível, enquanto o erlotinib e o afatinib
têm três doses diferentes que podem beneficiar
o ajuste de dose para limitar a toxicidade. A
escolha do fármaco no tratamento destes doentes será o balanço entre eficácia e o perfil de
tolerabilidade6.
Os doentes com mutação do EGFR e PS 3-4 também podem ser tratados com TKI em 1.ª linha3.
Nos doentes com EGFR wild-type não estão recomendados TKI em 1.ª linha, sendo os resultados
inferiores à QT3. A combinação de erlotinib com
bevacizumab demonstrou aumento da PFS de
6,3 meses (HR: 0,54; p = 0,0015); no entanto o
TKI em monoterapia é ainda a terapêutica standard para os doentes com mutações do EGFR.
COMO TRATAR OS DOENTES COM
TRANSLOCAÇÃO DA CINASE DO
LINFOMA ANAPLÁSICO?
O gene de fusão EML4-ALK está presente
em cerca de 5% dos doentes com CPNPC mas,
devido à prevalência do CP, este subgrupo atinge por ano mais de 50.000 doentes a nível
mundial.
O rearranjo do ALK é mais frequente em doentes jovens, não fumadores e com CPNPC do tipo
adenocarcinoma com células em anel de sinete.
O crizotinib é uma pequena molécula do grupo
dos TKI com múltiplos alvos, bloqueando os recetores dos genes de fusão EML4-ALK e inibindo
também o MET e ROS-1.
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
49
E. Teixeira
No primeiro estudo de fase III com crizotinib,
conhecido por PROFILE 1007, fez-se a comparação
com QT standard (pemetrexedo ou docetaxel) em
doentes com CPNPC, ALK positivo, previamente
tratados com QT de 1.ª linha. O crizotinib duplicou
a PFS para uma mediana de 7,7 meses comparado
com três meses para a QT (HR: 0,49; p < 0,0001),
a taxa de resposta de 65 vs 20% (p < 0,0001) e
melhor controlo dos sintomas e QV. Devido à elevada taxa de crossover, a sobrevivência foi semelhante nos dois grupos.
Na primeira linha, o estudo do PROFILE 1014,
comparativo do crizotinib vs pemetrexedo/platino
na análise final, demonstrou um aumento de PFS
de 7,0 meses para 10,9 meses (HR: 0,45; p <
0,0001) e resultados de sobrevivência ainda não
atingidos.
Segundo as guidelines da ESMO 2014, os
doentes portadores do rearranjo do ALK devem ser
tratados com crizotinib durante o curso da sua
doença3. Enquanto se aguarda aprovação do crizotinib em 1.ª linha pela EMA, os doentes são
tratados com um dupleto de platino habitualmente contendo pemetrexedo, ficando o crizotinib
reservado para a progressão.
Em ensaio clínico, o crizotinib demonstrou
elevada eficácia nos doentes com rearranjo ROS1, com taxa de resposta de 72% e PFS de 19,2
meses. O rearranjo ROS1 é mutuamente exclusivo das mutações do KRAS, EGFR e translocação
ALK.
O aparecimento de resistência originou investigação de inibidores ALK de 2.ª geração que demonstraram atividade em doentes que deixaram
de responder ao crizotinib. O ceritinib é altamente
ativo, mesmo em doentes previamente tratados
com crizotinib.
QUAIS AS INDICAÇÕES
E OPÇÕES DA TERAPÊUTICA
DE MANUTENÇÃO?
Na avaliação de vários estudos de QT de 1.ª
linha para CPNPC avançado, 50% dos doentes
não recebem tratamento de 2.ª linha considerando
uma das limitações do watch and wait.
50
Até recentemente, continuar tratamento para
além de 4-6 ciclos não melhorava a sobrevivência
e acrescia toxicidade.
A terapêutica de manutenção tem sido extensamente investigada com o objetivo de aumentar
a sobrevivência, atrasando a progressão da doença e impedindo o agravamento dos sintomas. Iniciar um tratamento imediatamente após quatro
ciclos de 1.ª linha quando existe estabilização ou
resposta objetiva com um agente da combinação
da QT inicial (manutenção de continuação), ou
introdução de um novo agente (manutenção de
switch), é uma opção individualizada e baseada na
histologia, resposta ao tratamento e perfil de toxicidade.
A manutenção de continuação utiliza um
agente efetivo durante o regime de indução, descontinuando o fármaco com maior toxicidade,
para continuar o benefício já demonstrado com
maior segurança de um agente único. Tem potenciais benefícios por ser conhecida a tolerabilidade
da terapêutica de indução, por maximizar o benefício da 1.ª linha e por manter maior número de
fármacos disponíveis para a progressão da doença.
No ensaio clínico Paramount, há vantagem estatisticamente significativa na PFS, e sobrevivência
global na manutenção com pemetrexedo, após
tratamento inicial com quatro ciclos de platino/
pemetrexedo. Todos os subgrupos analisados demonstraram benefício na sobrevivência (CR/PR e
SD), com redução do risco de morte de 22% (HR:
0,78) e aumento de três meses na sobrevivência
mediana8.
A manutenção de switch utiliza um fármaco
diferente na manutenção dos usados em indução
para expor o doente a um fármaco com diferente
mecanismo de ação. No estudo SATURN com erlotinib vs placebo após quatro ciclos de dupleto de
platino sem progressão, verificou-se um aumento
estatisticamente significativo da PFS e sobrevivência mediana do grupo com erlotinib, independentemente da histologia. Houve aumento da sobrevivência apenas nos doentes que obtiveram na
terapêutica de indução uma estabilização. Os
doentes com mutação do EGFR tiveram maior amplitude do benefício.
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Tratamento de primeira linha do CPNPC
A seleção do tipo de manutenção deve ser
individualizada tendo em conta a histologia, resposta da QT prévia, toxicidade, PS e preferência do
doente3,4,8. As guidelines atuais recomendam a
manutenção após realização de 4-6 ciclos de dupleto baseado em platino em 1.ª linha em doentes
com CPNPC metastizado com PS 0-1 e sem progressão.
O DOENTE IDOSO DEVE TER
UMA TERAPÊUTICA DIFERENTE?
Não há uma definição standard ou uma idade
limite a partir da qual se considera um idoso. Fisiologicamente, 70 anos podem ser apropriados
devido ao aumento das alterações relacionadas
com a idade e que incluem o declínio da função
renal, hepática e medula óssea. Adicionalmente, o
idoso com CP tem muitas vezes significativas comorbilidades a nível cardiovascular e pulmonar,
normalmente relacionadas com os hábitos tabágicos. O CP é uma doença predominantemente do
idoso, estimando-se que cerca de 68% são diagnosticados em doentes com ≥ 65 anos. Apesar
desta estatística, o idoso continua a estar menos
representado nos ensaios clínicos que estabelecem
a terapêutica standard.
Para planear o tratamento do idoso, deve ser
efetuada uma avaliação multidimensional geriátrica, incluindo não apenas as comorbilidades mas
também o estado funcional, mental e nutricional.
A idade, por si, não deve ditar as decisões do
tratamento nos doentes com CPNPC avançado. O
idoso com bom PS tem melhor sobrevivência e QV
quando tratado com QT em comparação com a
melhor terapêutica de suporte.
Na doença metastizada, de acordo com os dados de estudos prospetivos de fase II e III especialmente desenhados para esta população, a QT em
monoterapia com agentes de terceira geração é
considerada standard em doentes não selecionados. No entanto, em estudos aleatorizados, quando
se analisa a subpopulação de idosos com PS de 0-1
e com poucas comorbilidades, o benefício da QT
combinada com platino é semelhante à restante
população, tanto em sobrevivência como em QV.
Assim, a QT baseada em platino é a opção
preferencial no idoso com PS 0-1 e adequada função de órgãos, enquanto a monoterapia é o tratamento recomendado para doentes frágeis ou
com comorbilidades que determinam maiores efeitos adversos relacionados com o tratamento3.
A administração de TKI (gefitinib/erlotinib/afatinib) em 1.ª linha só se justifica nos doentes com
mutação ativadora do EGFR.
QUAL A IMPORTÂNCIA DAS
COMORBILIDADES E DO
PERFORMANCE STATUS NA
DECISÃO TERAPÊUTICA?
O PS é uma medida de avaliação do bem estar
geral dos doentes, muitas vezes utilizada para
determinar o tipo de terapêutica a administrar,
sendo um dos fatores de prognóstico mais importantes de sobrevivência dos doentes com CPNPC.
Devido ao seu caráter subjetivo, nem sempre é
fácil a interpretação dos resultados. Segundo a
escala de Zubrod (ECOG), PS 2 é definido como
ambulatório mais de 50% do tempo e capaz de
cuidar de si próprio, mas incapaz de exercer atividade laboral.
Os doentes com mau PS têm uma incidência
aumentada de efeitos adversos relacionados com
a terapêutica e pior resultado que os que têm bom
PS, mas há uma população selecionada que pode
beneficiar do tratamento standard. A QT prolonga
a sobrevivência e aumenta a QV em doentes com
CPNPC com PS 2 quando comparada com a melhor terapêutica de suporte. A monoterapia é muitas vezes a opção preferencial; no entanto, a análise de subgrupos de estudos de fase III revela
superioridade de combinações baseadas em carboplatino em relação à monoterapia, com perfil de
toxicidade aceitável. O Cancer and Leukemia
Group B (CALGB) comparou carboplatino/paclitaxel vs paclitaxel em monoterapia em doentes com
PS 2. Os que receberam terapêutica combinada
tiveram significativa maior taxa de resposta e sobrevivência em relação aos tratados só com paclitaxel. Noutro estudo aleatorizado com utilização
de pemetrexedo vs carboplatino/pemetrexedo em
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
51
E. Teixeira
doentes com PS 2, verificou-se um aumento significativo da sobrevivência global com a terapêutica
combinada, embora com maior toxicidade.
Por isso, a QT com combinações baseadas em
carboplatino pode ser uma alternativa à monoterapia em doentes selecionados com PS 2. Nos
doentes com PS 3-4 deve ser proporcionada a
melhor terapêutica de suporte na ausência de documentação de mutação ativadora do EGFR3.
As comorbilidades também influenciam a decisão terapêutica, não só porque podem causar
maior toxicidade do tratamento diminuindo a
possibilidade de o completar, como o tratamento
pode exacerbar a doença de base. Na avaliação
de vários estudos, os doentes com CPNPC avançado com índice de comorbilidade de Charlson
(CCI), scores ≥ 2, descontinuam mais frequentemente a QT.
Na prática clínica, deve ser implementado um
método estandardizado de avaliação das comorbilidades que incorpore um score de risco para prever a toxicidade da quimioterapia.
QUAIS AS PERSPETIVAS
DE NOVOS FÁRMACOS NO
TRATAMENTO DE 1.ª LINHA
DO CARCINOMA PULMONAR DE
NÃO PEQUENAS CÉLULAS?
Com os dupletos de platino a sobrevivência a
um ano é de 30-50%. Os tratamentos dirigidos a
mutações ativadoras são mais eficazes mas beneficiam apenas um pequeno subgrupo de doentes.
Espera-se que os inibidores checkpoint preencham
esta lacuna no tratamento do CPNPC. Os dados
recentes da imunoterapia aplicada ao CP têm demonstrado resultados promissores. Os inibidores
checkpoint, particularmente PD-1 (programmed
cell death-1) e PD-L1 (programmed death-ligand 1)
em monoterapia ou em combinação, poderão alterar a abordagem terapêutica do CPNPC. Os dados preliminares dos ensaios clínicos demonstram
que os respondedores têm respostas duráveis e que
este tipo de terapêutica pode ser eficaz em muitos
doentes, incluindo fumadores e não fumadores,
independentemente do tipo histológico9. Dos
52
inibidores PD-1, tanto o nivolumab como o pembrolizumab têm demonstrado atividade em doentes previamente tratados com histologia escamosa
ou não escamosa. A resposta é mais evidente nos
tumores que expressam PD-L1, mas também se
observa resposta em doentes PD-L1 negativos9. Em
1.ª linha, os resultados preliminares dos estudos de
fase I com nivolumab em monoterapia demonstraram respostas precoces e prolongadas, perfil encorajador de PFS e sobrevivência global, sendo a
expressão de PD-L1 um potencial biomarcador de
atividade. Também se encontra em investigação a
combinação de nivolumab com ipilimumab, nivolumab com dupleto de platino e nivolumab com
erlotinib. Dos inibidores PD-L1, o MPDL3280A e o
MEDI4736 também demostraram atividade superior em PD-L1 positivos.
Os inibidores ALK de segunda geração foram
escolhidos não pela sua atividade após crizotinib,
mas pelo benefício a nível da doença no sistema
nervoso central (SNC). O benefício do crizotinib no
SNC é limitado. O ceritinib demonstrou atividade
após tratamento inicial com crizotinib, sendo aprovado pela Food and Drug Administration (FDA)
nesta indicação. O alectinib e o AP26113 revelaram respostas elevadas no SNC, mas ainda se
aguarda a duração da resposta. O estudo em curso ALEX compara alectinib com crizotinib, em
doentes sem terapêutica prévia com TKI, sendo um
dos objetivos secundários o tempo para a progressão no SNC10. O AP26113 demonstrou benefício
num pequeno grupo de doentes (< 5%), ALK positivos e EGFR mutados.
Os inididores do EGFR de terceira geração têm
um papel importante na resistência adquirida. Infelizmente os doentes com mutações do EGFR e
tratados com TKI progridem após nove a 10 meses.
Os mecanismos de resistência reportados incluem
mutações T790M (50-60% dos casos), transformação em carcinoma de pequenas células e ativação
de outras vias como MET, FGFR e AXL, amplificação
HER2. Os dois fármacos de 3.ª geração, AZD9291
e CO-1686 (rociletinib), têm atividade significativa
contra a mutação do EGFR standard e T790M com
toxicidade cutânea e intestinal menor que a das
gerações anteriores.
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Tratamento de primeira linha do CPNPC
Os inibidores PARP (poly-ADP-ribose polymerase) aumentam a eficácia do platino, interferindo
com a reparação do ADN lesado, sensibilizando as
células tumorais à QT e radioterapia. Em estudo
de fase II, a adição de veliparib ao carboplatino/
paclitaxel demonstrou benefício clínico na PFS e
sobrevivência global em doentes sem tratamento
prévio com CPNPC metastizado, particularmente
na histologia escamosa, sem aumento da toxicidade. Baseado nestes resultados, está em curso um
estudo de fase III (M11-089) em doentes com
CPNPC com histologia escamosa.
O necitumumab (IMC-11F8), anticorpo monoclonal IgG1 totalmente humanizado que bloqueia
o ligando ao EGFR, demonstrou no estudo de fase
III SQUIRE, aumento da sobrevivência em doentes
com CPNPC metastizado com histologia escamosa
em combinação com gemcitabina/cisplatino em
tratamento de 1.ª linha. Aguarda aprovação para
este grupo de doentes.
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a phase 1/2 study. Lancet Oncol. 2014; 15:1119-28.
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
53
Capítulo 9
Tratamento do carcinoma
pulmonar de não pequenas células
após progressão de primeira linha
M. Felizardo
EXISTE TERAPÊUTICA STANDARD
DE 2.ª LINHA PARA O CARCINOMA
PULMONAR DE NÃO PEQUENAS
CÉLULAS?
Neste momento, existem três fármacos aprovados pelas entidades reguladoras para terapêutica de 2.ª linha em doentes com carcinoma pulmonar de não pequenas células (CPNPC): docetaxel,
pemetrexedo e erlotinib1; exceção para os doentes
com translocação positiva da cinase do linfoma
anaplásico (ALK) que deverão ser tratados com
crizotinib.
A terapêutica de 2.ª linha deve ser proposta a
todos os doentes em progressão após terapêutica
de 1.ª linha com um performance status (PS), escala de ECOG, entre 0 e 22.
Estudos demonstraram que, em 2.ª linha, não
existe qualquer benefício, nomeadamente no aumento da sobrevivência global (SG), em fazer regimes combinados de fármacos versus tratamentos com agentes únicos. A opção terapêutica de
2.ª linha deve contemplar sempre um fármaco não
utilizado em 1.ª linha. Em 2003, o docetaxel foi
recomendado pela primeira vez como 2.ª linha,
após progressão de 1.ª linha com quimioterapia
(QT) à base de um dupleto de platina em doentes
com PS adequado. Foram dois os principais estudos
de fase III aleatorizados, realizados em 2000, que
estiveram na base desta recomendação. Num dos
estudos, foi feita a comparação com doses de 100
e de 75 mg/m2 de docetaxel vs best supportive
care (BSC), que demonstrou tempo mediano para
a progressão mais longo (10,6 vs 6,7 semanas),
uma maior sobrevivência mediana (7 vs 4,6 meses) e uma taxa de sobrevivência a um ano superior (37 vs 12%) face à BSC. Um segundo estudo
com três braços, com doses de 100 e 75 mg de
docetaxel, e vinorelbia ou ifosfamida, demonstrou uma melhor taxa de resposta e melhor
sobrevivência a um ano para o braço de 75 mg/
m2 de docetaxel vs vinorelbina/ifosfamida (32 vs
19%). Ambos os estudos estabeleceram, com base
no perfil de toxicidade, o docetaxel na dose de 75
mg/m2, de 21 em 21 dias, como o standard of
care da terapêutica de 2.ª linha. Em 2004, num
estudo de não inferioridade de pemetrexedo vs
docetaxel com 571 doentes, demonstrou-se que,
quer o pemetrexedo quer o docetaxel, apresentaram respostas idênticas no que concerne à taxa
de resposta global (9,1 vs 8,8%), à sobrevivência
livre de progressão (SLP) (2,9 meses), à sobrevivência mediana (8,3 vs 7,9 meses) e à taxa de
sobrevivência a um ano (29,7%). Este estudo cumpriu o objetivo de não inferioridade e demonstrou
uma toxicidade hematológica associada ao pemetrexedo francamente menor. Uma análise retrospetiva comparou as sobrevivências dos CPNPC escamosos e dos não escamosos tratados com
pemetrexedo vs docetaxel (respetivamente: 6,2 vs
7,4 meses e 9,3 vs 8 meses), mostrando eficácia
superior do pemetrexedo nos não escamosos. Em
20053, apresentaram-se os resultados de um estudo de fase III, de erlotinib vs placebo. Foram aleatorizados doentes com QT prévia e PS 0-3, numa
relação 2:1 para erlotinib, na dose de 150 mg/dia.
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
55
M. Felizardo
A SLP foi 2,2 vs 1,8 meses, e a SG de 6,7 vs 4,7
meses (erlotinib vs placebo). A toxicidade do braço
do erlotinib não foi desprezível, principalmente o
rash (76 vs 17%) e a diarreia (55 vs 19%). Em
2012, um estudo aleatorizado demonstrou equivalência do erlotinib vs pemetrexedo ou docetaxel,
em doentes cujo status do recetor do fator de
crescimento epidérmico (EGFR) não foi critério
de seleção. Em suma, é recomendado o pemetrexedo na histologia não escamosa, o docetaxel
independentemente da histologia ou o erlotnib
que poderá ser usado em doentes com PS 0-3,
independentemente da histologia e do status do
EGFR1. Contudo, estudos recentes demonstraram
que, em indivíduos EGFR wild-type (wt), o docetaxel pode ser superior em 2.ª linha. Também em
2013, um estudo com 222 doentes com CPNPC
EGFRwt demonstrou superioridade do docetaxel
em 2.ª linha vs erlotinib, relativamente à SG e à
SLP. No estudo DELTA, em 2014, foi feita a análise
de subgrupos de um ensaio clínico de fase III, erlotinib vs docetaxel, em segunda e terceira linhas,
tendo demonstrado que, em doentes EGFRwt, a
SLP e a taxa de resposta foram superiores para o
docetaxel, sem benefício na SG.
O século XXI trouxe aos clínicos a possibilidade
de proporem a terapêutica de 2.ª linha no tratamento do CPNPC, como a conhecemos hoje, mas
vários estudos estão em curso, tanto com associações de fármacos já conhecidos como de novos
agentes4, que poderão alterar a nossa visão neste
campo.
QUAIS OS OBJETIVOS DA
TERAPÊUTICA DE 2.ª LINHA?
Como sabemos, mesmo com todos os avanços
dos últimos anos, a nível de cirurgia, radioterapia,
terapêuticas alvo e de manutenção e, embora cada
vez mais os doentes tenham hipótese de ter uma
terapêutica tailored, a percentagem dos que atingem a 2.ª linha ronda os 30-50%. Os objetivos
desta terapêutica são a melhoria sintomática e o
aumento da SLP, da taxa de controlo da doença e
da qualidade de vida (QV) associados à menor
toxicidade possível.
56
HÁ CRITÉRIOS DE SELEÇÃO PARA
A TERAPÊUTICA DE 2.a LINHA?
Em teoria, a todos os doentes com PS 0-2, que
clínica ou radiologicamente progridem após 1.ª
linha de terapêutica, pode ser oferecida uma terapêutica de 2.ª linha2. Cabe ao clínico, tendo em
conta a histologia, a biologia molecular, a idade,
o PS e as comorbilidades, decidir de acordo com
a preferência do doente, qual a terapêutica mais
adequada. A resposta, o tempo para a progressão
e as toxicidades relacionadas com a 1.ª linha têm
um papel fulcral na seleção da 2.ª linha.
Com o objetivo de avaliar a preferência do
doente, foi feita uma pesquisa5 com 464 doentes
com cancro do pulmão (CP) em que se constatou
que 73% escolheria um regime de QT. Os efeitos
colaterais considerados mais importantes ao escolher a QT foram as náuseas/vómitos, o risco de
infeção, a astenia e a alopécia. Apenas 25% afirmaram ter discutido com o seu médico a escolha
de um regime de QT com base no seu perfil de
toxicidade. Quer o docetaxel quer o pemetrexedo
exigem pré-medicação com corticosteroides e alguns doentes, com má tolerância ou efeitos secundários associados, preferem o erlotinib. Além do
mais, sendo o erlotinib, um agente oral e associado a um menor número de consultas de follow-up,
poderá ser mais conveniente para alguns deles. É
um medicamento que requer um cumprimento diário, e cujas questões estéticas associadas ao rash
devem ser discutidas individualmente. O docetaxel
tem uma taxa mais elevada de neurotoxicidade e,
em alguns doentes, este efeito colateral pode condicionar a sua preferência, bem como a alopécia,
que poderá levar o doente a escolher o pemetrexedo ou o erlotinib (6,4 e 0%, respetivamente).
As comorbilidades dos doentes podem ter impacto na seleção da 2.ª linha, como a insuficiência
renal. Por exemplo, o pemetrexedo está contraindicado em doentes com uma taxa de filtração
glomerular inferior a 40 ml/min; o erlotinib pode
ser administrado a doentes com insuficiência renal;
o docetaxel pode ser administrado a doentes com
insuficiência renal, mas devem ser feitos ajustes de
dose se houver insuficiência hepática. A neutropenia
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Tratamento do CPNPC após progressão de primeira linha
febril é a complicação da QT com maior risco de
vida; os fatores de risco para o seu desenvolvimento incluem mau PS, doença em estádio avançado,
idade avançada e QT prévia; dos agentes de 2.ª
linha, o erlotinib e o pemetrexedo têm registado
taxas menores de neutropenia febril sendo, por
isso, os preferidos em caso de risco elevado.
É fundamental que, na seleção da 2.ª linha, se
tenham em consideração as toxicidades da 1.ª linha
visto que, como vimos, os fármacos de 2.ª linha têm
perfis de toxicidade diferentes.
O desenvolvimento de novas opções terapêuticas para doentes com pior PS, ou que progridem
rapidamente após 1.ª linha, são uma área de investigação emergente.
QUAL A MELHOR ABORDAGEM DO
DOENTE COM MUTAÇÃO DO
RECETOR DO FATOR DE
CRESCIMENTO EPIDÉRMICO
TRATADO COM INIBIDORES DA
TIROSINA CINASE, QUE PROGRIDE?
Indiscutivelmente, os doentes com mutação
EGFR devem ser tratados com inibidores da tirosina cinase (TKI) em 1.ª linha. Contudo, sabemos
que, mais cedo ou mais tarde, o tumor adquire
resistência-primária/intrínseca ou secundária/adquirida. Também sabemos que, por vezes, quando
se suspende o TKI, há um flare da doença dada a
sua heterogeneidade (provavelmente existem clones do tumor resistentes e outros que continuam
a responder). Doentes com EGFR mutado que progrediram após TKI beneficiam de terapêutica com
QT vs BSC, quer a nível da SLP, quer da SG6. A
questão é se a QT deve ser ou não combinada com
o TKI. O estudo de fase III, LUX-LUNG 57, comparou, após progressão com TKI, afatinib com paclitaxel versus QT à escolha do investigador, e demonstrou que a combinação revelou aumento da
SLP. O estudo de fase III, IMPRESS8, que envolveu
265 doentes, teve como objetivo comparar cisplatino/pemetrexedo com gefitinib vs cisplatino/pemetrexedo com placebo. O seu objetivo principal
foi avaliar a SLP, e esta foi de 5,4 meses. A SG
mediana foi de 14,8 vs 17,2 meses com cisplatino/
pemetrexedo e gefitinib vs QT. Este foi o primeiro
e único estudo aleatorizado de fase III que demonstrou que, quando os tumores adquirem resistência ao gefitinib, não há qualquer benefício clínico em manter o TKI em associação ao dupleto
de platina. Há pequenos estudos de fase II que
demonstraram haver benefício em manter o TKI
mesmo após progressão, segundo critérios RECIST
(Response Evaluation Criteria in Solid Tumors).
As guidelines do National Comprehensive Cancer Network (NCCN) de 20149 sugerem que, após
progressão com TKI, os doentes assintomáticos deverão manter TKI assim como também os sintomáticos, mesmo com metástases únicas/múltiplas cerebrais ou únicas sistémicas, fazendo terapêutica
dirigida às metástases. A suspensão do TKI deve ser
apenas nos casos de metastização múltipla sistémica. Na prática, em Portugal, após progressão com
TKI está recomendada QT com dupleto de platina.
Esta é uma área de futuro onde há espaço para
novas terapêuticas, visto que a estratégia «ótima»
ainda está por definir, mas provavelmente continuará a passar por uma abordagem personalizada.
DOENTES COM MUTAÇÕES,
DEVEM SER REBIOPSADOS
QUANDO PROGRIDEM?
Os doentes com mutação EGFR desenvolvem
resistência adquirida, em média 10-14 meses após o
início da terapêutica. Esta resistência define-se como
progressão após resposta à terapêutica com TKI10.
As mutações EGFR clinicamente significativas são
as deleções do exão 19 ou a mutação de substituição L858R no exão 21, correspondendo a 80-90%
das mutações. As mutações 18 e 21 raramente são
preditivas da resposta aos TKI. Algumas mutações,
especialmente aquelas no exão 20 com inserções e
substituição T790 M, conferem resistência aos TKI.
Estas são raras, mas podem ser detetadas por métodos com alta sensibilidade. As rebiópsias demonstram que, na maioria das vezes, os tumores resistentes mantiveram as suas mutações EGFR ativadoras
originais, em alguns houve aparecimento de mecanismos conhecidos de resistência adquirida, incluindo a mutação EGFR T790M (cerca de 50%) ou
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
57
M. Felizardo
amplificação do MET. Outras apresentaram alterações genéticas inesperadas, incluindo amplificação
de EGFR e mutações no gene PIK3CA. Surpreendentemente, alguns CPNPC transformaram-se em
carcinomas pulmonares de pequenas células (CPPC).
As rebiópsias permitem compreender as diferenças no curso da doença e, eventualmente,
orientar os doentes para terapêuticas mais dirigidas, muitas ainda em estudo.
QUAL A TERAPÊUTICA DE
2.a LINHA EM DOENTES COM
TRANSLOCAÇÃO DA CINASE DO
LINFOMA ANAPLÁSICO?
A terapêutica preconizada em Portugal, neste
momento, para doentes com translocação do ALK
passa por QT em 1.ª linha e crizotinib em 2.ª linha.
Esta indicação teve, como base, um estudo aleatorizado de fase III que incluiu 347 doentes com CPNPC
ALK positivos em estádio avançado, e comparou,
como tratamento de 2.ª linha, crizotinib com pemetrexedo ou docetaxel, em doentes previamente tratados com um dupleto de platina. O objetivo principal do estudo foi avaliar a SLP. Houve a possibilidade
de crossover para o braço do crizotinib, aquando da
progressão dos doentes sob QT. A SLP foi de 7,7
meses com crizotinib vs três meses com QT. Constatou-se também um aumento da taxa de resposta e
melhoria da QV em doentes com CPNPC previamente tratados. Neste estudo foi documentada melhoria
na QV e redução dos sintomas relacionados com o
cancro. A médio prazo espera-se, entre nós, a autorização do crizotinib em 1.ª linha, em CPNPC ALK
positivos e, na sequência de estudos realizados
com o ceritinib, um inibidor ALK de segunda geração, abrem-se novas perspetivas na terapêutica
dos tumores que progridem após o crizotinib.
A IDADE É LIMITATIVA PARA
TERAPÊUTICA DE 2.ª LINHA NO
CARCINOMA PULMONAR DE NÃO
PEQUENAS CÉLULAS?
Cada vez mais, assiste-se a um aumento da
prevalência de CP em doentes com 70-75 anos,
58
os quais transformam o tratamento num desafio
para os médicos, dado levantarem maiores «dificuldades» na escolha dos fármacos, uma vez que
as suas características fisiológicas podem efetivamente alterar a sua farmacocinética. Especial
atenção deve ser dada às comorbilidades deste
subgrupo de doentes e às interações medicamentosas dos citostáticos com as terapêuticas já
cronicamente utilizadas. O facto de termos ao
nosso dispor fármacos cada vez melhor tolerados, e de se ter demonstrado a eficácia do tratamento em indivíduos acima dos 70 anos, aumentou a possibilidade de um tratamento
adequado. A idade não tem impacto na sobrevivência dos doentes com CP. Os instrumentos
de avaliação geriátrica já testados são uma ferramenta de avaliação fundamental na abordagem terapêutica desta população tão heterogénea, para que não sejam cometidos erros
grosseiros na decisão final de tratamento. Os critérios de escolha da 2.ª linha devem ser idênticos
aos da 1.ª linha, no que diz respeito à histologia,
à biologia molecular, ao PS e às comorbilidades.
Devem ser bem avaliadas as toxicidades prévias da
1.ª linha. Em suma, a idade por si só, não constitui uma contraindicação para o tratamento do
CPNPC em 2.ª linha. Em doentes com CPNPC em
estádio IV, com mais de 80 anos, o benefício da
QT não é claro e a decisão deve ser individualizada2. Nas fases avançadas, para muitos doentes, a
melhor e única terapêutica passa essencialmente
por BSC. De qualquer forma, é urgente a elaboração de normas de orientação clínica para este
grupo etário, que possam ajudar o médico no
processo de decisão.
HÁ INDICAÇÃO PARA
TERAPÊUTICA 2.ª LINHA EM
DOENTES COM
PERFORMANCE STATUS ≥ 2?
Contrariamente à idade, o PS é um importante fator de prognóstico do CPNPC avançado. É um
grupo muito heterogéneo de doentes, dado que
o PS pode estar relacionado diretamente com o
tumor ou com comorbilidades, e antecedentes
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Tratamento do CPNPC após progressão de primeira linha
pessoais do doente. Um estudo recente, de fase III,
comparou platino/pemetrexedo com pemetrexedo,
em CPNPC avançado com um PS de 2 (n = 205).
Após o início do estudo constatou-se uma interação direta entre a histologia e o pemetrexedo,
levando à correção do mesmo, com exclusão de
doentes com CPNPC escamosos. Doentes do braço
de terapêutica dupla experimentaram uma maior
taxa de resposta global (24 vs 10,5%), maior SLP
(mediana 5,9 vs 3 meses) e SG (mediana 9,1 vs
5,6 meses). Quando os doentes com histologia
escamosa foram excluídos, a diferença na SLP e na
SG foi semelhante e permaneceu com significado
estatístico. A maior taxa de anemia graus 3-4 foi
observada no braço do dupleto vs da monoterapia
(11,7 vs 3,9%), mas não houve nenhuma diferença na taxa de neutropenia, neutropenia febril, ou
eventos de grau 5. Doentes com CPNPC estádio
IV, com PS 2 causado apenas pela neoplasia, a QT
com dupleto está indicada em 1.ª linha e, em 2.ª
linha, deveremos ter ainda mais em conta o doente que iremos tratar com as suas toxicidades prévias, as comorbilidades e a idade, associadas ao
PS. Como referido, o uso do erlotinib, em 2.ª ou
3.ª linhas, foi o único fármaco a ter evidência
científica para poder ser utilizado em doentes
com PS 0-3, independentemente do estado da
mutação EGFR.
HÁ NÚMERO LIMITE DE
TRATAMENTOS EM 2.ª LINHA?
A duração da terapêutica de 2.ª linha deve ser
individualizada. Segundo as normas de orientação da Direção Geral da Saúde (DGS)1, doentes
sob docetaxel ou pemetrexedo devem ser reavaliados a cada dois ciclos, num máximo de seis. No
caso do erlotinib, poderá ser utilizado até progressão ou toxicidade inaceitável. Contudo, a
maioria das guidelines internacionais não restrige
a terapêutica de 2.ª linha a um número limite de
ciclos, mantendo-se o tratamento enquanto houver controlo da doença, assim como toxicidade e
QV aceitáveis2.
ATUALMENTE HÁ CANDIDATOS
PARA TRÊS OU MAIS LINHAS DE
TERAPÊUTICA?
Aquando da progressão após terapêutica de 2.ª
linha, os doentes podem ser candidatos a outras
linhas terapêuticas. O único que demonstrou evidência científica em estudos aleatorizados, de fase
III, foi o erlotinib, que mostrou resposta em doentes
EGFRwt ou sem outra mutação conhecida, com PS
0-3, que não tenham feito terapêutica com TKI em
linhas anteriores, e que não sejam candidatos a QT.
Se previamente utilizado, deve ser ponderada
monoterapia com um agente citostático não previamente prescrito, e de acordo com a histologia do
tumor. Deve ser suspensa se progressão ou toxicidade inaceitável. Deste modo, são doentes que podem
e devem entrar em ensaios clínicos ou, se não tiverem condições, serão candidatos a BSC.
BIBLIOGRAFIA
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de não pequenas células do pulmão. Norma 032/2013.
2. Socinski, MA, Evans T, Gettinger S, et al. Treatment of stage IV
non-small cell lung cancer: Diagnosis and management of lung
cancer, 3rd ed: ACCP Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest. 2013; 143 (suppl 5):e341S-e368S.
3. Shepherd FA, Pereira JR, Ciuleanu T, et al. Erlotinib in previously treated non–small-cell lung cancer. N Engl J Med.
2005;353(2):123-32.
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in nonsmall cell lung cancer. Curr Opin Oncol. 2015;27(2):79-86.
5. Dubey S, Brown RL, Esmond SL, et al. Patients preferences in
choosing chemotherapy regimens for advanced non-small cell
lung cancer. J Support Onc. 2005;3:149-54.
6. Kuo CH, Lin SM, Chung FT, et al. Subsequent chemotherapy
improves survival outcome in advanced non-small cell lung cancer
with acquired TKI resistance. Clin Lung Cancer. 2010;11(1):51-6.
7. Schuler MH, Yang C-H, Park K, et al. Continuation of afatinib
beyond progression: Results of a randomized, open-label, phase
III trial of afatanib plus paclitaxel versus investigator’s choice
chemotherapy in patients with non-small cell lung cancer progressed on erlotinib/gefitinib and afatanib -LUX-Lung 5 (LL5). J
Clin Oncol. 2014;32 (suppl 5): abstract 8019.
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versus chemotherapy in EGFR mutation-positive non-small cell
lung cancer after progression on first-line gefitinb: The phase III,
randomized IMPRESS study. Annals Oncol. 2014;25 (suppl
4):mdu 438-45.
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lung cancer. Version 3. 2014; www.nccn.org.
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cancer: Treatment beyond progression. Frontiers Oncol. 2014;4
(article 350):1-8.
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
59
Capítulo 10
Tratamento do carcinoma
pulmonar de pequenas células
R. Sotto-Mayor
A VARIANTE HISTOLÓGICA
DOS CARCINOMAS PULMONARES
DE PEQUENAS CÉLULAS
CONDICIONA A TERAPÊUTICA?
Os carcinomas pulmonares de pequenas células (CPPC) representam cerca de 15% dos carcinomas brônquicos e, de acordo com o seu grau
de diferenciação, encontram-se no extremo do
espectro dos carcinomas neuroendócrinos (NE)
do pulmão, que vai desde os carcinoides típicos
(bem diferenciados) e os atípicos (moderadamente diferenciados), aos carcinomas NE de grandes
células (pouco diferenciados) e aos CPPC (indiferenciados)1.
Definem-se dois subtipos histológicos, os CPPC
puros e os CPPC combinados com um subgrupo
de carcinomas pulmonares de não pequenas células (CPNPC), nomeadamente, carcinomas de
grandes células, carcinomas escamosos ou adenocarcinomas1.
A frequência dos CPPC combinados varia em
função do tamanho da amostra, do número de
secções histológicas realizadas, do tipo de produto
(material de autópsia, peças cirúrgicas ou pequenas biópsias), da variabilidade inerente a cada observador e da percentagem de células identificadas
do subtipo histológico variante1.
A terapêutica dos CPPC combinados é a indicada para os CPPC puros2,3, mas pode ocorrer
resistência à quimioterapia (QT) ou à radioterapia
(RT) pelo seu componente de CPNPC; de facto,
dada a sensibilidade dos CPPC à QT, naqueles que
não apresentam uma significativa remissão à terapêutica inicial, deverá ser questionado o diagnóstico histológico, podendo tratar-se de um CPPC
combinado4 ou de outro tipo de tumor.
Num estudo, constatou-se que os CPPC combinados eram mais frequentemente submetidos a
cirurgia5 e, quanto ao prognóstico, não estão definidas diferenças entre os CPPC puros e os combinados4-6.
OS CARCINOMAS PULMONARES
DE PEQUENAS CÉLULAS TÊM UM
SISTEMA DE ESTADIAMENTO
ANATÓMICO PRÓPRIO? COMO
FAZÊ-LO?
Historicamente, o estadiamento anatómico
dos CPPC baseou-se no sistema do Veterans Administration Lung Study Group (VALSG) em que
a doença limitada (CPPC-DL) era definida pelo
envolvimento tumoral confinado a um hemitórax
– com ou sem extensão local –, ausência de
metástases extratorácicas – exceto no que diz
respeito aos gânglios supraclaviculares ipsilaterais –, e a possibilidade de abranger, num único
campo de irradiação, o tumor primitivo e os gânglios regionais7.
Todos os outros casos caracterizavam a doença
extensa (CPPC-DE), e incluíam a presença de derrame pleural (ou pericárdico) maligno, envolvimento ganglionar hilar e mediastínico contralateral, e
doença metastática não abrangida por um único
campo de RT.
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
61
R. Sotto-Mayor
Posteriormente, esse sistema foi modificado,
passando a aceitar também na DL os gânglios hilares, mediastínicos e supraclaviculares contralaterais (desde que fosse possível abrangê-los, e à lesão primitiva, num um único campo de RT seguro
e adequado), assim como o derrame pleural ipsilateral (benigno ou maligno); a DE seria aquela que
ultrapassava os limites da DL7.
Com a aprovação do novo sistema TNM (7.ª
edição) pela International Association for the Study of Lung Cancer e o American Joint Comittee on
Cancer (IASLC/AJCC), passou a defender-se o estadiamento dos CPPC também com base nesta abordagem3: qualquer M1 (independentemente do T ou
do N) denota DE, sendo a DL definida como qualquer T ou N sem M1, excluindo doença T3 ou T4,
com múltiplos nódulos pulmonares, que não pode
ser abrangida por um único campo de RT.
Na prática, este sistema não altera significativamente a estratégia terapêutica dos CPPC, mas
permite estratificá-los melhor, quer em termos
prognósticos, como para a hipótese de cirurgia, a
inclusão em ensaios clínicos ou o seu «lançamento» em registos oncológicos.
Em face de um doente com o diagnóstico de
CPPC, após uma história clínica e um exame físico
cuidados, um hemograma completo e uma avaliação bioquímica abrangente (que deverá incluir
testes de função hepática e renal), é fundamental
estabelecer o estadiamento anatómico da doença
(TNM), sendo a tomografia computorizada (TC) do
tórax e abdómen (com contraste endovenoso) um
exame imprescindível para a caracterização imagiológica da lesão primitiva, a sua extensão e a
identificação da eventual presença de metástases
regionais e/ou nos órgãos envolvidos nos cortes,
com especial atenção para o fígado e glândulas
suprarrenais.
Na DL, se existir derrame pleural, a sua etiologia
deverá ser esclarecida por toracocentese, estudo
citológico do líquido e biopsias pleurais, complementados por toracoscopia, caso aqueles sejam
inconclusivos; a presença de derrame pericárdico
também implicará a sua investigação etiológica2,3.
Recomenda-se o estudo do cérebro por ressonância magnética (RM) – em alternativa, por TC
62
com contraste endovenoso –, em qualquer estádio
da doença (DL e DE) já que, em 15% dos doentes
sem queixas neurológicas, encontram-se metástases a esse nível, incluindo em 12% dos casos considerados, de outro modo, como DL2,3,7; a RM tem
melhor acuidade do que a TC na deteção de metástases a nível do sistema nervoso central (SNC),
pelo que será a técnica preferível.
O lugar da tomografia de emissão de positrões-tomografia computorizada (PET-TC) não está
completamente estabelecido, mas defende-se a
sua realização caso a DL seja suspeitada clinicamente, no sentido de estabelecer o envolvimento
mediastínico (útil para o planeamento da RT) e
excluir a presença de metástases à distância (cuja
identificação alteraria a estratégia terapêutica), especialmente se a hipótese cirúrgica for ponderada;
os achados que possam alterar a estratégia terapêutica deverão ter confirmação patológica; dispensa-se a cintigrafia óssea se a PET tiver sido
realizada2,3,7.
Se o envolvimento ósseo for equívoco por PET,
TC ou cintigrafia óssea, recomenda-se estudo dirigido ao local suspeito com radiografia e/ou RM2.
O estudo da medula óssea (aspirado ou biópsia) não é hoje recomendado por rotina se o hemograma for normal, pois, apesar de aí se encontrarem metástases em 15-30% dos casos na altura
do diagnóstico, somente 5% dos doentes apresentam envolvimento da medula óssea na ausência de
metástases com outras localizações2,7.
Nos doentes candidatos a cirurgia, poderão ser
necessários outros exames como a ecografia endobrônquica (EBUS), a ecografia endoesofágica
(EUS), a mediastinoscopia ou a mediastinotomia,
para estudo histopatológico dos gânglios mediastínicos2,3.
HÁ LUGAR PARA A CIRURGIA NOS
CARCINOMAS PULMONARES
DE PEQUENAS CÉLULAS?
O CPPC tem sido encarado como uma doença
não cirúrgica na sequência de se ter demonstrado
que a RT era superior à cirurgia na DL; posteriormente, reportaram-se vantagens em termos de
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
Tratamento do carcinoma pulmonar de pequenas células
sobrevivência (SV) após a remoção de tumores
identificados, na cirurgia, como CPPC, o que levou
ao reposicionamento do papel desta abordagem
terapêutica nos CPPC-DL8.
Com base em estudos retrospetivos, defende-se hoje que ela será apropriada no pequeno grupo de doentes (2-5%) que se apresentam em estádio clínico I (TNM/IASLC-AJCC), após um
estadiamento mediastínico e sistémico agressivo;
deverá incluir a remoção completa da neoplasia
(preferencialmente, por lobectomia) e o esvaziamento ganglionar mediastínico sistemático, e ser
complementada – devido à presença frequente de
micrometástases –, por quatro ciclos de QT adjuvante à base de um dupleto de platino (cisplatino
ou carboplatino) e de etoposido2,3,8; nos doentes
operados, com doença N2 ou N1, não prevista no
pré-operatório, ou em que haja dúvidas sobre ter
sido realizado um esvaziamento ganglionar seguro, a RT adjuvante deverá ser considerada; não se
defende a cirurgia após QT de indução2,3.
Em alternativa à abordagem cirúrgica, seguir-se-á o protocolo terapêutico indicado para os
CPPC-DL e, como complemento, é de ponderar
a irradiação profilática cerebral (IPC), decisão que
deverá ser partilhada com o doente, após esclarecimento dos respetivos benefícios e inconvenientes2,3.
São necessários estudos prospetivos randomizados para alargar a indicação cirúrgica a estádios
mais avançados (IIA), e definir melhor o lugar das
terapêuticas adjuvantes.
QUAL A TERAPÊUTICA DOS
CARCINOMAS PULMONARES DE
PEQUENAS CÉLULAS EM DOENÇA
LIMITADA?
Mesmo nos CPPC-DL, existe doença metastática subclínica (> 30% dos doentes), razão pela
qual a QT sistémica constitui uma componente
essencial da terapêutica destes tumores malignos2,3; contudo, apesar das altas taxas de resposta
à QT (70-90%), a progressão local ocorrerá na
maioria dos casos (80% na DL, e praticamente em
todos, na DE), pelo que a RT torácica tem aqui um
papel relevante, especialmente na forma concomitante (QTRT), contribuindo, com esta estratégia
combinada, para a redução da taxa de progressão
local/recidiva intratorácica do tumor – 75-90%
com a QT isolada versus 30-60% com a QTRT – e
para o aumento da SV dos doentes2,3,7.
O performance status (PS), habitualmente
quantificado com base na escala do Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG), assim como
outros parâmetros fisiológicos do doente, constituem ferramentas importantes na sua avaliação,
com base na qual se sustentará a proposta terapêutica para cada situação clínica: em caso de PS
de 0-2, indicar a QTRT sempre que possível; perante um pior PS, atribuível à doença, será razoável fazer RT sequencial à QT; com um PS de 3-4,
não atribuível à doença, a terapêutica deverá ser
individualizada, incluindo os melhores cuidados de
suporte2.
Pontos a considerar2,3:
– A estratégia concomitante (QTRT) é a preferível
na DL (melhores taxas de SV do que na modalidade sequencial aos dois e cinco anos, respetivamente, 50 versus 35%, e 23 versus 18%),
à custa de maior toxicidade hematológica e de
esofagite.
– Na modalidade concomitante, a RT deverá ser
iniciada precocemente, nos 1.º ou 2.º ciclos de
QT (dentro de 30 dias após o seu início), com
um programa de fracionamento de dose, idealmente, duas vezes por dia (aumento de 5% na
SV versus uma vez por dia) – 1,5 Gy/2xdia, isto
é, 45 Gy em 30 frações, durante três semanas,
com um intervalo mínimo de 6 h entre cada
fração diária –; mas, por problemas logísticos
(deslocação do doente duas vezes por dia à
unidade de radioterapia) ou outros (como PS
comprometido), poderão estar indicados regimes alternativos.
– O esquema de QT preferido na modalidade
concomitante (QTRT) é o que associa o cisplatino ao etoposido (4-6 ciclos), não sendo de
aconselhar fatores de crescimento mieloide,
enquanto o doente estiver a fazer RT.
Independentemente da resposta à terapêutica
ser completa (RC) ou parcial (RP), a IPC deverá
100 Perguntas Chave no Cancro do Pulmão
63
R. Sotto-Mayor
ser incluída no plano terapêutico dos CPPC-DL,
com os pressupostos (que indicaremos adiante), no
que se referem ao PS e ao estado cognitivo dos
doentes2,3.
QUAL A TERAPÊUTICA DOS
CARCINOMAS PULMONARES DE
PEQUENAS CÉLULAS EM DOENÇA
EXTENSA?
A combinação de um platino (cisplatino ou
carboplatino) ao etoposido (4-6 ciclos), constitui a
terapêutica standard dos CPPC-DE3, acompanhando-se de taxas de resposta de 60-80%, sendo
15-30% RC; o esquema triplo constituído por ciclofosfamida, adriamicina e vincristina (CAV) era
classicamente o eleito, mas apresentava maior
toxicidade, com taxas de resposta semelhantes.
O carboplatino tem uma eficácia semelhante
ao cisplatino na DE, com menos toxicidade não-hematológica, pelo que estará reservado aos
doentes com pior PS ou contraindicação para o
cisplatino.
A RT paliativa tem indicação para o controlo
sintomático de metástases cerebrais, ósseas ou
outras3; a RT torácica (de consolidação) poderá
ser ponderada após uma boa resposta da doença torácica (RC/RP) e de uma RC extratorácica,
eventualmente complementada por IPC 3; pelo
aumento de risco de neurotoxicidade, a RT holocraniana não deverá ser feita concorrentemente
à QT sistémica2,3,9.
COMO TRATAR
OS DOENTES IDOSOS?
Apesar de 40% dos doentes com CPPC apresentarem idades ≥ 70 anos e 10% ≥ 80, poucos
ensaios clínicos randomizados incluíram esse grupo na sua avaliação.
A idade avançada, por si só, não é geralmente
considerada fator de prognóstico, mas por estar
frequentemente associada a comorbilidades, a um
PS comprometido, e a polimedicação, na prática clínica, não raras vezes, condiciona as abordagens terapêuticas propostas, com necessidade de redução
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de doses ou de fazer a QT em monoterapia, para
diminuir a toxicidade, o que poderá refletir-se, no
que alguns consideram um sub-tratamento,
numa menor eficácia e num prognóstico mais
reservado3.
Contudo, baseados na evidência científica, a
QT à base de dupletos de platina e etoposido,
apresenta melhores resultados que os esquemas
menos agressivos3.
Nos CPPC-DL (com bom PS, ECOG 0-2) a QTRT
é a indicada, devendo ter-se especial atenção à
toxicidade induzida pela terapêutica combinada;
na DE (com bom PS) recomenda-se associação da
carboplatina e do etoposido; em caso de pior PS
(ECOG 3), é ponderado assumir o risco da terapêutica, caso esse compromisso seja atribuível à
própria doença oncológica, pois a QT costuma
acompanhar-se de boas taxas de resposta e melhorar a performance do doente3.
Neste grupo etário, a terapêutica deve ser sempre individualizada em função das características
próprias de cada doente, sendo especialmente importante tomar as devidas precauções para evitar
uma excessiva toxicidade e um declínio no PS, e
conferir uma redobrada atenção aos cuidados de
suporte, na perspetiva de que um dos objetivos
fundamentais da nossa intervenção é preservar a
sua qualidade de vida (QV)3.
COMO ABORDAR A TERAPÊUTICA
DOS CARCINOMAS PULMONARES
DE PEQUENAS CÉLULAS EM
PROGRESSÃO DA DOENÇA?
Apesar da boa resposta à terapêutica inicial,
na maioria dos casos (DL > 70%; DE > 90%), a
doença vai progredir ou recidivar, estando a abordagem dependente do esquema feito em 1.ª linha,
do tipo de resposta e de toxicidade, do tempo
decorrido para a recidiva/progressão e do PS do
doente2,3:
– PS 0-2: fazer topotecano (e RT em locais sintomáticos); continuar até dois ciclos após a
melhor resposta à QT; o topotecano oral mostra resultados semelhantes ao endovenoso
(EV), mas menor neutropenia; suspender em
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Tratamento do carcinoma pulmonar de pequenas células
–
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–
caso de progressão da doença ou de toxicidade intolerável; outros fármacos (paclitaxel, docetaxel, gemcitabina, ifosfamida, vinorelbina,
etoposido oral), apesar de revelarem menor
atividade, também poderão ser úteis em monoterapia.
PS 0-2: em caso de período prolongado de resposta após terapêutica de 1.ª linha (> 6 meses),
recomenda-se retratamento com o esquema
inicial (taxas de resposta de 50-60%).
PS 3-4: fazer terapêutica paliativa, incluindo RT
nos locais sintomáticos; em caso de PS 3, há
quem defenda QT em monoterapia, com redução de dose ou com fatores de crescimento
hematopoiéticos.
Pontos a considerar:
A doença refratária/resistente nos primeiros
três meses da terapêutica inicial irá ter menores
taxas de resposta (< 15%) à QT de 2.ª linha
(pior prognóstico); acima desse período (doença sensível), as taxas de resposta à QT adicional
serão melhores (15-60%).
O topotecano EV tem eficácia semelhante ao
esquema de ciclofosfamida, adriamicina e vincristina (CAV), mas com a vantagem de melhorar a QV dos doentes em termos de dispneia,
anorexia, rouquidão e fadiga.
Dado que o tempo de resposta ao topotecano
é curto, aconselha-se que os doentes, se o seu
estado o permitir, sejam incluídos em ensaios
clínicos.
Perante a hipótese de um segundo tumor, em
caso de aparente recidiva após um longo intervalo livre de doença, na sequência da terapêutica de 1.ª linha, será de (re)biopsar a «nova»
lesão e orientar o tratamento de acordo com
o resultado histológico encontrado.
QUANDO PROPOR A IRRADIAÇÃO
PROFILÁTICA CEREBRAL NOS
CARCINOMAS PULMONARES DE
PEQUENAS CÉLULAS?
Cerca de 10-14% dos doentes apresentam
metástases cerebrais na altura do diagnóstico, e
50-60% em fases posteriores da sua evolução.
O cérebro é um local frequente de recidiva da
doença, apesar da eficácia da QT, o que poderá
ser explicado pelo facto da barreira hemato-encefálica impedir a passagem de grande parte dos
fármacos citostáticos, tornando aquele órgão um
santuário para depósitos secundários.
Nos CPPC, após a terapêutica inicial com boa
resposta à QTRT ou à QT, a IPC diminui a incidência do aparecimento daquelas metástases, determinando um aumento de SV na DL e na DE2,3.
A IPC faz parte da estratégia terapêutica dos
CPPC (DL ou DE), em que se constate uma boa
resposta (RC ou RP) à terapêutica inicial (QTRT ou
QT), devendo ser realizada após recuperação dos
seus efeitos tóxicos, desde que os doentes apresentem um bom PS (ECOG 0-2) e não revelem
compromisso neuro-cognitivo2,3.
A dose geralmente preconizada é de 25 Gy/
10 fr. Idades mais velhas (> 60 anos) e doses mais
elevadas são fatores preditivos para o desenvolvimento de neuro-toxicidade crónica, como perda
de memória e demência2,3.
SERÁ DE ENCARAR AS
TERAPÊUTICAS ALVO NOS
CARCINOMAS PULMONARES
DE PEQUENAS CÉLULAS?
Ainda não existe qualquer evidência, em estudos de fase III, de que algum tipo de terapêutica
alvo ou de imunoterapia tenha papel relevante no
tratamento dos CPPC10:
– Sendo altamente angiogénicos, depositaram-se
expectativas de que o bevacizumab (anticorpo
monoclonal que bloqueia a ação do vascular
endothelial growth factor [VEGF]) associado à QT
standard, em CPPC-DE, pudesse ser útil, mas
constatou-se que essa associação não se acompanhava de um aumento da SV; o mesmo ocorreu com a combinação do aflibercept ao topotecano (DE), ou da talidomida à QT (DL e DE);
estudos com sunitinib, sorafenib, vandetanib,
vatalanib ou cediranib (antiangiogénicos tirosina-cinase) também não mostraram sucesso, sendo de realçar a grande toxicidade que alguns
deles revelaram quando associados à QT.
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R. Sotto-Mayor
– Os inibidores das metaloproteinases da matriz
(tanomastat, marimastat), utilizados em manutenção, após resposta à terapêutica de 1.ª linha, igualmente, não mostraram vantagem em
relação ao placebo.
– Até 4% dos CPPC apresentaram mutações do
recetor do fator de crescimento epidérmico
(EGFR)1 – especialmente nos CPPC combinados com adenocarcinoma – mas, em doentes
não selecionados, quimio sensíveis ou resistentes, num estudo de fase II, o gefitinib (inibidor
tirosina-cinase do EGFR) não mostrou qualquer
atividade clínica.
– Outros alvos terapêuticos como a proteína tumoral p53, o oncogene Bcl-2, o mammalian target
of rapamycin (mTOR) ou os recetores c-kit não
revelaram utilidade, existindo alguma expetativa
no que se refere ao sinergismo de ação antineoplásica dos inibidores da poli-ADP-ribose-polimerase (PARP) quando associados à QT.
É fulcral insistir-se na compreensão dos mecanismos moleculares e imunológicos envolvidos na
patogénese dos CPPC, de modo que a terapêutica
dirigida possa contribuir, no futuro, para inverter o
mau prognóstico que esta doença ainda acarreta.
QUAL O PROGNÓSTICO DOS
CARCINOMAS PULMONARES DE
PEQUENAS CÉLULAS?
Os CPPC, pelas suas propriedades biológicas, disseminam precocemente para os gânglios mediastínicos e locais extratorácicos, de modo que, na altura do
diagnóstico, 60-70% dos doentes revelam DE.
Quando não tratados, a SV global é de 2-4 meses após o diagnóstico, a qual, na DE, não ultrapassa as poucas semanas. De facto, o estádio da doença é um fator de prognóstico incontestável – tal
como a perda de peso e o PS –, sabendo-se que,
na DL tratada, a SV é de 16-24 meses, encontrando-se vivos aos cinco anos 20-25% dos doentes
(50% aos dois anos), enquanto na DE tratada é de
6-12 meses e a sobrevivência aos cinco anos muito rara (0-1%)3.
São considerados fatores de prognóstico negativos a DE, um PS baixo (ECOG 3-4), uma perda
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de peso superior a 10%, níveis séricos pré-terapêuticos elevados de desidrogenase lática sérica
(LDH), de neuroenolase específica (NSE) ou de fosfatase alcalina, uma hemoglobina baixa, o número
absoluto de neutrófilos aumentado, a manutenção
dos hábitos tabágicos, a constatação de determinados marcadores genéticos e moleculares (expressão c-kit, presença do oncogene Her2/neu, ou
de outros) e a recidiva precoce após terapêutica de
1.ª linha2.
Na DL, o género feminino, a idade inferior a
70 anos, a LDH normal e o estádio I são fatores
de prognóstico favoráveis, o mesmo sendo constatado na DE, com as idades mais jovens, bom PS,
creatininémia e LDH normais, e um único local de
metastização2.
Contudo, há que ter em consideração que
nem todos os fatores de prognóstico indicados
foram considerados relevantes nos estudos publicados, devendo o clínico ser cauteloso quando
discute individualmente o prognóstico de cada
doente com base nesses parâmetros.
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