JC Relations - Jewish

Transcrição

JC Relations - Jewish
Jewish-Christian Relations
Insights and Issues in the ongoing Jewish-Christian Dialogue
Rendtorff, Rolf
O judaico na Cristandade
Rolf Rendtorff
I. De volta aos começos
Começo com algumas notas autobiográficas, pensando que, com isso, aludo também a uma parte
da biografia de alguns dos mais idosos entre nós.
Primeiro, uma citação dum sermão do ano de 1934 ao 10o domingo depois Trindade, do chamado
Domingo de Israel, no qual o evangelho da antiga Igreja trata da lamentação de Jesus sobre
Jerusalém e da sua iminente ruína. Aí diz:
O povo judaico é muito talentoso, como poucos povos da história. A antigüidade mal tem
algo para pôr ao lado das grandes personagens dos profetas e homens de Deus, dos quais
relata o Antigo Testamento. E até no tempo presente, esse povo podia realizar muito nas
áreas de música, da ciência médica e em outras áreas. Ricamente dotado é esse povo
através duma história sem par da saudade de Deus e da fé. Mas na sua grande hora de
decisão decidiu errado. Quando Jesus veio a ele em pleno poder de Deus, rejeitou-o e o
crucificou. Na sua alma e por sua alma lutavam últimas potências uma terrível luta decisiva.
Os poderes antiteístas eram mais fortes. Nunca um povo era mais perto de Deus que esse
povo nos dias em que Jesus vivia nele. Nunca um povo se decidiu mais terrivelmente contra
a paz de Deus que foi oferecida. Nunca, portanto, um povo também experimentou um juízo
de Deus mais terrível. Jerusalém é destruída! O sem-lar (Heimatlosigkeit) é o destino desse
povo. Irrequietos, os seus filhos e filhas migram através do mundo inteiro.
Muitos, sobretudo os mais idosos entre nós, conhecem esse tipo de textos. Citei esse sermão,
porque é do meu pai. Não é, certamente, nenhum texto antijudaico – quase poder-se-ia dizer: ao
contrário. Mas mesmo assim: contém uma aguda antítese entre Cristandade e Judaísmo.
Assim cresci. Também nos estudos, não me veio ao encontro coisa diferente a princípio. É preciso
conscientizar-se disto continuamente: que, nos anos depois da Segunda Guerra Mundial e também
muito tempo depois ainda, o Judaísmo não era assunto na maioria das faculdades teológicas. Mas,
então aconteceram duas coisas que eram intimamente conexas para mim pessoalmente. Como
jovem docente encontrei, num congresso internacional, com um bibliólogo judaico
("antigotestamentólogo") de Jerusalém: Yitshak Seeligmann. Soube que estivera em Theresienstadt.
Convidou-me para o visitar quando eu estivesse em Jerusalém. Quando vim (1963), abriu-me as
portas aí.
Era, para mim, o primeiro encontro com um sobrevivente do Holocausto, da Shoáh. Estava
profundamente impressionado pelo seu comportamento comigo como jovem alemão que, na idade
que tinha, podia ter sido vigia no seu campo de concentração. Ao mesmo tempo, a minha primeira
visita em Jerusalém não era somente o meu primeiro encontro com o Estado de Israel, mas sim
também com a interpretação judaica da Bíblia Hebraica.
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Esse encontro transformou a minha vida. Era um caminho longo, composto de muitos passos
particulares. E é um campo vasto em que entrei com isso, e que nunca poderei explorar
completamente.
Queria, aqui, mencionar ainda mais alguns outros nomes que, neste caminho, chegaram a ter
importância especial para mim. ...
Primeiro Krister Stendahl, um importante teólogo sueco-americano. Cito ele numa passagem, que
chegou a ser muito importante para mim:
No começo, algo correu errado. Digo "correu errado", porque não estou convencido que
aquilo que aconteceu com a separação dos relacionamentos entre Judaísmo e Cristandade,
era a boa e expressa vontade de Deus. Não poderia ser que chegamos a entender que não
conforme a vontade de Deus, mas contra ela nos separamos?
Sei que isso é um modo estranho de falar. Sei que poderia ser carimbado de romantismo
histórico, uma como tentativa de virar o relógio para trás. Mas porque chama-lo de "virar o
relógio para trás"? Porque não podemos, em vez disso, dizer que veio o tempo para nós
encontrarmos as alternativas que foram perdidas naquele tempo, alternativas que são a
expressão teológica do nosso arrependimento e dos nossos entendimentos que se impõem
hoje a nós.
Com isso, já estamos no meio do nosso assunto. Primeiro, porém, os dois outros nomes:
Eberhard Bethge: Ele chegou a ser conhecido, antes de tudo, como biógrafo de Dietrich Bonhoeffer,
de quem era amigo. O que é provavelmente menos conhecido: Ele é, num certo sentido, pai da
célebre resolução do Sínodo Renaniense "Para a Renovação do Relacionamento de Cristãos e
Judeus" do ano de 1980. Bethge trouxe dos EUA a visão de que o relacionamento dos cristãos com
os judeus teria de começar aí onde o Sínodo Renaniense o fez em seguida: "O entendimento de coresponsabilidade e culpa cristãs no Holocausto, proscrição, perseguição e assassínio dos judeus no
Terceiro Império". Através disso, proporcionou àquela declaração sinodal a sua força de percussão.
Ao mesmo tempo, a discussão sobre a relação de cristãos e judeus recebeu, com isso, uma direção
completamente nova.
Finalmente Elie Wiesel. Não é, provavelmente, necessário dizer muito sobre ele. Para mim, o
encontro pessoal era especialmente importante. Cito uma frase: "O cristão pensativo sabe que, em
Auschwitz, morreu, não o povo judaico, mas sim a Cristandade." Essa é uma palavra que acerta. Eli
Wiesel diz poucas vezes alguma coisa sobre os cristão ou a Cristandade; quando o fizer, são sempre
só poucas palavras, com as quais nos dá, porém, bastante motivo para um repensar autocrítico.
I
Queria-os, agora, levar comigo num movimento pensativo. O título dessa série de conferências é "O
judaico na Cristandade". Isso, certamente, soa provocativo para muitos. (Tirei o assunto do título do
livro do antigotestamentólogo católico Norbert Lohfink SJ, 1987. Seu subtítulo é: "A perdida
dimensão".) Para os mais idosos entre nós, Judaísmo e Cristandade são duas grandezas a princípio
incompatíveis; isso vale, certamente, ainda hoje em grandes partes da nossa Igreja e teologia. Isso
queremos, por enquanto, simplesmente deixar atrás de nós e soletrar de novo o assunto.
Lembremo-nos outra vez de Stendahl: "No começo, algo correu errado." Esse é um sinal decisivo:
Precisamos começar no começo.
Isso quer dizer então: não no presente, não no auto-entendimento hodierno da Igreja e da
Cristandade. Este é o primeiro passo no nosso movimento de pensar: embora do nosso próprio autoentendimento atual. Este é um grande passo. Deixem-nos pensar um momento naquilo que fizemos
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até agora – se tivermos feito alguma coisa. Perguntamos como nós cristãos – como cristãos –
devemo-nos comportar com os judeus. Isso não era pouco, depois de dois mil anos de inimizade
cristã contra os judeus. Nisto, é que nem sempre era inimizade ativa contra os judeus. O Sínodo
Renaniense diz a isso:
Durante séculos, a palavra "novo" na interpretação da Bíblia foi dirigida contra o povo
judaico: A nova aliança entendia-se como oposta à aliança antiga, o novo povo de Deus
como substituição do antigo povo de Deus. Essa falta de respeito pela permanente escolha
de Israel e a condenação deste à não-existência, têm caraterizado continuamente a teologia
cristã, a pregação eclesial e a ação eclesial até hoje. Por isso, temo-nos feito culpados
também do extermínio físico do povo judaico. (4.7)
Porquê cristãos têm declarado os judeus como não-existentes? Acho que a resposta é muito clara:
Porque os cristãos achavam (e muitas vezes ainda acham) que eles mesmos estão lá, onde os
judeus deveriam estar se estivessem existentes. Os cristãos acreditavam ser o "novo Israel", o
"Israel verdadeiro"; logo porém, o "velho Israel" devia estar passado, afundado nas ruínas da
Jerusalém destruída pelos romanos. Os cristão acreditavam que Deus os teria posto numa "aliança
nova" pela qual a "aliança velha" estaria substituída e acabada. Enfim: os cristão desenvolviam um
auto-entendimento, em que não havia mais espaço para a existência do povo judaico. (Isso
expressa-se claramente também no citado sermão.)
Isso tinha, entre outras, a conseqüência de que quase não se falava sobre o Judaísmo realmente
existente. Quando eu estudava, é que não havia, na maioria das faculdades de teologia, nenhuma
possibilidade de saber algo do Judaísmo contemporâneo, real. Os judeus ocorreram na Bíblia,
também no Novo Testamento ainda, mas com a destruição de Jerusalém desapareceram do campo
de visão dos teólogos. Às vezes apareceram na história de Igreja, na maioria dos casos como
vítimas de perseguições cristãs, p. ex. no começo da Primeira Cruzada, quando turbas de cruzados,
vindo da França, voltaram-se ao norte, causando uma grande carnificina nas comunidades judaicas
no rio Reno de Speyer através de Worms, Mogúncia, Colônia até Xanten e Moers. Ou na história da
Inquisição, com o seu ponto culminante na expulsão dos judeus da Espanha em 1492. Mas como
problema teológico não apareceram quase nunca, muito menos como pergunta ao autoentendimento cristão.
Até aqui, não é pouco termos começado a perceber os judeus. Decisivo, porém é a direção da
pergunta. Estamos acostumados a proceder do nosso ponto de vista cristã, fazendo daí certas
perguntas. Isso queria, então, dizer perguntar: Qual importância tem o Judaísmo sob o nosso ponto
de vista cristã, ou para nós como cristãos? Com outras palavras: Tentamos dar ao Judaísmo um
determinado lugar na nossa estrutura de pensar cristã. Mas isso mesmo não é mais possível,
quando começarmos fazer as perguntas de fundo e com a radicalidade que agora tem chegado a
ser inevitável. Pois agora precisamos, primeiro, pôr em questão alguns pilares da estrutura de
pensar cristã. Sim, ainda mais. Precisamos virar a pergunta: Não se trata mais de definir Israel do
ponto de vista cristã, mas trata-se, face à continuação da existência do povo judaico, de definir a
Cristandade.
"No começo, algo correu errado." Para mim, esta frase simples foi um sinal. Stendahl a escreveu já
em 1967. (Traduzi, aliás, todo aquele artigo em 1969, na revista "Evangelische Kommentare".)
Outra vez:
No começo, algo correu errado. Digo "correu errado", porque não estou convencido que
aquilo que aconteceu com a separação dos relacionamentos entre Judaísmo e Cristandade,
era a boa e expressa vontade de Deus. Não poderia ser que chegamos a entender que não
conforme a vontade de Deus, mas contra ela nos separamos?
Não poderia ser que não teríamos devido ou precisado nos separar? Uma frase que também hoje
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ainda não perdeu nada da sua brisância. (Lamentavelmente, só poucos a ouviram até hoje!) "Nós",
quer dizer nossos "antecedentes", os primeiros cristãos, teriam devido não tornar-se "cristãos", mas
sim ficar judeus?
Essa pergunta, de fato, é brisante. Mas, por meu ver, realizam-se nesse ponto os primeiros passos
decisivos do nosso movimento pensativo. Para tanto, precisamos focar e examinar a fundo essa
pergunta em cada um dos seus elementos.
II
Onde devemos começar? Onde está o "começo" do nosso caminho? Perguntemos a Bíblia, neste
caso o Novo Testamento:
O Evangelho de Mateus começa com Abraão, conduzindo a linha através de Davi e dos que voltam
do exílio babilônico, Josias/Zorobabel, no total 3 x 14 membros de história judaica (Mt 1,17).
O Evangelho de Marcos começa com João Batista, assim o Evangelho de Lucas com uma detalhada
história de antecedentes.
E João? "No início era o verbo (logos)" – isso é filosofia judaica-helênica. Segundo a Bíblia Hebraica,
era no início a sabedoria (sofia, Provérbios 8,22ss.) – mas a sofia era o logos. o Evangelho de João,
então, remonta ainda mais que Mateus: ao início, antes de que Deus criou coisa alguma.
Assim chegamos, em caminhos diferentes, a Jesus. Jesus era um descendente de Abraão e de Davi e
de Zerubabel – um judeu com uma longa árvore genealógica. "Jesus era um Judeu" – pode-se dizer
hoje sem estorvo. Mas isso não era sempre assim. Adolf von Harnack, um dos maiores teólogos
protestantes no início deste século, descreveu, - numa série de preleções públicas sobre "A essência
da Cristandade" na Universidade de Berlim no semestre de inverno de 1899/1900, e que chegou a
ser célebre, - a aparição de Jesus assim:
Ele fazia imediatamente frente aos líderes oficiais do povo, e nestes ao ser humano comum
em geral. Eles imaginavam-se Deus como um déspota que vigiasse sobre o cerimonial da
sua ordem de casa, ele respirava na presença de Deus. Eles não o viam senão na sua lei,
tendo feito um labirinto de gargantas, desvios e saídas clandestinas; ele o via em qualquer
lugar. Eles possuíam mil mandamentos dele, achando que o conhecessem por causa disso;
ele tinha um mandamento dele e por isso o conhecia. Eles tinham feito da religião um tecido
terrestre – não havia algo mais abominável; ele anunciava o Deus vivo e a nobreza da alma.
Jesus com anti-judeu – e os judeus como a feia contra-imagem de Jesus!
Essa preleção de Harnack tinha, nos próximos decênios, não menos que 14 edições, sendo
traduzida em outro tanto de línguas. Os seus pronunciamentos, portanto, têm um caráter
inteiramente representativo para a Cristandade no começo deste século. Mostram num modo muito
claro, e queria dizer maciço, a visão de Harnack e de muitos dos seus contemporâneos. Mostram
também a repercussão da imagem negativa dos fariseus no Novo Testamento. De resto, consoa no
modo da descrição de Jesus o patos da virada do século; mas isso seria outro assunto.
Acrescento, porém, ainda algumas frases de Harnack, que se ocupam com o caminho ulterior da
Cristandade:
Paulo foi que conduziu a religião cristã para fora do Judaísmo. ... Foi ele que julgava,
certamente, o Evangelho como algo de novo que abolisse a religião de lei. ... Paulo opunha
(essa religião) à religião israelita. "Cristo é o fim (das Ende) da lei." Ela não só suportava o
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desarraigamento, mas mostrou-se como pretendida para a transição. Dava, a seguir,
consistência e apoio ao Império Romano e ao mundo da cultura ocidental inteiro.
E, então, outra vez sobre os discípulos de Jesus que se juntavam à nova doutrina de Paulo:
Aqui, a própria história mostrou uma vez, com clareza inconfundível e num processo mais
curto, o que era caroço e o que era casca. Casca era o condicionamento judaico inteiro da
pregação de Jesus. Casca eram também palavras assim determinadas como aquilo: "Não
sou enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel." Na força do espírito de Cristo, os
discípulos romperam essas barreiras.
Citei, de propósito, essa voz representativa da Cristandade do início deste século um pouco mais
detalhadamente, porque nos pode esclarecer como a Cristandade, em todo o caso a Cristandade
protestante maioritariamente liberal na Alemanha e no mundo ocidental, entendia-se naquela
época. Poderia também trazer citações de teólogos de gerações posteriores, de Rudolf Bultmann
até o tempo presente, nos quais expressa-se o mesmo entendimento básico sobre a relação de
Judaísmo e Cristandade.
Mas de modo nenhum pretendo agora ralhar gerações anteriores. Ao contrário: queria outra vez
fazer cônscio que nós, a nossa geração, não estamos em condições de conhecer essas evoluções
erradas como tais, senão depois do Holocausto, depois do abuso horrível do poder e da tradição
antijudaica fornecida de dentro da Cristandade. Esta Cristandade morreu em Auschwitz (cf. Elie
Wiesel)!
Por isso, parece-me tão importante a palavra de Stendahl da busca das alternativas perdidas.
III
Logo: De volta a Jesus! Mas não podemos, agora, no nosso novo movimento de pensar, começar
com descobrir o especial, o "cristão" em Jesus. Jesus não era cristão! Como poderia ter sido cristão!
Poderia ter falado o credo: "Creio em Jesus Cristo..."? Jesus não era cristão. Isso nos leva à pergunta
de quando e onde, então, começa a Cristandade.
Um dizer intermédio: Estranhamente era isso também a posição de Bultmann: Sua Teologia
do Novo Testamento começa assim:
"O anuncio de Jesus pertence aos pressupostos da teologia do NT, não sendo uma parte da
mesma... Fé Cristã não há senão desde que há um kérygma, quer dizer um kérygma que
anuncia Jesus Cristo como ação salvífica de Deus, e precisamente Jesus Cristo o crucificado e
ressuscitado."
Naturalmente, está isso, para Bultmann, num contexto completamente diferente –
exatamente oposto àquilo que eu queria dizer.
Agora, então, falamos do judeu Jesus. Ouve-se hoje muitas vezes: "Jesus era judeu." Porquê era?
Deixou, qualquer dia, de ser judeu? Uma olhada na literatura à essa questão é sumamente
interessante: Títulos como "Jesus o judeu" e semelhantes encontramos, antes de tudo, em autores
judaicos. (Não conheço nenhum livro dum autor cristão com esse ou semelhante título.) Podemos
aqui voltar até a Joseph Klausner (1922, alemão "Jesus von Nazareth" [’Jesus de Nazaré’] l934). Em
seguida, principalmente David Flusser em Jerusalém e Geza Vermes (Oxford): Jesus der Jude [Jesus,
o judeu], (alemão 1993).
Em literatura alemã mais recente queria mencionar: Gerd Theißen/Anette Merz, Der
historische Jesus. Ein Lehrbuch [O Jesus histórico. Um livro de ensino], 1996 (21997). Além
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disso, agora Frank Crüsemann/Udo Theissmann, Ich glaube an den Gott Israels. Fragen und
Antworten zu einem Thema, das im christlichen Glaubensbekenntnis fehlt (Creio no Deus de
Israel. Perguntas e Respostas a um assunto que falta no credo cristão), 1999.
É uma falta fundamental no ler cristão do Novo Testamento, destacar somente o especial, o
"cristão". Isso leva muitas vezes ao apresentar o judaico como sendo cristão. Um exemplo
caraterístico disso é o mandamento do amor ao próximo. É que este mandamento, freqüentemente,
está sendo apresentado com algo especialmente caraterístico para a Cristandade. Os evangelhos,
porém, põem bem claramente em relevo que este mandamento está sendo citado, por Jesus ou
pelos seus parceiros de colóquio, da Escritura. Em Mateus, Jesus mesmo menciona, respondendo à
pergunta pelos mandamentos que a pessoa deve observar, alguns mandamentos do decálogo,
acrescentando ainda o mandamento do livro Levítico (19,18): "Ama o teu próximo como a ti
mesmo" (Mt 19.18s.). Em Marcos, Jesus liga o mandamento de Levítico 19 com a confissão básica
da fé judaica do livro Deuteronômio (Dt 6,4s.):
"Ouve Israel, o Senhor é nosso Deus, ele é o Senhor único (SheMÁ` YiSRóÊL YHVH(adonáï)
ÈLoHêNU YHVH(adonáï) ÈHóD). E ama o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a
tua alma, com todos os teus pensamentos e toda a tua força" (Mc 12,19s.).
Em Lucas, os papéis são invertidos. O escriba que perguntou a Jesus: "O quê preciso fazer para
ganhar a vida eterna?", é convidado por Jesus a dar mesmo a resposta da Escritura; e cita, como
Jesus o faz no Evangelho de Marcos, juntando o mandamento do amor ao próximo com a confissão
judaica de fé (Lc 10,25-27). Aqui, então, não é que é Jesus mesmo, mas sim um escriba, que cita
esse mandamento do livro mais "judaico" dos Cinco Livros de Moisés, do livro Levítico. Se, portanto,
uma religião merece que se destaque o mandamento do amor ao próximo como o seu caraterístico,
esta é a judaica. E, ao mesmo tempo, mostra-se claramente que Jesus era um fiel aderente à Toráh.
É, porém, que o Judaísmo do tempo de Jesus não era de modo nenhum monolítico. O Novo
Testamento nos mostra que havia grupos diversos. Aí estavam, antes de tudo, os fariseus e os
saduceus, entre os quais havia muitas, em parte fundamentais, controversas no entendimento e
interpretação da Toráh. Então sabemos agora da comunidade no Mar Morto, que está sendo
igualada, maioritariamente, com os essênios. Do grande número dos textos encontrados, resulta
uma imagem muito diferente do Judaísmo e da interpretação da Toráh. Aqui, agora, entra a
Cristandade como mais um grupo mais e mais autônomo.
A isso, mostra-se também que Jesus praticava uma inteiramente autônoma, até teimosa
interpretação da Toráh. Esta corre em duas, aparentemente opostas, direções: como agravamento
e como afrouxamento da Toráh. Quero isso mostrar brevemente em dois exemplos.
O um são as conhecidas frases no Sermão da Montanha, nas quais Jesus pelo seu próprio "Mas eu
vos digo" aponta para além da respetiva frase da Toráh. Nisso, Jesus diz de um lado: "Não vim
dissolver (a Toráh), mas sim para cumprir (ela) (Mt 5,17); de outro lado: "Se a vossa justiça não for
melhor que aquela dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus" (v. 20).
A posição de Jesus referente ao Sábado aponta numa outra direção. "O Sábado é feito por causa do
homem, e não o homem por causa do Sábado" (Mc 2,27). Numa direção semelhante aponta
também o relacionamento ao mandamento de pureza: "Não há nada entrando de fora no homem
que o possa fazer impuro; mas o que sai do homem é aquilo que faz o homem impuro" (Mc7,15).
Aqui se mostra uma concepção livre, "liberal", de certos aspetos da Toráh. Estes permanecem,
porém, como também os pronunciamentos de agravamento da Toráh, no quadro do Judaísmo. (Ao
todo, aponto ao mencionado livro de Theißen/Merz, § 12: Jesus como professor: A ética de Jesus.)
Jesus era e permaneceu judeu, até o fim da sua vida, até na cruz – e até à sua ressurreição! Os
autores judaicos hodiernos nos ensinam: Não há nada em Jesus que o deixe sair do Judaísmo. Mas
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ele era, também, no contexto do Judaísmo um personagem única e completamente especial. Martin
Buber, David Flusser e outros sempre enfatizavam: "Jesus, o judeu" não quer dizer nivelá-lo, mas
sim interpretar o especial da sua personagem no contexto, sim no quadro, do Judaísmo. O especial
decisivo era, sem dúvida, sua esperança da proximidade do último tempo (seine eschatologische
Naherwartung): a esperança do começo iminente do Reino de Deus.
O decisivo para nós é agora: Precisamos ler os Evangelhos, primeiro, dentro do Judaísmo. Isso é, por
causa da tradição em que nos encontramos, sem dúvida difícil. Mas o começo decisivo é:
Precisamos parar de ler os Evangelhos contra o Judaísmo!
II. A separação dos caminhos
I
Jesus era e permaneceu judeu. Também os seus discípulos e os seus ouvintes eram judeus. Nos
tempos de vida de Jesus não havia começo, nem mesmo motivo, para uma separação do Judaísmo.
Mas o quê aconteceu depois da sua morte? Marcos e Mateus escrevem; "Então todos os discípulos o
abandonaram e fugiram" (Mt 26,56; Mc 14,50). Temos isso no ouvido da Paixão de Mateus
(Matthäus-Passion) de Bach! Jesus ficou sozinho. Não havia Cristandade nenhuma, também não
comunidade cristã nenhuma. Havia o espalhado e altamente inseguro grupo dos seguidores de
Jesus.
Mas como continuou em seguida? O Evangelho de Lucas relata que as mulheres, que eram
presentes na sepultura, encontraram o sepulcro vazio no dia seguinte, sabendo de mensageiros
celestes que Jesus teria ressuscitado (Lc 24,1-7). Quando relataram isso aos discípulos, pareceu a
estes como "palavrório" (v. 11; na velha Bíblia de Lutero se diz: "als wären’s Märlein" [‘como seriam
contos de fadas’]). Também Pedro, que depois correu ao sepulcro, se estranhou (v. 12). No início
dos Atos dos Apóstolos relata-se, então, duma aparição do ressuscitado perante os discípulos
reunidos. Perguntaram-lhe: "Senhor reerguerás, naquele tempo, o reino para Israel?" (At 1,6).
Expressam, com isso, que partilham da concepção, dominante no Judaísmo naquele tempo, de que
o Messias, como "Filho de David", reergueria o domínio real, como este existia nos grandes tempos
de Davi. Especialmente elucidativa para isso é a narrativa dos discípulos de Emaús em Lucas 24. O
ressuscitado junta-se incógnito aos dois adeptos de Jesus, deixando-os contar-lhe o que aconteceu.
A frase central da sua apresentação frustrada e desconcertada pelos acontecimentos soa:
"Esperávamos que era ele que salvasse Israel" (v.21). Mas Jesus os corrige:
Oh vós tolos, de corações inertes demais para crer tudo o que os profetas falaram! Cristo
não precisava sofrer tudo isso e entrar na sua glória? E começou com Moisés e os profetas,
explicando-lhes o que em toda a Escritura foi dito dele (v. 25-27).
Esses discípulos esperavam, então, também um "Messias" político, que livrasse Israel do jugo
romano. Mas a sua esperança não se cumpriu. O ressuscitado, agora, explica-lhes que a sua
imagem de Messias era errada. Jesus correspondeu a uma outra imagem de Messias: ao Messias
sofrendo. É sumamente elucidativo que aqui, dentro das histórias cristãs de Páscoa, está sendo
empreendida uma expressa correção da imagem de Messias. Quando, então, outros judeus, que
não pertenciam ao mais estreito círculo dos discípulos de Jesus, também esperavam um messias
político tal, e que teriam sido inteiramente dispostos a reconhecer Jesus como tal, se tivesse
afastada a hegemonia romana – mereceriam estes serem censurados por considerarem, depois da
morte de Jesus na cruz, frustrada essa esperança de messias – igualmente como os discípulos no
seu caminho a Emaús? Podemos aprender desta história que o correto entendimento da
messianidade de Jesus não se ganha senão a partir da sua ressurreição.
Uma nota intermediária: O conceito de messias (do hebraico MòShÍaH, o "ungido") ocorre
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no Novo Testamento só duas vezes, e isso no Evangelho de João (1,41 e 4,25). No grego, é
reproduzido por christós. Havia, porém, no Judaísmo naquele tempo visões de messias muito
diferentes, como é que mostra a narrativa dos discípulos de Emaús.
É, portanto, uma discussão infrutífera e de pouco sentido, disputar com judeus se Jesus "era o
Messias" e porquê os judeus não reconhecem isso. Porque, em última análise, trata-se nisso duma
confissão da comunidade cristã depois da Páscoa. Com isso porém, essa questão subtrai-se da
discussão com aqueles judeus que não pertencem àquela comunidade.
Aqui se trata, outra vez, dum movimento de pesar novo. Não devemos olhar aos judeus a partir do
porto seguro do nosso saber "cristão" hodierno, mas sim precisamos voltar com as nossas
perguntas aonde os próprios cristãos eram judeus, preparando-se, porém, para andarem num
caminho próprio, novo.
Os cristãos eram, agora, para assim dizer "judeus messiânicos".
De novo uma nota intermediária: Precisamos, aqui, distinguir mui exatamente entre a
situação de então e a de hoje. Naquele tempo, os judeus messiânicos chegaram a ser
cristãos. Isso é irreversível! Quando hoje "judeus messiânicos" dizem: Somos os judeus
verdadeiros porque cremos no Messias Jesus, é isso – especialmente depois do Holocausto –
impossível. Uma conversão individual, naturalmente, é possível, e nas duas direções
precisamente. Mas cada comunidade precisa manter a sua identidade, respeitando aquela
da outra!
De volta à questão da messianidade. Primeiro precisamos dizer: O "Antigo Testamento", a "Bíblia de
Israel", está em globo "aberta para o futuro". Mas isso significa, em muitos casos, uma esperança
completamente "intramundana": a esperança do reino davídico; um reinante da descendência de
Davi, o qual reerguerá o antigo reinado (Jr 23,5s. e outros), pastando como pastor o seu povo (Ez
34,23s. e outros). Outros textos falam misteriosamente dum "rebento", que "sairá da raiz de Jessé",
iniciando-se com isso um tempo de salvação, tempo esse em que toda inimizade entre homens e
animais estará terminada (Is 11,1-9). Assim também Is 65 (texto do trabalho bíblico no Dia da
Igreja), onde o v. 5 representa uma citação de Is 11,6ss. Podemos chamar todas estas esperanças
de "escatológicas", porque esperam um futuro, em que a situação será melhor que a atual. Mas
esses textos não são eo ipso (por si mesmos) "messiânicos"; em Is 65 não ocorre, p. ex.,
personagem messiânica nenhuma.
Um texto seja ainda mencionado, porque é um dos poucos que já originalmente tem um sentido
"messiânico" – no sentido escatológico da palavra: Zc 9,9:
Tu, filha Sião, alegra-te muito,
e tu, filha Jerusalém, exulta!
Vê, teu rei vem a ti,
um justo e ajudador,
pobre, e cavalga num asno,
num poldro duma asna.
É que esse texto já está sendo citado explicitamente no Novo Testamento na entrada de Jesus em
Jerusalém, com a formula de introdução: "Isso aconteceu para que se cumprisse aquilo que é dito
pelo profeta" (Mt 21,5). Mas do seguinte versículo 10 resulta claramente que o Messias não cria a
paz ele mesmo, mas sim que entra depois de que Deus tem "quebrado o arco da guerra". Assim, a
tradução, no versículo 9, deveria ser mais exata: "um justo e alguém que foi ajudado".
A Cristandade assumiu o elemento escatológico. Mas precisamo-nos conscientizar que isso é outra
vez um elemento judaico. Trata-se outra vez do movimento de pensar. A Cristandade é judaica
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naquilo que assumiu e reforçou a orientação ao futuro. É, porém, um erro cristão fundamental, que
esse elemento "judaico" está sendo referido unilateralmente à pessoa do "Messias" Jesus. A
interpretação cristã tem isolado esses pronunciamentos um por um, para assim dizer "debicado",
referindo-os a Jesus; com isso, porém, fez deles, de fato, uma contraposição ao Judaísmo. Isso está
especialmente pronunciado em certos textos controversos, como p. ex. Is 53. Esse texto fala de
Jesus? Para tanto, precisa primeiro duma interpretação no sentido de Lc 24! Isso é como que
ilustrado pela narrativa do tesoureiro da Etiópia em At 8,26ss. Este lê, na sua volta de Jerusalém, no
Livro Isaias; porque lê de alta voz, o discípulo de Jesus, Filipe, pode-se aproximar do carro e
perguntar: "Entendes também aquilo que lês?" O Etíope o pede subir, podendo Filipe, assim,
explicar-lhe a interpretação cristã de Is 53 e, enfim, batizá-lo por vontade própria dele. Aqui, está
sendo apresentado narrativamente o começo duma interpretação cristã desse texto difícil,
interpretação essa que chegou a ser um exemplo até clássico mesmo para a interpretação eclético
de textos escatológicos antigotestamentários.
II
A comunidade cristã constituiu-se e se consolidou, sem, porém, separar-se do restante do Judaísmo!
Os conflitos que surgiram, eram conflitos intrajudaicos. Os Atos dos Apóstolos relatam bem
plasticamente da vida da primeira "comuna": Constava dos onze (e, em seguida, outra vez doze)
apóstolos e contava, segundo At 1,15, 120 pessoas no total. Na primeira pregação pública de Pedro
depois do milagre de Pentecostes (At 2,14ss.), ele pregou da "Escritura", quer dizer da Bíblia de
Israel, do "Antigo Testamento", justamente como Jesus o fazia antes: Pedro cita primeiro Joel 3, a
seguir Sl 16,8-11 e Sl 110,1. Vira esses textos a Jesus e sua ressurreição. Isso é boa interpretação
rabínica! Mas ela está sendo feita, agora, com uma ponta missionária.
Aqui, porém, surge um problema de fundo: A estrutura básica escatológica da Bíblia de Israel chega
a ser agora apontada à pessoa de Jesus – embora o "Reino de Deus", obviamente, ainda não tem
chegado. Isso se baseia na "esperança de estar próximo" (Naherwartung) a chegada eminente do
Reino de Deus. Encontramos essa esperança em Jesus e, em seguida, também na primeira
comunidade cristã, Paulo incluído. Aqui jaz um dos problemas básicos da relação da nova
Cristandade nascente com o Judaísmo: na fé de que as esperanças da Bíblia de Israel são cumpridas
na pessoa de Jesus. Isso tem a sua razão decisiva no apontamento da esperança do "Messias". Já
falamos disso.
Isso continuava primeiro, não obstante, ainda um problema intra-judaico. Os adeptos de Jesus eram
um grupo dentro do Judaísmo. Assim relata-se: "Pedro e João saíram ao Templo pela nona hora do
tempo de oração" (At 3,1). Viviam, então como devotos judeus junto com os outros. A seguir,
porém, era Pedro que primeiro teve contato com não-judeus. Em conseqüência disso, foi
repreendido em Jerusalém. Assim se diz em At 11,3: "Foste a homens que não são judeus, comendo
com eles." A co-mensalidade com não-judeus é o limiar decisivo na base das prescrições judaicas.
(É que assim está, muitas vezes, até hoje!) Pedro, por conseguinte, relata duma visão, na qual teria
recebido a ordem de comer com aqueles não-judeus (v. 5ss.). Também noutros lugares surgiram os
mesmos problemas: Segundo At 11,19, alguns dos adeptos de Jesus missionantes dirigiam a sua
pregação "somente aos judeus"; outros, por sua vez, também aos "gregos", quer dizer aos helênicos
(v. 20). Nesse ambiente, então, aparece pela primeira vez a denominação de "cristãos" (christianoi)
(v.26).
Essas divergências conduzem, afinal, ao "Concílio dos Apóstolos’, relatado em At 15. Aqui se toma,
agora, uma decisão muito importante: acorda-se em quatro "mandamentos noaquídicos", a serem
observados também por não-judeus que se quiserem juntar à comunidade cristã: Abstenção da
carne dos sacrifícios aos deuses, do (derramamento de) sangue, do sufocado (quer dizer abatido
não regularmente) e a impudicícia (v. 29). Com isso, então, não-judeus, "pagãos" podem ser
admitidos na comunidade dos fiéis em Cristo. Não precisam sujeitar-se à Toráh de Moisés. Para
estes, porém, valem determinados mandamentos, os quais, na tradição judaica, são atribuídos a
9 / 15
Noé (Gn 9,4-6). Isso, porém, significa que, também nesse passo decisivo para além do quadro
judaico, supõe-se uma tradição judaica duma "toráh para os povos". (Cf. a isso em detalhe: Klaus
Müller, Tora für die Völker. Die noachidischen Gebote und Ansätze zu ihrer Rezeption im Cristentum
[Toráh para os povos. Os mandamentos noaquídicos e começos da sua recepção na Cristandade],
Berlim 1994.)
III
Paulo! Outra vez Harnack:
Paulo foi que conduziu a religião cristã para fora do Judaísmo. ... Foi ele que julgava,
certamente, o Evangelho como algo de novo que abolisse a religião de lei. ... Paulo opunha
(essa religião) à religião israelita. "Cristo é o fim (das Ende) da lei." Ela não só suportava o
desarraigamento, mas mostrou-se que era pretendida para a transição. Dava, a seguir,
consistência e apoio ao Império Romano e ao mundo da cultura ocidental inteiro.
E, a seguir, outra vez sobre os discípulos de Jesus que se juntaram à nova doutrina de Paulo:
Aqui, a própria história mostrou uma vez, com clareza inconfundível e num processo mais
curto, o que era caroço e o que era casca. Casca era o condicionamento judaico inteiro da
pregação de Jesus. Casca eram também palavras assim determinadas como aquilo: "Não
sou enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel." Na força do espírito de Cristo, os
discípulos romperam essas barreiras.
A isso haveria muito a dizer. Queria, no contexto atual, destacar, antes de tudo, duas coisas sobre
Paulo. Primeiro: Em Paulo, embora não se fale explicitamente dos "mandamentos noaquídicos", há,
nas suas cartas, certos "catálogos de vícios" (Gl 5,19-21), nos quais deparamos os mesmos
princípios básicos. (Cf. K. Müller, p. 17ss.)
Segundo: Obviamente, a tensão entre judeus e não-judeus era muito pronunciada na comunidade
cristã em Roma. Por isso, Paulo precisa fazer frente a ela. Enfatiza, primeiro, a validade permanente
da posição especial de Israel diante de Deus: "São israelitas..." com tudo aquilo que Deus lhes tem
proporcionado (Rm9,4s.). A seguir, porém, destaca: "Também eu sou um israelita, da estirpe de
Abraão, da tribo de Benjamim" (11,1). Paulo não se deixa separar de Israel!
III. O quê ficou?
Vimos que os inícios da Cristandade radicam muito profundos no Judaísmo – mais exato: que a
comunidade cristã, nos seus inícios, fazia parte do Judaísmo de então. O quê mudou depois? Porquê
soa isso para nós um como "conto de fadas dos tempos antiquíssimos"?
I
Consideremos, primeiro, o desenvolvimento histórico. Tento, nisso, comprimir os processos
complexos.
No lado cristão, realizou-se o desenvolvimento para a "Igreja de Pagãos". Já falamos de que essa
evolução ia-se preparando em Roma, e que Paulo tentou parar ela. Com isso, porém, está ligado,
nos pertencentes às comunidades cristãs, uma diminuição da consciência da solidariedade com o
povo judaico. Paulo tentou, aqui, "salvar", mas isso era em vão por muito tempo. A isso se junta, um
como importante elemento ulterior, o desaparecimento da comunidade cristã-judaica em Jerusalém.
Onde estavam no tempo do cerco romano nos anos até 70 d. C.? Esquivaram-se para Pella no lado
leste do Jordão, como relata Eusébio? Os seus vestígios perdem-se na escuridão da história.
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Com o crescente perfilamento e delimitação das comunidades cristãs referente aos judeus,
cresciam também os conflitos. Agora, não mais eram conflitos intra-judaicos, mas sim conflitos
entre dois grupos cunhados de proximidade e delimitação. Um exemplo disso é a discussão acerca
da chamada "benção de apóstatas" (Ketzersegen) na Oração dos Dezoito Pedidos", a oração
principal da liturgia judaica. Aqui, a 12a benção contém uma maldição de "apóstatas", quer dizer de
caluniadores e renegados, sendo mencionados ao lado dos apóstatas, numa versão especial,
também os "nazarenos". Muitas vezes se supõe, agora, que era o fim da benção manter
cristãos-(judeus) afastados da visita às sinagogas. Essa benção, no entanto, dirige-se
provavelmente antes contra a autoridade romana e contra vários grupos heréticos. Mas o fato de
que a interpretação que se refere aos cristãos podia nascer e se manter na tradição cristã como na
judaica até hoje, mostra a situação carregada de conflito que existia entre os dois grupos. (Cf. a isso
a contribuição de Jakob Petuchowski no "Lexikon der jüdisch-christlichen Begegnung", 1989,
201-205.)
No Império Romano, judeus e cristãos estavam numa situação comparável: Ambos eram minorias,
até marginais. Isso conduzia continuamente ao que cristãos, em situações de perigo,
apresentassem-se como judeus. Com essa situação de terem algo em comum apesar de todas as
tensões, David Flusser motivou o título do seu livro "Das Christentum – eine jüdische Religion" [‘A
Cristandade – uma Religião Judaica’] (1990). Escreve:
Também falando historicamente, a Cristandade, bem como o Islame, não podiam evoluir-se
para uma religião mundial senão porque cada um dos dois tem sido uma fé judaica e uma
confissão judaica. ... É, portanto, compreensível que, quando a Cristandade se tinha
espalhada entre os não-judeus, o monoteísmo judaico, a fé no único Deus moral, a
inclinação amorosa ao próximo, os imperativos morais, a vida familiar sadia, o cuidado com
os pobres e deficientes e a veneração perante a vida atraiam muitos pagãos. A Cristandade
podia ser aceita pelos pagãos pela razão porque se legitimou como religião judaica perante
eles, e esses pagãos que se tornaram cristãos, muitas vezes já sabiam do Judaísmo antes,
sendo muitos, como nos confirma Paulo, conhecedores das sagradas escrituras judaicas. (P.
165)
Um outro aspeto representa a literatura "Adversus Judaeos" (‘Contra os Judeus’). Do 2o até o 7o
século adentro, os escritos antijudaicos formam diretamente um próprio gênero da literatura
cristão. Nesses, encontra-se já todo o arsenal de repreensões e denúncias antijudaicas. Quando
então Constantino ("o Grande"), no ano de 312, tinha alcançado a sua vitória na Ponte Milvina sob o
sinal da cruz, o caminho para a Cristandade era livre para chegar a ser religião de estado, o que, a
seguir, se realizou no ano de 380. Com isso começou, visto em geral e total, um tempo de
sofrimento para o Judaísmo.
Mas os nossos assuntos não são, agora, inimizade aos judeus e anti-semitismo. No nosso
movimento de pensar está, antes, completamente claro: O cerne da inimizade cristã aos judeus é
sempre a reivindicação de prioridade referente aos judeus. Mas a pergunta é: prioridade em o quê?
Falado breve: A reivindicação cristã de prioridade estende-se a todos os pontos principais da
tradição bíblica – isso, porém, quer dizer: a tradição "antigotestamentária". A Igreja entende-se
como o Israel verdadeiro – mas é que isso quer dizer: os cristãos são os judeus melhores. Jesus é o
Messias – é que isso quer dizer: aquele em quem as promissões antigotestamentários são
cumpridas – etc. Nunca quer dizer: o Judaísmo é irrelevante; ou: poderíamos ser cristãos sem a
primeira parte da Bíblia. (Mais exato: não quer dizer aquilo que só raras vezes foi dito, por Márcio no
2o século e, no século 20o, por Harnack, mas ambos não foram aceitos pela tradição eclesial.) Antes,
sempre se diz: reivindicamos toda essa tradição para nós – e isso segundo a nossa interpretação,
com a nossa escolha e com as nossas antíteses.
II
11 / 15
Demos um pulo ao presente – por cima de Agostinho e Lutero. O nosso assunto hoje é: O quê é que
ficou? Quase queria responder: tudo. A nossa Bíblia ainda existe na sua totalidade. Não precisamos
senão aprender de novo a ler ela (e já temos aprendido isso em parte!). Precisamos voltar ao
começo – mas só em plena consciência daquilo que aconteceu entrementes. Naturalmente, não
podemos voltar ao começo realiter (realmente). Podemos, porém, tentar re-executar aquilo que
"corria errado" naquele tempo.
Preciso aqui inserir uma palavra sobre a expressão "Judaísmo". Já poder-se-ia ter-me objetado há
tempo que não falei de "Judaísmo" propriamente. Sei que empreguei esse conceito, muitas vezes,
num sentido mais amplo: no sentido da comunidade cuja escritura canônica é a "Bíblia Hebraica",
logo do Israel bíblico. No tempo de Jesus, porém, a autodenominação dessa comunidade era
"judeus" (em hebraico jehudim, em grego judaioi). Já desde o tempo depois do Exílio Babilônico,
mais exato: desde Ezra, encontramos essa autodenominação na Bíblia Hebraica.
Em seguida, porém, deu-se um desenvolvimento novo: Depois da destruição do Templo pelos
romanos no ano de 70, havia um começo novo. Um certo grupo pôde-se constituir de novo em
Yabne (Yamnia), pôde fundar uma "casa de ensino", um Sanhedrin (Sinédrio) como grêmio de
direção, etc. Com isso tinha-se constituído, de fato, um novo tipo de "Judaísmo". Chamam-no de
"Judaísmo Rabínico". Neste, as tradições dos Fariseus encontravam, antes de tudo, a sua
continuação. O mais importante, porém, era: este Judaísmo se constituiu sem o ponto central do
Templo, que estava destruído. É um fenômeno interessante como, porém agora na tradição
rabínica, todas as tradições da Bíblia Hebraica prosseguiam sendo conduzidas, também aquelas
sobre o culto do Templo.
À Bíblia (hebraico: Tanak ou Miqra) acresce agora a tradição oral, que logo chegou a ser coletada
também por escrito na Mishnáh, esta que, a seguir, chegou a ser a base para o Talmud. Isso quer
dizer primeiro: O Judaísmo, embora tenha uma Bíblia de só uma parte, tem, porém, uma "Sagrada
Escritura" de duas partes. Freqüentemente, chama-se o inteiro corpo de duas partes de "Toráh", a
saber "Escrita" e "Oral" (que, entrementes, também está escrita). Há, porém uma distinção
fundamental entre as duas partes: A Toráh Escrita consta invariável no seu teor; a Toráh Oral é
interpretação da Escrita, sendo múltipla e rica em variantes até à sua fixação definitiva no fim do
6o/início do 7o século.
A paralela à Bíblia cristã de duas partes salta aos olhos. É que alguns cristãos íntimos do Judaísmo
dizem, então, que o Novo Testamento seria algo como a Mishnáh cristã, quer dizer interpretação da
"Bíblia", a saber do "Antigo Testamento". Mas aqui a diferença das tradições de interpretação chega
a ser outra vez clara. Para a interpretação judaica, a "Bíblia" é a base e o critério. Toda a
interpretação precisa-se justificar perante ela. Na tradição cristã, acontece muitas vezes
exatamente o inverso. No mais claro, o antigotestamentólogo Antonius Gunneweg tem expressado
isso. Escreve: "Sobre a validade ou invalidade (do Antigo Testamento pode) ser decidido só a partir
do cristão, logo na base e por meio do Novo Testamento". (Vom Verstehen des Alten Testaments.
Eine Hermeneutik [Do Entender do Antigo Testamento. Uma Hermenêutica], 1977 [21988], p. 185.)
Ou: O Novo Testamento é o critério. "Onde quer que o fiel entendimento de existência do Antigo
Testamento se mostrar a par desse critério, o Antigo Testamento pode ser cristãmente recebido de
imediato e correspondentemente pregado e ensinado. ... Essa seleção do Antigo Testamento
complementa a mensagem cristã..." Logo, não todo o Antigo Testamento possui relevância
teológica, mas sim somente uma seleção, que se mostrar "à altura" dos critérios cristãos. N.B.: Aos
critérios de quem? De Gunneweg?
Encontram-se numerosas outras vozes semelhantes na hodierna literatura. Menciono ainda
a teologia do Antigo Testamento de Otto Kaiser (1993/1998), a qual representa essa posição
de modo muito apontado, juntando-se nisso explicitamente a Emanuel Hirsch, àquele
teólogo que, na época do Nacionalsocialismo, expunha a sua visão antijudaica do Antigo
Testamento.
12 / 15
Se o teólogo permanecer no sentido da palavra do texto, não poderá repetir o
entendimento neotestamentário-eclesial da Antiga como anúncio da Nova Aliança. Mas nada
o impede entender não obstante isso, contra o teor dos textos, o fracasso de Israel na lei e
na história corretamente como promissão, no sentido de que (jaz), escondida sob a fé e
serviço da lei, uma adoração que se estende à graça divina, e que não chega à sua verdade
e liberdade senão no Evangelho. (Vol. 1, p. 87. A passagem, em Kaiser posta em itálico, é
citação de E. Hirsch, Das Alte Testament und die Predigt des Evangeliums [O Antigo
Testamento e a Pregação do Evangelho], 1936, p. 12.)
Aqui, então, mostra-se outra vez, em extrema agudeza, a posição de que o significado
teológico real do Antigo Testamento não se abre senão a partir do Novo Testamento. Nisso,
supõe-se um entendimento do Antigo Testamento marcado com o conceito de "fracasso" –
conceito esse que se origina de Rudolf Bultmann.
Qual é o critério para a "validade" do Antigo Testamento? O Novo Testamento? Ou não é antes a
opinião do respetivo teólogo! Aqui se mostra mais uma diferença à tradição judaica. É que aí há,
muitas vezes discussões muito controversas, sendo essas também transmitidas detalhadamente no
Talmud. Nisso, porém, são sempre examinados os critérios, precisando as diversas opiniões
justificar-se também perante a tradição que é transmitida através das gerações. Na teologia cristã
domina, muitas vezes, uma grande preferência, até arbitrariedade. Aqui, uma pessoa
pretensamente engenhosa não se precisa justificar perante nenhuma instância.
Em contraposição a tais concepções, precisamos aprender de novo escutar o Antigo Testamento
como sábia tradição dos nosso "judaicos" antepassados. E isso, então, quer dizer: perceber que, em
áreas essenciais, não temos nenhumas outras possibilidades do que o Antigo Testamento. Menciono
duas áreas:
A primeira área é a criação. É que não precisamos de muitas palavras, para trazer à consciência
que, de fato, tudo aquilo que podemos saber e aprender da Bíblia sobre Deus criador e a criação
está na primeira parte da Bíblia, no "Antigo Testamento". Não podemos, portanto, em vista da
doutrina e mensagem da criação falar senão de uma tradição judaica-cristã. Isso também vale, onde
muitos cristãos hoje se esforçam a obter um novo relacionamento à criação, à "natureza". Onde,
senão no Antigo Testamento, teriam de encontrar orientação?
Isso, porém, não significa nada menos do que o Primeiro Artigo do nosso Credo, que pronunciamos
em cada serviço de culto, expressa um elemento básico da tradição judaica-cristã comum de fé.
Cada judeu poderia falar em coro conosco: "Creio em Deus, o pai, o onipotente, o criador do céu e
da terra." A segunda parte dessa frase, é que corresponde quase verbalmente à primeira frase da
Bíblia de Israel.
Neste lugar, preciso ainda inserir uma observação básica sobre um certo entendimento de teologia
cristã. Quando estudava, ensinaram-nos que o Segundo Artigo, que trata de Jesus Cristo, seria
propriamente a parte mais importante do nosso credo. Creio que, também hoje, muitos cristãos e
especialmente teólogos pensam assim. Isso, então, leva freqüentemente à – por vezes até como
que constrangida – tentativa de interpretar ou completar e fazer "sobressair" textos da primeira
parte da nossa Bíblia "cristologicamente". Uma pergunta freqüentemente feita é: "O quê significa
isso para nós cristãos?" Se essa pergunta partir da suposição de que os textos, já de antemão,
significam para nós "como cristãos" coisa diferente daquilo que está escrito aí, então a pergunta
está posta errada de princípio. A Igreja assumiu a "Escritura" da comunidade primitiva, não porque
a tomou por precisar de ser transformada, mas sim porque era a Bíblia de que os cristãos viviam
desde os seus primórdios.
É que precisamos também aprender a ler textos bíblicos de novo. Assim, p. ex., existe a tese de que
a Cristandade estaria culpada da exploração e destruição da criação na base das palavras do relato
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bíblico de criação: "Sujeitai-vos a terra e dominai sobre ela" (Gn 1,28). (Nisso então, os cristãos
estão sendo responsabilizados por uma frase central, não cristologicamente interpretada, do Antigo
Testamento!) Mas como aquele mandato está sendo apresentado pormenorizadamente a seguir? Já
no segundo capítulo do Gênesis encontra-se uma explicação: O homem criado por Deus deve
"cultivar e guardar" o âmbito de vida que lhe foi confiado, o "jardim" (2,17). É, portanto, o exato
contrário de exploração que aqui está sendo mandado ao homem: Ele deve "guardar" a criação pelo
trabalho das suas mãos. Também alhures, há várias palavras na Bíblia sobre a relação à criação.
Antes de tudo, em vista à relação com os animais, a Bíblia de Israel oferece muitos
pronunciamentos notáveis. (Cf. a isso B. Janowski e outros, Gefährten und Feinde des Menschen.
Das Tier in der Lebenswelt des alten Israel [Companheiros e Inimigos do Homem. O Animal no
Mundo de Vida do Antigo Israel], 1933.) Esse só como exemplo.
A segunda área que queria mencionar ainda, é a ética: Também aqui precisamos reaprender a falar
da "tradição judaica-cristã". Isso começa com o fato muito simples de que os dez mandamentos,
que formam a base da ética cristã, originam-se da Bíblia de Israel. Muitos cristãos, talvez, não estão
cônscios de que esses mandamentos formam o centro da revelação da Toráh no Sinai. Aqui há,
outra vez, uma das coisas fundamentais que temos em comum, e também aqui não teria sentido
nenhum enfatizar a diferença. Acho sempre muito impressionante aquilo que Martinho Lutero, no
seu Grande Catecismo, diz sobre os dez mandamentos, os quais é que pôs no início do seu
catecismo: Devemo-los "apreciar e valorizar antes de todas as outras doutrinas, como o mais alto
tesouro, dado por Deus". Lutero nem enfatizou a diferença dos judeus, nem achou necessário
acrescentar algo de "cristão". Esses mandamentos da Bíblia de Israel formam, assim como estão aí,
a base da nossa ética cristã.
Parte disto faz também o mandamento do amor ao próximo. Já falamos de que esse mandamento,
muitas vezes considerado com especificamente cristã, origina-se do livro Levítico sendo, por Jesus e
seus parceiros de colóquio, expressamente citado como tal. Agora, representa mais um elemento
básico da ética "judaica-cristã". Porque esses dois mandamentos, respetivamente linhas de
mandamentos, pertencem às partes centrais da ética cristã, podemos a partir daqui continuar as
linhas para dentro do campo amplo da ética judaica-cristã, a qual tem grandemente cunhado o
mundo hodierno, determinando-o ainda hoje.
Isso leva a um ponto final. O direitos humanos, como estão assentados na "Declaração Geral dos
Direitos do Homem", são completamente determinados por essa ética judaica-cristã. Não podiam
ser desenvolvidos e formulados por um outro círculo de cultura do mundo do que pelo cunhado por
essa tradição. Certamente, acrescem as idéias do Iluminismo como elemento importante; mas
também este é que não podia nascer num outro círculo de cultura. (Mostrar isso em detalhe
excederia o quadro atual.)
*
Assim, o que cristãos e judeus têm basicamente em comum consiste em que a Cristandade nasceu
dentro do Judaísmo. A primeiro comunidade cristã era, primeiro, ainda um grupo dentro do Judaísmo
daquele tempo. Quando, a seguir, acresciam não-judeus, foram estes "enxertos" na árvore, como
Paulo o exprime plasticamente, pelo que, também eles, chegaram a ser galhos que vivem da
mesma raiz (Rm 11,17s.). Essa raiz é a "Bíblia Hebraica", a "Bíblia de Israel". Ela chegou agora, com
o "Antigo Testamento", a ser também parte integrante da nossa Bíblia, não mais e não menos
"Bíblia" como a sua segunda parte, o "Novo Testamento". Nisso, temos uma tradição comum com o
Judaísmo. Precisamos, porém manter sempre na consciência que a primeira parte da nosso Bíblia
era, primeiro, a Bíblia de Israel, e que a permaneceu sendo, inalterada até hoje. Isso precisamos
respeitar, evitando sucumbir à tentação de apropriar-nos o Antigo Testamento como a nosso
propriedade exclusiva, como isto acontecia com demasiada freqüência na história da Cristandade e
até hoje acontece. Pois isso significaria a expropriação da "Escritura" judaica, ao que não temos
direito nenhum.
14 / 15
Isso significa ao mesmo tempo que, desde a "separação dos caminhos", a comunidade judaica e a
cristã andavam cada uma o seu próprio caminho. Também isso precisamos respeitar. Não devemos
tentar chegar a ser "judaicos" no sentido do Judaísmo pós-bíblico. Não se pode tratar, portanto,
duma "cristandade judaica", mas sim, antes, de descobrir de novo e guardar as tradições judaicas,
que são parte integrante e indispensável da Cristandade, sem a qual a Cristandade não poderia
existir. Portanto, o "judaico na Cristandade" deve e precisa ser reconhecível, sim, precisa ser um
marco de identidade decisivo da Cristandade, sem que, com isso, a divisa ao Judaísmo seja
transgredida.
Finalizo com uma citação, que merece ser refletida, do já mencionado livro "Ich glaube an den Gott
Israels" (‘Creio no Deus de Israel’):
Como a igreja dos povos origina-se da história de Israel, procuramos por imagens de parente para
essa ligação indispensável. Precisa-se de várias imagens, porque uma sozinha é sempre curta
demais. Se podemos Israel e as comunidades cristãs, no tempo do Novo Testamento, considerar
ainda como "crianças de Rebeca" (A. F. Segal), a Cristandade hodierna se parece com uma filha
judaica que tomou um homem pagão, emigrando com ele. Israel permanece a religião mãe.
Renegar esta, põe em questão a própria vida. A religião filha e os seus descendentes têm, agora,
uma autônoma, muitas vezes duvidosa, mas, não obstante, rica existência, não podendo prescindir
do manter e venerar a sua origem. (P. 109, escrito por Marlene Crüsemann.)
Prof. Dr. Rolf Rendtorff: O precedente representa um resumo retocado das minhas três
conferências no Dia da Igreja (Kirchentag) em Stuttgart (Alemanha) em 1999. Algumas citações são
tiradas do meu trabalho "Christen und Juden heute. Neue Einsichten und Aufgaben" (‘Cristãos e
Judeus Hoje. Novas visões e novas tarefas’), 1998.
Texto alemão Tradução: Pedro von Werden SJ
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