serviço de vacinação nas farmácias portuguesas

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serviço de vacinação nas farmácias portuguesas
ARTIGO DE REVISÃO
SERVIÇO DE VACINAÇÃO NAS FARMÁCIAS
PORTUGUESAS
VACCINATION SERVICE IN THE PORTUGUESE PHARMACIES
Isabel Pimenta Jacinto
Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, departamento de Serviços Farmacêuticos da Associação
Nacional das Farmácias (ANF)
Suzete Costa
Licenciada em Ciências Farmacêuticas pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, certificada em Medication Therapy Management (MTM) pela
American Pharmacists’ Association (APhA), mestre em Saúde Comunitária pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, doutoranda em
Saúde Pública, na especialidade Economia da Saúde, pela Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, Centro de Estudos e Avaliação
em Saúde (CEFAR) da ANF
Maria Rute Horta
Licenciada em Ciências Farmacêuticas pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, certificada em Pharmacy-based Immunization Delivery pela APhA,
departamento de Serviços Farmacêuticos da ANF
Zilda Mendes
Licenciada em Probabilidades e Estatística pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, mestre em Probabilidades e Estatística pela Faculdade
de Ciências da Universidade de Lisboa, CEFAR da ANF
Carla Torre
Licenciada em Ciências Farmacêuticas pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, pós-graduada em Direito da Farmácia e do Medicamento
pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, mestre em Epidemiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, doutoranda em
Farmacoepidemiologia pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, CEFAR da ANF
José Pedro Guerreiro
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Licenciado em Matemática Aplicada pela Universidade Lusíada, pós-graduado em Probabilidades e Estatística pela Faculdade de Ciências da Universidade
de Lisboa, CEFAR da ANF
Sónia Isabel Queirós
Licenciada em Ciências Farmacêuticas pela Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, mestre em Economia e Políticas da Saúde pela Escola de
Economia e Gestão da Universidade do Minho, departamento de Assuntos Institucionais da ANF
Resumo
O regime jurídico das farmácias de oficina, previsto no Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de agosto, consagrou
a possibilidade de as farmácias prestarem serviços farmacêuticos de promoção da saúde e do bem-estar dos
utentes.
As farmácias, pelas suas características em termos de acessibilidade e distribuição geográfica, são espaços
de saúde que podem contribuir para o aumento da cobertura vacinal da população com benefícios em termos de saúde pública.
No presente artigo faz-se o enquadramento internacional e nacional da implementação do serviço de vacinação das farmácias e seus resultados, bem como reflexões sobre o reforço do papel da farmácia e o seu
contributo para promover o alinhamento entre a intervenção de proximidade e a qualidade das farmácias
com os objetivos nacionais de cobertura vacinal e de saúde pública.
Palavras-chave: Farmácias, administração de vacinas, gripe, cobertura vacinal.
Abstract
Community Pharmacies’ legal framework (regulated by the decree-law nº 307/2007, 31st August) established
the possibility of provision of pharmaceutical services to promote health and well-being by pharmacies.
Due to its characteristics in terms of access and geographical distribution, pharmacies are health providers
which can contribute to increase the immunization coverage with benefits in terms of public health.
In this article, it is described the national and international framework of the implementation of vaccination
services in pharmacies and the results of its implementation. It is also conducted a reflection on strengthening the
role of pharmacies and its contribution to the national targets for immunization coverage and public health.
Keywords: Pharmacies, vaccines’ administration, flu, immunization coverage.
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ARTIGO DE REVISÃO
Enquadramento Internacional
O serviço de vacinação nas farmácias, prestado por farmacêuticos, teve início nos Estados Unidos da América
(EUA) na década de 1990. Atualmente, os seus 50 estados
autorizam a administração de vacinas por farmacêuticos.
Este serviço está igualmente disponível no Canadá, na
Austrália, na Nova Zelândia, no Reino Unido, em Portugal
e na Irlanda e em discussão na Suíça e em França1-10.
Em todos os países atrás mencionados, a existência do
serviço nas farmácias pressupõe um conjunto de requisitos obrigatórios para a sua prestação, incluindo formação adicional para os farmacêuticos que os habilita
a administrar vacinas11 e a presença de equipamentos e
de materiais específicos, nomeadamente adrenalina para
tratar eventuais reações anafilácticas12-16.
Nalguns países, a existência de protocolos ou acordos com entidades oficiais ou médicos confere aos
farmacêuticos a possibilidade de poderem administrar algumas vacinas sem prescrição médica a grupos
específicos de utentes, nomeadamente a vacina contra a gripe a utentes idosos.
Na Europa há mais de 131 mil farmácias comunitárias e a
rede europeia de farmácias é vasta e está uniformemente distribuída pelo território europeu, sendo acessível à
grande maioria dos seus cidadãos12.
Aumentar a cobertura vacinal contra a gripe tem sido
uma preocupação generalizada. No sentido de se atingir
a meta estabelecida pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) de 75 por cento para a cobertura vacinal contra
a gripe em indivíduos com idade igual ou superior a 65
anos, diversos países têm colocado este objetivo na sua
agenda política17.
Em dezembro de 2014, os ministros da Saúde da União
Europeia assumiram que a vacinação é um instrumento
eficaz para melhorar a saúde pública e convidaram os Estados-membros a desenvolver iniciativas que permitam
expandir os conhecimentos e a formação dos estudantes
de Medicina e Ciências da Saúde nas áreas de Imunologia e na descoberta de novas vacinas, bem como
promover a colaboração entre profissionais de saúde
na defesa de vacinação18.
Verifica-se uma tendência global para implementar estratégias que promovam um maior acesso aos serviços de
vacinação e, em particular, à vacinação contra a gripe.
A proximidade com as populações e a sua fácil acessibilidade conferem à rede de farmácias um enorme potencial
para assegurar uma ampla cobertura vacinal.
No que respeita à remuneração do serviço, a prática varia,
embora em quatro dos sete países atrás referidos (EUA,
Canadá, Reino Unido e Irlanda), o serviço de vacinação
nas farmácias tenha financiamento público (com um valor médio de € 9,43)11. Nos restantes países, o financia-
mento é privado. De entre os países europeus, Portugal
é o único país onde o serviço de vacinação nas farmácias
não é abrangido pelo quadro de financiamento público
de prestação de serviços de saúde.
A evidência revela que a vacinação contra a gripe nas farmácias aumenta a acessibilidade e contribui para o aumento da cobertura vacinal19-21.
Nos EUA, um estudo de Steyer et al comparou a variação
na cobertura vacinal contra a gripe, entre 1995 e 1999,
nos estados que permitiam a administração de vacinas
pelos farmacêuticos versus estados que não o permitiam.
Os resultados indicam um aumento de 10,7 por cento na
cobertura vacinal nos indivíduos com idade igual ou superior a 65 anos nos estados que autorizavam a vacinação por farmacêuticos versus apenas um aumento de 3,5
por cento nos que não o permitiam, sendo esta diferença
estatisticamente significativa (p <0,01)3,8,22.
Na Irlanda, este serviço teve início em 2011, após publicação de legislação que autoriza os farmacêuticos a prestá-lo, permitindo que os farmacêuticos participem na Campanha Nacional de Vacinação contra a Gripe, promovida
pelo Serviço Nacional de Saúde, dando aos doentes a opção de se poderem vacinar no médico ou na farmácia. Os
farmacêuticos podem vacinar todos os utentes com mais
de 18 anos sem necessidade de receita médica. Verificou-se que o número de utentes vacinados nas farmácias duplicou em apenas um ano, passando de cerca de 19 mil na
época de 2012-2013 para 40 908 em 2013-2014. Sabe-se
ainda que 85 por cento destas pessoas que anteriormente não tinham sido vacinadas pertencem aos grupos de
risco. É um serviço que está em expansão19.
A conveniência e a facilidade de acesso à farmácia são
apontados, pelos cidadãos, como factores importantes
na escolha da farmácia para a vacinação contra a gripe,
mesmo quando isso implica pagamento associado ao serviço prestado, o que indicia disponibilidade e um grande
interesse por parte das populações na implementação
deste serviço nas farmácias23.
Enquadramento Nacional
O regime jurídico das farmácias de oficina, previsto no Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de agosto, consagrou a possibilidade de as farmácias prestarem serviços farmacêuticos
de promoção da saúde e do bem-estar dos utentes24.
A publicação da Portaria n.º 1429/2007, de 2 de novembro, especificou quais os serviços que as farmácias podem prestar, entre os quais se destaca o serviço de administração de vacinas não incluídas no Plano Nacional de
Vacinação (PNV)25.
Este é um serviço considerado de conveniência para os
utentes, devendo as farmácias ter os profissionais devidamente habilitados, instalações adequadas e todo o
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equipamento necessário, de forma a ter capacidade de
assegurar a qualidade e segurança do serviço prestado.
As farmácias, pelas suas características em termos de
acessibilidade e distribuição geográfica, são espaços de
saúde que podem contribuir para o aumento da cobertura vacinal da população com benefícios em termos de
saúde pública.
Em 2008, respondendo aos desafios deste novo enquadramento legal, a Associação Nacional das Farmácias (ANF) criou um modelo de intervenção, formação
para farmacêuticos e recomendações para apoiar as farmácias na implementação deste novo serviço com qualidade, rigor e segurança. Os modelos de intervenção farmacêutica e de formação para farmacêuticos foram baseados
no programa de certificação profissional da American
Pharmacists Association (APhA) – Pharmacy-Based Immunization Delivery, reconhecido pelo The Centers for
Disease Control and Prevention (CDC)8,26,27.
Após a definição dos modelos atrás referidos, a ANF disponibilizou formação intensiva para farmacêuticos por
todo o país, apostando na proximidade, e concentrou a
mesma num curto período de tempo, de forma a que os
farmacêuticos pudessem estar atempadamente formados para participar como prestadores desse serviço na
primeira Campanha Nacional de Vacinação contra a Gripe nas farmácias portuguesas promovida na época gripal
2008/200926. A ANF desenvolveu ferramentas de apoio
à intervenção das farmácias neste âmbito, incluindo as
recomendações, os requisitos, os materiais e os equipamentos necessários à prestação do serviço, de forma a
apoiar todas as farmácias que pretendem implementar
o serviço27. Na mesma altura foi elaborado um procedimento de intervenção farmacêutica no caso de reação
anafilática, com base na evidência científica. O serviço de
vacinação nas farmácias conta com a consultoria médica
nas áreas de emergência médica e preparação e administração de vacinas.
Os modelos de formação, intervenção e recomendações
definidas pela ANF em 2008 cumprem todos os requisitos legais descritos pelo INFARMED.
Formação dos farmacêuticos33
Para prestar este serviço na farmácia, os farmacêuticos devem concluir formação obrigatória em Administração de Vacinas, reconhecida pela Ordem dos
Farmacêuticos (OF), e formação de Suporte Básico
de Vida ou equivalente.
Os farmacêuticos que frequentarem ações de formação
reconhecidas pela OF obterão um certificado que reconhece a respetiva competência. O certificado emitido
pela OF tem um prazo de validade de cinco anos, findo o
qual é exigida a frequência de uma ação de formação de
atualização e a respetiva recertificação.
O curso de Administração de Vacinas na farmácia da
Escola de Pós-Graduação em Saúde e Gestão (EPGSG)
contempla várias temáticas, nomeadamente as vacinas
não incluídas no PNV, os requisitos legais e técnicos
do serviço, a metodologia de intervenção farmacêutica,
a reação anafilática e as técnicas de preparação e administração de vacinas com treino real. Relativamente ao
curso de Suporte Básico de Vida, a formação conta com
formadores da Escola de Socorrismo da Cruz Vermelha
Portuguesa.
A EPGSG disponibiliza ainda um curso de recertificação
profissional em formato de e-learning.
Os cursos presenciais e e-learning de recertificação profissional desenvolvidos pela EPGSG cumprem os requisitos definidos pela OF para a certificação profissional
no âmbito da prestação do serviço de administração de
vacinas.
Atualmente, mais de 2125 farmácias portuguesas prestam o serviço de vacinação e mais de 3725 farmacêuticos
completaram o curso de formação em Administração de
Vacinas da EPGSG, estando assim certificados pela OF
para a administração de vacinas.
Requisitos Obrigatórios e Recomendações
para a Implementação do Serviço de Administração
de Vacinas nas Farmácias28-32
De acordo com a Portaria n.º 1429/2007, de 2 de novembro, os serviços farmacêuticos têm de ser prestados nas
condições legais e regulamentares e por profissionais legalmente habilitados25.
3. Material
A farmácia deve estar dotada de equipamentos e materiais que permitam assegurar a qualidade dos serviços
prestados. Neste sentido, recomenda-se o equipamento
e material referido no Quadro I.
A farmácia deve ter os materiais para tratamento da
reação anafilática referidos no Quadro II.
É ainda importante ter na farmácia os seguintes materiais:
• Mininebulizador com máscara e tubo, de uso único;
• Soro fisiológico (administração endovenosa);
1. Pessoal habilitado
A administração de vacinas nas farmácias de oficina deve
ser executada por farmacêuticos ou por enfermeiros.
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2. Instalações
A farmácia deve dispor de instalações adequadas e autonomizadas, considerando-se como tal o gabinete de
atendimento personalizado a que se refere a Deliberação
n.º 425/CD/2007, de 28 de Novembro28.
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Quadro I – Equipamentos e materiais recomendados para
a prestação dos serviços de administração de vacinas
• Cadeira com braços reclinável até posição horizontal ou marquesa
Zona para preparação/manipulação (em inox, vidro temperado
ou campos estéreis)
•
• Desinfectante de mãos
• Desinfectante de superfícies
• Luvas descartáveis
• Toalhetes de álcool a 70° (ou álcool a 70° e compressas)
• Compressas
• Agulhas (o calibre e o comprimento da agulha dependem do medicamento
e da via de administração)
• Pensos rápidos
• Contentores de recolha de resíduos hospitalares
Quadro II – Materiais recomendados para tratamento
da reação anafilática
• Adrenalina a 1:1000 – 1 mg/ml
• Garrafa de oxigénio com debitómetro a 15l/min
• Máscaras com reservatório (O2 a 100%)
• Tubos de Guedel
• Insufladores auto-insufláveis com reservatório
• Máscaras faciais transparentes (circulares e anatómicas)
• Salbutamol (solução respiratória);
• Hidrocortisona e prednisolona (injetáveis);
• Esfigmomanómetro normal;
• Estetoscópio.
4. Registos
As farmácias devem registar o serviço farmacêutico
prestado, com referência ao tipo e à quantidade.
Em 2008, as farmácias portuguesas iniciaram o registo de vacinação numa matriz em papel, podendo
também registar o serviço no Sifarma® (sistema informático das farmácias). A partir de 2012, o registo
de vacinação passou a estar automatizado através do
Sifarma®, permitindo que as farmácias possam cumprir com as suas as obrigações legais e, em simultâneo, comuniquem o número de serviços de vacinação
ao INFARMED sempre que solicitado. Estes registos permitem ainda a avaliação anual do serviço de
vacinação pelo Centro de Estudos e Avaliação em
Saúde (CEFAR).
No âmbito da administração de vacinas é igualmente
importante registar a informação no boletim individual de saúde do utente, no espaço reservado para
a administração de vacinas não incluídas no PNV.
Quando o utente não tem consigo o boletim individual de saúde, a farmácia deve registar o serviço prestado no cartão de registo de vacinação, preenchendo
os seguintes dados:
• Nome do doente, sexo e idade;
• Nome comercial da vacina ou medicamento;
• Lote;
• Via de administração;
• Data da administração;
• Nome de quem administrou.
As farmácias com Sifarma® asseguram o registo desta informação no sistema informático, mais concretamente na ficha de acompanhamento do doente. As
restantes farmácias podem utilizar o impresso de registo de vacinação (matriz).
5. Seguro de responsabilidade civil
A apólice de seguro de responsabilidade civil das farmácias resulta da Portaria n.º 1429/2007, de 2 de novembro, pelo que abrange o serviço de administração
de vacinas.
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6. Divulgação
As farmácias devem divulgar os serviços e o respetivo
preço, de forma visível, nas suas instalações.
Papel do Farmacêutico na Vacinação
A intervenção farmacêutica no âmbito do serviço de
administração de vacinas tem como objetivos:
1. Promover a vacinação, informando a população dos
seus benefícios e de quem deve ser vacinado, esclarecendo dúvidas e desmistificando ideias erradas, que
muitas vezes são a causa da não adesão à vacinação;
2. Identificar indivíduos pertencentes a grupos-alvo e aconselhar a consulta médica, o que é mais
facilmente alcançado no decurso do processo de dispensa de medicamentos, pelo conhecimento da idade
do utente e a sua terapêutica;
3. Dispensar e administrar vacinas a todos os utentes
que escolhem a farmácia como local para se vacinarem.
Adicionalmente, desde 2008, as farmácias promovem
todos os anos uma campanha nacional na área da vacinação contra a gripe sazonal que pretende dinamizar
o serviço de vacinação nas farmácias, sensibilizar os
utentes para a importância da vacinação contra a gripe
e contribuir para o aumento da cobertura vacinal.
Através dos registos do Sifarma®, o CEFAR avalia o
impacto da vacinação nas farmácias a nível nacional,
assegurando o anonimato dos dados, e, deste modo, é
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possível estimar a contribuição das farmácias para o
aumento da cobertura vacinal. Esta informação tem
sido crucial para demonstrar com evidência a mais-valia da intervenção farmacêutica nesta área de saúde pública e reveste-se da maior importância no momento crítico que o sector farmacêutico está a atravessar, visto que pode contribuir para tornar reais as
justas expectativas de valorização dos serviços prestados pelas farmácias.
Resultados
20
Na época vacinal 2008/2009, as farmácias desenvolveram a primeira Campanha «Vacine-se Contra a
Gripe na sua Farmácia», iniciativa que marcou o lançamento do serviço de administração de vacinas nas
farmácias a nível nacional.
Participaram nesta iniciativa 1588 farmácias associadas da ANF e, destas, 775 (49 por cento) enviaram
os duplicados dos registos da vacinação para avaliação pelo CEFAR. Aproximadamente 91 por cento das
vacinas administradas nas farmácias foram administradas por farmacêuticos. Com base nestes dados, foi
possível estimar que pelo menos 159 700 indivíduos
terão sido vacinados contra a gripe sazonal nas farmácias durante toda a época gripal 2008/2009, correspondendo a uma média de 206 utentes vacinados
por farmácia, dos quais 63,8 por cento tinham idade
igual ou superior a 65 anos. A estimativa máxima da
taxa de vacinação nas farmácias, ou seja, a proporção
de vacinas administradas nas farmácias no total de
vacinas dispensadas, foi de 36,4 por cento. A cobertura vacinal foi estimada em 50,4 por cento nos utentes
com idade igual ou superior a 65 anos, tendo sido o
contributo das farmácias neste subgrupo entre 4,4 e
10,8 por cento8,27,34.
Paralelamente à primeira campanha de vacinação nas
farmácias, o CEFAR realizou um estudo sobre a satisfação dos utentes vacinados contra a gripe nas farmácias, numa amostra de 2544 utentes, tendo o grau
de satisfação global sido superior a 95 por cento em
relação a todos os aspetos avaliados (profissional que
vacinou, horário, privacidade, informação prestada
e experiência global). O estudo revelou que 91,4 por
cento dos utentes não precisaram de efetuar marcação prévia para serem vacinados na farmácia e que
13,1 por cento nunca se tinham vacinado contra a gripe sazonal8,35.
Os resultados da avaliação da campanha de vacinação da época seguinte (2009/10) demonstraram um
aumento de quase todos os indicadores, tendo sido a
estimativa máxima da taxa de vacinação nas farmácias sido de 49,7 por cento, ou seja, um aumento de
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13,3 pontos percentuais face à época anterior. Os resultados do CEFAR indicam ainda uma estimativa de
53,7 por cento para a cobertura vacinal na população
com idade igual ou superior a 65 anos, um aumento
de 3 pontos percentuais face à época anterior9,34.
A taxa de vacinação e o contributo das farmácias para
a cobertura vacinal desce ligeiramente em 2010/11,
para voltar a subir em 2011/1234,36,37.
A partir de 2012/13, a taxa de vacinação e o contributo
das farmácias para a cobertura vacinal sofrem nova
redução34,38.
Discussão e Reflexões
A preferência dos utentes pelas farmácias, no que diz
respeito ao local de administração, evidenciada pela
evolução dos resultados das campanhas ao longo dos
primeiros quatro anos, e a meta de 75 por cento, estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS),
para a cobertura vacinal contra a gripe nos indivíduos
com idade igual ou superior a 65 anos, bem como o
enquadramento político, económico e social de contenção da despesa pública e incremento da eficiência na saúde em Portugal, deveriam constituir uma
oportunidade para refletir sobre a importância de um
maior envolvimento da rede de proximidade das farmácias portuguesas na consecução dessa meta10,37.
Contudo, apesar desta evidência, a partir da época
vacinal 2012/2013, as vacinas contra a gripe e a sua administração passaram a ser gratuitas nos centros de
saúde para utentes com idade igual ou superior a 65
anos, independentemente do seu rendimento e sem
necessidade de receita médica39. Este financiamento
do Estado não se verificou para a aquisição das vacinas nem para a prestação do serviço nas farmácias,
permanecendo ainda a obrigatoriedade de receita
médica. Paralelamente, o stock de vacinas disponibilizado às farmácias foi sendo reduzido pelo Estado
desde essa altura.
O relatório do INSA sobre a vacinação antigripal da
população portuguesa na época 2013-2014 refere que
a cobertura vacinal foi de 49,9 por cento, na população com 65 ou mais anos de idade, ficando uma vez
mais aquém da meta definida pela OMS (75 por cento) e pela DGS (60 por cento). Estas metas podem
representar um desafio e uma oportunidade para as
farmácias portuguesas40.
Para isso era importante que as autoridades de saúde em Portugal encarassem o desafio do alargamento da cobertura vacinal, contando com uma maior
intervenção das farmácias neste desígnio de saúde
pública. Assim, a possibilidade de ser definido um
protocolo que permitisse às farmácias assegurar a
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vacinação em moldes idênticos aos atualmente existentes para os centros de saúde (por exemplo, pela
dispensa de necessidade de receita médica para vacinação de utentes com 65 ou mais anos) permitiria
uma maior sinergia de intervenções e, seguramente,
maiores ganhos em saúde pela generalização da cobertura vacinal em todo o país. A conveniência, acesso e qualificação das farmácias estariam assim ao
serviço de uma maior vacinação contra a gripe, com
resultados nacionais que, seguramente, se aproximariam das metas internacionais com que o nosso país
está comprometido. Esta articulação não seria sequer
inédita a nível internacional, sendo prática corrente
em diversos países há vários anos, como os EUA, o
Reino Unido ou a Irlanda, que têm atingido ótimos
resultados, decorrentes de uma intervenção concertada e partilhada entre autoridades de saúde e farmácias. Adicionalmente, além da melhoria da cobertura
vacinal, nomeadamente dos indivíduos com mais de
65 anos de idade, traduz-se em ganhos de saúde com
maior racionalidade de encargos e poupanças associadas à prevenção de complicações e mortalidade
associadas à época gripal.
Em julho de 2014 foi assinado um acordo entre o
Ministério da Saúde e a ANF que abrange vários serviços de saúde a prestar pelas farmácias, incluindo o
serviço de vacinação contra a gripe, bem como a sua
avaliação e regime remuneratório do serviço. Este reforço do papel da farmácia irá certamente contribuir
para alcançar maiores ganhos em saúde e promover
o alinhamento entre a intervenção de proximidade e
qualidade das farmácias e os objetivos nacionais de
cobertura vacinal e de saúde pública41.
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