A PRAÇA É NOSSA
Transcrição
A PRAÇA É NOSSA
A PRAÇA É NOSSA Rodrigo mandou recauchutar o pneu da bicicleta. Lelê comprou cadarço novo para os patins. Pedro Henrique colocou rodinhas verde-limão no skate. Afinal, a solenidade merece. Os três vão passear na praça, aquela que agora tem liberdade para todos: para quem quer brincar, para quem vão tomar conta de quem vai brincar, para quem quer passear pra lá e pra cá, para quem só pensa em recordar, para quem quer fazer planos, para quem deseja apenas admirar a paisagem, e até para quem tem objetivos inconfessáveis, como a Lourdinha, que hoje quer sacudir a solidão do seu apartamento de dois quartos, onde mora sozinha. Lourdinha quer ter alguém por perto, mesmo que seja um desconhecido. Nessa praça tão gostosa, quem garante que ela não faça amizades? Pois, finalmente, temos praça neste domingo - que bom! Como é que no lugar de sempre, ocupando o mesmo espaço, pode aparecer uma praça tão diferente da outra? A do ano passado era a praça da pressa. Todo mundo andando rápido para comprar uma roupa, uma sandália, um miado de gato, um jarro ou uma boneca na feira de artesanato que ali funcionava. Agora, reformada, tempos a praça dos encontros, com seus bancos de madeira convidando para um bate-papo, e o coreto de azul e rosa quase pedindo uma canção. Então, cante quem quiser, que a praça agora é nossa, de manha à noite, escancarada de tranqüilidade, à disposição das emoções, mais variadas, pronta para receber pés cansados, tênis de marca, sandálias de borracha, solas gastas e pés descalços, pois a praça é da liberdade. Merecíamos uma praça assim. Com hortênsias, rosas, plumbagos, verbenas, desmaiadas, boca-deleão, margaridas e damas da noite. Com fontes luminosas pra gente fingir que só as crianças gostam do movimento das águas dançantes. Com as palmeiras, majestosas e imprescindíveis, quase a própria alma da cidade. E com os canteiros de cipreste, é claro, que entraram para a história de tanta gente e prometem testemunhar novos acontecimentos, assim como os paralelepípedos que calçam a alameda central. Enfim, eis a praça – uma réplica daquela criada em 1920 para receber os reis belgas que visitaram Belo Horizonte. Embora a visita da realeza tenha tido lá sua importância, o que de mais importante ficou na praça, durante esses anos, foi a carga de emoções que ela acumulou. Hoje, por exemplo, Ester quer passear por lá. Vai assentar-se no banco da terceira palmeira do lado direito de quem desce do Palácio e lembrar-se daquela noite, há trinta anos, quando Luís, com a voz firme, avisou que ia mesmo se casar com Sheila. Ester custou a segurar as lágrimas. “Será que o Luís hoje também vai à praça para recordar?” – Sonha Ester. Já o Roberto combinou com a turma de basquete “daqueles tempos” e vão juntos bater papo na praça. Como antigamente, quando se reuniam na praça pensando em consertar o mundo, fumando escondido, falando alto e passando bilhetinhos para as garotas animadas no footing, cheias de sorrisos e cochichos. Olga e Ana querem chegar cedo, cada uma empurrando o carrinho de bebê do neto, felizes de se reencontrarem na praça, onde brincaram outrora. E Tatiana, de 16 anos, pretende fazer da praça seu refúgio. “Quero só ver se essa praça é mesmo tão boa como papai diz”, comenta. José Bento vai é para receber elogios. Depois de trabalhar na restaurante da praça desde maio, o operário tomou-se de amores por ela e agora quer ver como é a cara da praça cheia de gente. Por tudo isso e por muito mais, hoje é dia de graça: ganhamos uma praça para brincar, namorar, passear, ouvir música. Ganhamos uma praça livre para nossos sonhos. Um abraço, Praça da Liberdade.