Consenso Internacional (ICON) em Alergia Medicamentosa

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Consenso Internacional (ICON) em Alergia Medicamentosa
Consenso Internacional (ICON)
em Alergia Medicamentosa
SUMÁRIO
Consenso Internacional (ICON)
em Alergia Medicamentosa)
Allergy 2014; 69: 420–437
Pascal Demoly, N. Franklin Adkinson, Knut Brockow, Mariana Castells,
Anca M. Chiriac, Paul A. Greenberger, David A. Khan, David M. Lang, HaeSim Park, Werner Pichler, Mario Sanchez-Borges, Tetsuo Shiohara, Bernard
Yu-Hor Thong.
Translators: Natacha Santos, Ana Margarida Pereira, Mariana Couto.
Índice
4 PREFÁCIO
5 DEFINIÇÕES
5 CLASSIFICAÇÕES
8 PATOFISIOLOGIA
9 APRESENTAÇÕES CLÍNICAS
9 HISTÓRIA NATURAL
10 DIAGNÓSTICO
12 HISTÓRIA CLÍNICA
13 TESTES CUTÂNEOS
14 PROVAS DE PROVOCAÇÃO COM FÁRMACOS
15 TESTES BIOLÓGICOS
16 ABORDAGEM
19 LISTA DE ABREVIATURAS
PREFÁCIO
As reações de hipersensibilidade a fármacos (DHRs, do inglês
Drug Hypersensitivity reactions) incluem todas as reações adversas a
fármacos que se assemelham a alergia. As DHRs constituem 15% de todas
as reações adversas a fármacos e afetam mais de 7% da população em geral.
As DHRs podem ser alérgicas ou não alérgicas, sendo as DHRs mediadas
imunologicamente denominadas de reações alérgicas a fármacos. São
tipicamente imprevisíveis, implicam alteração da terapêutica e podem ser
fatais. Um diagnóstico definitivo, de forma a permitir a instituição de opções
terapêuticas adequadas e medidas preventivas apropriadas, habitualmente
requer um estudo completo da alergia a fármacos. Estão disponíveis várias
recomendações e documentos de consenso relativos às DHRs, quer globais
quer relativos a classes de fármacos específicas; estes documentos dão
suporte às decisões médicas na área da alergia a fármacos, no entanto, uma
abordagem sistemática estandardizada para o diagnóstico e orientação das
DHRs é ainda um desafio.
A Colaboração International em Asma, Alergia e Imunologia (iCAALL,
do inglês International Collaboration in Asthma, Allergy and Immunology),
formada em 2012 pela EAACI, AAAAI, ACAAI, e WAO, responde a este
objetivo no documento do Consenso International (ICON) em Alergia
Medicamentosa. Os objetivos deste documento são:
• Salientar as mensagens-chave que são comuns a muitas das
recomendações existentes
• Rever e comentar de forma crítica as diferenças encontradas, fornecendo
uma referência concisa.
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DEFINIÇÕES
• As reações de hipersensibilidade a fármacos (DHRs) são efeitos
adversos de fármacos que, clinicamente, se assemelham a reações
alérgicas.
•As alergias a fármacos são DHRs para as quais foi demonstrado
um mecanismo imunológico definitivo.
•Para a comunicação geral, na suspeita de uma alergia a fármacos,
deve ser utilizado preferencialmente o termo DHR.
CLASSIFICAÇÕES
Uma classificação das DHRs que seja globalmente aceite é útil para a
orientação, comparação de estudos e validação de técnicas diagnósticas.
Clinicamente: as DHRs são classificadas como imediatas ou não-imediatas/
tardias, dependendo do tempo em que se iniciam durante o tratamento
(Figura 1).
As DHRs imediatas ocorrem em 1-6 horas após a última administração
do fármaco (tipicamente na primeira hora após a primeira administração
de um novo curso de tratamento). Os sintomas típicos incluem a urticária,
angioedema, conjuntivite, rinite, broncospasmo, sintomas gastrintestinais
(náuseas, vómitos, diarreia, dor abdominal), anafilaxia ou choque anafilático.
As DHRs imediatas são possivelmente induzidas por um mecanismo IgEmediado. O termo reações “anafilactóides”, previamente utilizado em casos
de DHRs não-IgE-mediadas que simulam a anafilaxia, foi abandonado em
algumas recomendações, devendo ser usado preferencialmente o termo
DHRs “não alérgicas”.
As DHRs não-imediatas ocorrem em qualquer período após 1 hora da
administração inicial do fármaco. Sintomas comuns incluem exantema
maculopapular e urticária retardada. Frequentemente está associado a um
mecanismo de alergia tardio dependente de células-T.
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Imediata (< 1h) Tardia
Não imediata (> 1h)
Acelerada
Exantemas
(tardios)
Urticária
(imediata)
0 4 8 12162024 2 4
Horas
Dias
Figure 1 - Cronologia das DHRs. Definir um cut-off de 1 hora (entre as reações imediatas e não-imediatas), pode não refletir
suficientemente a extensão das reacções do tipo imediato determinadas patofisiologicamente até 6 horas (tardias) e as
manifestações de tipo tardia que se iniciam ocasionalmente entre as 8 e as 12 horas (aceleradas). No entanto, esta abordagem
facilita a comparação de estudos e deve ajudar a melhorar e validar as técnicas diagnósticas.
A via de administração, metabolitos dos fármacos ou a presença de
co-fatores ou de fármacos concomitantes que alterem as DHRs devem
ser tidos em conta ao considerar esta classificação.
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Mecanisticamente: as DHRs podem ser definidas como alérgicas (Tabela)
e não alérgicas:
Tipo
Tipo de resposta
imunológica
I
Cronologia típica da
reação
Patofisiologia
Sintomas clínicos
IgE
Desgranulação de
mastócitos e basófilos
Choque anafilático,
angioedema, urticária,
broncospasmo
Dentro de 1-6 horas após a
última toma do fármaco
II
IgG e complemento
Citotoxicidade
dependente de IgG e
complemento
Citopenia
5-15 dias após o início
do fármaco
III
IgM ou IgG e
complemento
ou FcR
Deposição de
complexos imunes
Doença do soro,
urticária, vasculite
7-8 dias para a doença do soro/
urticária
7-21 dias após o início do
fármaco para a vasculite
IVa
Th1 (IFNγ)
Inflamação monocítica
Eczema
1-21 dias após o início do
fármaco
IVb
Th2 (IL-4 e IL-5)
Inflamação
eosinofílica
Exantema
maculopapular (EMP),
DRESS
1 a vários dias após o início do
fármaco para o EMP
2-6 semanas após o início do
fármaco para o DRESS
IVc
Células T citotóxicas
(perforina, granzima
B, FasL)
Morte dos
queratinócitos
mediada por CD4
ou CD8
Exantema
maculopapular, SJS /
TEN, exantema pustular
1-2 dias após o início do
fármaco para a erupção fixa
com fármacos
4-28 dias após o início do
fármaco para o SJS / TEN
IVd
Células-T
(IL-8/CXCL8)
Inflamação neutrofílica
Pustulose exantemática
generalizada aguda
Tipicamente 1-2 dias após o
início do fármaco (mas pode ser
mais longo)
DRESS: Reação medicamentosa com eosinophilia e sintomas sistémicos (da sigla inglesa, Drug reaction with Eosinophilia and
Systemic Symptoms); SJS: Síndrome Stevens-Johnson; TEN : Necrólise Epidérmica Tóxica (da sigla inglesa, Toxic Epidermal
Necrolysis); MPE: Exantema maculo-papular (da sigla inglesa, maculo-papular exanthema)
(IL-8/
CXCL8)
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PATOFISIOLOGIA
As alergias a fármacos são reações adversas onde anticorpos e/ou
células T ativadas são dirigidos contra os fármacos ou um dos seus
metabolitos.
•
As DHRs imediatas alérgicas ocorrem devido à produção de IgE por
linfócitos B específicos para o antigénio, após sensibilização. Depois de
uma exposição subsequente ao fármaco, o antigénio (provavelmente
um complexo hapteno-proteína) liga-se à IgE na superfície de
mastócitos e basófilos, estimulando a libertação de mediadores
preformados (p. ex.: histamina, triptase, algumas citocinas como
o TNFα) e a produção de novos mediadores (p. ex.: leucotrienos,
prostaglandinas, cininas, outras citocinas).
•
As DHRs alérgicas não-imediatas são sobretudo mediadas através
da ação de linfócitos-T.
De acordo com a hipótese do hapteno, de forma a desencadear uma reação,
um fármaco deve agir como um hapteno e ligar-se irreversivelmente a
proteínas, gerando um antigénio. Uma hipótese alternativa, o conceito
de interação farmacológica com um recetor imune (p-i), sugere que os
fármacos podem interagir diretamente com receptores imunológicos
(recetores de células T ou moléculas HLA) e ativar as células T através
da alteração da fenda MHC-péptido (p. ex.: ligação do abacavir ao
HLA-B*5701).
Observações:
As infeções víricas podem simular DHRs, mas podem também interagir
com os fármacos levando a reações ligeiras (p. ex.: “rash com ampicilina”
na infeção por EBV) e graves (p. ex.: ligação entre o HHV-6 e DRESS).
O patomecanismo das DHRs não alérgicas (muitas vezes erradamente
consideradas como verdadeiras alergias a fármacos) pode incluir:
• Libertação inespecífica de histamina por mastócitos ou basófilos (p. ex.:
opiáceos, meios de contraste iodado e vancomicina).
• Acumulação de bradicinina (inibidores da enzima de conversão de
angiotensina).
• Ativação do complemento (p. ex.: protamina).
• Possivelmente uma alteração do metabolismo do ácido araquidónico
(p. ex.: aspirina e AINEs).
• Ação farmacológica de certas substâncias que induzem broncospasmo
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(p. ex.: bloqueadores β, dióxido de enxofre libertado por formulações
contendo sulfitos).
APRESENTAÇÕES CLÍNICAS
DHRs imediatas: tipicamente incluem a urticária, angioedema, conjuntivite,
broncospasmo, sintomas gastrintestinais (náuseas, vómitos, diarreia), ou
anafilaxia, que pode levar ao colapso cardiovascular (choque anafilático).
DHRs não imediatas: frequentemente resultam em sintomas cutâneos
variáveis como urticária de início tardio, erupções maculopapulares,
erupções fixas a fármacos, vasculite, doenças bolhosas (como a Necrólise
Epidérmica Tóxica (TEN, do inglês Toxic Epidermal Necrolysis), Síndrome
Stevens-Johnson (SJS) e erupções bolhosas generalizadas fixas a fármacos),
pustulose exantemática generalizada aguda (AGEP, do inglês generalized
exanthematous pustulosis) e exantemas flexurais e intertriginosos
simétricos relacionados com fármacos (SDRIFE, do inglês symmetrical
drug-related intertriginous and flexural exanthemas). Os órgãos internos
podem ser afetados isoladamente ou com sintomas cutâneos (Síndrome
de hipersensibilidade/Reação medicamentosa com eosinofilia e sintomas
sistémicos/Síndrome de Hipersensibilidade induzido por fármacos (HSS/
DRESS/DiHS), vasculite, SJS/TEN) e incluem hepatite, insuficiência renal,
pneumonite, anemia, neutropenia e trombocitopenia.
HISTÓRIA NATURAL
Apesar de a resposta por anticorpos IgE não ser permanente, a
sensibilização IgE-mediada pode persistir durante anos. A memória
das células T parece ser ainda mais forte para as DHRs não imediatas.
Portanto, em situações de alergia medicamentosa, recomenda-se
a evicção permanente do fármaco implicado e dos fármacos com
reatividade cruzada.
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DIAGNÓSTICO
•O diagnóstico definitivo de uma DHR é, em muitos casos,
essencial para instituir medidas preventivas adequadas.
•Os erros de classificação baseados apenas na história de DHR podem
ter consequências nas escolhas de tratamento individualizado e
podem ser mais prejudiciais para o doente do que uma avaliação
completa de alergia a fármacos.
•As ferramentas clínicas que permitem um diagnóstico definitivo
incluem uma história clínica detalhada, testes cutâneos
estandardizados, testes in vitro fiáveis e provas de provocação
aos fármacos.
•O rastreio de indivíduos sem história prévia de reações alérgicas
a fármacos não é recomendado.
Quando avaliar?
• Quando existe história prévia de DHR e o fármaco é necessário, não
havendo um alternativo estruturalmente não relacionado e igualmente
eficaz, e se a razão entre risco/benefício é positiva.
• Quando existe história prévia de DHR grave para outros fármacos
(a melhor maneira de proteger o doente é encontrar os agentes
responsáveis).
Quando NÃO avaliar?
• Em casos sem nexo de causalidade para alergia ao fármaco
(sintomatologia ou cronologia não compatíveis, manutenção da toma do
fármaco sem novas reações ou ocorrência de reação sem a toma do
fármaco).
• Diagnóstico alternativo (p. ex.: erupção por herpes vírus, urticária crónica).
• Com realização de provocação ao fármaco em caso de reação grave:
reações não controláveis ou potencialmente fatais.
Timing
• A avaliação de alergia deve ser feita idealmente 4-6 semanas após a
resolução completa de todos os sintomas clínicos.
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Possível
hipersensibilidade
a fármacos?
Não
Sim
Sim
Positivos
Resultados?
Testes cutâneos
disponíveis*?
Negativos
Não
Não
Prova
de provocação
ao fármaco
disponível*?
Sim
Negativa
Resultado?
Positiva
* Os testes biológicos atualmente disponíveis para diagnosticar alergia a fármacos têm baixa sensibilidade.
** Na ausência de contraindicações (caixa 6).
*** Se não houver alternativa disponível (p. ex.: relaxantes neuro-musculares, quimioterápicos), a readministração
do fármaco é permitida sob vigilância apertada, considerando o uso de premedicação e/ou dessensibilização.
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I. História clínica (p. ex.: registada no questionário EAACI-DAIG/
ENDA):
• Sintomatologia: se é compatível com DHR.
• Cronologia dos sintomas: exposição prévia, relação temporal entre a
última dose e o início de sintomas, efeitos da cessação do tratamento
• Toma de outros medicamentos: quer durante a reação, quer fármacos
da mesma classe tomados posteriormente.
• Antecedentes médicos: incluindo alergias prévias ou outras condições
médicas como urticária/rinossinusite crónicas que podem ser agravadas
pela toma de certos fármacos (p. ex.: aspirina e anti-inflamatórios nãoesteróides (AINEs) não seletivos da COX-2).
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II. Testes cutâneos
Para as DHRs imediatas, os testes cutâneos por picada são recomendados
para o estudo inicial, dada a sua simplicidade, rapidez, baixo custo e elevada
especificidade. Os testes intradérmicos são realizados quando os testes cutâneos
por picada são negativos, tendo uma maior sensibilidade. A sensibilidade e
valores preditivos variam e parecem ser “bons” para as DHRs imediatas para
antibióticos ß–lactâmicos, relaxantes neuromusculares (NMBA, do inglês
neuromuscular blocking agentes), sais de platina e heparinas, mas moderados a
baixos para maioria dos outros fármacos.
Para as DHRs não imediatas, devem ser realizados testes epicutâneos e/ou
intradérmicos com leitura tardia.
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Para muitos fármacos, não há estudos suficientes ou a literatura existente
é controversa no que diz respeito às condições estandardizadas e validadas
para a realização dos testes.
No caso de o fármaco não estar disponível numa forma reativa adequada,
geralmente pelo facto de a substância imunogénica ser o derivado metabólico
e não o fármaco em si, as provas de provocação são necessárias para
confirmar o diagnóstico.
III. Provas de provocação a fármacos
A prova de provocação a fármacos é o gold standard para a identificação
do fármaco responsável pela DHR. Ela pode confirmar ou excluir uma DHR
ou demonstrar tolerância a um fármaco em relação ao qual haja menor
suspeição.
• É especialmente necessária para os AINEs, anestésicos locais, antibióticos
que não os ß-lactâmicos e antibióticos ß-lactâmicos quando os testes
cutâneos são negativos.
• Quando a história clínica tem um valor preditivo positivo favorável, as
provas de provocação a fármacos podem ser realizadas diretamente
com um fármaco alternativo.
• A via oral é a preferencial, sempre que possível.
São recomendadas as seguintes precauções e contraindicações para a prova
de provocação a fármacos:
•As provas de provocação a fármacos estão contraindicadas
em DHRs não controláveis ou potencialmente fatais:
- reações cutâneas graves (ex.: SJS, TEN, DRESS, vasculite, AGEP).
- reações sistémicas (ex.: DRESS), envolvimento de órgãos internos,
reações hematológicas.
- na anafilaxia podem ser realizadas após avaliação do risco/benefício.
•As provas de provocação a fármacos não estão indicadas quando:
-a probabilidade de o fármaco suspeito ser necessário é baixa e
existem várias alternativas não estruturalmente relacionadas.
- doença grave concomitante ou gravidez (exceto se o fármaco for
essencial nessa doença ou necessário durante a gravidez ou parto).
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•As provas de provocação a fármacos devem ser realizadas sob
as mais elevadas condições de segurança:
-pessoal treinado: conscientes dos testes, preparados para identificar
sinais precoces de uma reação positiva e preparados para tratar reações
potencialmente fatais.
- equipamento de ressuscitação de emergência disponível.
Observações:
• Uma prova de provocação a fármacos negativa não prova a tolerância
ao fármaco no futuro; no entanto, o valor preditivo negativo (VPN) das
provas de provocação a fármacos, por exemplo, com ß-lactâmicos
(94-98%) ou AINEs (acima de 96%) parece ser elevado.
• Dessensibilização através da prova, como causa de prova de provocação
a fármacos falsa-negativa, é mencionada, mas não parece haver
referência na literatura existente.
• No que respeita a alergia aos ß-lactâmicos, a ressensibilização após uma
prova de provocação a fármacos negativa (isto é, uma conversão para
um teste cutâneo positivo) é reportada (entre 0,9% e 27,9%). Um novo
teste (2-4 semanas depois) em doentes com reações imediatas graves e
resultados negativos na primeira avaliação é opcional (não consensual).
IV. Testes biológicos
• IgE específica para o fármaco: frequentemente não disponíveis ou
sem evidência de ensaios validados para a maioria dos fármacos.
Os ensaios validados frequentemente pecam em sensibilidade mas
são considerados razoavelmente específicos (>90%). Os testes de
inibição quantitativa podem explorar reatividades cruzadas in vitro
entre vários fármacos, embora o seu resultado clínico não esteja
completamente validado.
• Triptase e Histamina: em casos de anafilaxia, a quantificação sérica de
histamina e/ou triptase podem confirmar o envolvimento de basófilos e
mastócitos, independentemente da causa da desgranulação.
• Reações alérgicas tipo II e III induzidas por fármacos: podem ser
realizados o teste de Coombs, testes de hemólise in vitro, fatores
do complemento e de imunocomplexos circulantes. O doseamento
15
•
•
•
de IgM ou IgG específicos para o fármaco apenas têm interesse em
casos de citopenia induzida por fármacos, DHRs tipo III a vacinas
ou alergias a dextranos, embora a sensibilidade destes testes seja
desconhecida.
Marcadores genéticos: O rastreio do HLA B*5701 reduz o risco de
DHRs ao abacavir e é mandatório antes de iniciar tratamento (valor
preditivo positivo 55% e valor preditivo negativo 100% se os testes
epicutâneos são negativos). As DHRs à carbamazepina em chineses
Han estão associadas ao HLA B*1502.
Ensaios envolvendo células T: promissores, mas existem apenas em
laboratórios especializados.
Testes de ativação de basófilos: promissores, mas estão atualmente
a ser validados para certos fármacos.
ABORDAGEM
Medidas gerais
• A anafilaxia deve ser tratada imediatamente e de forma apropriada e
todos os fármacos suspeitos devem ser suspensos.
• Em reações não anafiláticas o fármaco suspeito deve ser suspenso se
os riscos de manter o tratamento superarem os benefícios, e sempre
que estejam presentes sinais de perigo/gravidade (ver abaixo).
• As medidas de prevenção geral incluem a notificação à Unidade de
Farmacovigilância.
Medidas de prevenção individuais
• Uma lista de fármacos a evitar e possíveis alternativas, atualizada
regularmente, deve ser fornecida aos doentes com DHRs.
• A procura de alternativas pode requerer provas de provocação a
fármacos em meio hospitalar quando as alternativas pertencem à
mesma classe farmacológica.
• Os antecedentes de alergia medicamentosa devem ser perguntados a
todos os doentes por todos os clínicos antes de uma prescrição; este
aspeto é essencial do ponto de vista médico e médico-legal.
• Medidas preventivas através do uso de pré-medicação (p. ex.: injeção
lenta e pré-tratamento com glucocorticoides e antihistamínicos H1)
são úteis sobretudo para DHRs não alérgicas, mas os corticoides e
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antihistamínicos H1 podem não ser fiáveis na prevenção de anafilaxia
IgE-dependente.
Dessensibilização a fármacos
A dessensibilização a fármacos é definida como a indução de um estado
temporário de ausência de resposta / tolerância a um composto responsável
por uma DHR. A dessensibilização deve ser considerada quando o fármaco
responsável é essencial e quando não existem alternativas ou quando estas
não são satisfatórias:
• Sulfonamidas em doentes infetados pelo VIH.
• Alergia a quinolonas em alguns doentes com fibrose quística.
• Infeções graves com alergia a antibióticos ß-lactâmicos ou antituberculosos.
• Alergia à vacina contra o tétano.
• Hemocromatose com alergia à desferoxamina.
• Agentes quimioterápicos baseados em taxanos e sais de platina.
• Anticorpos monoclonais utilizados em várias neoplasias hematológicas
e não hematológicas.
• Hipersensibilidade a aspirina e AINE em doentes com necessidade
destes fármacos para tratamento de patologia cardíaca ou reumatológica.
Observações:
• É recomendada a utilização de protocolos já existentes e previamente
aplicados com sucesso.
• A dessensibilização à aspirina como intervenção terapêutica na doença
respiratória exacerbada pela aspirina ou polipose nasal pode ser
considerada em doentes asmáticos selecionados.
• A literatura sobre dessensibilização em DHRs não imediatas é menos
extensa e mais controversa.
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Sinais de alerta
Rapidamente procurar por
SJS: Síndrome Stevens-Johnson; TEN : Necrólise Epidérmica Tóxica (da sigla inglesa, Toxic Epidermal Necrolysis); HSS:
Síndrome de Hipersensibilidade (da sigla inglesa Hypersensitivity Syndrome);
DRESS: Reação medicamentosa com eosinophilia e sintomas sistémicos (da sigla inglesa, Drug reaction with Eosinophilia
and Systemic Symptoms); DIHS: Síndrome de Hipersensibilidade induzida por fármacos (da sigla inglesa, Drug-induced
Hypersensitivity Syndrome)
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Lista de abreviaturas
AAAAI: Academia Americana de Alergia Asma e Imunologia.
ACAAI: Colégio Americano de Alergia Asma e Imunologia.
AGEP: Pustulose exantemática generalizada aguda.
CD: Cluster de diferenciação.
DAIG: Grupo de Interesse de Alergia Medicamentosa.
DHR(s): Reacção(ões) de hipersensibilidade a fármacos.
DPT(s): Prova(s) de provocação a fármacos.
EAACI: Academia Europeia de Alergia e Imunologia Clínica.
ENDA: Rede Europeia de Alergia a fármacos.
EBV: Vírus Epstein Barr.
HHV: Vírus Human Herpes.
HLA: Antigénio leucocitário humano
HSS/DRESS/DiHS: Síndrome de Hipersensibilidade / Reacção
medicamentosa com Eosinofilia e Sintomas Sistémicos/ Síndrome de
Hipersensibilidade induzido por fármacos.
iCAALL: Colaboração Internacional em Asma, Alergia e Imunologia.
ICON: CONsenso Internacional.
IgE: Imunoglobulina E.
MCH: Complexo major de histocompatibilidade.
MPE: Exantema maculopapular.
NMBA: Relaxantes neuromusculares.
NPV: Valor preditivo negativo.
NSAID(s): Anti-inflamatório(s) não-esteróides.
SDRIFE: Exantemas flexurais e intertriginosos simétricos relacionados
com fármacos.
SJS: Síndrome Stevens-Johnson.
TEN: Necrólise Epidérmica Tóxica.
TNFα: Factor de necrose tumoral alfa.
WAO: Organização Mundial de Alergia.
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