FLG 0253 – Climatologia I
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FLG 0253 – Climatologia I
FLG 0253 – Climatologia I Disciplina Ministrada pelo Prof. Dr. Ricardo Sistemas de Meso Escala – As Trovoadas – 1 – Introdução O presente resumo de aula pretende ensinar os conceitos dos sistemas de meso escala que atuam nas latitudes dos trópicos e sub-trópicos, mostrando como a atmosfera da Terra efetua as trocas térmicas nestas faixas de latitude. A entidade meteorológica principal que atua na escala de tempo/espaço proposta nesta discussão é conhecida por trovoada. A trovoada, um nome genérico para as tempestades, é sugerido pela Língua Portuguesa, de tempos remotos dos antigos navegadores, por um simples motivo: a existência de trovões. Contudo, trovões não são as causas, mas conseqüências de processos que existem dentro das células de trovoadas. Porém, são eles que denunciam a presença da tempestade, ou seja, quando esta alcançou sua fase madura e a partir deste ponto, todos os fenômenos associados à sua existência poderão ocorrer. Veremos detalhadamente estes processos adiante. Nas escala temporal, as trovoadas são definidas como sistemas que têm um tempo de vida dentro da faixa de 7 horas a 2 ou 3 dias e que atuam em um espaço de aproximadamente 20km até 1.000km. Com estas características, estamos delimitando sua existência dentro da meso escala (células de trovoadas isoladas) a sub-sinóptica (Linhas de Instabilidade, por exemplo, com muitas células de trovoadas independentes, mas atuando em conjunto). As características que definem as trovoadas são: • Suas células de tempestades podem ter mais de um ciclo de vida, mas obrigatoriamente, pelo menos um ciclo; e • Prevalecem características convectivas para a sustentação de vida dos sistemas. 2 – A Convecção Pela Física, a convecção é definida como a forma de transmitir energia, neste caso calor, através da massa, lembrando que a matéria move-se para executar este processo. Em outras palavras, a massa absorve calor de um lugar, move-se e libera esse calor em outro. A direção e sentido do processo não importam. 1 Mas no nosso estudo em questão, que trata das trovoadas, precisamos utilizar um conceito mais específico dado pela Meteorologia. Nesta ciência, a convecção é definida exatamente como a da Física, porém limita a sua atuação para a direção vertical, em ambos os sentidos (de cima para baixo e, principalmente de baixo para cima). Os transportes horizontais de energia pela massa recebem o nome de advecção. Cristalizando este conceito importante, veremos agora como a região tropical do planeta procede para se livrar de um superávit de energia que recebeu do Sol durante o percorrer de um longo tempo. Note que o processo das trovoadas, utilizando a ferramenta convecção, é apenas um deles, porém de longe, é o mais importante nesta faixa das latitudes intertropicais. Existem outros processos que serão discutidos na aula de Frentes e Ciclones Extratropicais. O primeiro instante da convecção é dado quando a energia de insolação (aquela que conseguiu atravessar toda a atmosfera e seus obstáculos) começa a aquecer a superfície, convertendo ondas curtas (alta energia) em ondas longas (calor infravermelho). Uma pequena parcela de calor remanescente do saldo positivo do Balanço Radiativo da Atmosfera também contribui para o processo. A partir deste ponto, as primeiras lâminas de ar, que estão em contato direto com a superfície, começam a se aquecer violentamente. Dependendo do tipo de superfície, a temperatura poderá variar de 40 a 86ºC. A transferência de energia térmica, neste instante, é obviamente por condução, molécula a molécula, podendo-se assim dizer, mas que gera uma extrema instabilidade na superfície laminar. Qualquer efeito mecânico que perturbar a área, como uma leve brisa ou o passar de um automóvel, será suficiente para disparar o processo convectivo (Fig.1a). Se nenhum efeito ocorrer, a própria convecção, pelo grande acúmulo de energia, acaba se autoiniciando. Fig.1a – Superfície extremamente aquecida gera um diferencial de temperatura nas primeiras lâminas de ar. Este processo é a semente da convecção térmica. Após a ação desta forçante inicial (vamos chamá-lo vulgarmente como “chute inicial”) o levantamento convectivo se fecha, por propriedades moleculares da Mecânica de Fluidos, onde a tensão superficial da bolha consegue mantê-la intacta. Estando formada, a bolha, ou térmica, ou parcela de ar consegue se manter 2 praticamente estável e se eleva, nestes instantes iniciais, em uma razão de subida de 10 m/s ou +/- 36km/h (Fig.1b). Fig.1b – A bolha térmica se fecha, mantendo suas propriedades isoladas do meio ao redor. Tal processo é descrito como adiabático, pois a parcela de ar mantém suas propriedades sem se envolver com o meio por onde transita. Um exemplo é a sua temperatura interna. Conforme sobe, a bolha se expande, pois a pressão externa é cada vez menor. Essa expansão da bolha, ora causada pela energia térmica interna, ora pela redução externa da pressão, vai fazer com que a pressão interna à bolha também reduza, pois ela é considerada um sistema aberto. Ao se reduzir a pressão interna, a temperatura começa a cair (Fig.1c). Fig.1c – A parcela de ar vai subindo, expandindo-se e ao mesmo tempo resfriando-se internamente. Note que, pela propriedade da continuidade, o ar atmosférico entorno e na periferia, vêm ocupar o espaço livre, em movimento compensatório. Se a parcela sobe, o ar ao seu redor desce. Imediatamente a seguir, inicia-se um novo processo de formação de uma nova parcela. A temperatura da parcela vai se reduzindo, porém devemos lembrar que existem duas temperaturas distintas: a temperatura do ar e a temperatura do ponto de orvalho (essa é a temperatura que uma dada parcela de ar precisa ter para saturar, ou seja, formar gotas de água). A temperatura do ar interno da parcela se reduz mais rapidamente, a uma taxa de 1ºC/100m enquanto que sua correspondente temperatura do ponto de orvalho varia apenas 0,2ºC/100m. Ora, a dado momento as temperaturas do ar interno da parcela e sua temperatura do ponto de orvalho serão iguais! Neste exato instante, a parcela de ar satura, pois quando essas temperaturas são iguais, 3 significa que a sua pressão de vapor atingiu a saturação, ou, se preferir pensar em relação à umidade relativa, atingiu-se 100% de UR, ou seja, deve-se formar gotículas de água, conforme haja umidade disponível. Quando estas temperaturas são iguais, dizemos que a parcela de ar ascendente chegou ao seu Nível de Condensação por Levantamento – NCL (Fig.1d). Fig.1d – Parcela se elevou pela forçante inicial até atingir seu NCL. Neste nível, a temperatura do ar interno da parcela é igual à sua temperatura do ponto de orvalho. Quando isso ocorre, o ar satura, formando gotículas de água, precursoras de nuvens. O NCL também é conhecido, no caso de trovoadas, como Nível de Condensação Convectiva – NCC. Lembrando que a parcela, ao iniciar seu processo de levantamento, transportou, em seu interior, o calor existente na superfície em forma de calor sensível e latente. No início, a energia é considerada calor sensível, pois estava aquecendo o ar ao seu redor. Enquanto aquecia, uma parte dela foi utilizada para evaporar água que estivesse disponível em superfície, como rios, lagos, evapotranspiração etc. Ao ceder energia de calor sensível para evaporar água, parte desta energia foi armazenada na parcela em forma de calor latente. Pode-se imaginar que calor latente é um empréstimo de energia, solicitado pela matéria, quando esta precisa mudar de estado físico. Com isto, temos dois sentidos distintos de calor latente: • Quando a matéria passa de um estado físico de menor energia para um de maior, armazena calor latente internamente, solicitando-o do meio em que se encontra (sólido · líquido ou líquido · gasoso); e • Quando a matéria passa de um estado físico de maior energia para um de menor, libera calor latente para o meio em que se encontra (gasoso · líquido ou líquido · sólido). 4 Para saber mais: Calor Sensível: é a forma de energia térmica que se manifesta na matéria pela alteração de sua temperatura, ou seja, pode ser medida com termômetro. Calor Latente: é a forma de energia térmica que se manifesta pela mudança de estado físico da matéria, onde não há alteração de sua temperatura, ou seja, não pode ser medida com termômetro. Atingindo o NCL, a parcela resfriou-se a ponto de permitir condensação. Pelo processo inverso, o seu vapor (alta energia) condensa em forma de gotas (baixa energia) liberando seu calor latente internamente à parcela. A manifestação desta entrada de energia se dá em forma de calor sensível que começa a aquecer a parcela. Note que este ganho de calor interno será um grande complemento para se decidir se a troposfera estará estável, instável ou neutra. A grande importância disto é que boa parte da energia que estava em superfície foi removida para níveis mais altos, sendo liberada em altitude. Com isto, notamos que a troposfera, a primeira camada da atmosfera e que comporta quase que 90% de toda a sua totalidade, permanece com um perfil de temperatura onde a superfície é mais quente que os níveis altos, ou seja, a variação da temperatura é para menor conforme se ganha altitude. Esta variação negativa de temperatura com ganho de altitude recebe o nome particular de Lapse Rate, aportuguesado para Taxa de Resfriamento por Altitude. O processo de aquecimento por baixo define a troposfera como uma camada climatologicamente instável. Para saber mais: Pode-se calcular a altura do NCC facilmente com uma fórmula bem simples: H = 125 x (T – Td) Onde T é a temperatura do ar e Td a temperatura do ponto de orvalho, ambas em superfície. O resultado é dado por H, em metros. Exemplos didáticos: Temp. Ar (ºC) Temp. Ponto Orv. (ºC) Cálculos Altura da Base NCC (m) H = 125 x (T – Td) 32 20 H = 125 x (32 – 20) 1500 H = 125 x 12 H = 125 x (20 – 15) 625 20 15 H = 125 x 5 H = 125 x (0 – (–3) 0 -3 H = 125 x (0 + 3) 375 H = 125 x 3 H = 125 x (18 – 18) 0 18 18 H = 125 x 0 (Nevoeiro em SFC) Nota: este método não poderá ser aplicado à todos os tipos de nuvens, pois trata-se de apenas processos convectivos. Porém, nos dois últimos exemplos, ele poderá ser uma eficaz estimativa na obtenção da altura onde ocorre a saturação do ar, mesmo em nuvens estratiformes. 5 3 – Estabilidade Atmosférica Os processos de estabilidade atmosférica recorrem ao equilíbrio de suas camadas. Na Física, o equilíbrio de um corpo pode ser caracterizado em 3 situações: estável, neutro ou instável. Quando todas as forças que atuam sobre um corpo se equivalem, dizemos que o mesmo está em repouso. Como comparamos o equilíbrio de um corpo em relação à superfície da Terra, dizemos que, se não houverem forças, ele está em repouso. Vejamos as definições de equilíbrio pela Física, fazendo uma analogia com as parcelas de ar atmosférico: Estável: Equilíbrio estável é aquele em que um corpo, perturbado por uma força, voltará à sua posição original imediatamente após a atuação da força. Na atmosfera, quando uma parcela é impulsionada por uma força, tenderá a retornar a sua posição original. Este caso caracteriza a estabilidade do ar, dificultando ou amortecendo os movimentos verticais (Fig.2a); Neutro: Equilíbrio neutro ou indiferente é aquele em que um corpo, perturbado por uma força, permanecerá no mesmo equilíbrio na nova posição, após a atuação da força. Na atmosfera, quando uma parcela é impulsionada por uma força, tenderá a se mover só durante a atuação da força. Quando ela cessar, a parcela estaciona, permanecendo no lugar, não tendendo a voltar para a posição original, nem tampouco seguir a diante, mas poderá estar com um potencial maior, ou menor, conforme foi seu deslocamento (Fig.2b); Instável: Equilíbrio instável é aquele em que um corpo, perturbado por uma força, tenderá a se afastar cada vez mais da sua posição original, mesmo após a atuação da força. Na atmosfera, quando uma parcela é impulsionada por uma força, tenderá a se afastar cada vez mais da sua posição original. Este caso caracteriza a instabilidade do ar, auxiliando os movimentos verticais e acelerando as parcelas (Fig.2c). Fig.2a – Situação estável, força- Fig.2b – Neutro, mas com Fig.2c – Situação instável e maior potencial. da à mover-se; liberação do potencial guardado. Dependendo da taxa de resfriamento do ambiente (Lapse Rate), as parcelas de ar que estão subindo podem adquirir tendências de estabilidade absoluta, estabilidade condicional ou instabilidade absoluta. A definição da tendência da parcela levará em conta a sua temperatura interna, quando esta é comparada à temperatura do ar ao seu redor (do ambiente) no mesmo nível. Com isto, temos três casos distintos: 6 Situação Tendência A parcela tem temperatura maior, portanto mais quente que Subir o ar ambiente no mesmo nível; A parcela tem temperatura igual ao ar ambiente no mesmo Estática (só se move sob a ação de forçantes). nível; A parcela tem temperatura menor, portanto mais fria que o Descer ar ambiente no mesmo nível. E como vimos anteriormente, a parcela poderá subir (ou descer) contendo vapor d’água em seu interior. Neste caso, a energia ainda permanece armazenada em forma de calor latente e é definido como processo Adiabático Seco. Quando o calor é liberado (ou solicitado) para a mudança de fase da água, o processo é chamado Adiabático Úmido. Na prática: É o processo no qual a temperatura da parcela de ar varia como se fosse um ar seco, conforme sobe/desce, na taxa de 1ºC/100m (Ex. da superfície à base da nuvem, no NCL); Adiabático Úmido: É o processo no qual a temperatura da parcela de ar varia como se fosse um ar saturado, conforme sobe/desce, na taxa de 0,6ºC/100m (Ex. no interior da nuvem, da sua base ao topo). Adiabático Seco: Os exemplos a seguir são bem ilustrativos, pois mostram a aplicação dos dois conceitos. Lembre-se que, enquanto a parcela se eleva sem condensar seu vapor d’água interno, o processo é adiabático seco. A partir do NCL, se a parcela continuar a subir, o processo será adiabático úmido. Neste último, a parcela recebe o calor latente liberado do vapor que está se condensando. Exemplo de Estabilidade Absoluta: Dizemos que as parcelas estão em estabilidade absoluta quando, a partir da elevação inicial por uma forçante, as parcelas se resfriam a uma taxa maior que o gradiente térmico do ar ambiente (Lapse Rate). Note que a estabilidade permanece tanto na razão da adiabática seca, quanto na razão da adiabática úmida, quando a parcela atingiu o NCC e inicia-se a condensação. Percebe-se que a liberação de calor latente após o NCC não contribuiu em nada para o fomento da convecção de forma cumulativa. 7 ESTABILIDADE ABSOLUTA Parcela Adiabática Seca Adiabática Úmida (10ºC/1000m) (6ºC/1000m) 5000 -5 -18 4000 0 -12 3000 5 -6 2000 10 0 1000 15 10 SFC 20 20 GT – Gradiente Térmico, ou Lapse Rate. Altura (m) GT Ar Ambiente (5ºC/1000m) Equilíbrio / Tendência Estável / ⇓ Estável / ⇓ Estável / ⇓ Estável / ⇓ Estável / ⇓ Atuação da Forçante NCC Nestes casos, a nebulosidade é estratiforme (Fig.3a). Fig.3a – Exemplo de Estabilidade Absoluta. A parcela se resfria mais rápido que o ambiente. Só permanece subindo devido à inércia causada pela forçante inicial que vai se amortecendo, pois a parcela tem a tendência de descer. Exemplo de Instabilidade Condicional: Este tipo de estabilidade ocorre sempre quando o gradiente térmico do ar ambiente estiver no intermédio entre os valores da razão adiabática seca e da razão adiabática úmida, ou seja, o equilíbrio será estável enquanto o ar for seco, passando para instável, quando o ar for saturado. Um exemplo clássico é o resfriamento pelo gradiente térmico de 0,8ºC/100m, visto a seguir: 8 INSTABILIDADE CONDICIONAL Altura (m) GT Ar Ambiente (8ºC/1000m) 6000 5000 4000 3000 2000 1000 SFC -8 0 8 16 24 32 40 Parcela Adiabática Seca Adiabática Úmida (10ºC/1000m) (6ºC/1000m) -4 2 8 14 20 30 40 - Equilíbrio / Tendência Instável / ⇑ Instável / ⇑ Neutro / ⇔ Estável / ⇓ Estável / ⇓ Estável / ⇓ Atuação da Forçante NCC Nestes casos, a nebulosidade é estratiforme durante a ascensão estável fria, passando para cumuliforme quando a ascensão torna-se instável e quente (Fig.3b). Fig.3b – Exemplo de Instabilidade Condicional. A parcela se resfria mais rápido que o ambiente. Também só permanece subindo devido à inércia causada pela forçante inicial. Após o NCC (ou NCL) a parcela recebe um incremento de energia devido ao vapor estar se transformando em gotículas de água. Tal incremento passa a ser vital para a formação convectiva, a partir dos 4.000m. Exemplo de Instabilidade Absoluta: Dizemos que as parcelas estão em instabilidade absoluta quando, a partir da elevação inicial por uma forçante, as parcelas se resfriam a uma taxa menor que o gradiente térmico do ar ambiente. Note que a instabilidade permanece tanto na razão da adiabática seca, quanto na razão da adiabática úmida, quando a parcela atingiu o 9 NCC e inicia-se a condensação. Este tipo de instabilidade ocorre quando há fortes gradientes térmicos do ar ambiente, ou seja, dias muito aquecidos em superfície, típicos de verão. INSTABILIDADE ABSOLUTA Altura (m) GT Ar Ambiente (12ºC/1000m) 4000 3000 2000 1000 SFC -8 4 16 28 40 Parcela Adiabática Seca Adiabática Úmida (10ºC/1000m) (6ºC/1000m) 8 14 20 30 40 - Equilíbrio / Tendência Instável / ⇑ Instável / ⇑ Instável / ⇑ Instável / ⇑ Atuação da Forçante NCC Nestes casos, a nebulosidade é cumuliforme ou de grande desenvolvimento vertical (Fig.3c). Fig.3c – Exemplo de Instabilidade Absoluta. A parcela se resfria mais devagar que o ambiente em ambas as taxas de resfriamento. Estas situações são as típicas representações da atmosfera propícia para a formação de trovoadas severas. Existem casos em que taxa de instabilidade absoluta do Lapse Rate alcançam valores de 3,42ºC/100m. Estes são chamados de gradientes autoconvectivos. Entenda como forçantes qualquer perturbação que auxiliou o início da convecção, seja uma brisa, a passagem da massa de ar por orografia, um incêndio na mata e até mesmo a própria lâmina de ar da superfície quando está superaquecida. 10 4 – Ciclo de Vida da Trovoada A trovoada nada mais é que a existência de células ou super células de chuva convectiva em estágio maduro, onde a nuvem-mãe, o Cumulonimbus está presente, sozinho, como célula isolada, ou em grupo de células, abertas ou fechadas. Porém, existe todo um processo evolutivo para isto ocorrer (Fig.4). Fig.4 – Esquema pictórico do ciclo evolutivo de uma única célula de trovoada, conforme passam as horas, contendo seus três estágios: Cumulus, Maduro e Dissipativo. No início, a troposfera encontra-se em uma situação totalmente instável. A trovoada, após a fase dissipativa, deixa a troposfera estabilizada. Estágio Cumulus: as parcelas de ar são elevadas por efeitos convectivos e assim, vão formando a nuvem quando o ar atinge o Nível de Condensação por Levantamento – NCL. Mas tal processo é contínuo e o crescimento da célula de tempestade vai atingindo altitudes elevadas. Em uma fase bem inicial, aparecem os Cumulus humilis (ou humilde) ou Cumulus de bom tempo (Fig.5). Alguns vão crescer, passando para a fase de Cumulus mediocris (de médio, Fig.6). Estes conseguem maior desenvolvimento formando os Cumulus congestus, aparecendo como grandes torres fofas (em aviação, são conhecidos como Tower Cumulus - TCU). Têm diâmetro oscilando entre 3 a 8 km e altura de 5 a 8 km (Figs. 7a e 7b); Fig.5 – A fase inicial do estágio Cumulus é Fig.6 – Cumulus mediocris preenchem todo o marcada pela presença dos primeiros Cumulus céu. Bases escuras denunciam maior acúmulo de humilis, bem na altura do NCL. gotas de água. 11 Fig.7a – Nuvem Cumulus congestus com Fig.7b – Fotografia de grande altitude indicando grandes protuberâncias indicando alta convecção Cumulus congestus de desenvolvimento vertical dentro da nuvem acentuado. Note uma nuvem Cumulus em forma de torre no centro inferior da imagem. Estágio Maduro: Como o levantamento atinge grande altura, várias das parcelas se resfriam e mergulham de volta por dentro da própria nuvem. Neste processo, diversas correntes descendentes (de parcelas resfriadas) e correntes ascendentes (de novas parcelas levantadas e aquecidas) vão carregando gotas de água, gelo e diversos particulados. As velocidades das correntes atingem 200km/h e as colisões entre elas podem chegar aos impressionantes 400km/h. Tais colisões são as responsáveis pelo surgimento de carga estática dentro da nuvem. Nesta fase, os modelos tentam explicar o que pode acontecer a seguir, porém, as comprovações são mais difíceis de serem concretizadas. São várias situações que podem ser esperadas. A precipitação severa de saraiva, a precipitação de fenomenal aguaceiro, a formação de tornados ou de uma micro-explosão. Para quase todos, têm-se a certeza de que houve perda de sustentação dentro da nuvem por levantamento. Classifica-se a nuvem como Cb, imediatamente ao ser avistado um eletrometeoro (relâmpagos, por exemplo) ou ouvido um trovão (no caso, um fonometeoro). Seu diâmetro médio, como célula isolada é pouco maior que 10km, com topo entre 8 a 20km, dependendo da latitude (Fig.8); Fig.8 – Encerra-se o estágio Cumulus ao ser avistado o primeiro relâmpago e/ou ouvido o primeiro trovão. A partir deste instante, a trovoada alcançou seu estágio maduro, com a presença da nuvem Cumulonimbus (Cb) conhecida como nuvem-mãe. Note a aparência de bigorna no topo do Cb. Este formado é característico pelo espalhamento da nebulosidade próximo à tropopausa. 12 Estágio de Dissipação: Nesta fase, a maior parte das correntes é descendente, pois o fluxo ascendente passou para uma outra região, onde há um avanço e propagação da célula de tempestade. Há fragmentação total da tempestade na retaguarda, com separação do topo gelado, com Cirrus isolados (Fig.9a) e chuva leve, contínua e as vezes gelada causada por Altostratus (Fig.9b) e Altocumulus (Fig.9c) onde é mais rara. Diz-se que a atmosfera está estável, pois o NCL se elevou e alcançou o Nível de Estabilidade Máxima – NEM, que por sua vez, desceu. Fig.9 – Estágio de dissipação, da esquerda para a direita temos nuvens Cirrus (a) Altostratus (b) e Altocumulus (c). A troposfera estabilizou-se após o ciclo da trovoada. Em resumo, a célula de trovoada tem a função de estabilizar a troposfera terrestre. Parte de uma condição altamente instável (ar quente embaixo e ar frio em cima) para uma situação favoravelmente estável (ar frio resfriado desceu ao perder calor em altitude, tanto latente como sensível). Esta é conhecida como Grande Máquina Térmica da Terra (Fig.10). Instável Estável Fig.10 – Esquema pictórico da Máquina Térmica da Terra. A situação instável da troposfera é transformada em uma situação estável pelo agente Trovoada. Com o passar do tempo, a estabilidade será convertida em instabilidade devido ao aquecimento e o ciclo recomeça. 5 – Tipos de Trovoadas As trovoadas podem ser classificadas conforme ocorrem dentro de uma mesma massa de ar ou por motivo do encontro de duas massas de características diferentes e, neste caso, há processos dinâmicos envolvidos (Fig.11): 13 TROVOADAS MASSAS DE AR DINÂMICAS CONVECTIVAS OU TERMAIS OROGRÁFICAS MULTI-CÉLULAS FRONTAIS LINHAS DE INSTABILIDADE COMPLEXOS CONVECTIVOS DE MESO ESCALA ADVECTIVAS Fig.11 – Tabela com a classificação das trovoadas, segundo os processos de formação. Se ocorrem internamente às massas ou se possuem desenvolvimento por agentes dinâmicos, com ciclos próprios (Multi-células, LI e CCM). As frontais são consideradas um caso especial das dinâmicas devido somente ao encontro entre massas de ar distintas. 5.1 Trovoadas de Massas de Ar: São as trovoadas que ocorrem dentro de uma mesma massa de ar, causados por algum agente: 5.1.1 Convectivas: Também chamadas de termais, são as trovoadas formadas por convecção local devido ao forte aquecimento diurno da superfície. O ar aquece-se por contato molecular e dispara a convecção, emanando calor por turbulência convectiva (Fig.12). Fig.12 – Esquema pictórico e fotografia de uma trovoada térmica isolada. Note que há apenas a tempestade com um ciclo de vida, dentro de uma massa de ar praticamente estático. 14 5.1.2 Orográficas: São as trovoadas que surgem pelo escoamento forçado do ar em direção à uma montanha ou serra. O movimento mecânico, forçando o ar a subir as escarpas, forma nuvens à barlavento da montanha, ocasionando forte precipitação e instabilidade. Turbulência é esperada à sotavento da montanha (Fig.13). Fig.13 – Esquema pictórico e fotografia de uma trovoada orográfica. As células de tempestade se formam à barlavento da montanha, sentido do fluxo ascendente. 5.1.3 Advectivas: Ajudam a formar as trovoadas quando o ar pouco mais frio desloca-se por baixo de ar mais aquecido. Este processo apenas inicia a convecção. Ocorre principalmente quando o ar passa sobre águas oceânicas aquecidas. A parte inferior será aquecida por contato e dispara a convecção, extremamente úmida. Ocorrem normalmente no período noturno, em madrugadas de inverno, mais fracas que as termais e mais raras que as outras trovoadas (Fig.14). Fig.14 – Esquema pictórico e fotografia de uma trovoada advectiva. A célula de tempestade se formou pelo deslocamento horizontal do ar sobre uma grande massa de água em superfície. A fotografia é interessante pelo fato de conseguir mostrar todos os estágios desta célula ocorrendo na troposfera, partindo de uma situação instável (à direita da fotografia) para uma estável (à sua esquerda) mostrando a característica de nuvem-mãe deste Cb. 15 5.2 Trovoadas Dinâmicas: São as trovoadas que se formam pelo encontro de massas de ar diferentes. Normalmente estão associadas à sistemas frontais, ocorrendo em qualquer época do ano, já que os sistemas operam em todas as estações. Também podem surgir em qualquer horário, independendo das condições de aquecimento em superfície. As vezes são disparadas por circulação de ventos secundários, como brisas vale-montanha, terrestre e do mar e ventos anabáticos (que sobem montanhas) e catabáticos (que descem montanhas). 5.2.1 Frontais: Trovoada associada diretamente ao avanço da região frontal. Muito forte quando o avanço é da Frente Fria e mais fraco quando o avanço é da Frente Quente (Fig.15). Fig.15 – Esquemas pictóricos das trovoadas frontais. As células de tempestade se formam pelo deslocamento da massa de ar frio por baixo da massa de ar quente, forçando a sua ascensão. Quanto mais abaulada for a região frontal fria, mais severas serão as trovoadas associadas ao deslocamento. 5.2.2 Dinâmicas Separadas da Região Frontal: 5.2.2.1 Multi-células: Sistema de trovoadas onde existem células de tempestade em estágios diferentes de evolução, mas conectados de alguma maneira. Normalmente não passam de 3 a 4 células em estágios distintos (Fig.16). 16 Fig.16 – Esquema pictórico e fotografia de uma trovoada multi-células. Note que há uma interconexão na base das células distintas da trovoada. Na fotografia, vemos uma das células no estágio maduro, ao centro. 5.2.2.2 Linha de Instabilidade – LI: Sistema organizado de células de tempestade em forma de linha. Ocorre como pré-frontal devido ao rápido avanço da Frente Fria, algumas ondas atmosféricas caminham mais rápido na vanguarda e desencadeiam sistemas convectivos intensos, alinhados e que surgem a qualquer hora. São as trovoadas mais violentas, ainda piores que as causadas pela Frente Fria (Fig.17). Tem deslocamento próprio, normalmente como batedores da frente e mais de um ciclo de vida, podendo permanecer por dias. As suas células de chuva são normalmente independentes, mas com deslocamento perfilado (Fig.18). Fig.17 – Esquema pictórico e fotografia de nave espacial de uma Linha de Instabilidade. Esta é uma linha causada pelo deslocamento frontal. Na fotografia, pode-se notar uma sombra (parte inferior da LI) causada pelos topos dos Cb’s, em forma de bigorna, presentes em sua composição. 17 Fig.18 – Uma Linha de Instabilidade não causada pelo deslocamento frontal, mas por ventos Alíseos que sopram de Leste, região Norte do Brasil. A LI estudada perdurou por quase dois dias e se deslocou mais de 2.000km, com penetração profunda na Amazônia. Estes sistemas são muito comuns na região. 5.2.2.3 Complexo Convectivo de Meso Escala – CCM: São aglomerados circulares, compostos por sistemas organizados de células de tempestade severa, as vezes chamados de super-células (Fig.19). Suas células têm mais ciclos de vida que as demais células de tempestade. Possuem uma área tão extensa que podem cobrir estados inteiros ou mais (Fig.20) principalmente se estiverem imersos em um meso ciclone, onde as células de chuva ficam bem próximas, em um processo de retroalimentação contínuo e severo. Fig.19 – Um CCM com super-células de trovoadas se aproxima de uma cidade. Note que neste tipo de tempestade, praticamente não há espaço entre as suas células, identificando um processo extremamente conectado de seus estágios de evolução. Fig.20 – Imagem de satélite com filtro de destaque colorido para pixels (picture cell ou picture element – pontos digitais da imagem) com grande brilho. Uma das características das trovoadas é terem topos brilhantes e bases escuras, já que a luz não consegue passar por tamanha massa de gotas e gelo. Esta característica é uma ferramenta que auxilia na identificação das tempestades severas. Neste caso, um CCM que cobre vários estados, nos E.E.U.U. No Brasil, o surgimento de CCM’s ocorre principalmente pelo efeito dos Andes, na região Sul e Sudeste e pelos ventos Alíseos, na região Norte (Fig.21). 18 Fig.21 – Climatologia dinâmica dos Complexos Convectivos de Meso Escala que atingem a América do Sul. Note que as principais ocorrências estão intimamente ligadas à presença da cordilheira dos Andes, pois esta cria uma grande perturbação em forma de onda, quando o escoamento básico de Oeste transpõe as montanhas. 6 – Agentes da Trovoada Uma trovoada não existe enquanto não surgir a nuvem Cumulonimbus, portanto, esta é a principal agente da trovoada. A partir deste instante, quando a nuvem-mãe está formada, todos os outros fenômenos são possíveis, com maior ou menor severidade. 6.1 Precipitações: São fortes, principalmente na retaguarda da trovoada, quando esta se desloca, causando fenomenal aguaceiro, perda de visibilidade e ocorrências de granizo (Fig.22). As precipitações vão diminuindo conforme a trovoada passa, terminando com chuva leve na área dissipativa. Fig.22 – Precipitação líquida, considerada chuva forte acompanha do centro à retaguarda da trovoada. Pode estar acompanhada de granizo ou outros fenômenos derivados de ventos. 19 6.1.1 Chuva: A quantidade de água que precipita em uma trovoada é suficiente para esgotar a taxa de absorção de qualquer tipo de solo. Em superfícies impermeabilizadas, como as encontradas nas cidades, provocam grande vazão no escoamento superficial. Esta vazão, correndo para regiões rebaixadas, formará enchentes durante a chuva ou ulteriormente próximo à elas (Fig.23a). Níveis de rios que sobem horas ou dias depois de chuvas intensas são considerados inundações (Fig.23b). Fig.23a – Exemplo de enchente. A chuva mal terminou e a superfície não dá vazão à água precipitada, acumulando-se nos rebaixos do relevo. Fig.23b – Exemplo de inundação. A chuva já encerrou-se há tempo ou nem ocorreu sobre a região, mas a vazão da bacia hidrográfica foi acumulando a água com o tempo para a várzea. 6.1.2 Granizo: Formado pelas gotas que se congelam, primeiramente na sua superfície, como bordeados de gelo, chamados embriões de granizo (Fig.24). Conforme ficam sob a influência das correntes ascendentes e descendentes, conseguem ter um congelamento mais profundo e até mesmo agregar-se a mais gotas ou sublimar vapor. Serão granizos se os precipitados tiverem até 5mm. Acima disto são considerados saraiva (Fig.25). Começam a se formar sempre acima da linha de congelamento em altura (linha do zero graus Celsius). Fig.24 – Esquema pictórico da formação do granizo. Normalmente iniciam-se por um congelamento superficial em forma de bordeados de gelo que, conforme permanecem mais tempo acima da linha de 0ºC, congelam-se em profundidade. A dado momento, ou são arrastados pelas correntes descendentes ou caem pelo próprio peso. Neste último caso, vencem a sustentação dada pelas correntes ascendentes. 20 Fig.25 – Fotografia de uma pedra de saraiva (grande granizo). À direita vemos a mesma fotografia sob filtro azul para enfatizar os diversos níveis de congelamento que este precipitado sofreu durante sua trajetória dentro da trovoada (anéis). Ao final, quando caiu, ainda arrastou gotas que podem ser observadas agregadas na casca da saraiva. A maior saraiva registrada tinha massa de 1.800g. 6.2 Ventos: São muito intensos na trovoada e causam diversos fenômenos associados à grande destruição em superfície e geração de eletricidade atmosférica, dentro do Cb. As térmicas, no início, sobem na razão de 10m/s ou 36km/h. Essa razão cresce absurdamente com a intensificação da convecção, podendo chegar a impressionantes 200km/h. Ao atingir a tropopausa, as parcelas estão extremamente frias e secas (pois perderam toda a sua umidade para formar gotas e cristais de gelo). A dado momento, iniciam-se também as correntes descendentes dentro da célula de tempestade. A associação das duas correntes formarão fenômenos particulares das trovoadas: 6.2.1 Frentes de Rajadas: São ventos das correntes descendentes que, ao invés de descerem pela região central, com destino à retaguarda da trovoada, fazem exatamente o oposto: avançam para a região de vanguarda, muito próximos à superfície, pois são mais frios que as correntes ascendentes quentes, que alimentam o processo convectivo na região de vanguarda da trovoada. São contínuos e sopram de maneira moderada, dificilmente acompanhados de chuva (Fig.26). A região de inversão entre as duas correntes que se cruzam abaixo da linha da nuvem, formam cisalhamentos perigosos (ventos com diferentes velocidades em diferentes alturas). A nuvem rolo, que se forma na vanguarda da trovoada é um exemplo da onda gerada devido ao cisalhamento (Fig.27). 21 Fig.26 – Esquema pictórico da frente de rajada. Note como a corrente descendente desvia-se, em superfície, para a vanguarda do sistema. A perturbação entre as duas correntes forma a nuvem rolo. Fig.27 – Exemplo de nuvem rolo em céu tempestuoso. Esta região da trovoada tem forte cisalhamento horizontal dos ventos, com diferentes velocidades em diferentes alturas. 6.2.2 Downbursts – Microbursts e Macrobursts: Foram consideradas teoricamente a partir de 1970 por Fujita (ver Tornados neste texto). Embora os meteorologistas ortodoxos da época não aceitassem suas teorias, mais tarde elas foram comprovadas. As Downbursts são conhecidas pelo súbito desabamento de ar frio pelo interior da nuvem Cb que se acumulou no seu topo. Este ar frio pertencia às parcelas de ar ascendentes que foram resfriando e perdendo sua umidade durante o processo ascensional. A dado momento, a sustentação desta enorme massa de ar fica impraticável e daí, despenca em direção à superfície (Fig.28). Elas podem ser pequenas, denominadas de micro-explosões (microbusrts) ou grandes, macro-explosões (macrobursts). São diferentes das frentes de rajadas porque têm um tempo de existência curto, de poucos segundos, não maior que um minuto. Suas velocidades também são muito maiores. Fig.28 – Esquema pictórico da micro-explosão. A velocidade de descida pode alcançar 400km/h, dependendo do tamanho da massa fria e seca. Ao aproximar-se da superfície, o desabamento de ar vira, normalmente para um dos lados, destruindo tudo que estiver à sua frente, suscetível à força da velocidade exercida pela massa de ar. Carros, casas, árvores e muros são derrubados. Os destroços ficam alinhados em um único sentido. Sua ocorrência pode ser extremamente localizada. 22 As micro-explosões podem ser úmidas, quando carregam gotas de chuva (Fig.29), ou secas, quando ocorrem sem nenhum traçador durante a queda (Fig.30). Os danos em superfície são grandes, normalmente muito localizados (Fig.31). Fig.29 – Exemplo de uma micro-explosão úmida. As gotas de água servem como traçador do fenômeno, ajudando a identificar sua ocorrência. Fig.30 – Diferentemente da micro-explosão úmida, a seca não pode ser identificada, nem mesmo a curto intervalo de tempo. Só pode ser vista quando já está ocorrendo, como neste caso, no aeroporto John F. Kennedy, E.U.A., 1984. Fig.31 – Fotografias de micro-explosão ocorrida na represa do Guarapiranga, região Sul da cidade de São Paulo, 1999. Diferentemente dos tornados, que deixam os destroços espalhados em círculos pela superfície, as micro-explosões mantêm o rastro da destruição alinhados, em uma única direção, identificando a área atingida e sentido do deslocamento do desabamento de ar. 6.2.3 Windshears: Conhecidas como cortante de vento ou tesouras de vento, os windshears ocorrem próximos das trovoadas, mas sem uma área pré-definida. Sua característica é de alto cisalhamento do vento (semelhante às frentes de rajadas), porém, além de variar a velocidade dos ventos, variam-se também sua direção e sentido. O fenômeno é particularmente perigoso para as aeronaves, principalmente em operações de decolagem e pouso, pois provocam a perda de sustentação nas asas, causando a sua queda abruptamente (Fig.32). 23 Fig.32 – Esquema pictórico de um windshear ocorrendo próximo ao solo. Ao receber vento de popa (cauda) qualquer aeronave, nesta situação, perde sustentação e terá queda balística, não importando a potência que solicite aos motores. A maior tragédia registrada na aviação ocorreu em 1991, com quase 200 vítimas fatais. 6.2.4 Tornados: Fenômeno que varia da micro até meso escala, os tornados são dutos de sucção, gerados por altíssimos gradientes de baixa pressão no interior e base da nuvem. Os processos que disparam os tornados ainda não são completamente entendidos. Muitos tornados são gerados por alto cisalhamento vertical entre as correntes ascendentes e descendentes. Outros podem ser gerados pela deriva de micro-explosões. Há também os grandes tornados que estão associados aos meso ciclones. O que pode-se afirmar com mais certeza é que o alto gradiente de pressão gera um ponto de singularidade na atmosfera (lembrar da explanação sobre os buracos negros, Astronomia). Como a pressão é muito baixa no seu centro (aproximadamente 800mb), o ar atmosférico ao redor (+/-1000mb), tende a suprir esta deficiência, tentando dar uma continuidade mais aceitável ao campo de pressão. Neste instante, toda a massa de ar circula o núcleo, “aguardando” a sua vez de contribuir para a extinção do alto gradiente. Enquanto isto não ocorre, tudo que estiver ao seu alcance será deslocado, conforme variar a força do vento. Por se tratar de um fenômeno ciclostrófico (os agentes gradiente de pressão e centrífugo são majestosamente maiores que Coriolis ou qualquer outra componente) o giro do tornado poderá ser horário ou anti-horário, independentemente do hemisfério. Podem ser até mesmo contra-rotores, em caso de gêmeos. Só são considerados tornados quando tocam o solo. Até lá, são denominados nuvem funil, pois a baixíssima pressão permite com que o vapor se condense imediatamente. Normalmente ocorrem na base da nuvem, conhecida como nuvem parede (Fig.33). Fig.33 – Esquema pictórico do surgimento de um tornado na base da trovoada. Normalmente ocorrem da área central até a retaguarda da célula de tempestade, onde o cisalhamento do vento ou gradientes de baixíssima pressão geram um ponto de singularidade atmosférica. O ar, ao redor, tende a soprar no sentido do seu núcleo para tentar estabelecer um gradiente aceitável. Enquanto não toca o solo, é considerado apenas nuvem funil. Podem surgir também de nuvens rotoras e de meso ciclones. 24 O maior estudioso de tornados foi o Dr. Tetsuya Theodore Fujita, japonês naturalizado norte-americano após a Segunda Guerra Mundial, falecido em 1998. Prof. Ted, como era conhecido, fez inúmeros trabalhos, tanto teóricos como experimentais no campo das trovoadas, furacões e aviação. É dele a famosa escala Fujita que classifica os tornados pelo seu poder destrutivo em superfície, não considerando o tamanho dos dutos como uma fonte confiável de determinação de sua força, já que muitos tornados podem variar de diâmetro, sendo da mesma força. Fujita determinou que a atmosfera da Terra teria energia no seu estado básico para gerar, no máximo, um tornado F5 (sua escala vai de 0 a 12, porém limita-se ao F6, sendo este, inconcebível). Diferentemente de atmosferas de outros planetas, como os gigantes gasosos Jovianos: Júpiter, Saturno, Urano e Netuno (este último tem nuvens supersônicas). A denominação da sua escala é dada na tabela a seguir: ESCALA FUJITA DE FORÇA DOS TORNADOS (1971) Descritivo Leve Moderado Considerável Severo Devastador Incrível Inconcebível Força Fujita Veloc. Inicial (M/h) Veloc. Final (M/h) F0 F1 F2 F3 F4 F5 F6 40 73 113 158 207 261 319 73 112 157 206 260 318 379 A tabela registra valores em milhas por hora. Para se obter os valores em km/h, basta multiplicar os números por 1,852. Para saber mais: No final da década de 1970 e início da década de 1980, Dr. Pearson fez uma avaliação estatística, observando diversos tornados para tentar relacionar a força Fujita com a espessura dos seus dutos. Porém, avaliar tornados por Pearson gera grandes dificuldades: 1º) Precisa-se filmar ou pelo menos tomar várias fotografias para se avaliar qual categoria o tornado atingiu. 2º) As superfícies possuem tipos diferentes de materiais, uns serão suspensos mais facilmente que outros e isso poderá alterar a precisão da avaliação. 3º) Há a necessidade de um observador. A própria escala surgiu por comparações do que se via com o que se destruiu após o evento. Além destes problemas, a Natureza não segue regras e estabelecer medidas para a definição da força Fujita pode ser interpretado como mera especulação, sendo apenas uma estimativa próxima da realidade. A escala Fujita é, sem dúvida, a única que avalia precisamente a força que o fenômeno alcançou, observando-se a destruição em superfície. Abaixo segue o complemento de Pearson: Fujita Pearson Mínima Largura (m) Máxima Largura (m) F0 P0 --Menor que 15 F1 P1 15 50 F2 P2 51 160 F3 P3 161 500 F4 P4 501 1.500 F5 P5 1.501 5.000 25 Alguns exemplos de tornados aparecem nas Figs. 34 e 35. É importante lembrar que os ventos ao redor do tornado estão girando, mesmo que não aparentem, já que ainda têm pouca velocidade e não elevam grandes objetos. Suas velocidades aumentam conforme se aproximam do núcleo. Fig.34 – Tornado F2 despedaça uma estrutura, Fig.35 – Tornado F5 arranca tudo que estiver na E.U.A.. Note a presença da nuvem parede, no superfície, incluindo o próprio asfalto de topo do tornado. rodovias. Para saber mais: Tornados, quando ocorrem sobre massas de água (lagos ou oceanos) são chamados de Trombas D’água. Sua composição é feita pela sucção do líquido na base. Este efeito faz com que ele se movimente menos, pois a água é muito mais densa e pesada para ser elevada em grande quantidade, consumindo boa parte da sua energia cinética. Na superfície do líquido pode-se notar o giro do ar ao redor do núcleo (esquerda). Alguns fenômenos conhecidos por Dust Devils, Diabinhos ou Sacis não são tornados! São simplesmente rodamoinhos que ocorrem por elevação brusca do ar convectivo ou efeitos do deslocamento do ar sobre obstáculos. Ocorrem mesmo dentro de um quintal de residência, onde as paredes ou muros forçam a circulação do ar (direita). 26 6.3 Eletrometeoros: São os fenômenos meteorológicos de natureza elétrica. Quase a totalidade deles está associada à presença da nuvem Cb ou condições tempestuosas. 6.3.1 Relâmpagos: Ocorrem quando o ar atmosférico perde suas propriedades isolantes. Neste instante, uma emanação de elétrons tenta vencer o isolamento e se isto ocorrer, um raio precursor, invisível, será lançado do centro negativo para o centro positivo, não importando se os centros estão dentro da própria nuvem, se estão em nuvens diferentes ou se um está na nuvem e outro no solo, por efeito de indução da nuvem à superfície (Fig.36). Quando este raio precursor completar o circuito (em nanossegundos) uma fenomenal quantidade de carga elétrica será lançada. A diferença de potencial (D.D.P.) chega a milhares e até milhão de Volts e a corrente pode alcançar 100.000 Ampères. A temperatura do relâmpago está na ordem de 15 a 25 mil graus Celsius (cinco vezes mais quente que a superfície do Sol). Fenomenal calor gera um pulso mecânico no ar, por dilatação. O estrondo é chamado Trovão, possuindo todas as freqüências sonoras, sendo que as mais agudas são ouvidas nos locais próximos da descarga e as mais graves, ao longe, por propriedades mecânicas do deslocamento das ondas na atmosfera. São essenciais à manutenção da vida na Terra, pois geram quantidades colossais de bases nitrogenadas que servirão, ao precipitar com a chuva, como adubos naturais. Fig.36 – Esquema pictórico do sentido de propagação das descargas elétricas. Note que são os elétrons que se movem. Centros positivos são formados pela ausência de elétrons. 1 – Direção do fluxo de Elétrons; 2 – Descargas difusas do topo da nuvem para a Estrato/Ionosfera (Sprites e Blue Jets); 3 – Nuvem para nuvem, do Centro (-) ¹ Centro (+); 4 – Centro da nuvem, Base (-) ¹ Topo (+); 5 – Descargas contra o céu; 6 – Relâmpago típico contra o solo; 7 – Centro da nuvem contra um Ponto (+); 8 – Fogo-de-Santelmo; 9 – Relâmpago do solo contra as nuvens. 27 Ocorrem, em média 100 descargas por segundo, em todo o planeta. Os tipos principais são zigue-zague (Fig.37), ramificado (Fig.38) e lampejo (Fig.39). Existem outros mais raros de se observar, como o relâmpago esférico (chamado bola, ilustrado na Fig.40), torpedo e perolado, amplamente estudados, com registros de ocorrências, testemunhos e em alguns casos, até fatais. Fig.37 Relâmpago Zigue-zague. Fig.38 Relâmpago Ramificado. Fig.39 Relâmpago Lampejo. Fig.40 – Esquema pictórico dos relâmpagos bola. O tamanho pode variar de 10cm a 1 metro. Podem surgir inclusive dentro de residências. Suas cores características são: A – Vermelho; B – Amarelo; C – Laranja e D – Azul claro, este último, o mais brilhante e explosivo. 6.3.2 Fogo-de-Santelmo: Diferente dos relâmpagos, o Fogo-de-Santelmo é uma emanação elétrica, com barulho chispóreo, que se propaga pelo ar em situações de tempestades eminentes ou sob a base das nuvens de trovoadas. Por algum motivo, o ar atmosférico está mais condutivo à eletricidade, portanto, ao invés da superfície se carregar, como um capacitor e depois faiscar em forma de relâmpago, ela vai emanar (ou receber) os elétrons de forma contínua. Ocorrem com mais freqüência no mar, nos mastros dos navios, daí o seu nome, Saint Elme, padroeiro dos marinheiros, que evocavam seu nome, durante as tempestades. Como os relâmpagos, ocorrem pelo poder das pontas. A coloração normalmente é azul, descarga negativa, porém pode ser vermelha, neste caso, recebendo carga (Fig.41). 28 Fig.41 – Esquema pictórico do Fogo-deSantelmo. Emanações de elétrons são azuis, em forma de fogo e recebimento, vermelhos, em forma de pincel. Surgem em superfícies metálicas, pontas de árvores coníferas, mastros e cumes de montanhas pontudas (Fig.42). Fig. 42 – Esquema pictórico de ocorrências de Fogo-de-Santelmo. Podem circular, como o exemplo, em torres metálicas (I, II e III) ou ficar estáticos (IV). 6.3.3 Sprites e Blue Jets: Recentemente descobertos, com o advento dos imageadores modernos de satélites, os Sprites e Blue Jets são descargas que ocorrem do topo da nuvem Cb, caminhando pela estratosfera, em sentido à ionosfera baixa. Pelo observado até o presente momento, ocorrem imediatamente após um relâmpago, interno ou na base da nuvem. Pela coloração, Sprites são vermelhos (devem receber elétrons) e Blue Jets, como o próprio nome sugere, são azuis e devem emanar elétrons. A aparência de um Sprite, é literalmente de um espirro, semelhante ao lançar de uma rolha de garrafa de champagne e o Blue Jet, um espalhamento azul em forma de bolha, surgindo bem no topo da nuvem Cb (Fig.43). Fig.43 – Rara fotografia de ocorrência de Sprites com Blue Jets. 29 Para saber mais: • Os relâmpagos são emanações de elétrons que tentam vencer o isolamento do ar. Para isto, procuram a menor distância possível e os melhores condutores que encontrarem pelo caminho. Todas as superfícies pontudas auxiliam nesta tarefa, bem como as que estiverem mais elevadas, em relação ao redor próximo. Portanto, abrigar-se embaixo de árvores não é uma boa idéia, já que elas serão pontos favoráveis de indução da carga elétrica; • O mito de que um relâmpago não cai no mesmo lugar é totalmente falso! Precisamente o oposto, pois como a área atingida pelo relâmpago está fortemente ionizada, terá preferência em ser atingida pela próxima descarga; • O faiscar do relâmpago não é único. Normalmente varia de 1 a 4, com recorde registrado de 16. Na próxima tempestade, note o cintilar de alguns relâmpagos do tipo Zigue-zague; • Estando desabrigado, durante uma tempestade, livre-se de objetos metálicos presos ao corpo e escolha regiões mais baixas para aguardar. Se estiver muito desabrigado, monte seu próprio páraraios e mantenha-se relativamente afastado. 7 – Considerações Finais Nosso estudo das trovoadas objetivou mostrar a importância deste fenômeno para a região tropical e sub-tropical do planeta, onde os processos térmicos ocorrem pela troca de energia na vertical em grandes proporções, por uma entidade que dissipa a energia recebida pelo Sol, transportando esta carga da superfície para o topo da troposfera. Em resumo, vimos: { A entidade meteorológica que faz esse papel chama-se trovoada, composta pela nuvem Cumulonimbus (Cb) ou nuvem-mãe. Ela possui um ciclo de vida de três estágios: Cumulus, Maduro e Dissipativo; | As trovoadas existem devido a convecção, portanto, são responsáveis pelo transporte de grande quantidade de energia térmica da superfície para a tropopausa; } Durante este processo, literalmente fazem a troposfera “borbulhar”; ~ Surgem pela instabilidade da troposfera, com ar quente embaixo e ar frio em cima. Durante o processo, vão dando estabilidade nesta camada atmosférica e, ao final, deixam-na totalmente estável, pronta para um novo ciclo; A atuação das trovoadas vai se reduzindo, conforme se aumentam os graus de latitude (Fig.44). Nas latitudes médias e além destas, começam a surgir outros fenômenos, abordados na aula sobre ciclones extratropicais; Por necessitarem de grandes gradientes térmicos locais para fomentar a convecção, as trovoadas ocorrem mais, climatologicamente, sobre os continentes do que sobre os oceanos (Fig.45); Uma grande quantidade de energia é transformada em eletrometeoros. Esta quantificação ainda está em estudo e é desconhecida (Fig.46). Os processos de dissipação de energia de uma explosão nuclear, uma pluma de erupção vulcânica e um Cumulonimbus são idênticos para a troposfera. Só há mudança no tempo de dissipação, dada a forma como a energia é liberada na atmosfera (Fig.47). 30 Fig.44 – Exemplo de observações de trovoadas ao redor do mundo. Note que o número de ocorrências é maior nas latitudes baixas, reduzindo conforme se aumentam as latitudes. Na faixa tropical do planeta, a troposfera é muito mais convectiva. Tais observações são feitas pelos novos sensores de relâmpagos embarcados nas plataformas espaciais, como o OTD (esquerda, abaixo). Fig.45 – Outro exemplo de observações de trovoadas, neste caso, enfatizando o maior número de ocorrências sobre os continentes. Sensores como o LIS (abaixo) embarcados em satélites, são ótimas ferramentas para localizar as células de tempestades, medindo a densidade de relâmpagos pelo seu brilho. Elétrica Mecânica Entrada de 100 % de Energia Térmica Fig.46 – Esquema pictórico do Balanço de Energia e as transformações ocorridas após a trovoada. A nuvem Cumulonimbus é um agente que dissipa 100% da entrada de energia inicial em outras energias, como a térmica (em altos níveis ou outros processos), a mecânica, a elétrica etc. A quantificação da “fatia do bolo” de cada uma destas transformações é ainda desconhecida. 31 0,1s 1s 1min 1h 5h 7h Fig.47 – Esquema pictórico dos processos de dissipação de energia de uma explosão nuclear, plumas de erupções vulcânicas e um Cumulonimbus. Todos são idênticos para a troposfera, mudando apenas o tempo de dissipação, dada a forma como a energia é liberada na atmosfera. Ricardo Augusto Felicio B.Sc. Meteorologista – USP M.Sc. Meteorologia Antártica – INPE Dr. Climatologia Antártica – FFLCH – DGF – USP Correio eletrônico: [email protected] Fonte: Meteorologia Operacional para Pilotos – 2005 Ricardo Augusto Felicio Registro na Fundação Biblioteca Nacional n. 360.744 livro 666 folha 404 32