Temas Atuais em Pediatria
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Temas Atuais em Pediatria
Temas atuais em Pediatria Ano I - Nº 1 - Agosto 2012 Cuidados com a Dermatite Atópica Dra. Maria Cecilia Rivitti Machado Dermatite atópica Tratamento Dra. Zilda Najjar Prado de Oliveira Sociedade de Pediatria de São Paulo Temas atuais em Pediatria Ano I - Nº 1 - Agosto 2012 Expediente Diretoria da Sociedade de Pediatria de São Paulo Triênio 2010 – 2013. Diretoria Executiva Presidente: Clóvis Francisco Constantino. 1º Vice-Presidente: Mário Roberto Hirschheimer. 2º Vice-Presidente: Eraldo Samogin Fiore. Secretário Geral: Maria Fernanda B. de Almeida. 1º Secretário: João Coriolano Rego Barros. 2º Secretário: Ana Cristina Ribeiro Zollner. 1º Tesoureiro: Lucimar Aparecida Françoso. 2º Tesoureiro: Aderbal Tadeu Mariotti. Coordenação Diretoria de Publicações: Diretora: Cléa Rodrigues Leone. Revista Paulista Pediatria Editora: Ruth Guinsburg. Editora associada: Sônia Regina Testa da Silva Ramos. Editores executivos: Amélia Miyashiro Nunes dos Santos, Antonio Carlos Pastorino, Antônio de Azevedo Barros Filho, Celso Moura Rebello, Cléa R. Leone, Lilian dos Santos Rodrigues Sadeck e Mário Cícero Falcão. Departamentos Científicos Diretor: Rubens Feferbaum Membros: Ciro João Bertoli, Sérgio Antônio B. Sarrubbo. 3 Temas Temas atuais atuais em em Pediatria Pediatria Cuidados com a Dermatite Atópica Dra. Maria Cecilia Rivitti Machado Mestre em Dermatologia pela Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo; Médica responsável pelo ambulatório de Acne do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Membro do Departamento de Dermatologia da SPSP. CRM: 57299-SP Introdução Dermatite Atópica é o termo que designa uma doença cutânea pruriginosa de evolução prolongada, em surtos, que compromete topografias específicas de acordo com a idade do paciente. Os portadores de dermatite atópica e seus familiares próximos (pais, irmãos) costumam ser propensos a outras manifestações alérgicas, tais como a asma, rinite, urticária e conjuntivite. A dermatite atópica também é conhecida por outros nomes, como: eczema atópico, eczema constitucional, prurigo de Besnier e prurigo diatésico. 1,2 A dermatite atópica é uma doença muito frequente, compromete indivíduos de todas as etnias e classes socioeconômicas e é mais comum em crianças, podendo manifestar-se nos primeiros meses de vida. 1 O conhecimento sobre a patogenia da dermatite atópica evoluiu muito nos últimos anos. Há uma predisposição genética para a doença, como atesta a ocorrência em familiares próximos, e alterações imunológicas evidenciadas pela correlação com outras doenças alérgicas. 4 No entanto, quem vai tratar a dermatite atópica deve estar familiarizado com achados recentes sobre a função da barreira cutânea. 1,2 A pele é composta pela epiderme, derme e subcutâneo. A epiderme é composta por queratinócitos que, a partir da camada basal, a mais interna, sofrem processo de diferenciação, originando a camada espinhosa, a camada granulosa e, por fim, a camada lamelar, exterior. Esta é composta por células anucleadas e citoplasma rico em queratina, envolvidas por aminoácidos, lípides e peptídeos antimicrobianos. A camada lamelar tem por função, além da resistência mecânica a traumas, diminuir a perda de água transepidérmica e manter sob controle microrganismos potencialmente patogênicos. A disfunção desses elementos tem papel fundamental na patogênese não só da dermatite atópica, mas também de manifestações alérgicas em outros órgãos. A figura 1 ilustra um modelo da patogenia da dermatite atópica, incorporando as seguintes alterações recentemente identificadas 3,4: Dermatite atópica-Patogenia Defeito na secreção de corpos lamelares ↑ infeções virais Verruga molusco DEFEITO BARREIRA CUTÂNEA ↓Filagrina ↓Claudina ↑atividade de proteases Disfunção neuropeptídeos Tendência ao prurido ↓peptídeos antimicrobianos Catelicidinas defensinas Staphylococcus aureus SUPERANTÍGENOS RESPOSTA T TOXINAS Estimulação da imunidade humoral (IgE) PRURIDO - ESCORIAÇÃO LESÃO DE DA Mutações da filagrina, da claudina, que contribuem para a perda de água transepidérmica, levando ao ressecamento da pele; Alterações de catelicidinas e defensinas, que favorecem infecções virais como o molusco contagioso, verruga viral bem como bacterianas, como colonização tanto das lesões como da pele aparen- Figura 1. Esquema da patogenia da dermatite atópica (DA) temente sã pelo Staphylococcus aureus; Estimulação da imunidade humoral e celular pelo S. aureus, etapa patogênica muito importante na indução da inflamação e alterações imunológicas encontradas na dermatite atópica; Aumento da atividade de proteases, agravando a disfunção da epiderme, favorecendo a colonização pelo S. aureus; 5 Temas atuais em Pediatria Disfunções de neuropeptídios, favorecendo o prurido, levando às escoriações; Hiperreatividade a estímulos, responsável pelo dermografismo e induzindo reações falsamente positivas a testes cutâneos. Assim, na concepção moderna do tratamento da dermatite atópica, procura-se corrigir não só a disfunção imunológica e o prurido, mas, principalmente, restaurar a função de barreira da epiderme, cuja disfunção constitui um evento primordial na patogenia da doença. Já existem evidências de que a disfunção da barreira epidérmica é responsável não só pela dermatite atópica, mas também por manifestações atópicas em outros órgãos.5 O tratamento precoce da dermatite atópica não favorece o desenvolvimento de outras alergias, ao contrário, pode contribuir para sua prevenção, além da evidente melhora na qualidade de vida do portador e seus familiares. Tratamento da dermatite atópica Compreende um conjunto de medidas que devem ser instituídas simultaneamente, e que incluem: 1. Reduzir o dano à barreira cutânea; 2. Controlar a colonização e infecção pelo S. aureus e outras infecções; 3. Controlar a inflamação; 4. Controlar o prurido; 5. Fornecer aos cuidadores informações sobre a doença, causas, evolução e importância da adesão aos cuidados; 6. Detectar alterações na dinâmica psicossocial do indivíduo e seus familiares, e estabelecer medidas terapêuticas apropriadas. 6 Redução do dano à barreira cutânea Para minimizar o dano à barreira cutânea, são fundamentais as orientações em relação ao banho, ao uso de emolientes e cuidados com as vestimentas. 1, 2, 3 O banho deve ser rápido e morno. Banhos de imersão são menos danosos que os de chuveiro. No caso de imersão, e principalmente nos lactentes, a família deve ser orientada a enxaguar bem a criança em água limpa antes de enxugá-la. Evitar o uso de buchas. Mais de um banho diário pode ser necessário; nesse caso, devem ser mais rápidos, e deve-se evitar ensaboar a criança em todos os banhos. Não deixar a criança brincando com sabonetes ou na água ensaboada. Lembrar aos pais que a pele do portador já tem menor conteúdo lipídico, e que a imersão prolongada em sabão, água muito quente e lavagens excessivas irão agravar o problema. Limpadores suaves podem ser empregados 6. Sempre que possível, dar preferência a limpadores compostos por syndets, menos agressivos à barreira. Syndet é um termo formado pela contração das palavras detergente sintético, e designa substâncias que têm a função dos sabões. No caso de restrição econômica, indicar sabonetes cremosos, sem corante nem fragrâncias. Alguns limpadores populares não são indicados aos portadores de dermatite atópica, como sabonetes antissépticos, óleos de banho e sabonetes de glicerina. Os sabonetes de glicerina podem contribuir para roubar água da epiderme e foram ultrapassados pelas formulações mais modernas (syndets). Os sabonetes com antissépticos contribuem para o ressecamento da pele e podem induzir à dermatite de contato. Óleos de banho costumam conter emulsificantes, que contribuirão para remoção dos lípides cutâneos, agravando progressivamente o ressecamento. Imediatamente após cada banho, emolientes (hidratantes que inibem a perda de água transepidérmica e formam barreira protetora) devem ser aplicados diariamente durante as crises de dermatite atópica e após o controle, a fim de minimizar as recorrências. Uma infinidade de emolientes está disponível, com ampla gama de preços, dificultando a escolha; o médico deve, então, ter em mente algumas precauções. Óleos isoladamente não são eficazes na restauração da função barreira cutânea, por não formarem película contínua; são muito úteis, no entanto, quando incorporados a loções e cremes. Evitar emolientes com antissépticos, ricos em fragrâncias e corantes. As formulações mais modernas de emolientes imitam a composição da barreira cutânea, contribuindo para o controle mais rápido e eficiente do quadro de dermatite atópica, e podem ajudar a diminuir a frequência e intensidade das recidivas, principalmente quando associados aos syndets e aos outros cuidados com o banho. As roupas do portador de dermatite atópica devem ser frescas, a fim de permitir transpiração; deve-se evitar a lã em contato direto com a pele; dar preferência às confeccionadas com algodão. Após a lavagem, enxaguar muito bem, e evitar amaciantes. Sabão de coco em pó é o mais indicado na lavagem de roupas do bebê. Os lavadores para roupas delicadas e os sabões líquidos de coco habitualmente são ricos em branqueador óptico, o que pode agravar a dermatite atópica, principalmente nos lactentes. Controle da colonização estafilocócica1, 2 Acompanhar em: Dermatite atópica Tratamento. Controle da inflamação1,2 O controle da inflamação é obtido com a associação das medidas já expostas em relação aos cuidados com barreira cutânea, diminuição da população de estafilococos, como exposto no item anterior, associada ao emprego de medicamentos tópicos e, raramente, medicamentos sistêmicos. O tratamento será abordado em: Dermatite atópica - Tratamento. Controle do prurido1, 2 O prurido tem papel central na dermatite atópica. Usualmente precede a instalação das lesões de pele, e a escoriação é fator de perpetuação dessas lesões. Nas crianças maiores com frequência observamos que a sudorese desencadeia prurido, e que as lesões surgem subsequencialmente. O controle do prurido é obtido com um conjunto de medidas, que incluem as anteriormente descritas, que controlam a inflamação. Para auxíliar empregamos antihistamínicos sistêmicos, dando preferência aos sedantes, pois facilitam o sono, habitualmente prejudicado nos atópicos em crise. Nos escolares e adultos pode-se indicar anti-histamínico sedante à noite e não sedante durante o dia. 7 Temas atuais em Pediatria Informação ao portador e cuidadores Constitui etapa crucial para boa adesão ao tratamento, que as famílias tendem a considerar muito trabalhoso. Nada substitui os cuidados com o banho e a aplicação de emolientes. Sempre empregar as medidas terapêuticas acima descritas em conjunto. Informar aos pais ou cuidadores que a dermatite atópica deve-se à deficiência na barreira cutânea, e não a alimentos ingeridos pela criança ou pela mãe durante a gravidez. Informar que a doença pode recidivar, e que o tratamento pode ser reinstituído quando necessário, com acompanhamento médico, a fim de se evitar efeitos colaterais. A alergia alimentar não é a causa da dermatite atópica, e a eliminação de alimentos da dieta deve ser evitada. A alergia alimentar pode ser pesquisada em casos resistentes ao tratamento e que apresentem testes séricos positivos para alimentos; teste negativo afasta a possibilidade de alergia a alimento. O leite de soja não tem nenhum papel no tratamento da dermatite atópica (nem das alergias alimentares). Ainda que se confirme alergia a determinado alimento, não se devem dispensar os cuidados descritos. 7,8 Estar atento ao fato de que distúrbios do relacionamento entre os pais, entre os familiares (pais e avós, por exemplo) e entre a criança e familiares são comuns, que devem ser abordados precocemente. Duas situações são comuns: adultos tendem a se culpar quando do desencadeamento de crises, e a criança tem crises de prurido quando contraria- 8 da, resultando em trocas de acusações e ruptura de relacionamentos e uma criança sem limites. Encaminhamento para psicoterapia pode ser necessária. O estresse psicológico, as frustrações podem agravar a dermatite atópica, desencadeando crises de prurido, mas não constituem a causa nem o principal fator patogênico da doença. Praticas esportivas, plena inserção na vida escolar e atividades sociais e de lazer devem ser estimulados, com alguns cuidados. Piscinas com água clorada podem agravar o ressecamento da pele, e os cuidados com sabonetes e aplicação de emolientes devem ser seguidos escrupulosamenete. Piscinas salinizadas tendem a agredir menos, mas não são isentas de cloro. Esportes levam à sudorese, que desencadeia crises de prurido. Anti-histamínicos não sedantes podem ser administrados nos dias de treino a fim de se minimizar a ocorrência de prurido. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Kang K, Polster AM,et al. Atopic Dermatitis. In Dermatology Bolognia JL, Jorizzo JL, Rapini RP. 2nd. Ed. UK: Mosby Elsevier; p.181-195. 2. Oliveira ZNP, Aoki V, Orfali RL. Dermatite atópica. In Dermatologia Pediátrica. Oliveira ZNP. 2ª. Ed. São Paulo: Manole; 2012, p 77-122. 3. Elias PM, Schmuth M. Abnormal skin barrier in the etiopathogenesis of atopic dermatitis. Curr Opin Allergy Clin Immunol. 2009; 9(5): 437–446. 4. Borkowski A W, Gallo RL. The coordinated Response of the Physical and AntimicrobialPeptide Barriers of the Skin. 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CRM: 30190-SP A frequência da dermatite atópica (DA) tem aumentado nas últimas décadas, afetando atualmente entre 10 a 15% das crianças e 1 a 3% dos adultos. Observou-se um aumento desde os anos 60, quando chegou a 4 a 8% e, após 1970, foi para 9 a 12%1. A DA é uma doença predominantemente infantil, pois em 80% dos casos ocorre antes dos sete anos e se inicia, geralmente, nos três primeiros meses de vida2, 3. Não há diferença na prevalência entre os sexos. Crianças que têm história familiar de atopia (pais e/ou irmãos) têm um importante fator de risco ao desenvolvimento de DA. Quando o pai e a mãe têm DA, a chance do filho desenvolver a doença é de aproximadamente 70%2. A DA evolui em surtos, e o quadro clínico é característico para cada faixa etária. O atópico tem alterações da barreira cutânea e, também, sofre influência de fatores emocionais. Frequentemente o quadro cutâneo se associa à asma, rinite alérgica e, eventualmente, à urticária. O quadro clínico é característico e, didaticamente, pode ser dividido em três fases: do lactente (três meses aos dois anos), infantil ou pré-puberal (dois aos 12 anos) e puberal (12 aos 18 anos). Esta última assemelha-se à forma do adulto. Em todas as fases da doença, há manifestações invariáveis, como pele seca, prurido intenso e curso crônico, com surtos de agudização4. Caracteristicamente, há piora do prurido concomitante à sudorese. As lesões são sempre eczematosas, em diferentes fases de evolução, desde agudas, com eritema, edema e vesiculação, como subagudas, com crostas e pápulas eritematosas e crônicas, em que além das lesões eritemato-descamativas e pápulo-crostosas, se associa a liquenificação da pele. Eczema Atópico do Lactente Surge, geralmente, a partir do 3o mês de vida ou até os seis meses3, 4. As lesões se localizam predominantemente na face, nas regiões malares, poupando o maciço médio-facial, e no couro cabeludo (Quadro 1). Podem se estender, atingindo toda a face, o pescoço, as dobras ante-cubitais e poplíteas e, nos casos mais graves, generalizar-se. Na maioria das vezes, a área das fraldas é poupada3. Como o prurido é geralmente intenso, 9 Temas atuais em Pediatria aparecem escoriações e aumenta a incidência de infecção secundária3, além de comprometer o sono. O quadro pode melhorar ou persistir com maior ou menor intensidade. Eczema Atópico Infantil ou Pré-Puberal Pode ser uma continuidade do eczema do lactente ou surgir após meses ou anos. Acomete principalmente as regiões de dobras como poplítea e cubital2, mas também face, pescoço, punhos, nádegas, face posterior da coxa e dorso das mãos e dos pés. (Quadro 1). Não é incomum ocorrer cronificação, com liquenificação e infecção secundária. O quadro pode desaparecer ou persistir até a adolescência 2,4. Tratamento Eczema Atópico do Adolescente Assemelha-se ao do adulto. Atinge preferencialmente as áreas de flexão, como cervical, antecubital e poplítea, e os punhos que apresentam liquenificação (Quadro 1). Pode acometer a região periorbital e perioral e haver eritema e descamação nas plantas dos pés. As lesões tendem a ser mais difusas, podendo se generalizar, e infecção secundária não é muito frequente. 2,4 Complicações As mais frequentes são as infecções virais ou bacterianas. A mais grave é a Quadro 1: Quadro clínico da dermatite atópica Fase infantil (do lactente) (0 a 2 anos) Lesões na face (frontal e malar), poupa o maciço centro-facial, couro cabeludo e faces extensoras dos membros. Pode haver generalização. Prurido intenso. Infecções bacterianas secundárias. 10 erupção variceliforme de Kaposi, que decorre da infecção causada pelo contato com o vírus do herpes simples, da varicela ou da vaccínia. O quadro é toxêmico, agudo, com febre alta, concomitante ao aparecimento de lesões características vésico-pustulosas umbilicadas, disseminadas, particularmente nas áreas eczematosas. 2,4 Outras infecções virais que são mais frequentes nos atópicos são: verrugas e molusco contagioso, que podem estar presentes em grande número. O Staphylococcus aureus é encontrado em culturas em aproximadamente 90% das lesões dos atópicos e, mesmo que não haja infecção aparente, leva à piora da dermatite5 . No tratamento da DA, tanto os medicamentos como as orientações e cuidados com a pele têm papel relevante. Geralmente o paciente responde bem à terapêutica, que não deve ser descontinuada até a manutenção da melhora. Os pais devem ser informados sobre a possibilidade de cura espontânea da doença, pois este pode ser um fator muito alentador para o seguimento e persistência dos cuidados com as crianças acometidas. Vamos nos ater ao tratamento medicamentoso, já que as outras orientações para o paciente atópico serão explanadas em outro capítulo. Fase infantil ou pré-puberal (2 a 12 anos) Lesões flexurais (antecubitais, poplíteas), nos punhos, região cervical, dorso de mãos e pés, pálpebras e queilite. Liquenificação. Fase do adolescente ( > 12 anos ) Lesões flexurais, periorais e queilite. Pode generalizar-se. Descamação e liquenificação Para controlar a inflamação, e, desse modo, melhorar as lesões, utilizam-se os corticosteroides tópicos e os inibidores tópicos da calcineurina. A potência do corticoide utilizado deve ser criteriosa, levando-se em conta o local a ser aplicado. Na face e nas flexuras, por ser a pele mais fina, recomendam-se corticosteróides de baixa ou média potência (ideal hidrocortisona) devido ao risco de atrofia6. Também devem ser evitados em áreas extensas da pele e por tempo prolongado, devido aos efeitos colaterais provocados pela absorção cutânea. Em outras áreas da pele, ou se houver liquenificação, utilizam-se corticoides de média potência (mometasona, desonida) sempre por períodos curtos de, no máximo, 7 a 10 dias consecutivos e não ultrapassando duas aplicações ao dia 4. Os corticosteroides sistêmicos somente estão indicados em casos mais graves e que tiveram difícil controle com o tratamento tópico prévio. Devem ser prescritos por períodos curtos e sob cuidadosa supervisão médica, pois se observa o fenômeno de rebote quando se suspende o medicamento. 4, 6, 7 Uma alternativa para o uso dos corticoides tópicos são os imunomoduladores, os inibidores da calcineurina. São disponíveis para uso tópico o pimecrolimo e o tacrolimo. No Brasil, o pimecrolimo (a 1% em creme) pode ser usado em crianças a partir dos três meses de idade e o tacrolimo, a partir dos dois anos de idade (pomada a 0,03% para até os 12 anos e 0,1% acima de 12 anos). Por eles serem célula-seletivos, apresentam menor risco de efeitos colaterais com relação aos corticoides. Observa-se melhor ação em regiões de pele mais fina como a face, pescoço e dobras. O pimecrolimo está indicado para tratamento das lesões leves a moderadas e o tacrolimo para todos os graus de gravidade. Obtém-se melhor resultado se forem aplicados desde os primeiros sinais de lesão, duas vezes ao dia até regressão completa. Se não houver melhora em 3 a 4 dias, deve-se trocá-los por corticoide tópico e voltar a usar o imunomodulador logo que as lesões regredirem. Os principais efeitos colaterais locais dos imunomoduladores são ardor e prurido, que se reduzem após os primeiros dias de aplicação8. Na DA, além do tratamento das crises, é muito importante o tratamento preventivo. Para se prevenirem novas crises, existem vários esquemas terapêuticos com imunomoduladores, sendo que o mais aceito é a sua utilização duas vezes por semana nas áreas em que havia lesões previamente ao tratamento, continuando o uso por meses. Pode-se optar, também, pelo esquema tradicional, que consiste na sua utilização toda a vez que as lesões se iniciam até a resolução completa4, 8. Nas formas crônicas de DA, com liquenificação e prurido intensos, pode-se utilizar a fototerapia, especialmente a de radiação ultravioleta de banda estreita (narrow-band), com bons resultados. É um recurso pouco usado na infância pelas dificuldades técnicas inerentes à faixa etária, por ser difícil manter a criança em uma cabine. É mais recomendada a partir dos nove anos de idade 2,4. O controle do prurido é muito importante para diminuir o desconforto do paciente atópico. São muito utilizados os anti-histamínicos, por diminuírem a coceira e o incômodo, embora os benefícios clínicos não sejam comprovados adequadamente, já que a histamina não é o principal fator envolvido na patogênese da DA4. Os anti-histamínicos sedantes são os preferidos em idade pré-escolar por melhorarem o sono e por minimizarem 11 Temas atuais em Pediatria os episódios de coceira à noite. Destes, o mais utilizado é a hidroxizine na dose de 0,5 a 1 mg/kg, podendo se chegar a 2 mg/dia em casos mais refratários. Os anti-histamínicos de segunda ou terceira geração são menos efetivos na DA, mas são os preferidos em idade escolar durante o dia, sendo associados aos sedantes à noite 4 . Prefere-se a loratadina e a desloratadina, respeitando-se os limites de idade para a sua utilização na infância (Tabela 1). Na DA, o controle da infecção pelo estafilococo é muito importante, inclusive para se diminuírem as crises agudas da doença. Deve-se ressaltar que a infecção pode não estar visível clinicamente, apresentando pústulas (impetiginização). Suspeita-se de DA infectada sempre que houver piora das lesões sem uma causa aparente ou refratariedade às terapêuticas habituais. Utilizam-se principalmente antibióticos sis- têmicos como eritromicina, cefalosporinas ou sulfametoxazol-trimetropim nas doses habituais. O uso deve ser por 10 dias e nunca profilático 2,9. Para o tratamento tópico, podem ser prescritos tanto a mupirocina quanto o ácido fusídico. Porém, embora possam reduzir a colonização bacteriana, não há confirmação de que sejam eficazes para a melhora da DA e, muitas vezes, podem produzir dermatite de contato, o que piora o quadro eczematoso prévio. É muito difícil o controle da dermatite atópica refratária grave. Muitas vezes se necessita a internação do doente ou pelo menos a mudança de ambiente (de casa, ou para praia ou campo). Quando o quadro não melhora com as medidas citadas, pode-se recorrer à imunossupressão com metotrexate, azatioprina, ciclosporina ou micofenolato de mofetil. A ciclosporina é o imunossupressor mais avaliado em Tabela 1. Anti-histamínicos anti-H1 Sedantes Subclasse Droga Dose Apresentação Alquilamina Dextroclorfeniramina 0,15mg/kg/dia 4x/dia Xarope com 2mg/5ml Comprimido com 2mg Etanolamina Clemastina 0,1mg/kg/dia 2 a 3x/dia Xarope com 0,25mg/5ml Comprimido com 1mg Piperazina Hidroxizina 1 a 2mg/kg/dia 3 a 4x/dia Xarope com 2mg/ml Comprimido com 25mg Não-sedantes Droga Loratadina 12 Dose < 30kg – 5mg/dose > 30kg – 10mg/dose 1x/dia Cetirizina Crianças > 2 anos Fexofenadina Crianças > 12 anos < 30kg – 5mg 2x/dia > 30kg – 10mg 1x/dia 120-180mg/dia 1x/dia Desloratadina Crianças > 2 anos 2-5 anos: 2,5ml/dia 6-11 anos: 5ml /dia Apresentação Xarope com 5mg/5ml Comprimido com 10mg Comprimido com 10 e 25mg Solução oral com 1mg/ml Cápsulas com 60mg Comprimido com 120 e 180mg Xarope com 0,5mg/ml Comprimido com 5mg diferentes estudos10. A dose usada varia de 3 a 5 mg/kg/dia, geralmente até 1216 semanas. É importante se monitorar a função renal e a ciclosporinemia periodicamente. Os outros imunossupressores têm mais restrições10. Em conclusão, a DA é uma doença frequente na infância, que tem várias peculiaridades clínicas e epidemiológicas. O curso é crônico, tem períodos de remissão e exacerbação e pode evoluir para cura espontânea em70 a 85% dos casos, em prazo variável, geralmente após anos. Tem grande repercussão na qualidade de vida da criança, tanto pela persistência das lesões como pelo prurido que, geralmente, é intenso e causa distúrbios no sono. O quadro clínico é muito característico, porém variável conforme a idade da criança. Existem vários fatores que desencadeiam ou pioram o quadro. O tratamento tem boa eficácia e promove controle eficiente das lesões. Os pais e as crianças devem ser orientados sobre as características da doença, do seu controle e do tratamento que deve ser contínuo até a cura espontânea para se evitar falsas expectativas e para maior adesão à terapêutica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Larsen FS, Hanifin JM. 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Atopic dermatitis: systemic immunosuppressive therapy Semin Cutan Med Surg. 2008;27(2):151-5.11 13 Temas atuais em Pediatria expediente toda correspondência deve ser dirigida a: Diretor: Miguel Taberner Sala Rua Engenheiro Jorge Oliva, 332 - Vila Mascote - 04.362-060 - São Paulo - SP Tel.: (11) 2339-4440 - (11) 2339-4450 - E-mail:[email protected] www.arscvrandi.com.br O conteúdo desta obra é de responsabilidade das autoras, devidamente indicados na publicação e não refletem necessariamente a opinião da Ars Cvrandi Editora e do laboratório que patrocina a distribuição do mesmo à classe médica. autorizados a prescrever os medicamentos aqui apresentados. 14 15 099170601 Temas atuais em Pediatria 16