ENSINO A DISTÂNCIA: REFLEXÕES SOBRE TAL FENÔMENO
Transcrição
ENSINO A DISTÂNCIA: REFLEXÕES SOBRE TAL FENÔMENO
ENSINO A DISTÂNCIA: REFLEXÕES SOBRE TAL FENÔMENO EDUCATIVO Rosenei Cristina Ribeiro Victor Alves * RESUMO O presente artigo tem como objetivo fundamental a reflexão dos processos de ensino a distância (EAD) no Brasil e suas possíveis relações com as políticas públicas direcionadas à educação e investimentos externos, sua capacidade de democratizar acesso a conhecimentos, bem como seus resultados no que tange a formação inicial e continuada, nas suas fases textuais, analógica e digital. Discutimos o papel do professor diante dessa modalidade de ensino. PALAVRAS-CHAVE Ensino a distância; educação; políticas públicas educacionais; tecnologias de informação; processo de conhecimento aberto. ABSTRACT The present article has as the aim the reflection of process distance teach in Brazil and their possible relations with the public politics directional at education and exterior investments, their capacity of democratize access at knowledge, as well their results in that has to do the initial and continued process in their text, analogical and digital phases. We discussed the teacher importance about this teach modality. KEYWORDS Distance teach; education; education public politics; technology of information; process of opened knowledge * Professora do curso de Pedagogia do IEDA, Mestre em História e Supervisora de Ensino da Rede Pública Estadual Paulista. TRANSVERSAL - Revista Anual do IEDA, v.4, n.4, 2006. Neste artigo pretendemos tecer algumas reflexões sobre o ensino a distância desenvolvido no Brasil, sua complexidade e suas relações com mudanças estruturais nos paradigmas mundiais e no modelo econômico não mais industrial, os quais têm influído decisivamente nos processos e formas de aquisição do conhecimento, entre outras áreas. O que entendemos por ensino a distância? São muitos pensadores que têm estudado tal objeto (BELLONI, 1999; FERRÉS, 1996; CHAVES, 1999), entretanto a definição é a oferta de um conhecimento mediado por alguma tecnologia com separação do ‘professor e aluno‘ no tempo e no espaço. Existe uma inovação de procedimentos de ensino que se utilizam dos diversos meios eletrônicos de comunicação e possibilitam o acesso de públicos de locais distantes e dispersos geograficamente. Ressalva-se que com as últimas formas digitais, como uma Videoconferência, o fator tempo se dá com sincronicidade e é até possível uma certa interatividade. Com relação ao termo ―ensino a distância‖ vale uma reflexão sobre a questão conceitual. Concordamos com Chaves (1999) no que diz respeito ao uso do conceito. Vemos algumas vezes o termo Educação a distancia e aprendizagem a distancia. Ambos não têm sentido de serem usados, porque não existem de fato. De acordo com este autor: ―educação e aprendizagem a distância são processos que acontecem dentro da pessoa - acontecem onde quer que esteja o indivíduo que está se educando ou aprendendo” (1999). Sendo assim, o que ocorre a distância é o ensino que tem uma intenção e uma sistematização, ou mesmo um formato. Temos ainda o fato de que o EAD não considera o estilo cognitivo de aprendizagem de cada pessoa. Dessa forma o sujeito/ativo/aprendiz precisa lidar com as informações mediadas pela tecnologia a distancia da maneira que melhor atender suas características de construção do conhecimento. Outra questão que merece uma reflexão são os termos tecnologia e educação. Para que ocorra EAD é necessário o uso de alguma tecnologia. Pois bem, desde a estruturação da fala nas sociedades, a escrita, o texto nos seus diversos formatos, copiados ou impressos, temos tecnologias fundamentais para a educação. Lembramos que cartas antigas e livros são formas de ensino a distância, deste um passado remoto. Esta expressão ―ensino a distância‖ também não é nova. Passou pela geração textual, que compreendeu o aprendizado com textos simples, utilizados por correspondência; a geração analógica, na qual o aprendizado continuou baseado em TRANSVERSAL - Revista Anual do IEDA, v.4, n.4, 2006. textos com suporte de recursos áudio-visuais e a geração digital, em que os recursos são basicamente informatizados. Tem sido uma constante a sua utilização na última década. Entendemos que isto faz parte de uma grande ampliação que sofreu essa modalidade de ensino. Podemos dizer que referimo-nos a dois momentos: até os primeiros anos da década de 90 a sua oferta, no Brasil utilizava recursos textuais e audiovisuais. Depois disto, e com muitos incentivos dos organismos internacionais, de acordo com Belloni (1999), sua forma tende a usar cada vez mais recursos informatizados/digitais e virtuais, combinando-se com os que já existiam e ampliando notadamente sua ação. A ampliação dos trabalhos de EAD aparecem nas sociedades da ―era da informação‖ como um caminho para atender ao ideário da educação contínua ou ao longo da vida (lifelong education) em qualquer área do conhecimento. Insere-se assim na perspectiva do aprender a aprender. Percebemos a importância deste pensamento, todavia pensamos que a tecnologia não é neutra, é produzida como outras mercadorias e obedece aos jogos de poderes e às leis de mercado. Ensino a distância no Brasil No Brasil, o ensino a distância inicia-se com os cursos profissionais por correspondência (1) e depois com a utilização de espaços nas Rádios que eram concedidas. Na década de 30 o então Ministério da educação e Saúde criou o serviço de Radiodifusão educativa. Programas eram gravados em discos de vinil, e depois repassados às emissoras que organizavam as aulas a serem emitidas nos radiopostos. Em 1946, o SENAC iniciou no Rio de Janeiro e São Paulo a Universidade do Ar — programa radiofônico que atingiu mais de trezentas localidades. Temos, nestes casos, dupla iniciativa: privada e do governo federal. Paralela a esta forma, foram os cursos por correspondência bastante divulgados nas décadas de 60/70, embora fossem criados anteriormente: entre os mais significativos temos o Instituto Monitor, em 1934, e o Instituto Universal Brasileiro, em 1941. Este último popularizou-se pela sua dinâmica e abrangência e uso de várias mídias para sua divulgação, além de ser credenciado pelos órgãos públicos e expedir um grande número de certificados em todo o Brasil, mais ainda no Sudeste. As experiências que seguiram foram os programas educativos televisivos, os TRANSVERSAL - Revista Anual do IEDA, v.4, n.4, 2006. quais foram promovidos pela Fundação Roquete Pinto e empresas Roberto Marinho, com o Telecurso (atuando principalmente na formação básica). Este fato fazia parte de então criado Sistema Nacional de Teleducação (1976). Houve experiência com formação profissionalizante. O projeto Saci e Minerva (também com esse formato) capacitava professores com formação apenas em Magistério. Outro fato importante nos caminhos do EAD foi a criação pelo governo Federal do CEAD - Centro Nacional de Educação a Distância, em 1995. Neste contexto o Ministério da Educação franquiou programas educativos estrangeiros e viabilizou-os por meio da TV Escola, além de habilitar algumas emissoras de televisão educativas ampliando o acesso em todo o território nacional de ensino a distância. Depois teremos a intensificação do uso de programas educativos disponibilizados nas mídias virtuais. Segundo Belloni, a ampliação da oferta de EAD é um imperativo: De modo geral, as novas formas de educação aberta utilizam prática de EAD para atender às diversidades de currículos e de estudantes e para responder às demandas nacionais, regionais e locais. Os imperativos econômicos estão presentes uma vez que a educação aberta constitui um segmento específico de mercado que tem potencialidades globais. Os interesses privados organizam-se para atender a estes mercados onde a educação aparece como nova mercadoria(...) (BELLONI, 1999, p.17). Olhando para estes moldes de EAD brasileiro poderíamos dizer de fenômenos educativos flexíveis e abertos, alguns foram direcionadas às massas, muitas vezes descontínuo. Entretanto, dado ao contexto da modernização tecnológica, a robotização industrial as demandas e urgências nacionais, principalmente as que foram relatadas no Plano Decenal de Educação para Todos (2) e a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996), o ensino a distância toma outros rumos. Os processos de EAD vão utilizar as mídias televisivas e virtuais e vão compor uma possibilidade de suprir necessidade de formação básica e profissionalizante, bem como atuar como condição de equilibrar o fluxo idade X série das diversas redes públicas que o apresentavam e uma opção de educação de jovens e adultos, representando muitas vezes uma redução de custos públicos, com tecnologia importada, reflexos dos acordos internacionais com as agências de desenvolvimento internacionais e com baixa responsabilidade do trabalho. Do ponto de vista dos países que compuseram a Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, relatada por Jacques Delors, fica TRANSVERSAL - Revista Anual do IEDA, v.4, n.4, 2006. muito claro no trecho a seguir a indicação do ensino a distância como um caminho para os mais diferentes países que, como o Brasil, apresentam problemas estruturais na oferta da educação: A utilização destas tecnologias no ensino a distância, já muito comum constitui uma primeira via indiscutivelmente promissora para todos os países. A comunidade educativa pode, de fato, apoiar-se neste material sobre uma sólida experiência internacional, a partir da criação da ―Open University‖ no Reino Unido no começo dos anos setenta. O ensino a distância recorreu a vetores muito diversos: cursos por correspondência, rádio, televisão, suportes audiovisuais, ensino por telefone ou teleconferências. O lugar dos meios de comunicação e das tecnologias educativas é muito variável e pode ser adaptado á situação e ás infra-estruturas de cada país(...) (DELORS, 2001: 189). Ressaltamos também que a Unesco criou uma cátedra de Ensino a distância que trata da formação, informação, documentação e investigação neste campo. Voltando a realidade brasileira no que tange ao Plano Decenal de Educação, proposto pelo MEC (1993-2003), podemos dizer que se encontra registrada a criação do Sistema Nacional de Educação a distância com protocolo de cooperação do Ministério das Comunicações e um consórcio de universidades. Neste contexto, o documento enfoca que nesta modalidade o sistema deverá desenvolver programas de formação e educação continuada para discente e docentes de todos os níveis de ensino, bem como implementar ações de pesquisa e desenvolvimento para o uso de novas tecnologias de Telecomunicações e Informática e na educação(...) buscar-se á, ainda, ampliar e aprimorar a produção, edição e transmissão de programa de educação e distância, por intermédio da Fundação Roquete Pinto, das emissoras que compõem o Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa(...) (Plano Decenal de Educação, 1993, p.62-63). Outra importante influência no EAD foi a LDB. Esta, por sua vez, oficializa o ensino a distância no Brasil, pela primeira vez, como modalidade válida e equivalente para todos os níveis de ensino. Nesta Lei de suma importância para a educação, os artigos 32, 37, 38, 40, 41, 59, 61,67 e 80 vão impulsionar a oferta de EAD no Brasil com uma pequena ressalva: no artigo 32 há a indicação da modalidade presencial no Ensino fundamental e o ensino a distancia só deverá ser utilizado em caráter emergencial ou como complementação para resguardar os aspectos socio-psicoTRANSVERSAL - Revista Anual do IEDA, v.4, n.4, 2006. pedagógicos do desenvolvimento das crianças e adolescentes. Nos demais artigos, encontramos as recomendações para a atendimento das EAD nos mais diferentes níveis de escolaridade. Há também um Decreto específico sobre o Ensino a distância que é o de número 2.561/98, o qual normatiza a oferta desta modalidade, considerando a autonomia dos sistemas e a descentralização administrativa assegurada pela Constituição. No caso do Estado de São Paulo a realidade do EAD tem sido uma constante, basicamente demonstrada nesta fase virtual, através da política de capacitação oriunda das políticas públicas neste setor. Nas diferentes áreas do conhecimento os programas ou projetos organizados, normalmente por empresas nacionais ou não, têm buscado o desenvolvimento da competência leitora nos educandos de todas as fases escolares e também com relação à capacitação para profissionais da educação. No caso dos programas direcionados aos estudantes o foco direcionador tem sido os indicadores de avaliações externas como o Saresp, o Saeb e o Pisa (internacional). Levantamos que a Fundação Carlos Alberto Vanzolini, a qual atua em parceria com a rede pública do estado, desenvolve capacitação a distância por meio de uma importante estrutura tecnológica que é a ―Rede do Saber‖. Este centro tecnológico dá suporte e controla diversos programas a distância. Pensando nas formas de ensino a distância, e sabendo que ele é um fenômeno educativo cada vez mais presente na realidade brasileira, voltamos o olhar para o professor. Parece que um velho discurso da substituição do mestre pela tecnologia ronda esse assunto. Aqui gostaríamos de afirmar que não acreditamos nessa possibilidade. O ensino a distância pode mudar o professor de lugar, entretanto não o seu profissionalismo. Belloni entende que: Com todas as funções de ensino, nossa lista cobre apenas a produção e distribuição de cursos e materiais, e a ela devemos acrescentar as funções de acompanhamento do processo de aprendizagem: tutoria, aconselhamento, monitoria de centros de apoio e de recursos, atividades relacionadas à avaliação(...). considerando que de modo geral os sistemas de EAD lidam com um grande número de estudantes, fica clara a necessidade de um processo de trabalho racionalizado e segmentado. A maioria destas funções faz parte do trabalho cotidiano do professor(...) (BELLONI, 1999, p.81). TRANSVERSAL - Revista Anual do IEDA, v.4, n.4, 2006. Assim, toda tecnologia que for aplicada à educação ou à aprendizagem, que for mediada por tecnologia, não exclui a mediação do mestre. Isso posto e mesmo considerando que esta modalidade de ensino permeia uma certa ―androgogia‖ (estudo autodirigido), mesmo assim a figura do professor é fundamental. Podemos dizer, também, que os livros existem há milênios e não há razão para comprometer a ação do professor, mas estimulá-la. Concluímos nosso pensamento com este depoimento de um professor da rede pública paulista:“Quanto à utilização de novas tecnologias, só sobrevive se houver a reutilização do diálogo. Toda tecnologia só terá o seu papel transformador, se as funções sociais e pessoais passarem por discussões sobre temas que envolvam a cidadania. A tecnologia deve ser tratada como ferramenta de uso didático, não como didática(...) nada supera o olhar, o tato, o som d indignação ou da euforia(...)‖ (Depoimento de um professor, 2004) NOTAS: (1) Há registro no ―Jornal do Brasil‖(1891) —sessão de classificados —curso profissionalizante por correspondência. (2) Plano Decenal de Educação para todos TRANSVERSAL - Revista Anual do IEDA, v.4, n.4, 2006. REFERÊNCIAS BELLONI, Maria Luiza. Educação a Distância. Campinas: Editores Associados, 1999. BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.394 - Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Editora do Brasil, 1998. BRASIL. Ministério da Educação. Plano Decenal de Educação para Todos (19932003), Brasília: MEC, 1993. CHAVES, Eduardo O. C. Tecnologia na Educação: Ensino a Distância, e aprendizagem mediada pela Tecnologia: Conceituação Básica‖ in: Revista Educação —Faculdade de Educação —PUC de Campinas, ano III, Número 07, novembro, 1999. DELORS, Jacques. Educação Um tesouro a Descobrir. Trad. José Carlos Eufrázio. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC: UNESCO, 2001. FERRÉS, Joan. Vídeo e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. LITWIN, Edith(org). Tecnologia Educacional. Trad. Ernani Rosa. Porto alegre: Artes Médicas, 1997. MORAN, José Manuel. Novas Tecnologias e Mediação Pedagógica. Campinas: Papirus, 2000. TRANSVERSAL - Revista Anual do IEDA, v.4, n.4, 2006.