sustentável correios

Transcrição

sustentável correios
agosto/setembro
edição 30
2010
R$ 10
Brasil
SUS T E N TÁV E L
Impresso
Especial
9912224192 3/8 - DR/RJ
CEBDS
CORREIOS
u m a p u b l i c a ç ã o d o c o n s e l h o e m p R e s a R i a l b R a s i l e i R o pa R a o d e s e n v o lv i m e n t o s u s t e n t á v e l
eXclusivo: os candidatos à pResidência mostRam
seus pRoJetos paRa uma economia veRde no bRasil
Marina silva
“a sustentabilidade
é a base paRa o
desenvolvimento”
dilMa rousseff
“é possível cResceR
e seR ambientalmente
sustentável”
josé serra
“agenda ambiental
não ameaça o futuRo
do desenvolvimento”
ta m b é m n e s ta e d i ç ã o
bioeletriCidade
só 100 das 437
usinas de cana
vendem eletRicidade
nagoya: CoP-10
empResas se
mobiliZam pela
biodiveRsidade
investiMentos
desastRe no
golfo aumenta
aveRsão a Riscos
Ceos falaM
768 eXecutivos
avaliam avanços em
sustentabilidade
Av. das Américas, 1.155 – grupo 208, 22631-000, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Tel.: 55 21 2483.2250, e-mail: [email protected], site: www.cebds.org
v inc u l a d o a o
WOR LD BUSINESS COUNCIL FOR SUSTA INA BLE DE V ELOPMEN T (W BC SD)
PRESIDENTE EXECUTIVA
CHAIR MAN
PRESIDENTE DE HONR A
Marina Grossi
Marcos Bicudo
Erling Sven Lorentzen
C ONse L HO De a Dm i N ist r aç ãO
Carlos eduardo
Garrocho de almeida
Holcim
Franklin Feder
Alcoa
Gilbert Landsberg
Shell Brasil
sidnei Basile
Abril
João Batista
Ferreira Dornellas
Nestlé
marco simões
Coca-Cola
antonio Carlos
manssour Lacerda
Basf
Hélio ribeiro Duarte
HSBC
Di r e t Or i a
Vânia somavilla
Vale
altair assumpção
Grupo Santander Brasil
Jorge soto
Braskem
Wilson santarosa
Petrobras
C â m a r a s t e m át iC a s
ÁGUA
P RESIDENTE: Yazmin trejos
Amanco
VICE-PRESIDENTE:
maria Cláudia Grillo
Petrobras
VICE- PRESIDENTE:
Josemar Picanço
Coca-Cola
B IODIVERSIDADE
E B IOTECNOLOGIA
P RESIDENTE: Gloverson moro
Syngenta Seeds
E NERGIA E M UDANÇA
DO C LIMA
P RESIDENTE: David Canassa
Votorantim Participações
L EGISLAÇÃO A MBIENTAL
P RESIDENTE:
enio Viterbo Junior
Gerdau
C OMUNICAÇÃO E E DUCAÇÃO PAR A A
S USTENTABILIDADE
P RESIDENTE: eraldo Carneiro
Petrobras
VICE-PRESIDENTE:
renata araújo
Vale
G ESTÃO S USTENTÁVEL
P RESIDENTE: ana Lúcia suzuki
Basf
C ONSTRUÇÃO S USTENTÁVEL
P RESIDENTE: Carlos eduardo
Garrocho de almeida
Holcim
FINANÇAS S USTENTÁVEIS
P RESIDENTE: Wagner siqueira
Banco do Brasil
VICE-PRESIDENTE:
sue Wolter Vianna
Petrobras
eQU i Pe Ce BD s
Beatriz Carneiro
Fernanda Gimenes
Fernanda resende
Juliana Queiroz
Leandro Batista
Lia Lombardi
mara Braile
Pablo Vázquez
Phelipe Coutinho
silvana Nocito
soia shellard
sueli mendes
Verônica Oliveira
a s sO Ci a D O s Ce BD s
• 3m do Brasil LtDa .
• abralatas
• alcoa alumínio s.a.
• allianz seguros
• amanco Brasil s.a.
• amBev – Companhia
de Bebidas das américas
• arcelormittal Brasil
• Bahia mineração
• Banco do Brasil
• Basf s.a.
• Bayer s.a.
• BP Brasil LtDa .
• Bradesco s.a.
• Braskem s.a.
• Caixa econômica Federal
• Chemtech
• Cia. Brasileira
de Petróleo ipiranga
• Cia. energética de
minas Gerais – Cemig
• Coca-Cola
• Copel
• DNV
• eBX
• ecopart
• eletronuclear – eletrobras
termonuclear s.a.
• energias do Brasil
• Furnas – Centrais elétricas s.a.
• Gerdau açominas s.a.
• Goodyear do Brasil
• Grupo abril
• Grupo santander
• Holcim Brasil s.a.
• HsBC
• itaú Unibanco
• Lorentzen empreendimentos s.a.
• michelin
• monsanto do Brasil LtDa .
• Natura Cosméticos
• Nestlé Brasil LtDa .
• Organização Odebrecht
• Organizações Globo
• Petrobras – Petróleo
Brasileiro s.a.
• Philips
• Pirelli Pneus
• shell Brasil LtDa .
• solvay do Brasil LtDa .
• souza Cruz s. a.
• suzano Papel e Celulose
• syngenta seeds LtDa .
• tim
• Usiminas – Usinas
siderúrgicas de mG s.a.
• Vale
• Votorantim Participações s.a.
• Walmart Brasil
nesta edição
bRasil sustentável 30
ago/set 2010
fotos de CaPa: ricardo corrêa
iMageM
massacre de baleias nas
ilhas Faore, da dinamarca
notas
reFugiados climáticos, lei do lixo,
carros elétricos, biodiversidade
vida nova
eder JoFre, campeão
dos vegetarianos
ferraMenta
novo certiFicado:
produto orgânico brasil
PanoraMa
os economistas e a sustentabilidade
e a série os brasileiros
agenda
prepare-se para os eventos
de setembro e outubro
rePortageM de CaPa
bioeletricidade: há uma itaipu
adormecida nas usinas de cana-de-açúcar
entrevista
alice tepper marlin, pioneira da
responsabilidade social empresarial
6
8
12
14
16
18
22
24
32
36
38
40
42
46
48
54
leMe firMe
accenture e pacto global
mapeiam os compromissos dos ceos
lideranÇa
lester broWn: guru do
movimento ambientalista
CoP-10
brasil levará capital natural
à cop da biodiversidade
Crise nas florestas
certiFicação de madeira nativa
está em Queda na amaZônia
investiMentos
acidente da british petroleum
aciona alarme para investidores
gigante vulnerável
cenário climático é de aumento
de enchentes em são paulo
PrograMa de Candidatos
dilma rousseF, José serra e marina silva
direção
Álvaro Almeida (MTB: 45384)
Estevam Pereira (MTB: 21302)
Conselho editorial
Ana Lúcia Suzuki (Basf)
Carlos Eduardo Garrocho
de Almeida (Holcim)
Enio Viterbo Junior (Gerdau)
Eraldo Carneiro (Petrobras)
Luís César Stano (Petrobras)
Sue Wolter Vianna (Petrobras)
Yazmin Trejos (Amanco)
Wagner Siqueira (Banco do Brasil)
CEBDS
Marina Grossi
Lia Lombardi
Fernanda Resende e Sueli Mendes
(Assessoria)
edição
Ricardo Arnt (redator-chefe)
Alessandra Pereira,
Álvaro Penachioni, Beto Gomes,
Daniela Vianna, Fernando Badô,
Raquel Sabrina e Rita Nardy
(editores)
Conrado Loiola, Michele Silva,
Paula Andregheto, Paulo César
Pereira, Pedro Michepud
e Silvia Wargaftig
(repórteres)
fotografia
Ricardo Corrêa
P
ela primeira vez, a BRASIL SUSTENTÁVEL
publica o pensamento dos principais
candidatos à Presidência da República sobre
sustentabilidade. A novidade revela a importância das
decisões políticas para o futuro desse tema no país, que
tem a oportunidade histórica de assumir a liderança
pela corrida verde no mundo, graças, principalmente,
a seus ativos naturais. Mas para isso, é preciso que
governo, empresas, cientistas e cidadãos estejam de
um lado só, pensando e trabalhando juntos para
ampliar nossas possibilidades e garantir o que ainda
nos falta, como mais qualidade na educação, mais
apoio à pesquisa e regulamentação adequada.
Os três candidatos foram muito receptivos ao pedido do
CEBDS e bastante criteriosos nas respostas. O resultado
é uma mostra de como a sustentabilidade norteou cada
plano de governo e serve como um registro
do que poderemos cobrar no futuro.
É seguindo esse modelo de reunir representantes
do governo, academia, empresas e sociedade civil nas
discussões que o CEBDS trabalha. Na última semana de
agosto, promovemos o encontro A Biodiversidade e a
Nova Economia, mais uma etapa da nossa preparação
para a Conferência da Biodiversidade, no Japão. O
assunto também está nesta edição da revista e mostra
como o viés econômico vem influenciando as discussões
sobre biodiversidade. Na ocasião, alguns cientistas e
representantes do governo se disseram surpresos e
esperançosos por verem reunidos num mesmo fórum
pessoas com as quais eles costumavam encontrar em
lados opostos, no caso dos empresários. Esses são sinais
de um novo tempo nas relações que podem ajudar o país
a assumir essa liderança e servir de exemplo para um
novo modelo de desenvolvimento econômico..
Marcos Bicudo
Controvérsia
o Que causa mais impacto,
vinho ou cerveJa?
diReto do conselho
EXPEDIENTE
Coordenação
opoRtunidade de lideRança
Falam à bRasil sustentável
BrAsiL
S U S T E N T ÁV E L
R EPORT COMUNICAÇÃO
Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3.530
– 5.o andar – Jd. Paulista –
São Paulo – SP – CEP 01 402-001
telefone: 55 11 3051.8400
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com.br
c o m a pa l av R a , o c h a i R m a n
direção de arte
MENTES DESIGN
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revisão
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tiragem
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A revista BRASIL SUSTENTÁVEL é uma
publicação do Conselho Empresarial
Brasileiro para o Desenvolvimento
Sustentável (CEBDS). Os artigos não
reletem necessariamente a opinião
do CEBDS, sendo de responsabilidade
dos articulistas e entrevistados.
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novas associadas
vision 2050
Controle social
o cebds recebeu este mês a
adesão de mais duas empresas:
pirelli pneus e allianz seguros.
a fabricante de pneus, líder do
setor, está no brasil há mais de
80 anos, foi uma sócio-fundadora
do conselho, em 1997, e é
signatária das diretrizes do pacto
global das nações unidas desde
2004. a allianz atua no brasil há
mais de 100 anos, tem 60 iliais e
desenvolve produtos inovadores
baseados em estudos e pesquisas
sobre mudanças climáticas. as
empresas ganham a contribuição
do conselho na busca pela
sustentabilidade e o conselho
amplia sua força.
o cebds deve lançar em
outubro a versão em português
do último estudo do World
business council for sustainable
development (Wbcsd), o
relatório vision 2050 – the new
agenda for business.
o cebds está difundindo o
estudo que mapeia o caminho
para uma população global de
9 bilhões de pessoas, em 2050,
desfrutar de qualidade de vida
dentro dos limites do planeta.
o documento é resultado de
um trabalho de 18 meses com
executivos e especialistas de
200 empresas em 20 países,
entre os quais o brasil.
marina grossi, presidente-executiva
do cebds participou, em brasília,
do lançamento do Índice de
transparência, iniciativa da ong
contas abertas para facilitar
um maior controle social sobre a
iscalização do dinheiro público.
o Índice não é um indicador de
probidade administrativa nem da
eiciência na alocação de recursos,
mas uma avaliação sobre quem
divulga melhor as contas – o que
já facilitará o seu controle social.
a movimentação de receita e
despesa de todas as esferas da
administração pública poderá ser
acompanhada em tempo real pelo site
www.indicedetransparencia.org.br.
imagem
CaMPo de
batalHa
carga macabra no cais de torshavn, nas ilhas Faroe, província dinamarquesa situada no
atlântico norte, entre a islândia e a noruega: 120 baleias mortas por baleeiros no dia 23 de
julho. em junho, no marrocos, 74 dos 88 países membros da comissão internacional da baleia
(cib) reuniram-se para pôr im à caça dos mamíferos. apesar da maioria favorável, Japão,
noruega e islândia impediram a decisão. cerca de 1.900 baleias são caçadas anualmente.
embora a prática esteja banida por uma moratória instituída pela cib em 1986, alguns países
valem-se do artifício de caçar para “ins cientíicos”. em outubro, a 10ª conferência de
partes da convenção de diversidade biológica será realizada na cidade japonesa de nagoya.
aparentemente, o Japão não vê contradição entre apoiar a biodiversidade e caçar baleias.
FOTO: andrija ilic / reuters
notas
o senado norte-americano e o presidente
barack obama aprovaram nova lei regulando
o sistema financeiro dos estados unidos.
considerada a maior reforma em Wall street
desde a grande depressão, em 1929, o texto
prevê maior proteção aos contribuintes e
consumidores e mais poder ao governo para
intervir em empresas com dificuldades,
evitando que o dinheiro público seja utilizado
para saneá-las. com 2.300 páginas, a
lei dodd-frank altera desde transações
com cartões de crédito até restrições às
instituições sobre investimentos
especulativos. suas normas
provavelmente replicarão pelo
mundo todo. “o cumprimento
das medidas será avaliado
por uma nova entidade, cuja
única função será proteger
as pessoas, e não os grandes
bancos, os credores ou as
entidades hipotecárias”,
explicou obama,
na casa branca.
[Pedro Michepud]
akhtar soomro / Reuters
clima • Finanças • consumo • saneamento
o menino
paquistanês da
cidade de ghotki
conseguiu salvar
seu coelho
As enchentes no Paquistão são o maior desastre humano
da história recente, segundo a Organização das Nações
Unidas, com 14 milhões de vítimas – quase 10% da
população do país –, número que supera o total de atingidos
pelo tsunami no Sudeste Asiático (2004), pelo terremoto da
Caxemira (2005) e pelo terremoto do Haiti (2010). Juntas,
as três catástrofes afetaram 12 milhões de pessoas, embora
tenham provocado muito mais mortes – 300 mil no Haiti,
200 mil no Sudeste Asiático e 1,6 mil no Paquistão. Seis
milhões de paquistaneses precisam de ajuda urgente (2,7
milhões são crianças). Não se pode prever a correlação
das enchentes com as mudanças climáticas na atmosfera.
Mas o risco de degelo no Himalaia, temido pelo Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas, prevê
grandes enchentes nos rios que descem da cordilheira para
o Paquistão, a Índia e Bangladesh. [beto gomes]
e agora?
onde pôr o lixo?
A nova Política Nacional de Resíduos Sólidos estabelece regras
para a coleta e o armazenamento do lixo produzido nas cidades.
Cerca de 70% dos municípios brasileiros não dão destinação
correta aos resíduos, e 59% desse material são depositados a
céu aberto. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de
Limpeza Pública e Resíduos Especiais, das 170 mil toneladas
de lixo produzidas diariamente no país, 48% vão para aterros
sanitários, 12% são coletadas e 40%, enviadas para lixões
condenados. Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, boa
parte dos resíduos recicláveis separados pela coleta seletiva
tem destinação inadequada e também acaba em lixões.
Simplesmente não há aterros apropriados para que a lei seja
cumprida. O setor precisa de R$ 6 bilhões em investimentos,
em quatro anos, para melhorar a infraestrutura sanitária.
[Paula andregheto]
[ bs ] 9
8 [ bs ]
desabrigados
no que depender do acordo firmado entre a
fundação procon-sp e seis empresas que
atuam no mercado paulista – telefônica,
itaú unibanco, eletropaulo, tim, net e medial
–, os consumidores terão menos motivos
para se queixar. as empresas firmaram
metas para reduzir em 58% o número de
reclamações junto ao órgão de defesa do
consumidor no prazo de 12 meses. no ano
passado, o procon convocou 31 empresas do
setor para esclarecimentos. além das seis
signatárias, outras 12 se comprometeram a
reduzir o número de reclamações. Juntas,
as 18 representam 59% de todas as
reclamações recebidas pelo órgão. caso as
metas sejam descumpridas, os signatários
deverão realizar campanhas de educação
para o consumo voltadas para o público em
geral. [Conrado loiola]
os lixões
precisam de
r$ 6 bilhões
em quatro anos
ago/set 2010
ago/set 2010
14.000.000
Queixas de
consumidores
nacho doce / Reuters
« e d i ç ão b e t o g o m e s »
divulgação
reforma
de obama
notas
falsa
m o b i li da d e • eco eF i ci ên cia
b i ci cl e ta s • F lo r e s ta s
ecoeficiência
energética já
economizou
R$ 9 bilhões
em dez anos
imposto de 180%
para estimular o consumo de
veículos elétricos, a dinamarca
vai estender até 2015 descontos
de até us$ 40 mil nos impostos
sobre esses automóveis.
o mercado para veículos
“verdes” não deslanchou no país.
a dinamarca é conhecida pela
elevada carga tributária sobre o
setor automotivo. Quem quiser
registrar um carro zero paga uma
taxa de 180% sobre o preço de
compra do veículo. ou seja, um
modelo novo do popular aygo 1.0,
da toyota, que vale 86 mil coroas
(cerca de us$ 14,8 mil), custa,
Contra a parede
aldo Rebelo
mexeu em
vespeiro
[ bs ] 11
o ministério do meio ambiente pretende elaborar uma nova proposta
de alteração no código florestal para substituir o relatório do deputado
aldo Rebelo (pc do b-sp), já aprovado pela comissão especial da
câmara dos deputados. a proposta está prevista para ser votada em
plenário após as eleições de outubro. segundo o mma, o texto atual
pode prejudicar compromissos internacionais assumidos pelo país
sobre a redução da emissão de gases de efeito estufa. a proposta de
Rebelo gerou polêmica por prever anistia aos proprietários de terra que
desmataram propriedades até julho de 2008 e reduzir a faixa de mata
ciliar preservada de 30 para 15 metros. estima-se que só no estado do
Rio de Janeiro cerca de 88% das terras protegidas de mata atlântica
seriam perdidas. [Carolina Kanebley]
para o comprador, mais 227 mil
coroas (us$ 39 mil), ou seja, 313
mil coroas (u$ 53,8 mil) no total,
além de outras taxas. não é à toa
que esse é o país das bicicletas. a
carga de impostos na dinamarca
absorve quase 70% do salário
dos cidadãos. [Conrado loyola]
ago/set 2010
Cerca de 800 milhões de veículos circulam pelo mundo, 98% dependem
do petróleo, e 5 bilhões de toneladas de CO2 são jogadas na atmosfera
por veículos rodoviários, por ano. O planeta consome 85 milhões de
barris de “ouro negro” por dia. O resultado da equação indica que é
preciso repensar a mobilidade rodoviária. O desafio mobilizou 5 mil
pessoas para conferências, mesas-redondas e exposições do Challenge
Bibendum 2010, organizado pela Michelin, no Rio de Janeiro. Uma das
atrações foi o Peugeot BB1, movido por dois motores elétricos instalados
nas rodas traseiras e alimentados por baterias de íon-lítio localizadas
embaixo dos bancos. O veículo tem capacidade de rodar 110 km. A
recarga, feita em tomada, é de quatro horas. Segundo Phil Got, diretor
da consultoria IHS Global Insight, participante dos debates, o melhor
atalho para a sustentabilidade é reduzir o consumo de combustíveis
fósseis. Nos próximos vinte anos, os motores de combustão continuarão
majoritários, enquanto os combustíveis alternativos avançarão com
etanol, gases veiculares, eletricidade, veículos híbridos (com motor
térmico e elétrico), pilhas de combustível e hidrogênio. “Não há uma
solução universal, e sim uma variedade de tecnologias. Temos de pensar
o que realmente pode ser feito para reduzir as emissões e superar a
dependência do petróleo”, diz Got. [roberta Maia]
dinamarca: bicicleta
é bem mais barato
divulgação
Menores e
menos poluidores
o instituto nacional de metrologia,
normalização e Qualidade
industrial (inmetro) propôs elevar
as metas de eficiência energética
dos produtos da chamada linha
branca do programa brasileiro
de etiquetagem (pbe). de acordo
com o instituto, os índices de
refrigeradores, fogões, fornos e
máquinas de lavar roupas estão
defasados. com a revisão, a
quantidade de refrigeradores
classificados como “a” deve cair
de 65% para 20%. de acordo com
marcos borges, coordenador do
pbe, mesmo os refrigeradores de
classificação “e” são 70% mais
eficientes do que os aparelhos da
década passada. “nos últimos
dez anos, graças à regulação da
eficiência, os consumidores tiveram
uma economia de cerca de R$ 9
bilhões em energia, o equivalente
à usina de angra i funcionando em
potência máxima por 40 meses”,
diz borges. [Carolina Kanebley]
divulgação
o Peugeot bb1
roda 110 Km com
uma carga elétrica
Mais
eficiência,
menos
custo
divulgação
marcos issa /argos
stR new/Reuters
retranca
notas
en er g ia • b i o d iv ers i da d e
m u da n çå s cli m áti ca s
são Paulo não
vai parar
fumaça de
fábricas em
Hefei, na província
de anhui
samYra crespo
Ricardo corrêa
Jianan Yu / Reuters
depois de Marrakech
Punho fechado chinês
O Ministério da Indústria e da
Tecnologia da Informação da China
publicou uma lista de 2.087 indústrias,
a maioria antiga e obsoleta, que
correm o risco de ser fechadas, caso
não atendam a critérios mínimos para
o consumo de energia e a emissão de
gases de efeito estufa. A China, hoje,
é o maior consumidor de energia do
equador:
biodiversidade em
vez de petróleo
planeta, tendo ultrapassado os Estados
Unidos em 2009. Seu PIB, o segundo
do mundo, já ultrapassou o do Japão.
Com a medida dura, as autoridades
chinesas esperam cumprir as metas
assumidas internacionalmente
e pretendem reverter a alta do
consumo energético registrada no
primeiro semestre de 2010. Durante
acordo pioneiro
divulgação
de petróleo. a região abriga grande
quantidade de espécies, algumas
endêmicas, além de grupos indígenas.
o montante financeiro oferecido ao
governo do presidente rafael correa
corresponde à metade do que o país
poderia ganhar, caso explorasse o
petróleo da região. com a preservação
do local, 407 milhões de toneladas de
carbono deixarão de ser lançadas na
atmosfera. [Pedro Michepud]
ambicioso, mas
não impossível
A Política Estadual de Mudanças Climáticas de São
Paulo, regulamentada em junho, comprometeu
o estado com uma meta mais rigorosa do que a
estabelecida pelo Protocolo de Kyoto: reduzir 20%
das emissões de gases de efeito estufa até 2020, em
relação aos níveis de 2005. A politização do tema
levou muitos especialistas a questionar a viabilidade
do compromisso. Mas, para a pesquisadora Suzana
Khan, do programa de Engenharia de Transporte
da Coppe/UFRJ, a lei não prejudicará os negócios.
Ao contrário, acredita, proporcionará uma
reorientação do desenvolvimento em diversos
setores da economia. “Há um espaço grande para
reduzir as emissões de gases de efeito estufa sem
prejudicar o crescimento de São Paulo. Na verdade, a
restrição ambiental deve ser vista como reorientação
de desenvolvimento”. No setor de transporte, diz
Khan, “há uma folga para reduzir as emissões sem
prejudicar a mobilidade das pessoas. À medida que
se reordena, as emissões diminuem e geram ganhos,
como investimentos em transporte público”.
Quais são as
prioridades do PPCs?
selecionamos seis
prioridades-alvo: compras
públicas sustentáveis,
agenda ambiental na
administração pública,
educação para o consumo
sustentável, aumento
da reciclagem, varejo
sustentável e construção
sustentável. escolhemos
essas ações para aumentar
o engajamento do setor
público e privado e
melhorar as respostas dos
consumidores.
Por que o lançamento
do plano ocorre
somente em 2010?
após a elaboração da
primeira versão do ppcs,
houve a chegada do ministro
carlos minc ao mma e
a prioridade foi dada ao
plano nacional de mudança
climática, por causa da
proximidade da cop-15 e da
cobrança que havia sobre
o brasil. também não faria
sentido lançar um novo plano
que não tivesse relação com
a redução de emissões de
gases de efeito estufa.
havia, ainda, necessidade
de aprovar a política
nacional de resíduos
sólidos [sancionada em
1º de agosto de 2010].
a produção e o
consumo sustentáveis
estão avançando?
sim. temos o programa
de substituição um milhão
de geladeiras, do governo
federal; o protocolo
verde, no qual os bancos
públicos e privados
levam em consideração
critérios ambientais para
a concessão de crédito;
e o apoio governamental
ao setor de catadores de
lixo. no setor privado, há
iniciativas do varejo para
diminuir a utilização de
sacolas plásticas e aumentar
a reciclagem de embalagens,
além da redução do consumo
de água e energia. um dos
objetivos do plano é articular
iniciativas que parecem
dispersas e dar a elas um
sentido comum.
[ bs ] 13
o governo do equador assinou um termo
de compromisso com a organização das
nações unidas (onu) comprometendo-se a não explorar, pelos próximos dez
anos, as reservas de petróleo dentro da
reserva Yasuní, na Floresta amazônica.
em troca, receberá us$ 3,6 bilhões
de um grupo de países ricos, que inclui
alemanha, holanda, noruega e itália.
a área preservada possui 10 mil km e
pode produzir 846 milhões de barris
ago/set 2010
anos seguidos, a China acumulou
uma redução de 14,4% no consumo
de energia, mas o reaquecimento
da economia reverteu a tendência.
As metas do país são reduzir a
intensidade energética em 20% até
2020, em comparação aos dados de
2005, e diminuir as emissões de gases
poluentes em 45%. [beto gomes]
o ministério do meio
ambiente prepara o
lançamento de uma
plataforma para estimular
o consumo consciente
e o desenvolvimento de
processos produtivos
mais limpos. resultado
da adesão do brasil ao
processo de marrakech,
iniciativa do pnuma da qual
o país é signatário desde
2007, o plano de produção
e consumo sustentáveis
(ppcs) pretende unir
órgãos do governo, setores
privados e a sociedade civil
para impulsionar a agenda
ambiental. samyra crespo,
secretária do ministério
do meio ambiente, falou
à BRASIL SUSTENTÁVEL
sobre o assunto:
ago/set 2010
12 [ bs ]
Pingue-Pongue
vida nova
capa
RadaR
eneRgia
« e d i ç ão R i c a R d o a R n t»
Ricardo corrêa
i n i c i at i va s p e s s o a i s t r a n s F o r m a d o r a s
eder Jofre foi
campeão de boxe
sem comer carne
noCaute
vegetariano
o bicampeão mundial de boxe eder JoFre virou vegetariano
por motivos de saúde. hoJe, a dieta controversa está sendo
receitada para a redução de impactos ambientais globais
14 [ bs ]
ago/set 2010
RepoRtagem silvia WaRgaftig
Quando lhe peRguntam há
quanto tempo deixou de comer carne, Eder Jofre responde:
“Lembra quando Dom Pedro era vivo?”. Além do bom humor,
o ex-pugilista e bicampeão mundial orgulha-se da sua disposição física aos 74 anos de idade, que atribui ao vegetarianismo. Jofre aderiu à dieta aos 19 anos, quando decidiu se preparar para a disputa pelo título mundial de boxe e queria uma
alimentação saudável. Em sua pesquisa, foi convencido pelo
livro A Saúde Depende da Cozinha!, abolindo totalmente a carne
do cardápio. “O livro dizia que o alimento se putrefaz no nosso organismo e acaba gerando doenças”.
A origem argentina do campeão não facilitou em nada a
disposição. “Em casa, tinha carne no almoço e no jantar, to-
dos os dias, era difícil resistir. Todos insistiam para eu comer, mas eu estava convencido”, lembra-se. Filho do pugilista argentino Kid Jofre e sobrinho de mais cinco lutadores
de boxe, o ingresso no esporte foi natural. Seu técnico era o
próprio pai, que, embora não apoiasse a opção pelo vegetarianismo, também não se opunha. “Parei com a carne e me
senti mais leve. Foi a mistura de vegetarianismo com talento que me tornou bicampeão mundial”, afirma.
Jofre frisa que é o único vegetariano que conhece no
boxe. Quando viajava para competir, sua dieta sempre chamava a atenção. “Em todos os países – Japão, Filipinas, Estados Unidos, Colômbia, Venezuela –, só eu era vegetariano,
e sempre vinham fazer reportagem comigo por causa disso.
Perguntavam: ‘Você é um campeão e não come carne? A carne dá
energia!’. Eu respondia: ‘Dá, mesmo? Então vamos ver depois da
luta quem vai ganhar’”, diverte-se o ex-pugilista.
No lugar da carne, o campeão come arroz e feijão quase todos os
dias, macarronada duas vezes por semana – “acompanhada de vinho, porque faz bem para o coração” –, muitas verduras, legumes e
frutas e adora doces. Segundo a Associação Médica Norte-Americana, a gordura existente na carne favorece a incidência de câncer e
doenças cardiovasculares. Mas um estudo recente do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) considera a rotina de consumo das pessoas uma das principais responsáveis pelos
impactos ambientais globais. Os vetores causadores de maior dano
são o transporte por automóveis particulares, o consumo de carne
vermelha, de leite e de derivados e o uso de eletrodomésticos.
A pesquisa destaca que a pecuária exige mais recursos e gera
mais emissões de gases de efeito estufa do que a produção de vegetais – embora o cultivo de frutas e verduras em estufas, seu
armazenamento em refrigeradores e o transporte aéreo também gerem muitas emissões, e não adianta trocar o bife pelo
filé de peixe, porque o impacto da pesca predatória também
foi ressaltado no estudo Assessing the Environmental Impacts of
Consumption and Production.
Contudo, apesar de os ambientalistas endossarem o vegetarianismo, muitos profissionais contestam a pretensão da dieta. Para
Silvia Cozzolino, professora de Nutrição Humana da Universidade
de São Paulo e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição, o abandono da carne só traz benefícios se a pessoa souber manter um quadro nutricional adequado. “Geralmente,
não é o que acontece. Muitas vezes, quem opta pelo vegetarianismo
não sabe exatamente como equilibrar os alimentos, o que pode levar a deficiências relacionadas a vitaminas, especialmente a B12, e
minerais, como ferro, zinco e outros, que ficam no limiar”, adverte.
Em consequência, o sistema imunológico pode ficar comprometido, resultando em infecções e gripes recorrentes. Em longo
prazo, a falta de vitamina B12 pode levar a problemas neurológicos. A nutricionista também lembra que há diferentes tipos de
dietas vegetarianas, inclusive algumas que incluem ovo e leite,
que reduzem os riscos à saúde. “Ainda assim, pode haver deficiência de alguns nutrientes, se não forem tomados os cuidados
necessários”, salienta.
Eder Jofre, com certeza, deu-se muito bem. Foi campeão mundial de “peso galo” em 1965 e campeão mundial de “peso pena” em
1973. “Até hoje, me sinto bem sem carne, do momento em que acordo até a hora de dormir. Raramente fico doente. Por isso, posso recomendar o vegetarianismo para todo mundo.” Mas, dentre todos
os familiares, amigos e colegas de boxe do campeão, somente um
[bs]
de seus dois filhos decidiu adotar a dieta.
dieta engajada
desde que foi lançada, em outubro de 2009, a
campanha segunda sem carne teve o número de
apoiadores dobrado. “o objetivo é esclarecer que
o vegetarianismo pode ser saudável, saboroso,
econômico e ambientalmente mais correto”,
diz marly Winckler, presidente da sociedade
vegetariana brasileira (svb). segundo ela, se a
carne for substituída por um cereal, o consumidor
gastará 30% menos. mas é o apelo ambiental
que tem agregado mais peso ao movimento.
em são paulo, a secretaria municipal do verde
e meio ambiente inseriu a campanha em sua
política pública. em curitiba, a iniciativa irmou
parceria com com as secretarias municipais de
abastecimento, do verde e do meio ambiente.
“há uma cadeia embutida no
hábito de pôr a carne no
centro do prato. a pecuária
é a maior responsável
pelo desmatamento da
amazônia. até a soja lá
plantada é destinada à
alimentação das criações”,
diz Winckler.
Pegada
hídrica
o termo “pegada ecológica” foi criado para
mensurar os impactos ambientais causados por
um produto, uma pessoa ou uma empresa. bem
intencionada, mas abrangente demais, a ideia
circula num labirinto de diferentes métodos de
cálculo. por isso, a Water footprint network
(Wfn), da holanda, criou um método para
calcular a pegada hídrica de diversos produtos,
que determina quanta água é necessária para
a sua produção. veja, abaixo, algumas pegadas
hídricas calculadas pela Wfn.
1 kg de carne bovina
1 camiseta de algodão
1 kg de soja
1 xícara de café
1 fatia de pão
15.500 l de água
2.700 l de água
1.800 l de água
140 l de água
40 l de água
feRRamenta
capa
eneRgia
« R e p o R tag e m c o n R a d o l oYo l a »
o novo selo certificará
produtos naturais,
como o mel e o cacau
indicadores, selos, normas, guias, certiFicados
e m é t o d o s d e F o m e n t o à i n ovaç ão n a s c o r p o r aç õ e s
ceRtificação pRoduto oRgânico bRasil
orgâniCo
o governo Federal l ançará , até deZembro, um selo
compul sório de certiFicação da produção orgânica
o que é?
Além de orientar a escolha do consumidor, o selo deve viabilizar o mercado de orgânicos, promovendo a padronização do setor, uma vez que o texto da lei determina os critérios de classificação de produto orgânico e indica quais
os ingredientes não orgânicos proibidos. De acordo com a
lei, um produto recebe o nome quando possui, no mínimo,
95% de ingredientes orgânicos e não contem transgênicos.
O Sisorg classifica “produtos com ingredientes orgânicos”
Como funciona?
O processo de obtenção do selo Produto Orgânico Brasil
funciona como uma certificação comum, mas a empresa
certificadora deve ser credenciada pelo Ministério e cadastrada junto com os produtores, numa lista disponível
no site do ministério, acessível a qualquer cidadão, para
aumentar a transparência do processo.
O Mapa também promove o “sistema participativo
de garantia da qualidade orgânica”. Por esse sistema,
qualquer elo da cadeia de orgânicos, incluindo produtores, técnicos, consumidores e organizações sociais,
pode constituir uma pessoa jurídica certificadora, credenciada pelo Ministério – outra medida que promete baratear os custos de obtenção do selo. Conforme o
caso, o selo deve especificar o modo de certificação do
produto, ou seja, por “Certificação por Auditoria” ou
por “Sistema Participativo”.
Há uma exceção prevista para produtos orgânicos
sem o selo: os produtos originários de agricultura familiar destinados à venda direta em feiras. Segundo Dias,
“esse tipo de produção é a base do mercado de orgânicos, mas não possui escala para compensar a aquisição
do selo”. Ainda assim, o produtor deve ser cadastrado
pelo Ministério por meio de uma associação. O governo
quer estimular a “responsabilidade compartilhada” e a
organização dos produtores. O produtor que comercializar nessas condições precisará incluir, no rótulo ou em
um cartaz, em seu ponto de venda, os dizeres “Produto
orgânico para venda direta por agricultores familiares
Marcio Stanziani, secretário executivo da Associação
de Agricultura Orgânica, considera que boa parte dos
produtores de orgânicos já conhece ou possui sistemas
de certificação. A implementação do selo do Mapa e os
critérios fixados pelo governo não devem causar alterações substanciais na produção. “Talvez o mais complicado seja o sistema de certificação participativa, que é
uma novidade para o setor.” Segundo ele, o segmento de
orgânicos tem boas expectativas a respeito do selo, e a
sua imposição não deve acabar com os selos tradicionais.
“Existem certificadoras com muita visibilidade e credibilidade. Os produtores teriam interesse em ostentar os
selos dessas empresas, além do selo oficial”, diz ele.
O governo federal também está de olho na circulação
dos orgânicos no mercado externo. “A partir do momento
em que o sistema se estabilizar, vamos negociar acordos
de equivalência do selo brasileiro com os selos internacionais”, diz Rogério Dias. No mercado interno, o governo
aposta na divulgação de informações sobre os produtos orgânicos para alavancar o consumo, especialmente entre
as crianças. “Promovemos campanhas em parceria com os
ministérios da Educação, da Saúde e do Meio Ambiente.
Trabalhamos com foco especial nas crianças, como consu[bs]
midoras e indutoras de consumo familar.”
[ bs ] 17
16 [ bs ]
Quais as vantagens?
(com 70% a 95% de substâncias orgânicas na composição)
e “produtos não orgânicos” (com menos de 70% de ingredientes orgânicos). Até agora, as empresas privadas certificadoras definiam seus próprios critérios, tendo como
base padrões norte-americanos ou europeus.
Segundo Rogério Dias, coordenador de Agroecologia
do Mapa, a aquisição do selo Sisorg será compulsória
para os produtores orgânicos, assim como é o selo do Sistema de Inspeção Federal (SIF) para a produção animal.
O Sisorg deverá baratear o processo de certificação, contribuindo para a redução do custo do produto final. “A
certificação de orgânicos já era cobrada pelo mercado, e
a tendência era todo produtor certificar sua produção”,
explica. “Mas notávamos que, muitas vezes, a empresa
certificadora cobrava também pelo uso de sua marca,
além do próprio processo de certificação.”
Produtores preparados
ago/set 2010
ago/set 2010
A partir de 31 de dezembro, o consumidor brasileiro encontrará, na embalagem dos produtos orgânicos, o selo
oficial do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) – “Produto Orgânico Brasil” –, atestando que o artigo está de acordo com os critérios de produção orgânica, aquela que não usa agrotóxicos nem
substâncias sintéticas que possam contaminar o alimento ou o ambiente. Isso porque, até lá, estará em vigor o
Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (Sisorg), criado pela lei 10.831, de 2003, e submetido
a discussões em câmaras técnicas até 2009.
fotos: divulgação
certiFicado
organizados, não sujeito à certificação de acordo com a lei
nº 10.831, de dezembro de 2003”. Caso o consumidor manifeste interesse, o agricultor deve fornecer informações
sobre a produção e até levá-lo ao local onde produz o orgânico. “Essa é a relação de confiança entre produtor e consumidor, que deve estar na base da agricultura orgânica”,
afirma Dias.
panoRama
retranca
falsa
«edição daniela vianna»
t e l e v i s ã o • m u d a n ç a s c l i m át i c a s
so li dari edad e • g reenWash i n g • eco n o m ia
jornalismo ‘sangue bom’
Jornalismo é sinônimo de más notícias?! Felizmente, nem sempre.
a rede globo lançou, no canal aberto, a série brasileiros, que
revela a face de um brasil solidário, participativo e voluntário, com
histórias recheadas de superação e de força de vontade.
os jornalistas edney silvestre, neide duarte e marcelo canellas
contam como cidadãos comuns se tornaram protagonistas
do próprio destino e estão conseguindo mudar a realidade de
algumas localidades brasileiras. idealizado por silvestre, o projeto
foi dirigido por teresa cavalleiro e maria thereza pinheiro.
a primeira temporada, com nove programas, foi ao ar entre
17 de junho e 12 de agosto e será reprisada na globo news a
partir do dia 19 de setembro, sempre aos domingos, às 15h30.
todas as edições estão disponíveis no site http://brasileiros.
globo.com/programa/. vale a pena icar de olho, porque de
tiroteio, corrupção e celebridades a telinha já está cheia.
[daniela vianna]
ago/set 2010
[ livro ]
diversidade. o termo resume bem o cenário de belas
imagens, histórias comoventes e personagens marcantes
apresentadas nas páginas de caminhos de um brasil
solidário, o livro recém-lançado pelos irmãos e fotógrafos
luis salvatore e ana elisa salvatore, netos de eduardo
salvatore (1914-2006), igura emblemática na história da
fotograia brasileira.
a publicação divide-se
entre as cinco regiões
geográicas e tem toda a
vendagem revertida ao
instituto brasil solidário,
projeto de inclusão
social criado em 2001
pelos autores. a união de
imagens, de vivências e
de costumes testemunha,
sem assistencialismos
nem rodeios, como uma
legião de voluntários tem
contribuído para melhorar
a qualidade de vida de
Caminhos de um brasil solidário
autores: luis salvatore e ana elisa salvatore
milhares de brasileiros.
editora: melhoramentos (256 páginas)
[álvaro Penachioni]
preço sugerido: r$ 129
desvendando
rótulos
[ pesQuisa ]
os consumidores brasileiros perceberam que
a rotulagem pode ser um bom indicativo de
cidadania corporativa nos produtos. a conclusão
é do estudo monitor de responsabilidade social
corporativa 2010, realizado pela marketanalysis,
que investiga se as informações estampadas nas
etiquetas são verdadeiras ou apenas marketing
para os produtos aparentemente corretos, a
famosa maquiagem verde.
com o uso da metodologia da consultoria
canadense terrachoice, a pesquisa apelos
ambientais nos rótulos dos produtos, já realizada
no canadá, eua, inglaterra e austrália, foi
aplicada na grande Florianópolis, entre fevereiro
e março. o marketanalysis descobriu que o
segmento de cosméticos e de higiene pessoal
apresenta a maior frequência de apelos “verdes”
nos rótulos (26%), seguido pelos de produtos de
limpeza (16%) e de artigos para casa (13%). no
setor da construção civil, registraram-se apenas
3% de apelos, contra 19% nos demais países.
[Carol Kanebley]
academia de dança em paracuru (ce)
Hora de agir
18 [ bs ]
[ televisão ]
Caminhos da diferença
melhor prevenir do que remediar. esse é o principal recado do banco
mundial (bird) para os governos e os mercados da américa latina e do
caribe no que se refere às mudanças climáticas, segundo estudo inédito
para a região: desenvolvimento com menos carbono – respostas da
américa latina ao desaio da mudança climática (http://bit.ly/8ZaZzv).
segundo o banco, se não existir um compromisso efetivo dos governos
locais e do mercado com a adoção de medidas compensatórias, como a
cobrança de impostos da emissão do carbono, as emissões de gases de
efeito estufa (gee) na região podem aumentar 33% até 2030.
diante de cenários otimistas e pessimistas sobre os efeitos das
mudanças climáticas na biodiversidade e na produtividade agrícola,
o bird recomenda aos governos latino-americanos que assumam
compromissos efetivos desde já e estabeleçam programas de
adaptação coerentes com suas políticas de desenvolvimento. se
se prepararem para o pior cenário, melhor. [Carol Kanebley]
[ estudo ]
Quinze lições
é possível, realmente, um
desenvolvimento econômico que
conserve os recursos naturais?
para responder a essa pergunta,
o jornalista Ricardo arnt reuniu
opiniões de 15 renomados
economistas. o resultado do trabalho
está no livro o Que os economistas
pensam sobre sustentabilidade
– uma relexão sobre as propostas
de sustentabilidade: o que é viável e
o que é utópico e quais as percepções
sobre a emergência do tema na
agenda contemporânea.
durante cinco meses, o
organizador entrevistou economistas
– antonio delim netto, andré lara
Resende, edmar bacha, eduardo
[livro]
giannetti, luciano coutinho, gustavo
franco, José Roberto mendonça
de barros, José eli da veiga, luiz
gonzaga belluzzo, maílson da
nóbrega, aloizio mercadante, sérgio
besserman vianna, pérsio arida,
luiz carlos bresser-pereira e Ricardo
abramovay – discutindo com eles
os temas de sustentabilidade. as
divergências e convergências são
grandes, porém, há consenso de
que a insustentabilidade é um grave
problema global e de que é preciso
aprofundar o tema e ampliar a
discussão – frequentemente
vaga, difusa e genérica –, para
superar impasses e avançar.
[Pedro Michepud]
o Que os economistas
Pensam sobre sustentabilidade
organiZador: ricardo arnt
editora: editora 34 ( 288 páginas)
preço sugerido: r$ 44
agenda
«edição e teXto feRnando badô »
c o p - 1 0 • e d u c a ç ã o F i n a n c e i r a • p r ê m i o • r e v i ta l i Z a ç ã o a m b i e n ta l
18 A 29
de outubRo
21 e 22 de outubro
28 a 30 de setembro
até 24 de setembro
realiZaÇão: onu e cop-10 promotion
committe aichi-nagoya
loCal: nagoya, aichi, Japão.
Mais inforMaÇões: [site] www.cdb.int/mop5
[e-mail] www.cdb.int/cop10
Prêmio von Martius de
sustentabilidade 2010
realiZaÇão: câmara de comércio
e indústria brasil–alemanha
loCal: são paulo (sp)
Mais inforMaÇões:
[site] www.premiovonmartius.com.br
[e-mail ] [email protected]
seminário unomarketing de
Comunicação Consciente e fórum
de empreendedorismo social
realiZaÇão: sator eventos e Report comunicação
loCal: fecomércio, são paulo (sp)
Mais inforMaÇões: [tel] 55 (11) 3032-5633
[site] www.unomarketing.com.br
[e-mail] [email protected]
1º Congresso latino-americano de educação
financeira
realiZaÇão: febraban e felaban
loCal: hotel tívoli moffarej, são paulo (sp)
Mais inforMaÇões:
[site] www.febraban.org.br/eventos.asp
[e-mail] [email protected]
10ª Conferência das Partes
da Convenção da diversidade
biológica (CoP-10)
milhares de participantes, autoridades governamentais,
pesquisadores, organizações não-governamentais e observadores
de 191 países tomarão parte dos eventos da cop-10 da diversidade
biológica, destinada a discutir estratégias e metas globais e
regionais para a promoção da conservação da biodiversidade. “a
conferência pretende influir significativamente na vida das atuais
e futuras gerações”, afirma masaaki Kanda, chairman do comitê
de promoção da cop-10 e governador da província de aichi. uma
grande variedade de conferências temáticas está prevista, junto
com exibições, palestras, seminários, feiras e atrações culturais.
organizado pela câmara de comércio e indústria brasil–alemanha,
o prêmio chega à 11ª edição reconhecendo iniciativas que promovam
o desenvolvimento econômico, social e cultural no contexto da
sustentabilidade. os projetos e ações podem ser inscritos em três
categorias: humanidade, natureza e tecnologia. podem participar
empresas, entidades, organizações não governamentais, indivíduos,
governos e instituições nacionais. os resultados serão divulgados em
5 de novembro. a entrega ocorrerá em são paulo, em 25 de novembro.
o seminário busca ampliar a consciência dos profissionais de
comunicação e marketing com relação ao papel que desempenham
na promoção e estímulo das ações socioambientais adotadas pelas
empresas e governos, principalmente em campanhas nacionais.
entre os palestrantes estão alejandro pinedo (interbrand), elisa
prado (tetrapak), eraldo carneiro (petrobras), Fábian echegaray
(market analysis), Fernando rossetti (gife), hiran castello branco
(giacometti propaganda) e luiz lara (lew’lara)
o processo de inclusão bancária ocorrido nos últimos anos, nos países
da américa latina, tornou essencial, para instituições financeiras,
governos e entidades ligadas ao ensino público e privado, a discussão
sobre o uso consciente do dinheiro e a orientação a respeito de produtos
e serviços. promovido pela Febraban (Federação brasileira de bancos) e
pela Felaban (Federação latino-americana de bancos), o congresso tem
como objetivos conscientizar sobre a importância da educação financeira
e promover um diálogo entre os setores da sociedade civil, identificando
prioridades e compartilhando práticas. participarão do encontro
especialistas brasileiros e internacionais com diferentes visões globais.
capa
eneRgia
o
Cenário eXterno
favorável, a entrada de
grandes grupos econômicos
no Brasil, a aposta nas fontes
renováveis e a preocupação ambiental
revigoraram o setor sucroenergético.
Os números da Análise de Conjuntura
dos Biocombustíveis, elaborados pela
Empresa de Pesquisa Energética (EPE),
não deixam dúvidas. No ano passado,
a produção de etanol bateu a marca de
26,1 bilhões de litros, crescendo 11,2%
por ano, entre 2001 e 2009. O volume de
cana moída ficou em 622,3 milhões de
toneladas, um avanço de 10% ao ano, no
mesmo período. A produção de açúcar
saltou 13,9% em 2009, chegando a 34,6
milhões de toneladas. Mas, enquanto
a produção de etanol e açúcar está em
alta, a bioeletricidade, novo rico filão do
setor, ainda tem muito que caminhar
para aproveitar seu potencial.
rePortageM Julio santos
apenas 100
das 437 usinas
de cana -de -açúcar exportam
eletricidade para
a rede pública;
337 desperdiçam o
valor energético do
bagaço queimado
[ bs ] 23
com potencial paRa geRaR uma itaipu de eneRgia, a bioeletRicidade
pRecisa supeRaR entRaves paRa eXpandiR negócios. o financiamento,
a modeRniZação das caldeiRas, o pReço da eneRgia e a
coneXão com a Rede pública desafiam os empReendedoRes.
mas as vantagens são enoRmes paRa o setoR e paRa o país
Segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), o setor pode gerar 11 mil megawatts, praticamente a mesma potência de geração de Itaipu, que ofereceu 10.809 megawatts em 2009.
O crescimento da produção da bioeletricidade poderia chegar a
13.158 MW médios no período 2020/2021, atingindo 14% na matriz elétrica brasileira – quase três vezes a energia assegurada da
futura hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu.
O Plano Decenal de Energia 2010-2019 mostra que a bioeletricidade, atualmente, soma uma capacidade instalada de 5.380 MW,
5% do parque brasileiro, hoje na casa dos 112 mil MW. Como explicar que esse enorme potencial de crescimento, com inúmeras
vantagens para o meio ambiente, para o sistema elétrico e para a
preservação dos reservatórios das hidrelétricas no período seco,
não seja aproveitado? A lista de entraves da bioeletricidade começa pelo alto custo para modernizar as plantas – que precisam
de novas caldeiras de alta pressão para queimar bagaço de cana,
ago/set 2010
eduardo moody/eth
a
Hora
da
bioeletriCidade
capa
24 [ bs ]
valoR estRatégico
As novas usinas já adotaram caldeiras de alta pressão,
aproveitando os financiamentos favoráveis para equipamentos mais eficientes, diferentemente das plantas com
mais tempo de uso, projetadas para uma época em que a
produção de energia não fazia parte do modelo de negócio. “As usinas antigas precisariam trocar suas caldeiras.
Esse é um processo complicado, que exige obras. Além
disso, para essa troca, a indústria não conta com financiamentos em termos favoráveis do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)”, ressalta
Goldemberg. Apesar de considerar positiva a entrada de
grandes grupos econômicos no mercado, sobretudo pelo
lado gerencial, o professor ressalta que essa participação
ainda não é capaz de modernizar usinas em larga escala.
Com a entrada de novos players, o desenho do setor sucroenergético começou a ganhar um novo formato. De
início, houve um boom de novas usinas, as chamadas
greenfields, que já trazem a cogeração de energia atrelada ao negócio, com caldeiras modernas. Alguns grupos
atuaram nas duas pontas, investindo em novas plantas
e também na modernização de outras. Das 11 usinas
que comercializam energia elétrica hoje, o Grupo Cosan contabiliza nove projetos de retrofit e dois greenfields. Com todas as unidades autossuficientes na geração,
a empresa venderá, neste ano, um excedente de energia
que chega a 1.200 GWh.
“Trata-se de um mercado com grande potencial de
crescimento, principalmente com o aumento da demanda do país por energia elétrica”, avalia o presidente da Cosan Açúcar e Álcool, Pedro Mizutani. No mês de junho, a
goldemberg:
bndes deveria
financiar
modernização
de caldeiras
soMente 30%
das 182 usinas
de Cana de são
Paulo eXPortaM
energia Para
o sisteMa
empresa obteve um financiamento de R$ 711,4 milhões do
BNDES para projetos de cogeração nas plantas de Univalem, Ipaussu, Barra e Bonfim. “Isso mostra que esse é um
projeto economicamente viável”, argumenta.
Após concluir, neste ano, uma operação de combinação
de ativos com a Brenco, a ETH Bionergia passou a ter nove
usinas em operação nos estados de São Paulo, Mato Grosso
do Sul e Goiás. Segundo a empresa, essas plantas terão capacidade para produzir 3 bilhões de litros de etanol e 2.700
GWh por ano de energia, em 2012. No negócio já foram investidos R$ 3,8 bilhões, e, até 2012, serão aplicados mais R$
3,5 bilhões. “A conclusão dessa transação foi decisiva nos
planos de crescimento da ETH e de se tornar líder no setor
de bioenergia, combinando solidez financeira, competiti-
Na avaliação de Pedro Mizutani, da Cosan, o reconhecimento do valor da energia da biomassa é uma das maiores dificuldades do setor. “Essa é uma energia limpa, renovável e que pode ser gerada em períodos de seca, sendo
complementar às hidrelétricas”, destaca. Também pode
captar créditos pelo carbono absorvido da atmosfera durante o crescimento da cana – desde que não haja queimada posterior, na colheita. O executivo conta que o setor
tem desenvolvido, com o Ministério de Minas e Energia,
estudos para tornar o segmento mais competitivo, com a
valorização da bioeletricidade, de maneira a mitigar os
problemas de transmissão, diferenciando os preços para
esse tipo de energia. A conexão das usinas ao sistema elétrico também está na lista de entraves, na medida em que
eleva os custos dos projetos localizados mais distantes do
centro de carga, por exigir linhas de transmissão mais
longas. Uma estimativa de mercado indica que os custos
de conexão podem representar até 30% dos investimentos
feitos em um projeto de retrofit.
O sinal de preço emitido pelos leilões de energia tem
sido outro fator limitante para o avanço da cogeração. No
leilão de energia de reserva de agosto, no qual a biomassa sucroenergética listou 55 projetos, com potência total
de 3.158 MW, o preço-teto foi de R$ 156 MWh. Ao contrário do primeiro certame, que aconteceu há dois anos, agora a maioria é de usinas retrofits, que geralmente exigem
um investimento mais elevado por MW instalado. Marcos Jank observa que o valor da energia para esse leilão,
em preços atualizados, representa 90% do praticado em
2008. “O primeiro leilão desse tipo, realizado em agosto
de 2008, teve preço-teto de R$ 157/MWh, o equivalente a
R$ 173/MWh em valores de hoje”, ressalta Jank.
No leilão de agosto de 2008, dominado pelos investimentos nas usinas greenfields, o setor contava com uma
linha de financiamento oficial e específica para a bioeletricidade. Um dos pleitos da indústria de bioeletricidade é
contar com uma nova linha de financiamento específica
para a biomassa, para conquistar as mesmas vantagens
oferecidas para geração eólica ou para os grandes projetos hidrelétricos, como Belo Monte. “É preciso atender às
especificidades da fonte, pois ela envolve outra estrutura
de negócio e de equipamentos”, observa Zilmar de Souza,
[ bs ] 25
Tanto a Unica quanto a Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen) apostam no chamado retrofit
(modernização) das usinas de açúcar e álcool como alternativa para garantir o aumento da geração de bioeletricidade. Mais de 300 usinas passíveis de retrofit estão na
região Centro-Sul, o principal centro de demanda de eletricidade do país. O diretor executivo da Cogen, Carlos Roberto Silvestrin, estima que só em São Paulo 115 plantas
estão aptas a um upgrade. Segundo dados da entidade, 62%
das caldeiras existentes no estado têm mais de 10 anos de
uso, sendo que algumas chegam a mais de 30. A eficiência energética das caldeiras também é outro ponto, pois
a maioria opera com baixa pressão (21 bar), enquanto os
equipamentos mais modernos operam com 90 bar.
“Nas caldeiras com mais de dez anos, o retrofit é mais
difícil. A maioria dos equipamentos é de baixa pressão. O
preço da energia que será gerada não paga o investimento. Com isso, é difícil estimular a modernização”, observa
Zilmar de Souza, lembrando que, quando essa indústria
nasceu há 30 anos, seu objetivo não era produzir energia
elétrica para exportação, mas apenas atender ao consumo próprio das usinas. Para o professor da Universidade
de São Paulo José Goldemberg, incansável defensor da
bioeletricidade, o retrofit é, hoje, o grande gargalo para o
aumento da produção da energia, não por falta de tecnologia, mas sim por condições de financiamento.
vidade e sustentabilidade”, diz José Carlos Grubisich, presidente da ETH Bioenergia. A empresa já vendeu em leilões 1.609 GWh para entrega em 2012.
ago/set 2010
ago/set 2010
RetRofit e gReenfield
marcos Jank,
presidente da
unica: espaço para
crescer não falta
niels andreas/divulgação
gerando eletricidade por cogeração –, passa pela falta de
uma política específica de financiamento e acaba nos
preços da energia praticados nos leilões do governo e no
custo da conexão das usinas com a rede elétrica do Sistema Interligado Nacional (SIN).
Para o presidente da Unica, Marcos Jank, o setor tem
capacidade de gerar 10 mil MW entre 2011 e 2020, viabilizando uma oferta de 1 mil MW/ano. Espaço para crescer
não falta. Das 437 usinas de cana-de-açúcar existentes
no país, só 100 exportam energia para o sistema elétrico,
ou seja, 22%. Para se ter uma ideia desse baixo aproveitamento, somente 30% das 182 usinas de cana-de-açúcar
de São Paulo, principal centro consumidor de energia do
país, exportam eletricidade para o sistema. “Esse é um
número muito pequeno em relação ao potencial da bioeletricidade”, diz Zilmar José de Souza, assessor de Bioeletricidade da Unica. Na grande maioria das usinas,
milhões de toneladas de bagaço que poderiam gerar eletricidade são desperdiçadas.
cia. de foto
eneRgia
capa
É verdade que o setor ganhou um empurrão com o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia
Elétrica (Proinfa), que oferece contratos de energia firmados com a Eletrobras por prazo de 20 anos e financiamento do BNDES. O programa prevê, até o final de 2010,
a instalação de 144 novas usinas, sendo 54 eólicas, 63 pequenas centrais hidrelétricas (PCH) e 27 de biomassa. Do
bloco total de 3.299,4 MW que serão agregados ao sistema, as eólicas respondem por 1.422,92 MW, as PCHs, por
1.191,24 MW e a biomassa, por apenas 685,34 MW. Somente a biomassa não atingiu a meta de adicionar os 1.100
MW inicialmente estabelecidos por fonte. “A biomassa
não avançou no programa”, ratifica Zilmar de Souza.
A linha existente hoje no BNDES que atende também
à cogeração trabalha com taxa de juros de 0,9% ao ano,
mais TJLP e prazo de financiamento de 16 anos. Apesar
de não existir uma linha específica, os números do segmento na carteira do banco revelam a evolução dos negócios. O volume de recursos desembolsados passou de
R$ 130 milhões, em 2004, para R$ 1,3 bilhão, em 2009. “É
um aumento significativo”, destaca o gerente do Departamento de Biocombustíveis do BNDES, Artur Yabe. No
primeiro semestre de 2010, o nível de desembolso chegou
a R$ 560 milhões. Segundo Yabe, o banco tem na carteira
83 projetos contratados, somando capacidade instalada
de 2.500 MW. O número salta para 108 projetos, se incluir
também os em aprovação, os em análise, os enquadrados
e os em consulta, num total de 3.570 MW.
Falta um empurrão decisivo. Para Luiz Pereira, responsável pela área de Sustentabilidade e Pessoas da
ETH Bioenergia, o segmento precisa de uma política
específica de médio e longo prazos para fazer a bioeletricidade decolar de vez. “É preciso dispor de condições próprias e de incentivos tributários para estimular a geração desse potencial”, indica o executivo, que
também defende, assim como o presidente da Unica, a
realização de leilões específicos para garantir melhores condições e segurança na venda da energia produzida. “A precificação de uma hidrelétrica não é a mesma de uma usina de biomassa”, compara Pereira.
Para o diretor de Planejamento da Comercialização da
CPFL Energia, Marco Antonio Siqueira, o principal pro-
divulgação/eth
empuRRão decisivo
blema do setor é a falta de capacidade de investimento em
novas plantas. Segundo ele, a questão central está nas garantias exigidas para o financiamento. “As garantias não
são suficientes para fazer frente aos investimentos para
a maioria das usinas existentes”, destaca o executivo. A
CPFL criou uma linha de negócios específica, de olho no
potencial da bioeletricidade. O serviço permite que a empresa de energia cuide de toda a estruturação do projeto
– obras, equipamentos, conexão à rede –, deixando a operação das usinas por conta dos seus proprietários. A CPFL
fica com a tarefa de vender a energia produzida.
Com esse modelo de negócio, a CPFL já tem no portfólio 200 MW provenientes da biomassa da cana-de-açúcar,
dos quais 140 MW exportáveis para o sistema, que podem
ser vendidos no mercado livre, voltado para os grandes
consumidores de energia, ou no mercado regulado, formado pelos leilões de energia do governo. Ao todo são cinco projetos, sendo um no Rio Grande do Norte e quatro
em São Paulo, totalizando um volume de investimento
estimado em R$ 600 milhões. Marco Siqueira conta que
a primeira usina, a Irmãos Baldin, em Pirassununga,
São Paulo, entrará em operação na segunda quinzena de
agosto. A unidade tem capacidade instalada de 45 MW,
dos quais 30 MW comercializáveis. A meta da empresa
é ter de 700 MW a 750 MW de capacidade instalada, até
2014, o que representará investimentos da ordem de R$
1,8 bilhão. Aos poucos, apesar dos gargalos, o setor vai
expandindo a oferta de bioeletricidade limpa, renová[bs]
vel e descentralizada.
[ bs ] 27
26 [ bs ]
grubisich: eth
quer liderar a
bioenergia
ressaltando que a linha específica de financiamento que
havia no BNDES para cogeração migrou para uma linha
genérica, voltada para fontes renováveis.
ago/set 2010
ago/set 2010
a energia
renovável do
sol troPiCal, fonte
da bioeletriCidade,
Pode abasteCer
14% da MatriZ
elétriCa
brasileira
eduardo moody/eth
eneRgia
entRevista
alice tepper marlin
“o público espera que as
empresas assumam a
responsabilidade pelas
condições de trabalho,
mesmo com produtos
terceirizados”
a glo baliZação im pu l sio na o m ovim ento pel a
pad ro niZação e m elh o ria das co n diçõ e s d e trabalh o.
mas há diFeren ças cu ltu rais im p o rtante s a co nsid erar ,
aFirma u ma das pio n eiras d o m ovim ento m u n dial d e
re sp o nsabilidad e so cial em pre sarial
entRevista alice do valle
movida pela cRença de que o
bs o que impulsiona a necessidade
de padronização global?
atM Até o fim dos anos 1980, todo o trabalho de
avaliação de práticas corporativas acontecia no
âmbito nacional, nos EUA, Europa e Japão. No en-
[ bs ] 29
divulgação
brasil sustentável o que é o sa 8000?
aliCe tePPer Marlin O padrão SA 8000 é
um código de conduta internacional cujo objetivo é
melhorar as condições de trabalho no mundo. Propõe um sistema de gestão com base em 13 convenções de direitos humanos, cujas categorias-chave
são: saúde e segurança, jornada de trabalho, trabalho infantil, trabalho forçado, discriminação,
liberdade de associação e de barganha coletiva,
salários, disciplina e sistemas de gestão. Desenvolvido por meio de um processo de participação multistakeholder, o certificado é uma ferramenta para a
implementação dos padrões da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
ago/set 2010
a
Régua
subiu
empreendedorismo tem um papel essencial na promoção de uma sociedade mais justa, a economista
norte-americana Alice Tepper Marlin criou, durante décadas de ativismo, modelos inovadores de responsabilidade social empresarial, catalisando o poder de investidores, consumidores e trabalhadores.
Atual presidente da Social Accountability International,
organização responsável pelo certificado SA 8000 –
norma global de cumprimento de critérios de direitos
humanos no trabalho –, Tepper Marlin acredita que a
certificação promove o desenvolvimento sustentável
especialmente em países do bloco Bric (Brasil, Rússia,
Índia e China).
Nos anos sessenta, quando a opinião pública
norte-americana se voltou contra a guerra no Vietnã, a recém-formada Alice era uma das apenas seis
mulheres analistas de mercado em Wall Street. Empenhada na mobilização de investidores no movimento pacifista, desenvolveu o Peace Portfolio, uma
carteira de investimentos reunindo empresas sem
vínculos com o complexo industrial-militar. Hoje, a
ideia de utilizar critérios sociais na escolha de investimento é comum, mas, na época, conta Tepper Marlin, era radical. Abriu-se, assim, um caminho para
investidores ativistas usarem as ações nas bolsas de
valores para promover uma causa.
Na década seguinte, Alice usou seu conhecimento de finanças e negócios para fundar o Council for
Economic Priorities (CEP), que desenvolveu novos
métodos de pesquisa, acessando dados inéditos de
indústrias, usando critérios ambientais, de cidadania e de transparência para elaborar ratings de
desempenho empresarial. Dessa forma, passou a
fornecer informações a investidores e consumidores interessados em alinhar suas compras a valores. Seu livro Shopping for a Better World, com ava-
liações de 2 mil produtos nos EUA, resultou desse
trabalho e virou referência no movimento pelo
consumo consciente, vendendo 1 milhão de cópias.
Em 1997, Alice fundou a organização não governamental Social Accountability International. Por meio
dela, liderou a discussão sobre a criação de padrões
de gestão empresarial voltados à melhoria das condições de trabalho no mundo, conquistando o engajamento de empresários, de sindicalistas e de organizações do terceiro setor. Como resultado, surgiu
o SA 8000. Até março, o Brasil era o quinto país do
mundo com maior número de certificações da norma. No mundo todo, há 2.151 empresas certificadas
em 60 países, impactando 1,2 milhão de trabalhadores. Para a BRASIL SUSTENTÁVEL, Alice falou sobre a
expansão do SA 8000 e seu papel social.
entRevista
g e s tão • g lo ba liZ ação
s eg u r a n ça n o t r a ba l h o
“as organizações
dos países em
desenvolvimento
acreditam que todos os
trabalhadores precisam
ter os mesmos direitos”
don pollard /divulgação
bs o sa 8000 está crescendo no brasil.
atM O Brasil é líder em instituições financeiras
que usam o certificado como critério para conceder empréstimo. Quando pergunto às empresas
brasileiras por que aderiram ao SA 8000, a resposta mais frequente é que ela melhora as condições
de empréstimo bancário. Não se ouve isso em outros países. O Brasil também é bem mais avançado
em utilizar o SA 8000 como uma ferramenta para
gerenciar riscos e de gestão. O país é o quarto do
mundo com o maior número de trabalhadores em
empresas certificadas pela norma.
30 [ bs ]
bs não é fácil universalizar padrões
e expectativas culturais.
atM Sabíamos que impor padrões seria quase como
colonialismo. Seria o mesmo que dizer ao Brasil que
ele deve agir em conformidade com os padrões, as
leis, as expectativas culturais dos EUA ou Itália ou
Alemanha. Que direito tínhamos? Por isso, pensamos em sistemas globais de gerenciamento que seriam os mesmos em qualquer lugar do mundo, métodos modernos que auditores locais pudessem usar
e os empresários, implementar. Diferententemente
de áreas como meio ambiente, por exemplo, na área
do trabalho tivemos muita sorte, pois a OIT desenvolveu padrões que cobrem tudo o que precisamos.
Por isso, o SA 8000 foi criado nesses moldes.
bs o brasil participou?
atM O Brasil faz parte do Conselho desde sua fundação. Quando estávamos apenas começando, uma
das questões centrais era se deveria haver um padrão
bs o brasil é o quinto país no
mundo em número de empresas
certificadas, mas o número de empresas
na itália, Índia e China é bem maior.
atM Não é surpreendente que a Índia e a China
sejam os líderes em certificações, dado o seu rápido
crescimento industrial, mas o caso italiano é especialmente interessante. O governo regional de Toscana exerceu um papel importante em encorajar a
certificação do SA 8000 em sua região. Na Índia e na
Itália, há empresas grandes que lideraram o processo de certificação na sua cadeia de fornecedores. Na
Índia, as principais foram a Tata e a Birla e, na Itália,
a Coop Itália. Há anos, a Petrobras liderou um processo similar no Brasil, exigindo de seus parceiros
comerciais a certificação SA 8000, mas, como a norma não está autorizada no setor da indústria naval,
retirou a exigência. Se decidisse usar o SA8000 novamente, a petroleira teria grande impacto positivo
em muitas empresas brasileiras.
bs Como essas práticas podem
contribuir para a erradicação da pobreza?
atM A remuneração justa faz parte do que chamamos de responsabilidade social. Se o provedor
da família recebe uma remuneração adequada,
pode matricular seus filhos numa escola, passa a
ter acesso a serviços de saúde, suas crianças não
ficam subnutridas, e a família tem a chance de
quebrar o ciclo da pobreza. A segurança no trabalho é outro tema importante. Ser vítima de acidente de trabalho pode ser uma das piores armadilhas da pobreza. Para quem trabalha 60 horas
ou mais por semana, o risco de acidentes de trabalho aumenta drasticamente. A discriminação é
outro exemplo.
bs Qual o papel das certificações
sociais para o desenvolvimento
sustentável nos países do bric?
atM O fato de as empresas nacionais, no Brasil
e na Índia, terem adotado o SA8000 voluntariamente, e não por pressão de clientes dos países do
Norte, é muito auspicioso. Isso significa que o uso
de padrões sociais está inserido no processo de
produção doméstica e nas expectativas culturais.
É um efeito sustentável em longo prazo.
[ bs ] 31
bs Mas os padrões mudam
conforme as culturas.
atM Essa questão está no centro das discussões,
mas, há 20 anos, o movimento estava começando. O
público espera que as empresas assumam a responsabilidade pelas condições de trabalho nas quais
seus produtos são manufaturados, mesmo quando
terceirizados. Antes, a preocupação era se havia algum componente tóxico no açúcar, ou se havia algum defeito no pacote que acarretasse desperdício,
o que era, obviamente, responsabilidade de quem
comercializava o açúcar. Mas o consumidor começou a questionar sobre o processo de produção do
açúcar. Por exemplo, quais eram as condições dos
trabalhadores que cortam cana-de-açúcar no Brasil.
Isso não seria responsabilidade da marca?
bs Quem tem o sa 8000 no brasil?
atM Posso destacar a Personal Service Recursos
Humanos Assessoria Empresarial, com 8.500 empregados, a Marcopolo S.A, com 6 mil empregados, o Banco HSBC, com 1.800 empregados e a Alunorte, com 1.500 empregados.
bs Há pressão internacional
para as empresas brasileiras
obterem a certificação?
atM Essa é uma área na qual Brasil e Índia se
diferenciam de outros países, combinando a demanda interna com a externa. Se olharmos para
a China, por exemplo, é só demanda externa. Eles
não estariam trabalhando nessa área, se não fosse
pelo negócio de exportação. No Brasil, esse não é
o caso. Muitas das empresas certificadas não estão em negócios de exportação. Em São Paulo, visitei uma empresa de construção com grande parte
de seus negócios no Brasil. Existem lideranças de
grande influência, mas há menos envolvimento direto do governo do que na Índia, que é o país
mais similar em termos de equilíbrio entre a demanda interna e a externa. O governo na Índia
tem mostrado maior interesse e apoio às práticas
de responsabilidade social empresarial.
ago/set 2010
ago/set 2010
tanto, um crescente número de indústrias estava
começando a produzir ou terceirizar sua produção
para países em desenvolvimento. As classificações,
feitas de acordo com os padrões e leis locais, avaliavam as empresas em território nacional, mas não
eram capazes de avaliar os fornecedores e plantas
localizados em outros países, que faziam parte da
cadeia produtiva. Ou seja, basicamente, ignoravam os lugares onde a produção causava maior impacto nas pessoas e no planeta.
para os países desenvolvidos e outro para os emergentes. Os trabalhadores nos países em desenvolvimento não queriam ser cidadãos de segunda classe.
As organizações consultadas acreditavam que todos
os trabalhadores precisam ter os mesmos direitos.
r e p o r ta g e m
gestão
nellie solitrenick
leme fiRme
a oPinião
dos Ceos
96% 72%
pesQuisa da consultoria accenture e do pacto global,
realiZada em 100 paÍses, com 766 ceo s , revela Que
a recessão econômica mundial não diminuiu o compromisso
das empresas com a gestão para a sustentabilidade
acreditam que a
sustentabilidade deve
ser inteiramente
integrada à estratégia
e às operações de uma
companhia. em 2007,
eram 72%.
rePortageM álvaro penachioni
imagem e Reputação
A pesquisa revela aspectos interessantes sobre o que motiva a consciência do alto escalão: 72% dos entrevistados cita-
lacerda, da basf:
“sustentabilidade
é pilar estratégico”
lideRanças engaJadas
Em empresas como a Basf, a Natura e a Alcoa, a
sustentabilidade já se incorporou ao cotidiano. Na
Basf do Brasil, uma das iniciativas mais recentes
foi adotada em 2009: a Academia de Lideranças,
um programa de educação corporativa para líderes
com o objetivo de disseminar o conceito de forma
sistêmica, permitindo o acesso de todos ao aprendizado, bem como sua aplicação em todas as áreas
da companhia. “A Basf tem na sustentabilidade um
de seus pilares estratégicos”, diz Antonio Lacerda,
vice-presidente sênior para a América do Sul e presidente do Comitê de Sustentabilidade da empresa.
A companhia também investe na formação de
colaboradores para uma nova geração de líderes
na gestão para a sustentabilidade. O Time Virtual
de Sustentabilidade, criado em 2008, surgiu como
um grupo de trabalho para ampliar a estrutura de
gestão da sustentabilidade da empresa na América do Sul. Os Líderes Sustentáveis têm a missão de
contribuir para concretizar a ambição de sustentabilidade da Basf, incorporada à sua Estratégia 2020:
crescer de forma sustentável, focada nas oportunidades regionais, com competência e pioneirismo,
sendo valorizada pelos stakeholders. “A guerra da
concorrência tem de se dar em outro campo, não
no da sustentabilidade. Afinal, a gente não cresce
[bs]
sozinho”, ressalta o executivo.
93% 72%
dizem que
sustentabilidade
é muito importante para
o sucesso dos negócios.
consideram a educação
um aspecto vital para
o desenvolvimento e o
sucesso dos negócios.
91% 66%
afirmam que suas
empresas adotarão
novas tecnologias, como
energias renováveis,
eficiência energética e
sistemas de informação
e comunicação.
consideram as mudanças
climáticas o segundo fator
que as levou a adotar
a sustentabilidade.
acreditam que podem
integrar a sustentabilidade
na cadeia de suprimentos.
apenas 54% admitem
que isso já foi alcançado.
consideram os
consumidores o grupo
de stakeholders mais
importante para
adiministrar as expectativas
da sociedade. para 45%, os
empregados são o segundo
grupo em importância.
58%
88%
86% 49%
consideram que “a
avaliação correta por
parte dos investidores em
investimentos de longo
prazo” constitui o primeiro
passo para avançar em
sustentabilidade.
consideram complexa
a adoção da estratégia
de sustentabilidade, de
maneira integrada, em
todas as áreas da empresa.
[ bs ] 33
32 [ bs ]
frente aos desafios da sustentabilidade? Com essa indagação recorrente ecoando no mundo corporativo, a consultoria Accenture saiu a campo para buscar a opinião de um
seleto grupo de 766 presidentes de empresas globais, representantes de 25 setores econômicos. Os resultados do maior
estudo desenvolvido sobre o tema com a participação de
CEOs foram apresentados na última reunião trienal do
Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU), em
Nova York, no final de junho.
Para elaborar a pesquisa “Uma nova era para a sustentabilidade” a Accenture ouviu dirigentes de companhias
como Natura, Nestlé, Alcoa, Diageo, Renault Nissan, Novartis, Basf, Philips, Ericsson, Unilever e Santander. O trabalho revela que está em curso, no mundo dos negócios, um
movimento rumo a uma nova economia, apoiada em bases
sustentáveis, embora ainda reflita realidades desiguais.
Os números mostram que 93% dos CEOs consideram
a sustentabilidade “importante” ou “muito importante”
para a evolução dos negócios. Regionalmente, porém, as
opiniões dos altos executivos são distintas: na América
Latina, 78% acreditam que se trata de um tema “muito
importante”, enquanto no Oriente Médio e no Norte da
África só 22% têm a mesma opinião.
Segundo o estudo, 88% dos dirigentes avaliam que é preciso integrar a sustentabilidade à cadeia de valor, mas apenas 54% admitem já ter conseguido isso, num desempenho
semelhante ao verificado entre as subsidiárias.
ram a marca, a confiança e a reputação como os principais
fatores que orientam a tomada de decisão no campo da sustentabilidade. O aumento da rentabilidade e a redução de
custos foram citados por 44%, enquanto 42% declararam
que se trata de motivação pessoal e 39%, de uma resposta à
demanda do mercado.
“Alcançar a sustentabilidade social e ambiental leva
tempo, exige grandes esforços e o comprometimento sincero da liderança”, resumiu Georg Kell, diretor executivo do
Pacto Global das Nações Unidas, durante o evento de apresentação do estudo. “Dois terços dos CEOs entrevistados enxergam no Pacto Global um fórum para disseminar novas
ideias e boas práticas em sustentabilidade. Estamos dispostos a colaborar com todas as iniciativas que procurem desenvolver políticas e práticas eficazes e tangíveis.”
Os resultados da pesquisa conduzida pela Accenture
indicam que as empresas começam a encarar a sustentabilidade mais a sério. Em um levantamento semelhante,
realizado em 2007, metade dos CEOs entrevistados disse
que a sustentabilidade se tornou parte das operações estratégicas da empresa. No estudo de 2010, o número saltou para 81%. Embora reconheçam a dimensão e a complexidade dos desafios globais, uma parcela significativa
dos dirigentes avalia que ocorreram progressos, nos últimos três anos, no desenvolvimento de diversas estratégias de sustentabilidade.
Em síntese, o estudo conclui que a sustentabilidade
representa um fator-chave para o êxito dos negócios. A
previsão é de que, em uma década, o tema estará integrado às atividades, aos processos e aos sistemas das organizações, abarcando não apenas o core business, mas toda a
cadeia global de valor.
ago/set 2010
ago/set 2010
como as empResas atuam
citam a marca, a
confiança e a reputação
como os principais
fatores que orientam
a tomada de decisão
sobre sustentabilidade.
o aumento de rentabilidade
e a redução de custos
vêm em segundo lugar.
lideRança
« R e p o R tag e m R i c a R d o a R n t»
e x em p los i n s pi r a d o r e s pa r a m u da r o m u n d o
lesteR
bRoWn
Quem? presidente do earth policy
institute e fundador do Worldwatch institute,
que presidiu durante 26 anos.
ago/set 2010
34 [ bs ]
divulgação
Climáticas, por exemplo, afirma que “os 25 anos mais
quentes já registrados ocorreram a partir de 1980”.
A concentração atmosférica de carbono subiu de 280
partes por milhão (ppm), em 1760, quando a Revolução Industrial começou, para 386 ppm, em 2008. Das
9,4 bilhões de toneladas de CO2 emitidas nesse ano,
só 5 bilhões foram absorvidas pelo planeta. As 4,4 bilhões de toneladas restantes estão sendo bombeadas
anualmente na atmosfera. “Se ficarmos no business as
usual, será mais do que viável, neste século, a elevação da temperatura da Terra de 1,1 a 6,4 graus”, diz.
Para acelerar o advento da economia de baixo
carbono, Brown sugere um plano como o decretado
pelo presidente Franklin Roosevelt após o bombardeio japonês a Pearl Harbour, em 1942. Um mês após
o ataque, Roosevelt anunciou no rádio a meta pouco
realista de produzir 60 mil aviões, 45 mil tanques e
20 mil canhões antiaéreros. Para tanto, proibiu a fabricação de automóveis novos durante três anos. Em
1944, os EUA acumularam 229.600 aviões e 5 mil na[bs]
vios. E ganharam a guerra.
[ bs ] 35
Apesar da ambição política e da abrangência dos
dados que articula, Lester não escreve, não digita e
não usa computador. Seu método de trabalho é improvisar, usando notas de três ou quatro palavras como
ideias-semente, com as quais mantém uma vasta
agenda internacional de conferências. Quando trabalha em um livro ou um artigo, lê muito, analisa gráficos e tabelas elaborados por assistentes (a quem sempre pede mais pesquisas), faz um roteiro básico e dita
parágrafos inteiros em um Dictaphone. Até suas cartas são ditadas. Não usa e-mail.
Com a série Plano B, Lester lançou um novo conjunto de diagnósticos globais, já traduzido em 24 idiomas
e desdobrado em Plano B 2.0, Plano B 3.0 e Plano B 4.0. No
Brasil, este último livro foi publicado em 2009, pelas
Para tanto, requer-se uma reestruturação econômica e uma reforma tributária que tornem o mercado “ecologicamente honesto”, embutindo nos preços
os custos indiretos das “externalidades”, isto é, dos
impactos dos produtos e serviços. A ideia é aliviar a
taxação sobre a renda e o trabalho e aumentar os impostos sobre atividades destrutivas, como a queima
de combustíveis fósseis. “O socialismo falhou por não
deixar o mercado dizer a verdade econômica. O capitalismo pode entrar em colapso por não deixar o mercado dizer a verdade ecológica”, diz Lester, citando
uma frase de Oyster Dahle, o ex-vice-presidente da
Exxon para o Mar do Norte.
Para o autor de Plano B 4.0, o mercado que oculta o
custo real dos produtos é “irracional, ineficaz e autodestrutivo”. Essa falha na precificação determina que um maço de cigarros custe US$ 4,25 em Nova
York, quando, segundo o Centro de Controle de Doenças do governo norte-americano, deveria custar U$
10,47 para cobrir as despesas com doenças e perdas
de produtividade no trabalho. Idem com o preço da
ago/set 2010
lesteR bRoWn é “um dos
pensadores mais influentes do mundo”, diz o jornal The
Washington Post. “O guru do movimento ambientalista”,
ecoa o Calcutta Telegraph, da Índia. Em 1974, quando
mal se falava em ecologia, o economista fundou o
Worldwatch Institute, em Washington, que presidiu por
26 anos, dirigindo a produção das séries de diagnósticos
globais de sustentabilidade State of the World e Vital Signs.
Premiado e condecorado por instituições de dezenas
de países, em 2001, “após ter sido forçado a sair do
Worldwatch por um vice-presidente que decidiu que
era sua vez de dirigir a organização”, segundo a colega
Reah Kauffman, fundou o Earth Policy Institute, com
a meta de “fornecer um plano para salvar a civilização
e um roteiro de como chegar lá”.
gasolina, U$ 3,00 por galão, que deveria custar US$
12,00 para cobrir o custo das mudanças climáticas e
do tratamento das doenças derivadas das emissões.
“O custo de queimar gasolina é muito mais alto, mas
o mercado se apressa a afirmar que é barato, distorcendo brutalmente a estrutura da economia.”
Lester Brown é acusado de alarmismo há anos,
mas há cada vez mais gente repetindo o que ele afirma. Ao mesmo tempo, sabe que a reforma que prega
tem alto custo político, que o consenso avança devagar e que as condições do planeta deterioram rapidamente. O Painel Intergovernamental de Mudanças
“o soCialisMo falHou Por
não deiXar o MerCado diZer
a verdade eConôMiCa. o CaPitalisMo
Pode entrar eM ColaPso Por não deiXar
o MerCado diZer a verdade eCológiCa”
oyster dahle, ex-vice-presidente da exxon para o mar do norte
o Quê? lançou e dirigiu as séries
de diagnósticos globais de sustentabilidade
the state of the World e vital signs, hoje
traduzidas em quarenta idiomas.
poR Quê? um dos precursores
do desenvolvimento sustentável e um dos
analistas mais credenciados sobre a crise
ecológica contemporânea.
editoras New Content e Idea, com o patrocínio do Bradesco. Com objetividade tipicamente norte-americana,
o autor vai direto ao assunto. Para cortar 80% das emissões mundiais de carbono até 2020, estabilizar a população do planeta em 8 bilhões de pessoas, erradicar
a pobreza e recuperar os sistemas naturais (solo, água,
florestas, pastagens e estoques pesqueiros), são necessários US$ 187 bilhões por ano, afirma – 13% do orçamento militar global. “Ninguém pode argumentar que
não temos os recursos para realizar a tarefa”, afirma.
“Isso seria mais do que o adequado para recolocar o planeta no caminho do crescimento sustentável.”
rp
eo
tra
ng
c eam
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ta
ceRtificação
falsa
Reuters
Má notÍCia Para QueM Considera o Manejo
sustentável uMa alternativa à eXPloraÇão
Predatória da Madeira nativa aMaZôniCa
as empresas que investem
em madeira certificada
vivem um inferno astral
fundiário na amazônia
ceRtificação
em Queda
a produção de madeira nativa certiFicada caiu
pela metade, no brasil, em deZ anos. a Questão Fundiária
é o principal problema do setor, mas não o único
rePortageM beto gomes
36 [ b s ]
As florestas nativas certificadas pelo selo FSC (Forest
Stewardship Council) seguem na mesma direção e mostram que o país estagnou na aprovação de planos de manejo. Em 2009, o Brasil registrou redução de 1,85% no total
de hectares carimbados com o selo. Houve um pequeno
crescimento em 2010, mas em ritmo lento, diante do vasto potencial da região amazônica – passou de 2,69 milhões de hectares, em 2008, para os atuais 2,72 milhões.
“Em 15 anos, o Brasil certificou pouco mais de 2,5 milhões
de hectares na Amazônia. Na bacia do Congo, mais de 4,7
mudança de planos
O tempo para os órgãos estaduais aprovarem o licenciamento de uma área florestal varia bastante e depende da
qualidade do plano de manejo. Em média, o processo leva
um ano, mas há casos de empresas que tiveram de esperar
até três anos para iniciarem as operações. “Vivemos um
momento de transição. Muitos estados ainda não estão
aparelhados para executar a tarefa”, diz Roberto Waack.
Um exemplo é a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Pará (Sema-PA), que, quando começou a analisar planos de manejo, em 2007, contava com apenas
quatro profissionais para o trabalho. “Era uma atribuição nova, e tínhamos o mínimo necessário para trabalhar. Hoje, as empresas já têm recebido a licença em 40
ou 50 dias, e a área aprovada voltou a crescer”, diz Edevaldo Pereira, diretor de Gestão Florestal. “Em 2007,
autorizamos a exploração de 75 mil hectares no estado.
Em 2010, esse número já subiu para 171 mil hectares.”
Mesmo assim, ainda há muito a avançar no Brasil.
O consumidor não cobra e não exige produtos com origem comprovada. Mas os órgãos públicos podem dar
uma contribuição. “Não existe estímulo à certificação.
Não há incentivos tributários nem políticas econômicas para quem quer explorar a floresta de maneira sustentável”, afirma Virgílio Viana, da Fundação Amazônia Sustentável. Segundo Viana, há boas iniciativas
e produtores certificados competentes, mas a falta de
qualidade dos planos de manejo também emperra o
licenciamento. “Os projetos pouco embasados tecnicamente são comuns, falta profissionalização em muitos
[bs]
deles”, atesta Viana.
[ b s ] 37
a maior floresta tropical do planeta e já foi um respeitado exportador de madeira certificada. Nos últimos anos, no
entanto, o país vem regredindo, apesar de o mercado
global não parar de crescer. A produção brasileira de
madeira nativa certificada caiu pela metade, na última década. Números do WWF mostram que, em 1999,
o país abasteceu o segmento com 28 milhões de metros
cúbicos, em 2004, esse número caiu para 24,5 milhões
e, em 2009, para 14 milhões.
O Brasil produz atualmente 17% da madeira tropical comercializada no mundo e responde pela oferta de 35% da
madeira cerrada. Considerados todos os tipos de madeira,
o país ocupa a primeira posição na produção de toras e o
terceiro lugar na exportação de madeiras cerradas. Mas,
quando a régua sobe para os produtos certificados, os números rolam ladeira abaixo. “Apenas 1% da madeira cerrada brasileira é certificada”, diz Waack, do FSC.
ag o/ s e t 2 0 1 0
ag o/ s e t 2 0 1 0
o bRasil abRiga
milhões de hectares foram certificados, nos últimos três
anos”, compara Roberto Waack, diretor do FSC.
Estima-se que a Amazônia disponha de 40 milhões de
hectares para manejo, cerca de 10% de toda a floresta. Até
2020, porém, o país deve atingir apenas 13 milhões de hectares certificados. Más notícias para quem vê no manejo
sustentável uma alternativa à exploração predatória da
madeira amazônica. “A expectativa é de que a produção comece a crescer neste ano, mas devemos atingir os índices
de 1999 apenas daqui a três anos”, avalia Estevão Braga, engenheiro florestal do WWF. Segundo Braga, a atual queda
na produção deve-se a vários fatores. “É reflexo da redução
das áreas aptas, da maior fiscalização e da concorrência
com a madeira de reflorestamento.”
A principal dificuldade para as empresas certificadas é a precariedade da documentação de terras. Os
problemas fundiários da Amazônia criam barreiras
legais para o licenciamento ambiental, atribuição que
passou do Ibama para os órgãos estaduais em 2007. Desde então, o processo se tornou ainda mais lento e oneroso para as empresas que desejam explorar a madeira
nativa de maneira sustentável. “A legislação não apoia
as empresas certificadas. Somos tratados como desmatadores, como exploradores quaisquer, e geralmente a
fiscalização e os encargos recaem sobre quem é correto”, comenta Fábio de Albuquerque, diretor da Ecolog,
que possui uma área de 22,5 mil hectares em Rondônia
e produz madeira certificada pelo FSC.
A demanda por produtos certificados é maior do que
a oferta, mas os produtores com o selo do FSC estão desistindo porque a atividade não é economicamente viável.
Anos atrás, praticamente 100% da produção da Ecolog era
exportada, mas a empresa desistiu porque não conseguia
superar os gargalos legais e atender aos prazos dos clientes. “Chegamos a ficar 60 dias parados, esperando pela
recertificação ou pela fiscalização da área de manejo”,
diz Albuquerque. A saída foi voltar-se para o mercado interno, menor e mais restrito, pois o consumidor brasileiro tem pouco interesse por produtos comprovadamente
sustentáveis, com atestado de origem.
série
goveRno e empResas mobiliZam-se paRa levaR pRopostas
paRa a 10ª confeRência das paRtes da convenção sobRe
diveRsidade biológica, em outubRo, em nagoYa, no Japão
A Convenção sobre Diversidade Biológica ainda não
alcançou a mesma ressonância global da Convenção do
Clima, apesar de ambas serem chanceladas pela Organização das Nações Unidas e aprovadas pela Rio-92. Marina Grossi, presidente-executiva do CEBDS, considera que
as iniciativas da ONU contribuem para ampliar a sensibilização da sociedade sobre o assunto. Mas, apesar da
sua relação direta com a vida das pessoas, o tema ainda
é pouco compreendido. “Em um país megadiverso como
o Brasil, é fundamental que cada segmento compreenda
seus impactos e possa visualizar a importância dos ativos da biodiversidade para a manutenção da economia e
da vida social”, explica Marina.
O CEBDS tem mobilizado empresas e promovido debates sobre o desenvolvimento de estudos e de ferramentas de valoração econômica da biodiversidade, essenciais para a promoção do seu uso sustentável. Um
exemplo é o novo Relatório Teeb (sigla em inglês para
The Economics of Ecosystem and Biodiversity), produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e lançado no I Simpósio Global de Negócios da Biodiversidade, em julho, em Londres. Para a
presidente do CEBDS, o relatório é uma ferramenta global fundamental para a compreensão da importância
econômica da biodiversidade. O trabalho foi apresenta-
lagoa de maricá, no parque da
costa do sol, no Rio de Janeiro
do no Brasil por seu coordenador, o pesquisador indiano
Pavan Sukhdev, que citou dados preocupantes. De acordo com a metodologia TruCost, usada pelo relatório para
calcular o valor das perdas impostas à biodiversidade
pelos negócios, o impacto de 3 mil empresas globais pesquisadas foi de US$ 2,2 trilhões só em 2008. A estimativa é que o prejuízo anual do capital natural seja de US$
2,5 a 4,5 trilhões de dólares, o equivalente ao PIB da China, a segunda maior economia do mundo. “O relatório
Teeb é uma ferramenta de valoração que representa um
salto em termos de linguagem relacionada a negócios e
biodiversidade, evidenciando riscos, oportunidades e
a necessidade de quebra de paradigmas nas atividades
econômicas”, ressalta Marina Grossi.
Os impactos na biodiversidade estiveram em pauta, também, na reunião promovida pela Câmara Temática de Biodiversidade e Biotecnologia (CTBio) do
CEBDS, em julho, em São Paulo. O evento mobilizou
18 participantes, entre técnicos e gestores de 14 empresas associadas, reforçando a percepção de interesse empresarial sobre a agenda.
Já nessa primeira reunião preparatória para a COP 10,
os representantes das empresas manifestaram interesse de medir o impacto de seus negócios na biodiversidade. Essa disposição estará registrada como um compro-
divulgação
o Parque estadual da
Costa do sol, na região dos
lagos fluminense, abrange
ecossistemas de litoral,
de restinga e de campina,
entre outros
divulgação
caRtão-postal
paRa nagoYa
haroldo palo Jr.
ano da biodiveRsidade
RepoRtagem eliZabeth oliveiRa
38 [ bs ]
[ bs ] 39
versidade e a realização da 10ª Conferência das Partes (COP-10) da Convenção
sobre Diversidade Biológica, em outubro, em Nagoya, no Japão, geraram uma
mobilização empresarial inédita, no Brasil, pela discussão do tema e pela conservação do “capital natural”, fundamental para as atividades econômicas. Em
São Paulo, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) promoveu, no fim de agosto, na sede do Grupo Abril, o encontro
Biodiversidade e a Nova Economia, focado na discussão de boas práticas, de soluções e de parcerias para a gestão da diversidade biológica.
ago/set 2010
ago/set 2010
a designação de 2010 como o Ano Internacional da Biodi-
série
ano da biodiveRsidade
a convenção sobre diversidade biológica
(cdb) visa conservar a biodiversidade,
promover o uso sustentável de seus
componentes e distribuir equitativamente
os seus benefícios. a cdb possui 191 países
signatários. em nagoya, a cop-10 discutirá
três grandes temas:
• criar um mecanismo internacional de
regulamentação do acesso aos recursos
genéticos da biodiversidade e de
repartição de seus benefícios.
• estabelecer metas de conservação da
biodiversidade para os próximos 10 anos.
40 [ bs ]
dÍvida e
ConservaÇão
o governo federal assinou, em agosto, com
os estados unidos, o primeiro acordo
brasileiro de conversão de dívida em
conservação ambiental. a usaid (agência
internacional de desenvolvimento dos
estados unidos) abriu mão de uma dívida de
us$ 21 milhões, paga regularmente pelo brasil,
em troca de investimentos na mata atlântica,
no cerrado e na caatinga. para administrar
o recurso, será criado um fundo de nove
membros, um deles da usaid. Quinze países
já assinaram acordos similares com os eua
desde a promulgação da lei norte-americana
para proteção de florestas tropicais, em 1998.
o embaixador luis alberto figueiredo, do
itamaraty, explicou que o atraso brasileiro se
deve à “complexidade dos meandros fiscais
dos tesouros dos eua e do brasil”.
lição de casa
O Brasil não atingiu a meta assumida como signatário da
Convenção sobre Diversidade Biológica de proteger 30%
da área original da Amazônia com unidades de conservação e 10% dos demais biomas até 2010. Segundo Maria
Cecília Wey de Brito, secretária de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), nenhum
país chegará a COP-10 com metas cumpridas. Apesar da
promessa quebrada, o Brasil tem avanços a relatar e assumiu compromissos até mais ambiciosos do que os que
integram a própria CDB.
Um desses avanços é o fato de o país ser responsável
pela criação de dois terços das áreas protegidas globais,
de 2003 até hoje. O dado consta no 3o Relatório do Panora-
ma da Biodiversidade Global (GBO3, em inglês). “O Brasil
contribuiu, sozinho, mais do que qualquer outro país do
mundo para esse tipo de iniciativa”, afirma Wey de Brito.
Outro ponto positivo é a queda de 75% na taxa anual de
desmatamento da Amazônia, desde 2004.
Além de ter criado um arcabouço legal avançado de
conservação, a secretária enfatiza que o Brasil chega
à COP-10 com um balanço positivo, que inclui o monitoramento por satélite de todos os biomas nacionais e a
adoção de mudanças que tornarão dinâmica a lista de
espécies ameaçadas de extinção. O país defenderá, na
conferência, que os Planos Nacionais com metas da CDB
sejam transformados em legislação nacional vinculante.
“Também defenderemos a necessidade do aporte de novos recursos financeiros para a implementação das ações
da CDB”, ressalta a secretária.
No que se refere à iniciativa privada, Maria Cecília
Wey de Brito afirma que o governo brasileiro considera importante a nova postura assumida pelas empresas mais avançadas. Apesar da pouca participação de
setores empresariais cujas atividades provocam grandes impactos ambientais, a secretária observa sinais
positivos nos novos planos de sustentabilidade anunciados recentemente para a produção de carne, soja,
[bs]
madeira e outras commodities.
[ bs ] 41
misso das empresas na publicação que o CEBDS prepara
para levar a Nagoya, reunindo as melhores experiências do setor privado brasileiro para reduzir seus impactos na diversidade biológica. O Conselho e as empresas
associadas já começam, por meio da CTBio, a buscar a
melhor ferramenta para a medição desses impactos. É
grande a expectativa para conhecer melhor alguns instrumentos, como a Ecosystem Valuation Initiative (EVI) que
será apresentada pelo World Business Council for Sustainable
Development (WBCSD) em Nagoya.
Durante a COP 10, o CEBDS fará um evento paralelo,
no dia 28 de outubro, com o tema Biodiversidade Brasileira e Ação Empresarial, quando serão apresentados
os melhores cases de redução de impactos em diversidade biológica. Cientistas, ativistas, especialistas e nego-
A perda de habitats provocada pelas ações socioeconômicas é uma das maiores ameaças à biodiversidade, na
opinião de André Ilha, diretor de Biodiversidade e Áreas Protegidas do Instituto Estadual do Ambiente do Rio
de Janeiro (Inea). Uma das soluções para enfrentar o di-
maria cecília Wey
de brito: empresas
podem ajudar
a conservar os
recursos naturais
ago/set 2010
ago/set 2010
• criar a plataforma científica
intergovernamental para a biodiversidade
e serviços ecológicos (ipbes, na sigla
em inglês), órgão provedor de dados e de
análises, com a responsabilidade similar
à que o painel intergovernamental de
mudanças climáticas (ipcc) tem para a
convenção do clima.
dilemas e soluções
lema, receita o ambientalista, é a criação e a manutenção de unidades de conservação, como parques, reservas
biológicas e estações ecológicas. Mas não basta criar só no
papel. O poder público precisa investir em pessoal, equipamentos e ferramentas de gestão das unidades.
A iniciativa privada pode contribuir para a manutenção das áreas protegidas não somente por exigência legal,
como ocorre nos casos de compensação ambiental atrelados à instalação de projetos potencialmente impactantes,
mas também de forma voluntária. Um exemplo, segundo
André Ilha, é a adoção do Parque Estadual da Ilha Grande, em 2009, pela Vale, por cinco anos. A mineradora investirá R$ 5 milhões em ações pela preservação da área de
12 mil hectares. Iniciativas semelhantes estão sendo negociadas com outras duas empresas. “A participação empresarial em ações pela proteção da biodiversidade é fundamental e muito bem-vinda”, diz o diretor do Inea.
Desde 2007, as áreas estaduais de proteção integral da
biodiversidade no Rio de Janeiro cresceram de 118 mil
hectares para 177 mil hectares. Outra área protegida em
processo de criação é o Parque Estadual da Costa do Sol,
na Região dos Lagos fluminense, estimada em 8 mil hectares, abrangendo vários ecossistemas, distribuídos em
sete municípios. O Rio de Janeiro vem liderando iniciativas de proteção da biodiversidade na Mata Atlântica.
Com investimentos de cerca de R$ 12 milhões, está melhorando toda a infraestrutura das UCs estaduais. Os
recursos são do próprio estado, oriundos de projetos de
compensação ambiental e de parcerias e doações empresariais, como as que estão ocorrendo no âmbito do Projeto de Proteção à Mata Atlântica (PPMA), financiado pelo
banco alemão KfW.
divulgação
teMas
da CoP-10
ciadores esperam que esse ano a Conferência da Biodiversidade alcance o mesmo nível de mobilização da
Conferência do Clima
Outro sinal da mobilização empresarial em defesa
da biodiversidade é a iniciativa de Alcoa, CPFL Energia,
Natura, Vale e Walmart Brasil de aderir ao Movimento
Empresarial pela Proteção e Uso Sustentável da Biodiversidade, lançado em agosto, em São Paulo. Também
participam da iniciativa o Instituto Ethos de Empresas
e Responsabilidade Social, a Fundação Getulio Vargas
e outras instituições. Entre as iniciativas, será elaborada uma carta de compromissos, após ampla discussão,
para ser entregue ao governo brasileiro e aos candidatos
à Presidência da República.
r e p o r ta g e m
a explosão da plataforma
deepwater horizon, no
golfo do méxico, derrubou
quase pela metade o valor
da british petroleum
lá se vai a empResa
o vaZamento de petróleo na british petroleum no golFo
do méxico abala o mercado e evidencia a importância
da gestão de investimentos responsável
rePortageM roberto rocKmann
42 [ bs ]
tidores. “O acidente no Golfo do México derrubou o valor
das ações da BP, o que mostra que o mercado responde
imediatamente aos impactos ambientais”, disse o secretário-adjunto da Federação Mundial de Bolsas, Peter Clifford, que participou, em julho, de uma reunião do órgão
na BM&FBovespa, em São Paulo. “Há um movimento forte, entre bancos e bolsas de valores, para aplicar critérios
socioambientais na análise dos investimentos. Isso crescerá nos próximos anos”, ressaltou.
Segundo os dados da Federação Mundial das Bolsas,
11% dos recursos investidos em fundos nos EUA estão atrelados a investimentos socialmente responsáveis. Na Europa, o percentual é maior: 17%. Com o baque da BP, a tendência é de que esses números avancem mais, porque em
outros países, como o Brasil, o interesse é cada vez maior.
“O acidente deverá reforçar a percepção dos investidores de que obter bons resultados sociais, ambientais e eco-
favaretto: triple
bottom line garante
bom investimento
vi, dos funcionários do Banco do Brasil, que tem participação direta ou indireta em diversas empresas brasileiras
e é signatário do Protocolo de Investimento Responsável
da Organização das Nações Unidas.
Com participação direta e indireta em cerca de 50 empresas, que, juntas, representam 30% do PIB brasileiro,
a Previ enxerga a sustentabilidade como peça essencial
de sua estratégia de investimento. “Somos investidores
de longo prazo, portanto selecionamos empresas que
busquem se perenizar. Analisamos como elas lidam com
as questões sociais, ambientais e se têm boa governança
corporativa”, afirma o diretor de Investimentos do fundo, René Sanda, que frisa que, ao lado dessa preocupação,
a Previ não investe em empresas que atuam com armamentos e fumo.
Para Sanda, o acidente da BP no Golfo do México indica que os conselheiros precisam assumir um papel
ainda mais estratégico nos conselhos das empresas, desempenhando papel mais ativo de gestor de riscos. “O
conselheiro tem de buscar antecipar problemas”, ressalta. Atualmente, a Previ tem cerca de 200 conselheiros
em empresas e, por meio deles, busca influenciar na gestão corporativa, reforçando as práticas sustentáveis. Há
onze anos é feito um evento anual, de três dias, em que
os conselheiros, reunidos, participam de palestras e seminários. Em 2010, o foco do encontro foi empreendedo[bs]
rismo e sustentabilidade.
[ bs ] 43
entre para a história corporativa. A explosão na plataforma Deepwater Horizon, a 77 quilômetros do litoral do estado norte-americano da Louisiana, provocou a morte de 11
pessoas, um vazamento de petróleo considerado o maior
acidente ambiental dos EUA e uma mancha indelével na
história da British Petroleum (BP). Desde o incidente, a
BP perdeu 40% do seu valor de mercado e informou que
irá se desfazer de US$ 30 bilhões em ativos. A venda de
bens tem um motivo: no segundo trimestre, a petroleira
britânica registrou prejuízo de US$ 17,15 bilhões, fruto da
provisão de US$ 32,2 bilhões feita para cobrir os custos
relacionados ao vazamento.
O vazamento tem feito empresas de todos os setores
reforçar seus procedimentos ambientais e de gestão de
riscos e deverá contribuir, também, para que a sustentabilidade ganhe espaço nas bolsas de valores e entre inves-
nômicos é peça fundamental de uma gestão bem-sucedida”, diz a diretora de Sustentabilidade da BM&FBovespa,
Sonia Favaretto. No Brasil, os fundos atrelados à agenda
sustentável movimentam cerca de R$ 1 bilhão, volume
que poderá crescer ao longo dos próximos anos.
Prestes a completar cinco anos em novembro, o Índice
de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bolsa de Valores de São Paulo foi estabelecido no âmbito do movimento
mundial, surgido na metade da década passada, de difusão dos conceitos de triple bottom line no mercado de capitais. “Desde então, o indicador tem ganho espaço e sido
utilizado pelas empresas como uma ferramenta para consolidar práticas na área”, afirma Sonia.
Em sua última edição, anunciada no fim de 2009, o ISE
reuniu 34 empresas negociadas na Bolsa. A próxima seleção deverá ser divulgada na última semana de novembro. No ano passado, foram entregues questionários a 150
empresas, para participarem do processo de seleção para
integrar o índice. Desse total, 51 responderam e 34 foram
selecionadas. A participação das empresas brasileiras corresponde ao que se vê em outros mercados: nos Estados
Unidos, são enviadas perguntas a mais de 2.500 empresas, mas apenas 500 respondem aos questionários.
“O caminho da sustentabilidade da empresa é longo,
assim como a percepção do investidor em relação ao tema.
Trata-se de perceber que é um consumidor consciente,
que, no supermercado, também deve selecionar os produtos nas prateleiras por critérios que não se refiram apenas
aos preços”, diz Sonia.
Estudo da Federação Mundial das Bolsas aponta que,
no mundo dos investidores institucionais, os fundos de
pensão têm contribuído para reforçar as práticas sustentáveis nas empresas em que investem. No relatório (veja
o site www.world-exchanges.org/sustainability), um
exemplo destacado, no Brasil, é o do fundo de pensão Pre-
ago/set 2010
ago/set 2010
vinte de abRil de 2010 talvez
ConselHeiros
de eMPresas
deveM
assuMir PaPel
Protagonista
CoMo gestores
de risCos
divulgação
ho new / Reuters
investimentos
paulo Whitaker / Reuters
r e p o r ta g e m
a metrópole
concentra 21%
da frota nacional
de veículos
mudanças climáticas
diagnóstico sobre riscos climáticos de são paulo
revela Que chuva intensa, acima de 50 milÍmetros,
era rara antes da década de 50. nos últimos
deZ anos, precipitações de maior volume
ocorreram de duas a cinco veZes por ano
rePortageM michele silva
são Paulo
ago/set 2010
44 [ bs ]
[ bs ] 45
que, se seguir seu histórico de ocupação e urbanização, nas próximas décadas São Paulo
sofrerá mais com eventos climáticos extremos de curta duração, como ondas de calor,
secas e temporais, aumentando o risco de enchentes e deslizamentos. O estudo, apresentado de
forma preliminar e com exclusividade no primeiro encontro do Ciclo Sustentável promovido
pelo Cebds, em maio, é do primeiro levantamento específico sobre os efeitos das mudanças
climáticas em megacidades brasileiras. Até o fim do ano, o Inpe apresentará as conclusões
sobre o Rio de Janeiro. Além do Centro de Ciência do Sistema Terrestre, do Inpe, participam
do trabalho o Núcleo de Estudos de População, da Universidade de Campinas, a Faculdade de
Medicina, da Universidade de São Paulo, o Instituto de Pesquisa Tecnológica de São Paulo e a
Universidade Estadual Paulista, de Rio Claro.
paredões de
edifícios em ruas
estreitas criam
ilhas de calor
com microclima
específico
soas moram na Região Metropolitana de São
Paulo, sendo 11 milhões na capital. A metrópole concentra 40 mil indústrias, 21% da frota nacional de veículos e 17% do consumo de
energia do país.
A capital já vive crises periódicas com
enchentes decorrentes de chuva intensa no
verão. Entre dezembro de 2009 e março de
2010, a cidade registrou o período mais chuvoso dos últimos 15 anos, segundo o Centro
de Gerenciamento de Emergências (CGE) da
prefeitura, com 18 mortes por deslizamentos
e enchentes, cinco vezes mais do que o registrado na temporada anterior. Mais de 2,5 mil
pessoas ficaram desabrigadas. A Defesa Civil
Estadual registrou recorde de vítimas fatais,
no verão passado, em todo o estado, desde
que passou a fazer a estatística das vítimas
das chuvas: 78 mortes.
É problemático associar eventos climáticos, como os registrados no início deste ano,
com as mudanças climáticas em curso na
atmosfera, reconhece Carlos Nobre. “A Região Metropolitana de São Paulo é uma das
realidades climáticas urbanas mais críticas
e insuficientemente estudadas do Brasil”,
constata o relatório. Mas o aumento da fre-
ago/set 2010
e
studo realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostra
Ricardo correa
vulnerável
A análise dos riscos de São Paulo prevê
que, se nada for feito, a mancha urbana da região metropolitana dobrará nos próximos 20
anos – um crescimento que poderá elevar de 2
a 4 graus centígrados a temperatura média da
região, entre os anos de 2070 e 2100. As novas
ocupações deverão se concentrar justamente
nas áreas mais vulneráveis, aumentando o
número de pessoas vivendo em locais de risco, na maioria já em situação irregular. Pelo
menos 20% da expansão urbana prevista se
dará em regiões com potencial de acidentes
naturais provocados pelas chuvas, e 11,17%
ocorrerá em locais com risco de deslizamento
(veja o mapa de riscos na página seguinte).
“A ocupação irregular é um dos mais graves problemas que as grandes cidades enfrentam. É preciso parar já o aumento das
moradias nessas áreas e deslanchar um grande programa de remoção das já existentes”,
sentencia o climatologista Carlos Nobre, do
Inpe, um dos coordenadores do estudo.
A urbanização é um fenômeno global em
aceleração. Atualmente, mais de 50% da população mundial vive em cidades. No Brasil, entretanto, esse percentual já ultrapassa
80%. Aproximadamente 20 milhões de pes-
r e p o r ta g e m
46 [ bs ]
são paulo:
Riscos climáticos
as vulnerabilidades do municÍpio
mais populoso do brasil
1
mancha urbana em expansão:
11 milhões de habitantes
2
enchentes: 2 a 5 chuvas de
50 mm/dia geradoras de inundações
3
Fluxo de veículos nas marginais
dos rios tietê e pinheiros: 1,2 milhão
de veículos por dia
4
bairros mais quentes
e densos
5
centro da cidade:
a maior ilha de calor
6
bairros mais arborizados
e menos quentes
7
2,7 milhões de moradores de favelas
e cortiços concentrados na zona sul
8
22% do município coberto por
loteamentos irregulares,
como na bacia da billings
mento de ações preventivas, na mitigação e na adaptação
aos efeitos das mudanças climáticas, estabelecendo metas de redução das emissões.”
Mas as medidas tomadas não estão sendo implantadas com o alcance e a velocidade necessários, segundo
Carlos Nobre. “Temos iniciativas, mas são modestas. Apenas para reduzir a vulnerabilidade das pessoas que moram em áreas de risco em São Paulo seria preciso gastar
o equivalente a uns quatro ‘bolsas-família’ por ano. No
Rio, precisaríamos de outros oito ou dez por ano”, estima.
mento da expansão de linhas de metrô. “É
possível dar ao sistema de transporte de ônibus a mesma eficiência do metrô, organizanParque da serra
1
da Cantareira
do a rede de transporte público de maneira
que todos funcionem melhor e não concorram no mesmo espaço”, afirma Lerner.
2
3
Segundo o urbanista, levam-se 20 a 30
Penha
anos
discutindo e investindo na expansão
4
sé
Mooca
do
metrô,
desconsiderando-se alternati6
5
4
vila
alto
formosa
vas
mais
baratas
e rápidas. “Nova York, por
Pinheiros
4
exemplo, levou 50 anos na discussão sobre a
3
expansão da rede metroviária e levará outros 20 na implementação. Sacrifica-se, asCampo
limpo
sim, uma geração inteira”, argumenta. Em
7
jabaquara
Curitiba, o sistema BRT (Bus Rapid Transit),
7
Mapa da 28
implantado por Lerner quando foi prefeito,
subprefeituras
7
funciona em vias expressas interligadas por
jardim
Cidade
ângela
terminais, deslocando 2 milhões de pessoáRea uRbana
ademar
7
as diariamente. “É a mesma quantidade de
vegetação
pessoas que o metrô de Nova York transpor8
maRginais
tará com a ampliação”, afirma.
represa
A mobilidade é um dos grandes desafios
guarapiranga
das megacidades, aponta o estudo de vulrepresa
região
billings
nerabilidade climática. Os veículos são resMetropolitana
ponsáveis por 40% das emissões de gases
• 39 municípios
particulados e por 31% do dióxido de enxo• 20 milhões de pessoas
fre (SO2) existentes no ar de São Paulo. O as6
• 40 mil indústrias
falto e o concreto da abertura de novas vias
Parelheiros
• 5,7 milhões de automóveis
impermeabilizam o solo, e a canalização de
• 2,4 milhões de toneladas
de
poluentes
emitidos
rios e córregos compromete a drenagem.
área de Proteção
Capivari-Monos
por ano
Com a densa urbanização, multiplicam-se
• 35,3 milhões de
os cenários de ilhas de calor, elevação da
megawatts consumidos
temperatura e aumento de temporais e de
por hora (17% do total
nacional)
inundações. Como consequência, cresce o
número de vítimas por desabamentos, afogamentos e acidentes de trânsito.
O investimento em transporte público é a alternaideias simples
tiva insistentemente proposta pelo estudo, entregue
O urbanista paranaense Jaime Lerner concorda. Apon- ao governo e à prefeitura de São Paulo em junho. O dotado pela revista Time como um dos 25 pensadores mais cumento recomenda que os planos urbanísticos deiinfluentes do planeta, Lerner prega o fim da segmenta- xem de ser regidos fundamentalmente pelas decisões
ção das cidades por nichos – comercial e residencial, por do setor imobiliário. Defende a modernização do setor
exemplo – e a diminuição da desigualdade entre as regi- de transportes, a ampliação das linhas de metrô e de
ões pobres e ricas, propondo alternativas mais simples. trens interurbanos e a implementação de transportes
Acredita que não é difícil transformar uma megacidade intermodais, interligando ferrovias e rodovias, inclu[bs]
e defende o investimento no sistema de ônibus, em detri- sive para o transporte de cargas.
[ bs ] 47
quência das inundações impressiona. Chuva intensa,
acima de 50 mm, era algo raro antes da década de 50.
Nos últimos dez anos, precipitações de maior volume
ocorrem, em média, de duas a cinco vezes por ano. Chuvas acima de 30 mm em um dia já são suficientes para
causar enchentes graves.
O estudo mostra que São Paulo apresenta quadros diferentes de temperatura conforme as características de cada
área, apontando para a existência de microclimas na cidade. A área central, em volta da Praça da Sé, com edifícios altos e próximos uns dos outros, ruas estreitas e pátios
confinados, constitui o epicentro de uma ilha de calor. A
impermeabilização do solo, o concreto e o asfalto irradiam
50% mais calor do que as superfícies com vegetação. É a região mais quente da cidade. Bairros com altíssima densidade populacional, como Mooca, Tatuapé, Água Rasa, Carrão,
Vila Formosa, Penha e Vila Matilde, registram os maiores
extremos de temperatura, entre 30º C e 33º C.
Por outro lado, bairros de maior renda, localizados em
altitudes mais elevadas e privilegiados pelo verde, apresentam média de temperatura menor, como Cidade Jardim, Alto de Pinheiros e Morumbi, além das regiões próximas às represas Billings e Guarapiranga (veja infográfico).
A desigualdade acompanha a concentração dos riscos.
Aproximadamente 30% da população da cidade, cerca de
2,7 milhões, vivem em favelas, cortiços e habitações precárias, que ocupam, na maioria, áreas ilegais. A zona sul,
onde está metade das favelas da cidade, concentra a maioria dos locais com risco de deslizamentos, nas subprefeituras de Jabaquara, Cidade Ademar, Pedreira, Cidade Dutra,
Jardim Ângela, Capão Redondo e Campo Limpo.
Na região metropolitana, os municípios com mais problemas são Guarulhos, Osasco, São Bernardo do Campo,
Santo André e Barueri. “As áreas de risco de uma megacidade contituem um entrave enorme ao desenvolvimento.
É fundamental não deixar a ocupação desordenada crescer. A necessidade de crescimento, principalmente da região metropolitana como um todo, tem de ser ordenada e
feita em outras bases”, analisa Nobre.
A construção de parques lineares nas margens de rios
e córregos é umas das ações mitigadoras da prefeitura
paulistana para prevenir enchentes, manter áreas verdes e evitar que se tornem focos de ocupação irregular.
Segundo o secretário municipal do Verde, Eduardo Jorge,
mais de dez foram implantados desde 2005 e outros vinte
estão em obras. “São Paulo saiu na frente no estabeleci-
ago/set 2010
ago/set 2010
mudanças climáticas
r e p o r ta g e m
pResidenciáveis
serra: agenda ambiental não
ameaça desenvolvimento futuro
Marina: a sustentabilidade é
a base para o desenvolvimento
dilma: é possível crescer e ser
ambientalmente sustentável
falaM
os três principais candidatos à presidência da república explicam,
com exclusividade, à brasil sustentável, seus proJetos para
uma “economia verde”. as mesmas perguntas Foram enviadas a
dilma rousseFF, José serra e marina silva com a carta da presidente-executiva do cebds, marina grossi, Que abre essa entrevista
48 [ bs ]
Marina Grossi, presidente-executiva do CEBDS
dilMa rousseff No governo Lula, demonstramos que é possível
crescer, distribuir renda e ser ambientalmente sustentável. Esse é o modelo de desenvolvimento que perseguimos e que continuarei perseguindo.
Entendo ser fundamental, para isso,
avançar na agenda da sustentabilidade em todos os segmentos de políticas
públicas. Ao enfrentar o déficit habitacional, por exemplo, devemos buscar maior eficiência na construção
civil, com empregos verdes, eficiência
energética, certificação de madeira,
redução nos custos socioambientais
da construção e da manutenção. Por
isso, previmos que os 2 milhões de moradias populares a serem construídos
a partir de 2011 pelo programa Minha
Casa Minha Vida terão aquecimento
solar. Devemos valorizar o desenvolvimento tecnológico para o incremento
da agricultura, em particular para o
aumento da produtividade e a redução
de custos, assegurando a expansão da
produção de alimentos sem provocar
novos desmatamentos. No Plano Safra
2010/2011, em linha com as propostas
defendidas pelo Brasil na COP-15, criamos o Programa Agricultura de Baixo
Carbono, para apoiar o plantio direto
e aumentar a utilização do Sistema de
Integração Lavoura-Pecuária-Floresta.
Estamos implementando programas
de recuperação de áreas degradadas,
como é o caso do Programa de Produção
Sustentável de Óleo de Palma, lançado
na Amazônia e no Nordeste. Na área
de energia, o Brasil deve manter a sua
matriz energética limpa, incrementando a participação das fontes renováveis, hidroelétrica, biomassa, eólica
e solar. No PAC2, previmos investir R$
9,7 bilhões, entre 2011 e 2014, em fontes
alternativas, em especial eólica e biomassa. É possível promover geração de
eletricidade de forma sustentável, reduzindo os custos sociais e ambientais,
como é o caso da Usina Dardanelos, em
Mato Grosso, concebida como usina de
fio d’água, ou seja, aproveitando a vazão constante natural do rio, sem precisar represar a água. Quero reiterar
o compromisso com a implementação
da Política Nacional de Mudanças Climáticas, bem como com a consolidação
dos acordos setoriais no âmbito do Pla-
[ bs ] 49
construir as bases de uma nova ordem nas relações internacionais. Vemos a ascensão de novas potências,
o surgimento de novos interlocutores e o surgimento de um novo mercado consumidor formado por
populações que podem ser contadas aos bilhões. Os principais atores desse jogo já estão se preparando.
A China, um dos maiores poluidores do mundo, tem orientado suas estratégias para liderar as inovações
na área da economia verde. Países fortemente dependentes de combustíveis fósseis, como os EUA e a
Rússia, buscam alternativas para superar essa condição. Velhos e novos players, como a União Europeia,
a Índia e o Japão, potencializam seu capital humano para fazer valer as vantagens comparativas
de uma economia baseada no conhecimento e na excelência educacional. A sustentabilidade já
é um valor. A questão, agora, é como incorporá-la às estratégias de negócios e às políticas públicas.
Apesar da sua condição privilegiada, o Brasil ainda avança timidamente nesse cenário. Percebemonos menores do que o mundo nos percebe. Segundo o Relatório Vision 2050, do WBCSD (sigla em inglês do
Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável), dentre todas as potências velhas
e ascendentes somos a mais próxima de se tornar uma “economia verde” detentora de um bom índice de
desenvolvimento humano, com pequena pegada ecológica. Mas, para isso, carecemos de incentivo e de
regulação adequada, de investimento em educação e inovação tecnológica e, sobretudo, de planejamento
capaz de realizar as mudanças necessárias para manter e ampliar nossas vantagens.
O CEBDS reúne cerca de 40% do PIB brasileiro entre seus associados. Entendemos que, para sermos
líderes na nova economia mundial, que adequará bem-estar, justiça social e respeito aos limites do
planeta, devemos articular ações empresariais com políticas públicas capazes de consolidar nosso
natural protagonismo. Não podemos nos omitir dessa responsabilidade, sob pena de perdermos
uma oportunidade histórica única para consolidar nossa liderança global em um mundo que já sabe
o tamanho dos desafios que enfrentaremos. Esta é a oportunidade de liderança que gostaríamos de ver
os candidatos à Presidência da República assumir.
bs - o brasil tem abundância de ativos naturais, como sol, água,
solo e biodiversidade, a matriz energética mais limpa e excelência
em setores-chave, como energia, agricultura e mineração.
estamos próximos de alcançar a condição de “economia
verde”. Como avançar para conquistar um bom índice de
desenvolvimento humano com uma menor pegada ecológica?
ago/set 2010
ago/set 2010
estamos diantede um desafio de grandes proporções:
fotos: Ricardo corrêa
os Candidatos
r e p o r ta g e m
pResidenciáveis
no Nacional de Mudanças Climáticas.
O grande avanço que tivemos nestes
oito anos, e que continuará sendo a
marca da nossa gestão, será vincular
as questões social e ambiental. Consolidar esse modelo de desenvolvimento
nos levará a uma situação de maior
justiça social, de valorização dos nossos recursos naturais e de preservação da nossa biodiversidade.
50 [ bs ]
Marina silva A questão central é a visão estratégica para o momento que vivemos. O pensamento das lideranças políticas dominantes hoje é de
que o Brasil pode crescer e se desenvolver gerenciando os impactos ambientais. Entendemos que essa visão, oriunda dos anos 90, já está ultrapassada. No
Brasil, a sustentabilidade é a base para
o desenvolvimento de longo prazo. A
inflexão do mundo para uma nova economia, baseada em baixas emissões de
carbono e na conservação dos recursos
naturais, é uma oportunidade sem precedentes para o crescimento e o desenvolvimento do Brasil. Temos o maior
potencial do mundo em energia eólica,
solar, hidroelétrica e de biomassa, associado a uma sociedade naturalmente
empreendedora e de grande diversidade. Essa visão deve orientar todas as políticas públicas, da reforma tributária
aos programas de incentivo econômi-
bs - Como avalia as
iniciativas, as ações
das empresas,
do governo e da
sociedade brasileira
na busca pela
sustentabilidade?
dilMa rousseff O Brasil
experimenta um momento único de
desenvolvimento econômico e social,
com avanços expressivos na agenda da
sustentabilidade. Progressivamente,
essa agenda tem sido assumida e compartilhada pelo conjunto da sociedade.
Entendo que avançamos muito na cor-
responsabilidade das ações em torno da
sustentabilidade. Cito, por exemplo, o
apoio do setor produtivo ao Zoneamento Agroecológico da Cana de Açúcar, que
cria um ambiente de maior sustentabilidade e competitividade à produção nacional. O apoio à atividade produtiva e à
inclusão social dos catadores de material
reciclável também se alinha aos esforços que o governo e a sociedade têm feito
pela sustentabilidade. A nova política de
resíduos sólidos também nos dará, nos
próximos anos, oportunidade única de
estabelecer parcerias para a construção
de soluções permanentes em torno da
eliminação dos “lixões”, do reaproveitamento e da reciclagem dos resíduos sólidos, da consolidação de cooperativas de
catadores e da adoção da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos
produtos. Nos próximos anos, o Brasil
tem o desafio de aproximar a gestão pública ambiental da gestão ambiental privada, construindo as novas bases para a
sustentabilidade. Entendo que os compromissos devem ser públicos, transparentes e voltados para uma realidade
que viabilize o alinhamento de todos em
torno da sustentabilidade do desenvolvimento, da transição para uma economia
de baixo carbono e da conservação da
biodiversidade, segundo uma abordagem de valoração dos ativos e dos serviços ecossistêmicos.
lhe fosse cobrado. O papel do governo é
conduzir esse avanço. Para isso, no entanto, tem de produzir medidas concretas e se engajar na conscientização
de empresas e pessoas. Mitigar o aquecimento global, reduzindo as emissões
de GEE, representa a grande tarefa da
humanidade no século 21. A lei de mudanças climáticas que aprovamos em
São Paulo, propondo uma redução, com
base em 2005, de 20% nas emissões de
GEE até 2020, é ousada e radical. Mas a
postura do governo federal em Copenhague, na COP-15, foi muito tímida e
atrasada. Outro aspecto em que o Brasil
retrocedeu nos últimos anos foi na matriz energética. O governo atual determinou que 60% da nova energia, entre
2012 e 2016, terá como fonte combustíveis fósseis. Isso é uma tragédia para
nossa população, é um retrocesso para
um país que aspira à liderança política
e econômica. O Brasil tem de construir
urgentemente projetos hidrelétricos,
sem se assustar e se apequenar com exigências do licenciamento ambiental.
Projetos bem feitos conseguem licença
ambiental rápido. Quer dizer, deve fazer
o contrário do que fez em Belo Monte,
uma usina que será feita com dinheiro
do governo, sem risco empresarial, com
subsídios fortíssimos, muito discutíveis
do ponto de vista ambiental e obscuros
do ponto de vista econômico.
josé serra A agenda am- Marina silva Iniciativas
biental ganhou grande espaço nos últimos anos, mas é preciso continuar
avançando. Ainda há bolsões atrasados.
É triste ver que somente em 2009 a Petrobras se comprometeu a distribuir
o diesel S50, e só depois de acionada na
Justiça pelo governo de São Paulo. Não
deveria ser assim. Como segunda empresa do país e maior estatal brasileira,
a Petrobras deveria ter demonstrado
consciência ambiental antes que isso
em prol da sustentabilidade nas instâncias governamentais, empresariais e da
sociedade civil têm sido determinantes
para pautar a necessidade de um novo
modelo de desenvolvimento. Os núcleos vivos da sociedade se multiplicam e
criam inúmeras experiências, que, ao se
consolidarem, vão abrindo o caminho
para as políticas públicas mais amplas.
Pelo lado do governo, precisamos superar o paradigma do Estado unicamente
provedor para o Estado mobilizador e fomentador das transformações na sociedade. Em geral, hoje, no Brasil, a sociedade está muito à frente dos governos em
iniciativas de promoção da sustentabilidade. Por isso, as parcerias público-privadas envolvendo empresas e organizações
da sociedade civil são cada vez mais fundamentais. O Brasil tem uma enorme
oportunidade de materializar essa oportunidade de cooperação em setores como
gestão de unidades de conservação, saneamento básico, captação de água de chuva e, principalmente, no estabelecimento de planos setoriais para transição para
economia de baixo carbono, prevista na
Lei da Política Nacional de Mudanças Climáticas. Cada setor terá de aplicar o melhor das experiências das empresas e da
sociedade civil para montar políticas públicas que incentivem o crescimento dos
setores ao mesmo tempo em que reduzam as emissões de gases de efeito estufa.
bs - levando-se
em conta o valor
econômico dos
ecossistemas e
da biodiversidade
apresentado pelo
relatório teeb 2010
(the economics
of ecosystems
and biodiversity),
como acredita
que o brasil pode
se beneficiar
de sua enorme
biodiversidade?
dilMa rousseff O Relatório Teeb mostra que todos os países
[ bs ] 51
ro lugar, quero afirmar que a agenda ambiental não ameaça o futuro do
desenvolvimento, como algumas manifestações lamentáveis querem fazer
crer. Inexiste contradição entre preservação do meio ambiente e desenvolvimento, seja econômica, seja social.
Quem diz que a defesa ambiental atrapalha o crescimento do país mostra um
raciocínio atrasado e equivocado, derivado da economia predatória que impera desde a revolução industrial. É possível, sim, fazer o país crescer e, ao mesmo
tempo, defender o meio ambiente, preservar as florestas, a qualidade do ar e
da água, bem como reduzir as emissões
de gases de efeito estufa (GEE). Isso vale
tanto para a cidade quanto para o campo, a indústria e a agropecuária. As fábricas que controlaram suas emissões
de poluentes atmosféricos ou efluentes
não deixaram de ser competitivas no
mercado. Pelo contrário, agregaram valor aos produtos e ganharam renovada
credibilidade junto ao consumidor, internamente e no exterior. Também não
são incompatíveis a proteção do meio
ambiente e o dinamismo extraordinário da agropecuária brasileira. É possível conseguir um acordo entre ruralistas e ambientalistas e alcançar uma
moratória no desmatamento nos biomas da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal, sem causar nenhum impacto à
produção agropecuária. Há como avan-
co, da saúde à agricultura, da reforma
do sistema previdenciário à política
de ciência e tecnologia. Por exemplo,
a reforma tributária deve ser capaz de
redistribuir o peso tributário de forma
a favorecer as alternativas de menor
emissão de GEE e desfavorecer as alternativas de maior emissão. A chave para
tornar esse potencial uma realidade
pulsante está na educação de qualidade. É preciso fazer uma revolução na
educação, valorizando os profissionais
de ensino, repensando os conteúdos e
formas para atender às demandas contemporâneas, fazendo escolas onde os
jovens tenham gosto e interesse em
aprender e que atendam às demandas
da sociedade para uma economia sustentável. Não podemos simplesmente
reproduzir mais escolas técnicas para
ensinar as profissões de 30 anos atrás.
Precisamos formar agora profissionais
contemporâneos, como gestores de redes sociais, designers de informação,
técnicos em reciclagem e reutilização
de materiais, engenheiros e técnicos de
energias renováveis e muito mais.
ago/set 2010
ago/set 2010
josé serra Em primei-
çar na proteção ambiental respeitando
os produtores rurais, sem atrapalhar a
produção no campo. Precisamos gerenciar bem nossos recursos hídricos. Nas
regiões mais habitadas e industrializadas, a fartura de água limpa se esgotou
há tempo, e, no Nordeste, o fenômeno
da seca afeta milhões de pessoas. Precisamos também avançar rápido numa
área em que o atual governo fracassou:
o controle da poluição atmosférica nas
regiões metropolitanas, com a reversão
dos métodos de transportes e, inclusive,
com programas de inspeção veicular.
Os fenômenos climáticos extremos que
têm ocorrido – ainda agora, São Paulo
está com um alerta vermelho na poluição do ar – parecem antecipar o fenômeno do aquecimento global. Temos de
agir rapidamente, definindo políticas
de adaptação, mapeando as áreas de risco e aplicando medidas inadiáveis para
preservar vidas humanas e a economia.
r e p o r ta g e m
pResidenciáveis
52 [ bs ]
Marina silva O Brasil é o
país com a maior riqueza de biodiversidade do planeta. Isso representa um potencial enorme em
valor econômico, que pode permanecer apenas como potencial ou ser
alavancado para se tornar um dos
pilares do desenvolvimento sustentável. Para isso, é fundamental
um conjunto articulado de ações.
Primeiro, é crucial o investimento em educação científica em todos os níveis do ensino, de forma
a criar gerações de inovadores que
transformem o potencial da biodiversidade em produtos e serviços
para a sociedade. Segundo, é fundamental que se aprove um marco regulatório para o uso e o acesso dos recursos da biodiversidade
que estimule a ciência e a inovação
e que, ao mesmo tempo, reconheça e remunere os conhecimentos
tradicionais associados ao seu uso.
Apresentei um projeto de lei sobre
a matéria que tramita há mais de
dez anos no Congresso. Terceiro, é
fundamental a articulação de políticas de incentivo que promovam a
inserção rápida de produtos e serviços da biodiversidade no mercado e premiem a sustentabilidade
ao longo da cadeia de produção, gerando um círculo virtuoso de pesquisa, inovação, produção e consumo sustentável capaz de alimentar
a economia de baixo carbono. Por
fim, é fundamental a implementação de uma política de pagamento
por serviços ambientais, envolvendo os setores público e privado, que
reconheça e remunere os serviços
de proteção e manutenção dos recursos e os meios de sustentação
da vida, como a biodiversidade e a
água. Esse conjunto de ações deve
ser enquadrado numa visão estratégica da biodiversidade como ativo impulsionador do desenvolvimento sustentável, e não apenas
um item no checklist de “cuidados”
do processo de desenvolvimento.
bs - o brasil
deve passar por
um período de
grandes obras de
infraestrutura
urbana com os
megaeventos
previstos para
os próximos seis
anos no país.
Como incorporar
a questão da
sustentabilidade
ao planejamento
dessas obras?
dilMa rousseff Nós já
incorporamos a questão da sustentabilidade no planejamento e nas propostas de investimento para a Copa
de 2014 e para as Olimpíadas de 2016.
No modelo de governança criado pelo
Governo Federal para a Copa de 2014,
já foi instalada uma Câmara do Meio
Ambiente para implementar a Agenda de Sustentabilidade do evento.
As obras dos estádios vão incorporar
princípios da construção sustentável
e da eficiência energética. As propostas para mobilidade urbana estão voltadas para soluções sustentáveis para
o transporte coletivo. Os investimentos em saneamento nas cidades-sede
permitirão ampliar e qualificar os
sistemas de abastecimento de água
e de tratamento de esgotos, além da
adoção de práticas de aproveitamento e reciclagem dos resíduos sólidos.
No caso da ampliação da rede hoteleira, que será financiada pelo BNDES,
foram criadas condições mais favoráveis de crédito para os projetos que se
encaixem nas categorias “Hotel Sustentável” e “Hotel Eficiência Energética”, conforme certificação do Inmetro. Avançaremos na estruturação
de nossos parques nacionais para o
turismo sustentável com a adoção do
Programa Parques do Brasil. Esses
eventos serão oportunidades únicas
para nosso país consolidar um novo
patamar para as cidades brasileiras
em torno da sustentabilidade.
josé serra Agindo com firmeza, recusando as tentações populistas e resistindo aos apelos dos que
não têm compromisso com o dinheiro público. Modernamente, a Copa
do Mundo de Futebol e as Olimpíadas são grandes eventos de turismo
e marketing e, portanto, são financiados por investidores privados, que
delas tiram lucros vultosos, e não
pelo dinheiro público. No Brasil,
existe sempre a tentação do dinheiro público, que a essas pessoas parece fácil. É como abrir uma torneira
e deixar a água escoar. Num governo sério, não é assim não. O governo
vai colaborar para o sucesso da Copa
do Mundo e das Olimpíadas, naturalmente, mas sem comprometer
largas parcelas de recursos oficiais
que podem ser destinados à saúde e
à educação do povo brasileiro. Quem
deve investir mais nesses eventos é
quem terá lucros estratosféricos com
eles. Quanto à questão da sustentabilidade em si, basta aliar racionalidade e
rigor à gestão das licenças ambientais.
Marina silva O foco deve
ser aproveitar a realização dos megaeventos no Rio e em outras cida-
des para impulsionar o crescimento
econômico sustentado. Essa meta
se traduz em diversos objetivos, tais
como: aumentar significativamente
o uso de energias renováveis na frota urbana de transporte e na infraestrutura esportiva a ser construída
para os eventos; alinhar os empregos
que serão necessários no curto prazo
com os empregos desejados no longo prazo; oferecer oportunidades de
treinamento e educação aos trabalhadores da construção civil e de outros setores, para capacitá-los a atuar
nas áreas de tecnologia verde e baixo
carbono; criar novos polos de desenvolvimento urbano; impulsionar o
desenvolvimento da indústria do turismo, tornando o Brasil um destino
prioritário para as famílias interessadas na proteção do meio ambiente e
do planeta; fortalecer a indústria nacional, preferencialmente as micro
e pequenas empresas de produção de
materiais esportivos ambientalmente sustentáveis, por meio de linhas de
crédito e mecanismos para desonerar
a cadeia produtiva, cumprindo a legislação em vigor. Também podemos
criar um calendário permanente, a
partir de 2011, para a realização de
fóruns sobre o tema Esporte e Economia, estimulando a criação de cursos de pós-graduação de Economia
Esportiva. Essas e outras demandas
devem ser tratadas em um fórum
permanente, aberto à participação
da sociedade civil, em especial nas
cidades-sede dos eventos, de forma a
compartilhar a definição do seu legado com a sociedade. Por fim, é fundamental que haja total transparência
na definição, na execução e na fiscalização do uso dos recursos públicos
[bs]
na preparação dos eventos.
[ bs ] 53
josé serra De muitas maneiras. Em primeiro lugar, avançando no número de empresas
exportadoras que adotaram os
princípios da “economia verde”
e tiveram uma forte agregação de
valor em seus produtos, uma agregação notável, que é o reconhecimento e a legitimidade do res-
peito aos valores ambientais. Isso
vale ouro no exterior e é cada vez
mais considerado pelo consumidor brasileiro. Por outro lado, temos uma reserva notável de água
– 12% da disponibilidade mundial
de águas superficiais, sendo três
quartos advindos dos rios da Amazônia, que estão em nosso território, e temos importantes aquíferos, muitos ainda não explorados.
Num planeta em que a água doce
escasseia, ficamos bem no filme,
até porque o bom gerenciamento
dessa água pode melhorar nossa
capacidade de produção agrícola.
E não vamos esquecer que 60,7% do
nosso território são cobertos com
florestas naturais. São 517 milhões
de hectares, sendo 356 milhões
(68,8%) na Amazônia, detentora
de 10% da biodiversidade do planeta. Essa floresta, além de sua função nobre na absorção de carbono,
guarda um extraordinário bioma,
capaz de fornecer insumos nobres
para várias indústrias do futuro,
além de ser um permanente foco
de pesquisas científicas. Por último, cabe ao governo estimular um
avanço decisivo nas formas energéticas alternativas, frente ao patrimônio natural de que dispomos.
A energia eólica, a energia solar e a
energia da biomassa têm de sair da
prancheta das curiosidades exóticas e virar realidade rapidamente.
ago/set 2010
ago/set 2010
devem avançar na valoração da
biodiversidade, com base numa
economia que considere a equidade intergeracional, a ética e o
bem-estar da atual geração. O Brasil é hoje um dos países com maior
capacidade para lidar de forma
sustentável com os três temas estratégicos para o mundo na próxima década: clima, segurança energética e segurança alimentar. Os
compromissos que assumimos na
COP-15 são desafiadores, mas viáveis, e expressam nossa visão de
desenvolvimento sustentável, de
como podemos e iremos conciliar
crescimento econômico com a nossa extraordinária biodiversidade.
Precisamos consolidar o marco regulatório sobre pagamento por serviços ambientais, ampliar o mercado para os produtos da cadeia da
sociobiodiversidade e induzir novos mercados para o uso sustentável dos nossos recursos naturais. O
mesmo deve ocorrer na repartição
dos benefícios do acesso aos recursos da biodiversidade. É necessário,
ainda, apropriar-se da economia
dos ecossistemas e da biodiversidade para incrementar o fluxo de recursos, consolidar o nosso sistema
de áreas protegidas e aperfeiçoar a
formulação de políticas públicas sobre o uso da terra.
falsa
contRovéRsia
retranca
« R e p o R tag e m s i lv i a Wa R g a f t i g »
opiniões divergentes sobre temas polêmicos
vinho X ceRveJa: Qual o mais sustentável?
54 [ bs ]
ago/set 2010
vinHo
Cerveja
“A cadeia do vinho no Brasil é um exemplo de responsabilidade social. O Rio Grande do Sul é responsável
por 90% da produção nacional, e 90% dela é feita por
750 vinícolas de pequeno e médio portes, de 20 mil famílias, em propriedades de até dois hectares. O restante é produzido em Santa Catarina e no Vale do Rio São
Francisco, na Bahia e em Pernambuco. A manutenção
dos minifúndios gaúchos garante a rentabilidade de
um modelo de negócio sustentável e evita problemas
socioeconômicos como o êxodo rural, que gera desemprego nas cidades. Quanto à agricultura da uva, além
de não ser agressiva e seguir controles rigorosos de
agrotóxicos, está em fase de adoção uma nova tecnologia chilena contra pragas por meio de calor, a Thermal
Pest Control (TPC), que utiliza ar quente para imunizar
as plantas, diminuindo o consumo de água e de pesticidas. A embalagem também tem recebido atenção da
indústria, utilizando menos volume de vidro nas garrafas, o que reduz o consumo de combustível no transporte e as emissões de gás carbônico. Outra iniciativa é o
uso de embalagens mais sustentáveis e com capacidade
superior a 750 ml – o volume padrão das garrafas. As do
tipo longa vida, por exemplo, são mais leves e comportam um litro. Já as bag-in-box chegam a comportar cinco
litros e, depois de abertas, mantém a validade do produto por 30 dias. O consumo brasileiro anual, per capita,
é de 2 litros, enquanto na Argentina e no Uruguai é de
30 litros e de 20 litros, respectivamente. Mesmo assim,
a produção nacional tem representatividade: dos 300
milhões de litros de vinho comercializados em 2009,
240 milhões foram produzidos no Brasil.”
“A cerveja é um produto cada vez mais relevante para
o Brasil, que já se tornou o terceiro maior produtor no
mundo, tendo passado a Alemanha, atrás somente da
China e dos Estados Unidos. O consumo per capita do país,
porém, não é alto: 60 litros por ano, contra 160 litros na
República Tcheca, o campeão. Do volume comercializado, 85% são cervejas comuns, do estilo pilsen, 10% são de
baixo custo e 5% são nacionais de estilo premium ou importadas. O maior impacto da bebida vem das grandes
indústrias, que lideram as iniciativas de sustentabilidade no setor. Um exemplo é a inserção no mercado de barris de cinco litros, chamados kegs, que reduzem a quantidade de embalagens e são úteis para consumidores de
grande quantidade. Na produção, destacam-se as ações
de reaproveitamento da água utilizada na lavagem dos
tonéis. Vale ressaltar que a pegada hídrica da cerveja é
de 75 litros de água para cada 250 ml da bebida, inferior
à do café (140 litros de água para cada 125 ml), vinho (120
litros de água para cada 125 ml) e suco de maçã (190 litros
de água para cada 200 ml), segundo o Water Footprint
Network. Já o lúpulo, ingrediente essencial para a fermentação, é importado, mas seu alto rendimento e a importação em larga escala diminuem o impacto do transporte. Os resíduos orgânicos gerados no processo já têm
destinação adequada e são transformados em adubo ou
incorporados à ração animal. A distribuição do produto
final é estratégica para as indústrias, já que distâncias
superiores a 500 quilômetros encarecem a bebida em
mais de 10%. Por isso, as grandes cervejarias buscam estar próximas dos principais centros de distribuição e de
consumo, o que reduz a emissão de CO2.”
d i e g o b e r t o l i n i , diretor de marketing do instituto
brasileiro do vinho (ibravin)
m a r c e l o c e r Q u e i r a , presidente da associação
brasileira dos degustadores de cerveja (abradeg)

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